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UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE CENTRO DE HUMANIDADES UNIDADE ACADÊMICA DE LETRAS SIMONE SILVA DE ARAÚJO O IMAGINÁRIO DA LÍNGUA NO DISCURSO DA REVISTA LÍNGUA PORTUGUESACampina Grande 2012

O imaginário da língua no discurso da Revista Língua Portuguesa

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Monografia apresentada ao Curso de Letras da Universidade Federal de Campina Grande - UFCG

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE

    CENTRO DE HUMANIDADES

    UNIDADE ACADMICA DE LETRAS

    SIMONE SILVA DE ARAJO

    O IMAGINRIO DA LNGUA NO DISCURSO

    DA REVISTA LNGUA PORTUGUESA

    Campina Grande

    2012

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    SIMONE SILVA DE ARAJO

    O IMAGINRIO DA LNGUA NO DISCURSO DA

    REVISTA LNGUA PORTUGUESA

    Monografia apresentada ao Curso de Letras da

    Universidade Federal de Campina Grande UFCG,

    como requisito parcial para obteno do ttulo de

    Licenciada em Letras.

    ORIENTADOR:

    Prof. Dr. Washington S. de Farias

    Campina Grande

    2012

  • 3

    SIMONE SILVA DE ARAJO

    O IMAGINRIO DA LNGUA NO DISCURSO DA

    REVISTA LNGUA PORTUGUESA

    Monografia apresentada ao Curso de Letras da

    Universidade Federal de Campina Grande UFCG,

    como requisito parcial para obteno do ttulo de

    Licenciada em Letras.

    Aprovada em: _________de__________de__________

    BANCA EXAMINADORA

    _____________________________________________

    Prof. Dr. Washington S. de Farias UFCG (Presidente Orientador)

    _____________________________________________

    Prof. Dr. Alosio de Medeiros Dantas

    (Examinador)

  • 4

    DEDICATRIA

    minha me, Valdecira Arajo Silva, por representar o mais

    autntico exemplo de me e expresso nobre do amor inabalvel pelos

    seus cinco filhos.

  • 5

    AGRADECIMENTOS

    A Deus, por ser essencial na minha vida. Mesmo que invisvel aos meus olhos, Sua

    presena me trouxe a certeza de que eu seria capaz de concluir este trabalho.

    Aos meus pais por sempre se preocuparem comigo e compreender as condies de

    produo desta monografia, conturbada pela falta de tranquilidade e concentrao em um

    ambiente onde inmeros discursos circulavam em voz alta.

    Ao professor Washington S. de Farias, meu orientador, pela extraordinria pacincia

    que teve comigo e pela dedicao prestada ao meu trabalho. Suas contribuies foram to

    imprescindveis que certamente no terei tantas dificuldades em outros trabalhos acadmicos!

    Pelo menos aprendi que meu texto sempre fica melhor a cada nova tentativa de reescrita.

    A todos os professores do curso de Letras por terem sido os grandes responsveis pela

    minha formao pessoal e profissional. Aos pesquisadores da lngua: Adeildo, Anglica,

    Alosio, Luciene, Karine, Sandra, Washington (mais uma vez!), Wellington e Willy; aos

    apreciadores da Literatura: Ariosvaldo, Edilson, Fernanda, Hlder, Marta, Morais e Z Mrio;

    aos maravilhados por idiomas: Edenize, Kelly, Normando, Santana e Sinara. Tambm aos

    visionrios da Educao: Andr, Berto, Ivanildo, Rossana, Silvana e Socorro. A eles meu

    profundo agradecimento e considerao!

    Coordenao do curso de Letras, especialmente ao secretrio Marciano. Uma pessoa

    altamente eficiente, com gosto musical refinado e, sobretudo, bem-humorada, que me ajudou

    sempre no que precisei.

    A todos os funcionrios e funcionrias da Universidade, de maneira especial aos

    bibliotecrios, pela cordialidade e gentileza com que me atendiam. Tambm agradeo a

    ateno dos funcionrios do Restaurante Universitrio e do LAEG, onde eu marcava presena

    diariamente!

    Aos meus amigos inesquecveis e insubstituveis: Lvia, pela to valiosa amizade

    cultivada durante toda a trajetria no curso e pelos momentos vivenciados, at mesmo os mais

    difceis, porque juntas sabamos que quem acredita sempre alcana; e tambm ao meu

    admirvel amigo Wandson, por fazer parte da minha histria e ter contribudo, assim como

    Lvia, para que eu encontrasse sentido em permanecer no curso at o fim. Com eles tudo

    valeu a pena!

    Aos meus colegas de trabalho da Secretaria Municipal de Sade de Picu que sempre

    torceram e me deram apoio para no desanimar diante das dificuldades.

    A todos aqueles que contriburam de alguma forma para que eu obtivesse xito neste

    desafio que tanto procrastinei.

  • 6

    A linguagem no pode ter vindo ao homem, pois ele se supe; para

    que um indivduo possa descobrir seu isolamento (...), necessrio

    que sua relao com o outro, tal como se exprime pela e na

    materialidade da linguagem, constitua-o em sua prpria realidade.

    Jean-Paul Sartre

  • 7

    RESUMO

    Esta pesquisa tem por objetivo analisar a constituio do discurso sobre a lngua,

    especialmente os efeitos de sentido produzidos para represent-la, na revista Lngua

    Portuguesa, da editora Segmento. O corpus da anlise corresponde, portanto, a 12 edies da

    revista referentes ao ano de 2010. Nelas identificamos uma polmica discursiva instaurada nas

    chamadas principais das capas e nas matrias s quais remetem no corpo da revista, uma vez

    que as representaes de lngua constitudas nesses lugares discursivos contrariam o discurso

    do editor em uma carta ao leitor comemorativa dos 5 anos da revista. Enquanto ele afirma que

    o compromisso da revista est voltado para a exposio da diversidade da lngua e sua prtica

    no cotidiano, revelando, assim, uma viso de lngua como meio de interao social, as

    chamadas e as matrias principais dirigem seus sentidos para concepes tradicionais de

    lngua. Nesse caso, a lngua ora apresentada como expresso do pensamento, ora como

    instrumento de comunicao, ou ainda as duas concepes juntas. Nessa perspectiva, nossa

    anlise ser importante porque, alm de contribuir para uma viso crtica sobre a lngua,

    permitir descobrir que elementos do discurso cientfico esto sendo selecionados para

    representar o que considerado como diversidade lingustica e que elementos do discurso

    tradicional persistem. No que diz respeito ao referencial terico desta pesquisa, de carter

    analtico-interpretativa, utilizamos as contribuies de vrios autores da Anlise do Discurso,

    especialmente Eni. P. Orlandi e Helena H. Brando. Assim, realizamos uma anlise discursiva

    nas chamadas principais da revista e em duas matrias de destaque, de modo que foi possvel

    confirmar nossa hiptese, ou seja, de que a constituio do discurso sobre a lngua na revista

    polmica e, por vezes, contraditria. Alm disso, constatamos que os discursos identificados

    se relacionam para produzir uma viso idealizada da lngua.

    Palavras-chave: Discurso. Lngua. Revista Lngua Portuguesa.

  • 8

    ABSTRACT

    This study aims to analyze the constitution of the discourse about language, especially the

    effects of meaning produced to represent it in the Lngua Portuguesa magazine, from the

    Segmento publisher. The corpus of the analysis, therefore, corresponds to 12 issues of the

    magazine referring to 2010 year. In them we identified a discursive polemic established in the

    headlines from principal covers and in the matters to which they refer in the body of the

    magazine, since the representations made in these places discursive language contradict with

    the discourse of the editor in your letter to reader commemorating the 5 years of the

    magazine. While he said that the compromise of the magazine is aimed at the exposure of the

    linguistic diversity and its practice in everyday life, thereby revealing a vision of language as

    a means of social interaction, headlines and principal matters direct their senses to traditional

    conceptions of language. In this case, the language is sometimes presented as an expression of

    thought, or as an instrument of communication, or even the two concepts together. In this

    perspective, our analysis will be important because, in addition to contributing to a critical

    vision about the language, will find that elements of scientific discourse are being selected to

    represent what is considered to linguistic diversity and what elements of traditional discourse

    persist. With regard to the theoretical reference of this study analytical and interpretative we

    use the contributions of several authors of Discourse Analysis, especially Eni. P. Orlandi and

    Helena H. Brando. Thus, we perfomed an analysis of discourse in the principal headlines of

    the magazine and two issues, so it was possible to confirm our hypothesis: that the

    constitution of the discourse about language in the magazine is controversy and sometimes

    contradictory. Moreover, we found that the discourses identified relate to produce an idealized

    vision of language.

    Keywords: Discourse Analysis. Language. Lngua Portuguesa Magazine.

  • 9

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 Capa da revista Lngua Portuguesa, edio n. 59, de setembro de 2010....... 19

    Figura 2 Chamada principal da edio n. 57, de julho de 2010...................................

    26

    Figura 3 Chamada principal da edio n. 62, de dezembro de 2010............................

    27

    Figura 4 Chamada principal da edio n. 54, de abril de 2010....................................

    28

    Figura 5 Chamada principal da edio n. 52, de fevereiro de 2010.............................

    29

    Figura 6 Chamada principal da edio n. 53, de outubro de 2010...............................

    30

    Figura 7 Chamada principal da edio n. 60, de outubro de 2010...............................

