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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO CURSO DE PEDAGOGIA O GERENCIALISMO E SUAS INFLUÊNCIAS NO CAMPO EDUCACIONAL GRAZIELLA BEZERRA CAVALCANTE NATAL-RN 2016

O GERENCIALISMO E SUAS INFLUÊNCIAS NO CAMPO … · formuladas com base no modelo de administração pública gerencial, e, analisar essas novas práticas, buscando apontar possíveis

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO CURSO DE PEDAGOGIA

O GERENCIALISMO E SUAS INFLUÊNCIAS NO CAMPO EDUCACIONAL

GRAZIELLA BEZERRA CAVALCANTE

NATAL-RN

2016

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GRAZIELLA BEZERRA CAVALCANTE

O GERENCIALISMO E SUAS INFLUÊNCIAS NO CAMPO EDUCACIONAL

Artigo Científico apresentado ao Curso de Pedagogia a Distância do Centro de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção do título de Licenciatura em Pedagogia, sob a orientação do professor Dr. Bruno de Oliveira Lima.

NATAL-RN

2016

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FICHA CATALOGRÁFICA

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O GERENCIALISMO E SUAS INFLUÊNCIAS NO CAMPO EDUCACIONAL

Por

GRAZIELLA BEZERRA CAVALCANTE

Artigo Científico apresentado ao Curso de Pedagogia a Distância do Centro de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção do título de Licenciatura em Pedagogia.

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________

Dr. Bruno de Oliveira Lima (Orientador)

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

_____________________________________________________

Dra. Kilza Fernanda Moreira de Viveiros

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

______________________________________________________

Ms. Janaína Lopes Barbosa

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

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O GERENCIALISMO E SUAS INFLUÊNCIAS NO CAMPO EDUCACIONAL

Graziella Bezerra Cavalcante

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

RESUMO

Tendo em vista a frequente necessidade de adaptação às mudanças políticas e sociais

ocorridas no mundo vêm-se buscado implementar novas práticas de gestão que visam a

melhoria dos serviços ofertados pelo Estado no que se refere ao seu controle, eficiência e

qualidade. Nas últimas décadas, práticas antes aplicadas somente na administração

empresarial adentraram o setor público, de forma que conceitos como empoderamento,

descentralização de poder e autonomia passaram a ser empregados a fim de se obter aumento

de produtividade e melhoria de resultados na prestação dos serviços públicos. Inserido nessa

perspectiva, o presente artigo tem por finalidade apresentar as principais características das

ideias gerencialistas e como elas interferem na formulação das políticas educacionais

brasileiras e, sobretudo, no funcionamento da escola. Tomando por base as pesquisas

bibliográficas realizadas para esta produção, buscou-se apontar as divergências entre teoria e

prática no que diz respeito ao assunto estudado. Neste sentido, pode-se considerar que as

políticas educacionais, quando formuladas sob a influência do gerencialismo, tendem a

priorizar aspectos como a diversificação e ampliação da educação em todos os seus níveis e a

descentralização da gestão administrativa, financeira e pedagogica. Entretanto, a partir da

literatura relacionada ao tema, o que se constata na realidade, é que esses aspectos citados

direcionam o surgimento de um processo de massificação da educação, em detrimento da

democratização. Além de desencadear um processo de desconcentração da gestão,

comprometendo a autonomia das instituições de ensino. Neste sentido, no contexto escolar,

tem-se que o modelo de gestão gerencial compromete a efetivação da gestão democrática,

visto que os dois modelos de gestão são orientados por objetivos opostos, enquanto que a

gestão gerencial visa a eficiência do ensino e uma formação acadêmica voltada para o

mercado, a gestão democrática está preocupada com o desenvolvimento de um cidadão crítico

e comprometido com a redução dos problemas sociais, como a desigualdade e a exclusão

social.

PALAVRAS-CHAVE: Reforma do Estado; Gerencialismo; Administração Pública

Gerencial; Gestão Democrática.

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ABSTRACT

Taking into account the frequent need to adapt to the political and social changes in the world,

there has been an effort to implement new management practices aimed at improving the

services offered by the state with regard to its control, efficiency and quality. In recent

decades, practices only applied to the business administration entered the public sector, so

that concepts like empowerment, power decentralization and autonomy began to be employed

in order to achieve increased productivity and improved results in the provision of public

services. Inserted in this context, this article aims to present the main features of managerial

ideas and how they impact the formulation of Brazilian educational policies and, above all,

the school running. Based on the bibliographical research carried out for this production, we

attempted to point out the differences between theory and practice in regard to the studied

subject. Following this sense, it can be considered that educational policies, when formulated

under the influence of managerialism, tend to prioritize aspects like the diversification and

expansion of education at all levels and the decentralization of administrative, financial and

pedagogical managements. However, it appears that in reality these mentioned aspects drive

the emergence of a massification process of education, at the expense of democratization, in

addition to launching a process of management deconcentration, compromising the autonomy

of educational institutions. In the school context, in turn, it appears that the managerial

management model compromises the effectiveness of the democratic management, since the

two management models are guided by opposing goals, while the managerial management

aims efficiency of education and academic training focused on market, democratic

management is concerned with the development of a critical citizen, committed with the

reduction of the social problems such as inequality and social exclusion.

KEYWORDS: State Reform, Managerialism; Managerial Public Administration; Democratic

Management.

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1. INTRODUÇÃO

O aprofundamento da globalização e a reestruturação do modelo do capital

cumulativo, a partir da década de 1970, influenciaram, paulatinamente um processo de

transformações socioeconômicas e políticas mundiais, que, por sua vez, têm impulsionado a

inovação no modelo produtivo e nos mais diversos campos do saber. Por essa razão, métodos

e práticas antes aplicados de forma satisfatória passam a ser ineficazes diante das novas

necessidades. Esse cenário se faz presente também no setor público, de forma que a busca por

novas práticas de gestão, entre elas a escolar, torna-se necessária para garantir aos cidadãos

seus direitos fundamentais com qualidade e efetividade.

Surgido na década de 1980, nos governos de Ronald Reagan, nos EUA, e de

Margareth Thatcher, na Inglaterra, o modelo gerencialista veio se contrapor ao modelo de

gestão burocrática adotado pelos chamados Estados de Bem-estar Social, dada à visível

necessidade que o Estado tinha em orientar suas atividades de modo a garantir a oferta dos

serviços públicos com mais eficiência, controle e competitividade. Em linhas gerais, o

Gerencialismo implementou ajustes de cunho neoliberal, empregando práticas da gestão

empresarial no âmbito da administração pública.

A partir de 1990, o modelo de gestão gerencial difundiu-se pela América Latina,

sendo adotado pelo Brasil durante o primeiro governo presidencial de Fernando Henrique

Cardoso (FHC), na gestão do então ministro Luís Carlos Bresser Pereira, como modelo para

reestruturação do Estado brasileiro, visando, principalmente, a redução de custos da máquina

estatal e a melhoria da eficiência.

De acordo com Araújo e Pinheiro (2010), o sistema educacional tem sido, também,

alvo de discussões para se operar uma reforma, tendo em vista o sucateamento que sofreu nas

últimas décadas. Neste campo, o Gerencialismo busca trazer não apenas modificações na

organização da escola, mas a produção de outra lógica de funcionamento, conforme explicam

Shiroma e Campos (2006).

É neste contexto em que se encontra inserido o presente artigo, o qual tem como

problema de pesquisa: Quais as influências do modelo de administração pública gerencial,

implementada a partir dos anos 1990 no Brasil, nas políticas educacionais e,

consequentemente, no funcionamento da escola?

Sabe-se que a gestão burocrática e a uniformização dos processos, da organização e

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gestão escolar, característica de reformas políticas do final do século XIX e início do século

XX, influenciou fortemente a adoção de uma administração autoritária nas escolas. A

verticalização das decisões da escola atreladas, exclusivamente, ao diretor, bem como a

rigidez nas práticas pedagógicas pré estabelecidas, interferem no desenvolvimento da

educação sociocrítica, dificultando, sobremaneira, a superação de inúmeros problemas como,

a evasão escolar, a retenção e a reprovação.

Entretanto, o modelo de gestão pública gerencial, o qual, pressupõe maior

flexibilidade e autonomia na execução das atividades administrativas da escola, e que,

sobretudo, estimula a prática da gestão democrática nas escolas, está atrelado, conforme

Castro e Cabral Neto (2007), Cabral Neto (2009), Saviani (2011), Libâneo (2012, 2013),

Araújo e Castro (2014), entre outros, ao desenvolvimento de um novo modelo de produção

capitalista. Segundo os autores mencionados, o modelo de produção capitalista que vem

sendo adotado no mundo, nas últimas décadas, tem resignificado os objetivos da escola, que,

por sua vez, passam a priorizar uma formação polivalente, competitiva e preparada,

exclusivamente, para o mercado de trabalho.

Deste modo, compreender as influências do modelo de administração pública

gerencial na formulação das políticas educacionais e no funcionamento das instituições de

ensino, bem como ele vem transformando a realidade do contexto escolar, mostrou-se

importante, sobretudo, por se tratar de um tema que abre espaço para uma reflexão crítica no

cotidiano da escola. Logo, a relevância desse estudo justifica-se pela sua contribuição no

campo de pesquisa das políticas públicas educacionais, o qual, embora apresente grande teor

investigativo, há sempre a possibilidade de incrementar novas discussões e novas

perspectivas.

