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4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
O GRANDE HOTEL COMO UM ELEMENTO DE TRANSFORMAÇÃO DA PAISAGEM, PERNAMBUCO, BRASIL
CORTEZ, KARINE M. G. (1); SILVA, TEREZINHA J. P. (2)
1. Arquiteta e Urbanista. Rua Antônio de Castro, 103 Apt. 204, Casa Amarela, Recife, PE. CEP:
52070080 Telefone: 55 081 32680210 / 081 997476752
2. Universidade Federal de Pernambuco - Centro de Artes e Comunicação - DAU - Av. da Arquitetura, s/n - Cidade Universitária - CEP: 50.740- 550 Campus da UFPE ,s/n– Recife – PE
– Brasil Telefone: 55 081 34533835 Fax 081 21268771
RESUMO
O artigo tem por objetivo demonstrar como o Grande Hotel, localizado na Avenida Martins de Barros, no bairro de Santo Antônio – Recife/PE participou da transformação da paisagem do centro da cidade. O edifício, inspirado no Copacabana Palace teve a sua construção pensada em meados dos anos 20, de modo atender às novas dinâmicas de desenvolvimento social, cultural e econômico e assim modificar a imagem da cidade. Durante a década de 30, o novo cenário favorável ao modernismo faz com que o edifício se modifique por completo não mais representando o ecletismo de influência Neoclássica e sim as tendências do Art Déco. Sua implantação na Avenida Martins de Barros, à margem do Rio Capibaribe, foi colocada como um elemento de modernização da infraestrutura urbana. Seu período de permanência como hotel durou de 1938 a 1992. Apesar de permanecer na paisagem, o Grande Hotel perdeu seu uso por problemas da nova política descentralizadora das atividades administrativas, de hotelaria, lazer e transporte. Atualmente é um Fórum que não comporta suas atividades. Esse processo de migração das principais funções para novas centralidades faz com que o centro tradicional perca grande parte de seu caráter deixando de ser um espaço agregador de valores culturais e sociais, passando a ser mais um polo comercial no centro da cidade, o qual se distancia de todos e negligencia a relação das paisagens históricas e a memória da sociedade. Partindo-se da ideia de que uma paisagem cultural contribui para a construção da história de uma região, bem como representa a memória de um tempo a qual está intimamente relacionada aos indivíduos e aos bens patrimoniais, esse artigo buscou discorrer sobre os aspectos simbólicos e históricos do Grande Hotel e seu entorno, tendo como enfoque o descortinar de uma paisagem que através de seus elementos podem recuperar os aspectos identitários para a coletividade. Dessa maneira, o estudo propõe uma análise das significações do Grande Hotel e sua reabilitação a fim de reverter parte do processo de declínio dos espaços urbanos centrais. Como conclusões se constatam que reabilitar esse equipamento será de grande importância para paisagem da cidade, tanto por trazer um uso de passado recente de grande apreço simbólico para sociedade, quanto pela possibilidade de se construir uma consciência coletiva para preservação dos elementos formadores da paisagem.
Palavras-chave: Grande Hotel; Paisagem; Recife
4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
1 INTRODUÇÃO
Partindo-se da ideia de que uma paisagem cultural contribui para a construção da história de
uma região, bem como representa a memória de um tempo, a qual está intimamente
relacionada aos indivíduos e aos bens patrimoniais, esse artigo pretende discorrer sobre os
aspectos simbólicos e históricos do Grande Hotel e seu entorno, bem como enfatizar a
cultura, à memória e à proteção do patrimônio cultural de uma das edificações, de grande
representatividade para o Recife e, que ao longo do tempo, foi construído, ocupado e
transformado, e hoje, merece ser reabilitado a fim de resgatar os elementos da paisagem e
recuperar os aspectos identitários para a coletividade.
O Grande Hotel do Recife surgiu em um momento de grande preocupação com o
desenvolvimento da cidade do Recife e de uma busca por edificações que permitissem
novas dinâmicas sociais, culturais e econômicas. De acordo com Naslavsky (1998) no
período do Estado Novo, 1930 a 1945, os bairros da Boa Vista, Santo Antônio e São José
tiveram construções e planos urbanos que modificaram de modo significativo seus
funcionamentos. Sua arquitetura está vinculada a esse processo de modificação, já que seu
projeto é de 1924, porém sua inauguração só ocorre no final da década de 30. Hoje, ele
apresenta-se como um excêntrico representante da arquitetura de tendência art déco, como
síntese dos fatores sociais e culturais vivenciados pelo bairro.
