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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE BIBLIOTECONOMIA E COMUNICAÇÃO DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO PROJETO EXPERIMENTAL EM JORNALISMO I – MONOGRAFIA O GÊNERO BIOGRÁFICO COMO EXPRESSÃO DO FAZER JORNALÍSTICO Uma análise de conteúdo da produção biográfica de Ruy Castro em Carmen Cláudia Flores Porto Alegre 2007

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE BIBLIOTECONOMIA E COMUNICAÇÃO

DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO PROJETO EXPERIMENTAL EM JORNALISMO I – MONOGRAFIA

O GÊNERO BIOGRÁFICO COMO EXPRESSÃO DO FAZER JORNALÍSTICO

Uma análise de conteúdo da produção biográfica de Ruy Castro em Carmen

Cláudia Flores

Porto Alegre 2007

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O GÊNERO BIOGRÁFICO COMO EXPRESSÃO DO FAZER JORNALÍSTICO

Uma análise de conteúdo da produção biográfica de Ruy Castro em Carmen

Cláudia Flores

Monografia de conclusão apresentada à Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social, habilitação em Jornalismo. Orientadora: Clarice Esperança

Porto Alegre 2007

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Os encantos de fazer uma biografia são infinitos.

Ruy Castro

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao meu pai e à minha mãe, por tudo que suas presenças a mim representam.

Aos meus avós, pela experiência, confiança e carinho. À Clarice Esperança, pela orientação,

generosidade e paciência. E aos professores Cida Golin e Wladymir Ungaretti, pelo apoio ao

longo desta jornada.

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RESUMO Esta monografia tem por objetivo identificar as relações entre o gênero biográfico e o Jornalismo Literário, a partir da obra Carmen: uma biografia, de Ruy Castro. A intenção é contribuir para a discussão sobre a biografia como gênero que expresse o fazer jornalístico-literário, tendo como metodologia a análise de conteúdo. Para tanto, os aspectos construção narrativa, estilo, voz narrativa, construção da personagem e verossimilhança foram descritos e discutidos como categorias de verificação, partindo da leitura analítica da obra. O resultado obtido é o da relação da produção biográfica no campo do jornalismo com a produção do Jornalismo Literário, caracterizada pela profundidade, detalhamento e subjetividade. PALAVRAS-CHAVE: Jornalismo Literário; biografias; Ruy Castro; Carmen Miranda

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................7

2. BIOGRAFIAS...................................................................................................................9

2.1. CARMEN: UMA BIOGRAFIA.............................................................................................9 2.2. RUY CASTRO: A VOZ AUTORAL .................................................................................19 2.3. BIOGRAFIA: DEFINIÇÕES............................................................................................22

3. JORNALISMO LITERÁRIO .......................................................................................27

4. METODOLOGIA...........................................................................................................35

5. ANÁLISE DA NARRATIVA DE CARMEN: UMA BIOGRAFIA.............................39

5.1. VOZ NARRATIVA........................................................................................................39 5.2. CONSTRUÇÃO NARRATIVA.........................................................................................43 5.3. ESTILO NARRATIVO ...................................................................................................46 5.4. CONSTRUÇÃO DA PERSONAGEM.................................................................................48 5.5. VEROSSIMILHANÇA ...................................................................................................49

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................................51

REFERÊNCIAS .....................................................................................................................53

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1. INTRODUÇÃO

O desafio de contar histórias torna-se tanto maior quanto for sua complexidade.

Assim, quanto mais detalhada for a trajetória de uma personagem e repleta de

desdobramentos a narrativa, mais difícil deve ser a tarefa de articular os acontecimentos em

uma unidade organizada em início, meio e fim. Neste sentido, e relembrando aqui unidades

narrativas diversas – romance, conto, crônica, reportagem, biografia – pode-se arriscar que

este último gênero, o biográfico, constitui um dos mais complexos no que diz respeito ao

desafio a que estamos nos referindo.

Sem adentrar nas particularidades de todas estas unidades narrativas, apresento o tema

de pesquisa deste trabalho, as biografias, também como um desafio, intrínseco às análises que

envolvem o estudo deste assunto. Isto porque, segundo BOURDIEU, a tentativa de reduzir a

complexidade da vida a uma história com princípio, meio, fim, e – sobretudo – dotada de

sentido representa o “absurdo” (1996, p. 189), ou ainda a conformidade com o que o autor

denominou “ilusão retórica” (p. 185).

Para uma melhor compreensão da questão proposta pelo autor, e seguindo a trilha do

destaque que as biografias adquiriram no mercado editorial a partir do século XX, posiciono o

foco desta pesquisa para a produção biográfica dos jornalistas, cujos títulos contribuem para a

posição de destaque referida. Na concepção jornalística, conforme veremos, o gênero

biográfico está associado a conceitos também oriundos do século XX, como o Jornalismo

Literário e o livro-reportagem, este último, formato consolidado como o que permite ao

jornalista aprofundar seu “potencial construtor de narrativas da realidade”, considera LIMA

(2004, p. 34).

Como poderia o gênero biográfico representar um modo de se fazer jornalismo?

Procuro contribuir com este trabalho, a partir de tal questionamento, para a discussão da

biografia como gênero que expresse o fazer jornalístico, ou seja, que apresente em estrutura,

linguagem, estilo ou construção narrativa características associadas ao jornalismo em sua

pretensão literária. Para isto, utilizo como metodologia a análise de conteúdo, estabelecendo

uma relação entre as características encontradas na obra de Ruy Castro, mais especificamente

em Carmen (CASTRO, 2005), livro que narra a trajetória de vida da cantora Carmen Miranda,

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com alguns aspectos que definem o Jornalismo Literário como um subgênero do próprio

jornalismo.

O trabalho está estruturado em quatro partes, sendo a primeira de apresentação da obra

Carmen, de seu autor, e do gênero biográfico propriamente dito. Uma segunda parte apresenta

o conceito e as características do Jornalismo Literário, assim como suas relações com a

produção biográfica em análise. A terceira parte tem como objetivo justificar e contextualizar

a metodologia utilizada. Uma última seção constitui a análise em si, e apresenta o

detalhamento e a discussão de algumas questões provenientes da leitura de Carmen, partindo

do olhar teórico proposto.

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2. BIOGRAFIAS

2.1. Carmen: uma biografia

Em dezembro de 2005, cinqüenta anos após a morte da cantora Carmen Miranda,

ocorrida em agosto de 1955 nos Estados Unidos, Ruy Castro, jornalista e tradutor, lançou esta

que deve ser a mais completa biografia já escrita da cantora nascida em Várzea de Ovelha,

pequeno subdistrito português. Carmen: uma biografia, obra de 600 páginas que reconstitui

as trajetórias de vida e obra de uma das primeiras grandes intérpretes da música popular

brasileira, foi agraciada pela crítica em 2006 com o Prêmio Jabuti de livro do ano na categoria

de não-ficção (CÂMARA BRASILEIRA DO LIVRO, 2006).

Com o objetivo de não apenas contar a história de Carmen Miranda e do que havia

além da imagem do mito reconhecido pelos brasileiros – como se isto já não fosse o bastante

– Carmen se propõe a resgatar cenários históricos como o Rio de Janeiro nas décadas de 1920

e 1930 e os bastidores da Broadway e de Hollywood entre os anos 1940 e 1950. A tarefa de

compor todos estes elementos em uma narrativa interessante e de linguagem acessível ao

público se torna possível graças à estruturação narrativa utilizada – hábil em harmonizar a

grande quantidade de informações – bem como ao estilo literário do autor, que atuam como

diferencial, promovendo a curiosidade e o interesse pela leitura.

Composta por 30 capítulos, mais um prólogo e um epílogo, Carmen apresenta ainda

uma seção de agradecimentos, onde Ruy Castro menciona os nomes dos 156 entrevistados

que lhe cederam suas memórias, além de outros 102 nomes que lhe serviram como apoio,

indicando fontes, material de pesquisa, entre outros auxílios. Ao final do livro, há o registro

da discografia (com mais de 300 gravações oficiais) e da filmografia (composta por 20

produções) de Carmem Miranda, além da extensa lista bibliográfica utilizada pelo autor,

somando um total de 137 títulos. Embora estes números já indiquem o grande volume de

fontes de informação de que dispôs o biógrafo, só é possível aproximar-se da complexidade

do trabalho de pesquisa e edição através dos capítulos, que detalharemos a seguir.

O assassinato da família real portuguesa em 1908 desencadeou um processo político

que culminou com a proclamação da República de Portugal em 1910. O episódio foi o ponto

de partida da história do barbeiro José Maria Pinto da Cunha, que decidiu deixar a cidade de

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¹ Encontra-se passagens a este respeito nas páginas 63, 64 e 122, esta última com uma citação de Carmen sobre o tema.

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Várzea de Ovelha rumo ao Brasil, em busca de trabalho e moradia. A descrição do

assassinato, que compõe o prólogo, justifica-se no primeiro capítulo como fator que levou

José Maria e sua esposa, Maria Emília de Barros Miranda – pais de Carmen Miranda – a

pensar em imigrar com sua primeira filha, Olinda, para o Rio de Janeiro já em 1908. A

viagem não ocorreu conforme planejado, o que fez com que a família embarcasse para o

Brasil somente no ano seguinte. O motivo principal, justifica o autor, seria a segunda gravidez

de Maria, que temia perder a criança, ou dar à luz em plena viagem. Assim, “apenas por isso

Maria do Carmo Miranda da Cunha, como a chamaram, nasceu em Várzea de Ovelha, no dia

9 de fevereiro de 1909 – um ano e oito dias depois do regicídio –, e Carmen Miranda deixou

de nascer no Brasil” (CASTRO, 2005, p. 12).

O enfoque dado pelo autor de que, por um detalhe, Carmen deixara de nascer no país

pode ser mais bem compreendido pela questão apontada por PALOMBINI:

Se Carmen Miranda pôde entoar com tanto despudor o "sou brasileira, vivo feliz, gosto das coisas de meu país" de Randoval Montenegro, foi porque, nascida em Portugal (...), sua brasilidade esteve sempre em xeque. Emblema da nacionalidade conquistada, Carmen Miranda torna-se a brasileira maior (2006a, p. 117).

Conforme a biografia que é objeto desta análise, portanto, há uma justificativa para a

identidade de Carmen Miranda estar muito mais relacionada ao Brasil – para onde veio com

dez meses de idade – do que ao país onde nascera. O autor menciona essa questão em vários

capítulos, inclusive com citações da própria Carmen1, dando a entender que se tratava de uma

das grandes polêmicas envolvendo a cantora, tanto em seu período de sucesso no Brasil,

quanto nos Estados Unidos, onde viveu de 1939 até 1955, ano de sua morte. No entanto, as

questões acerca da identidade de Carmen, a qual caracterizo a partir de agora também como

personagem – já que meu acesso se dá apenas por intermédio de uma biografia – envolvem

uma série de abordagens e de recursos utilizados na narrativa que merecem uma análise mais

detalhada em outro capítulo. Mesmo assim, fica um questionamento para que se possa atentar

para as possibilidades e as limitações de uma biografia, que serão contempladas adiante:

como representar a identidade de um indivíduo? A opção mais óbvia, para BOURDIEU, seria

o nome próprio, que significa

[...] o atestado visível da identidade do seu portador através dos tempos e dos espaços sociais, o fundamento da unidade de suas sucessivas manifestações e da possibilidade socialmente reconhecida de totalizar essas manifestações em registros oficiais, curriculum vitae, ficha judicial, necrologia ou biografia, que constituem a vida na totalidade finita [...] (1996, p. 187)

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Partindo do conceito deste autor, podemos concluir que não estamos nos propondo a

analisar uma biografia como uma vida em sua totalidade, mas como a tentativa de reconstruí-

la como unidade narrada, isto é, como uma história. Por esta razão, tentaremos situar esta

representação da identidade como personagem, embora Carmen Miranda tenha sido uma

personagem que, de fato, existiu.

Carmen: uma biografia pode ser dividida em duas grandes partes. A primeira

compreende os capítulos 1 a 10, e retrata a infância, a adolescência, e a carreira no rádio

desde seu princípio, em 1929, até Carmen receber o status de cantora brasileira com mais

discos gravados, que culminou com o sucesso no Brasil e na Argentina em 1939. Deste ano

em diante, a carreira de cantora sofre uma virada, processo que é contado entre os capítulos

10 e 11, e tem início a segunda parte, que segue até o capítulo 30. O autor não divide

formalmente essas duas partes, mas se percebe as transformações com grande distinção, a

começar pelo cenário: 1939 foi o ano em que Carmen Miranda deixou o Brasil para tornar-se

artista da Broadway, em Nova York, e, posteriormente, atriz de cinema em Hollywood. Esta

mudança de cenário marca o segundo momento, que é o de sua projeção mundial.

Os trinta capítulos do livro estão organizados cronologicamente, e foram intitulados

por palavras-chave que representam momentos da história de Carmen. Com este destaque,

podemos entender o enfoque de cada um, cuja seqüência compõe uma linha do tempo que

perpassa fatos, momentos, fases ou épocas mais marcantes da personagem, e cujos registros

estavam acessíveis ao biógrafo. A linearidade da biografia, no entanto, não impede que o

autor retroceda ou avance no tempo através da narrativa, como, de fato, ocorre. Por vezes,

episódios e personagens já mencionados são retomados posteriormente por alguma relação

com os acontecimentos.

O capítulo 1, intitulado “Coquete” (1909-1924), descreve o subdistrito de Várzea de

Ovelha, em Portugal, onde nasceu a personagem, e registra a vinda da família Miranda da

Cunha para o Brasil. Relata os primeiros quinze anos de vida de Carmen no Rio de Janeiro, o

nascimento dos outros quatro irmãos, e descreve o bairro da Lapa como “onde e quando

Carmen começou a ser Carmen Miranda” (CASTRO, 2005, p. 16).