Com vistas a responder a questão de pesquisa, elaborou-se o seguinte objetivo geral:

Apresentar as principais características das ideias gerencialistas e como elas interferem no

funcionamento do setor público brasileiro, especialmente no que se refere ao campo da

educação. De modo mais específico, a pesquisa pretendeu descrever as novas práticas na

organização e gestão escolar a partir da implementação das políticas educacionais brasileiras

formuladas com base no modelo de administração pública gerencial, e, analisar essas novas

práticas, buscando apontar possíveis contradições, sobretudo, com relação a ideia de

democracia e participação inerentes ao contexto escolar.

Para compreender a dinâmica da organização e gestão escolar, assim como as

divergências entre sua teoria e prática, optou-se por uma pesquisa exploratória, tendo como

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delineamento, a pesquisa bibliográfica (GIL, 2010).

A pesquisa foi dividida em seis tópicos, sendo o primeiro referente a introdução, em

que se apresentou as ideias iniciais acerca do modelo de gestão gerencialista, bem como o

problema de pesquisa, o objetivo geral e os objetivos específicos, a justificativa e a

metodologia da pesquisa. No segundo e terceiro tópicos desenvolveu-se uma contextualização

teórica acerca do gerencialismo no mundo e no Brasil, de modo sucinto, utilizando-se para

isso de algumas referências, tendo como destaque Fernando Luiz Abrucio. No quarto tópico,

focou-se na discussão sobre o gerencialismo no campo da educação brasileira, apresentando

as principais características e interferências do modelo de gestão gerencial na formulação das

políticas educacionais. Na sequência, o quinto tópico, buscou apresentar alguns conceitos de

organização e gestão escolar, correlacionando-os ao modelo de gestão pública gerencial. Por

fim, no sexto e último tópico, aludiu-se as considerações finais do estudo.

2. O GERENCIALISMO NO CONTEXTO MUNDIAL

Para entender o modelo gerencial, convém compreender primeiramente o contexto de

seu surgimento, o qual remonta ao chamado Welfare State. O Estado do Bem-Estar social, tal

como foi definido, surgiu no pós Segunda Guerra, baseado na promoção de políticas

assistencialistas que visavam sanar os problemas sociais advindos do processo de

industrialização, através da promoção de direitos considerados indissociáveis do indivíduo,

tais como saúde, educação, habitação, renda e seguridade social. Juntamente com este

modelo, vigoravam as ideias keynesianas de organização da economia e a chamada

Burocracia. As três dimensões foram descritas por Abrucio:

A keynesiana, caracterizada pela ativa intervenção estatal na

economia, procurando garantir o pleno emprego e atuar em setores

considerados estratégicos para o desenvolvimento nacional –

telecomunicações e petróleo, por exemplo. O Welfare State

correspondia à dimensão social do modelo. Adotado em maior ou

menor grau nos países desenvolvidos, o Estado de bem-estar tinha

como objetivo primordial a produção de políticas públicas na área

social (educação, saúde, previdência social, habitação etc.) para

garantir o suprimento das necessidades básicas da população. Por fim,

havia a dimensão relativa ao funcionamento interno do Estado, o

chamado burocrático weberiano, ao qual cabia o papel de manter a

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impessoalidade, a neutralidade e a racionalidade do aparato

governamental. (ABRUCIO, 1997, p. 6).

Contrárias ao liberalismo, as três correntes acima expostas transferiam para o Governo

grandes responsabilidades tanto sociais como econômicas, de modo que as questões da

sociedade, cada vez mais exigentes, sobrecarregaram o Estado. Assim, ao longo do tempo,

estabeleceu-se uma incapacidade da máquina estatal em atender às demandas, cada vez

maiores, dos vários setores econômicos, grupos correspondentes e cidadãos, desencadeando,

em vários países, a chamada crise do sistema capitalista, por volta dos anos 1970. Nessa

mesma década a crise do petróleo instaurou uma crise econômica mundial, agravando a

situação dos Estados burocráticos, os quais perdiam seu poder de governabilidade. Por essa

razão, dentre outras, a manutenção do Welfare State como ideologia de orientação para as

ações governamentais se mostrava incoerente. A partir daí, estabeleceu-se a urgente e

precípua necessidade de desenvolver meios de sustentação ao esfacelamento do Estado

keynesiano, de forma que uma Reforma de Estado tornou-se imperiosa.

Com a necessidade de redefinição do papel do Estado na economia, medidas como a

privatização de serviços antes essencialmente públicos e a redução da utilização de recursos

estatais para financiamento de políticas sociais, foram inicialmente tomadas na tentativa de

desacelerar a crise. Além disso, contrariamente aos padrões burocráticos vigentes, foram

introduzidas na administração pública práticas de gestão empresarial, como descentralização e

controle orçamentário, flexibilidade e foco na eficiência, as quais corroboraram para a

transformação do modelo de gestão burocrática para o modelo gerencial.

As críticas à burocracia estatal tornaram-se fervorosas tanto no meio intelectual como

na vida cotidiana da sociedade e, enquanto este modelo passou a ser sinônimo de ineficiência,

o gerencialismo, juntamente com o neoliberalismo, destacaram-se por seus

comprometimentos com a produtividade e com o avanço econômico, como bem podia ser

observado na Inglaterra e nos Estados Unidos. Nessa época, meados da década de 1980, os

governos de Margareth Thatcher e Ronald Reagan representavam o ponto máximo dessa

tendência (ABRUCIO, 1997).

O novo modelo trazia como principal característica a descentralização do poder

estatal, transferindo para agências, empresas públicas e departamentos a autonomia para

elaborar e executar suas próprias atividades. Conforme expressa Abrucio:

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A descentralização administrativa constituiu-se em uma outra opção

organizacional importante. Seu objetivo precípuo foi aumentar a

autonomia das agências e dos departamentos. É importante notar que a

descentralização era concebida a partir de uma definição clara dos

objetivos de cada agência. (ABRUCIO, 1997, p. 17).

O modelo gerencial no setor público desenvolveu-se ao longo do tempo e conheceu

algumas fases com características específicas. Na primeira delas, denominada de

gerencialismo puro, a busca pelo o menor custo passou a representar a principal orientação

das políticas e ponto chave para as decisões governamentais, o que levou à redução de custos

sociais e com recursos humanos, além da aplicação de técnicas como a avaliação de

desempenho dos servidores e das organizações e o controle orçamentário, a fim de se obter

aumento na eficiência e na produtividade organizacional, estabelecendo-se a máxima “mais

por menos”.

Todavia, o foco apenas na eficiência governamental mostrou-se, ao longo do processo

de reforma de estado, inadequado, pois diferentemente do setor privado, que foca a produção

para o mercado, a competitividade, a relação custo-benefício e a lucratividade, a

administração pública deve concentrar-se no atendimento das demandas da sociedade, ainda

que este lhe represente um o alto custo aos cofres públicos. Entretanto, ao priorizar o menor

custo, o Estado desconsiderava a avaliação da efetividade dos seus serviços. Considerando

que efetividade é, na visão de Osborne & Gaeblerr (1994, p. 381), “entendida como o grau em

que se atingiu o resultado esperado”, percebe-se a importância deste parâmetro para a

avaliação da prestação de serviços públicos, uma vez que ele se relaciona com a qualidade e

com a consecução dos objetivos a que a ação se propõe. Reconhecida a necessidade de se

observar este aspecto no setor público, adveio a segunda fase do modelo, a qual passou a

priorizar a qualidade do serviço prestado, baseado nas necessidades de seu usuário, agora

considerados como clientes: o Consumerism.

Posteriormente, tem origem uma nova evolução conceitual do gerencialismo aplicado

à administração pública, que ficou conhecido como Public Service Orientation. Esta corrente

orientava-se pela implantação de novos conceitos relacionados aos atos administrativos, a

saber: transparência, accountability e busca pela equidade social. Neste sentido, o Conselho

Científico do Centro Latino americano de Administração para o Desenvolvimento (CLAD)

discorre que:

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A reforma gerencial é uma modificação estrutural do aparelho de

Estado. Não pode ser confundida com a mera implementação de novas

formas de gestão, como a da qualidade total. [...] O modelo gerencial

tem um papel importante no aperfeiçoamento da governabilidade

democrática à medida que pressupõe e procura aprofundar os

mecanismos democráticos de responsabilização e transparência da

administração pública. (CLAD, 1999 p. 130).

A partir dessas percepções, Araújo e Pinheiro (2010) expõem que, de modo geral, a

reforma tinha como escopo principal tornar a administração pública eficiente, repensando a

questão da governança e dos modelos de gestão, melhorando a capacidade estatal para a

prestação de serviços. Assim, segundo os autores mencionados, a reforma gerencial

configurou-se uma estratégia fundamental, pois garantiu maior autonomia e flexibilidade à

administração pública numa época de crise.

