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Tiragem: 100925 País: Portugal Period.: Semanal Âmbito: Lazer Pág: 44 Cores: Cor Área: 23,50 x 29,70 cm² Corte: 1 de 7 ID: 60668147 22-08-2015 | Revista E O genial E se o nosso clima contribuísse para sermos ‘berço’ de uma gastronomia de excelência? Em plena Costa Alentejana há um quase Éden com mais de 600 variedades de hortifrutícolas cultivadas por um francês apaixonado. O vigoroso ecletismo do jardim de Jean-Paul prova que Portugal tem um clima ‘feliz’ TEXTOS FORTUNATO DA CÂMARA NUNO BOTELHO

O genial...2015/08/22  · Tiragem: 100925 País: Portugal Period.: Semanal Âmbito: Lazer Pág: 44 Cores: Cor Área: 23,50 x 29,70 cm² ID: 60668147 22-08-2015 | Revista E Corte:

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O genial

E se o nosso clima contribuísse para sermos ‘berço’ de uma gastronomia de excelência? Em plena Costa Alentejana há um quase Éden com mais de 600 variedades de hortifrutícolas cultivadas por um francês apaixonado. O vigoroso ecletismo do jardim de Jean-Paul prova que Portugal tem um clima ‘feliz’TEXTOS FORTUNATO DA CÂMARA

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Page 2: O genial...2015/08/22  · Tiragem: 100925 País: Portugal Period.: Semanal Âmbito: Lazer Pág: 44 Cores: Cor Área: 23,50 x 29,70 cm² ID: 60668147 22-08-2015 | Revista E Corte:

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jardineiro

COLEÇÃO Jean-Paul Brigand tem mais de 300 citrinos. Aqui mostra-nos, orgulhoso, uma vistosa toranja protegida com um tecido, para evitar os pássaros e o sol direto

Page 3: O genial...2015/08/22  · Tiragem: 100925 País: Portugal Period.: Semanal Âmbito: Lazer Pág: 44 Cores: Cor Área: 23,50 x 29,70 cm² ID: 60668147 22-08-2015 | Revista E Corte:

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Quantas vezes nos chegam imagens de cheias e tem-pestades tão curtas quão severas, que irrompem os verões de alguns países da Europa Central. Fe-nómenos abruptos que observamos chocados na tranquilidade do nosso estio resplandecente. O clima é talvez o nosso maior atrativo turístico. So-mos o pequeno oásis europeu que lá vai resistindo às alterações climáticas das últimas décadas. Sol, praia e temperaturas médias moderadas ao longo do ano fazem-nos ser recordados pelos que nos visitam, ou escolhidos como destino de residên-cia por quem não hesita em viver neste ‘cantinho à beira-mar plantado’. Mas será que estas carac-terísticas climatéricas se podem aplicar no vasto mundo da gastronomia de alta qualidade, acolhen-do projetos agroalimentares inovadores e aclima-tando culturas e sabores que podem surpreender os clientes mais exigentes?

Jean-Paul Brigand e Ann Kenny vivem no

Alentejo desde 2001 no Lugar do Olhar Feliz. Vie-ram para ter uma reforma tranquila e construírem um jardim semelhante aos muitos que visitaram nas viagens que foram fazendo pelo mundo. Hoje possuem uma das maiores coleções hortifrutíco-las a nível europeu, onde se destaca um raro pomar de citrinos com mais de 300 variedades vindas de vários continentes.