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Era agora uma Lapa noturna e cosmopolita, freqüentada ao mesmo tempo por homens de smoking e cavanhaque e por apaches de dente furado e chinelo, e em que se marcavam encontros para as três da manhã, em restaurantes que serviam lagosta ou canja de galinha. Discutia-se Mallarmé em cabarés de luxo, regado a champanhe e pernod, ao som de valsas francesas como “Amoureuse” e “Frou-frou” (CASTRO, 2005, p. 19).

Paralelamente à narrativa sobre a infância da personagem no bairro carioca da Lapa

nos anos 1920, Castro possibilita ao leitor, com descrições minuciosas, imaginar com detalhes

os locais por onde Carmen passou e viveu. Não apenas como mero contexto da história de

vida da artista, mas como uma nova personagem, o espaço ganha traços próprios remodelados

ao estilo do autor. Esta é uma característica que atravessa por completo a obra de Ruy Castro,

e nos permite crer que ele não se restringe a recriar os espaços historicamente. O

detalhamento na caracterização das personagens, especialmente da biografada, ao longo da

obra, revela uma preocupação em dar à biografia seu “tratamento literário”, como afirma

MORAIS (Apud BENCHIMOL, 1995, p. 96). A pesquisa histórica para amparar o texto se

revela desde os primeiros capítulos, que registram informações sobre o Rio de Janeiro do

princípio do século XX, e chamam a atenção pelos detalhes quando descrevem, por exemplo,

a “atmosfera canalha” (CASTRO, 2005, p. 19) da Lapa, ou a Cinelândia como a “brilhante

vitrine da cidade” (p. 27).

“It’ girl”, segundo capítulo (1925-1928), parte da época em que a personagem

trabalhava como balconista em uma loja de artigos masculinos, e iniciava o namoro com o

remador Mario Cunha. O romance é caracterizado através de dedicatórias que Carmen

registrou em fotos dadas de presente a Mario. Apesar do “namoro turbulento” (p. 34), e por se

tratar de seu período de juventude – dos 16 aos 19 anos – percebe-se o tom bem-humorado da

narrativa e de sua personagem principal. O humor é mais uma característica marcante desta

biografia, bastante associado à comicidade atribuída a Carmen.

“Não precisa me ensinar, não, que, na hora da bossa, eu entro com a boçalidade” (p.

52). Foi com esse tom provocativo e bem-humorado que Carmen Miranda despontou como

cantora revelação no rádio em 1929, conforme descreve o capítulo 3, “Taí” (1929-1930),

intitulado com o nome de seu primeiro grande sucesso e destaque no carnaval de 1930.

Descoberta pelo músico Josué de Barros, a cantora equiparou-se em popularidade a outros

grandes intérpretes da época, como Francisco Alves e Mario Reis, conforme descreve o

capítulo 4, “Rainha do disco” (1930-1931). Pouco depois, já em 1933, foi a vez de Aurora

Miranda, irmã mais jovem de Carmen, seguir o caminho aberto pela mais velha e tornar-se

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também cantora de marchas carnavalescas, conforme o quinto capítulo, “Aurora” (1932-

1933).

Como se fosse impossível contar a história de Carmen Miranda sem entrar nos

detalhes da tradição brasileira que a consagrou, o carnaval carioca, resgata-se em Carmen a

história desta festa popular. A tradição das marchinhas, o nascimento do samba nos morros do

Rio e os festejos de fevereiro ganharam bastante espaço dentro da narrativa, “costurando” a

biografia e dando ritmo à leitura. O autor não nos priva de conhecer outros grandes intérpretes

da época de Carmen, além dos principais letristas e suas composições, algumas citadas em

trechos dos capítulos.

Além do detalhamento do cenário carioca, onde se passa a primeira metade da vida da

personagem, há menção da atmosfera cultural de Buenos Aires, capital argentina, cidade que

recebeu Carmen Miranda inúmeras vezes, quando já era conhecida como a “pequena

notável”, conforme o sexto capítulo (1933-1934). Suas passagens pela Argentina incluem

shows em dupla com a irmã, Aurora, que ainda não completara vinte anos. Segundo o

biógrafo, os argentinos eram grandes admiradores de Carmen e Aurora, o que concedia às

duas fama internacional, embora não fossem uma dupla oficial.

Com a carreira tomando maiores proporções, foi necessário encontrar um conjunto

musical que as acompanhasse em suas turnês pelo Brasil e no exterior. Assim, o capítulo 7,

“Cantoras do rádio” (1934-1935) relata o encontro de Carmen com o Bando da Lua, conjunto

que a acompanharia, inclusive, em sua carreira na Broadway e em Hollywood, e cuja

composição se alteraria diversas vezes ao longo do tempo. Nesta época, a personagem, então

com 25 anos, era considerada, segundo o autor, “apaixonante, arrebatadora, irresistível”

(CASTRO, 2005, p. 115), e conheceu Carlos Alberto da Rocha Faria, de quem se tornou

namorada até seu último período no Brasil.

A popularidade da artista, conforme o capítulo 7, levou-a a atuar em dois filmes

produzidos no Brasil, provocando o assédio do público, que incomodava Carlos Alberto.

Mesmo assim, ela seguiria caindo no gosto popular através dos discos, do rádio, do cinema, e

da presença no Cassino da Urca como atração fixa, conforme consta no capítulo 8, “Cassino

da Urca” (1936-1937), que resgata a história dos cassinos cariocas na época em que não havia

proibição para o jogo no país.

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2 Há menção dessas citações nas páginas 108 e 120 da biografia.

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Para compor a atmosfera do período, o autor utiliza uma linguagem simples, mas

resgatando termos do vocabulário desta época, especialmente oriundos do francês, com

grande influência no Rio de Janeiro, como “penhoar (p. 102)” e “oxigenê (p. 131). Também a

fala coloquial, registrada em trechos como “Carmen se dava muito bem com Elisinha Coelho”

(p. 107, grifo meu), e citações dos palavrões que as irmãs Miranda costumavam proferir2

representam um uso da linguagem que não restringe a obra somente aos leitores mais

experientes.

A história da música popular brasileira ganha destaque em Carmen quando

caracteriza, entre outros elementos, a riqueza das composições e melodias surgidas nos anos

1930. O autor destaca no capítulo 9, “Uva de caminhão” (1937-1938), as canções com a

temática da Bahia, criadas por Ary Barroso, e que, na voz de Carmen, se tornariam populares

internacionalmente. A “fórmula musical” (p. 164) deu origem, inclusive, a um filme intitulado

“Banana da terra” (1938), que ficou para a história ao lançar uma composição de Dorival

Caymmi interpretada pela artista toda trajada de baiana. No capítulo 10, “O que é que a

baiana tem” (1938-1939), nos deparamos com a caracterização da popular figura da baiana

estilizada, com roupas coloridas – feitas pela própria Carmen –, pulseiras, colares,

balangandãs e sandálias de salto alto. Combinadas com os gestos e o rebolado, se tornariam

marca registrada da cantora, e ganhariam vida própria, como se compusessem uma nova

personagem.

Deste ponto do texto em diante, passamos a compreender melhor a dicotomia criada

por Ruy Castro para ressaltar a complexidade de sua personagem. Temos, então, Carmen e

Carmen Miranda como duas fases de uma transformação. É como se, tendo a estrela Carmen

Miranda sua roupagem, brilho e gestos próprios, restasse a Carmen a tarefa de ser uma mulher

de carne e osso. Aqui, retomamos a questão proposta por BOURDIEU, associando-a à criação

da dualidade apontada pelo autor em Carmen, como uma tentativa de diferenciar identidades

contidas em um mesmo indivíduo. A função desta dicotomia, para a composição da narrativa,

parece ser distinguir, em diferentes momentos do texto, a percepção de que a personagem é

mutável e complexa, tal como o ser humano que representa. Uma tentativa, talvez, de não

associá-la a estereótipos, e sim representar sua identidade como algo que está sujeito a

variações.

O capítulo 11, “O sim a Shubert” (1939), descreve o momento de maior expectativa

até então: o da assinatura do contrato de Carmen Miranda com o empresário da Broadway Lee

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Shubert, para realizar uma temporada de shows em Nova York. Embora Carmen, com 30 anos

de idade, já fosse uma cantora popular no Brasil, aquela era a oportunidade de colocar seu

talento à prova no país do showbusiness. Nos Estados Unidos, ela incorporaria à sua baiana

um inglês com sotaque e um estilo cômico no tom da voz e nos gestos, que impressionaria o

público. Tornaria-se, conforme o capítulo 12 (1939), “Brazilian bombshell”, a granada

brasileira.

Em contraponto à vida profissional, que estava em plena ascensão, a revelação da

intimidade da personagem a partir do 13º capítulo, “Cápsulas mágicas” (1939), traz à tona o

primeiro impasse entre as necessidades da mulher Carmen e a rotina alucinante a que estava

submetida a estrela Carmen Miranda. Para manter o ritmo intenso de shows da agenda

controlada por Shubert quando chegara a Nova York, a cantora iniciou o uso de

medicamentos estimulantes e de comprimidos para dormir, cujo consumo, segundo o

biógrafo, era bastante comum no meio artístico. Castro antecipa que as doses diárias de

anfetaminas e barbitúricos que a personagem ingeria lhe causariam algum problema no futuro.

A carreira de Carmen como cantora de sambas e marchas encerrou-se no início da

década de 1940, pouco depois de seu retorno ao Brasil, de acordo como capítulo 14, “Silêncio

na Urca” (1940). Ela ainda gravaria discos depois desta data nos Estados Unidos, mas as

canções seriam, em maior parte, regravações de antigos sucessos e versões em áudio de

musicais que estrelaria em Hollywood na mesma década. Os capítulos 15, “Estrela da Fox”

(1940), e 16, “Deusa do Cinema” (1940), percorrem os caminhos da personagem em sua

carreira no cinema, descrevendo em detalhes as curiosidades dos bastidores e o glamour em

torno da indústria cinematográfica de Hollywood.

Ruy Castro explora a temática do cinema americano com riqueza de detalhes,

resgatando datas, nomes de atores, atrizes, filmes e personagens célebres da época como se

compusessem um novo cenário da narrativa. Carmen, neste ponto, deixou a cosmopolita

cidade de Nova York para desfrutar do conforto que os astros e estrelas de Los Angeles

esbanjavam em suas mansões, automóveis e festas, e com ela não foi diferente. No capítulo

17, “Paixões Fugidias” (1941), entramos na intimidade dos relacionamentos da personagem e

de outros artistas que circularam pelos sets de filmagem no mesmo período. O cinema era tão

mais atraente para Carmen, aponta CASTRO, que ela encerraria em 1942 seu contrato com

Shubert em Nova York, que “a escravizava” (p. 319), para se dedicar exclusivamente aos

filmes, conforme o capítulo 18, “Livre de Shubert” (1941-1942).

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A seqüência de papéis “latinos” (p. 316) interpretados por Carmen Miranda no cinema

– quase sempre representando comicamente mulheres de sotaque “carregado”, de forte

temperamento e vestes exuberantes – associou-a a um estereótipo que a tornou alvo de críticas

da imprensa brasileira. “Quando Carmen já falava excelente inglês, os produtores da Fox

insistiam que ela continuasse errando as concordâncias” (CASTRO, 2005, p. 316). Os filmes

em que Carmen atuava na Fox representavam a “política da boa vizinhança”, como vemos no

capítulo 19, “Boa vizinhança de araque” (1942), e ela ficaria tachada como um produto desta

política, embora, ressalta o autor, tenha começado a atuar antes disso. Assim como a questão

da “brasilidade” da personagem se tornou uma polêmica, o autor preocupa-se em discutir a

associação da política criada por Nelson Rockfeller nos Estados Unidos, incentivando a

produção de filmes com a temática “sul-americana”, à carreira de Carmen.

O tom bem-humorado da biografia cede lugar à dramaticidade a partir do capítulo 20,

“Entre a vida e a morte” (1943). De acordo com a narrativa, Carmen contraiu uma grave

infecção após se submeter a uma cirurgia plástica no nariz, “e ameaçava deflagrar um

processo de septicemia, quase sempre mortal” (CASTRO, 2005, p. 360). A fragilidade da

mulher de 34 anos, ainda solteira e sem filhos, se revela no capítulo 21, “Dependente” (1944),

que narra o abuso de Carmen dos cigarros e medicamentos, cuja utilização em excesso

começava a afetar a saúde física e emocional da artista.

Esther só conhecia Carmen pelos filmes e imaginava que, ao vivo, ela fosse uma mulher quase de fábula – enorme, muito maquiada, equilibrando três abacaxis na copa do chapéu. Mas quem a recebeu à beira da piscina foi uma mulher pequenininha, descalça, de maiô, cara lavada, queimada de sol e com rabo de cavalo, pela qual se encantou de saída. E só ao observar-lhe a boca, os olhos e a gesticulação Esther compreendeu por que Carmen crescia tanto na tela (CASTRO, 2005, p. 391).

É provável que o caráter intimista que permeia os dez últimos capítulos da biografia

seja um contraponto à imagem mitificada que o cinema e a imprensa costumam associar aos

artistas de grande popularidade, como foi o caso de Carmen. No capítulo 22, “Rolinha spring”

(1945), procurou-se dissolver sua imagem glamourizada, valorizando traços marcantes de sua

intimidade. Ruy Castro revela o conteúdo de cartas enviadas pela personagem – que usava

pseudônimos, como “Rolinha Spring” – para registrar seu desejo pelo então namorado,

Carlinhos Niemeyer. Aqui, nos deparamos com documentos que dão à narrativa sua

verossimilhança – já que se tratam das palavras da própria Carmen – e que, ao mesmo tempo,

expressam as emoções da personagem, revelando desejo e “mágoa” (p. 417) como traços de

sua humanidade. Neste sentido, o capítulo 23, “Dinheiro a rodo” (1946), dá continuidade ao

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processo de aproximação da intimidade de Carmen quando aponta sua inabilidade em

administrar o próprio patrimônio. Ela teria sido, conforme CASTRO, “ridiculamente mão-

aberta” (p. 417).