Ainda com base nos autores acima citados, a reforma deveria consolidar a participação

dos cidadãos, o controle social e a orientação política, além de assegurar e ampliar o

envolvimento do cidadão nas decisões de governo, uma vez que o cidadão enquanto

contribuinte tem o direito de conhecer e avaliar a forma como os recursos públicos são

utilizados. A responsabilização dos gestores perante os cidadãos tornava-se assim um valor da

gestão pública em sintonia com a necessidade de obtenção de resultados que atendessem às

necessidades do cidadão (ARAÚJO; PINHEIRO 2010). Para estes autores, tornou-se

consensual que a busca pela eficiência, eficácia, efetividade e equidade social constituem o

maior desafio para o Estado no modelo gerencial.

3. O GERENCIALISMO NA REFORMA DE ESTADO BRASILEIRO

A Administração Pública brasileira já experimentou três grandes modelos de gestão, a

saber: o Patrimonialismo, a Burocracia e o Gerencialismo, também conhecido como Nova

Gestão Pública (PEREIRA, 1995); (PEREIRA, 1996). O primeiro deles esteve presente no

período absolutista e possuía como principal característica a não distinção entre a coisa

pública e a privada, de forma que muitas vezes a máquina estatal era utilizada para se alcançar

interesses privados. O segundo modelo foi a Burocracia, que se contrapunha ao modelo

anterior, considerando que a estrutura organizativa do estado deveria possuir regras e

procedimentos bem definidos, divisão de responsabilidades, hierarquia e relações impessoais.

Como visto no tópico anterior, a grande quantidade de regras e normas tornou um serviço

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público moroso e ineficaz, deixando o Estado engessado, de forma que o terceiro modelo

surge para corrigir tais disfunções. Assim, o modelo gerencial caracteriza-se principalmente

pela implementação de políticas públicas, que buscam enfatizar a eficiência, a qualidade e a

efetiva concretização do regime democrático, mediante a participação mais intensa dos

cidadãos, conforme destaca Bresser Pereira:

[...] a necessidade de uma administração pública gerencial, portanto,

decorre de problemas não só de crescimento e da decorrente

diferenciação de estruturas e complexidade crescente da pauta de

problemas a serem enfrentados, mas também de legitimação da

burocracia perante as demandas da cidadania. (PEREIRA, 1996, p.5).

No Brasil, foi somente nos anos 1990 que esse movimento ganhou mais força com o

debate da reforma gerencial do Estado e o desenvolvimento de uma nova forma de gestão

pública para o país. As críticas ao patrimonialismo e autoritarismo do Estado brasileiro, bem

como a crise do modelo burocrático nos anos 1980, desencadeada pela morosidade e

ineficiência dos serviços públicos, estimularam a emergência de um consenso político de

caráter liberal que se baseou na articulação de estratégias de desenvolvimento dependente e

associado. As exigências de mudança advindas dos cidadãos culminaram em ideias

neoliberais de estabilização econômica e estratégias administrativas orientadas para o

mercado, baseadas na administração de instituições privadas em busca da eficácia, eficiência

e efetividade.

Assim, a implementação de uma Nova Gestão Pública (NGP) se desenvolveu baseada

em uma perspectiva ampla de reforma do Estado, como expressa, Araújo e Pinheiro:

A reforma do Estado deveria se apoiar em três orientações teóricas:

transferir maior autonomia e maior responsabilidade aos

administradores públicos para tornar a administração pública voltada

para o cidadão-cliente, melhorar a capacidade do Estado em

transformar de forma eficiente e efetiva as decisões tomadas

(governança) e melhorar a governabilidade aprofundando os

mecanismos democráticos de responsabilização e transparência. Isto

significava refundar a república com base na democracia direta

associada à administração pública gerencial. (ARAUJO; PINHEIRO,

2001, p.658).

Conforme discorre Paula (2003), tais ideias e estratégias foram consolidadas com a

apresentação do Plano Diretor da Reforma do Estado – uma proposta de adaptação ao modelo

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gerencial praticado na Europa para o contexto nacional –, formulado durante o governo de

Fernando Henrique Cardoso (FHC), em 1995, pelo então diretor do Ministério da

Administração e Reforma do Estado (MARE), Luís Carlos Bresser Pereira, quem

demonstrava especial interesse sobre o tema e experiências nessa questão.

A reestruturação da gestão brasileira foi então viabilizada pela Constituição Federal de

1988, a qual especificou “atividades exclusivas” do Estado e as “atividades não exclusivas”.

Dentre as atividades do primeiro tipo, encaixam-se a fiscalização, a regulação, a legislação, o

fomento e a formulação de políticas públicas, cuja responsabilidade repousa sobre a

Presidência da República, os Ministérios, as Secretarias formuladoras de políticas públicas,

agências executivas e reguladoras. Já as atividades do segundo tipo são compostas por

serviços de caráter competitivo e atividades auxiliares e de apoio. De acordo com a

professora Paula:

No âmbito das atividades de caráter competitivo estão os serviços

sociais (e.g. saúde, educação, assistência social) e científicos, que

seriam prestados tanto pela iniciativa privada como pelas

organizações sociais que integrariam o setor público não-estatal. Já as

atividades auxiliares ou de apoio, como limpeza, vigilância,

transporte, serviços técnicos e manutenção, seriam submetidas à

licitação pública e contratadas com terceiros. (PAULA, 2003, p. 38).

A criação de agências autônomas e organizações sociais, que configura uma das

mudanças ocorridas na máquina estatal como resultado da descentralização administrativa,

contribuiu para a modernização e o aumento da eficiência da administração pública. O núcleo

estratégico do Estado, no novo modelo de gestão pública, passou a utilizar o contrato de

gestão para definir os objetivos das agências autônomas e das organizações sociais, que são as

entidades executoras das atividades exclusivas do Estado. Enquanto que, em um outro

extremo, o fornecimento de bens e serviços para o mercado tem sido privatizado, através da

transferência subsidiária da produção estatal para as empresas privadas. Sobre isso, Bresser

Pereira alega que:

[...] sem dúvida poderíamos dizer que, afinal, continuamos apenas

com as duas formas clássicas de propriedade: a pública e a privada,

mas com duas importantes ressalvas: primeiro, a propriedade pública

se subdivide em estatal e não estatal, ao invés de se confundir com a

estatal; e segundo, as instituições de Direito Privado voltadas para o

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interesse público e não para o consumo privado não são privadas mas

públicas não-estatais. (PEREIRA, 1996, p. 22).

Ressalta-se, porém, que a Administração Pública Gerencial não rompeu drasticamente

com a Administração Pública Burocrática antes vigente; mas, buscou sustentar e conservar

seus pontos positivos – dos quais destacam-se o recrutamento por critérios objetivos, o

sistema remuneratório, a existência de carreiras, o prestígio ao mérito, a avaliação de

desempenho e o treinamento constante (ABRUCIO, 1997; PEREIRA, 2001). Contudo, os

dois modelos de gestão, o gerencial e o burocrático, distinguem-se em vários aspectos, gestão

burocrática preza pelo controle anteriormente à oferta do serviço, isto é, nos procedimentos;

enquanto a gestão gerencial prioriza o controle do serviço após sua prestação, através as

agências reguladoras, por exemplo. Em síntese, pode-se dizer que a burocracia apoia-se num

controle formal-procedimental, ao passo que a gerencial firma-se num controle de resultados

(BRASIL, 1998).

Assim, a reforma gerencial brasileira construiu-se a partir do novo e do antigo

modelo de gestão, de forma que, ao mesmo tempo em que se eliminava o que se mostrava

obsoleto e ineficaz na burocracia, se mantinha suas características positivas, alinhando-as às

novas diretrizes gerenciais. A combinação de princípios gerenciais e burocráticos esforçou-se

para otimizar a eficiência e a qualidade da administração pública. Neste sentido, Bresser

Pereira afirma que:

[...] a grande crise que o país enfrentava desde os anos 80, era uma

crise do Estado, mas uma crise cíclica, que decorria das distorções que

o Estado sofrera nos 50 anos anteriores. A solução, portanto, não era

substituir o Estado pelo mercado, mas reformar e reconstruir o Estado

para que este pudesse ser um agente efetivo e eficiente de regulação

do mercado e de capacitação das empresas no processo competitivo

internacional. (PEREIRA, 2001, p.22).

Igualmente, Abrucio (1997), compreende e caracteriza o sistema administrativo

brasileiro de forma híbrido, na medida em que setores da administração pública se moldam à

burocracia ou ao gerencialismo em função da melhor conveniência para a prestação do

serviço público. Contudo, para este autor, atualmente, o aspecto do híbrido sistema

administrativo brasileiro muitas vezes tem servido apenas para defender o corporativismo e

não para atender aos interesses da sociedade.

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Pautada nessas referências, a reforma possibilitou a integração de uma nova filosofia

gerencial, que, em grande parte, substituía a administração pública burocrática e reconstruía

seu poder de governabilidade ou capacidade política de governar, através da delimitação de

alguns preceitos como: valorização do cidadão como centro das orientações do Estado,

controle dos resultados através dos contratos de gestão, descentralização do poder para

agências executoras e formuladoras e transferência dos serviços sociais e científicos para o

setor público não estatal. Além disso, a adoção da responsabilização, no sentido de

accountability, ou seja, obrigação do Estado a prestar contas à sociedade, bem como, a

responsabilização no sentido individual, tornando o cidadão parte ativa dentro de um contexto

de comprometimento com a ação e participação no desenvolvimento social.