    31

    Figura 8 Primeiras pginas da matria principal referente edio n. 51................... 33

    Figura 9 Box Tropeos de pontuao, LP52, p. 33.................................................... 38

    Figura 10 Box Pensar sempre no interlocutor, LP60, p. 45....................................... 42

  • 10

    SUMRIO

    INTRODUO ...................................................................................................................... 11

    2 FUNDAMENTAO TERICA ...................................................................................... 14

    2.1 A ANLISE DO DISCURSO .................................................................................... 14

    2.2 O DISCURSO SOBRE A LNGUA ........................................................................... 16

    3 METODOLOGIA ................................................................................................................ 18

    3.1 DEFINIO E DELIMITAO DO CORPUS ........................................................ 18

    3.2 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS ................................................................ 21

    4 A IMAGEM DA LNGUA NO DISCURSO DA REVISTA LNGUA PORTUGUESA 22

    4.1 VISO GERAL DAS CHAMADAS PRINCIPAIS NAS CAPAS ............................ 22

    4.2 A IMAGEM DA LNGUA NA TENDNCIA ESCRITA DAS CHAMADAS

    PRINCIPAIS ..................................................................................................................... 26

    4.3 A IMAGEM DA LNGUA NA TENDNCIA EXPRESSO ORAL DAS

    CHAMADAS PRINCIPAIS ............................................................................................. 30

    4.4 MATRIAS ................................................................................................................ 33

    CONCLUSO ......................................................................................................................... 44

    REFERNCIAS ..................................................................................................................... 46

    ANEXOS ................................................................................................................................. 48

    ANEXO A Carta ao leitor referente edio n. 58, de agosto de 2010, da revista Lngua

    Portuguesa. ............................................................................................................................... 49

    ANEXO B Capas com as chamadas principais das 12 edies da revista, no perodo de

    janeiro a dezembro de 2010. ..................................................................................................... 50

    ANEXO C Trechos das matrias principais da revista referentes aos focos escrita e

    expresso oral nas edies de nmeros 52 e 60, respectivamente. ....................................... 54

  • 11

    1 INTRODUO

    Ao longo da histria, o discurso sobre a lngua portuguesa no Brasil ganhou vrias

    atribuies de sentido que contriburam para a formao de diferentes vises de lngua.

    comum na sociedade, por exemplo, a presena de uma noo de lngua ideal em confronto

    com outras manifestaes consideradas erradas, ou seja, a variedade padro tida como a

    nica correta, independente da situao comunicativa. Observamos, inclusive, que esse tipo

    de discurso purista materializado atravs de uma srie de instrumentos que circulam no

    meio social, como o caso dos livros didticos, dos manuais de gramtica e tambm das

    revistas especializadas.

    Nessa perspectiva, nos propomos a fazer uma pesquisa cujo objetivo analisar a

    constituio do discurso sobre a lngua, especialmente os efeitos de sentido produzidos para

    represent-la, em uma desses instrumentos, ou seja, em uma revista denominada Lngua

    Portuguesa (LP). Sendo, pois, essa revista o nosso objeto emprico, nos apoiaremos em

    princpios tericos da Anlise do Discurso (AD), tendo como referencial central os trabalhos

    de Eni. P Orlandi (2001, 2008) e Brando (1997) para fundamentar nossa pesquisa.

    Em circulao desde o ano de 2005, a revista Lngua Portuguesa, lanada pela editora

    Segmento, destina-se, alm de educadores e estudantes, a profissionais da rea de

    comunicao e executivos. Segundo o editor da revista, Luiz Costa Pereira Jnior, em uma

    carta ao leitor transcrita na edio n. 58, de agosto de 2010 (comemorao dos cinco anos da

    revista), a proposta do peridico mostrar um painel da diversidade do idioma no

    cotidiano. Para reforar sua posio sobre a lngua ele ainda acrescenta que somos o que

    falamos e h diferentes pontos de vista a serem conhecidos. Dessas afirmaes podemos

    deduzir que a imagem da revista sobre a lngua sustentada, inicialmente, como um

    fenmeno heterogneo, que varia de acordo com o uso adotado pelos falantes no cotidiano.

    Assim, o discurso sobre a lngua est vinculado concepo de lngua como atividade de

    interao humana.

    Todavia, em anlise preliminar de diversos exemplares da revista, constatamos a

    existncia de uma tenso no que diz respeito aos sentidos produzidos sobre a imagem da

    lngua, especialmente quando consideradas as sequncias discursivas referentes s chamadas

    das matrias principais nas capas e as matrias s quais remetem no corpo da revista.

  • 12

    Nas chamadas das capas percebemos a configurao de um discurso tradicional da

    lngua ora como expresso do pensamento, ora como instrumento de comunicao. J em se

    tratando das matrias, identificamos a presena de um discurso sobre a lngua que produz

    efeitos de sentido ora de homogeneidade, ora de heterogeneidade, contrariando, assim, o

    discurso observado na carta do editor, o qual trata a lngua como meio de interao social.

    H, portanto, indcios de que o discurso sobre a lngua na revista funciona em

    configuraes de sentido, por vezes, contraditrias. Isto nos levou a hiptese de que h uma

    polmica discursiva instaurada na revista em anlise acerca da representao da lngua dentro

    dos lugares discursivos que corroboram para esta tenso, ou seja, as chamadas das capas da

    revista e as matrias de destaque.

    Considerando essas constataes iniciais, bem como a inscrio desta pesquisa no

    campo da Anlise de Discurso, isto , associando a produo de sentidos a uma relao entre

    lngua, sujeito e histria, levantamos as seguintes questes de investigao:

    Que efeitos de sentido sobre a lngua a revista Lngua Portuguesa produz?

    Que discursos sustentam tais efeitos de sentido?

    Como os discursos identificados se relacionam na produo dos efeitos de sentido?

    Em virtude, pois, das diferentes representaes de lngua que se materializam no

    discurso da revista Lngua Portuguesa, isto , dos efeitos de sentido produzidos, esta pesquisa

    ser importante porque permitir descobrir que elementos do discurso cientfico esto sendo

    selecionados por ela para caracterizar o que considerado como diversidade lingustica e que

    elementos do discurso tradicional persistem. Alm disso, oportuno destacar que nosso

    objeto de anlise, ou seja, a revista Lngua Portuguesa, um peridico que foi selecionado

    pelo Ministrio da Educao (MEC) para ser distribudo na rede pblica de ensino e que,

    certamente, vem exercendo influncia sobre seu pblico-alvo, principalmente alunos e

    professores, no que se refere imagem da lngua como objeto de ensino e aprendizagem.

    Nessa perspectiva, acreditamos que nossa pesquisa poder contribuir para que esse pblico

    desenvolva uma leitura crtica sobre a imagem da lngua constituda na revista.

    De cunho interpretativo, esta pesquisa tem como corpus doze edies da revista

    Lngua Portuguesa, referentes ao ano de 2010 e est organizada em trs captulos.

    Inicialmente, faremos uma abordagem terica sobre a Anlise do Discurso, situando o leitor a

    respeito da definio do objeto da AD, bem como da sua constituio. Em seguida, no mesmo

    captulo, trataremos do discurso sobre a lngua e suas diferentes concepes.

  • 13

    No segundo captulo caracterizaremos a nossa pesquisa, apresentando o corpus

    selecionado e mostrando os procedimentos metodolgicos adotados para realizar a anlise.

    Esta ter seu desenvolvimento no terceiro captulo, o qual est subdividido em duas partes:

    uma referente anlise das chamadas das capas e outra referente anlise de duas matrias

    localizadas no corpo da revista Lngua Portuguesa.

    Finalizaremos este trabalho fazendo consideraes conclusivas sobre o resultado da

    pesquisa.

  • 14

    2 FUNDAMENTAO TERICA

    Este captulo composto por duas partes: na primeira, apresentaremos a constituio

    do discurso na perspectiva da Anlise do Discurso (AD), apontando e descrevendo aspectos

    que contribuem para o processo de produo de sentidos. Na segunda parte trataremos do

    discurso sobre a lngua, de modo que discorreremos acerca das suas diferentes concepes.

    2.1 A ANLISE DO DISCURSO

    Originada a partir de posies adotadas pela Lingustica, Marxismo e Psicanlise na

    dcada de 60, a Anlise do Discurso (AD) busca, segundo Orlandi (2001, p.15),

    compreender a lngua fazendo sentido. Assim, a referida disciplina, ao reunir as

    contribuies das trs filiaes tericas acabou por constituir um novo objeto de anlise no

    campo da linguagem, visando perceber como funciona o processo de produo de sentidos.

    Este objeto exatamente o discurso. E, segundo a AD, a ideia de discurso no est restrita

    apenas a textos orais, como considerado pelo senso comum. Nem tampouco se caracteriza

    como fenmeno resultante do processo linear da transmisso de mensagens. De acordo com

    Orlandi (2001), o discurso o efeito de sentidos entre locutores. Isso implica dizer que o

    discurso se realiza considerando uma prtica dos sujeitos no mundo, que tem sua

    regularidade, mas que no se caracteriza como sistema fechado. Para a AD, a noo de

    discurso pressupe sua relao com a exterioridade ao associar seu funcionamento a aspectos

    sociais e histricos e as condies de produo envolvidas no processo.

    Nessa perspectiva, o discurso se refere a um conjunto de enunciados produzidos por

    sujeitos inscritos na Histria e materializados em unidades de significao para produzir

    sentidos. Sendo assim, essa relao entre lngua, sujeito e histria compreende as condies

    de produo do discurso. Este s ser possvel de ser analisado quando estiver em sua forma

    materializada observvel, isto , atravs de textos. Desse modo, enquanto o discurso uma

    prtica social que ocorre em situaes historicamente construdas, o texto responsvel por

    tornar possvel a anlise do que foi produzido.

  • 15

    Outro aspecto importante para a constituio de qualquer discurso diz respeito

    memria discursiva ou interdiscurso. Como afirma Orlandi (2001), Todo dizer, na realidade,

    se encontra na confluncia dos dois eixos: o da memria (constituio) e o da atualidade

    (formulao). Neste caso, o interdiscurso est inserido como conjunto de formulaes

    enunciadas pelo sujeito, como ser social e ideolgico, em determinados contextos scio-

    histricos. Acontece, porm, que os discursos produzidos so esquecidos ao longo da histria

    e, por no terem conscincia desse fenmeno, os sujeitos, ao enunciarem algo, consideram-se

    a origem do discurso. Na AD, essa iluso denominada esquecimento ideolgico, ou

    esquecimento nmero um. Todavia, quando o sujeito realiza seu discurso de uma forma,

    desconsiderando outras possibilidades de enunciao, ele est sendo afetado pelo

    esquecimento nmero dois. Nas palavras de Orlandi (2001, p. 35-36), o esquecimento

    estruturante para a constituio do discurso, pois:

    Quando nascemos os discursos j esto em processo e ns que entramos

    nesse processo. Eles no se originam em ns. Isso no significa que no haja

    singularidade na maneira como a lngua e a histria nos afetam. Mas no

    somos o incio delas. Elas se realizam em ns em sua materialidade. Essa

    uma determinao necessria para que haja sentidos e sujeitos.

    H ainda outros conceitos pertinentes AD que esto atrelados memoria discursiva e

    aos esquecimentos, constituindo, assim, dispositivos de anlise do funcionamento da

    linguagem, ou seja, a parfrase e a polissemia. Segundo Orlandi (2001 p. 36), essas so duas

    foras que trabalham continuamente o dizer. No caso da parfrase, h sempre algo no dizer

    que se mantm, isto , as formulaes produzidas so diferentes mas so realizadas a partir de

    um mesmo dizer. J no que se refere polissemia, a significao passa por rupturas e, como o

    prprio nome sugere, o processo de produo de sentidos estar sempre vinculado a sentidos

    diferentes. Portanto, para Orlandi (2001, p. 38):

    [...] a parfrase a matriz do sentido, pois no h sentido sem repetio, sem

    sustentao no saber discursivo, e a polissemia a fonte da linguagem uma

    vez que ela a prpria condio de existncia dos discursos, pois se os

    sentidos e os sujeitos no fossem mltiplos, no pudessem ser outros, no haveria necessidade de dizer. A polissemia justamente a

    simultaneidade de movimentos distintos de sentido no mesmo objeto

    simblico.