Ao longo dos anos, o Grande Hotel do Recife viveu anos de fama e luxo, porém na segunda
metade século XX, o centro histórico do Recife sofreu um processo de esvaziamento e
obsolescência, com a migração de suas principais funções para novas centralidades.
Apesar de permanecer na paisagem, o Grande Hotel perdeu seu uso por problemas da
nova política descentralizadora das atividades administrativas, de hotelaria, lazer e
transporte (Silva, 2006, p.166). Atualmente o edifício funciona como o Fórum Thomaz de
Aquino Cyrillo Wanderley e hoje não mais comporta suas funcionalidades.
De acordo com as demandas e problemáticas abordadas, esse artigo colocou como
objetivo demonstrar como o Grande Hotel participou da transformação da paisagem do
centro da cidade. Pelas características do tema se propõe como estrutura de
desenvolvimento para abordagem do artigo: Conceituação dos termos; Localização do
objeto de estudo; História do Grande Hotel do Recife; Comparação entre o projeto
arquitetônico original / atual; Legislações e normas incidentes no objeto e Considerações
finais.
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2 Conceituação dos termos
Para compreensão da temática desse artigo e seu objetivo foram selecionados os seguintes
conceitos: paisagem, paisagem cultural e percepção.
2.1 Paisagem
A paisagem é uma palavra que possui uma ampla significação, coloquialmente é usada para
explicar o que se apreende com os sentidos, tendo como elemento mais marcante a visão.
O termo paisagem nasce da arte de pintar a natureza, com uma interpretação artística,
assim como afirma Robert Estienne no dicionário francês-latim, em 1549, o termo paisagem
é uma pintura sobre tela. Com o tempo o termo altera-se. Atualmente, o conceito remete à
ideia de cultura, que influencia a forma como a sociedade enxerga a sua realidade.
Segundo Magalhães (2001)
O conceito de paisagem globalizante, no qual, sob um substrato natural é impressa a ação do homem, é uma aquisição dos fins do século XIX, princípios do século XX. A partir do conhecimento adquirido no domínio da ecologia, a percepção da paisagem deixou de estar ligada às impressões visuais que ela sugere, e passa a incluir, por um lado, os ecossistemas que lhe estão subjacentes e lhe deram origem, e, por outro, os processos de humanização, sejam eles ligados às atividades rurais, sejam às atividades urbano-industriais. (Magalhães, 2001 apud Favaretto, 2012, p.40).
A análise da paisagem, nos últimos tempos vem ganhando progressivo destaque, visto que
esta decodifica as diferentes dinâmicas relativas ao funcionamento das sociedades, através
de manifestação de informações e características econômicas, políticas e culturais que
estruturam o processo de formação e organização do espaço social. É notório também as
rápidas e frequentes alterações conceituais desenvolvida na segunda metade do século XX
colaborando para o despertar da temática.
Na visão de Milton Santos, a paisagem é um elemento do espaço interpretado como um
conjunto de formas e, que expressa às heranças que representam as sucessivas relações
entre o homem e a natureza (Santos, 2002, p.66).
Por sua vez, Maderuelo (2010), afirma que a paisagem não é um simples objeto, mas
compreende uma criação mental elaborado por determinado observador a partir de
sensações e percepções apreendidas durante a contemplação de dado lugar – rural ou
urbano (Maderuelo, 2010, p.575).
Para Afonso (1999) a paisagem, quando na escala do pedestre, “deve ser formada por
lugares que nos lembramos para sempre, devido às suas características fisiográficas que
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servem de suporte para intervenção urbana, e o modo como este patrimônio material foi
implantado. Sem atingir esta identidade, esta caracterização, não se pode dizer que uma
cidade ou bairro tenha um caráter paisagístico” (Afonso, 1999 p.93).