Por fim, verifica-se que esta lógica gerencial e neoliberal está fortemente impregnada

pelas teorias econômicas, embasadas no modelo da gestão privada relacionadas à

produtividade, à eficácia, à performatividade e à competitividade (TORRES, 2010). Com base

no exposto, compreende-se que a reforma de Estado brasileira constituiu-se através destes

pressupostos e do fortalecimento da capacidade gerencial do Ente Público, buscando o

progresso do Estado democrático brasileiro.

4. INFLUÊNCIAS DO GERENCIALISMO NA FORMULAÇÃO DAS

POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL

Diante das questões anteriormente apresentadas, na década de 1990, o

gerencialismo passa a constituir as bases conceituais para reestruturação da administração

pública brasileira, inclusive no campo educacional. Uma gama de ajustes, sobretudo, de

ordem economicistas, incidiram sob o processo de formulação das políticas educacionais.

Conforme alude Libâneo, Oliveira e Toschi:

O Brasil tem experimentado desde o inicio da década de 1990, amplo

processo de ajuste do sistema educativo. Todavia, esse reconhecimento e

esse empreendimento, especialmente no governo de Fernando Henrique

Cardoso (FHC), deram-se de acordo com uma lógica economicista, cujo

projeto educativo teve como objetivo adequar a educação escolar as novas

demandas e exigências do mercado. Neste sentido, a educação assumiu a

perspectiva de mercadoria ou serviço que se compra, e não de um direito

universal, o que leva a tornar-se competitiva, fragmentada, dualizada e

seletiva social e culturalmente. (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2012, p.

131-132).

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Com base nisso, as políticas educacionais sofreram reformas de cunho gerencial,

destacando-se medidas de fomento à diversificação e ampliação da educação em todos os seus

níveis e a descentralização da gestão, que segundo Castro (2007), objetivavam impulsionar a

democratização educacional. De acordo com Abrucio (2009), o processo de descentralização

foi conduzido pela concessão de maior autonomia aos Estados, Municípios e instituições de

ensino, tanto na elaboração e desenvolvimento das atividades administrativas, financeiras e

pedagógicas, como na ampliação o sistema de educação com novas modalidades e categorias

de instituições de ensino superior, que por sua vez, proporcionou a abertura do mercado

educacional, além da garantia do direito de participação da sociedade civil nos mecanismos de

consulta e deliberação.

Diante disto, Bruno (2011) expressa que, atrás da ideia de democratizar a educação

através da ampliação do acesso, as políticas para o ensino superior, por exemplo,

desencadearam um processo de massificação educacional. Ampliou-se o número de

instituições de ensino, diversificou-se as modalidades, entre outros, entretanto, a educação foi

direcionada para preparar indivíduos polivalentes, cada vez mais qualificado e competentes

para o mercado de trabalho. Deste modo, o modelo de gestão gerencial inspirado nos

princípios da gestão empresarial, tendo como pilares o aumento da produtividade e

lucratividade, reorienta o papel da educação, impulsionando a formulação de políticas

educacionais que, embora ampliem o acesso, estimulam a sua massificação. Vale ressaltar

que, de acordo com o mesmo autor, a expansão/universalização do acesso à educação, está

relacionada a uma educação preocupada com as melhores condições de ensino e acesso, já a

massificação reduz a educação unicamente às necessidades do mercado de trabalho (BRUNO,

2011).

No Brasil, de modo resumido, o processo de expansão/massificação da educação

superior, adquiriu maiores contornos a partir da formulação da Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional, lei nº 9.394/96, instituída no Governo FHC (1995-2002), na qual, deu-se

a abertura do sistema de educação superior brasileiro para diferentes modalidades e níveis de

ensino, além da diversificação no modelo de instituição de educação superior (IES),

favorecendo o surgimento de novas IES, sobretudo, privadas. Assim, ainda no âmbito da

educação superior, tem-se como exemplos de políticas educacionais que visam a

expansão/massificação do ensino superior: o Fundo de Financiamento do Estudante de Ensino

Superior (FIES), o Programa Universidade para Todos (ProUni),a Universidade Aberta do

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Brasil (UAB), e o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das

Universidades Federais (REUNI), entre outros.

Percebe-se, neste sentido, que o modelo de gestão gerencial não manteve o foco na

democratização do ensino superior, visto que os interesses do gerencialismo não estavam

alinhados a uma educação preocupada com desenvolvimento social, mas sim, no aumento da

produtividade. Embora, o acesso a este nível de educação tenha, de fato, aumentado e atingido

grande parte da população anteriormente excluída, surgiram outros problemas derivados do

modo como a educação passou a ser desenvolvida, como por exemplo, o alto índice de evasão

nos cursos de graduação. Essa realidade permite supor que o gerencialismo influencia a

formulação das políticas educacionais visando alcançar um maior desenvolvimento

econômico, através da formação acadêmica de mão de obra para um mercado cada vez mais

exigente, e, para isso, usando o argumento de que há um precípuo interesse na ampliação da

democracia. Assim, considerando que a educação deve estar comprometida com o

desenvolvimento das capacidades intelectuais e com a efetivação da cidadania, atendendo aos

padrões de qualidade do ensino e atenta a luta contra as desigualdades e exclusões sociais,

fica implícito que a educação não pode ser direcionada, unicamente, por padrões

economicistas.

No âmbito da educação básica, as políticas educacionais também foram reformuladas,

priorizando, sobretudo a descentralização administrativa, financeira e pedagógica da escola.

Deste modo, construiu-se o argumento de que o modelo de gestão gerencial, em virtude de

suas características, de flexibilidade, eficiência, eficácia, agilidade e produtividade

alavancaria a qualidade do ensino, bem como, o melhor funcionamento administrativo da

escola. Sobre isso, Cabral Neto (2009), aponta que a criação dos conselhos escolares, das

eleições para a função de direção, por exemplo, são iniciativas importantes para expandir os

espaços de participação, e como tais, constituíram-se como as bases para o novo modelo de

gestão do sistema educacional.

O Planejamento Estratégico da Secretaria (PES) e o Planejamento da Escola (PDE-

Escola) são dois exemplos de políticas gerencialistas com ênfase para a eficiência na

prestação dos serviços e na melhoria da qualidade do ensino (CABRAL NETO, 2009). O PES

consiste em um processo gerencial de planejamento estratégico, no âmbito da secretaria de

educação, que visa concentrar esforços para melhorar a gestão escolar e o desempenho dos

alunos. Já o PDE-Escola trata-se de um processo gerencial de planejamento estratégico, no

espaço da escola, liderado pelo gestor e com a participação da comunidade escolar, visando a

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melhoria na gestão, ou seja, busca-se desenvolver um diagnóstico da atuação administrativa

da escola e definir onde e como se quer chegar (CABRAL NETO, 2009).

A implementação desses mecanismos tem como finalidade a melhoria do

funcionamento da escola, seja com relação a qualidade de ensino, ou com a gestão

propriamente dita. Ambos se constituem como estruturas inerentes ao modelo de gestão

gerencial, pois são meios que visam, constantemente, a modernização e efetividade do

sistema educacional. Todavia, conforme atesta Cabral Neto (2009), a adoção de tais

instrumentos não implica, necessariamente, em bons resultados, pois para que haja uma

significativa melhora da qualidade da educação, é preciso que eles estejam sendo

implementados de forma plena.

Buscando ampliar a presente análise, observa-se também o processo de

descentralização do financiamento educacional. Nessa perspectiva, a Constituição Federal de

1988, estabelece no seu art. 212, que a União deverá aplicar “nunca menos de” 18% de sua

receita líquida de impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino, e os Estados,

Distrito Federal e Municípios, “no mínimo” 25% (BRASIL, 1988). Além disso, a educação

ainda é contemplada por outras contribuições previstas na CF, como o salário-educação, que

são importâncias pagas por entidades públicas e privadas, vinculadas ao Regime Geral de

Previdência Social. Tendo por finalidade o financiamento de programas, projeto e ações

destinadas à educação básica.

A CF de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, Lei nº

9.394 de 20 de dezembro de 1996, ainda, organizam a divisão de competências e

responsabilidades entre União, estados, DF e municípios no que se refere ao financiamento e

à manutenção dos diferentes níveis, etapas e modalidades da educação e do ensino. A LDB

menciona, também, nos seus art. 70 e 71 respectivamente, o que pode ou não ser definido

como manutenção e desenvolvimento do ensino, dividindo assim, o que poderá ser

contemplado com a partir dos fundos das receitas líquidas dos impostos dos entes federados.

Considerando as medidas políticas de cunho gerencialista, no período de 1996 a 2006,

foram criados dois fundos de natureza contábil, destinados ao financiamento da Educação

Básica: o Fundo Nacional de Desenvolvimento e Manutenção do Ensino Fundamental e

Valorização do Magistério – FUNDEF e o Fundo Nacional de Desenvolvimento e

Manutenção da Educação Básica e Valorização do Magistério – FUNDEB. Esses dois fundos,

ambos subsidiados pelas percentuais orçamentários definidos na CF para cada ente, tiveram

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como finalidade precípua a expansão e melhoria do atendimento escolar e a valorização do

profissional da educação. De acordo com o art. 22 da Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007,

que regulamenta o FUNDEB, pelo menos 60% dos recursos do FUNDEB deverão ser

utilizados com o pagamento dos professores da educação básica. O restante é distribuído entre

as escolas, considerando o percentual de matriculas de cada uma, onde deverá ser utilizados

para fins da manutenção do ensino.