A carreira de sucesso e a fortuna, de acordo com a biografia, pouco significariam se

não houvesse com quem dividir o êxito de ser estrela. A mansão de Carmen em Hollywood,

registra o autor, era um ponto de encontro dos brasileiros em Los Angeles. Ela demonstrava,

no entanto, também o desejo de se casar, a “vontade louca de ser mãe – e o tempo que corria

contra ela” (CASTRO, p. 426). Esta foi uma das razões para que ela se casasse, enfim, com

quem Castro registrou como “o mais improvável dos pretendentes” (p. 424): o produtor David

Sebastian, tema do capítulo 24, “Sebastian” (1947). Chegamos, assim, a um dos capítulos de

maior expectativa da biografia: através da descrição de Sebastian, “um blefe de ponta a ponta”

(p. 444), o autor nos leva a crer que Carmen se arrependeria no futuro em ter apostado neste

casamento, o que seria decisivo para o desfecho de sua história.

A expectativa que criamos sobre Sebastian vai se correspondendo ao passo que seu

relacionamento com Carmen é caracterizado como uma “guerra conjugal (...), tendo como

combustíveis a decepção, a revolta e várias formas de crueldade, da parte de um ou de outro”

(CASTRO, 2005, p. 431). O sonho de Carmen fica, então, impossibilitado com a infelicidade

no casamento e a perda do filho, após vinte dias da descoberta de uma aguardada gestação,

conforme o capítulo 25, “Sonho abortado” (1948).

A trajetória da estrela, em conjunto com a face mais humana e alegre – expressa pelo

talento de Carmen em atrair multidões – vai sendo substituída pelo destino trágico no capítulo

26, “A câmera nada gentil” (1948-1950). Próxima dos 40 anos, e após uma década se

submetendo ao uso de comprimidos para se manter acordada ou para dormir, Carmen adquiriu

uma saúde frágil que impossibilitava a maratona de trabalho comum à maior parte de sua

carreira. Em meio à frustração provocada pelo aborto, a convivência com as brigas do marido

e o casamento sem amor, Carmen imergiu em depressão e apatia. Conforme a descrição de

Castro no capítulo 27, “Mulher-maratona” (1950-1951), ela seguiu mantendo a rotina intensa

de espetáculos, movida apenas pelos medicamentos. No entanto, já não eram mais a beleza e

o vigor físico que se destacavam no palco:

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A Carmen que guiava as visitas pelo guarda-roupa parecia às vezes cansada, ausente, sonolenta; em outras, insone, acesa, excitada; mas, nos dois casos, era uma sensação artificial, como se nenhuma das duas fosse a Carmen que o próprio Cesar conhecera nos áureos tempos (CASTRO, 2005, p. 496).

O detalhamento que é marca em Carmen funciona como recurso para a reconstrução

de momentos marcantes da biografia, embora esteja presente na totalidade da narrativa. No

capítulo 28, “Choques elétricos” (1952-1954), o autor descreve minuciosamente o dramático

tratamento a que a personagem se submeteu em razão da piora de seu estado de saúde. Os

eletrochoques acabaram por provocar seqüelas em sua memória, e não evitaram a evolução do

problema – descreve o autor – já que ela continuava a consumir medicamentos, e tornara-se

alcoólatra naquele período. Como solução paliativa, os médicos indicaram à artista que tirasse

férias dos palcos e fosse repousar junto de sua família no Brasil. “Noites cariocas” (1954-

1955), penúltimo capítulo, narra a última viagem de Carmen a seu país em vida, após 16 anos

vivendo nos Estados Unidos, e retrata os momentos finais da personagem junto de amigos,

parentes e do público brasileiro, que ainda a reverenciava como estrela.

Carmen Miranda retornou aos Estados Unidos em 1955, com a saúde muito frágil, de

acordo com o capítulo 30, “Última batucada” (1955). Desobedecendo a ordens médicas, ela

tornou a fazer shows, o último dos quais na televisão – The Jimmy Durante Show –, novidade

no país em que ela já se tornara ídolo do rádio, teatro e cinema. Na mesma noite, ela morreria

precocemente de infarto em sua mansão em Beverly Hills, aos 46 anos de idade. Foi enterrada

no Rio de Janeiro, após um cortejo que reuniu multidões, como descreve o epílogo.

Para PALOMBINI, Carmen abrange diferentes públicos-leitores:

Carmen: uma biografia sugere duas leituras: a do comum dos leitores, interessado nas peripécias de uma vida na qual carreiras extraordinárias no disco e no cinema dão lugar a um fim cruel; a do especialista ou amador, interessado num dos períodos mais fascinantes de nossa cultura. A prosa cinematográfica de Ruy Castro deve prender uns e outros (2006, p. 145).

Podemos afirmar que, pela profundidade de sua pesquisa refletida no texto, CASTRO

não poupa nenhuma das identidades que associa a Carmen Miranda, entre outras, como “a

brasileira mais famosa do século XX”, que caracteriza o subtítulo do livro, ou como a

pequena criada na Lapa, “carioquíssima” (CASTRO, 2005, p. 19) e com um “farto repertório

de gírias” (p. 19).

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2.2. Ruy Castro: a voz autoral

A leitura que fazemos de uma biografia não seria tal como a caracterizamos sem o

intermédio do biógrafo. Este, na função de narrar a história de vida de seu biografado,

definida por BOURDIEU como o “conjunto dos acontecimentos de uma existência individual

concebida como uma história” (1996, p. 183), nos fornece uma interpretação da informação

de que dispôs para produzir o texto. Em outras palavras, o biógrafo é quem conduz nossa

leitura através da narrativa, contextualizando, organizando e destacando informações

necessárias para a compreensão da biografia.

Partindo do levantamento de observações apontadas em Carmen: uma biografia, que

propus elaborar ao longo deste capítulo, destaco aspectos relacionados exclusivamente à

presença narrativa do autor. Ao aproximar os leitores da trajetória de sua personagem, Ruy

Castro imprime seu estilo à biografia para que possamos, ao lê-la, resgatar outro momento

histórico, compreender questões relacionadas a ele, e aproximar-nos de Carmen Miranda em

sua verossimilhança, a partir do olhar do biógrafo.

Ruy Castro, jornalista, tradutor e escritor, iniciou sua carreira como repórter em 1967,

no Correio da Manhã, e teve passagem por outros grandes veículos da imprensa brasileira.

Em 1990, lançou seu primeiro livro, Chega de Saudade: A história e as histórias da Bossa

Nova, dando início a uma série de obras literárias de cunho histórico, na qual se incluem três

biografias: O Anjo Pornográfico: A vida de Nelson Rodrigues (1992), Estrela Solitária: Um

brasileiro chamado Garrincha (1995) e Carmen: Uma biografia (2005). A experiência como

jornalista, conforme veremos, parece influenciar sua narrativa em Carmen, na medida em que

a fluência do texto se deve, em parte, à clareza da linguagem utilizada pelo autor,

característica do discurso jornalístico.

O estilo de Ruy Castro se manifesta na totalidade da biografia, compondo uma

narrativa em terceira pessoa em que o narrador se revela através de recursos literários como o

humor, a dramaticidade e o diálogo com o leitor, como encontramos neste trecho do capítulo

21, em que cita o compositor Ary Barroso: “Atenção, que estamos falando do autor de Dá

nela, Faceira, No rancho fundo [...] e tantas outras – mais brasileiro, só o bife a cavalo”

(CASTRO, 2005, p. 372, grifo do autor). No exemplo, notamos a “voz” do narrador destacada

como para situar o leitor a respeito do tema, acrescentando e associando informações sobre

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3 A questão é retomada em vários capítulos, em que o autor apresenta evidências que fundamentam sua versão.

20

este tema à narrativa. Assim, Carmen: Uma biografia apresenta sua autoria, fundamental para

a compreensão de aspectos da trajetória da personagem, e para orientar a leitura ao longo dos

trinta capítulos.

A autonomia do narrador-pesquisador em Carmen se mostra tanto na análise das

versões para fatos envolvendo o nome da personagem, quanto em seu posicionamento em

relação a certas versões, o que envolve a análise de depoimentos das fontes entrevistadas e

dos documentos disponíveis. Uma característica deste comportamento consiste em desmentir

boatos comuns que circulavam a respeito de Carmen, como, por exemplo, que ela tenha sido

amante de Getúlio Vargas (p. 147). Novas versões, nestes casos, são apresentadas e

fundamentadas em documentos ou depoimentos, ou então novos questionamentos são

propostos pelo autor para versões nunca explicadas. A ocorrência mais significativa desta

argumentação se dá no capítulo 19, “Boa vizinhança de araque”, em que Castro fundamenta

uma nova relação da política da boa-vizinhança do governo dos Estados Unidos, implantada

durante a II Guerra Mundial (1939-1945), com a atuação de Carmen Miranda nos filmes da

Fox com temática “latino-americana” (p. 335):

[...] no futuro, não faltariam espíritos de porco para acusar Carmen de ser uma invenção da “boa-vizinhança” – esquecendo-se de que, quando ela desceu do Uruguay em maio de 1939, (...) a guerra ainda não começara nem na Europa. E, depois que a guerra estourara, os Estados Unidos ainda levaram dois anos para entrar nela com Carmen já tendo feito três filmes3 (CASTRO, 2005, p. 335, grifo do autor).

A respeito da obscuridade de alguns acontecimentos na vida da personagem

biografada, isto é, fatos que apresentem mais de uma versão ou não tenham sido comprovados

ao longo da apuração do biógrafo, a abordagem em Carmen ocorre através do uso de

hipóteses. Assim, o autor acrescenta à leitura as possibilidades do que pode ter ocorrido de

fato, revelando sua preocupação com a pesquisa e com a construção de uma narrativa

complexa e clara, mas não totalizadora. O capítulo 20, “Entre a vida e a morte”, por exemplo,

trata de um episódio sobre o qual há mais de uma versão: a cirurgia plástica de Carmen

Miranda, que teria lhe causado uma grave infecção (CASTRO, 2005, p. 360).

O narrador expõe, portanto, a própria incerteza quando adentra o terreno das

possibilidades, mas sem comprometer a profundidade de sua pesquisa. O uso das expressões

“poderia ser” (p. 375), “talvez” (p. 501), “é quase certo que” (p. 510), “é possível que” (p.

519) indica uma tentativa de complementar os fatos, ora como hipóteses derivadas de sua

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relação com as fontes, ora como possibilidade de ficcionalização da narrativa, como

encontramos no seguinte trecho:

Carmen não parava porque não era possível parar – porque havia um contrato a cumprir e um avião a tomar, e uma platéia pronta a ouvir “Mamãe eu quero” e a rir com a história do cabelo, e talvez porque fosse melhor estar na estrada do que em

casa (CASTRO, 2005, p. 497, grifo meu).

O tom ficcional é uma constante em Carmen, o que a aproxima do modo de narrar

característico do romance. O uso de citações de Carmen Miranda, por exemplo, funciona

como uma tentativa de reconstituir alguns diálogos apurados em sua trajetória, e é uma das

preocupações do autor que dá ao texto seu aspecto de ficção. A própria estruturação em

capítulos, correlacionados entre si, favorece a impressão de que se trata de um romance cuja

base é uma história de vida real. Um outro fator, apontado por PALOMBINI, e que contribui

para esta questão é o que ele chama de “ausência de discussão das fontes” (2006b, p. 145),

que aponta para o fato de não haver notas, comentários do autor em rodapé, ou referências às

fontes ao longo da biografia. Embora haja menção de veículos impressos pesquisados – fonte

de citações da personagem em entrevistas – não temos acesso à origem de algumas

informações, como na seguinte passagem:

“Marlene, estou louca por um uísque”, disse. “Mas meu médico está aqui e fica me controlando. Me faz um favor? Vá ao bar e peça um uísque para você.”

“Mas, Carmen, eu não bebo!”, defendeu-se Marlene.

“Não interessa. Você pede o uísque, eu vou para o toalete e você me encontra lá com o copo.”

E, antes que Marlene dissesse qualquer coisa, Carmen rumou para o toalete (CASTRO, 2005, p. 532-533).

Neste trecho, em que Ruy Castro reconstitui um diálogo, supomos que Marlene tenha

sido entrevistada, e que tenha confirmado a descrição do que ocorreu. No entanto, não há

menção no texto sobre esta entrevista, nem à outra que possa ter confirmado este diálogo. Por

um lado, a citação das fontes está relacionada à interrupção da história em si, e não parece ser

uma opção do autor no trabalho de edição. Por outro lado, isto contribui para a ficcionalização

da passagem, como se o autor estivesse presente no momento em que o diálogo ocorreu de

fato. O tom ficcional é uma das características que aproxima a narrativa biográfica do

conceito de Jornalismo Literário, que discutiremos com mais profundidade no terceiro

capítulo.

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22

As fontes que orientam a pesquisa do autor em Carmen são apenas em parte citadas na

biografia. A maioria está registrada no capítulo de agradecimentos, e nas seções de

bibliografia, discografia e filmografia do livro. As entrevistas são pouco mencionadas ao

longo dos capítulos, o que nos faz apenas supor a origem de algumas informações

apresentadas. Os filmes e discos de Carmen Miranda – incluindo o resgate de muitos deles –

são amplamente utilizados para reconstruir cronologicamente a obra da artista. A bibliografia

utilizada para pesquisa inclui outras biografias de artistas ou personalidades cujas trajetórias

cruzaram-se com a de Carmen em algum momento. Isto nos faz cogitar que alguns episódios

citados na biografia em questão podem ter sido comprovados não em entrevistas ao autor – já

que muitos dos contemporâneos de Carmen já eram falecidos no ano de 2005 – mas sim

resgatados por outros biógrafos em suas pesquisas.

