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O Impacto do Corporate Governance na Estrutura de Capitais Daniel Fernando Alves da Silva Orientação: Professora Doutora Ana Paula Serra Dezembro de 2009 Tese de Mestrado em Finanças

O Impacto Do Corporate Governance Na Estrutura de Capitais

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  • O Impacto do Corporate Governance

    na Estrutura de Capitais

    Daniel Fernando Alves da Silva

    Orientao: Professora Doutora Ana Paula Serra

    Dezembro de 2009

    Tese de Mestrado em Finanas

  • ii

    NOTA BIOGRFICA

    Daniel Fernando Alves da Silva, nascido em 11 de Dezembro de 1980, natural de

    Massarelos, Portugal.

    Em 1997 ingressou no curso de Gesto da Faculdade de Economia da Universidade do

    Porto onde se licenciou em 2002 com mdia final de 15 valores. Em 2008 concluiu a

    parte escolar do Mestrado em Finanas com mdia final de 16 valores.

    A nvel profissional exerceu sempre actividades relacionadas com o sector financeiro,

    especificamente no sector bancrio.

    Em Outubro de 2002 iniciou a sua actividade profissional exercendo a funo de

    analista de risco crdito na Unidade de Decises de Operaes do grupo Santander

    Totta.

    Entre Julho e Setembro de 2003 foi gestor de conta na rede de balces do BBVA

    (Banco Bilbao Vizcaya Argentaria).

    Desde Outubro de 2003 trabalha no Banco de Portugal, exercendo funes tcnicas no

    Ncleo do Fundo de Garantia do Crdito Agrcola Mtuo.

  • iii

    AGRADECIMENTOS

    Este trabalho no teria sido possvel sem o apoio e incentivo de algumas pessoas, tanto

    na recolha de informao, como na elaborao da dissertao.

    Professora Doutora Ana Paula Serra, minha Orientadora da Tese de Mestrado, pelos

    inmeros ensinamentos recebidos e colaborao prestada ao longo da realizao do

    presente trabalho.

    Quero tambm expressar os meus agradecimentos a todas aquelas pessoas que comigo

    convivem e me apoiam constantemente, aos meus amigos, colegas de trabalhos e, em

    especial, minha famlia pela elevada pacincia, compreenso e palavras de incentivo.

    Por fim, no posso deixar de agradecer a trs instituies que tiveram um papel

    fundamental. Ao Banco de Portugal por todo o tipo de recursos disponibilizados para

    que fosse realizado este projecto. Faculdade de Economia do Porto pelas condies

    de trabalho e por todos os contedos cientficos. Ao Instituto Superior de Cincias do

    Trabalho e da Empresa por ter permitido o acesso informao necessria para a

    realizao do estudo emprico.

    A todos eles, um obrigado que se impe!

  • iv

    RESUMO

    Este trabalho estuda o impacto do corporate governance na estrutura de capitais das

    empresas. O conceito de governance complexo e compreende vrias dimenses, pelo

    que se prope a utilizao de diferentes indicadores compsitos para avaliar o estgio /

    nvel de governance das empresas. Com vista a entender a relao entre o corporate

    governance e a estrutura de capitais utilizaram-se diferentes mtodos economtricos.

    Em linhas gerais, no se observou uma influncia consistente do governance na

    estrutura de capitais, j que h reverso no sentido da relao quando se utilizaram

    diferentes tcnicas de estimao. No entanto, face melhoria da qualidade do

    ajustamento verificada no modelo quadrtico em relao ao linear e s limitaes do

    mtodo de equaes simultneas, os resultados parecem sugerir uma relao quadrtica

    entre o governance e a estrutura de capitais. Assim, para nveis reduzidos de

    governance, o endividamento determinado pelo poder da gesto na organizao, que

    moldada pelas prticas de governance. Concluiu-se que os gestores so reservados em

    relao ao endividamento das suas empresas a fim de proteger o seu capital financeiro e

    humano pouco diversificado e evitar as presses do servio da dvida. As melhores

    prticas de governance, ao diminurem a discricionariedade da gesto, resultam em

    empresas mais endividadas do que a equipa de gesto gostaria. Para melhores prticas

    de governance, os ttulos de capital da empresa passam a ser mais atractivos para os

    investidores, pelo que as empresas vo ter mais facilidade em emitir os ttulos com mais

    risco (aces), podendo reduzir o financiamento por dvida. Este trabalho, ao concluir

    pela existncia de uma relao quadrtica entre o governance e a estrutura de capitais,

    permite conciliar os diferentes resultados obtidos nos estudos que consideraram a

    relao entre as variveis. Dos quatro indicadores compsitos de governance analisados,

    provenientes de dois fornecedores diferentes (IRRC e o ISS), identificou-se que o

    G_Index de Gompers et al.. (2003) o melhor previsor da estrutura de capitais.

  • v

    ABSTRACT

    This work evaluates the relationship between corporate governance and capital

    structure. The concept of governance is complex and comprises several dimensions. We

    propose the use of alternative composite indicators for assessing the stage / level of

    governance of a company. In order to understand the relationship between the two

    variables and to identify possible explanations we use different estimation methods. In

    general, we do not observe a consistent influence of corporate governance on capital

    structure, given that the direction of the relationship changes when using different

    methods. However, given the improvements observed in the fit of the quadratic model

    over the linear and the limited results obtained for the system of simultaneous

    equations, the evidence seem to support a quadratic relationship between governance

    and capital structure. Thus, for low levels of governance, debt is the result of

    management power, which is shaped by the practices of governance. We conclude that

    managers are reserved in using debt in order to protect their financial and human capital

    and for disliking the pressures of debt service. Practices of governance that enable the

    discretion of management will result in more debt than the management team would

    like. With better governance practices, equity becomes more attractive to investors, so

    will be easier for companies to issue assets with more risk (shares) and reduce debt.

    This work, while establishing a quadratic relationship between governance and capital

    structure, conciliates previous results that have formal opposite linear relations.

    Regarding the four composite indicators of governance from two different providers

    (ISS and IRRC), we find that the G_Index of Gompers et al. (2003) is the best predictor

    of capital structure.