No contexto escolar existem outros recursos, administrado, controlado e fiscalizados

pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE, que são destinados a

melhoria do ensino e do funcionamento da instituição, como por exemplo, Fundo de

Financiamento do Estudante do Ensino Superior – FIES, o Programa Nacional de

Alimentação Escolar – PNAE (merenda escolar), o Programa Dinheiro Direto na Escola –

PDDE, o Programa Nacional do Livro Didático – PNLD, o Programa de Transporte Escolar,

o Programa Nacional de Saúde Escolar – PNSE, entre outros. Todas essas medidas de

financiamento educacionais estabelecem relações com o gerencialismo, pois estão vinculadas

a ideia de descentralização, seja financeira ou relacionadas as responsabilidades da

administração desses recursos, fincando o FNDE, como órgão superior responsável pela

regulação, controle e fiscalização desses recursos.

Neste sentido, tem-se que a descentralização como foco do modelo gerencial

incorporado no campo educacional, possibilitou o surgimento e incorporação de diversos

mecanismos de modernização, participação, controle e fiscalização. Como medida de controle

e regulação foi criado o Sistema Nacional de Avaliação, que possibilita à União o controle e

regulação de políticas educacionais.

De acordo com Sousa e Oliveira (2003), esse sistema de avaliação é um mecanismo de

controle essencial, que é transferido do Ministério da Educação (MEC) para as escolas através

de métodos de avaliação de desempenho dos alunos e da própria instituição, e que provocam

procedimentos competitivos entre escolas e sistema. O SAEB (Sistema Nacional de Educação

Básica), o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) e o ENC (Exame Nacional de Cursos)

são três exemplos concretos desses mecanismos de controle na década de 1990 que, embora

possuíssem peculiaridades e aplicabilidades distintas, contribuíram fortemente para a

ascensão da cultura avaliativa no Brasil.

Considerando o exposto, teoricamente, entende-se que a descentralização no âmbito

educacional não funciona apenas como um fator democratizante. De acordo com alguns

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estudiosos do tema, ela se comporta também como um instrumento de melhoria na gestão de

processos e recursos, além de diminuir as demandas sociais, dentro dos órgãos máximos do

sistema educacional (Barroso, 1998). Entretanto, contrapondo-se a isto, Lück caracteriza a

descentralização no sistema educacional muito mais como:

[...] a desconcentração, do que propriamente a descentralização, isto é,

realiza-se a delegação regulamentada da autoridade, tutelada ainda

pelo poder central, mediante o estabelecimento de diretrizes e normas

centrais, controle na prestação de contas e a subordinação

administrativa das unidades escolares aos poderes centrais, em vez de

delegação de poderes de autogestão e autodeterminação na gestão dos

processos necessários para a realização das políticas educacionais.

(LÜCK, 2000, p. 18).

Concordando com Lück (2000), Araújo e Castro (2011) expõem que, embora no

sistema educacional brasileiro atualmente se fale de uma gestão flexível com ênfase para a

descentralização e autonomia, existem algumas divergências entre teoria e prática quando se

refere principalmente ao financiamento de recursos suficientes e de apoio técnico

administrativo e pedagógico que possibilitem de fato a criação de escolas autônomas e

efetivas. Dentro desse contexto, verificamos que:

A autonomia, nesse enfoque, passa a ser entendida como

consentimento para construir, na escola, uma cultura de organização

de origem empresarial; a descentralização passa a ser caracterizada

como desconcentração de responsabilidade e não redistribuição de

poder, congruente com a “ordem espontânea” do mercado,

respeitadora da liberdade individual e da garantia da eficiência; a

participação, por fim, é encarada essencialmente como uma técnica de

gestão e, portanto, um fator de coesão de consenso. Não há na

instituição escolar, espaço para o conflito, para o debate e para o

confronto de idéias. (CABRAL NETO; CASTRO, 2007, p. 43).

Assim, é fácil perceber que o sistema educacional brasileiro tornou-se vítima de uma

cultura organizacional com padrões empresariais, que desvirtua a prática da gestão

democrática na medida em que inibe a participação ativa da sociedade no processo educativo,

pois embora exista um veemente discurso sobre autonomia e participação, o empoderamento

dos grupos desfavorecidos e sub-representados tem sido mais uma exceção do que a regra

(BORGES, 2004).

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Segundo Araújo e Castro (2011), nessa lógica, as estratégias de empoderamento na

gestão escolar se tornam muito mais um instrumento de legitimação da ordem gerencialista do

que um impulsionador e estimulador da participação das pessoas nas decisões da escola.

Neste contexto, o que há no sistema educacional brasileiro, estabelecido com base no

modelo gerencialista, é uma tendência de retirar cada vez mais do Estado o seu papel executor

e transferir para a sociedade a responsabilidade pela gestão executora dos serviços.

Assumindo a responsabilidade de monitoramentos, avaliação e regulação do sistema

educacional dentro dos padrões gerencialistas, os quais os governos estabelecem, cada vez

mais, como meio de desenvolvimento político e social.

5. INFLUÊNCIAS DO GERENCIALISMO NA ORGANIZAÇÃO E GESTÃO

ESCOLAR

A organização e gestão escolar, conforme apontam Libâneo, Oliveira e Toschi (2012),

compõem um conjunto de condições e meios necessários para garantir o alcance dos objetivos

fins de uma escola. Esse conjunto de condições e meios, por sua vez, versa tanto sobre o

funcionamento do sistema escolar (políticas educacionais, leis, normas, resoluções, etc.),

quanto da escola (modelo de organização e gestão, projeto político-pedagógico, currículo,

métodos de ensino, relacionamento entre os professores e alunos, participação da

comunidade, etc.). Entretanto, não basta que se estabeleça com clareza as diferenças entre

uma instância e outra, para que o funcionamento da escola e o exercício docente consigam

desenvolverem-se qualitativamente, professores e gestores precisam conhecer e desenvolver

relações, no seu fazer pedagógico e administrativo, entre as duas instâncias. Ou seja, é preciso

que haja uma concordância entre as concepções de educação estabelecidas pelo sistema

escolar e pela escola. Neste sentido, a organização e gestão escolar, segundo Libâneo,

Oliveira e Toschi:

[...] referem-se ao conjunto de normas, diretrizes, estrutura organizacional,

ações e procedimentos que asseguram a racionalização do uso de recursos

humanos, materiais, financeiros e intelectuais assim como a coordenação e o

acompanhamento do trabalho das pessoas. (LIBÂNEO; OLIVEIRA;

TOSCHI, 2012, p. 411).

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Libâneo, Oliveira e Toschi (2012), acrescentam ainda, que existem diferentes

modalidades/concepções de práticas da organização e gestão escolar que são estabelecidas de

acordo com as diferentes posições políticas e visões do papel da escola e da formação humana

assumida pela escola. Com relação a essas modalidades/concepções pedagógicas, os autores

acima mencionados, destacam a concepção técnico-científica e a sociocrítica. De modo mais

detalhado, na concepção técnico-científica “prevalece uma visão mais burocrática e tecnicista

da escola” (p. 445). Em outras palavras, nessa concepção existe um poder autoritário exercido

pela função de direção, em que todas as decisões são tomadas de modo unilateral, os

professores assumem o compromisso de, unicamente, cumprirem com um plano de ensino

pré-estabelecido e elaborado sem sua participação. Como esclarece:

A organização escolar é tomada como uma realidade objetiva, neutra, técnica, que

funciona racionalmente, e, por isso, pode ser planejada, organizada e controlada, a

fim de alcançar maiores índices de eficácia e eficiência. As escolas que operam com

esse modelo dão muito peso à estrutura organizacional: organograma de cargos e

funções, hierarquia de funções, normas e regulamentos, centralização das decisões,

baixo grau de participação das pessoas, planos de ação feitos de cima para baixo

(LIBÂNEO, OLIVEIRA, TOSCHI; 2012, p. 445).

Já a concepção sociocrítica destaca-se pelo seu caráter interacional, ou seja, há uma

maior valorização da participação e das formas democráticas de tomadas de decisões

coletivas. Como expõem:

A organização escolar não é algo objetivo, elemento neutro a ser observado,

mas construção social levada a efeito por professores, alunos, pais e até por

integrantes da comunidade próxima. O processo de tomada de decisões dá-se

coletivamente, possibilitando aos membros do grupo discutir e deliberar, em

uma relação de colaboração (LIBÂNEO, OLIVEIRA, TOSCHI; 2012, p.

445).

A concepção sociocrítica ainda se subdivide em três outros modelos, a concepção

autogestionária, a interpretativa e a democrático-participativa. Embora as três vertentes da

concepção sociocrítica apresentem distinções e divergências particulares, de modo geral,

ambas defendem uma mesma visão acerca da gestão escolar, oposta a qualquer forma de

dominação e subordinação dos indivíduos. Consistindo, essencialmente, na construção de

relações e interações sociais, justas e humanizadas, bem como na valorização do trabalho

coletivo e participativo (LIBÂNEO, OLIVEIRA, TOSCHI; 2012).