No papel do biógrafo como pesquisador de uma trajetória individual, obrigatoriamente

trabalhando com registros documentais ou informações provenientes da memória de suas

fontes, a pretensão da objetividade divide espaço com o envolvimento e o olhar do próprio

autor em relação ao seu tema, como define DINES:

Se o biógrafo não afina e não sintoniza com o biografado, se não ocorre aquela inefável tangência entre criador e criatura – a catarse – então ele não conseguirá apaixonar-se nem desprezar seu personagem (dá no mesmo). O produto final sairá frio, mera colagem de recortes (Apud BENCHIMOL, 1995, p. 111).

A respeito da relação entre autor e personagem, a observação de PALOMBINI,

referente a que Castro “tampouco esconde seu amor pela protagonista” (2006a, p.118), revela

a necessidade da subjetividade para aprofundar-se na história de vida de um indivíduo e

retratá-lo com uma perspectiva humana. Por essa razão, o biógrafo procura caracterizar

Carmen em suas diversas faces, sem que, no entanto, deixe de expressar ao leitor seu ponto de

vista. A visão do biógrafo em Carmen é a do autor que narra, media nosso contato com a

história, questiona fatos – e a si próprio – contesta versões, e expressa sua observação

privilegiada a partir do cruzamento das informações a que teve acesso.

2.3. Biografia: definições

Na introdução deste trabalho, procurei apresentar uma visão mais crítica do conceito

de biografia, a partir da idéia da ilusão biográfica, proposta por BOURDIEU. Partindo dela,

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tornamo-nos mais centrados na questão da “pretensão” biográfica (SCHMIDT, 2004, p. 132)

diante da complexidade da vida, do que na compreensão do que a biografia representa para

seus campos de pesquisa, e em que consiste. A escolha de partirmos para a fundamentação

teórica através desta concepção filosófica – que caracteriza, sobretudo, um questionamento

sobre o que se propõe a ser uma biografia – se justifica ao tentarmos enumerar as suas

possibilidades narrativas. Tendo diversas opções de representar uma determinada existência

individual, é fundamental analisar a escolhida pelo autor, ou seja, qual trajetória o biógrafo irá

construir, posto que a vida propriamente dita não pode ser definida como uma “trajetória”

(Apud SCHMIDT, 2004, p. 135).

De acordo com SCHMIDT, a biografia pode ser caracterizada como um “gênero”

narrativo (1997, p. 4) que constitui o que o autor, mais tarde, chamou de “escrita da vida”

(2004, p. 140). Segundo o autor, e conforme a tese de BOURDIEU, a intenção de escrever a

vida como uma unidade, ou uma história, não é senão um desejo ambicioso do próprio

biógrafo, porque, ao representar uma vida, incorporaria sua “descontinuidade” e sua

“fragmentação” (SCHMIDT, 2004, p. 135), como se fosse impossível concebê-la como uma

síntese. Mais que uma definição, o conceito de ilusão biográfica pode ser uma premissa para

compreender elementos como estilo, método e estrutura narrativa, que parecem ser o

diferencial de uma obra biográfica, como é o caso de Carmen: uma biografia, nosso objeto de

análise.

As biografias pertencem, entre outros campos de pesquisa, ao histórico, como tema

que revela aspectos de trajetórias individuais e de sociedades como um todo. Seu estudo

histórico atual, conforme o autor, aponta um processo de “transformação das bases teórico-

metodológicas da disciplina” (SCHMIDT, 2000, p. 51), que expressam uma tendência à

produção de trabalhos que compreendam melhor seus personagens, em vez de apresentá-los

por um viés louvatório ou “apologético” (p. 55), característico das biografias tradicionais. Ao

contrário destas, cujo objetivo estava voltado para a descrição da trajetória dos grandes vultos

históricos – entendidos como personalidades classificadas como atuantes em feitos “heróicos”

– o perfil das biografias atuais está centrado na análise das histórias de vida. Isto compreende

um discurso mais crítico em relação às fontes, como tentativa de se aproximar dos

biografados como “indivíduos comuns”, que “podem permitir outros olhares sobre a história”

(p. 54).

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Percebe-se até então que, embora haja um enfoque na vida de seus personagens, as

biografias atuais consideram o contexto histórico como um elemento fundamental em sua

construção. Dependendo das intenções de pesquisa do biógrafo, o período em que o indivíduo

está inserido pode se revelar como o próprio objeto de estudo, isto é, a compreensão da

história social em que o personagem viveu através da história individual, o que caracteriza a

biografia também como método de pesquisa, conforme registra VILAS BOAS (2006, p. 18).

Ainda que haja a opção de enfocar a história individual ou coletiva, a tendência apontada pela

renovação do gênero biográfico na área da História, segundo SCHMIDT, é a de explorar

ambas, desvendando “os múltiplos fios que ligam um indivíduo ao seu contexto” (1997, p.

15).

A transformação do conceito de biografia ao longo da História revela diferentes

entendimentos em relação à noção de indivíduo e de sua representação social. Isto reflete as

mudanças de pensamento das sociedades ao longo dos séculos e na maneira de narrarem a

própria História. As histórias individuais, antes do surgimento do termo biografia (cunhado

originalmente como biographia pelos gregos ao final do período antigo), começaram a ser

escritas ainda na Antiguidade, por volta do século IV a.C. (SCHMIDT, 2003, p. 58), e

descreviam homens que julgavam representar modelos de conduta para os cidadãos, como

políticos, poetas, filósofos, entre outros. Deste período em diante, durante séculos, a História

viu as biografias como meio de difundir o pensamento moral dominante, por um viés

“positivista” e “politicista”, segundo ROJAS (2000, p. 11). Na Idade Média (V d.C. a XV

d.C.), esta tendência foi representada pela hagiografia, produção biográfica sobre a vida dos

santos, como modelo de virtude proveniente da religiosidade e da influência cristã deste

período. Na Renascença (XIV d.C. a XVI d.C.), de acordo com BURKE, predominou uma

narrativa biográfica diversa do modelo que conhecemos hoje:

[...] elas não discutem o desenvolvimento da personalidade, freqüentemente ignoram a cronologia e em geral introduzem materiais aparentemente irrelevantes, dando uma impressão de ausência de formas. A vida de Dante por Boccaccio, por exemplo, foi criticada por um estudioso por estar “sobrecarregada de anedotas” (BURKE, 1997, p. 84).

O autor complementa citando uma característica da produção biográfica renascentista

que subverte a concepção atual de indivíduo como um ser único: anedotas atribuídas a um

determinado biografado eram encontradas de maneira idêntica em textos sobre outras pessoas,

por diferentes autores. Podemos pressupor, portanto, que na concepção dos autores da

Renascença, o compromisso com os fatos relacionados a uma vida não seria uma prioridade

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no discurso biográfico, muito mais sujeito ao seu arbítrio criativo do que a um método de

busca das informações.

Uma nova reflexão acerca do papel social do indivíduo na História foi formulada no

início do período capitalista, no século XIX. Em contraponto às visões progressistas do

Positivismo, associadas à criação de modelos individuais de “virtude”, o pensamento marxista

trouxe outra perspectiva da sociedade burguesa, caracterizada pelo consumo e individualismo.

A visão da obra de Karl Marx, conforme ROJAS, concentra a origem de uma nova História,

chamada história social, que representa

[...] la negación de esa historia positivista, sobre la base de la crítica y la desconstrución de este tipo de historia de los grandes hombres, de los grandes acontecimientos históricos, de las grandes batallas, con lo qual el estudio de la biografía, en el seno de esa historiografía innovadora, entró en general un poco en

desuso (ROJAS, 2000, p.12, grifo meu).

Por outro lado, embora o estudo do gênero biográfico tenha perdido espaço entre os

pesquisadores históricos, os séculos XIX e XX foram marcados pela expressão do

individualismo social, “que se manifesta das mais variadas formas: nos auto-retratos, no gosto

pelos diários e memórias, no romance, na autobiografia” (SCHMIDT, 2003, p. 60).

Conseqüentemente, as biografias também atingiriam o patamar de popularidade nesse

contexto, embora não mais sob o modelo positivista, marcado pelos personagens heróicos e

com ênfase na história política, mas por uma nova perspectiva: a do homem comum. A

tendência abrange, inclusive, as biografias sobre celebridades, que procuram retratar

indivíduos populares sob essa mesma ótica.

A concepção de identidade é outro aspecto que difere as biografias tradicionais do

gênero atual, este último, associado a uma multiplicidade de representações do indivíduo.

Enquanto as primeiras biografias abordavam essa questão de maneira estática, a narrativa

contemporânea retrata o indivíduo como detentor de um conjunto de identidades, muitas

vezes contraditórias, que o compõem como um ser mutável, sujeito a interações com outros e

com o próprio meio. O conceito atual é citado por LEVI, caracterizando a biografia como

(...) uma narrativa que dê conta dos elementos contraditórios que constituem a identidade de um indivíduo e das diferentes representações que dele se possa ter conforme os pontos de vista e as épocas (LEVI, 1996, p. 171).

Para LEVI, o gênero biográfico passou a ressaltar, a partir do século XVIII, uma

“extrema fragmentação” (1996, p.170), representando a complexidade e a instabilidade

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humanas, em contraposição ao sujeito “unificado” do período iluminista, conforme HALL

(Apud PENA, 2004, p. 85). Pode-se afirmar que, a partir do século XIX, a influência do

individualismo na sociedade moderna trouxe um novo modelo para as biografias, que não

deixaram de narrar histórias sobre homens e mulheres “ilustres”, mas trouxeram outros

critérios de popularidade e de abordagem das identidades. Além disso, o homem comum

dividiu espaço nas produções biográficas deste período até hoje, representando uma

transformação da visão positivista de estabelecer referências individuais para a sociedade.

É VIANA FILHO quem nos fornece um conceito mais abrangente do tema:

(...) ora chamamos biografia a simples enumeração cronológica de fatos relativos à vida de alguém; ora usamos a mesma expressão para trabalhos de crítica nos quais a vida do biografado surge apenas incidentalmente; ora a empregamos em relação a estudos históricos onde as informações sobre certa época se sobrepõem às que se referem ao próprio biografado; ora as emprestamos às chamadas biografias modernas ou romanceadas. E até obras em que a fantasia constitui o elemento essencial da narrativa aparecem com rótulo idêntico (Apud VILAS BOAS, 2006, p. 17, grifos meus).

Embora, na origem, constitua estudo do campo histórico, o gênero adquiriu uma

transdisciplinaridade a partir de sua renovação. Sob influência da literatura, biógrafos

contemporâneos, entre historiadores e jornalistas, incorporaram a ficção às narrativas,

classificando, assim, a biografia como um “híbrido”, que “exige tanto fontes documentais

como interpretação e ficção”, de acordo com CALDEIRA (Apud BENCHIMOL, 1995, p.

109, grifo do autor).

Veremos, a seguir, como se constitui esta relação entre a ficção e a não-ficção nas

narrativas da vida real, e qual a influência do Jornalismo Literário na criatividade incorporada

às biografias atuais.

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3. JORNALISMO LITERÁRIO

O que se pode extrair da relação entre jornalismo e literatura? Acredita-se que,

atualmente, a fronteira entre um conceito e outro se encontra “cada vez mais difusa”

(CASTRO et al GALENO, 2005, p. 9). A idéia nos leva a crer que o estudo desta interação

ainda reserva alguns questionamentos acerca das transformações a que ambos estão

submetidos. Embora, individualmente, seus discursos apresentem características próprias e

distintas, como veremos a seguir, o objetivo, aqui, é contribuir para a discussão desta relação

e dos elementos que derivam da mistura dos conceitos.

“Jornalismo e literatura são práticas discursivas verbais”, de acordo com MEDEL,

que, “apesar dos elementos comuns, mantêm técnicas diferenciadas” (2005, p. 16). Enquanto

a essência do discurso jornalístico possui uma função “informativa” (p. 23), isto é, tem como

base o factual para determinada “esfera pública” (MARCONDES FILHO, 2000, p. 17), no

discurso literário deve predominar a “função poética ou estética” (MEDEL, 2005, p. 24), ou

seja, a “beleza” e a “arte” da palavra, ainda que a essência da literatura, segundo AMOROSO

LIMA, não seja puramente estética (1969, p. 21). Para o autor, a literatura abrange também o

jornalismo como um de seus gêneros de prosa, caracterizado pela “precisão” e “concisão” (p.

56), entre outros aspectos. De acordo com este pensamento, OLINTO traduz o jornalismo

como “uma literatura de imediato consumo (...) dotada de uma certa funcionalidade” (1954, p.

5). Esta classificação, no entanto, é contestada por outros autores, ampliando a discussão

sobre a possibilidade de conciliar ambos em um modelo “híbrido” (Apud BENCHIMOL,

1995, p. 109). Veremos mais adiante que esta discussão – do jornalismo ser considerado, ou

não, literatura – evoluirá para o seguinte questionamento: quais os elementos que definem o

jornalismo em sua pretensão literária?

MEDEL destaca o século XX como o período em que notamos a “presença do

jornalismo (com seus temas, recursos, procedimentos e técnicas) na criação literária” (2005,

p. 15). Em contrapartida, a atuação dos escritores como colaboradores de periódicos

impressos surgiu anteriormente, entre 1789 e 1830, e pode ser percebida a partir da cronologia

estabelecida por MARCONDES FILHO, especialmente no que o autor denomina como

“Primeiro Jornalismo” (2000, p. 48). No século XVIII, período em que a atividade jornalística

começou a se profissionalizar na Europa, os escritores podiam ser considerados agentes da

imprensa, enquanto esta ainda não havia se tornado uma atividade lucrativa e empresarial. As

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relações entre jornalismo e literatura, portanto, registradas em períodos diversos, trazem

diferentes idéias em relação à mistura dos conceitos, originando uma nova modalidade a que

chamaremos de Jornalismo Literário, apresentado, aqui, por PENA:

Para alguns autores, trata-se simplesmente do período da história do Jornalismo em que os escritores assumiram as funções de editores, articulistas, cronistas e autores de folhetins, mais especificamente o século XIX. Para outros, refere-se à crítica de obras literárias veiculadas em jornais. Há ainda os que identificam o conceito com o movimento conhecido por New Journalism, iniciado nas redações americanas na década de 1960. E também os que incluem as biografias, os romances-reportagem e a ficção-jornalística” (2006, p. 21, grifo do autor).