  • vi

    NDICE

    1- Introduo ........................................................................................................... 1

    2 - Estrutura de Capitais ........................................................................................... 4

    2.1 - A Problemtica da Estrutura de Capitais ................................................................... 4

    2.2 - A Viso Tradicional .................................................................................................. 4

    2.3 - Os Trabalhos de Modigliani e Miller ......................................................................... 5

    2.4 - A Viso Tradicional vs M&M .................................................................................... 7

    2.5 - Outras Abordagens .................................................................................................. 8 2.5.1 - Trade-off theory ...................................................................................................................... 9

    2.5.1.1 - Static trade-off theory (impostos e custos de falncia) ................................................... 9 2.5.1.2 - Modelos baseados nos custos de agncia ..................................................................... 11

    2.5.3 - Modelos baseados na assimetria de informao .................................................................. 13 2.5.4 - Modelos baseados nas caractersticas organizacionais ......................................................... 15 2.5.5 - Modelos baseados no controlo da empresa ......................................................................... 17 2.5.6 - Market timing theory ............................................................................................................ 17

    3- Corporate Governance ....................................................................................... 19

    3.1 Conceito ............................................................................................................... 19

    3.2 O Governance como Determinante da Estrutura de Capitais .................................. 21 3.2.1 Teoria da agncia.................................................................................................................. 21

    3.2.1.1 Accionistas / gestores ................................................................................................... 21 3.2.1.2 Accionistas / obrigacionistas ........................................................................................ 27

    3.2.2 Assimetria de informao ..................................................................................................... 30 3.2.2.1 Perspectiva da credibilidade e da reputao da empresa ............................................ 30 3.2.2.2 Perspectiva da divulgao da informao .................................................................... 31 3.2.2.3 Perspectiva da procura de informao por parte do mercado .................................... 33

    3.3 Endogeneidade da Relao ................................................................................... 34 3.3.1 Desempenho da empresa ..................................................................................................... 34 3.3.2 Aces detidas pela gesto .................................................................................................. 36

    4 Modelao Economtrica ................................................................................. 40

    4.1 Tipos de Abordagens Economtricas ..................................................................... 40

    4.2 Limitaes dos Estudos Empricos sobre Corporate Governance ............................. 42 4.2.1 Causalidade reversa ou endogeneidade ............................................................................... 42 4.2.2 Omisso de variveis importantes ....................................................................................... 43 4.2.3 Amostras selectivas .............................................................................................................. 44 4.2.4 Erros nas variveis ................................................................................................................ 44

  • vii

    5 - Estudo Emprico ................................................................................................. 46

    5.1 Modelo Emprico .................................................................................................. 46

    5.2 Operacionalizao de Conceitos ............................................................................ 46 5.2.1 Estrutura de capitais ............................................................................................................. 46

    5.2.1.1 Operacionalizao do conceito ..................................................................................... 46 5.2.1.2 Variveis de controlo .................................................................................................... 48

    5.2.2 Corporate Governance ......................................................................................................... 54 5.2.2.1 Operacionalizao do conceito ..................................................................................... 54 5.2.2.2 Variveis de controlo .................................................................................................... 55

    5.2.3 Aces detidas pelo gestor ................................................................................................... 56 5.2.3.1 Operacionalizao do conceito ..................................................................................... 56 5.2.3.2 Variveis de controlo .................................................................................................... 56

    5.2.4 Desempenho ........................................................................................................................ 59 5.2.4.1 Operacionalizao do conceito ..................................................................................... 59 5.2.4.2 Variveis de controlo .................................................................................................... 59

    5.2.5 Operacionalizao do modelo .............................................................................................. 62

    5.3 Amostra, Estatsticas Descritivas e Inferncia Estatstica ........................................ 64 5.3.1 Amostra de dados................................................................................................................. 64 5.3.2 Estatsticas descritivas .......................................................................................................... 67

    5.3.2.1 Medidas de localizao e disperso ............................................................................. 67 5.3.2.2 Matriz de correlaes ................................................................................................... 69

    5.3.3 Inferncia estatstica comparao de amostras independentes ....................................... 72 5.3.3.1 Anlise univariada e bivariada ...................................................................................... 72

    5.4 Estimao de Modelos de Equaes Simples.......................................................... 75 5.4.1 O modelo de regresso linear .............................................................................................. 75 5.4.2 O modelo de regresso quadrtico ....................................................................................... 80 5.4.3 Concluses dos resultados obtidos por meio de equaes simples .................................... 85

    5.5 Estimao do Sistema de Equaes ....................................................................... 87 5.5.1 Sistema de equaes ............................................................................................................ 87 5.5.2 Concluses dos resultados obtidos por meio de um sistema de equaes ......................... 89

    5.6 Comparao com Resultados de Estudos Anteriores .............................................. 90

    6 Concluses e Comentrios Finais ....................................................................... 92

    Referncias Bibliogrficas ...................................................................................... 94

    ANEXOS ................................................................................................................ 103 A.1 ESTUDOS EMPRICOS SOBRE OS DETERMINANTES DA ESTRUTURA DE CAPITAIS .................................... 104 A.2 EVIDNCIA EMPRICA DOS ESTUDOS SOBRE OS DETERMINANTES DA ESTRUTURA DE CAPITAIS ................. 106 A.3 EXPLICAO DA RELAO ENTRE O CORPORATE GOVERNANCE E A ESTRUTURA DE CAPITAS ................... 107 A.4 ESTUDOS EMPRICOS QUE RELACIONAM A ESTRUTURA DE CAPITAIS COM O CORPORATE GOVERNANCE .... 108 A.5 INDICADORES COMPSITOS DE GOVERNANCE .............................................................................. 110 A.6 RELAO ENTRE OS INDICADORES COMPSITOS DE GOVERNANCE ................................................... 114 A.7 CLASSIFICAO DA INDSTRIA POR CDIGOS SIC DE 4 DGITOS ...................................................... 118 A.8 DESCRIO DAS VARIVEIS CONSIDERADAS ................................................................................. 119 A.9 ANLISE UNIVARIADA E BIVARIADA ........................................................................................... 120 A.10 MODELOS QUADRTICOS (OLS) .............................................................................................. 124 A.11 SISTEMAS DE EQUAES (3SLS) .............................................................................................. 126

  • viii

    NDICE DE TABELAS

    Tabela 1: Abordagem economtrica dos trabalhos sobre corporate governance 40

    Tabela 2: Operacionalizao do conceito de endividamento 47

    Tabela 3: Operacionalizao das variveis de controlo do endividamento ( Z 1 ) 49

    Tabela 4: Operacionalizao do conceito de corporate governance 54

    Tabela 5: Operacionalizao das variveis de controlo do corporate governance (Z 2 ) 55