Já Andreotti (2012) explica que a paisagem vai além da sua própria definição, refletindo a
sociedade e a sua história, pois, segundo a autora “não pode ser separada do homem, seu
espírito, da sua imaginação e percepção” (Andreotti, 2012, p.6).
De forma geral, é muito difícil escolher as melhores definições para análise dessa temática,
pois toda contribuição conceitual feita pelos autores apresenta um pouco de subjetividade.
Desse modo, esse trabalho não tem a pretensão de esgotar todas as visões e sim
demostrar a diversidade de definições para paisagem. Para efeito deste trabalho, diante das
diversas definições, considera-se como noção de paisagem o território definido por seus
elementos naturais e intervenções humanas, onde o homem habita e se relaciona com o
meio ambiente trocando experiências e fazendo parte dela. Como fruto dessa relação
dinâmica encontra-se os aspectos naturais e culturais (D’Abreu, 2001, p.3).
2.2 Paisagem Cultural
A paisagem cultural é formada quando a paisagem natural sofre alterações pela mão do
homem para atender às suas necessidades, estas modificações são transmitidas de
geração a geração para criar gradual afirmação da identidade cultural de um povo (Cabral,
2003).
Na visão de Netto e Alves a paisagem cultural pode ser analisada como um conjunto de
aspectos naturais e socioculturais que se conectam, formando o espaço, a partir de
manifestações simbólicas. Dessa forma, a paisagem consolida-se como um excelente
instrumento para o estudo da organização espacial de um lugar, através do patrimônio
histórico e da memória local contido nela (Netto e Alves, 2011, p.05).
No Brasil, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico (IPHAN), através da portaria nº 127
de 30 de abril de 2009, definiu a paisagem cultural como: “uma porção peculiar do território
nacional, representativa do processo de interação do homem com meio natural, à qual a
vida e a ciência humana imprimiram marcas ou atribuíram valores” (Brasil, 2009).
Pode-se concluir que a paisagem cultural resulta da interação do ser humano com o meio
físico-natural no decorrer do tempo e caracteriza-se por espaços que têm gravados em si, a
cultura e as marcas do processo de construção e transformação do território. Desse modo, a
paisagem cultural guarda a memória de uma região, fato que reforça a identidade da
sociedade e comunica aos valores atuais.
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2.3 Percepção da paisagem
A percepção da paisagem sempre esteve no cotidiano da sociedade. É através da
percepção que a paisagem desperta emoções nas pessoas. Segundo Gasperini (1988),
para haver emoção na contemplação de um objeto, o seu símbolo precisa transmitir mais
que o aspecto exterior, precisa transmitir a ideia através de uma linguagem clara (Gasperini,
1988, p.16).
Cada indivíduo tem a sua concepção formada sobre paisagem em função de muitos fatores,
dentre eles a cultura, dessa forma o ideal de paisagem refletido em cada sociedade irá
influenciar na percepção da paisagem.
3 Localização do objeto de estudo
O Grande Hotel do Recife, atual Fórum Thomaz de Aquino Cyrillo Wanderley, está
localizado na Região Nordeste do Brasil, no Estado de Pernambuco, Figura 1. No Estado se
encontra na Região Metropolitana do Recife, no bairro de Santo Antônio - Recife, na
Avenida Martins de Barros, nº 593. Suas coordenadas geográficas são: Latitude: 08º 03' 14"
S e Longitude: 34º 52' 52" W.
O objeto de estudo possui fachadas orientadas para os quatro pontos cardeais; a sua frente,
na Avenida Martins de Barros, encontra-se o rio Capibaribe, enfatizando o seu valor
paisagístico; pelo lado norte, observa-se a Praça Dezessete – antigamente conhecida como
o pátio do colégio por estar localizado ao lado do antigo colégio dos jesuítas. Antes de ser
chamada de Praça Dezessete recebeu ainda o nome de Praça Dom Pedro II, tendo
Figura 1 – Hierarquia da localização geográfica do objeto
Fonte: Diversas; CORTEZ, Karine.