O termo Jornalismo Literário não é unanimidade entre os pesquisadores. Há quem

utilize as expressões “literatura da realidade, literatura de não-ficção ou creative nonfiction”

(VILAS BOAS, 2003, p. 10, grifo do autor), ou ainda, aos espanhóis, como “periodismo de

creación e periodismo informativo de creación” (PENA, 2006, p. 20, grifos do autor).

Algumas nomenclaturas suprimem o termo “jornalismo”, justifica LIMA, por considerá-lo

apenas “a matéria pura e reducionisticamente factual” (2007). Independentemente das

denominações e de suas diferenças, no entanto, é fundamental analisar o que há em comum

entre as narrativas que podem ser classificadas como Jornalismo Literário, e de que forma a

criatividade própria da literatura interage com a realidade factual, isto é, com o enfoque

jornalístico.

Essas iniciativas em praticar um jornalismo diferente do convencional foram espontâneas e individuais até cerca da década de 1920. Não havia ainda uma “escola do jornalismo literário” ou uma corrente com esse nome (LIMA, 2007, grifo meu).

A observação de LIMA indica que há dois momentos distintos em relação à

classificação: primeiro, o da ocupação da literatura nos jornais e revistas, anterior ao conceito

de Jornalismo Literário, e compreendido como o estágio inicial da relação entre os gêneros. O

segundo momento é o do jornalismo em seu papel criativo, que coincide com o processo de

transformação da atividade proposto por MARCONDES FILHO (2000, p. 48). O autor

registra um conjunto de mudanças nos âmbitos tecnológico, econômico, editorial e

profissional do jornalismo ao longo dos séculos XIX e XX. Os valores da opinião e da crítica

foram substituídos pelos conceitos de neutralidade, objetividade e velocidade – este último,

mais recentemente, da década de 1970 em diante. No plano tecnológico, a imprensa se

mecanizou a partir da metade do século XIX, de modo a contribuir para que a informação

pudesse chegar ao seu destino com mais rapidez e mais longo alcance possível.

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Economicamente, as mudanças contribuíram para o estabelecimento do chamado

“jornalismo industrial”, conforme DRAVET (2005, p. 87), destinado ao consumo da

informação “moldada” nos parâmetros da própria indústria. Neste contexto, a lógica

empresarial passou a necessitar de profissionais habilitados em sintetizar a realidade no

formato de sua principal unidade narrativa: a notícia. Conforme LIMA, esta “deve

corresponder ao acontecimento real”, e “segue as fórmulas de construção que redundam na

simplificação do relato em torno dos seus componentes o que, quem, quando, onde e por

que”: o lead (2004, p. 17, grifo do autor). Quando a modernização da imprensa transferiu seu

foco para as massas e um mercado monopolista se formou, já no século XX, de acordo com

MARCONDES FILHO (Apud PENA, 2006, p. 28), a influência da literatura nos jornais –

especialmente no formato dos folhetins, “romances publicados em periódicos” (p.28) – cedeu

espaço para o gênero jornalístico denominado “informativo” (p.19), com base na notícia.

A escrita folhetinesca é considerada por alguns como a primeira manifestação do

Jornalismo Literário, por conciliar a narrativa ficcional em prosa, característica do romance,

com uma linguagem mais simples, publicada em capítulos diariamente nos jornais. O folhetim

tornou-se tendência na imprensa mundial a partir do século XIX, e grandes escritores – entre

outros, Honoré de Balzac, Victor Hugo, Dostoievski, Machado de Assis – tiveram seus

romances publicados nesse formato, contribuindo para a democratização do acesso à

literatura, de acordo com PENA (2006, p. 31).

Seguindo a mesma trilha, a crônica, que teve maior expressão nos Estados Unidos

neste mesmo período, é classificada como a unidade que “melhor marca esta fusão de dois

gêneros distintos, o literário e o jornalístico” (ARNT, 2005). Caracterizada, em sua versão

moderna, pela visão crítica, bem-humorada ou satírica em relação a temas do cotidiano, a

crônica se diferencia pelo caráter opinativo e autoral. O conceito, para MARQUES DE

MELO, é definido como “gênero do jornalismo contemporâneo, cujas raízes localizam-se na

história e na literatura, constituindo suas primeiras expressões escritas” (2005, p. 139). A

crônica se consolidou na imprensa brasileira como um de seus principais elementos literários

a partir dos anos 1930, e popularizou o gênero através de cronistas como Machado de Assis,

Carlos Drummond de Andrade, Rubem Braga, Nelson Rodrigues, Fernando Sabino, entre

outros.

Com a redução do espaço da literatura nos jornais e a crescente profissionalização da

atividade jornalística, um novo formato resultou da necessidade de aprofundamento do

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4 Na referência, não consta o nome do autor, mas verifica-se em VILAS BOAS, Sérgio, 2006, p. 13.

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factual: a reportagem, definida por MARQUES DE MELO como “o relato ampliado de um

acontecimento que já repercutiu no organismo social e produziu alterações que são percebidas

pela instituição jornalística” (Apud LIMA, 2000, p.23). A afirmação da reportagem representa

uma transformação do que definimos, até então, como exemplos de Jornalismo Literário: em

vez de resumir-se à contribuição da literatura aos jornais e às revistas, passa a utilizar o

aprofundamento e a compreensão da realidade como temática literária, conforme verbete

elaborado por LIMA4:

Modalidade de prática da reportagem de profundidade e do ensaio jornalístico utilizando recursos de observação e redação originários da (ou inspirados pela) literatura. Traços básicos: imersão do repórter na realidade, voz autoral, estilo, precisão de dados e informações, uso de símbolos (inclusive metáforas), digressão e humanização. Modalidade conhecida também como Jornalismo Narrativo (LIMA, 2007).

A reportagem como modalidade jornalística começou a se desenvolver nos anos 1920

(LIMA, 2000, p.18), através do surgimento das revistas semanais. O formato ampliou os

espaços editoriais, possibilitando aos repórteres incluírem desdobramentos, questionamentos e

novos dados aos textos. O aprofundamento do conteúdo e o aumento da periodicidade das

publicações propiciaram o surgimento da grande reportagem, “condição (...) de superação da

superficialidade” característica do jornalismo informativo (p. 32). Para MEDINA, entretanto,

o gênero encontrou dificuldades em se estabelecer nos veículos impressos por estar “cada vez

mais atrofiado num espaço que pretende ser o mais sintético possível” (Apud LIMA, 2000, p.

33). Por essa razão, as reportagens de profundidade passaram a utilizar também um outro

formato, menos sujeito à influência da publicidade, como no caso da grande imprensa: o

livro-reportagem.

Em 1954, OLINTO registra o termo “livro tipo reportagem” (1954, p. 23) como

denominação para o “jornalismo em forma literária”. LIMA o define como:

(...) veículo de comunicação impressa não-periódico que apresenta reportagens em grau de amplitude superior ao tratamento costumeiro nos meios de comunicação jornalística periódicos (2000, p. 26).

O livro como veículo jornalístico possibilitou a publicação única de séries de

reportagens veiculadas em jornais e revistas, e de grandes reportagens cujas extensões eram

elaboradas para este formato. A ele coube, diferentemente de outros veículos, a exploração de

temáticas diversas, não restritas necessariamente a temas atuais, mas “abrangendo a

contemporaneidade” (LIMA, 2007). Com o seu surgimento, foi possível a uma série de

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categorias de reportagem se desenvolverem como narrativas próprias do Jornalismo Literário,

isto é, tendo como fonte o factual, mas apresentando estilos próprios em sua literatura.

O panorama começa a mudar (...) a partir dos anos 1920 e 1930, quando a revista norte-americana “The New Yorker” passa a produzir um tipo de matéria jornalística que ganha melhor feitura quando é elaborada no estilo do Jornalismo Literário: o perfil” (LIMA, 2007).

O Jornalismo Literário pode ser classificado como um “terceiro gênero” narrativo

(PENA, 2006, p. 21), que deriva dos dois gêneros distintos já citados. Do jornalismo, herda o

vínculo com a realidade, especializando-se porém na função de contextualização –

característica da reportagem de profundidade – e por sua permanência, “rompendo as

correntes burocráticas do lead” (p. 13, grifo do autor). Da literatura, aproxima-se pelas

“técnicas narrativas” (VILAS BOAS, 2007), que compõem uma atmosfera criativa,

responsável por conferir fluência ao texto. A justificativa para identificarmos, até então,

diferentes definições para o mesmo conceito, segundo PENA, indica que ele se encontra “em

estado perene de transformação” (2000, p. 20). Desta forma, para compreendermos suas

características, teremos que analisar individualmente seus “subgêneros” (p. 21), entre os quais

podemos citar o new journalism, o romance-reportagem, o perfil e a biografia, que é o nosso

foco de pesquisa. Também como elemento importante a ser compreendido, a incorporação de

elementos da ficção a todas estas categorias – oriundas da reportagem, portanto, classificadas

inicialmente como não-ficcionais – consiste em um divisor de opiniões que complementa a

definição do Jornalismo Literário como um gênero em plena transição.

A biografia, de acordo com VILAS BOAS, representa “um dos meios mais

sofisticados de afirmação do Jornalismo Literário” (2007). Assim como os demais

subgêneros, também pode ser concebida como reportagem, já que pretende reconstruir com

profundidade a trajetória de personagens reais através da investigação e da apuração de fatos.

Embora tais funções não sejam exclusivas do jornalismo – já que o método de pesquisa

guarda algumas semelhanças com o utilizado por historiadores na composição de suas

biografias – apontaremos algumas características associadas à produção dos “jornalistas-

biógrafos” (2007), que podem ser classificadas como técnicas para o exercício do Jornalismo

Literário, algumas delas derivadas da ficção. Partindo da observação de VILAS BOAS, de

que “biografia jornalística não existe. (...) Ela é um constructo simbólico, híbrido por

natureza” (2006, p. 15), podemos afirmar que o gênero biográfico não possui um modelo

exclusivo para cada campo de atuação. Assim, apontaremos características comuns às

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biografias escritas por jornalistas, mas ressaltando que não se trata de uma restrição à escrita

de autores de outras áreas, já que o gênero é dotado de “multidisciplinaridade” (p. 15).

A biografia assemelha-se ao perfil quanto ao foco do texto, direcionado sempre ao

indivíduo: o personagem. O perfil pode ser definido como “o lado da humanização da

reportagem, já que o jornalismo se diferencia também por ser uma forma de comunicação que

se volta para o homem” (LIMA, 2000, p. 21). A reportagem-perfil popularizou-se em revistas

americanas na década de 1920, de acordo com VILAS BOAS (2003, p. 22), e, no Brasil, a

partir da década de 1960, com publicações em revistas como Realidade e O Cruzeiro. Embora

seu formato seja reduzido em relação ao da biografia (em geral, mais curto) e voltado ao

aprofundamento de alguns trechos da vida do personagem, o gênero apresenta uma

característica que se observa também na prosa biográfica: a função de “gerar empatias”

(LIMA, 2000, p. 14). A aproximação da personalidade do indivíduo biografado cria uma

identificação entre o leitor e o personagem. Um recurso literário comum para estabelecer este

vínculo pode ser a busca da reprodução do interior do personagem, “seus pensamentos,

fantasias, sentimentos e aspirações” (SCHMIDT , 1997, p. 7).

SCHMIDT atribui a conquista do público e da crítica pelos jornalistas-biógrafos em

razão de “suas pesquisas minuciosas e seu estilo envolvente” (1997, p. 3). A densidade e o

aprofundamento da investigação jornalística se reflete no detalhamento das descrições e na

reconstituição dos fatos de uma trajetória biografada. A característica aproxima-se do estilo

descritivo do new journalism, ou novo jornalismo, termo popularizado a partir dos anos 1960

nos Estados Unidos, e considerado uma das manifestações do Jornalismo Literário. Conforme

COSSON, seu surgimento está relacionado à publicação, em 1966, do romance de não-ficção

intitulado In cold blood [A sangue frio], de Truman Capote, que conta com riqueza de

detalhes a história do assassinato de uma família no interior do estado do Kansas, nos Estados

Unidos. Capote, então repórter da revista americana The New Yorker durante seu processo de

apuração dos acontecimentos, não classificava a obra como jornalismo, mas como nonfiction

novel (romance de não-ficção). In cold blood, ainda assim, é considerada uma “longa

reportagem com algumas técnicas de narrativa ficcional” (COSSON, 2001, p. 20).

O envolvimento do repórter com os acontecimentos se expressa na subjetividade

narrativa do modelo jornalístico-literário, em que a pesquisa deve ser mais minuciosa quanto

possível, na busca pela precisão dos acontecimentos. Conforme MORAIS, "quanto mais

minuciosa e detalhista tiver sido a pesquisa, tanto mais fácil será a segunda fase do trabalho,

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que é a produção do texto final" (Apud BENCHIMOL, 1995, p. 100). A reconstrução dos

fatos no new journalism é realizada através da descrição detalhada das cenas, dos diálogos de

personagens e dos ambientes, registrando as impressões do autor como o grande diferencial

do estilo, de acordo com PENA (2006, p. 54). A prática de utilização de cenas e diálogos

também influenciou o campo das biografias, assim como a humanização dos personagens,

essencial às narrativas de perfil e biografia, também deriva de um elemento ficcional que se

tornou marca do new journalism: o “fluxo de consciência” (LIMA, 2004, p. 203).