“Dia 6 logo pela manhã é bom. A meteorologia dá bom tempo, mas à tarde vai fazer calor. Até bre-ve.” Foi este o conselho avisado que Jean-Paul Bri-gand nos enviou quando combinámos ir ao seu en-contro. Passavam poucos minutos das 10 da manhã quando entrámos numa estrada de terra sem placa indicativa, nos arredores de Cercal do Alentejo. Sol alto e já impositivo, algumas centenas de metros de caminho a rasgarem uma paisagem plana de terra seca, vagamente arborizada, e chegamos ao portão do Lugar do Olhar Feliz. Jean-Paul está do outro

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Page 4: O genial...2015/08/22  · Tiragem: 100925 País: Portugal Period.: Semanal Âmbito: Lazer Pág: 44 Cores: Cor Área: 23,50 x 29,70 cm² ID: 60668147 22-08-2015 | Revista E Corte:

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lado a apear-se do carro para nos receber, enquan-to a esposa, Ann — que iria juntar-se a nós mais tarde —, segue para o exterior da propriedade. Em fundo, numa zona elevada do terreno, avista-se um casarão alvo debruado a amarelo nos contornos da fachada. A traça alentejana com laivos mouris-cos está rodeada de vegetação frondosa. Ainda há uma alameda de mais algumas centenas de metros a percorrer. Somos desafiados a atalhar percurso a pé, e em poucos passos já estamos imersos numa das várias coleções do jardim.

“Esta parte aqui é tudo nogueiras-pecãs”, re-fere Jean-Paul com orgulho, apontando uma área ampla onde estão meticulosamente alinhadas ár-vores de pequeno porte com diferentes espécies de nozes, e a caminho da frutificação dentro de meia dúzia de anos. Logo ao lado estão fiadas de amoreiras que ultrapassam a meia centena de va-riedades. Algumas estão embrulhadas em redes

pega num canivete e faz uma incisão circular numa pequena ameixa rosa. O fruto, simples, belo e sem mácula, revela uma polpa amarela translúcida, de sabor único. Cada prova que fazemos é revelado-ra do empenho de Jean-Paul Brigand em cultivar frutos puros e autênticos.

Após uma bem-sucedida carreira como eco-nomista especializado em estatística e matemática financeira, deixou Paris, e a sua casa junto à Torre Eiffel. Queria gozar a reforma no país que, segun-do ele, tem o melhor clima da Europa Ocidental. “Cheguei a Portugal com três, quatro livros, e que-ria fazer o meu próprio jardim, mas nunca pensei atingir esta dimensão. A domesticação é um fenó-meno fascinante, pois é pegar numa planta e colo-cá-la a fazer outras coisas porque está domestica-da. Este tipo de conhecimento estava muito pou-co explorado até ao século XX.” Este seu desejo simples atingiu a dimensão atual de uma área de quatro hectares ajardinados, onde estão incluídos seis jardins diferentes constituídos por uma vas-ta coleção de centenas de espécies hortifrutícolas. A disposição do espaço é semicircular a partir das traseiras da casa com orientação norte-sul, e de-senhado segundo os padrões dos jardins árabes da Idade Média, que depois proliferaram na Andalu-zia. Há um tanque enorme que marca o espaço, com uma longa pérgula num dos topos e um re-puxo ao centro de um pequeno jardim, no outro. Depois, o terreno vai desnivelando em sucessivos patamares de culturas.

Quando morava em França, o seu hobby e o da mulher, Ann, de origem canadiana, era visitarem jardins em Marrocos, Holanda, Espanha, ou onde a curiosidade os levasse. A escolha de Portugal não foi inocente. “Há um bom clima, com a aparência do clima mediterrânico, mas com água e sem os ventos frios do norte, pois os do Atlântico são diferentes”, explica Jean-Paul, que também fez estudos avança-dos em biologia aplicada à alimentação. Ao seu co-nhecimento profundo das melhores condições de cultivo, associa-lhes sempre um enquadramento histórico, como as receitas da Antiguidade ligadas às romãs (cozinha Romania) em que havia frutos ácidos e semiácidos, consumidos em xaropes diver-sos, sumos, e misturados com vinho. Foi por aí que o jardim começou, com cinco tipos de romãzeiras autóctones portuguesas. Em Espanha havia 25 espé-cies, mas apercebeu-se que centenas delas tinham desaparecido. Neste momento já tem mais de 150 variedades, incluindo uma coleção de romãs croa-tas, que são utilizadas pela universidade de Zagreb.