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recebido o nome de Praça Dezessete posteriormente em decorrência do movimento
ocorrido em 1817, conhecido como Insurreição Pernambucana. No lado Oeste, encontra-se
a Igreja do Divino Espírito Santo, tombada em nível federal pelo IPHAN. Já na porção Sul
destaca-se a presença de um edifício modernista residencial e do comércio do bairro de São
José.
No entono que se insere o imóvel, há uma preponderância para o uso comercial e de
serviço. A sua posição é cercada por diversos edifícios históricos como: a Igreja de São
Francisco, a Capela Dourada, antiga casa de Câmara e Cadeia (atual Arquivo Público), o
Gabinete Português de Leitura, praças, entre outros.
4 História do Grande Hotel do Recife
A preocupação com o desenvolvimento da cidade do Recife, na busca de edificações que
permitissem novas dinâmicas sociais, culturais e econômicas fez com que em 1924, o
prefeito Antônio de Góes juntamente com o Governador do Estado autorizasse o início da
construção do Grande Hotel do Recife, conforme comentários da Revista de Pernambuco
em 11 agosto de 1924. A importância na construção do hotel no Recife era feita de modo
comparativo, visto que equipamentos semelhantes já existiam no Rio de Janeiro e em São
Paulo, a exemplo do Copacabana Palace (RJ).
Empenhado em garantir o empreendimento e iniciar rapidamente a obra, o Governo do
Estado cria uma lei de incentivo à construção de um grande hotel modelo na cidade. Logo
em seguida lança o edital de concorrência, no qual obtém duas propostas, das quais
selecionou a empresa carioca M.J. Carneiro Junior em parceria com o empresário J.
Brandão e Magalhães, proprietários na época de vários hotéis ao sul do país (Jornal do
Recife, 3 Junho 1924).
O Grupo vencedor organizou uma companhia que se denominou Empresas de Grandes
Hotéis de Pernambuco, para melhor administrar a construção e a exploração (Revista de
Pernambuco, 15 de Novembro de 1924). Ela obteve junto à Prefeitura inúmeros benefícios e
incentivos para compra e transportes de materiais importados, o que era natural de
acontecer num país iniciando a industrialização e carente de matérias primas de alto nível
ou mais elaboradas.
De acordo com as pesquisas, acreditasse que o projeto arquitetônico ficou a cargo da
empresa vencedora do edital, que buscou no traço do Copacabana Palace (Revista de
Pernambuco, Setembro de 1924), localizado no Rio de Janeiro, referências ideais para o
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desenho do Grande Hotel do Recife. A empresa também buscou o respeito às técnicas
modernas e aos rigorosos padrões de higienização estabelecidos na época.
Confrontando a data de início de construção com a data de inauguração, fica claro que
houve um grande atraso na execução do projeto. Isso se deve alguns fatos a exemplo da
dificuldade de importação dos materiais de construção, bem como o transporte dos mesmos
para o Recife e principalmente pela mudança de projeto diante de um novo cenário da
arquitetura que se aproximava. Por esses motivos sua inauguração só aconteceu em 1938,
onde foi realizado um grande baile de gala para três mil convidados da elite pernambucana.
O evento aconteceu no Salão Azul com a presença de duas orquestras cariocas. Na noite
seguinte foi inaugurado o cassino, cujas atrações foram os cantores Francisco Alves e
Uyara de Goiás.
Quanto ao local de implantação, a primeira proposta foi para o lote da Antiga Delegacia
fiscal, na Avenida Martins de Barros, porém a ideia não foi concretizada. Com a primeira
possibilidade descartada, o então Governador do Estado, Estácio Coimbra convida o
urbanista Alfred Agache, que após um passeio com um guia recifense escolhe o terreno da
penúltima sede da Faculdade Direito ao lado da Igreja do Espírito Santo, na Avenida Martins
de Barros (Guia Prático, Histórico e Sentimental da Cidade do Recife - Gilberto Freyre.) (ver
figuras 2 e 3).
A concessão desse equipamento turístico foi inicialmente dada à empresa M.J.Carneiro,
porém logo passou para o italiano Sr. Alberto Quatrini Bianchi, também proprietário de
grandes hotéis em funcionamento na época, tal como no Rio de Janeiro e na Bahia. O hotel
funcionou como Cassino até 1946, quando após a 2ª Guerra Mundial, o presidente Eurico
Gaspar Dutra (1883-1974) proibiu os jogos no país.