  • 16

    Como vemos, a memria do dizer e a formulao dos enunciados representam um

    processo contnuo na prtica do discurso. Alis, isso sugere que a constituio do discurso

    heterognea, uma vez que este atravessado por vrias formaes discursivas, isto ,

    diferentes enunciados dispersos em situaes comunicativas que se entrecruzam no campo do

    interdiscurso e apontam para alguma ideologia. Sendo assim, o discurso no pode ser

    homogneo exatamente porque a lngua e a sociedade tambm no se adequam a esse tipo de

    ideologia.

    Portanto, para os estudos discursivos, a lngua no se projeta somente de maneira

    estrutural, mas um acontecimento em que um ser social e ideolgico denominado sujeito,

    afetado pela histria, produz enunciados que resultam no discurso. Em suma, como afirma

    Orlandi (2001, p. 26): A Anlise do Discurso visa compreenso de como um objeto

    simblico produz sentidos, como ele est investido de significncia para e por sujeitos.

    Para o desenvolvimento da nossa pesquisa, os dispositivos analticos citados sero

    importantes para identificar a tenso existente na constituio do discurso sobre a lngua na

    revista Lngua Portuguesa.

    2.2 O DISCURSO SOBRE A LNGUA

    As diferentes concepes de lngua que circulam na sociedade so, do ponto de vista

    discursivo, diferentes efeitos de sentido produzidos para interpretar a lngua. Assim, essas

    concepes constituem, na verdade, discursos que apontam para imagens e,

    consequentemente, posies sobre a lngua a partir de efeitos parafrsticos ou polissmicos

    encontrados em vrios objetos simblicos, como o caso da prpria revista Lngua

    Portuguesa. Desse modo, importante destacarmos que os discursos que circulam no meio

    social podem constituir o prprio discurso da revista, inclusive produzindo sentidos que

    estabilizem ou dinamizem o sentido da lngua.

    Nessa perspectiva, ao considerarmos as concepes de lngua como discursos

    buscaremos interpretar como se d seu funcionamento nas sequncias discursivas

    selecionadas, ou seja, analisaremos o modo como o discurso sobre a lngua revelado: se

    isolado ou em conjunto, polmico ou em harmonia, dentre outros efeitos paradoxais que

    podem definir o discurso da revista Lngua Portuguesa.

    Existem basicamente trs discursos que contribuem para se pensar a lngua sob

    perspectivas distintas. O primeiro deles diz respeito noo de lngua como atividade

  • 17

    cognitiva ou expresso do pensamento, definida por Marcuschi (2008, p. 59), como o ato de

    criao e expresso do pensamento tpica da espcie humana. Ao considerar a lngua sob

    essa perspectiva exclui-se admitir que ela possua um carter social, ou seja, de acordo com

    esse discurso, o contexto scio-histrico no exerce influncia sobre o sujeito j que a

    organizao do pensamento se d no interior da mente dele. Sendo assim, a lngua

    compreendida como um fenmeno homogneo e esttico, o que acaba privilegiando uma

    nica variedade lingustica, regida por normas tradicionais. Travaglia (1998, p. 38) afirma,

    por exemplo, que a noo de lngua como expresso do pensamento no ensino est

    relacionada a um trabalho prescritivo pois a cada faa isso corresponde a um no faa

    aquilo. Isso revela, portanto, o vnculo da lngua com a gramtica normativa/prescritiva.

    Marcuschi (2008) aponta outra posio para a lngua na qual ela concebida como

    instrumento de comunicao. Desse modo o autor atribui as caractersticas da transparncia e

    da objetividade para essa viso de lngua, considerada por ele como uma das mais ingnuas.

    Neste caso, a lngua tomada como cdigo ou sistema de signos e seu uso est limitado

    apenas simples transmisso de informaes de um emissor a um receptor.

    Entretanto, com base nos estudos discursivos, o conceito de lngua no est

    relacionado capacidade cognitiva do sujeito organizar suas ideias e exteriorizar seu

    pensamento, nem tampouco se refere a um cdigo que precisa ser decodificado, visando

    apenas transmisso de mensagens. A lngua , antes de tudo, uma prtica social que leva em

    considerao o contexto scio-histrico e ideolgico em que os sujeitos da enunciao esto

    inscritos.

    Assim sendo, a concepo de lngua apresentada sugere que ela uma atividade de

    interao humana e, especialmente, heterognea.

    Sero, pois, a partir dessas noes de lngua que procuraremos identificar na nossa

    pesquisa como se d a constituio da lngua no discurso da revista Lngua Portuguesa.

  • 18

    3 METODOLOGIA

    3.1 DEFINIO E DELIMITAO DO CORPUS

    Classificamos esta pesquisa como analtica-interpretativa. Contudo, preciso deixar

    claro que, para a AD, o conceito de interpretao distancia-se do significado comumente

    atribudo, pois est associado relao de incompletude do discurso. Isso quer dizer, segundo

    Orlandi (2008, p.21), que a interpretao no se fecha e, ao analista, cabe a tarefa de

    interrog-la. Sendo assim, a incompletude est presente no discurso porque, de acordo com

    M. Pcheux, todo enunciado intrinsecamente suscetvel de tornar-se outro, diferente de si

    mesmo, de se deslocar discursivamente de seu sentido para derivar para outro (PCHEUX,

    1988 apud ORLANDI, 2008, p. 23). por isso tambm que o sujeito que enuncia no um

    ser individual, mas um ser social, um sujeito ideolgico que dialoga com a fala de outros

    sujeitos.

    Quanto abordagem, por ser de nosso interesse compreender como a imagem da

    lngua est representada no discurso da revista Lngua Portuguesa, estamos tratando de uma

    pesquisa qualitativa. Isso implica dizer que os resultados da pesquisa no so precisos ou

    limitados justamente porque a fonte de investigao no visa comprovar hipteses por meio

    de dados, mas atravs da interpretao.

    Em se tratando do corpus da nossa pesquisa selecionamos 12 edies da revista

    Lngua Portuguesa, da editora Segmento, referentes ao perodo de janeiro a dezembro de

    2010. Desse modo, podemos afirmar que se trata de um corpus discursivo, pertencente ao tipo

    arquivo. Segundo Courtine (1981, p. 24 apud GRIGOLETTO, 2002, p. 63), o corpus

    discursivo diz respeito a um conjunto de sequncias discursivas estruturado com referncia a

    um certo estado e condies de produo do discurso. Nosso corpus tambm classificado

    como arquivo por ser constitudo a partir de um campo de documentos relacionados a um

    assunto (GRIGOLETTO, 2002, p. 64), ou seja, as sequncias discursivas selecionadas so

    provenientes de vrios exemplares de uma revista, tendo o mesmo tema em comum que a

    lngua portuguesa.

    O que nos motivou a fazer esta seleo foi ter encontrado em uma das edies o

    discurso do editor reiterando o compromisso da revista em dar vida longa aos debates sobre a

    diversidade do idioma, conforme podemos observar no editorial digitalizado em anexo.

    Assim ele prope um perfil de lngua que admite a heterogeneidade lingustica e que a partir

    dessa perspectiva que a revista trabalha.

  • 19

    Com relao caracterizao do corpus percebemos que a revista Lngua Portuguesa

    no obedece a um padro rgido de sees, isto , algumas partes que integram os contedos

    podem variar de uma edio para outra. Segue abaixo aquelas que so comuns a todas as

    edies:

    Carta a leitor;

    Cartas;

    Frases;

    Vrgulas;

    Entrevista;

    Tcnica narrativa;

    Dito e escrito;

    Plulas;

    Audiovisual;

    Obra aberta;

    Ensino;

    Linguagem;

    Estilstica;

    Verso Brasileira;

    Prateleira;

    Bero da palavra;

    Plano de aula;

    Figura

    Para a anlise, selecionamos as chamadas principais de 12 edies da revista Lngua

    Portuguesa, referentes ao ano de 2010, localizadas na metade superior das capas, com fontes

    de tamanho maior em relao aos ttulos das outras chamadas da revista, conforme

    observamos a figura 1. Na publicidade, para Figueiredo (2005, p. 13),ttulo ou chamada a

    frase que tem por objetivo chamar a ateno do consumidor em seu primeiro contato com o

    anncio.

    Assim sendo, nas chamadas da revista

    Lngua Portuguesa percebemos que h um

    efeito persuasivo, isto , elas transmitem a

    possibilidade de os leitores conquistarem o

    domnio da lngua de um modo fcil, rpido e

    eficiente. Para tanto, so utilizados alguns

    recursos lingusticos como o foco no leitor por

    meio do emprego, por exemplo, no caso da

    capa mencionada, do pronome possessivo

    seu/sua (Os tropeos de portugus que

    podem comprometer sua imagem e

    reputao), alm do uso de determinados

    elementos que sugerem um carter prescritivo,

    a exemplo do advrbio de modo como

    (Como melhorar seu texto reduzindo o

    nmero de pginas).

    Figura 1 Capa da revista Lngua Portuguesa, edio

    n. 59, de setembro de 2010

  • 20

    Vejamos, a seguir, o quadro com os ttulos e as temticas identificadas nas revistas que

    constituem nosso corpus:

    Quadro 1 Temas das revistas por ordem cronolgica

    EDIO TTULO DA MATRIA

    PRINCIPAL

    TEMAS

    N. 51, janeiro de 2010 Prepare seu portugus Dicas de gramtica e retrica para melhorar a

    expresso em lngua portuguesa, tanto na modalidade

    oral quanto escrita.

    N. 52, fevereiro de 2010 7 Pecados no trabalho Problemas apresentados nas redaes empresariais e

    dicas para evitar erros no mbito da interao

    corporativa.

    N. 53, maro de 2010 Como falar bem Dicas de oratria para apresentaes em pblico.

    N. 54, abril de 2010 Clich Funcionalidade dos clichs e orientaes para evitar

    reproduzir esse recurso de modo inadequado na escrita.

    N. 55, maio de 2010 Ortografia Apresentao dos principais problemas na escrita dos

    brasileiros no que diz respeito grafia.

    N. 56, junho de 2010 Direto ao ponto Estratgias para tornar a comunicao mais rpida e

    eficiente, tanto na modalidade oral quanto escrita.

    N. 57, julho de 2010 Escrever com

    personalidade

    A formao do estilo na escrita do autor como marca

    de personalidade.