Ele e Ann começaram então a recolher múlti-plos pés de outras plantas e exemplifica: “Comprá-mos laranjeiras a pessoas idosas que as sabiam en-xertar, mas que os filhos não sabiam. E trouxemos coisas que nem conhecíamos, como o yuzu (citri-no) que um amigo francês nos deu e que se adaptou muito bem.” Há também experiências testadas no terreno que foi buscar ao “Livro de Agricultura” de Ibn Al-’Awwâm (séc. XII, Sevilha). “Os árabes dizi-am que o melhor que se podia fazer aqui eram pe-ras e tinham razão. As peras aqui são muito boas”, refere em tom pensativo. A certeza tranquila com que fala tem eco em cada recanto deste seu paraíso onde há abundância de frutos diversos, ervas aro-máticas, legumes, vegetais de folha, flores e, quase apetece dizer, de tudo o que se possa imaginar, ou se calhar até que não imaginamos que exista. Es-tamos a caminho do pomar de citrinos quando lhe

Jean-Paul queria fazer o seu próprio jardim em Portugal, mas nunca pensou atingir esta dimensão

brancas, finas como véus de noiva, mas com re-sistência suficiente para evitarem que as ‘nuben-tes’ amoras sejam depredadas por pássaros ou in-setos. O destino destes delicados frutos silvestres é casarem no palato e surpreenderem, como uma suculenta amora branca (Morus alba L.) de intensa e refinada doçura que o nosso anfitrião colhe e nos oferece. A visita prossegue com Jean-Paul a falar--nos das experiências que anda a fazer com vários tipos de diospireiros que ali cultiva — outra rari-dade europeia — com o objetivo de secar os frutos como se faz no Japão, e assim prolongar a sua uti-lização fora da época. Ameixoeiras dispostas, mais uma vez, com simetria e equidistância descrevem uma ligeira curva no trilho que percorremos e so-mos, de novo, surpreendidos com o maná de di-versidade. “Se há cultura que se dá neste país são as ameixoeiras. Já vem referido nos livros árabes quando eles por aqui andaram”, atira, enquanto

PRECIOSIDADE Cidra da variedade crispifolia, de gosto delicado e que é utilizada em pratos da Fortaleza do Guincho

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Corte: 5 de 7ID: 60668147 22-08-2015 | Revista Epergunto o que é que ainda lhe falta ter. Jean-Paul estaca no meio do percurso. Volta-se, lança-me um olhar irónico por cima dos óculos e diz sorrindo: “É um trabalho para a vida, quando se abre uma por-ta...” e prossegue lacónico.

Uma das últimas “portas que abriu” foi a das zingiberáceas, a pedido do chefe Dieter Koschina, do restaurante Vila Joya, no Algarve. “Ele disse-me que eu tinha de fazer gengibre, pois o que chega cá é de cultivo industrial. Mas quando se abre esta porta, são milhares de espécies. Nas Filipinas to-das as ilhas têm gengibre. Na Malásia também há boas variedades, mas o melhor é o das ilhas Fiji”, revela, enquanto aponta para um canteiro onde “não tem nada”, comparado com o mundo que há para descobrir: “Este aqui é curcuma de Java [a raiz da curcuma é a base do açafrão-das-índias], e ali é gengibre-manga, que é alaranjado por dentro e tem aroma a manga.” Mais uma raridade entre muitas, sobretudo se entrarmos no universo en-cantado dos citrinos, onde há laranjas cuja polpa se come à colher como se fosse uma geleia (laran-ja de mié), limas que em vez de gomos têm esferas sumarentas (lima-caviar), ou uma cidra mãos de buda, espécie de limão que frutifica com a apa-rência de dedos.