Figura 2 - Avenida Martins de Barros e ao fundo o Antigo convento dos Jesuítas.
Fonte: FUNDAJ
Figura 1 - Sede da Faculdade de Direito ( antigo Convento dos Jesuítas) ao lado da Igreja do Espírito
Santo. - Fonte: FUNDAJ
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Entre os hóspedes, algumas personalidades importantes passaram como o presidente
francês Charlles De Gaulle e o presidente americano Eisenhower.
Em 1955 ele passou a ser administrado pelo Grupo Monte Hotéis. Em 1968 passa a ser
administrado pelo Governo do Estado, via EMPETUR. Em 1992 o governador Joaquim
Francisco o desativa e atualmente pertence ao Tribunal de Justiça de Pernambuco, como
Fórum Thomaz de Aquino.
O bairro de Santo Antônio, especialmente no entorno do grande hotel, mantém no conjunto
da paisagem o moderno junto ao antigo de forma harmoniosa e definida por um único
gabarito só quebrado na linha d´água pelo rio Capibaribe. À predominância das águas nesse
trecho reforça uma paisagem horizontal que através do olhar pode ser apreendida (Veras,
2014, p. 36). Pode-se afirmar que valorizar essa frente de água é valorizar e compreender a
arquitetura na paisagem. Outro ponto de muito destaque são as marcas das cúpulas da
igreja do Corpo Santo e de São Francisco. Segundo Neves & Mendonça Júnior (2007),
foram os edifícios religiosos que influenciaram a morfologia urbana e caracterizaram a
estrutura do desenho dos bairros de São José e Santo Antônio de 1654 até 1800 (Neves e
Mendonça Junior, 2007, p.7).
5 Comparação entre o projeto arquitetônico original / atual
No início do século XX, o Grande Hotel foi considerado o mais luxuoso hotel da cidade. E
tinha como uma de suas grandes características a disponibilidade de espaços para chás
dançantes, réveillons e bailes (Revista Pernambuco, 15 de Novembro de 1924), o
caracterizando como um equipamento de lazer a mais na cidade.
O edifício passou por algumas modificações desde o início de sua construção até os dias
atuais, como já citados. Sua configuração externa com paredes arredondadas foi modificada
dando passagem para um prisma retangular sem frisos e ornamentos. As janelas e portas
com arcos também perderam força, sendo implantadas esquadrias retangulares com
persianas móveis (Figuras 4 e 5).
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O objeto de estudo está implantado em lote de quadra inteira, não possuindo recuos laterais
ou frontais, porém ocupa um lugar de grande representatividade no entorno.
Seu destacado prisma retangular, evocando uma monumentalidade, é um símbolo tanto
para a Praça Dezessete como para a cidade do Recife. Possui cinco pavimentos e foi
pensando para ter escadas e elevadores que permitissem o melhor acesso de hóspedes e
funcionários. No térreo havia toda parte de serviços e administração, além de um
restaurante à La Carte, um bar e lojas oferendo diversos produtos, tais como flores, frutas,
bombons, lavanderia, entre outros à sociedade. Esses serviços atraiam a população que
usufruía e apropriava-se desses espaços porque se reconheciam parte dele. A apropriação
social dos espaços nessa época era algo muito comum, o que infelizmente hoje não mais
ocorre nessa área, possivelmente, em decorrência descentralização dessas atividades para
novos locais e a não valorização do espaço público.
No primeiro andar existia o salão nobre, o salão de banquetes e chás, a sala de refeições
das crianças, a sala de refeição íntima, e alguns apartamentos de grande luxo (Revista
Pernambuco, 15 Novembro de 1924), todos com amplas vistas da paisagem. O mesmo
pode ser verificado nos apartamentos dos demais andares, totalizando 131 acomodações
com vistas dos bairros de Santo Antônio, São José e do Recife Antigo. Um grande terraço
ficava na cobertura do edifício de modo a oferecer a cidade uma espécie de mirante, como
também possibilitar a realização de festas. Além da boa localização paisagística, o hotel
possuía uma boa orientação quanto à iluminação e aos ventos.