    N. 58, agosto de 2010 Aprenda com os mestres A estilstica de autores consagrados da Literatura como

    forma de ensinamento para elaborao de bons textos.

    N. 59, setembro de 2010 Os micos da linguagem Vcios de linguagem mais comuns na grafia, regncia e

    concordncia.

    N. 60, outubro de 2010 A arte de convencer A linguagem retrica como tcnica para

    convencimento e persuaso.

    N. 61, novembro de 2010 Como ser original Dicas de profissionais da escrita para a produo de

    textos criativos.

    N. 62, dezembro de 2010 Como escrever com

    unidade

    Coeso e coerncia como condies para tornar um

    texto encadeado, claro e convincente.

  • 21

    De acordo com a tabela, percebemos que os temas da revista possuem determinadas

    tendncias que se repetem entre as edies: a escrita de textos, a expresso oral e a escrita e

    oralidade. Assim, reagrupamos os temas das chamadas principais a partir dos referidos focos

    temticos. O primeiro grupo contempla 7 edies que correspondem aos nmeros 52, 54, 55,

    57, 58, 61 e 62, constituindo, portanto, o foco temtico de maior incidncia. J o grupo das

    edies que abordam exclusivamente a expresso oral possui 2 edies, sendo elas as de

    nmeros 53 e 60. Por fim, as edies que fazem a interseco das duas temticas somam um

    total de 3, cujos nmeros so os seguintes: 51, 56 e 59.

    importante destacar que uma das caractersticas observadas na revista Lngua

    Portuguesa diz respeito sistematizao dos contedos por meio de dicas. Apesar de tambm

    ser uma tendncia, preferimos no consider-la como um quarto grupo, mas inseri-la nos

    outros, j que os assuntos das edies nas quais o uso do termo dicas incidente dizem

    respeito s tendncias identificadas nos grupos principais.

    Para efeitos de nossa anlise, fizemos um recorte das sequncias discursivas

    observadas nas tendncias da escrita e oralidade, nas chamadas principais e respectivas

    matrias, de modo a analisar a imagem da lngua nesses recortes.

    3.2 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS

    Para analisar a constituio do discurso sobre a lngua na revista Lngua Portuguesa,

    realizamos, inicialmente, uma anlise temtica das chamadas principais contidas nas capas da

    referida revista. Assim, agrupamos essas chamadas, conforme os assuntos tratados nelas, ou

    seja: a escrita, a expresso oral e a escrita e a oralidade ao mesmo tempo.

    A prxima etapa foi fazer uma anlise interpretativa do discurso de cada chamada

    principal a fim de identificar, com base nas diferentes concepes de linguagem, as possveis

    representaes sobre a lngua e as formaes discursivas as quais se filiam tais

    representaes. O mesmo procedimento analtico-interpretativo tambm foi adotado na etapa

    seguinte para analisar o discurso sobre a lngua nas matrias principais selecionadas.

    Por fim, para relacionar os efeitos de sentido identificados, fizemos uma anlise

    comparativa entre os discursos das chamadas principais, das matrias e do editor da revista.

  • 22

    4 A IMAGEM DA LNGUA NO DISCURSO DA REVISTA

    LNGUA PORTUGUESA

    Neste captulo pretendemos analisar como a imagem da lngua est sendo representada

    no discurso da revista Lngua Portuguesa. Na primeira seo do captulo, tomaremos como

    sequncias discursivas para anlise as chamadas das matrias principais da revista a partir de

    duas tendncias temticas identificadas, ou seja, escrita e expresso oral, considerando os

    efeitos de sentido produzidos e identificando que discursos sustentam tais efeitos. Na seo

    seguinte, sero analisadas duas matrias principais, de modo que buscaremos compreender

    como os discursos identificados se relacionam para constituir a imagem da lngua na revista

    mencionada.

    4.1 VISO GERAL DAS CHAMADAS PRINCIPAIS NAS CAPAS

    Observamos, inicialmente, que a estrutura de cada chamada principal composta a

    partir de um ttulo, um subttulo (ou linha de apoio) e uma imagem que visa reforar a ideia

    contida nos textos da chamada. Por exemplo, na edio n. 59, de setembro de 2010, temos o

    ttulo Os micos da linguagem, seguido da linha de apoio Tropeos de portugus que

    podem comprometer sua imagem e reputao e a ilustrao de um macaquinho de brinquedo

    com uma expresso de constrangimento. Sabemos, pois, que a figura do macaco de pequeno

    porte designado como mico est associada a uma situao embaraosa ou que causa

    vergonha, como o caso dos tropeos de portugus, alertados na linha de apoio e apontados

    como responsveis por comprometer a imagem e reputao dos leitores.

    No que diz respeito aos assuntos de que tratam as chamadas das matrias principais,

    podemos afirmar que h uma preocupao especial com a escrita e com a expresso oral.

    Desse modo, recorrente a presena de temas voltados para reas tradicionais de estudo da

    lngua como a gramtica, a estilstica e a retrica. interessante observar que nenhuma das

    chamadas de destaque faz referncia direta leitura, isto , o leitor no convidado a ver a

    leitura como uma prtica cotidiana. O que se subentende que se o indivduo no tiver

  • 23

    domnio das regras apresentadas para produo de textos, como coeso e coerncia, por

    exemplo, isso poder comprometer a leitura.

    Constatamos, porm, que a predominncia temtica da revista est voltada para a

    escrita. Neste caso, so apontados problemas frequentes na produo textual das pessoas que

    no possuem o domnio da norma padro da lngua portuguesa, bem como so oferecidas

    dicas de gramtica e estilstica para evitar os tropeos na modalidade escrita.

    Vimos tambm que as chamadas principais das edies indicam diferentes

    concepes de linguagem. Entretanto, na tentativa de subdividir o grupo de edies que

    tratam da temtica relacionada escrita e expresso oral, de modo a associ-las s referidas

    concepes, deparamo-nos com algumas dificuldades. Isso porque em uma mesma chamada

    podia haver a presena de elementos que remetessem a mais de um discurso sobre a lngua, ou

    seja, esta tanto podia estar sendo representada como expresso do pensamento quanto como

    instrumento de comunicao. Assim, resolvemos analisar as chamadas no s a partir das

    definies de cada concepo, isto , dos discursos sobre a lngua, mas tambm sob a

    perspectiva da viso de sujeito contemplada.

    No que diz respeito s revistas com foco na escrita, partindo da perspectiva da noo

    de lngua como expresso do pensamento, por exemplo, temos como referncia um sujeito

    psicolgico, individual e responsvel por controlar o que diz. Aquele que no consegue se

    expressar de maneira adequada, tanto na modalidade oral quanto escrita, conforme o padro

    ideal de lngua, apresenta deficincia na organizao individual do pensamento. A revista

    Lngua Portuguesa, inclusive, deixa claro esse posicionamento sobre lngua em algumas

    edies ao considerar a materializao do pensamento um impasse agudo na comunicao,

    como observado na edio n. 56: A pessoa pensa em um argumento, mas o expressa por

    palavras muitas das vezes de maneira confusa e distorcida, declara um professor de lngua

    portuguesa citado na matria Direto ao ponto.

    Esse discurso sobre a lngua no considera, portanto, fatores externos ao indivduo, ou

    seja, se trata de um sujeito visto como um ego que constri uma representao mental e

    deseja que esta seja captada pelo interlocutor da maneira como foi mentalizada (KOCH,

    2006, p. 13-14). possvel encontrar vrias outras sequncias discursivas nas edies da

    revista Lngua Portuguesa que evidenciam essa ideia de lngua como expresso do

    pensamento. Na edio n. 51, por exemplo, construes como Vencer o desafio de ser

    entendido e O modo como nos expressamos faz o idioma, presentes na matria Prepare

    seu portugus, denotam a preocupao com a organizao e articulao de ideias do sujeito.

  • 24

    J a gramtica que corresponde a essa noo de lngua a gramtica tradicional ou

    prescritiva. Assim, se a funo da lngua exteriorizar o pensamento faz-se necessrio que o

    indivduo tenha domnio do conjunto de normas e regras estabelecidas para falar e escrever

    bem. De acordo com essas definies foi possvel identificar quatro edies, cujos nmeros

    so os seguintes: 55, 57, 61 e 62. Destas, selecionamos duas para analisarmos mais

    detidamente e exemplificarmos a imagem da lngua como expresso do pensamento (n. 57

    Escrever com personalidade e n. 62 Como escrever com unidade).

    No que diz respeito ao discurso da lngua como instrumento de comunicao, cuja

    definio est vinculada transmisso de mensagens de um emissor a um receptor, tem-se um

    sujeito determinado e assujeitado pelo sistema. A lngua vista como um cdigo que, para ser

    decodificado, precisa ser dominado pelos participantes envolvidos na transmisso e recepo

    da mensagem. Nessa perspectiva, a revista Lngua Portuguesa traz vrias marcas que

    denotam a viso de lngua como instrumento de comunicao, especialmente nas chamadas

    principais das capas, atravs do uso do advrbio de modo como e das famosas dicas.

    Como exemplo disso, temos a chamada principal da edio n. 53: Como falar bem 10

    Dicas de oratria para realizar boas apresentaes em pblico, sem aquele frio na barriga.

    Ainda com relao s capas, outra observao importante que confirma a imagem de

    lngua como instrumento de comunicao est nos assuntos contidos no cabealho, ou seja, na

    parte superior da capa que antecede o nome da revista. Nesse espao encontramos,

    geralmente, temticas voltadas para a escrita, apresentadas atravs de tcnicas e que se

    repetem em diferentes edies, tais como: Tcnicas de escrita, Tcnicas de texto e

    Tcnica narrativa.

    Nesse sentido, a gramtica que est vinculada a essa linha de pensamento a

    prescritiva na qual o indivduo exposto a um conjunto de regras, baseadas no que foi

    convencionado socialmente, a serem adequadas em situaes especficas de uso. Filiadas a

    essa concepo, temos trs edies da revista LP, as de nmeros 52 (7 pecados no trabalho),

    54 (Clich) e 58 (Aprenda com os mestres), de modo que utilizaremos as duas primeiras para

    ilustrar nossa anlise.

    No que se refere s edies reservadas a assuntos de expresso oral, procedemos da

    mesma maneira que fizemos com as chamadas relacionadas tendncia escrita e

    identificamos duas chamadas que apontam para a imagem da lngua como instrumento de

    comunicao, ou seja, as de nmeros 53 (Como falar bem) e 60 (A arte de convencer).