Ao entrar na zona dos citrinos encontramos uma minialbufeira para auxiliar a rega. De tesoura em riste aproxima-se de uma das árvores e poda al-guns frutos que estão a crescer descompassados de outros num mesmo pé. Ao serem cortados os frutos mais pequenos, o galho vai concentrar-se em nu-trir o fruto maior, permitindo que ele cresça mais, e atinja melhor qualidade. Esta ‘lei do mais forte’ é visível alguns metros à frente, quando Jean-Paul desembainha de um saquinho preto uma vistosa toranja. Ainda está verde, e no final da maturação irá ultrapassar os 500 gramas, se já não andar lá perto. À semelhança de muitos outros citrinos ali ao redor, o fruto está ‘vestido’ com um tecido opa-co e elástico vindo do Japão que além de o prote-ger dos pássaros defende-o de apanhar sol direto. São mais de 300 variedades, muitas vindas do Ja-pão, onde o universo cítrico ascende às 900 espé-cies, mas nem todas vingam no Velho Continen-te, devido às pragas. “Tem de haver um controlo

Quando morava em França, o hobby de Jean-Paul e da mulher era visitarem jardins por este mundo fora

fitossanitário das plantas. Ficam de quarentena num laboratório em Clermont-Ferrand, que atribui um passaporte europeu se a planta não tiver doen-ças.” O processo custa cerca de 500 euros por cada pé examinado em França, o único local habilitado a fazer este controlo.

Para Jean-Paul, Portugal tem condições de pro-duzir citrinos de grande qualidade para chefes de cozinha exigentes. “Os especialistas dizem que a bergamota é boa é na Calábria [Itália], fora de lá não saem bons frutos. A Calábria é aqui, a mesma latitude, mas sem os ventos do norte, o que dá uma bergamota perfeita. O Matteo, subchefe do Dieter [Koschina], é italiano e diz que estas são melhores que as italianas.” É por estes exemplos que acei-tou colaborar com um jovem casal de portugue-ses, para quem está a produzir em pequena escala espécies com potencial comercial. Ele deseja ape-nas manter-se como colecionador, sem ideias de negócio, diz-nos apontando embevecido para um conjunto de figueiras: “Estão aqui todas as varie-dades que são possíveis de encontrar. Há figueiras da Síria, da Jordânia, do Afeganistão, que dão uns figos brancos muito doces. Estou muito feliz por ter estas árvores.”

O carrilhão de 25 sinos, junto à casa, anuncia um melodioso meio-dia. Sente-se que o mercú-rio já deve ter dobrado os 30° centígrados, por isso Jean-Paul sugere que continuemos a conversar à sombra do alpendre. Pergunto-lhe se haverá aqui uma espécie de terroir para certas culturas raras. A sua resposta não é imediata, e devolve a questão admitindo que se podem fazer coisas muito boas, mas aponta um problema. “Estamos descentrados da Europa, fora de tudo, e o transporte é caro para pequenas quantidades.” A propósito do clima dá outro exemplo: “O cédrat [cidra] dá-se aqui muito bem e em Itália mal. O calor da costa sul de Espa-nha é mais quente que aqui.” Ann chega com bebi-das frescas e junta-se a nós. De forma pragmática, diz que o problema é se todos se começam a copiar. “Há aqui uma oportunidade de fazer coisas raras, em pequena quantidade, com um grande valor as-sociado. Já se fez muitos campos de trigo e con-cluiu-se que não é rentável”, afirma, numa alusão ao passado do Alentejo.

Ambos reconhecem que o país tem trabalhado bem ao nível da agricultura e do turismo, onde há muita dinâmica, mas Jean-Paul aponta uma lacu-na: “Há jovens chefes interessados, mas falta uma política gastronómica como na Suécia e na Dina-marca. Nesses países há um marketing para trazer pessoas no inverno.” No entanto, está otimista e diz que as coisas vão acontecer. “Há cinco anos co-lhi os meus primeiros yuzus. Um amigo português de Paris levou-os para o Japão e eles acharam-nos muito bons.” Entretanto, Jean-Paul já enviou os seus citrinos para restaurantes ‘estrelados’ de Es-panha, França, Inglaterra, além de Portugal. Na despedida lança-nos o desafio de falarmos daqui a cinco anos e vermos como estão as coisas e dá um conselho final: “Se tiver amigos nos Açores diga--lhes que plantem wasabi [raiz] — é o único local da Europa com condições. Há mercado para pagar por esse produto, em fresco.” Regressamos à estra-da sob um sincero olhar feliz de Jean-Paul e Ann, jardineiros com toque de génio, guardiões de um lugar encantado. b