Com a ascensão do novo jornalismo nos Estados Unidos, o Brasil encontrou uma

forma de expressar sua visão sobre a contemporaneidade sob um novo modelo literário: o

romance-reportagem, subgênero que adotou uma prática semelhante para retomar o “discurso

social na literatura” (COSSON, 2001, p. 14). Abordando temáticas relacionadas à denúncia

social, o romance-reportagem surgiu na década de 1970, em pleno período de censura, e

aproxima-se das demais modalidades de Jornalismo Literário já mencionadas por utilizar

“adereços literários para aprofundar a abordagem sobre fatos reais”, isto é, utilizar o estilo

romanesco em sua construção, mas com o “foco na realidade factual” (PENA, 2006, p. 103).

Como o maior exemplo brasileiro identificado como pertencente à categoria, podemos

citar uma obra anterior a este conceito: Os sertões, de Euclides da Cunha, que mesmo tendo

sido publicada em 1902, apresenta as mesmas características do romance-reportagem. Além

de Os sertões, considerado precursor do romance-reportagem, podemos citar outras obras

importantes desta categoria, como Lúcio Flávio, o passageiro da agonia e O estrangulador da

Lapa, ambas de José Louzeiro, entre outras.

Da mesma forma, o estilo das biografias escritas por jornalistas atualmente também se

aproxima do romance de ficção pelo uso em comum da criatividade e dos mesmos “processos

narrativos” (COSSON, 2001, p. 42). O caráter ficcional, no entanto, em gêneros não-

ficcionais, gera questionamentos que procuram determinar um limite ao autor no tratamento

literário de seu texto. SCHMIDT contribui para a discussão do tema apresentando a diferença

entre historiadores e jornalistas no uso de recursos literários nas biografias:

[...] o historiador pode utilizar-se da imaginação, desde que seja explicitada ao leitor enquanto tal e balizada pelas fontes disponíveis. Estes procedimentos nem sempre são seguidos pelos jornalistas-biógrafos que (...) preferem tratar em seus textos o “verdadeiro” e o “verossímil”, as “provas” e as “possibilidades” (1997, p. 14).

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O Jornalismo Literário, entretanto, procura evitar a “invenção” (1997, p. 14), e apostar

na subjetividade, no ponto de vista autoral, na interpretação dos dados e dos discursos das

fontes e na construção de uma “verossimilhança possível” (PENA, 2006, p. 21). Para isso,

recursos como flash-back, registro de fala dos personagens, referências históricas, uso de

figuras de linguagem, dados e informações precisos, entre outros, são utilizados pelos

biógrafos em suas narrativas, com o objetivo de não apenas retratar determinada realidade,

mas “seduzir” através da leitura (Apud BENCHIMOL, 1995, p. 108).

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4. METODOLOGIA

A escolha da análise de conteúdo para verificar a presença de elementos do Jornalismo

Literário na narrativa biográfica de Ruy Castro em Carmen: uma biografia se justifica na

necessidade de interpretação das características intrínsecas à obra, de modo a demarcar sua

identificação com o olhar teórico proposto. É fundamentada como uma metodologia de

abordagens quantitativa e qualitativa, utilizada para “descrever e interpretar o conteúdo de

toda a classe de documentos e textos”, ajudando a “atingir uma compreensão de seus

significados num nível que vai além de uma leitura comum” (MORAES, 1999, p. 9).

Conforme HERSCOVITZ, constitui um método “de grande utilidade na pesquisa jornalística”

(2007, p. 123), por sua utilização na classificação de gêneros do jornalismo. Para MORAES,

de certo modo,

[...] a análise de conteúdo é uma interpretação pessoal por parte do pesquisador com relação à percepção que tem dos dados. Não é possível uma leitura neutra. Toda leitura se constitui uma interpretação (1999, p. 9).

De acordo com HERSCOVITZ, a análise de conteúdo consagrou-se na segunda

metade do século XX como um método “eficiente e replicável que serve para avaliar um

grande volume de informação cujas palavras, frases (...) podem ser reduzidas a categorias

baseadas em regras explícitas” (2007, p. 125). Há críticas relacionadas à categorização como

método de pesquisa quantitativa, acusada por certos pesquisadores por ser “superficial”,

dando margem a “simplificações e distorções quantitativas” (p. 125). Além disso, de acordo

com NEUENDORF (p. 125), a análise qualitativa de textos é considerada menos eficiente do

que a análise de discurso, nos processos de descrição e categorização, questionando o papel

desta metodologia.

Por esta razão, justifico minha escolha em razão da extensão da amostragem, isto é, do

“processo de seleção dos objetos observados” (p. 129): a conciliação das abordagens

qualitativa e quantitativa da análise de conteúdo representa a escolha mais adequada para

investigar a obra Carmen: uma biografia em sua integralidade. Por um lado, de acordo com

WEBER, a combinação de abordagens “produz os melhores estudos de análise de conteúdo

em textos” (p. 126), por outro, a escolha de uma opção diferente na metodologia talvez

pudesse ser empregada na observação de amostras menores, o que não é o caso em questão. O

objetivo, aqui, é estabelecer uma “categorização” (MORAES, 1999, p. 15) que possa ser

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verificada na totalidade da narrativa observada, utilizando a pesquisa quantitativa como

suporte para investigar a incidência das características classificadas ao longo dos 30 capítulos

que compõem a biografia.

O processo de análise, portanto, parte do questionamento fundamental desta pesquisa,

que é investigar de que forma a biografia pode representar um modo de expressão do fazer

jornalístico, isto é, através de quais elementos, sob a ótica do Jornalismo Literário. De acordo

com a descrição de MORAES (1999, p. 15), o método se dá em cinco etapas: preparação das

informações; transformação do conteúdo em unidades; classificação das unidades em

categorias; descrição e interpretação.

A amostra desta pesquisa deve abranger os 30 capítulos de Carmen: uma biografia,

mais o prólogo e o epílogo. Esta opção se justifica pela intenção de investigarmos a biografia

como uma unidade narrativa, para que possamos identificar, ao longo da obra, elementos de

verificação, de acordo com as categorias previamente estabelecidas. Conforme a definição de

MORAES, quando os objetivos da análise se direcionam à forma como a comunicação se

processa, o pesquisador deve estar atento a “seus códigos, seu estilo, a estrutura da linguagem

e outras características do meio pelo qual a mensagem é transmitida” (1999, p. 13).

As unidades resultantes do conteúdo amostral são provenientes de um processo

denominado “pré-análise” (BARDIN, 1977, p. 95), que se deu durante a leitura do texto, com

o objetivo de selecionar temas, palavras, expressões ou sinais gráficos indicadores do

processo de pesquisa do autor e do tratamento literário atribuído à obra. Inicialmente, seis pré-

categorias foram observadas, com base na organização das unidades apontadas em cada

capítulo. Das seis pré-categorias, resultaram cinco categorias, de acordo com o agrupamento

de unidades semelhantes observadas em mais de um capítulo.

Importante ressaltar que, por se tratar de uma análise de conteúdo qualitativa e

quantitativa, a descrição das categorias deve expressar o “conjunto de significados presentes

nas diversas unidades de análise incluídas em cada uma delas” (MORAES, 1999, p. 23). O

caráter quantitativo foi utilizado no agrupamento de unidades presentes em mais de um

capítulo, e que representarão a incidência dessas características ao longo da biografia.

A primeira categoria observada é a voz narrativa, que pretende compreender a

linguagem utilizada em Carmen através da voz de seu narrador. Apontaremos os indicadores

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pelos quais ele se manifesta e seus diferentes estágios ao longo do texto, a fim de apontar as

funções deste narrador e verificar como ele expressa a autoria predominante na obra em

questão.

A segunda categoria, construção narrativa, consiste em identificar aspectos que

definem a estrutura da biografia, com o objetivo de analisar o processo de edição textual. A

verificação das bases de organização em princípio, meio e fim na extensão de Carmen sugere

uma estrutura que confira ritmo ao longo da obra. A idéia é verificar quais elementos desta

construção garantem uma leitura ritmada.

A partir da terceira categoria, passamos a analisar os componentes do estilo narrativo.

A intenção é verificar os indicadores e características estilísticas expressos em palavras,

expressões ou sinais gráficos, que mantenham freqüência ao longo da biografia. Poderemos, a

partir desta análise, compreender que aspectos conferem fluência à leitura observada.

A construção da personagem é a quarta categoria de análise, cuja pretensão é

investigar os indicadores direcionados à caracterização de Carmen Miranda nesta biografia. O

objetivo é compreender as unidades que expressem a multiplicidade de identidades da

personagem, através de quais recursos narrativos – adjetivos, expressões, citações – ela será

apresentada e que aspectos de sua trajetória serão tratados com maior ou menor ênfase pelo

autor.

Por fim, a quinta categoria procura apresentar elementos relacionados à

verossimilhança da narrativa, relacionando informações, dados, fontes, datas, por exemplo,

que situem a história na realidade, fundamentando-a ao longo do texto. De acordo com as

características do Jornalismo Literário apresentadas no capítulo teórico, o objetivo desta

análise será descrever as unidades de acordo com a categorização, procurando identificar uma

aproximação dos elementos componentes das narrativas deste gênero.

A análise proposta pode ser classificada como sendo de “nível latente” (MORAES,

1999, p. 26), isto é, na qual se pretende captar não apenas o significado literal, mas também

seus “sentidos implícitos” (p. 26). Desta forma, consideraremos o contexto no qual as

palavras e expressões estão inseridas, acrescentando que se trata de uma abordagem indutiva-

construtiva (p. 28), ou seja, cujas categorias foram construídas a partir dos dados pré-

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analisados. Sua finalidade, conforme o autor, “não é generalizar ou testar hipóteses, mas

construir uma compreensão dos fenômenos investigados” (p. 28).

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5. ANÁLISE DA NARRATIVA DE CARMEN: UMA BIOGRAFIA

5.1. Voz narrativa

Dispensando a preocupação com uma “objetividade narrativa” (ainda que lidando com

dados de pesquisa, documentos e depoimentos, o que implica haver precisão) podemos

afirmar que a voz narrativa em Carmen: uma biografia não procura passar despercebida pelos

leitores. Ao contrário, apresenta-se como um componente importante para a compreensão de

certas informações da obra.

Fundamentalmente, a narração e a descrição analisadas apresentam uma característica

definida por LIMA como “a fruição pelo texto” (2004, p. 134), isto é, a intenção de não

apenas informar, mas explorar a quantidade de informações, de modo a conferir profundidade

ao texto e adequar os dados em seu contexto próprio. Isto carece da funcionalidade do

narrador, na incumbência de fornecer ao leitor um sentido para as informações.

Podemos perceber, ao longo da biografia, um aproveitamento de versões e de

hipóteses sobre determinados acontecimentos da trajetória da personagem, ou mesmo lacunas

históricas sobre as quais documentos não foram encontrados. A narrativa, como que para

indicar fatos não-comprovados, apresenta expressões que indiquem possibilidades,

impossibilidades ou imprecisão, como no seguinte trecho:

Data também daí a propalada vontade de Carmen, nunca muito bem explicada, de entrar para um convento. Pode ter sido por uma real (e passageira) devoção pela vida religiosa ou por uma sensação de vazio ao deixar o colégio. O mais provável é

que a idéia ou o estímulo tenha partido de dona Maria (...) (CASTRO, 2005, p. 18, grifos meus)

A partir do excerto, localizado no primeiro capítulo, encontramos uma série de

expressões indicadoras de possíveis acontecimentos: “a dúvida é sobre se” (p. 36), “não há

registro” (p. 38) “lhe teria dito” (p. 41), “talvez” (p. 41), “há de novo uma possibilidade de

que” (p. 47), “em agosto ou setembro” (p. 50), “outra versão” (p. 59), “parece ter” (p. 60),

“diz a lenda que” (p. 85), “seria essa” (p. 85), “não se sabe o que aconteceu” (p. 118), “ou,

então, todas essas hipóteses podiam estar erradas” (p. 132), “dizem que” (p. 172), “em tese,

pelo menos” (p. 324), “não é improvável que” (p. 325), “sobre a qual há duas versões” (p.

353), “segundo algumas correntes” (p. 387), “teria se retirado por volta das duas e meia” (p.

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546), entre outras. Podemos compreender o uso dessas expressões como opção para construir

uma narrativa complementar, isto é, que não utilize apenas os fatos que possuam

comprovação através de registros documentais, mas também conforme os depoimentos dos

entrevistados. Este poderia ser um meio escolhido pelo autor para relativizar o discurso de

suas fontes – amparadas, muitas vezes, apenas pela memória –, valorizando a narrativa

biográfica como uma unidade composta não só de acontecimentos, mas também de

possibilidades. Esta característica contribui para uma outra, que será apresentada na próxima

categoria: a ficcionalização da narrativa.

Em relação às formas através das quais o narrador se expressa em Carmen, podemos

estabelecer um conjunto de funções que se manifestam na prosa biográfica de Ruy Castro.

Além dos próprios discursos narrativo e descritivo, notamos ainda a tentativa de facilitar o

entendimento do leitor, de interpretar fatos e de posicionar-se diante de algumas questões da

história da personagem como aspectos relacionados à voz narrativa.