    Verificamos ainda que a retrica um recurso bastante explorado pela revista como tcnica

  • 25

    empregada nos discursos em pblico e em outras situaes nas quais o falante precise falar de

    modo convincente, como o caso do ambiente corporativo. Na edio n. 60, por exemplo, o

    texto da matria principal traz a opinio de um consultor de criatividade e negociao a

    respeito da importncia de convencer algum: Num mercado altamente competitivo e em

    acelerada mudana, a habilidade de comunicar ideias e convencer as pessoas da necessidade

    de mudanas essencial. Nestas circunstncias, o domnio das tcnicas de persuaso cria um

    diferencial valioso (p. 42). Sendo assim, percebemos que a modalidade da expresso oral na

    revista contempla, especialmente, o pblico pertencente ao chamado mundo dos negcios.

    Como podemos observar, no h filiaes da revista em relao concepo de lngua

    como forma de interao social em nenhuma das doze chamadas. Nesse outro tipo de

    compreenso, a funo do sujeito no apenas exteriorizar o pensamento ou decodificar

    mensagens, mas realizar uma atividade social baseada na interao humana. Alm disso, a

    lngua no estudada isoladamente, pois necessrio que sejam considerados fatores externos

    ao sujeito, como o contexto scio-histrico no qual ele est inserido. Nessa perspectiva, as

    edies analisadas no evidenciam, em suas chamadas principais, a presena de marcas da

    concepo de lngua como processo de interao.

    Assim sendo, o discurso das chamadas principais referentes ao foco escrita e

    expresso oral, ao se filiarem s concepes de lngua acima descritas, produzem um efeito

    contraditrio se comparado ao discurso do editor da revista na carta ao leitor escrita na edio

    de aniversrio de cinco anos, onde afirma que o compromisso da revista mostrar um painel

    da diversidade do idioma no cotidiano. Desse modo, enquanto o discurso do editor est

    inscrito em uma filiao sobre lngua que considera como heterognea e, sobretudo, como

    prtica social, o discurso das chamadas das matrias principais remete s concepes

    tradicionais que tratam a lngua de forma homognea.

    A seguir, demonstraremos, com maior detalhamento, o funcionamento dessas

    chamadas, conforme as tendncias apresentadas. Vale destacar que no trataremos dos

    exemplares da tendncia escrita/expresso oral, correspondente s edies de nmeros 51,

    56 e 59, uma vez que a imagem que ela representa da lngua se orienta pelas mesmas

    concepes analisadas a seguir.

  • 26

    4.2 A IMAGEM DA LNGUA NA TENDNCIA ESCRITA DAS CHAMADAS

    PRINCIPAIS

    Ao observarmos a referida chamada percebemos que o efeito de sentido sobre a escrita

    parte do pressuposto de que ela tratada sob a perspectiva do estilo. Inclusive, o ttulo traz

    uma palavra-chave que personalidade, ou seja, uma qualidade caracterstica do indivduo.

    Assim, a materializao do texto escrito tida como resultado de um ato de criao

    individual, de modo que a maneira como o sujeito organiza suas ideias, revela, portanto, seu

    pensamento. Dessa forma, a concepo de sujeito relacionada a esse subjetivismo

    individualista a de um sujeito consciente que possui autonomia para organizar suas ideias e

    exterioriz-las, ou seja, um sujeito capaz de completude individual que produz textos lgicos,

    coerentes e dentro dos padres estabelecidos para se escrever bem.

    No que diz respeito ao subttulo da chamada, temos o termo marca e a expresso

    estilo prprio que reforam a ideia de personalidade. Apesar de parecer que a proposta de

    escrita criada a partir de um estilo prprio indique a possibilidade de o indivduo utilizar-se de

    diferentes variedades lingsticas, remetendo, dessa forma, noo de lngua como meio de

    interao social, h a presena de um elemento do discurso da gramtica

    prescritiva/normativa, no subttulo, que contradiz tal discurso. Estamos falando do advrbio

    de modo como, presente em grande parte das chamadas, empregado em situaes as quais

    so apresentados caminhos, orientaes ou estratgias a serem seguidas para se atingir algum

    objetivo.

    Sendo assim, o discurso sobre a lngua escrita na chamada acima tambm se filia a um

    discurso sobre a lngua como expresso do pensamento. O foco da chamada est no autor do

    texto e em sua capacidade individual de se expressar criativamente atravs da lngua sem

    desviar normas que a regem. importante, pois, de acordo com a chamada, que ele imprima

    Figura 2 Chamada principal da edio n. 57, de julho de 2010.

  • 27

    sua marca e seu estilo com personalidade a fim de criar uma imagem que possa ser

    reconhecida.

    Nesta chamada, encontramos um diferencial ao fazermos a relao com o ttulo da

    chamada anterior. Enquanto a primeira omite o advrbio de modo como em: Escrever com

    personalidade, a segunda aparece com a referida marca de prescrio: Como escrever com

    unidade. De qualquer modo, ambas colocam a escrita em evidncia. Quanto palavra de

    destaque na chamada acima, ou seja, unidade, sabemos que ela remete a dois critrios de

    textualidade responsveis pela organizao e pelo sentido do texto: a coeso e a coerncia. A

    falta de unidade em um texto, portanto, indica que o indivduo no tem domnio sobre esses

    conceitos e, consequentemente, tem dificuldades em aplic-los.

    Nessa perspectiva, o texto concebido como produto lgico resultante da

    exteriorizao do pensamento do autor, uma vez que, se os critrios de textualidade no forem

    obedecidos, isso ir atrapalhar a leitura, conforme o que alerta o subttulo da chamada. A

    proposta da edio, portanto, est justamente em ajudar o leitor a evitar as contradies e

    quebras de raciocnio que denunciam um pensamento desorganizado no ato da escrita.

    Assim, a m articulao da lngua deve ser evitada. Neste caso, o sujeito tratado tal qual

    observamos no exemplo anterior, ou seja, um sujeito individual, psicolgico, controlador, que

    tem a funo de atingir o leitor por meio da escrita.

    Ao sugerir isso, a revista produz efeitos de sentido sobre a lngua como fenmeno

    homogneo, concebendo-a como um sistema abstrato, estvel e imutvel, caractersticas que

    filiam a chamada sob anlise ao discurso da lngua como expresso do pensamento.

    Figura 3 Chamada principal da edio n. 62, de dezembro de 2010.

  • 28

    Nesta chamada o tema da matria de destaque j exposto de maneira direta no ttulo,

    representado apenas pelo termo clich. No dicionrio Aurlio (2001) a definio para clich

    o mesmo que lugar-comum, ou seja: argumento, ideia ou expresso muito conhecida e

    repisada; chavo. Assim, por ter um significado comum e negativo, o prprio nome clich,

    por si s, j provoca o efeito de sentido desejado no leitor quanto temtica proposta,

    sinalizando, pois, uma espcie de advertncia.

    O subttulo, por sua vez, chama a ateno do leitor para a imagem negativa no

    emprego do clich na linguagem escrita, evidenciada pelos adjetivos padronizada e

    repetitiva. No entanto, vale destacar que a linguagem padronizada a qual a chamada faz

    referncia no corresponde noo de norma padro da lngua portuguesa. Isso porque,

    segundo a matria, a repetio de imagens desgastadas denuncia a preguia mental e limita

    escrita do brasileiro.

    No entanto, a revista recomenda que o leitor escape desse tipo de linguagem na

    modalidade escrita. Ao fazer essa recomendao na chamada, a revista est remetendo

    concepo de lngua como instrumento de comunicao, ou seja, a lngua concebida apenas

    como funo de transmisso de mensagens de um emissor a um receptor. Nesse sentido, o

    sujeito assujeitado pela lngua enquanto sistema e, portanto, inconsciente do que diz. No

    caso do clich, por exemplo, o sujeito faz uso desse recurso sem ter noo que est

    reproduzindo um discurso anterior.

    Figura 4 Chamada principal da edio n. 54, de abril de 2010.

  • 29

    A chamada da figura 5 est dirigida a um pblico especfico, ou seja, executivos que

    trabalham em empresas e que precisam melhorar a comunicao no ambiente corporativo de

    modo eficiente. Por isso, a escrita vista como diferencial na conquista do sucesso.

    A propsito, destacamos dois termos que chamaram a nossa ateno nesta chamada:

    pecados e erros, deslocando a discusso sobre a lngua do campo lingustico ou

    estilstico para o religioso. O primeiro remete ao discurso da moral religiosa, segundo o qual o

    sujeito que se desvia dos preceitos cristos comete pecados e, como consequncia,

    condenado ao fogo eterno. Inclusive podemos perceber que a imagem do homem que

    acompanha a chamada est caracterizada com elementos atribudos a uma entidade maligna

    (com chifres e olho vermelho). Assim, o efeito de sentido que a chamada provoca de que a

    lngua, na condio de norma padro, deve ser seguida por todos, uma vez que sua

    transgresso ou desvio acarretar em algo extremamente negativo, como um pecado.

    Outra filiao de cunho religioso dessa chamada a intertextualidade que ela faz com

    os famosos 7 Pecados Capitais. No caso da chamada, trata-se de 7 pecados cometidos no

    trabalho e no mbito da escrita, que podem prejudicar a carreira e o desempenho profissional

    do sujeito. Desse modo, se ele no cumprir com os mandamentos estabelecidos pela norma

    padro da lngua que regulamenta o falar e escrever bem, ento este sujeito no ter

    salvao, isto , no ter xito como recompensa e o trabalho poder se tornar um

    inferno.

    O segundo termo destacado, ou seja, erros, sugere a noo de fracasso, podendo-

    se deduzir o contrrio, isto , os acertos possibilitariam o sucesso profissional. Entretanto,

    na prtica, vemos que o domnio da lngua no , necessariamente, um fator determinante para

    Figura 5 Chamada principal da edio n. 52, de fevereiro de 2010.

  • 30

    ascenso de cargo ou funo. A propsito disso, vale lembrar a afirmao de Bagno (1999, p.

    89) de que se o domnio da norma padro fosse realmente um instrumento de ascenso na

    sociedade, os professores de portugus ocupariam o topo da pirmide social.

    Essa declarao apontada por Bagno desmistifica a noo de lngua representada na

    chamada principal, ou seja, como instrumento de comunicao. O sujeito, por sua vez,

    aparece como algum incompleto que necessita apropriar-se de mecanismos estruturais da

    lngua e incorpor-los para no cometer deslizes nas redaes empresariais.