    Tabela 6: Operacionalizao do conceito de aces detidas pelo gestor 56

    Tabela 7: Operacionalizao das variveis de controlo das aces detidas pelo CEO ( Z 3 ) 57

    Tabela 8: Operacionalizao do conceito de desempenho 59

    Tabela 9: Operacionalizao das variveis de controlo do desempenho ( Z 4 ) 59

    Tabela 10: Bases de dados 64

    Tabela 11: Distribuio da amostra por ano 65

    Tabela 12: Distribuio da amostra por indstria 66

    Tabela 13: Estatsticas descritivas 67

    Tabela 14: Matriz de correlaes das variveis endgenas 69

    Tabela 15: Matriz de correlaes das variveis de controlo 71

    Tabela 16: Valores mdios e desvios-padro do endividamento das duas subamostras 72

    Tabela 17: Valores mdios e desvios-padro das variveis LOG (ACT), Z_SCORE, VOL,

    CEO e Q nas duas subamostras 73

    Tabela 18: Modelos de regresso linear (mtodo de estimao: OLS) 76

    Tabela 19: Modelos de regresso quadrtica (mtodo de estimao: OLS) 81

    Tabela 20: Razes da derivada parcial dos ndices de governance 82

    Tabela 21: Quadro resumo dos resultados obtidos na modelao economtrica utilizando

    equaes simples 86

    Tabela 22: Modelos de equaes simultneas (mtodos de estimao 3SLS) 88

  • ix

    NDICE DE EQUAES E GRFICOS

    Sistema 1: Conceptualizao do modelo 46

    Sistema 2: Operacionalizao do modelo 62

    Equao 1: Regresso linear (varivel dependente endividamento) 62

    Equao 2: Regresso linear (varivel dependente governance) 62

    Equao 3: Regresso linear (varivel dependente CEO) 62

    Equao 4: Regresso linear (Varivel dependente Q) 62

    Equao 5: Regresso quadrtica (varivel dependente - endividamento) 81

    Grfico 1: Relao entre o corporate governance e a estrutura de capitais 85

    LISTA DE ABREVIATURAS

    2SLS Mtodo de Mnimos Quadrados em 2 Estgios

    3SLS Mtodo de Mnimos Quadrados em 3 Estgios

    BV Valor Contabilstico (Book Value)

    GLS Mnimos Quadrados Generalizados

    IRRC Investor Responsibility Research Center

    ISS Institutional Shareholder Services

    MV Valor de Mercado (Market Value)

    OLS Mnimos Quadrados Ordinrios

    ROA Rendibilidade do Activo (Return on Assets)

  • 1

    1- INTRODUO

    O polmico e constante debate sobre a escolha da estrutura de capitais das empresas tem

    reportado desenvolvimentos tericos considerveis nos ltimos anos. Apesar de

    existirem numerosos trabalhos empricos com vista verificao das teorias

    alternativas, no existe ainda um consenso generalizado sobre os principais

    determinantes da estrutura de financiamento das empresas.

    O presente estudo visa avaliar o impacto das prticas de governance adoptadas pelas

    empresas na determinao da estrutura de capitais. Num artigo terico, Rocca (2007)

    enuncia que os resultados empricos controversos dos trabalhos que relacionam a

    estrutura de capitais com a criao de valor na empresa podem ser atribudos no

    considerao das prticas de governance. Noutro trabalho, Klapper e Love (2004)

    demonstram que empresas dentro do mesmo ambiente contratual podem apresentar

    diferentes nveis de governance.

    No presente estudo verificou-se que as prticas de corporate governance podem ter

    implicaes na definio da estrutura de capitais tendo por base os argumentos da teoria

    da agncia, controlo da empresa1 e assimetria de informao. A fundamentao terica

    sugere que existe uma relao de sentido duplo entre o corporate governance e a

    estrutura de capitais. Ou seja, ao mesmo tempo que as prticas de governance podem

    determinar a escolha entre dvida e capital prprio, elas so influenciadas pela estrutura

    de capitais, que funciona como um instrumento de governance.

    No sentido de avaliar o impacto do corporate governance na estrutura de capitais

    utilizaram-se duas proxys para a estrutura de capitais e quatro ndices de governance. A

    medio do nvel de governance atravs de quatro indicadores compsitos, trs

    fornecidos pelo IRRC2 (G_Index, E_Index e ATI_Index) e um pelo ISS

    3 (Gov_Score),

    decorreu da necessidade de utilizar indicadores abrangentes que diferenciassem as

    empresas em termos de qualidade de governance.

    Primeiramente, analisou-se a possvel influncia dos mecanismos de governance sobre

    as variveis da estrutura de capitais assumindo as prticas de governance como

    variveis explicativas e o endividamento como varivel explicada. Este tipo de

    1 A questo do controlo da empresa est relacionada com a problemtica da agncia, pelo que se optou

    por tratar conjuntamente. 2 Investor Responsibility Research Center.

    3 Institutional Shareholder Services

  • 2

    abordagem partiu da premissa que os mecanismos de governance so independentes e

    exgenos estrutura de capitais, utilizando-se o mtodo de Mnimos Quadrados (OLS)

    na sua estimao.

    Numa segunda fase, considerou-se o endividamento e os ndices de governance como

    variveis endgenas num sistema de quatro equaes, estimando-se o modelo

    formulado atravs do mtodo de Mnimos Quadrados em 3 Estgios (3SLS). A relao

    endgena entre as variveis decorreu do estabelecido por Bhagat e Bolton (2008) que

    considerou a estrutura de capitais, o governance, as aces detidas pelo gestor e o

    desempenho como variveis endgenas num sistema de quatro equaes.

    No que concerne originalidade, o presente trabalho ao considerar a possvel

    endogeneidade na relao entre a estrutura de capitais e o corporate governance por

    meio de um sistema de equaes e ao utilizar diferentes indicadores compsitos de

    governance de dois fornecedores diferentes para medir o estgio de governance das

    empresas constitui uma inovao no estudo do tema. Parafraseando Bren e degaard

    (2004) relativamente aos estudos que consideram o impacto do corporate governance

    no desempenho, o mtodo de regresses com dados em painel o mais utilizado e o

    mtodo das equaes simultneas o mais adequado. Os manuais de econometria

    (Gujarati, 2004 e Maddala, 2001) corroboram com o estabelecido pelos autores ao

    enunciarem que um sistema de equaes a forma correcta de lidar com a presena de

    endogeneidade entre as variveis.