Partindo do fato de que a história de Carmen Miranda ocorre na primeira metade do

século XX, e que a linguagem e o vocabulário deste período distancia-se, em parte, do atual,

torna-se necessário, para o biógrafo, apresentar aos leitores uma “tradução” de alguns

elementos da realidade da personagem. Isso se dá através da voz narrativa, em um processo de

contextualização, questionamento e diálogo com o leitor. CASTRO utiliza comentários entre

parênteses como seu recurso mais comum de contextualização, observado no trecho a seguir:

Marta Eggerth era uma criadora de casos. Rompera contratos em Buenos Aires e Montevidéu e quase fez o mesmo no Rio. Adiou várias apresentações na Urca (por se recusar a cantar com uma “orquestra de jazz” – a de Carlos Machado) e, quando finalmente subiu ao palco (também em benefício da Cidade das Meninas de dona Darcy Vargas), entrou atrasada, chamou a platéia de mal-educada (por alguns estarem fumando), cantou somente uma música, deu as costas e foi embora (2005, p. 258).

Em alguns casos, os parênteses funcionam como um espaço para definir termos, como

no trecho “(Lanfranhudo queria dizer valentão.)” (p. 60). No entanto, ainda que, em alguns

casos, não fosse necessário o uso dos parênteses, ou mesmo a inclusão de certas informações

ao longo do texto, o autor utiliza o recurso para delimitar espaços a comentários do narrador.

Seja para incluir uma tradução, contextualização, ou comentário, é através do que é escrito

entre parênteses que o narrador se revela presente como um elemento diferencial, isto é, ativo

na construção da narrativa e extrapolando o papel do simples relator “neutro” de

acontecimentos.

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Seguindo uma linguagem com foco na fundamentação e esclarecimento de versões,

nota-se constantemente em Carmen a presença de questionamentos levantados pelo narrador.

Ora respondendo a questões previstas ao longo da leitura, ora demonstrando que não é

detentor das “verdades” a respeito da trajetória pesquisada, o narrador compartilha através do

texto as dúvidas que possivelmente tenham pertencido ao autor em um primeiro momento.

Podemos observar um exemplo desta característica nos trechos “Por que Carmen recusou

“Brasil Pandeiro”? Porque, de certa forma, era também um samba-exaltação, mas de

exaltação à sua pessoa” (CASTRO, 2005, p. 255, grifos meus), e “Por que esses valores

absurdos? Porque, com sua marquise prometendo Carmen Miranda ao vivo no palco, o Roxy

sabia que teria casa cheia” (p. 345, grifos meus).

Pode-se identificar, ao longo da biografia, variações da voz narrativa com o objetivo

de delimitar o que pertence à história de vida, em si, e o que destaca o narrador como o

contador desta mesma história, ou seja, um sujeito que está em pleno diálogo com o leitor.

Através do uso do imperativo em “Imagine” (p. 195), “Multiplique” (p. 240), “Some a isso”

(p. 240), da indicação de um interlocutor em “Por aqueles dias, se você dobrasse qualquer

esquina em Manhattan” (p. 233, grifo meu), “Não, você não está lendo errado” (p. 356), e em

questionamentos como “lembra-se?” (p. 320) ou “Surpreso?” (p. 373), o narrador confere um

tom mais informal à biografia, situando-se mais próximo ao leitor e concedendo uma leitura

menos densa à narrativa, como no seguinte trecho:

Se você considera isso uma maratona de matar, ela ainda não se compararia ao que esperava por Carmen na terceira semana de janeiro de 1940 – e, se duvida, tente acompanhar (CASTRO, 2005, p. 234).

Como se os fatos propriamente ditos e a apresentação de possibilidades não fossem

suficientes para construir uma narrativa completa, o autor opta por apresentar suas próprias

interpretações diante de certas versões. Ainda que passível de críticas por parte de alguns

pesquisadores da área biográfica, Ruy Castro não procura argumentar, através de Carmen, de

que forma chegou a certas conclusões – já que se trata de uma obra jornalístico-literária, não

científica. No entanto, através do narrador, concede-se espaço para apresentar novos fatos

como resultantes de seu processo de investigação e apuração, cuja discussão metodológica

não parece ser o foco nesta biografia. Podemos acompanhar tal característica no trecho a

seguir, em que o narrador não revela dúvidas sobre o que afirma:

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O impasse quase absurdo criado por Carmen a respeito da viagem não passara de um gatilho para o rompimento. A crise era mais profunda. O que a ligava a Mário Cunha era a atração física e, depois de sete anos, ela podia ter se cansado dele. Não

havia, para nenhum dos dois, nenhuma perspectiva de casamento – ele, por não ser o tipo casadouro; ela, por não ter a menor intenção de encerrar a carreira (...). O namoro caíra num chove-não-molha, conveniente para ele, que a tinha com exclusividade, e incômodo para ela, que se sabia traída a três por dois (CASTRO, 2005, p. 80, grifos meus).

O excerto indica interpretação do autor, posto que não há citação de fontes que tenham

dito tais palavras. O que parece ocorrer, aqui, é a apresentação de conclusões a que Castro

possa ter chegado em seu processo de apuração, com base em depoimentos de fontes diversas.

Através, portanto, da voz narrativa, o autor acrescenta à biografia suas próprias versões para o

que possa ter ocorrido ao longo da vida da personagem. A característica contribui para a

verificação de uma nova funcionalidade do narrador: o posicionamento diante dos fatos.

Conforme vimos na exposição do conceito de Jornalismo Literário, a subjetividade do

repórter-escritor expressa o aprofundamento narrativo, em contraponto à idéia de

neutralidade, que não parece ser o objetivo em Carmen: uma biografia. O narrador, como um

minucioso apurador de informações, revela-se crítico e bem-posicionado diante de certos

fatos da história, permitindo ao leitor compreendê-los a partir de um ponto de vista

privilegiado, isto é, da visão criteriosa do pesquisador.

Por meio da adjetivação em expressões como “fazendo uma passável imitação” (p.

114), “Mas que era imoral, era” (p. 119), “com razão” (p. 129), “com justiça” (p. 129),

“Tratava-se apenas de um artigo bobo e isolado” (p. 144), “a história é ridícula de tão

inconsistente” (p. 505), o narrador se apresenta envolvido profundamente pelos fatos, de

forma a expressar-se sobre a história como seu criador e conhecedor. Um interessante

exemplo do posicionamento da voz narrativa pode ser percebido na descrição de CASTRO

sobre Sebastian, marido de Carmen Miranda:

Era feio, baixo (pouco maior do que ela), magro, cabelo espetado e prematuramente branco, nariz de boxeador, alguns dentes a menos – mas com caninos bem pronunciados, quase draculescos –, puxando conspicuamente de uma perna (tentava disfarçar com um sapato de palmilha grossa) e com um notável mau gosto para gravatas-borboleta (2005, p. 422).

A descrição citada compõe o desfecho do capítulo 23, antecedendo o capítulo

intitulado “Sebastian”, que narra como se deu o envolvimento e o casamento entre os dois.

Inicialmente, a ênfase dada a esta caracterização não é compreendida pelo leitor, que só

entenderá o esforço do autor em definir o personagem de maneira pejorativa ao compreender,

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conforme o capítulo seguinte, que o casamento representou infelicidade aos últimos anos da

vida de Carmen.

Da mesma forma que o uso de parênteses, as aspas e palavras grifadas em itálico

também consistem em sinais gráficos utilizados pelo narrador para atribuir conotações ou

enfatizar certos termos. Em “Não que Carmen não pudesse ter concorrido” (p. 61, grifo do

autor) e “na verdade, fazia isso escondido” (p. 168, grifo do autor), vemos o uso do itálico

para ressaltar o significado denotativo das palavras, isto é, o que se expressa através da leitura

direta. Em contrapartida, o emprego de palavras ou expressões entre aspas, além de indicarem

citações e denominações específicas, indicam que o leitor deve, em alguns casos,

compreender também o sentido figurado, como nos trechos “fazia a delícia da “família

brasileira”” (p. 59) e “uma “atriz” de 22 anos” (p. 450).

Podemos relacionar as características atribuídas à voz narrativa nesta biografia,

portanto, com a autoria, que é um dos fundamentos do Jornalismo Literário. A expressão da

voz autoral através da figura de um narrador que pode ser identificado ao longo da história – e

que possui diversas funcionalidades – indica, sobretudo, a intenção de revelar uma visão

própria a respeito dos acontecimentos. É possível afirmar que este aspecto representa um

diferencial em Carmen, e interferirá em fatores identificados nas demais categorias de análise

como uma contribuição à construção da narrativa biográfica.

5.2. Construção narrativa

A estruturação de Carmen: uma biografia apresenta semelhanças com a composição

estrutural do romance, por também constituir uma unidade narrativa de longa extensão. A

inclusão de um prólogo, um epílogo e a divisão em capítulos aproximam a obra da montagem

de uma narrativa ficcional, assim como o uso das técnicas narrativas, embora ela pertença ao

gênero de não-ficção.

A história da vida de Carmen Miranda é contada entre os capítulos 1 e 30. O prólogo

atua como uma curta narrativa que situa o leitor no cenário onde a biografia começa. O

epílogo trata exclusivamente dos acontecimentos imediatamente posteriores à morte da artista,

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que foi trazida ao Brasil para seu cortejo fúnebre. Assim, situa-se a história em seu contexto,

percebendo-se que não é restrita unicamente à vida como existência da personagem.

A relação de capítulos da biografia também se assemelha à organização do romance,

na medida em que o final de cada um relaciona-se com o próximo. Dessa forma, o tema não

se esgota ao fim, mas no capítulo seguinte, na intenção de manter a fluência ao longo da

leitura, como indica o trecho final do capítulo 2, “It girl”. Com frases curtas e um vínculo com

o capítulo subseqüente, ele cria expectativa para o que virá em seguida:

Novos ventos iriam varrer a música popular. Até então, as canções vinham do teatro. Não se aprendiam canções novas pelo rádio. A presença de sambas em discos era insignificante e a de marchinhas, quase nula. Tudo isso logo mudaria e, em grande parte, porque haveria uma Carmen Miranda (CASTRO, 2005, p. 41).

A narrativa em Carmen é construída de forma a preservar a fluência e o ritmo da

leitura. Através de um cuidadoso trabalho de edição, Ruy Castro insere narrativas

complementares entrepostas à trajetória da personagem – representadas por histórias sobre

outros personagens, acontecimentos particulares ou históricos ao longo da cronologia. Para

demarcá-los, são utilizados recursos como flash-back e flash-forward, para antecipar e

avançar o tempo, respectivamente (LIMA, 2004, p. 167), pausas, em que o narrador conclui

um assunto e transfere-se para outro cenário, onde abordará outro tema, e digressões, lapsos

em que o narrador reflete sobre alguma questão, retomando a história em seguida.

Percebe-se que, a partir das inserções de flash-back e flash-forward através do texto, o

narrador rompe a linha cronológica para torná-la mais interessante e relacionar

acontecimentos mais ao passado ou mais ao futuro. No primeiro capítulo, o autor retoma o

passado para resgatar a história dos pais de Carmen, a partir da frase “Dois anos antes, em

1906, quando eles se casaram, nada parecia indicar esse destino” (CASTRO, 2005, p. 11). No

caso da utilização do flash-forward, o narrador indica que prevê o futuro da personagem,

conforme o seguinte trecho:

Nos dias 2, 6 e 27 de setembro, Carmen foi ao estúdio da Odeon para gravar seus últimos discos brasileiros. Ela não sabia que seriam os últimos. Não sabia também que ali se encerrava sua carreira de insuperável intérprete de sambas-canaille (CASTRO, 2005, p. 257, grifo do autor).

O uso das pausas possui, nos capítulos, função semelhante que estes próprios exercem

no corpo da biografia, isto é, a de divisão de uma narrativa extensa. Elas são delimitadas por

um sinal gráfico (�) ou por um espaçamento maior entre parágrafos. Nos capítulos 2 (p. 31 e

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33) e 4 (p. 68) há exemplos de pausas relacionadas à trágica história de Olinda Miranda, irmã

mais velha de Carmen, morta aos vinte e três anos de idade em Portugal. Como uma narrativa

paralela contada em mais de um capítulo, foi intercalada com a história da protagonista e

dividida em trechos.

As digressões funcionam como espaços livres de que dispõe o narrador, para fazer

reflexões, acrescentar informações extras ou efetuar comentários. O uso de parênteses, já

citado, pode representar um espaço de digressão, desde que fique clara a evasão da narrativa,

como se quebrasse sua linearidade. Exemplo disto pode ser encontrado em um trecho do

capítulo 14, “Silêncio na Urca”, em que o narrador cita um conselho de Aurora a Carmen,

indagando:

De onde Aurora tirava essas idéias? De onde tanto pessimismo e fatalismo? Bem, ela era uma voraz leitora de romances. Seus autores favoritos em 1940 eram Machado de Assis e um novo e promissor escritor gaúcho, Erico Verissimo (CASTRO, 2005, p. 257).

Embora possamos associar estes recursos ficcionais à biografia em sua totalidade,

alguns trechos apresentam-se como “pontos altos”, nos quais a expectativa e a curiosidade do

leitor se elevam, caracterizando o plot, ou “ponto de virada” (PENA, 2006, p. 29), e o clímax.

Tratando-se da história de vida de uma figura popular, como Carmen Miranda, podemos

pressupor que o processo de conquista da fama tenha sido um dos pontos altos em sua

trajetória, o que, de fato, se reflete em sua biografia, caracterizando um ponto de virada na

narrativa. O que não prevemos, e compõe o clímax em Carmen, são os fatores que causam sua

decadência e morte, expostos com forte carga de dramaticidade através do texto.

O primeiro ponto de virada da narrativa ocorre entre os capítulos 10 e 11, que narram

a ida da personagem para os Estados Unidos. A partir daí, descreve-se o auge da estrela dos

palcos e das telas até o capítulo 20, que é o segundo ponto de virada. A partir de “Entre a vida

e a morte”, a vida e a carreira de Carmen entram em um declínio que só finda com a sua

morte, tema do último capítulo. Através dos títulos de cada capítulo, podemos acompanhar os

estágios de ascensão profissional, auge e decadência, e compreender que os pontos de virada

permitem ao narrador enfatizar períodos que considera marcantes na vida pesquisada,

auxiliando na construção da história de vida.