Atualmente está instalado no edifício, o Fórum Thomaz de Aquino com novas modificações
(figura 6). O térreo perdeu as funções de apoio ao público (Restaurante, lojas e bar). Nas
áreas que justamente existiam os grandes salões hoje está tomado por várias divisórias e
ambientes de sala de trabalho. O edifício na forma que hoje se encontra, perdeu parte da
Figura 4 - Grande Hotel em Construção Fonte: FUNDAJ
Figura 5 - Grande Hotel na década de 50. Fonte: FUNDAJ
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sua identidade não correspondendo aos anseios da edificação histórica e de tanto potencial
para cidade do Recife.
6 Legislações e normas incidentes no objeto
Em análise ao conjunto de diretrizes e leis, foi consultado inicialmente as leis urbanísticas
vigentes do Recife, em especial a Lei de Uso e Ocupação do Solo da cidade do Recife N°
16.176/96 e o Plano Diretor da mesma cidade Lei Nº 17.511/2008. Do ponto de vista da
arquitetura, as legislações do município definem normas de proteção para sítios, edifícios
isolados, conjuntos antigos e ruínas.
De acordo com o Plano Diretor do Recife, 2008, a área em estudo se enquadra nas Zonas
Especiais – ZE, e que segundo esta norma, são áreas urbanas que exigem
tratamento especial na definição de parâmetros urbanísticos e diretrizes específicas
(Prefeitura da cidade do Recife, 2008). No caso do Bairro Santo Antônio, especificamente
onde se encontra o edifício do Grande Hotel do Recife foi constatada uma Zona Especial de
Preservação do Patrimônio Histórico-Cultural- ZEPH, no Setor de Preservação Rigorosa –
SPR (figura 7), cuja definição, de acordo com o Artigo 114 do Plano Diretor do Recife diz:
Art. 114 As Zonas Especiais de Preservação do Patrimônio Histórico- Cultural - ZEPH são áreas formadas por sítios, ruínas, conjuntos ou edifícios isolados de expressão artística, cultural, histórica, arqueológica ou paisagística, considerados representativos da memória arquitetônica, paisagística e urbanística da cidade (p.37).
Figura 6 – Vista do Fórum Thomaz de Aquino e seu entorno Fonte: http://www.infocruzeiros.com/forum
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Segunda a Lei de Uso e Ocupação do Solo da cidade do Recife N° 16.176/96 o Setor de
Preservação Rigorosa – SPR em seu Artigo 16, o Parágrafo Primeiro diz:
O SPR é constituído por áreas de importante significado histórico e/ou cultural que requerem sua manutenção, restauração ou compatibilização com o sítio integrante do conjunto (p. 4).
Grande Hotel
Fazer parte desta Zona de Preservação demonstra a existência de referenciais históricos,
que em conjunto ou isoladamente, constituem a paisagem de mais de séculos do centro do
Recife, evidenciando parte da memória do povo recifense. Esse reconhecimento ocorre
porque segundo Berque, não está na própria natureza, e sim por causa de certa maneira de
ver e de dizer as coisas, indicando a necessidade das relações entre os homens e os
objetos, o material e o imaterial, próprias da paisagem.
O bairro de Santo Antônio junto aos bairros de São José e Ilha do Leite possuem a maior
concentração de Sítios históricos do Recife, preservados por leis municipais, estaduais e
federais, além de outros monumentos protegidos individualmente (Prefeitura do Recife, 1981
apud VERAS, Lúcia, 2014).
O Código do Meio Ambiente e do Equilíbrio Ecológico da Cidade do Recife – CMAEECR,
criado pela Lei No16.243/96 também define em seu Capítulo III – DA PAISAGEM URBANA
DO RECIFE, o seguinte artigo e inciso (Prefeitura da cidade do Recife, 1996):
Art. 86- Consideram-se objeto de proteção imediata os seguintes espaços, ambientes e recintos detentores de traços típicos da paisagem recifense:
Figura 7- Zona Especial de Preservação Histórica Fonte: Plano Diretor do Recife
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III – áreas de descortino e respectivas vistas consideradas, pelos órgãos municipais competentes, como de excepcional beleza, interesse paisagístico, histórico e estético-cultural que emprestam significado e prestígio à história da cidade (p.59).