    O artigo de Bhagat e Bolton (2008) o que mais se aproxima do presente estudo, uma

    vez que serviu de base ao sistema de equaes que se utilizou. No entanto, o trabalho

    dos autores centra-se na relao entre o corporate governance e o desempenho,

    relegando para segundo plano a estrutura de capitais.

    Os estudos de Jiraporn et al. (2008), John e Litov (2008) e Chiyachantana et al. (2005)

    estudaram a relao entre a estrutura de capitais e o corporate governance utilizando

    indicadores compsitos na medio do nvel de governance. De entre as principais

    diferenas destacam-se a metodologia de anlise e os ndices considerados. Jiraporn et

    al. (2008) aderearam a questo da endogeneidade atravs da utilizao de dados em

    painel, considerando como indicadores de governance o Gov_Score e o ISS_Score4 da

    4 Indicador compsito de governance comercial que considera 63 mecanismos de governance que

    pondera de forma desigual cada um dos mecanismos.

  • 3

    base de dados do ISS. John e Litov (2008) tambm consideraram a endogeneidade

    usando dados em painel, mas utilizaram como proxys do governance o G_Index da base

    de dados do IRRC. Finalmente, Chiyachantana et al. (2005) considerou a questo da

    endogeneidade atravs do desfasamento temporal do Gov_Score.

    Os resultados no permitiram concluir por uma relao significativa entre o corporate

    governance e a estrutura de capitais j que o sinal da relao no estvel nos diferentes

    modelos de estimao considerados. No entanto, os resultados parecem sugerir uma

    relao quadrtica entre o governance e a estrutura de capitais. Se para nveis reduzidos

    de governance a relao apresenta um sinal positivo (melhor governance, mais dvida),

    para nveis superiores a relao negativa (melhores prticas, menos dvida). A relao

    quadrtica entre governance e estrutura de capitais permite conciliar os diferentes

    resultados obtidos em estudos anteriores. No que se refere aos indicadores de

    governance, o G_Index de Gompers et al. (2003) o que gera resultados mais

    consistentes.

    Para alm do presente captulo introdutrio, este trabalho est estruturado como se

    segue. No segundo captulo apresentam-se as diferentes teorias explicativas da estrutura

    de capitais. No terceiro captulo abordada sucintamente a problemtica do corporate

    governance, para posteriormente se analisar a sua relao com a estrutura de capitais e

    se rever de forma breve a literatura que relaciona o desempenho e as aces detidas pela

    gesto com a estrutura de capitais e o corporate governance. No quarto captulo discute-

    -se a modelao economtrica, salientando-se os tipos de abordagens e as limitaes dos

    estudos empricos sobre o corporate governance. Em seguida, no captulo quinto

    apresentada a metodologia, descrevem-se as variveis e as amostras utilizadas, expem-

    se e discutem-se os resultados empricos e termina-se com a comparao dos resultados

    obtidos com os registados em estudos anteriores. E, por fim, encerra-se o trabalho com

    as principais concluses e apontam-se algumas linhas futuras de investigao (captulo

    sexto).

  • 4

    2 - ESTRUTURA DE CAPITAIS

    When corporations decide on the use of debt finance, they are reallocating some

    expected future cash flows away from equity claimants in exchange for cash up front.

    The factors that drive this decision remain elusive despite a vast theoretical literature

    and decades of empirical tests, Frank e Goyal, 2007a 5.

    2.1 - A PROBLEMTICA DA ESTRUTURA DE CAPITAIS

    A estrutura de capitais um dos temas principais das finanas empresariais. Por

    estrutura de capitais entende-se a forma como as empresas utilizam o capital prprio e o

    capital alheio para financiar os seus activos. Em termos gerais, os capitais prprios so

    os recursos fornecidos pelos scios ou accionistas, enquanto que os capitais alheios

    envolvem os recursos obtidos atravs do endividamento (obrigaes e emprstimos

    bancrios).

    Apesar de existirem diferentes teorias, verifica-se que no existe ainda uma base terica

    slida que explique as estruturas de financiamento utilizadas pelas empresas. Nas

    seces seguintes so revistas as principais teorias sobre a estrutura de capitais.

    2.2 - A VISO TRADICIONAL

    A primeira tentativa de tratar o assunto da estrutura de capitais de forma analiticamente

    mais rigorosa pode ser atribuda a Durand (1952). No artigo, o autor defende duas

    abordagens tericas para medir o impacto da estrutura de capitais no valor da empresa.

    A primeira (Net Income Method - NI Method) assenta na ideia que o risco inerente aos

    activos de uma empresa no se altera com a sua forma de capitalizao, logo o valor

    conjunto das aces e da dvida no se modifica mediante o peso de cada uma no

    financiamento dos activos, tornando a estrutura de capitais da empresa irrelevante.

    Segundo esta abordagem, medida que as empresas se vo endividando, o risco para os

    accionistas e para os detentores da dvida aumenta, passando os agentes a exigir

    compensaes mais elevadas para os seus investimentos. Como o custo da dvida

    menor, o aumento do peso do endividamento vai ser compensado pelo aumento dos

    5 Quando as empresas decidem usar dvida esto a trocar parte dos cash-flows destinados aos

    accionistas em troca de financiamento. Os factores que conduzem a esta deciso continuam incgnitos,

    apesar da vasta literatura e de dcadas de estudos empricos. Traduo livre.

  • 5

    custos de financiamento, resultando num custo mdio ponderado do capital constante,

    sendo o valor da empresa determinado pelo activo.

    A segunda abordagem (Net Income Operating Method - NOI Method), defende que a

    estrutura de capitais influencia o valor da empresa. Segundo esta teoria, o custo do

    capital da dvida mantm-se estvel at um determinado nvel de endividamento, a

    partir do qual se eleva devido ao aumento do risco. A empresa deveria contrair dvida

    at ao ponto em que o seu custo de capital atingisse um patamar mnimo. Esse ponto

    representaria a estrutura ptima de capitais, que levaria maximizao do valor da

    empresa.

    Esta abordagem (NOI Method) integrada numa corrente de pensamento designada por

    tradicionalista, que defende que a empresa dever procurar uma estrutura ptima de

    capitais que minimize o custo total de financiamento e consequentemente maximize o

    valor da empresa.