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Diante do exposto, percebe-se que a ideia de democracia e participação no contexto

escolar está, filosoficamente, relacionado a luta pela formação de cidadãos críticos e

participativos e pela transformação das relações sociais a partir de ações desenvolvidas na

própria escola. Assim, compreende-se que o modo como a escola se organiza

administrativamente baseia-se no modelo de concepção pedagógica exercido pela organização

e gestão escolar, e consequentemente, reflete os objetivos que a escola pretende alcançar com

relação a formação dos seus alunos. Considerando este ponto de vista, pode-se dizer que,

teoricamente, uma escola que prioriza a democracia e a participação em suas ações, é uma

escola que exerce a concepção sociocrítica, e, principalmente, entende que a finalidade social

e política da educação em relação à sociedade e à formação discente pauta-se de um conjunto

de interações e deliberações coletivas.

Neste sentido, sabendo-se que a participação pressupõe o envolvimento, não apenas,

nas tomadas de decisões, mais também, permitindo que os indivíduos se reconheçam dentro

de um contexto democrático, expondo ideias e opiniões, discutindo acerca de

posicionamentos opostos e deliberando sobre eles, a gestão democrática pode ser conceituada

como o modelo de gestão em que a participação e a autonomia são consideradas aspectos

intrínsecos em suas práticas. Como aponta Libâneo, Oliveira e Toschi (2012, p. 450), “ a

participação é o principal meio de assegurar a gestão democrática, possibilitando o

envolvimento de todos os integrantes da escola no processo de tomada de decisões e no

funcionamento da organização escolar.” No que se refere a autonomia, entende-se que é um

aspecto indissociável da participação, como declara Libâneo:

[...] o conceito de participação se fundamenta no de autonomia, que significa

a capacidade das pessoas e dos grupos de livre determinação de si próprios,

isto é, de conduzirem sua própria vida. Como a autonomia opõe-se às formas

autoritárias de tomadas de decisões, sua realização concreta nas instituições

é a participação (LIBÂNEO, 2103, p. 89).

Assim, considera-se que em uma gestão democrática a participação e a autonomia

funcionam como princípios essenciais, pois eles que traduzem e dão significância ao teor

democrático das ações da escola, possibilitando uma elaboração coletiva dos objetivos,

missão, práticas e da cultura organizacional.

Por outro lado, no Brasil, a partir da década de 1990, desenvolveu-se uma reforma

administrativa no setor público com ênfase para a implementação do modelo de gestão

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gerencial, como já mencionado nos tópicos anteriores. Em virtude disto, as políticas

educacionais passaram, também, por um processo de reformulação em todos os seus níveis. A

flexibilidade, agilidade, eficiência, eficácia, racionalização e a produtividade foram

priorizadas, sobretudo, através de medidas como a descentralização e a concessão de

autonomia na organização e gestão escolar (ambos princípios intrínsecos ao gerencialismo)

sob o lema da modernização da gestão, em prol da melhoria da qualidade e democratização

educacional (CABRAL NETO, 2009). Em consequência disto, as ideias de autonomia,

descentralização, participação, emponderamento, projetos políticos-pedagógicos, gestão

centrada na escola, etc. Ganharam amplitude e cada vez mais, foram aparecendo nas leis,

diretrizes e normas do país, e nas propostas curriculares e nos regimentos das escolas.

Como aponta a LDB no seu artigo 3º, o princípio da gestão democrática no exercício

da atividade de ensino (BRASIL, 1996). Assim como também, o artigo 15º da mesma lei que

estabelece:

Art. 15. Os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de

educação básica que os integram progressivos graus de autonomia

pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas as normas

gerais de direito financeiro público (BRASIL, 1996).

Em consonância com o art. 206 da Constituição Federal de 1988, que também

estabelece como princípio a gestão democrática e com a conhecida Lei da Gestão

Democrática, Lei nº 10.576, de 14 de novembro de 1995, atualizada pela Lei 13.990 de 15 de

maio de 2012, que dispõe sobre a gestão democrática do ensino público e dá outras

providências, a qual preceitua:

I - autonomia dos estabelecimentos de ensino na gestão administrativa,

financeira e pedagógica; II - livre organização dos segmentos da comunidade

escolar; III - participação dos segmentos da comunidade escolar nos

processos decisórios em órgãos colegiados; IV - transparência dos

mecanismos administrativos, financeiros e pedagógicos; V - garantia da

descentralização do processo educacional; VI - valorização dos profissionais

da educação; VII - eficiência no uso dos recursos (BRASIL, 1995).

Nesse contexto, sob a égide da nova gestão pública, às escolas foi concebido o poder

de organizar e gerenciar suas ações com base no modelo de “gestão democrática”. Entretanto,

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a gestão democrática estabelecida nas políticas educacionais, embora estabeleça aspectos

como a autonomia e a participação, está submetida ao modelo de gestão gerencial, que por

sua vez, prioriza a desconcentração de atribuições e responsabilidades do Estado,

produtividade e racionalização de recursos, em detrimento do próprio significado palavra

democracia. Conforme aponta Cabral Neto:

[...] o novo modelo inspirado nas orientações do gerencialismo busca

estabelecer, para o campo educacional, uma cultura organizacional firmada

nos princípios da gestão estratégica e do controle da qualidade com vistas a

promover a racionalização, a eficiência e a eficácia dos sistemas de ensino

(CABRAL NETO, 2009, p. 197)

Isso se verifica, por exemplo, com a propagação da ideia de conceber a escola como

espaço central de realização das metas estabelecidas pelo sistema escolar, como expressam

Libâneo, Oliveira e Toschi:

Há pelo menos duas maneiras de ver a gestão educacional centrada na

escola. Na perspectiva neoliberal, pôr a escola como centro das políticas

significa liberar boa parte das responsabilidades do Estado, deixando às

comunidades e escolas a iniciativa de planejar, organizar e avaliar os

serviços educacionais (grifo nosso). Já na perspectiva sociocrítica, a decisão

significa valorizar as ações concretas dos profissionais na escola que sejam

decorrentes de sua iniciativa, de seus interesses, de suas interações

(autonomia e participação), em razão do interesse público dos serviços

educacionais prestados, sem, com isso, desobrigar o Estado de suas

responsabilidades. (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2012, p. 413).

Assim, ainda que o gerencialismo se apresente como um modelo de gestão pública a

favor do desenvolvimento de um sistema escolar democrático, autônomo, com ênfase para

descentralização, participação e possibilidade de deliberação de decisões coletivas, na prática,

o que se estabelece como prioridade para o governo e o Estado é uma lógica racional-

empresarial com foco para a produtividade. Como assinala Lima (2001) apud Cabral Neto:

Como estratégia neoliberal, esse “novo” modelo de gestão opera uma

ressignificação de vários conceitos, abstraindo deles o seu sentido

sóciopolítico. Autonomia é concebida como consentimento para construir,

no setor público, uma cultura de empresa. A descentralização

metamorfoseia-se na medida em que deixa de ser um mecanismo fundante

da gestão democrática para se reconfigurar em um crescente processo de

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desconcentração de funções e de responsabilidades, e não do poder de

decisão. A participação transforma-se em uma técnica de gestão que

funciona, essencialmente, como fator de coesão e consenso. Com isso, a

organização e a administração escolares tornam-se despolitizadas e se

apresentam como instrumentos técnico-racional (auto) justificados e

legitimados na base dos imperativos de modernização da reforma educativa.

(CABRAL NETO, 2009, P.201).

Nessa lógica, ainda que a escola pública e a comunidade adquiram novos mecanismos

democráticos, como: os conselhos escolares, o conselhos de controle social, a adoção de

eleição para diretores, elaboração dos projetos Políticos-Pedagógicos, entre outros, “isso não

significa dizer que tais mecanismos estejam sendo implementados de forma plena no sistema

de ensino e que tenham contribuído de forma significativa para a melhoria da qualidade da

educação ofertada ao cidadão” (CABRAL NETO, 2009, p. 200).

O autor alude também que, a lógica empresarial empreendida pelo gerencialismo não

contribui positivamente com a gestão democrática no interior da escola, pois seu foco está no

processo de racionalização de recursos, o que, por sua vez, descaracteriza e essência da gestão

democrática que se baseia nas práticas coletivas de empoderamento, participação e autonomia

no processo administrativo e no planejamento pedagógico da escola (CABRAL NETO,

2009). Santos (1999) apud Cabral Neto (2009, p. 202), considera ainda que “ a lógica do

gerencialismo, está em consonância com o modelo de “Estado-empresário””, ou seja, a gestão

democrática é usada como mecanismo de enxugamento do Estado e a escola, por sua vez,

como espaço central de realização das metas governamentais e, sobretudo, aparelho de

dominação dos interesses capitalistas. Portanto, aquela gestão democrática que está em

consonância com a concepção pedagógica sociocrítica torna-se completamente

descaracterizada, e, aos seus princípios basilares como a descentralização, participação e

autonomia são atribuídos novos valores conforme a estabelece a lógica empresarial.