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A paixão de Jean-Paul Brigand e Ann Kenny pelos jardins de frutos contagiou Vera e João Rosado. Apesar de ter uma vida estabilizada em Lisboa, o jovem casal mudou-se há cerca de cinco anos para o interior do Alentejo. “Os meus pais tinham algumas terras na Amareleja e nós decidimos candidatar-nos ao programa jovem agricultor”, explica-nos João, que é en-genheiro agrónomo, acrescentando que Vera é engenheira do ambiente. E prossegue con-tando que conheceram Jean-Paul e Ann num encontro de hortofloricultura e ficaram fasci-nados com o mundo dos citrinos. Agora estão a desenvolver com o apoio deles o projeto “Frutos dos Descobrimentos”, nome que alude ao papel dos portugueses na disseminação da laranja doce um pouco por toda a Europa.Atualmente têm um pomar com cerca de um hectare onde plantaram kumquat, yuzu, berga-mota, e em breve lima keffir, cujas folhas (com-bava) irão abastecer o mercado inglês durante o inverno. “A nossa ideia é produzir para restau-rantes de qualidade elevada que saibam tirar o melhor de cada produto. Os citrinos não são fáceis, pois alguns parecem ácidos, mas têm de ser trabalhados.” Nesta fase de arranque, estão a testar a aclimatação de algumas plantas, pois as temperaturas nesta zona passam facilmente os 40° centígrados, mas em compensação há menos mosca a atacar os frutos.Além destes entusiastas apaixonados há outros pequenos empresários que tiram partido do

SERÁ PORTUGAL O PAÍS DO CLIMA ‘FELIZ’?

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nosso clima ameno e singular para produzirem coisas diferentes, ou inovarem na oferta de produtos de alta qualidade. Avelino Ormonde é especialista em telecomunicações na Base das Lajes, ilha Terceira. Em paralelo tem a Biofon-tinhas, uma quinta certificada de agricultura biológica na Praia da Vitória onde cultiva folhas para saladas de grande qualidade, a que se juntam culturas invulgares como o ‘funcho do mar’ (Crithmum maritimum), a ‘planta do gelo’ (Mesembryanthemum) ou a ‘alga da terra’ (Salsola soda). A excelência dos seus produtos deram origem à “salada Biofontinhas” que figura atualmente na ementa do novo hotel Spa das Furnas, em São Miguel.Nesta ilha encontramos outro exemplo de agricultura em que o clima é determinante. Vasco Pinto é empresário de agricultura bioló-gica. Na sua quinta em São Pedro do Sul cultiva hortícolas e muitas ervas aromáticas, mas no inverno não consegue produzir todas. “Tinha uma exploração na Guiné-Bissau onde fazia manjericão, mas com os custos de transporte e os problemas com os voos da TAP para o país tive de arranjar alternativa”, conta, acrescen-tando que ainda pensou ir para Marrocos, mas que foi nos Açores que encontrou as melhores condições de clima e proximidade. Durante o inverno, saem diariamente das suas estufas nas Calhetas várias toneladas de manjericão e cebolinho que abastecem o mercado nacional. “Estamos também a enviar para a Dinamarca e alguma coisa para Espanha, mas pouco”, revela, sem deixar de frisar que a prioridade é o mercado nacional.Nos últimos anos, Portugal tem-se destaca-do no aumento de produção de frutas pouco habituais entre nós. Kiwis no Minho, mirtilos e morangos na Região Centro, e framboesas na