    2.3 - OS TRABALHOS DE MODIGLIANI E MILLER

    Modigliani e Miller (1958)6, seis anos mais tarde, contestaram a abordagem

    tradicionalista, propondo, num trabalho que se tornou um marco no estudo do tema, que

    a estrutura de capitais indiferente para a determinao do valor da empresa atendidos

    certos pressupostos. Embora esta possibilidade j houvesse sido apresentada por Durand

    (1952), M&M foram os primeiros a descrever o mecanismo pelo qual a indiferena

    assegurada.

    A proposio I de M&M afirma que a proporo de dvida em relao ao capital prprio

    utilizado por uma empresa completamente irrelevante para a determinao do seu

    valor de mercado.

    Para alm de no considerar a incidncia de impostos, de acordo com Copeland e

    Weston (1992), implcita ou explicitamente, diversos pressupostos foram adoptados no

    trabalho de M&M: i) inexistncia de custos de falncia e de custos de transaco; ii)

    apenas dois tipos de ttulos so emitidos pelas empresas (dvida sem risco e aces); iii)

    todas as empresas pertencem mesma classe de risco; iv) inexistncia de assimetria de

    informao entre indivduos de dentro e de fora da empresa e v) os gestores sempre

    procuram maximizar a riqueza dos accionistas (no h custos de agncia).

    6 Doravante denominados M&M.

  • 6

    Verificando-se estas condies, os autores demonstram que possvel para qualquer

    investidor reproduzir a alavancagem de uma empresa contraindo um emprstimo

    pessoal ou anul-la adquirindo ttulos de dvida. O trabalho de M&M, ao prever que o

    investidor poder ter oportunidades de arbitragem, enuncia que sempre que uma

    empresa alavancada apresente um valor de mercado diferente de uma empresa

    equivalente no alavancada, os investidores vo explorar essa oportunidade, eliminando

    a diferena de preo entre as aces.

    A proposio II, tambm formulada no trabalho de 1958, torna explcito o mecanismo

    por meio do qual o custo mdio ponderado do capital permanece constante

    independentemente das propores de dvida e de capital prprio. Resumidamente, a

    segunda proposio estabelece que a rendibilidade esperada de uma aco de uma

    empresa alavancada igual rendibilidade de uma aco de uma empresa financiada

    exclusivamente por capital prprio mais um prmio de risco, que corresponde ao rcio

    da dvida sobre o capital prprio vezes a diferena de taxas entre a rendibilidade

    esperada da empresa sem dvida e a taxa de endividamento.

    O artigo de 1958 ainda fez uma incurso sobre o efeito dos impostos na estrutura de

    capitais da empresa, concluindo os autores que na presena de impostos sobre as

    empresas, a indiferena da estrutura de capitais seria mantida.

    Corrigindo tal afirmao, M&M publicaram em 1963 um trabalho que props uma

    reformulao do modelo para o caso da quebra do pressuposto da ausncia de impostos

    sobre as empresas. Os autores reconheceram haver um ganho devido alavancagem,

    uma vez que o pagamento da dvida descontado ao lucro tributvel sob a forma de

    despesa. Segundo os autores, a distribuio dos retornos depois de impostos de duas

    empresas com diferentes nveis de alavancagem no sero proporcionais, logo no ir

    existir um processo de arbitragem que force a paridade no valor das aces.

    De acordo com o trabalho de 1963, quanto maior a alavancagem da empresa, menor o

    montante de impostos pagos para o mesmo lucro antes de impostos, o que evidncia o

    benefcio proporcionado pelo endividamento. Na presena dos pressupostos

    estabelecidos por M&M, nomeadamente a ausncia de custos de falncia, uma empresa

    deveria ser financiada exclusivamente por dvida.

  • 7

    2.4 - A VISO TRADICIONAL VS M&M

    Aps a publicao do estudo de M&M (1958), alguns trabalhos dedicaram-se a reflectir

    sobre as proposies, surgindo um conjunto de artigos que opuseram a viso

    tradicionalista de M&M.

    No ano seguinte publicao do artigo de 1958, Durand analisou algumas das restries

    adoptadas por M&M, apontando como principais limitaes a ausncia de progressos na

    definio operacional do custo de capital, o facto de os investidores deterem grande

    liberdade quando comparados com as empresas (que no podem fazer arbitragem),

    concluindo que o equilbrio proposto por M&M funciona num mercado imperfeito,

    irrealista e inconsistente. Outros argumentos enunciados foram a incoerncia existente

    no conceito de aces de risco equivalente em que os cash-flows podem variar de forma

    aleatria mas que so perfeitamente correlacionados, que segundo o autor deriva de um

    equilbrio esttico que no funciona numa economia dinmica em que as aces no so

    vendidas ao valor de balano.

    A resposta s crticas de Durand (1959) surgiu no mesmo ano. M&M (1959)

    esclareceram alguns pontos relativos ao artigo de 1958 e destacaram que o mesmo

    representou um ponto de partida para futuros estudos sobre o custo do capital e outros

    temas relacionados.

    Os trabalhos subsequentes de Weston (1963), Solomon (1963), Brewer e Michaelsen

    (1965) continuaram a reflectir as controvrsias entre tradicionalistas e M&M.

    Weston (1963) criticou o facto dos particulares poderem-se endividar mesma taxa das

    empresas e apontou falhas nos estudos empricos efectuados pelos autores, defendendo

    a viso tradicional em detrimento das proposies de M&M.

    Solomon (1963) reflectiu sobre o papel dos impostos na estrutura de capitais, criticando

    o artigo de 1958 que enunciava que os impostos no tinham qualquer efeito no custo de

    capital. No mesmo ano M&M admitiam o erro e publicaram um artigo que corrigiu a

    essa questo.

    O trabalho de Brewer e Michaelsen (1965) compara a adeso realidade da inclinao

    da curva do custo da dvida e do capital prprio em funo do endividamento

    enunciados na viso tradicional e em M&M. Os autores enunciam duas incoerncias no

    trabalho de 1958: i) considera uma curva ascendente para o custo do capital alheio,

  • 8

    violando o pressuposto de ausncia de risco da dvida e ii) a abordagem simplista como

    tratada a poupana fiscal de uma empresa endividada.

    Nos anos subsequentes muito se escreveu sobre as proposies de M&M e so inmeros

    os trabalhos que ora as criticam, ora as defendem, levando muitas vezes M&M a

    elaborarem respostas que desmontavam os argumentos daqueles que questionavam a

    irrelevncia da estrutura de capitais.