Em consequência, de acordo com Saviani (2011), a educação formal e,

consequentemente, o funcionamento da escola é permeado por mudanças em quatro

dimensões distintas: Nas bases econômico-pedagógicas, nas bases didático-pedagógicas, nas

bases psicopedagógicas e nas bases pedagógico-administrativas. Considerando as bases

econômicas-pedagógicas, para o autor, o novo modelo de gestão pública, baseado na lógica da

gestão empresarial e na concepção social produtivista, conduziu à reestruturação dos

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processos produtivos, que deixaram de focar no modelo fordista1 de produção, sendo

substituído pelo toyotismo2, tal circunstância fortaleceu o valor da educação escolar na

formação dos trabalhadores, ou seja, a educação formal em todos os seus níveis, assume um

papel precípuo para o processo econômico-produtivo dos indivíduos. Ressurge, assim, a

teoria do capital humano3, entretanto, adquirindo um novo sentido, conforme aponta Saviani:

Agora é o indivíduo que terá de exercer sua capacidade de escolha visando a

adquirir os meios que lhe permitam ser competitivo no mercado de trabalho.

E o que ele pode esperar das oportunidades escolares já não é o acesso ao

emprego, mas apenas a conquista do status de empregabilidade. A educação

passa a ser entendida como um investimento em capital humano individual

que habilita as pessoas para a competição pelos empregos disponíveis. [...] A

teoria do capital humano foi, pois, refuncionalizada e é nessa condição que

ela alimenta a busca de produtividade na educação. (SAVIANI, 2011, p.

430).

Saviani (2011), expõe ainda que, a nova teoria do capital humano dissemina, na

década de 1990, o pensamento hegemônico da concepção produtivista, intitulada pelo autor

de neoprodutivismo, além de promover uma “pedagogia da exclusão”. Ou seja, a escola

assume um papel meramente instrucional, e o indivíduo a completa responsabilidade pela sua

empregalibidade, cabendo unicamente ele, os esforços individuais para garantir sua condição

de não excluído, sendo ainda, compelido a introjetar a culpabilidade pelos seus insucessos.

Assim, o neoprodutivismo e a pedagogia da exclusão são os primeiros pontos que

caracterizam as mudanças no papel/funcionamento da escola, pois, ainda que a instituição

esteja imersa num contexto democrático (por meio das regulamentações legais), na prática, o

1O modelo fordista apoiava-se na instalação de grandes fábricas operando com tecnologia pesada de base fixa,

incorporando os métodos tayloristas de racionalização do trabalho; supunha a estabilidade no emprego e visava à

produção em série de objetos estandardizados, em larga escala, acumulando grandes estoques dirigidos ao

consumo de massa (SAVIANI, 2011, p. 429). 2[…] O modelo toyotista apoia-se em tecnologia leve, de base microeletrônica flexível, e opera com

trabalhadores polivalentes visando à produção de objetos diversificados, em pequena escala, para atender à

demanda de nichos específicos do mercado, incorporando métodos como o just in time que dispensam a

formação de estoques; requer trabalhadores que, em lugar de estabilidade no emprego, disputem diariamente

cada posição conquistada, vestindo a camisa da empresa e elevando constantemente sua produtividade

(SAVIANI, 2011, p. 429). 3Essa teoria surgiu no período dominado pela economia keynesiana e pela política do Estado de bem-estar, que

na chamada era de ouro do capitalismo, preconizavam o pleno emprego. Assim a versão originária da teoria do

capital humano, entendida a educação como tendo por função preparar as pessoas para atuar num mercado em

expansão que exigia força de trabalho educada. À escola cabia formar a mão de obra que progressivamente seria

incorporado pelo mercado, tendo em vista assegurar a competitividade das empresas e o incremento da riqueza

social e da renda individual (SAVIANI, 2011, p. 429).

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que se observa é um ambiente de completa competitividade, em que as ferramentas de

participação, quando são utilizadas, representam um mero formalismo institucional.

Analisando as bases didático-pedagógicas, Saviani (2011) aponta

destacadamente para o conceito resignificado do “aprender a aprender” ou, ainda o

neoescolanovismo. O autor explica que no lema do “aprender a aprender” criado com a

Escola Nova, em 1930, estava ligado a capacidade dos alunos em construírem meios que

promovam seus conhecimentos numa busca de experiências coletivas e individuais,

aprimorando a capacidade de inserção em um meio social que a eles já era garantido. Já no

sentido atual, o “aprender a aprender” enfatiza a necessidade do indivíduo está em constante

preparação formal/instrucional para que aumente, cada vez mais, seu valor de

empregabilidade, e diminua as chances de se tornar um indivíduo à margem da sociedade, isto

é, excluído.

Na escola, esse novo conceito do “aprender a aprender” interfere nas práticas

didáticas, pois o professor, que num contexto democrático/participativo da concepção

sociocrítica, buscaria estabelecer relações de mediação do conhecimento com os alunos, ou

seja, o professor como provedor de condições para, a partir das trocas de conhecimento, fazer

o aluno refletir e progredir, passa a ser um simples instrutor, operacionalizando os conteúdos.

Além de que, a escola passa a priorizar uma formação acadêmica eficiente, deixando de lado

a formação integral do indivíduo. Assim expressão Saviani:

[...] a adaptação à sociedade cognitiva exige abandonar a segurança do

conhecido, do familiar e do habitual e voltar-se para uma aventura do inédito

e do imprevisível. E, para atingir esse objetivo, o papel da educação e da

escola é definido como consubstanciado uma maior capacidade de aprender

a aprender. Os ajustes, a metamorfose, a ressignificação do lema “aprender a

aprender” em relação à sua elaboração originária no âmbito do

escolanovismo permitem-nos considerar a denominação de

neoescolanovismo a esse “forte movimento internacional de revigoramento

das concepções educacionais calcadas no referido lema. [...] o desiderato da

escola: transmitir cada vez mais o gosto e prazer de aprender, a capacidade

de ainda mais aprender a aprender, a curiosidade intelectual [...] Trata-se,

agora, de capacitar para adquirir novas competências e novos saberes, pois

as novas relações entre conhecimento e trabalho exigem capacidades de

iniciativa e inovação e, mais do que nunca, aprender a aprender num

contínuo processo de educação permanente. (SAVIANI, 2011, p. 432 – 433).

Com relação as bases psicopedagógicos, Saviani (2011), menciona o

neoconstrutivismo e a “pedagogia das competências”. O autor caracteriza o construtivismo

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como concepção psicopedagógica que trata o aprender como processo construtivo do aluno,

em outras palavras, pode-se dizer que o construtivismo, teoria desenvolvida por Jean Piaget

(1896-1980), baseia-se na construção do conhecimento, dai o nome construtivismo, a partir de

interações do sujeito com o meio em que ele vive. Saviani (2011), faz esse apontamento para

explicar a relação entre o construtivismo e o lema do “aprender a aprender”, dado que as duas

teorias partem da mesma premissa: a aprendizagem é uma construção, ela se consolida no

processo que inclui os meios para alcança-la até a sua acomodação. Neste sentido, ambas

imprimiram forte inspiração na formulação das políticas educacionais e na prática

pedagógicas de grande parte dos professores, na década de 1990.

No entanto, o construtivismo também foi reconfigurado para se adequar ao novo

contexto político e social, conforme alude Saviani (2011, p. 436), “nessas novas condições, a

ênfase das pesquisas de Piaget e de seus colaboradores e seguidores, que buscavam

compreender cientificamente o desenvolvimento da inteligência, cede lugar uma retórica

reformista”, ou seja, para que o construtivismo pudesse ser empregado e servido como fonte

de inspiração no contexto político educacional converteu-se seu real significado, ao

denominado neoconstrutivismo. Como expõe Saviani:

O neoconstrutivismo funde-se com o neopragmatismo e as competências

resultam assimiladas ao mecanismo adaptativos do comportamento humano

ao meio material e social. [...] Em suma, a “pedagogia das competências”

apresenta-se como outra face da “pedagogia do aprender a aprender”, cujo

objetivo é dotar os indivíduos de comportamentos flexíveis que lhes

permitam ajustar-se às condições de uma sociedade em que as próprias

necessidades de sobrevivência não estão garantidas. Sua satisfação deixou de

ser um compromisso coletivo, ficando sob a responsabilidade dos próprios

sujeitos que, segundo a raiz etimológica dessa palavra, se encontram

subjugados à “mão invisível do mercado”. (SAVIANI, 2011, p.436).

Diante do exposto, nota-se que as bases psicopedagógicos aqui referidas, assim como

as já citadas, interferem nas práticas pedagógicas ao se renderem aos interesses do processo

de reforma política, que por sua vez, preocupam-se não com o desenvolvimento de uma

formação cidadã crítica e humanizada, mas sim em tornar a escola um aparelho ideológico do

Estado, ou seja, um instrumento de reprodução e ajuste do perfil dos indivíduos ao novo

modelo de sociedade decorrente da reorganização do processo produtivo.