    4.3 A IMAGEM DA LNGUA NA TENDNCIA EXPRESSO ORAL DAS

    CHAMADAS PRINCIPAIS

    Nesta chamada o leitor convidado a conhecer estratgias que lhe permitam falar

    bem em uma situao comunicativa especfica, ou seja, nas apresentaes em pblico. A

    expresso destacada sugere, pois, uma noo de lngua voltada para o conceito de certo e

    errado presente no discurso da gramtica normativa. Alm disso, a chamada contm marcas

    prescritivas evidenciadas pelo emprego do advrbio de modo como, no ttulo, e do termo

    dicas no subttulo. Nesse sentido, a lngua est sendo representada como instrumento de

    comunicao, a partir do qual o sujeito transmite mensagens a um pblico por meio da

    oratria, isto , atravs de um conjunto de tcnicas e regras utilizadas no discurso com

    finalidade de influenciar os ouvintes. H, portanto, um predomnio do tu na atividade

    comunicativa, uma vez que o objetivo do sujeito no estabelecer uma interao com os

    interlocutores, mas uma mera transmisso de mensagens. Esse comportamento aponta para

    Figura 6 Chamada principal da edio n. 53, de outubro de 2010.

  • 31

    uma viso de sujeito, tanto o que fala quanto o que ouve, separado do seu contexto social,

    assujeitado e determinado pelo sistema.

    Outros elementos importantes do texto da chamada so as expresses frio na barriga

    e garganta seca, no subttulo, que correspondem a sensaes desagradveis reveladas em

    um sujeito inseguro, cujo grau de domnio da lngua mostra-se de forma deficiente.

    Entretanto, o efeito de sentido que o subttulo da chamada sugere que o sujeito pode superar

    essas sensaes desagradveis, bastando, para isso, seguir as dicas apresentadas. Ao utilizar

    esse elemento do discurso tradicional, a revista produz uma representao de lngua como um

    instrumento fcil de ser usado, harmnico e objetivo, contradizendo, portanto, o discurso da

    lngua como atividade social que a considera como um fenmeno complexo e heterogneo.

    No ttulo da chamada acima destacamos, primeiramente, o termo arte que, associado

    ao termo convencer, remete retrica como tcnica de comunicao oral. Assim,

    percebemos que a inteno da chamada de ensinar ao leitor como transmitir mensagens, de

    modo que estas sejam captadas pelos destinatrios a partir da argumentao. Isso

    evidenciado no subttulo pela expresso defender suas ideias, na qual se subentende que no

    existe uma relao de interao entre o eu e o tu, mas apenas de transmisso de um eu

    emissor para um tu receptor, como no caso da chamada anterior, que trata a lngua como

    instrumento de comunicao. Alm disso, elementos como a expresso no cair de gaiato na

    conversa dos outros reforam a imagem de um sujeito lgico e coerente que apenas transmite

    mensagens com finalidade persuasiva, sem que ocorra nenhum tipo de interao. Vale

    destacar ainda que essa expresso denota informalidade, pois se trata de um lugar-comum

    Figura 7 Chamada principal da edio n. 60, de outubro de 2010.

  • 32

    empregado na tradio oral. Isso sugere uma estratgia de marketing tpica da linguagem

    publicitria usada com finalidade de aproximao do pblico leitor. Entretanto, o efeito de

    sentido da referida expresso, ao denotar informalidade, no parece coerente com o discurso

    geral das chamadas, uma vez que elas tm como objetivo motivar os leitores a dedicarem

    ateno especial ao cuidado com o emprego da lngua conforme a norma padro.

    Aps analisarmos as chamadas principais das revistas, considerando os focos escrita e

    oralidade, constatamos que os efeitos de sentido sobre a lngua que a revista Lngua

    Portuguesa produz no coincidem com o discurso do editor, isso porque s foi possvel

    encontrar elementos do discurso tradicional da lngua. Assim, os discursos que sustentam os

    efeitos de sentido identificados funcionam de modo harmnico e parafrstico nas chamadas

    principais ao representarem a lngua ora como expresso do pensamento, ora como

    instrumento de comunicao ou ainda os dois em conjunto. Desse modo, apesar de

    constiturem discursos diferentes ambas as representaes se relacionam no sentido de sugerir

    a mesma noo de lngua, isto , como um fenmeno homogneo, estvel, transparente, que

    deve ser aprendido conforme a variedade padro. Por outro lado, a ausncia de elementos do

    discurso cientfico sobre a lngua nas chamadas indica que o dizer podia ser outro. Trata-se,

    neste caso, do esquecimento nmero dois, ou seja, da iluso referencial a qual nos faz

    acreditar que h uma relao direta entre o pensamento, a linguagem e o mundo, de tal modo

    que pensamos que o que dizemos s pode ser dito com aquelas palavras e no outras

    (ORLANDI, 2001, p. 35).

    Nessa perspectiva, a constituio do discurso da lngua nas chamadas principais

    contribuem para o silenciamento de outros sentidos que estejam vinculados, por exemplo,

    ao discurso da lngua como atividade e processo de interao entre os sujeitos.

  • 33

    4.4 MATRIAS

    Nesta seo, analisaremos a imagem da lngua nas matrias de destaque da revista

    referentes s chamadas principais de duas edies: a edio de n. 52 (7 pecados no

    trabalho), representando a temtica escrita, e a edio de n. 60 (A arte de convencer),

    representando a temtica expresso oral.

    No que se refere organizao geral das matrias na revista Lngua Portuguesa,

    observamos que elas obedecem a uma mesma estrutura composicional, ou seja, costumam ter

    um texto principal, assinado, e uma srie de boxes ilustrados, que assumem, em grande parte

    das edies, maior destaque do que o prprio texto principal. Isso porque os boxes contm

    justamente as dicas, prescries, estratgias e orientaes sobre a comunicao oral e escrita

    s quais as chamadas principais fazem referncia.

    O texto principal, por sua vez, possui a funo de introduzir o tema, apresentando,

    muitas vezes, a opinio de especialistas. Portanto, comum encontrarmos declaraes de

    professores de lngua portuguesa, tericos na rea da linguagem e da comunicao, bem como

    citaes de escritores famosos para embasar o que a matria principal pretende abordar.

    Acerca da quantidade de pginas destinadas s matrias principais, verificamos que podem

    variar de 4 a 8 pginas.

    Para visualizar melhor a disposio do contedo nas matrias, reproduzimos, a seguir,

    uma parte digitalizada da matria principal referente edio n. 51. Nela, o texto aparece

    somente na primeira pgina e, nas seguintes, so apresentadas as dicas para o leitor preparar

    seu portugus.

    Figura 8 Primeiras pginas da matria principal referente edio n. 51

  • 34

    Vimos, na anlise das chamadas principais, que os efeitos de sentido produzidos sobre

    a lngua nos direcionam para representaes tradicionais, sustentadas pelo discurso da lngua

    como expresso do pensamento e como instrumento de comunicao. Alm disso,

    percebemos que esses discursos aparecem em harmonia na tentativa de instaurar a imagem da

    lngua como objeto a ser aprendido e usado com propriedade, tanto na escrita quanto na fala.

    Desse modo, constatamos a ausncia do discurso da lngua como fenmeno heterogneo,

    refutando, assim, a possibilidade de pens-la a partir de suas variedades lingusticas ou de sua

    heterogeneidade.

    A seguir, analisaremos as duas matrias principais selecionadas para verificarmos se

    os discursos apresentados nas chamadas principais se repetem ou no nas matrias e como

    eles funcionam para produzir sentidos sobre a lngua. Faremos, portanto, recortes de

    sequncias discursivas representativas, tomando como ponto inicial o ttulo das matrias,

    seguido do texto principal e dos boxes.

    No caso da nossa primeira matria para anlise, referente edio n. 52, assinada por

    Lgia Velozo Crispino, professora de portugus e uma das proprietrias da Companhia de

    Idiomas, temos o seguinte ttulo e subttulo:

    Pecados corporativos Os problemas de escrita nas empresas que podem tornar a comunicao profissional um inferno.

    Observamos, nesta composio de ttulo e subttulo, que ocorre uma parfrase com a

    chamada da matria localizada na capa. No entanto, nesta nova formulao, a substituio de

    alguns termos e expresses no interferiu no efeito de sentido sobre a lngua, isto , ela

    continua sendo representada sob a perspectiva do discurso tradicional. Por exemplo, a

    alternativa de substituir a expresso erros de redao, presente na chamada principal, por

    problemas de escrita, na matria, produz efeitos de sentido semelhantes ao discurso da

    lngua como expresso do pensamento e como instrumento de comunicao.

    Partindo para a anlise texto introdutrio, observamos que a autora fala da importncia

    da comunicao como diferencial para o sucesso e comenta sobre o problema que algumas

    pessoas enfrentam no ato comunicativo:

  • 35

    A comunicao um ato dirio e constante, que faz a diferena entre o

    sucesso e o fracasso de relaes profissionais, pessoais e familiares. No

    entanto, muitas pessoas preferem transferir o problema ao leitor ou

    interlocutor, afirmando que ele no capaz de entender sua mensagem.

    Nunca param para analisar que a limitao pode estar na maneira como se

    expressam (LP52, p. 281; grifos meus).

    Nessa sequncia discursiva a lngua vista como instrumento de comunicao, uma

    vez que a autora enfatiza seu papel no sucesso ou fracasso das pessoas, ou seja, o uso

    individual e pragmtico da lngua privilegiado em detrimento de outras variedades

    lingusticas. Isso quer dizer que se as pessoas falam e escrevem bem nas relaes

    profissionais, pessoais e familiares ento sero sempre bem sucedidas, do contrrio, sero

    fracassadas. Alm disso, ela aponta para um problema que envolve o modelo tradicional de

    comunicao, ou seja, a decodificao na transmisso de mensagens de um emissor a um

    receptor. No entanto, Crispino deixa claro que a limitao no parte dos receptores, mas dos

    prprios enunciadores que no sabem se expressar de maneira adequada. Desse modo, a

    lngua passa a ser vista como expresso do pensamento, pois a maneira como os sujeitos se

    expressam posta em foco.

    No pargrafo seguinte a autora alerta:

    Para eliminar essa barreira comportamental rumo ao sucesso na

    comunicao, temos de deixar de lado a postura egosta que registramos na

    infncia (LP52, p. 28; grifos meus).

    Nessa sequncia, o efeito de sentido criado sobre a lngua o mesmo da sequncia

    anterior, ou seja, de que a lngua um instrumento de poder ou a frmula para o sucesso. No

    entanto, a autora alerta para a necessidade das pessoas abandonarem a postura egosta que

    registram na infncia, ou seja, se elas no se esforarem desde cedo para evitar erros na

    comunicao ento isso poder gerar uma barreira comportamental que implicar no

    fracasso pessoal e profissional.

    Nos dois casos, o uso eficiente da lngua tomado como uma questo meramente

    individual, sem nenhum condicionante externo.