    Para alm dos artigos enunciados neste ponto, outros trabalhos como Modiglini e Miller

    (1965), Heins e Sprenkle (1969), Modiglini e Miller (1969) e Stiglitz (1969) reflectiram

    sobre as proposies de M&M. Estes e outros trabalhos podem ser encontrados em

    Archer e DAmbrosio (1976).

    2.5 - OUTRAS ABORDAGENS

    Apesar de toda a controvrsia que as proposies de M&M suscitaram, outros autores

    partiram delas e desenvolveram trabalhos que visavam descortinar as implicaes da

    quebra dos pressupostos do modelo para a estrutura de capitais.

    Considerando os trabalhos de Harris e Raviv (1991), Frydenberg (2004) e Frank e

    Goyal (2007a) possvel dividir as contribuies para o tema da estrutura de capitais

    em cinco categorias:

    o Trade-off theory Modelos que assentam numa anlise custo / benefcio da

    dvida. Segundo estes modelos, a escolha da proporo de capital prprio e

    dvida altera o valor da empresa, pelo que possvel determinar uma

    combinao ptima que maximize o valor. Neste ponto so abordadas as

    implicaes para a estrutura de capitais dos impostos (Miller, 1977 e DeAngelo

    e Masulis, 1980), custos de falncia (Baxter, 1967; Warner, 1977 e Altman,

    1984) e custos de agncia (Jensen e Meckling, 1976; Jensen, 1986 e Stulz,

    1990).

    o Modelos baseados na assimetria de informao Estudam o impacto da

    diferena informacional entre os agentes internos e externos da organizao na

    definio da estrutura de capitais. Neste ponto so abordadas as teorias do

    pecking order (Myers e Majluf, 1984) e a teoria da sinalizao (Ross, 1977 e

    Leland e Pyle, 1977).

  • 9

    o Modelos baseados nas caractersticas organizacionais Modelos que relacionam

    a estrutura de capitais com a actividade da empresa: concorrncia (Brander e

    Lewis, 1986 e Maksimovic, 1988), activos / factores produtivos (Balakrishman e

    Fox, 1993, Sarig, 1998 e Shleifer e Vishny, 1992) e produtos (Titman, 1984).

    o Modelos baseados no controlo da empresa Estudam a temtica em funo do

    controle da organizao: direito a voto e possibilidades de takeovers hostis

    (Harris e Raviv, 1988 e Stulz, 1988).

    o Market timing theory A escolha entre dvida e capital prprio depende das

    condies de mercado, optando-se pelos instrumentos de financiamento mais

    favorveis (Korajczyk e Levy, 2003; Lucas e McDonald, 1990 e Opler e Titman,

    1998).

    2.5.1 - Trade-off theory

    Os modelos apresentados em seguida concluem que a estrutura de capitais emerge de

    uma anlise custo / benefcio do endividamento, colocando nfase no papel dos

    impostos, custos de falncia e custos de agncia na determinao da estrutura de

    capitais.

    2.5.1.1 - Static trade-off theory (impostos e custos de falncia)

    De acordo com Myers (1984), a utilizao de capitais alheios tem dois efeitos opostos: o

    efeito positivo do benefcio fiscal e o efeito negativo dos custos de falncia, pelo que

    possvel determinar uma estrutura de capitais que optimize a relao custo / benefcio,

    maximizando o valor da empresa. Frank e Goyal (2007c) enunciam que a teoria de

    Myers comporta dois momentos distintos: i) o endividamento da empresa determinado

    por um trade-off num nico perodo entre os benefcios fiscais do endividamento e os

    custos de falncia e ii) a empresa vai corrigindo eventuais desfasamentos ao longo do

    tempo, pois eventos aleatrios implicam o afastamento da empresa da estrutura de

    capitais alvo (Shyam-Sunder e Myers, 1999 e Frank e Goyal, 2007c). A teoria do trade-

    off prev assim um comportamento de reverso para a mdia da estrutura de capitais7.

    7 Os trabalhos de Frank e Goyal (2007c), Shyam-Sunder e Myers (1999) e Marsh (1982) referem as

    dificuldades para a comprovao emprica desta teoria, uma vez que a estrutura de capitais alvo no

    directamente observvel. Shyman-Sunder e Myers (1999) utilizaram como proxy o rcio de

    endividamento mdio para um perodo de 19 anos e Marsh (1982) usou a mesma proxy para um perodo

    de 10 anos.

  • 10

    O efeito fiscal foi primeiramente enunciado por Durant (1952) e M&M (1963). Segundo

    M&M (1963), uma empresa deveria ser financiada exclusivamente por capitais alheios

    sobre determinados pressupostos, de entre eles a ausncia de custos de falncia, pois o

    custo da dvida permite a reduo do lucro tributvel diminuindo o montante de

    impostos pagos pela empresa.

    Miller (1977), alguns anos mais tarde, desenvolveu um modelo que considera os

    impostos sobre os investidores. O autor explica o impacto da estrutura de capitais das

    empresas com investidores sujeitos a diferentes taxas de imposto. Segundo o autor,

    considerando as decises de investimento fixas, as empresas sero capazes de incentivar

    os investidores a trocarem aces por dvida desde que a poupana fiscal da empresa

    seja maior do que o prejuzo fiscal para as pessoas singulares. Como existem vrios

    investidores com diferentes taxas de imposto, a troca de aces por dvida cessa quando

    a poupana fiscal ao nvel da empresa iguala o custo fiscal ao nvel dos indivduos.

    Assim, o rcio de endividamento depender da taxa de imposto sobre as empresas e

    investidores localizados nos diversos escales fiscais. Se a tributao s empresas for

    aumentada, a migrao (troca de aces por dvida) iniciar-se- novamente, conduzindo

    a um rcio de endividamento de equilbrio superior. O objectivo do trabalho de Miller

    foi ilustrar como os impostos sobre as empresas e as pessoas singulares determinam

    uma estrutura de capitais de equilbrio.

    DeAngelo e Masulis (1980) desenvolveram um modelo de estrutura ptima de capitais

    que incorporava o impacto dos impostos sobre os rendimentos das empresas, dos

    particulares e as vantagens fiscais no resultantes do endividamento. Os autores

    concluram que quanto maiores forem as alternativas de proteco aos lucros

    (amortizaes, provises, contribuies para o fundo de penses, etc..) das empresas,

    menor ser o benefcio fiscal esperado pela dvida e consequentemente o incentivo ao

    endividamento.