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5.3. Estilo narrativo

O estilo narrativo em Carmen apresenta tonalidades distintas que conferem à biografia

um caráter literário. Em razão da extensão do texto, da diversidade temática e do conjunto de

acontecimentos abordados ao longo da cronologia, os elementos humor e dramaticidade

coexistem em equilíbrio na prosa de Castro.

O humor manifesta-se rigorosamente através da ironia, associada à voz narrativa, mas

também à personalidade de Carmen Miranda. O recurso é utilizado através de palavras,

expressões e citações situadas quase que na totalidade dos capítulos. O emprego mais

expressivo do humor encontra-se nos capítulos que contam a história, as curiosidades e os

boatos sobre Hollywood, como no trecho a seguir:

Seu personal trainer, o italiano Fidel La Barba, ex-campeão mundial dos pesos-mosca, era encarregado de lutar boxe, correr e pular corda com ele, massageá-lo e mantê-lo em forma. Um dos macetes para isso era atirar-lhe azeitonas durante as reuniões, para Zanuck rebater com o taco de pólo. Parece ridículo, mas não se esqueça: isso era Hollywood (CASTRO, 2005, p. 269).

As expressões “mixórdia administrativa” (p. 271), “o bustiê de Alice era tamanho-

família” (p. 272), “olhos que, no futuro, alguém classificaria carinhosamente de “bovinos””

(p. 277), “A polêmica cirurgia, de apêndice ou de hemorróidas” (p. 279) e “Quem teve mais

sorte foi – surpresa! – Alzirinha Camargo” (p. 291), entre outras, revelam a comicidade que o

autor atribuiu ao cenário hollywoodiano, caracterizado nos capítulos 15 e 16. O uso de

adjetivos, aspas e reticências parecem ser os principais indicadores da ironia presente na obra.

A dramaticidade, ao contrário do humor, é empregada de forma moderada em

Carmen, mas enfatizada nos capítulos finais da história da personagem. O recurso mais

utilizado para indicá-la parece ser a descrição minuciosa, na intenção de reconstruir possíveis

“cenas” da vida de Carmen Miranda que expressassem emoções como tristeza, melancolia,

nostalgia ou sofrimento. O trecho mais marcante se encontra no capítulo 28, “Choques

elétricos”, em que é descrito o tratamento à base de eletrochoques a que a personagem foi

submetida:

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Carmen foi amarrada à mesa, acordada, com uma cunha de borracha na boca, para impedi-la de decepar a língua com os dentes. (...) Um enfermeiro segurou-lhe o queixo, outro a prendeu à mesa, segurando-a pelos braços, os dois usando força total. O terceiro girou o botão e contou até cinco, espaçadamente. Enquanto ele contava, a descarga provocou um choque que fez Carmen saltar da mesa diversas vezes, perder imediatamente a consciência e ter uma convulsão: revirou os olhos, babou, passou por uma tremenda contração muscular e sofreu uma parada respiratória, como num ataque epiléptico (CASTRO, 2005, p. 511).

A partir do detalhamento na recriação de cenas, o autor imprime um tom ficcional a

algumas passagens, descrevendo-as como se estivesse presente na história. A ficcionalização

representa o espaço criativo para o emprego de estilo à escrita, ou seja, da beleza, leveza,

profundidade e das impressões do próprio autor.

O uso da ficcionalização pode ser percebido ao longo da biografia, através da

indicação de possibilidades, como, por exemplo, no trecho em que o narrador relata a

proximidade entre a então casa de Carmen e o Palácio do Catete, sede do governo Vargas: “Se

acordasse muito cedo e chegasse à janela, Carmen veria Getúlio nos jardins e poderiam

acenar-se com dedinhos” (p. 136, grifos meus). Outro indicativo desta característica é o

emprego de citações, que, em seqüência, dão a idéia da reconstituição de diálogos e,

conseqüentemente, de cenas.

O detalhamento presente nos processos de narração e descrição, da mesma forma que

no uso preciso de números e no cuidado ao empregar o vocabulário, também representa um

fator que contribui para a identificação de um estilo próprio do autor ao longo da história. Em

parte, porque é expresso através de uma voz narrativa que mescla interpretação e informação

em uma linguagem bem-humorada, por vezes informal. Em parte, porque envolve o leitor a

adentrar nas minúcias da intimidade da personagem que, conforme veremos no item seguinte,

não apresenta indícios de ser comum. Pode-se afirmar que todas as características

relacionadas ao estilo contribuem para a composição de uma narrativa fluente, envolvente e

rica, não apenas esteticamente, mas também em conteúdo. De certa forma, identificamos

também nessa narrativa detalhada a clareza própria da linguagem jornalística, especialmente

na preocupação com a fluência e com a exatidão das informações.

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5.4. Construção da personagem

Como a própria razão de existir biográfica, a construção da personagem em Carmen é

o elemento de maior importância da narrativa, e, para tanto, deve expressar toda a diversidade

possível de caracterizações, definições, adjetivações, ou seja, uma fundamentação em torno da

multiplicidade de identidades. Fundamentalmente, a proposta de Ruy Castro parece ser a de

fragmentar, ao longo da biografia, o conjunto de identidades associadas à Carmen Miranda,

juntamente às possibilidades de angulação para revelar cada um destes fragmentos.

Diferentemente do que vemos através de qualquer uma das fotografias que ilustram o

livro – um ângulo eternizado pela imagem que expressa uma carga de subjetividade, relativa a

cada observador –, através da narrativa temos um “foco” intermediário, que é, justamente, a

visão do autor. Se pudéssemos utilizar esta mesma idéia como metáfora para compreender a

complexidade da questão, diríamos que o autor apresenta-nos Carmen como uma “imagem”

em plena transformação através do tempo, dos espaços e dos acontecimentos.

Em relação às identidades da personagem, percebemos que o autor delimita a

transformação através do nome. Dessa forma, narra o nascimento, em Portugal, da menina

Maria do Carmo que, ainda pequena, recebera o apelido Carmen (CASTRO, 2005, p. 12,

grifos meus). Já no Brasil, apresenta um segundo nascimento: de uma cantora chamada

Carmen Miranda, que “era de uma graça e um rebuliço nunca vistos” (p. 45).

A partir do surgimento de Carmen Miranda como artista, sua identidade passa a se

confundir com as inúmeras personagens que interpreta: a cantora trajada de baiana, a

performer de sotaque cômico que é destaque na Broadway, as mulheres latinas e “geniosas”

que interpretava no cinema americano, entre outras referidas pela biografia. No entanto, o

ritmo alucinante da carreira a levou para a dependência química de comprimidos para dormir

e para se manter alerta. A partir da dependência, a transformação acentuou-se, como

percebemos através dos trechos “A primeira Carmen” (p. 474), “A outra” (p. 474) e “Eram

agora várias Carmens” (p. 487, grifo meu). Na expressão “Nas últimas horas, tinha sido mais

Carmen Miranda do que nunca” (p. 520), o autor a revela como personagem de si mesma,

enfatizando a idéia de fragmentação presente na totalidade do texto.

Para ampliar a caracterização de sua personagem, Castro explora, além das próprias

observações, a ótica de suas fontes e a da própria Carmen Miranda, esta última,

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especialmente, através das citações e da intimidade revelada nas cartas. Se o conjunto de

identidades apresenta contradições, o que, de fato, ocorre, percebemos a tentativa de

representar na narrativa as contradições humanas.

A relação entre narrador e personagem pode ser apontada através dos inúmeros

adjetivos através dos quais o autor procura definir sua admiração pela artista e, sobretudo, seu

posicionamento – e não julgamento – diante de questões próprias da trajetória narrada. Castro

enfatiza, principalmente, a personalidade que atribui à personagem recriada, não apenas

relativa a atitudes, palavras e ao comportamento marcante, mas àquilo que entende como a

imagem autêntica da Carmen Miranda que, compreende-se, não representaria um ícone ou

fenômeno produzido senão por ela própria.

5.5. Verossimilhança

A subjetividade autoral característica desta biografia não se contrapõe ao conceito de

verossimilhança, também representado em Carmen por apresentar abordagens baseadas na

realidade factual, isto é, vinculadas à história de vida de uma personagem real. Em vez de

propor apresentar a verdade dos acontecimentos, ou seja, mostrar-se como um entendedor

absoluto do tema investigado, Ruy Castro sugere uma reconstrução própria dos fatos, com

base nas fontes de pesquisa e na interpretação.

A primeira indicação de uma prosa verossímil parece ser a precisão no emprego de

dados. A exatidão nas datas, quantias e nos valores numéricos apresenta-se não como mero

agrupamento de dados, mas como fatores que, se não argumentam por si mesmos, necessitam

do narrador para imprimir-lhes coerência, como no trecho a seguir:

Nos Estados Unidos, perto do fim da guerra, ia-se longe com 201 458 dólares por ano. Com esse dinheiro comprava-se 58 boas casas ou 206 carros zero. Significava 87 vezes o rendimento médio do cidadão americano, que era de 2378 dólares por ano, e esse cidadão não estava se queixando – porque um litro de leite custava quinze centavos de dólar e um litro de gasolina, cinco centavos. Com trinta centavos, assistia-se a um filme, às vezes dois; outros dez centavos compravam um cachorro-quente e uma Coca-Cola, com mostarda e ketchup grátis (CASTRO, 2005, p. 406).

A apresentação dos dados do excerto, não como mera curiosidade do texto, antecede a

informação de que Carmen Miranda, no período, era considerada a “mulher que mais ganhara

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dinheiro nos Estados Unidos – talvez no mundo” (p. 406), detendo, justamente, a quantia de

201 458 dólares, referida no início do capítulo “Dinheiro a rodo”. O uso de dados numéricos é

também uma característica da narrativa, associada ao detalhamento como recurso de estilo,

conforme observamos anteriormente. No entanto, a precisão, como característica da voz

narrativa, se aplica também na preocupação do autor em descrever as versões, interpretando-

as de acordo com o critério de verossimilhança. A própria distinção entre o que é fato,

hipótese, versão, interpretação e ficcionalização – como já observamos – está delimitada na

prosa de Castro, ainda que sob um estilo literário.

O tratamento das fontes é outro indicador de verossimilhança em Carmen, embora o

autor tenha estabelecido um critério incomum para creditar as informações. Em relação a

fontes documentais – jornais, revistas, cartas, documentos impressos, filmes, fotografias,

discos, entre outros – Castro opta por indicar a origem creditando o registro, como em

“escreveu no Morning Mail a colunista Dorothy Dey” (CASTRO, 2005, p. 476).

Das entrevistas realizadas pelo autor, quase nenhuma é citada no corpo da biografia,

apenas mencionada no capítulo de agradecimentos, o que nos faz apenas supor a origem de

certas informações a respeito da intimidade e da privacidade da personagem. Como uma

possível justificativa, o grande número de entrevistas – 156 ao todo – e de material

bibliográfico, além da incorporação de um modelo de referências, como notas de rodapé, por

exemplo, que ampliariam a biografia em extensão e discussão de fontes. A opção, no entanto,

parece ser primar pela fluência ao longo das 600 páginas, sem destinar ao leitor preocupações

metodológicas em termos científicos.

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta deste trabalho foi a de estabelecer um olhar sobre o Jornalismo Literário

através da narrativa biográfica, que representa um de seus formatos de afirmação. A

pretensão, aqui, foi contribuir para a sua discussão como um gênero híbrido, que se destaca,

sobretudo, graças ao seu formato mais reconhecido: o livro-reportagem.

Procurei partir de um conceito abrangente e transdisciplinar da biografia, para

compreendê-la como uma expressão do jornalismo como uma narrativa não-ficcional, mas

que incorpora, de acordo com o estilo autoral, o caráter de obra literária. Para isso, foi

necessário apresentar o conceito de biografia, representada pela obra Carmen: uma biografia,

de Ruy Castro, e relacioná-la a partir do olhar teórico do Jornalismo Literário.

No capítulo inicial, tratei da apresentação da biografia analisada, do conceito em

questão, e da discussão autoral expressa por Ruy Castro, como um mediador entre a história

vivida e a história narrada. No segundo capítulo, expus as definições e as origens do

Jornalismo Literário como um gênero autônomo, isto é, nascido a partir da mistura de

jornalismo e literatura. No terceiro capítulo, foi apresentada a metodologia de pesquisa, que é

a análise de conteúdo, e explicitadas as definições do processo de categorização do conteúdo

pesquisado. Por fim, o quarto capítulo concentra a análise propriamente dita, apresentando a

contextualização necessária, através das citações de passagens, e a interpretação das unidades

analisadas, relacionando-as ao conjunto teórico apresentado.

Acredito que o trabalho possa cumprir com a identificação do gênero biográfico

contemporâneo como um campo de pesquisa do Jornalismo, embora pouco se encontre a este

respeito em estudos da área. Ainda assim, a produção acadêmica disponível acerca do tema

considera a diversidade de enfoques possíveis, inclusive o da Comunicação. Esta

multiplicidade pode significar interessantes relações entre campos de pesquisa, se

imaginarmos, por exemplo, que pesquisadores das áreas da Psicologia, Filosofia, Arte,

História, Letras e Ciências Sociais poderiam contribuir com seus questionamentos e

percepções a um estudo da área da Comunicação.

Em relação às discussões do Jornalismo Literário, creio que se possa enfatizar, através

deste trabalho, a complexidade da obra de Ruy Castro, e a referência que representa para a

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criação no jornalismo, através de seu estilo, qualidade narrativa e de sua amplitude de

pesquisa. Talvez possamos considerar, a partir deste pequeno estudo, a importância do livro

como espaço legítimo do discurso jornalístico, especialmente da reportagem e do Jornalismo

Literário, como alternativas de expansão e aprofundamento de seus recursos, face à limitação

dos meios tradicionais de informação.

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REFERÊNCIAS

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