    Aps essa contextualizao, a autora chama a ateno do leitor para a importncia da

    comunicao no mundo corporativo, uma vez que no existe mais a figura da secretria

    1Para simplificar o formato das citaes da revista Lngua Portuguesa, utilizaremos, deste ponto em diante, a

    abreviatura do ttulo da revista seguida do nmero do exemplar e da pgina citada. No consideramos necessrio

    indicar o ano j que, conforme a descrio do corpus desta pesquisa, todas as edies pertencem ao ano de 2010.

  • 36

    responsvel pela elaborao e reviso das redaes empresariais. Por isso, expressamente

    recomendado que os funcionrios dediquem ateno especial ao domnio da lngua portuguesa

    pois, como afirma a autora:

    Na era do conhecimento e da internet, em que qualquer funcionrio escreve

    e-mails para toda e qualquer empresa, fornecedores e clientes, e no raro

    escreve em nome da empresa, a exigncia da comunicao eficiente em

    portugus tornou-se fundamental. O e-mail se consolidou como uma

    ferramenta de comunicao corporativa, mas tambm um documento que,

    na maioria das vezes, ficar arquivado por muito tempo, um registro de erros

    (LP52, p. 28; grifos da autora).

    Em seguida, o texto se desenvolve a partir de trs tpicos: Domnio, no qual so

    apontados aspectos formais da lngua; Tom, que trata da entonao dos leitores na

    comunicao escrita; e Mudana, que visa motivar os leitores na busca pelo

    aperfeioamento da lngua.

    No primeiro tpico, isto , Domnio, a autora menciona alguns elementos bsicos

    que envolvem a correo formal da escrita e, consequentemente, o bom domnio do

    portugus. So eles: vocabulrio, gramtica, ortografia, pontuao e acentuao. Desse modo,

    o efeito de sentido que a presena desses elementos cria de que a lngua est reduzida a

    aspectos formais. Constatamos que a autora enfatiza a importncia do vocabulrio na

    ascenso profissional, estabelece um conceito para gramtica e para pontuao e orienta os

    leitores quanto aos cuidados com as correes automticas ou sugeridas na ortografia e na

    acentuao pelos corretores eletrnicos, uma vez que estes, segundo a autora, no so

    totalmente confiveis.

    interessante destacar ainda a definio que a autora apresenta sobre gramtica, que

    se filia explicitamente concepo de lngua como expresso do pensamento. Nesse sentido,

    Crispino afirma:

    Gramtica o meio pelo qual estruturamos nossos pensamentos. o

    conjunto de regras que permite a relao harmnica e coerente entre as

    palavras (LP52, p. 30; grifos meus).

  • 37

    O tpico Tom, por sua vez, traz apenas uma pequena observao quanto s diversas

    possibilidades de entonao que as pessoas podem dar ao lerem um texto:

    Tudo depender de seu humor no momento da leitura e tambm com o

    relacionamento que se tem com o responsvel pela redao do texto (LP52,

    p. 33; grifos meus).

    Como podemos perceber, as expresses destacadas do nfase lngua como um

    fenmeno subjetivo e acabam contrariando, assim, a ideia de que as tcnicas utilizadas para

    aperfeioamento da lngua seriam suficientes para evitar imprecises na comunicao escrita.

    Finalmente, o tpico Mudana sugere a ideia de que o profissional o principal

    responsvel pelo seu aprimoramento e empregabilidade, sendo o domnio da lngua

    decisivo para isso. Assim, a autora chama ateno do leitor para o fato de que H problemas

    clssicos de lngua portuguesa que prejudicam a comunicao de um profissional dentro da

    empresa (LP52, p. 33). Nessa perspectiva, os problemas clssicos so vistos como

    impasses no processo de reconhecimento das ideias exteriorizadas pelo sujeito, podendo

    impedir o sucesso do profissional no mbito corporativo. Entretanto, identificamos, no final

    do tpico, uma afirmao da autora que contraria a ideia de lngua como algo imutvel

    quando ela diz que a lngua viva e est em constante mudana. Estudar portugus um

    eterno desafio (LP52, p. 33).

    Aps anlise do texto principal, constatamos que o discurso da matria orienta para

    uma viso predominantemente instrumental da lngua, cujo uso tomado como algo que

    depende predominantemente do indivduo. Sendo assim, os recortes analisados sugerem uma

    viso idealizada da lngua a ser adotada no ambiente corporativo como meio de os

    empresrios conquistarem a excelncia na comunicao e o sucesso profissional.

    Partindo para a anlise dos boxes que integram a matria principal, no total de sete

    (Os polmicos haver e fazer; Males da crase; Planeje o que vai escrever;

    Intensifique a leitura; Conjugaes de irregulares e subjuntivo; Concordncia complexa

    e Tropeos de pontuao.), observamos que neles a autora apresenta os problemas que

    considera mais frequentes nas redaes empresariais, de modo geral consistindo em

    problemas de ordem formal, conforme se pode observar nos temas dos boxes. Apesar disso,

    tambm foi possvel encontrar dois boxes com recomendaes para os leitores acerca do

    planejamento da escrita e da intensificao da leitura.

    No que diz respeito aos boxes que apontam para os pecados de ordem formal,

    verificamos que os ttulos e subttulos de cada um chamam ateno pelo fato de conterem

  • 38

    Figura 9 Box Tropeos de pontuao, LP52, p. 33

    elementos que representam o discurso da

    lngua como instrumento de

    comunicao. o caso dos seguintes

    ttulos, por exemplo: Os polmicos

    haver e fazer; Males da crase; e

    Tropeos de pontuao. Este ltimo,

    pertence ao box reproduzido na figura ao

    lado, cujo subttulo tambm merece

    destaque pela presena das expresses

    erros graves e cuidados redobrados.

    Assim, esses elementos

    constituem evidncias de que a lngua

    funciona como algo transparente e

    homogneo. Alm disso, a valorizao

    desse discurso que v a lngua como um

    sistema estvel cria a necessidade nos

    indivduos de suprirem suas carncias

    lingusticas provenientes, segundo tal

    discurso, da possvel falta de conhecimento ou domnio dos cnones da norma padro.

    Para descrever algumas dessas carncias lingusticas nas redaes empresariais, a

    autora apresenta exemplos de construes equivocadas e como estas deveriam ser.

    Percebemos que Crispino opta pelo uso do termo equivocado ao invs de errado para

    descrever os problemas mais frequentes quanto aos deslizes gramaticais na escrita.

    A escolha por essa palavra j denota uma viso de lngua menos purista, apesar de a

    inteno estar voltada para a prescrio de se escrever bem. Entretanto, ela no faz o mesmo

    com o termo correto, isto , ao invs de apresentar para os leitores o uso equivocado e

    adequado da lngua ela mostra o equivocado e o correto. Isso denota que h uma

    relao parafrstica entre a noo de equvoco e de erro. Alm desse box, a estratgia tambm

    se repete nos demais que tratam do uso dos verbos haver e fazer, concordncia verbal e

    conjugao de verbos irregulares e no subjuntivo.

    Desse modo, identificamos, nestes recortes, discursos que se vinculam a diferentes

    filiaes sobre a lngua, mas que coexistem no mesmo lugar discursivo. Apesar de a imagem

    da lngua continuar sendo considerada sob uma perspectiva instrumental, a presena do termo

  • 39

    equvoco, proveniente do discurso da gramtica reflexiva, permite outras interpretaes que

    podem ser atribudas noo de lngua, no caso, como meio de interao social.

    Entretanto, essa viso de lngua menos uniforme e que tem seu uso valorizado no dia-

    a-dia tambm aparece, de forma mais explcita, no box Intensifique a leitura. Nele, a autora

    prope a leitura de textos de diversos gneros textuais como meio de aquisio de

    conhecimentos e tcnicas de aprendizagem consciente da lngua. importante destacar o

    termo consciente justamente pelo fato de que isso contraria os preceitos gramaticais ao fugir

    do princpio da memorizao de regras para a aprendizagem da lngua. Nas palavras da autora

    da matria ela incentiva que o leitor volte a estudar: H muitos cursos de reciclagem em

    portugus que focam em aprimoramento em comunicao oral e escrita. No so cursos que

    se preocupam em revisar regras, mas melhorar a qualidade da comunicao atravs da

    prtica (LP52, p. 32).

    Considerando, pois, os discursos analisados no texto principal e nos boxes

    constatamos que a lngua predominantemente representada como instrumento de

    comunicao. Isso porque a inteno da matria como um todo apontar problemas que

    envolvem o processo de comunicao e oferecer solues para que os leitores alcancem o

    objetivo de transmitir mensagens no ambiente corporativo de forma correta e eficiente.

    Entretanto, foi possvel encontrar nas mesmas sequncias discursivas outras

    orientaes de sentido sobre a imagem da lngua, isto , discursos que apontam para uma

    viso de lngua ora expresso do pensamento, ora como forma de interao social. Apesar

    desses discursos no se manifestarem de forma to explcita, mas apenas devido presena de

    elementos representativos, percebemos que eles estabelecem certo conflito em relao ao

    discurso predominante sobre a lngua.

    O mesmo ocorre na outra matria selecionada para a anlise, referente ao foco

    expresso oral, edio n. 60, que tem como ttulo e subttulo:

    A atrao pelo argumento Especialistas garantem que estudar a arte de convencer os outros virou necessidade no s para quem quer persuadir, mas tambm no ser enrolado pela

    conversa alheia (grifos meus).

    Neste recorte, h tambm uma parfrase da chamada original sem, no entanto,

    provocar efeitos de sentido diferentes sobre a noo de lngua sugerida na chamada da capa.

    Vemos que nos dois lugares discursivos a retrica o assunto destacado, uma vez que

    observamos a presena de algumas expresses, como a arte de convencer, utilizada tanto na

  • 40

    chamada da capa quanto na da matria, alm de termos especficos como argumento e

    persuaso, que esto diretamente vinculados s tcnicas da retrica. Desse modo, a lngua

    continua sendo percebida como instrumento de comunicao e as chamadas levam os leitores

    a acreditarem na necessidade de dominar as tcnicas de se falar bem para convencer as

    pessoas.

    A matria, assinada por Carmen Guerreiro, editora assistente da revista Lngua

    Portuguesa, possui um texto acompanhado por sete boxes principais e dois complementares.

    No texto, a autora fala da importncia das formas de convencimento para as relaes pessoais

    e profissionais. Segundo Guerreiro, uma boa argumentao abre portas e considerada um

    trunfo de mo dupla diante do contexto da era da informao global: Quem sabe a

    importncia de convencer algum saber tambm no cair to fcil na primeira lbia de um

    interlocutor (LP60, p. 42).