    No que concerne aos custos de falncia, o trabalho de Baxter (1967) explicou como o

    endividamento excessivo resulta no aumento do custo do capital para a empresa. O

    autor afirmou que a alavancagem financeira aumenta o risco de falncia o que origina o

    aumento da taxa de retorno exigida pelos investidores. Segundo Brealey e Myers

    (2007), as falncias no so baratas, rpidas e sem dor, existem custos elevados

    associados ao processo de falncia de uma empresa. Estes custos no se resumem aos

  • 11

    custos directos de transferncia dos activos, avenas pagas a advogados e despesas dos

    tribunais, existem tambm custos indirectos decorrentes das dificuldades de

    operacionalizao da empresa enquanto decorrer o processo de liquidao da empresa.

    Cremers et al. (2007) alertam ainda para o facto de num processo de falncia poder

    existir uma reordenao dos direitos dos credores da empresa, pelo que nem sempre

    esto completamente salvaguardados os direitos prioritrios contratualizados entre as

    partes8.

    O trabalho de Warner (1977) testemunha o enunciado por Brealey e Myers (2007). O

    autor estudou 11 empresas ferrovirias que passaram por um processo de falncia entre

    1933 e 1955, concluindo que no existem incentivos para que a comisso liquidatria

    conduza o negcio de forma eficiente e tome decises que maximizem o valor da

    empresa. Segundo o autor, os custos de falncia sero tanto maiores quanto menor o

    valor de mercado da empresa, uma vez que a existncia de custos fixos permitem

    economias de escala9.

    2.5.1.2 - Modelos baseados nos custos de agncia

    O trabalho de referncia sobre a temtica dos custos de agncia o de Jensen e

    Meckling (1976). Os autores descrevem dois tipos de custos de agncia: i) entre

    accionistas e gestores e ii) entre accionistas e obrigacionistas.

    O conflito de interesses existente entre accionistas e gestores ocorre quando os ltimos

    desviam recursos da organizao em benefcio prprio, prejudicando a maximizao do

    valor para o accionista. O gestor tem incentivos para maximizar a sua riqueza pessoal,

    privilegiando a segurana no emprego, o estatuto social e outras regalias. Jensen explica

    que quando a gesto no detm a totalidade do capital, existe uma parte de direitos

    residuais que no lhes so devidos. Como suportam a totalidade do custo (o esforo e o

    8 Os autores referem a ttulo de exemplo a existncia de covenants nas obrigaes que previnem a

    emisso de dvida snior face existente. 9 Dentro do contexto dos custos de falncia, Altman (1984) desenvolveu um modelo para o clculo do

    valor presente dos custos de falncia esperados, a fim de compar-lo com o valor presente dos benefcios

    fiscais decorrentes da alavancagem. O autor comprovou que os custos de falncia so relevantes para a

    deciso sobre a estrutura de capitais das organizaes, j que em alguns casos excedem em 20% o valor

    da empresa antes da falncia. No mesmo artigo, o autor identificou que estes custos eram semelhantes

    para as empresas do retalho, mas mais elevados para as empresas industriais.

  • 12

    empenho pessoal10

    ) e apenas retiram parte do benefcio, no vo ser especialmente

    diligentes na defesa dos interesses dos accionistas.

    Uma das formas de reduzir este conflito de interesses atravs do endividamento. Por

    um lado constitui uma obrigao contratual assumida pela empresa (incentiva os

    gestores a fazerem um bom trabalho, a terem menos regalias e a tomarem melhores

    decises de investimento de modo a evitarem a falncia da empresa) e por outro diminui

    os cash-flows disponveis (logo diminui o poder discricionrio de gesto).

    Os trabalhos de Jensen (1986) e Stulz (1990) assumem que a gesto retira utilidade da

    administrao de empresas grandes, pelo que tm incentivos em aumentar a dimenso

    (comportamento de empire building11

    ), mesmo que esse objectivo seja contrrio aos

    interesses dos accionistas. Os autores enunciam que na ausncia de oportunidades de

    investimento com valor actual lquido positivo, a nica forma de incrementar a

    dimenso ser a implementao de projectos com valor negativo. Assim sendo, o

    endividamento impediria que empresas com poucas oportunidades de investimento

    tenham problemas de sobreinvestimento.

    O aumento do nvel de endividamento, seja para reduzir os custos de agncia do capital

    prprio ou por qualquer outro motivo, pode levar a empresa a enfrentar outro tipo de

    custo, o chamado custo de agncia da dvida. Brealey e Myers (2007) citam 5 situaes

    em que existem conflitos de interesse entre accionistas e obrigacionistas: i) transferncia

    de risco; ii) recusa de contribuir com capitais prprios; iii) diminuio da propriedade;

    iv) ganhar tempo e v) prejudicar os antigos obrigacionistas. Atravs destas estratgias,

    que os autores definiram por jogos, os accionistas transferem riqueza para si custa dos

    credores.

    A primeira situao assenta no facto dos accionistas serem incentivados a escolher

    projectos de investimento que ofeream os maiores retornos mesmo que o risco seja

    elevado e que tenham valor lquido negativo. De acordo com Jensen e Meckling (1976),

    10

    Segundo Jensen e Meckling (1976), os custos relativos aos conflitos entre gesto e accionistas no se

    limitam ao consumo de mordomias por parte dos primeiros. Um dos custos mais importante diz respeito falta de incentivo realizao de actividades criativas (por exemplo, a procura de novos mercados e o

    desenvolvimento de novos produtos), o que bastante prejudicial ao desenvolvimento / crescimento da

    empresa. 11

    Termo ango-saxnico que significa construir um imprio, ou seja, a gesto preocupa-se mais com o crescimento organizacional em detrimento na maximizao do valor para o accionista. A gesto de uma

    grande organizao em princpio ter um salrio mais elevado, ter mais mordomias e usufruir de maior reputao e visibilidade.

  • 13

    se o projecto tiver sucesso, os accionistas recebem a maior parte dos ganhos, mas se for

    ao contrrio, os credores suportam a maior parte dos custos.

    Na segunda situao, os accionistas ao preverem uma possvel falncia diminuem os

    seus investimentos na empresa. Esta situao acontece porque eles acreditam que novos

    investimentos beneficiam essencialmente os credores, na medida em que valorizam

    bens que seriam usados para satisfazer as dvidas em caso de falncia. Frydenberg

    (2004) refere que este conflito real, apontando como exemplo o facto das instituies

    financeiras por vezes suportarem os novos projectos de empresas em dificuldades de

    modo a garantir os seus emprstimos anteriores.