Costa Alentejana. Explorações agrícolas feitas em grande escala cuja qualidade é visível pelo facto de muitas vezes as quantidades pro-duzidas não satisfazerem a procura por parte dos grandes distribuidores internacionais. No entanto, há mercado para fazer produtos de nicho, invulgares e de qualidade assinalável.Um desses exemplos é o projeto Caviar Portugal, uma empresa autónoma que nasceu na Universidade do Algarve onde estão a ser criados esturjões em tanques com recircu-lação de água. Mais tarde, os peixes irão ser transportados para Vendas Novas, onde irá ser construída uma área coberta de seis mil metros quadrados com tanques de diversos tamanhos. Após alguns atrasos no calendário de apoios comunitários, as perspetivas são para que em 2017 já exista no mercado caviar português made in Alentejo. Na mesma região encon-trámos Jan Anema, que produz queijo Gouda biológico a partir de leite cru de vaca. Este holandês, cujas raízes estão ligadas ao fabrico de queijo artesanal no seu país, refere que a vantagem é os invernos de cá serem menos rigorosos que na Holanda e haver sempre pasto e feno disponível. Os queijos saem com cerca de quatro quilos, para os quais são necessários cerca de 40 litros de leite; quanto ao sabor: “Não gosto de dizer que é melhor que o da Holanda, mas é diferente. Os meus amigos de lá provam-no e gostam bastante.” Jan Anema é um dos pequenos produtores que participa nos concorridos Encontros de Primavera organiza-dos pela Herdade Freixo do Meio, em Monte-mor-o-Novo. Esta extensa exploração agrícola biológica dirigida por Alfredo Cunhal Sendim, além dos vários produtos que comercializa, tem uma zona de montado fértil em cogumelos selvagens, e faz criação de perus pretos. Estas

aves nobres de carne escura trazidas do Novo Mundo na Idade Média, foram apreciadas nas mesas mais distintas das cortes europeias. Caíram no esquecimento, mas agora o interesse parece estar a ser recuperado. São criadas ao ar livre em regime extensivo. Ao aproximarmo-nos de um dos campos onde passam o dia a debicar a terra, avançaram na nossa direção emitindo um curioso cantarejar. O ato de intimidação gregário com sincronia de movimentos foi mais divertido que ameaçador.No Algarve há também a recuperação de culturas antigas, como é o caso do premiado Azeite Monterosa que o sueco Detlev von Rosen produz em Moncarapacho. Detlev vive em Portugal há 46 anos e o seu negócio principal são os viveiros de plantas ornamen-tais. Diziam-lhe que o Algarve não era bom para fazer azeite por causa das temperaturas elevadas, mas não compreendia a razão e explica: “No passado, sabemos pelos livros antigos, o Algarve foi uma província romana conhecida pelo seu azeite, mas por alguma razão deixou de se fazer. Eu acho que com isto provámos o contrário. O clima aqui é perfeito, o que precisa é de muitos cuidados manuais.” Informou-se junto de olivicultores da Andaluzia e avançou, sem abdicar da mão de obra necessária e sabendo que ia encare-cer os custos de produção. Detlev persegue a qualidade e diz que o seu objetivo é fazer um azeite sem defeitos. Cada ano que passa tem antecipado a colheita. Este ano vai ser em finais de setembro (o habitual é ser em dezem-bro), com as azeitonas ainda um pouco verdes o que resulta num azeite ‘picante’. A produção é curta e o preço elevado, mas a qualidade tem de ser paga, refere, e ao que parece há quem a queira pagar. / F.C.

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1. LIMA 'caviar' australiana (Citrus autralasica) que no seu interior esconde pérolas de sumo de cor rosada

2. LIMÃO 'Mão de Buda' (Citrus digitata) de aroma perfumado é utilizado por José Avillez no restaurante Belcanto

3. NOZES DE MACADAMIA, que a loja lisboeta Companhia Portugueza do Chá utiliza em tisanas

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