    Nesse sentido, a argumentao vista como uma tcnica de comunicao interpessoal

    e acaba por representar, assim, a instrumentalizao da lngua. Contudo, no discurso da

    autora, observamos o emprego de alguns elementos que denotam certa informalidade no uso

    da lngua a fim de criar uma aproximao com o leitor. o caso, por exemplo, dos clichs

    abrir portas e trunfo, alm da expresso coloquial cair na lbia. A escolha dessas

    formulaes implica, pois, em uma contradio com o objetivo da matria, uma vez que esta

    busca justamente ensinar tcnicas de argumentao, as quais requerem um trato diferenciado

    no uso da lngua, para se atingir a eficcia no ato comunicativo.

    Para o consultor em criatividade e negociao, Jairo Siqueira, mencionado na matria,

    em um mercado extremamente competitivo a habilidade de comunicar ideias e convencer as

    pessoas da necessidade de mudana essencial. Nestas circunstncias o domnio das tcnicas

    de persuaso cria um diferencial valioso (LP60, p.42). Essa afirmao pretende motivar os

    leitores a se prepararem para lidar com a competio no mercado de trabalho e aponta para

    uma viso de lngua semelhante a que vimos na anlise da matria anterior, ou seja, a lngua

    como diferencial para o sucesso profissional.

    Entretanto, alm da preocupao na construo de um bom discurso persuasivo,

    Guerreiro alerta para o fato de que os leitores devem estar atentos para no serem alvos

    fceis mediante a astcia de discursos alheios:

  • 41

    Por isso, estar retoricamente preparado para as relaes dialgicas e um bom comeo pode ser seguir as orientaes destas pginas tambm estar vacinado contra argumentaes inconsistentes ou at fajutas, tanto quanto

    para persuadir os outros. Essa preparao representa, nos dias de hoje, uma

    verdadeira conquista da cidadania (LP60, p. 44; grifos meus).

    Como podemos verificar na sequncia acima, a autora d nfase necessidade dos

    leitores estarem retoricamente preparados para que no caiam em discursos falaciosos. Isso

    porque, durante as relaes interdiscursivas do cotidiano, as pessoas esto constantemente

    argumentando umas com as outras e, de algum modo, acabam influenciando e sendo por elas

    influenciadas. Assim, Guerreiro recomenda que sejam seguidas as orientaes descritas ao

    longo da matria, j que no basta apenas que se esteja preparado para persuadir, mas tambm

    para evitar a manipulao por argumentos que podem ser considerados inconsistentes ou

    fajutos. Alm disso, a autora eleva o grau de importncia da retrica como um meio para se

    conquistar a cidadania nos dias atuais.

    Com efeito, o discurso do texto principal caracteriza-se pelo fato de valorizar a retrica

    como instrumento de poder no sentido de persuadir, convencer e influenciar pessoas. O

    prprio discurso do texto um exemplo disso, pois a partir de argumentos embasados na

    opinio de diversos especialistas, a autora busca convencer os leitores da necessidade de se

    pensar a lngua como uma ferramenta de comunicao indispensvel para o sucesso, tanto no

    mbito pessoal quanto profissional.

    Quanto aos contedos contemplados nos boxes, alm de tcnicas e princpios que visam

    auxiliar no processo de persuaso, so destacadas dicas que consistem na fundamentao do

    discurso a ser enunciado e na importncia de se levar em conta o interlocutor. Esta ltima nos

    chama ateno por produzir um efeito de sentido diferente sobre a imagem da lngua ao

    direcionar o foco no apenas para o emissor da mensagem, como comum noo de lngua

    como instrumento de comunicao, mas tambm observamos que o foco deve estar centrado

    nos diferentes interlocutores. Isso porque no existe um nico tipo de pblico, com uma

    nica hierarquia de valores e ideologias (LP60, p. 45). Neste caso, o contexto scio-histrico

    e ideolgico dos indivduos interfere na forma como eles recebem a mensagem.

  • 42

    O box intitulado Pensar sempre no interlocutor, reproduzido na figura a seguir,

    demonstra bem isso:

    Conforme o texto do referido box, o interlocutor no deve ser forado a abraar a

    posio do enunciador, isto , o efeito de sentido que essa afirmao produz de que o sujeito

    no considerado um ser passivo. Por isso, para o linguista Victor Hugo Caparica, um dos

    especialistas citados ao longo da matria e, inclusive, no box, essencial respeitar as

    opinies e valores do pblico (LP60, p. 45).

    Esse carter interlocutivo conferido ao discurso persuasivo pode ser percebido como

    uma forma de interao humana, contrapondo-se, assim, ao discurso da lngua como mero

    instrumento de comunicao. Desse modo, compreende-se que a produo de sentidos no

    discurso do box no um ato individual, pois no momento em que a mensagem est sendo

    enunciada pelo emissor, o ouvinte/receptor condio necessria para a existncia do

    discurso. Para Caparica, muitas vezes no conseguimos convencer ou persuadir nossos

    interlocutores simplesmente porque no nos colocamos do outro lado do dilogo, fechando os

    olhos e ouvidos para aquele em quem deveramos prestar mais ateno (LP60, p. 45).

    importante destacar ainda que o linguista trata do ato de convencer como um dilogo

    e no como uma transmisso de informaes. Isso refora, pois, a noo de lngua sob a

    Figura 10 Box Pensar sempre no interlocutor, LP60, p. 45

  • 43

    perspectiva interacionista, presente tambm em outros boxes da matria, quando so

    apresentadas tcnicas de retrica as quais reconhecem a importncia dos interlocutores. No

    box O joio das tcnicas-iscas...e o trigo das tcnicas legtimas, por exemplo, fazendo uma

    intertextualidade com o discurso religioso, so consideradas trigo, dentre outras formas de

    convencimento: Identificar qual o pblico, seus valores, seu comportamento e suas

    expectativas e Usar linguagem simples e clara, adequada ao pblico.

    Por outro lado, o discurso da lngua como forma de interao social no aparece

    sozinho na matria. Na verdade, ele coexiste com o discurso da lngua como instrumento de

    comunicao, o qual aparece de forma mais bvia, uma vez que o contedo principal est

    disposto sob a forma de dicas, orientaes e tcnicas de retrica que devem ser aplicadas

    pelos leitores com finalidade persuasiva.

    Sendo assim, aps anlise das duas matrias principais selecionadas, constatamos que,

    tanto na que se refere ao foco escrita (edio n. 52) quanto na que se refere ao foco expresso

    oral (edio n. 60), a imagem da lngua est sendo representada no apenas a partir de um

    nico discurso. Em ambas, h a predominncia do discurso da lngua como instrumento de

    comunicao, como diferencial para se atingir algum objetivo, mas tambm h a presena de

    elementos do discurso cientfico que contrariam o discurso tradicional sobre a lngua e a

    concebem como expresso do pensamento ou forma de interao social.

  • 44

    CONCLUSO

    Vimos, neste trabalho, que a constituio do discurso sobre a lngua na revista Lngua

    Portuguesa direciona-nos para efeitos de sentido polmicos. Isso porque as sequncias

    discursivas referentes s chamadas principais e s matrias de destaque contrariam o discurso

    do editor. Assim, embora este demonstre uma viso de lngua em oposio aos discursos

    tradicionais, isto , sob uma perspectiva interacionista, constatamos que o que sustentado

    em seu discurso no reafirmado nas chamadas e nas matrias. Nesses outros lugares

    discursivos, observamos a presena de elementos que se filiam ao discurso da lngua como

    expresso do pensamento e, principalmente, como instrumento de comunicao.

    Nesse sentido, os discursos identificados se relacionam para produzir um ideal de

    lngua que visa garantir o sucesso das pessoas tanto no mbito pessoal como profissional. A

    revista deixa transparecer, pois, a imagem da lngua como diferencial para se atingir esse

    objetivo atrelado noo de ascenso social, status ou poder. Alm disso, as dicas, estratgias

    e orientaes das quais as chamadas principais fazem referncia, por exemplo, so vistas

    como os meios instrumentais pelos quais os leitores tero domnio da lngua e,

    consequentemente, a excelncia na comunicao oral e escrita. Essas constataes nos

    levaram a perceber que a revista Lngua Portuguesa tenta promover a ideia de que a lngua

    algo fcil de ser aprendido, ou seja, como se ela fosse transparente, estvel e homognea.

    Desse modo, a lngua acaba sendo considerada como uma mercadoria, assim como a prpria

    revista. Os leitores, por sua vez, confiantes de que iro suprir suas necessidades

    comunicativas, no atentam, muitas vezes, para o fato de que esto sendo influenciados pelo

    discurso da revista.

    No h dvidas, portanto, de que a constituio da lngua no discurso do nosso corpus

    de anlise contraditria e que a revista valoriza a variedade padro em detrimento das outras

    possibilidades de uso da lngua. Em se tratando dos efeitos parafrsticos identificados nas

    chamadas principais e nas matrias, por exemplo, apesar de nos orientarem para diferentes

    discursos sobre a lngua, o efeito de sentido produzido o mesmo, isto , de transmitir uma

    viso idealizada de lngua vinculada variedade padro. No entanto, isso gerou um efeito de

    sentido em oposio ao que foi dito em outo lugar da revista, ou seja, na carta do editor, o

    qual defende que a misso da revista mostrar um painel da diversidade do idioma no

    cotidiano.

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    Sendo assim, a lngua no representada na revista, de fato, como fenmeno

    intrinsecamente heterogneo, que varia conforme o contexto scio-histrico e ideolgico no

    qual os sujeitos estejam inseridos. Contudo, no que diz respeito constituio do discurso da

    revista ao tratar de assuntos relacionados lngua, conclumos que se configura de forma

    heterognea em virtude da presena dos diferentes discursos observados durante a anlise e

    que funcionam, por assim dizer, em concomitante tenso.

  • 46

    REFERNCIAS

    BAGNO, Marcos. Nada na lngua por acaso por uma pedagogia da variao lingustica.

    So Paulo: Parbola, 2007.

    ______, Preconceito lingustico: o que , como se faz. So Paulo: Loyola, 1999.

    BARONAS, Roberto. Nas malhas do poder. In.: Discurso e mdia: a cultura do espetculo.

    So Carlos: Claraluz, 2003.

    BRANDO, Helena H. Nagamine. Introduo anlise do discurso. 6 ed. Campinas SP:

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    DORETTO, Shirley Aparecida. BELOTI, Adriana. Concepes de linguagem e conceitos

    correlatos: a influncia no trato da lngua e da linguagem. In.: Revista Encontros de Vista.

    Disponvel em :

    (Acesso em 12 de

    outubro de 2012).

    FERNANDES, Cleudemar Alves. Anlise do discurso: reflexes introdutrias. 2 ed. So