Por fim, têm-se as bases pedagógico-administrativas que, foram descritas por Saviani

(2011), como o neotecnicismo. O tecnicismo refere-se a uma tendência pedagógico que visa a

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modelagem do comportamento humano, através de técnicas específicas de memorização de

informações (LIBÂNEO, 2012). Com base nisso, era possível através da educação escolar

formar indivíduos adaptados ao sistema social global, ou seja, a escola atua como um

instrumento de aperfeiçoamento para a ordem social hegemônica. No campo pedagógico-

administrativo, o tecnicismo prioriza a uniformização de procedimentos com a finalidade de

alcançar um fim específico. Assim, na nova reconfiguração do tecnicismo, o foco recaiu para

os resultados.

Diante disso, a organização e gestão da escola é compelida a cobrar bons resultados

dos alunos e professores, que por sua vez, encontram nos métodos (neo)tecnicistas os meios

para alcança-los. Assim, apresenta Saviani:

Redefine-se, portanto, o papel tanto do Estado como das escolas. Em lugar

da uniformização e do rígido controle do processo, como preconiza o velho

tecnicismo inspirado no taylorismo-fordismo, flexibiliza-se o processo,

como recomenda o toyotismo. Estamos, pois, diante de um neotecnicismo: o

controle decisivo desloca-se do processo para os resultados. É pela avaliação

dos resultados que se buscará garantir a eficiência e produtividade.

(SAVIANI, 2001, p.439).

Nessa perspectiva, portanto, as práticas pedagógicas que enfatizam a reflexão crítica e

a produção de conhecimento individual e coletivo, difundidas pela pedagogia sociocrítica são

deixadas de lado, exterminadas. No âmbito da gestão escolar, outrossim, a gestão

democrática, ainda que sendo referência legal, se descontextualiza. Assim compreende

Saviani:

Em suma, as ideias pedagógicas no Brasil da última década do século XX

expressam-se no neoprodutivismo, nova versão da teoria do capital humano

que surge em consequência das transformações materiais que marcaram a

passagem do fordismo ao toyotismo, determinando uma orientação

educativa que se expressa na “pedagogia da exclusão”. Em correspondência,

o neoescolanovismo retoma o lema “aprender a aprender” como orientação

pedagógica. Essa reordena, pelo neoconstrutivismo a concepção psicológica

do sentido de aprender como atividade construtiva do aluno, por sua vez

objetivada no neotecnicismo, enquanto forma de organização das escolas por

parte de um Estado que busca maximizar os resultados dos recursos

aplicados na educação. (SAVIANI, 2011, p. 441).

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Relacionando tais considerações às mudanças ocorridas no ambiente escolar percebe-

se que a gestão democrática também tem sido desenvolvida de modo resignificado, pois,

embora a legislação estabeleça a gestão democrática como princípio essencial para as

atividades administrativas e de ensino, e as escolas busquem criar e desenvolver os

mecanismos de participação inerentes ao modelo, sua atuação parece ser comprometida pelos

(re)arranjos e (re)organizações do modo de produção vigente. Assim, partindo do

apresentado no estudo, não é possível afirmar que existe uma prática, genuinamente,

democrática e participativa, nas escolas.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do estudo apresentado com base em pesquisas bibliográficas sobre o tema da

nova gestão pública, o Gerencialismo, e, suas influências no campo educacional, cabe fazer

algumas considerações finais. Tendo em vista que o objetivo deste artigo foi apresentar as

principais características das ideias gerencialistas e como elas interferem no funcionamento

do setor público brasileiro, especialmente no que se refere ao campo da educação, pode-se

dizer que os objetivos foram alcançados.

Inicialmente, apresentou-se a história do desenvolvimento da Administração Pública

Gerencial e seu contexto mundial. Esta nasceu em contraposição à Burocracia e ao Estado de

Bem Estar Social. Este firmava-se sobre a concepção de que o Estado era o responsável por

garantir aos cidadãos seus direitos considerados fundamentais e indissociáveis, tais como

educação, saúde, renda mínima, habitação, dentre outros. Tal prática gerou a conhecida crise

do sistema capitalista, uma vez que estes serviços oneravam demais os Estados, deixando-os

incapacitados de cumprirem seus compromissos.

Com isso, verificou-se a necessidade de se reestruturar a Administração Pública, de

forma que esta passasse a prezar pela modernização, eficiência e flexibilidade, tão

necessárias, de forma que o controle fosse agora realizado através dos resultados e não dos

procedimentos.

O novo modelo surgiu, então, inicialmente na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, em

resposta à crise do Estado em 1980, despertando o interesse dos outros países na maneira de

governar e influenciando o Brasil.

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Em um segundo momento, centralizou-se o desenvolvimento do tema no âmbito

brasileiro. Assim, discutiu-se que, no Brasil, a reforma administrativa teve início na década de

1990, durante o Governo Fernando Henrique Cardoso, tomando como base as diretrizes

apontadas no Plano Diretor de Reforma Administrativa do Aparelho do Estado, elaborado por

Luís Carlos Bresser Pereira, enquanto Ministro do MARE.

Essencialmente, a reforma trazia para a esfera pública conceitos de eficiência,

efetividade e produtividade ora aplicados apenas na administração privada. Aliado a isso, o

Gerencialismo buscava também instaurar a descentralização do poder, a responsabilização do

funcionário pelos seus atos, a flexibilidade e a ativa participação cidadã na formulação e

controle de políticas públicas. Tais mudanças tiveram sua implantação favorecida com a

inclusão de diretrizes nesse sentido na Constituição Federal em 1988.

O novo modelo, portanto, não representa um rompimento drástico com a

administração pública burocrática, mas consiste numa adaptação deste, de forma a manter os

aspectos favoráveis e reformar os desfavoráveis, corrigindo as disfunções da burocracia e

ajustando-o para suprir as atuais e crescentes demandas da sociedade.

Em suma, compreendeu-se que na administração pública gerencial são definidos

objetivos e metas para se auferirem resultados mensuráveis de forma a manter o controle e

avaliar a eficiência, qualidade, produtividade e efetividade dos serviços prestados,

deslocando-se a ênfase dos meios (procedimentos) para os fins (resultados). Adicionalmente,

pratica-se a competição no interior do próprio Estado, de forma que os entes federados, isto é,

os governos locais, passam a buscar experiências alternativas e inovadoras de gestão pública,

a fim de garantir o recebimento de recursos para o desenvolvimento de seus projetos. No

plano da estrutura organizacional, a descentralização e a redução dos níveis hierárquicos

tornam-se essenciais para não enrijecer o aparato estatal, sendo este permeável à maior

participação dos agentes privados e/ou das organizações da sociedade civil.

No terceiro momento, apresentaram-se as influências do modelo gerencial para as

políticas de educação. Viu-se, portanto, que o gerencialismo interferiu o campo educacional

promovendo maior autonomia e participação dos entes federados, escolas e da sociedade nas

decisões e práticas administrativas e pedagógicas. Teoricamente, a escola influenciada pela

ordem gerencial adquiria poder de auto gestão, possibilitando ações em função de

necessidades particulares, que somente as pessoas que participam daquela realidade poderiam

propor. Isto fundamenta a prática da gestão democrática nas escolas.

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Contudo, de acordo com a análise e reflexão dos autores citados no referencial teórico,

a realidade do gerencialismo dentro do campo educacional foi bem diferente do que se

apresenta no campo das teorias. Fala-se em desconcentração em detrimento da

descentralização, de forma que a desconcentração pode ser tratada como uma redistribuição

de tarefas e responsabilidades, que desvia todo o sentido de autonomia, participação e

empoderamento. Na realidade, o gerencialismo possibilitou às escolas maior capacidade

executora de gerir ações tuteladas e reguladas pela União. Neste sentido, tem-se o sistema de

avaliação educacional, desenvolvido com o intuito de medir o desempenho dos alunos,

escolas, faculdades, universidade, comparando-as aos padrões universais acadêmicos, e que,

nas entrelinhas, funcionam como fator preponderante na definição dos valores dos recursos a

serem disponibilizados para cada instituição e/ou ente.

Além disso, destacou-se também o entendimento de que, embora as políticas

educacionais estabeleçam a gestão democrática como princípio basilar ao funcionamento da

escola, sua prática fica comprometida pelos interesses políticos e, especialmente, pelas

reconfigurações desencadeadas pelo gerencialismo, e apontadas por Saviani (2011), nas bases

econômico-pedagógicas, didático-pedagógicas, psicopedagógicas e pedagógico-

administrativas da escola. Assim, é pertinente supor que a produtividade e a lucratividade,

características inerentes à gestão gerencial, não são coerentes com o setor público,

especialmente, com a gestão escolar (CABRAL NETO, 2009). Isso ocorre pois, segundo o

mesmo autor, a lógica empresarial, quando desenvolvida no espaço escolar, descaracteriza os

princípios do autonomia, participação e democracia. Neste sentido, faz-se necessário a

ampliação de novas e contínuas discussões acerca do gerencialismo aplicado no campo

educacional, de modo que se possa desenvolver correlações acerca das práticas educacionais

que vêm sendo desenvolvidas e as que se desejam alcançar.

Por fim, esse trabalho constituiu-se em uma pesquisa bibliográfica, baseado

fundamentalmente na literatura especializada no campo das políticas educacionais. Por

conseguinte, é mister dar continuidade a essas reflexões a partir do campo empírico,

analisando o impacto desse modelo de gestão em estudos de casos particulares.

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