A legislação reforça, mais uma vez, a importância de se preservar o descortinar das
paisagens.
Levando em consideração outros documentos, normas, e legislações que se relacionam de
modo direto com a preservação da paisagem, podemos destacar: o 2º Guia Prático,
Histórico Sentimental de Cidade Brasileira – Olinda, de Gilberto Freyre e a Chancela da
Paisagem Cultural - instrumento criado em 2009 por intermédio da Portaria do Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), No 127, para promover a preservação
ampla e territorial de porções singulares do Brasil.
Outras referências de importância que destacam a proteção à paisagem são: a Convenção
Européia de Paisagem, o Conselho Internacional de Monumentos e Sítios – ICOMOS, o
Comitê do Patrimônio Mundial da Unesco e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional – IPHAN.
No Estado de Pernambuco, a proteção da paisagem, é demonstrada nos seguintes bases
jurídicas: Lei Nº 7970, de 18 de setembro de 1979 – Institui o Tombamento de bens pelo
Estado e o Decreto Nº 6.239, de 11 de janeiro de 1989 – Regulamenta a Lei Nº7. 970, de 18
de setembro de 1980, que institui o Tombamento de bens pelo Estado.
No Brasil, de uma forma geral, a legislação de proteção do patrimônio cultural vem sendo
mencionada desde a década de 1930 com o advento de normas constitucionais e
infraconstitucionais. Ao longo do tempo foram sendo ajustadas às novas realidades e hoje
pode ser encontrado na Constituição de 1988 o seguinte texto:
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (EC nº 53/2006)
[...]
III – proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos.
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
[...]
VII – proteção ao patrimônio histórico, cultural artístico turístico e paisagístico;
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É notório que a proteção à paisagem através de documentos e normas vem ganhando
bastante destaque nas últimas décadas, em virtude do crescente reconhecimento do seu
valor cultural, da possibilidade de se preservar o patrimônio edificado e pelo valor
econômico para a dinâmica urbana.
7 Considerações finais
Ao apresentar os aspectos simbólicos e históricos do Grande Hotel e seu entorno, tendo
como enfoque o descortinar de uma paisagem, foi possível alcançar o objetivo de
demonstrar como o Grande Hotel participou da transformação da paisagem do centro da
cidade do Recife.
Observou-se também que o centro histórico passou por diversos processos de intervenções
que mostram claramente, que a sociedade sempre procurou formas de expressar o ideal de
cada época, refletido os padrões estéticos, econômicos e culturais do momento. Essa busca
fez com que ao longo tempo o Grande Hotel se transformasse, chegando hoje a representar
um equipamento que além de não comportar suas atividades jurídicas não valoriza seu
entorno em virtude da mudança de uso e o abandono que se encontra o bairro de Santo
Antônio.
De modo a reverter parte do processo de declínio dos espaços urbanos centrais, constata-
se que reabilitar esse equipamento seria de grande importância para paisagem da cidade,
tanto por trazer um uso de passado recente de grande apreço simbólico para sociedade
quanto pela possibilidade de se construir uma consciência coletiva para preservação dos
elementos da paisagem, que através de seus atributos podem recuperar os aspectos
identitários para a coletividade.
Referências
AFONSO, Sônia. Urbanização de Encostas: Crises e Possibilidades. O Morro da Cruz como um Referencial de Projeto de Arquitetura da Paisagem. Tese de Doutorado – FAUUSP. 1999.
ANDREOTTI, Giuliana. O senso ético e estético da paisagem. Tradução de: FURLANETTO, Beatriz Helena. Ra’e ga, Curitiba, n.24, p.5-17, 2012.
______. A paisagem através da arquitetura - O edifício Niemeyer em Belo Horizonte . Vitruvius, São Paulo, out. 2013. Disponível em: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/14. 161/4910. Acesso em: 04 ago. 2016
BONAMETTI, Lucia Teresinha. PEIXE; João Henrique. Espaço urbano como comunicação: Signos da paisagem. Revista de Estudos da Comunicação, v. 14, p. 463-478. 2013.
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