    A terceira situao consiste em diminuir a participao dos accionistas na empresa na

    iminncia de uma falncia, por exemplo atravs do pagamento de um dividendo

    extraordinrio, fazendo com que sobrem menos activos para os credores. O valor de

    mercado das aces da empresa desce menos do que o montante dos dividendos pagos,

    porque o declnio do valor da empresa partilhado com os credores.

    A outra situao baseia-se na ideia de adiar o mais possvel a falncia da empresa em

    dificuldades. Por exemplo atravs da manipulao contabilstica, encorajando falsas

    esperanas de recuperao ou efectuando cortes nas despesas de manuteno, pesquisa e

    desenvolvimento com o objectivo de melhorar a percepo sobre a situao da empresa.

    Por ltimo, os accionistas podem mudar repentinamente a poltica de endividamento da

    empresa. Ao mudarem de uma poltica conservadora de emisso de dvida de baixo

    risco, para uma mais agressiva, repentinamente, transformam o risco de toda a dvida,

    impondo prejuzos aos antigos obrigacionistas. O que os obrigacionistas antigos perdem

    ganham os accionistas.

    2.5.3 - Modelos baseados na assimetria de informao

    Estas teorias assentam na ideia que a gesto (internos) detm informao que os

    investidores (externos) no possuem. Segundo Harris e Raviv (1991), existem dois tipos

    de abordagem desta temtica: i) as decises de financiamento so uma forma de mitigar

    ineficincias das decises de investimento causadas pela assimetria de informao

    (Myers e Majluf, 1984 e Myers, 1984); ii) a estrutura de capitais uma forma de

    sinalizar para o exterior a informao detida pelos internos (Ross, 1977, Leland e Pyle,

    1977).

  • 14

    Atravs de um modelo terico Myers e Majluf (1984)12

    explicaram de que forma as

    decises de investimento so influenciadas pelas decises de financiamento, quando os

    gestores tm mais informao do que os investidores sobre o valor dos activos. Os

    autores mostraram que o desconto no preo dos ttulos pode ser de tal forma elevado,

    que os projectos com valor actual lquido positivo no so implementados pela gesto se

    financiados atravs da emisso de novas aces, pois implicaria uma transferncia de

    valor dos antigos accionistas para os novos accionistas. Segundo os autores, na presena

    de assimetria de informao, o modelo revelou que as empresas devero financiar os

    novos projectos primeiro pela reteno de dividendos, em seguida emitir obrigaes e

    s por ltimo aumentar o capital, isto , optar sempre pelos meios com menos risco em

    detrimento dos outros. A concluso retirada neste trabalho vai de encontro ao que Myers

    (1984) definiu por pecking order theory13

    . Segundo o autor, as empresas preferem o

    financiamento interno a externo e o endividamento emisso de aces. No mesmo

    artigo, o autor refere que mesmo que as aces estejam sobrevalorizados pelo mercado a

    hierarquia respeitada, apesar da regra aparentemente a seguir parecer privilegiar as

    novas aces ou activos com risco de novo a tirar a mxima vantagem dos novos

    investidores. O autor esclarece que o problema desta estratgia que os investidores

    sabem que a empresa s ir emitir novas aces apenas se estiverem sobrevalorizadas,

    pelo que s as adquirem quando a capacidade de endividamento da empresa estiver

    esgotada, obrigando a gesto a seguir o pecking order. Na teoria da hierarquia das

    escolhas, o benefcio fiscal dos juros um efeito de segunda ordem, pelo que os rcios

    de endividamento alteram-se apenas quando existe um desequilbrio entre os fundos

    gerados internamente e as oportunidades de investimento reais, no existindo qualquer

    noo de rcio de endividamento ptimo (Shyam-Sunder e Myers, 1999).

    Enquanto que para Myers (1984) e Myers e Majluf (1984) a estrutura de capitais surgia

    como forma de resoluo dos problemas de subinvestimento, existem outros modelos

    que tm como pressuposto que as decises de investimento so fixas e que a estrutura

    de capitais uma forma de sinalizar a informao detida pela gesto. No modelo de

    Ross (1977) os gestores conhecem a distribuio dos retornos mas os investidores no.

    Segundo o autor, as piores empresas enfrentam mais custos de falncia para qualquer

    12

    O modelo desenvolvido por Myers e Majluf (1984) tem como pressuposto que a gesto actua sempre na

    defesa dos interesses dos accionistas, eliminando da sua anlise o sobreinvestimento resultante de

    comportamentos de empire building por parte da gesto. 13

    Myers (1984) esclarece que a hiptese do pecking order j tinha sido tratada por outros autores,

    chamando para si a autoria do termo.

  • 15

    nvel de dvida, pelo que os investidores assumem que as empresas mais endividadas

    so as melhores. As principais concluses do autor so: i) o valor da empresa, o

    endividamento e a probabilidade de falncia esto correlacionados de forma positiva,

    logo um aumento nos custos de falncia, mantendo-se tudo o resto constante, implica

    uma diminuio do endividamento de modo a reduzir a probabilidade de falncia; ii) a

    emisso de dvida so boas notcias para o mercado; iii) a gesto beneficia se as aces

    so valorizadas pelo mercado, mas penalizada se a empresa vai falncia, enfrentando

    um trade-off entre os benefcios da sinalizao ao mercado e os custos de falncia.

    Leland e Pyle (1977) apresentaram um modelo baseado na averso ao risco da gesto.

    Os autores argumentam que o aumento do endividamento permite aos gestores reter

    uma maior proporo de direitos residuais, mas ao mesmo tempo reduz o seu bem estar

    atravs do aumento do risco de falncia. Este efeito ser tanto menor quanto melhor for

    a qualidade dos seus projectos, logo os gestores com bons projectos podem sinalizar

    esse facto atravs do aumento do endividamento sem colocarem em risco os seus postos

    de trabalho.

    2.5.4 - Modelos baseados nas caractersticas organizacionais

    Este tipo de modelos pode ser dividido em duas categorias: i) os modelos que se

    baseiam na interaco estratgia entre competidores e ii) os que estudam as

    caractersticas do produto e dos factores produtivos.

    Brander e Lewis (1986)14

    , utilizando o referencial terico da economia industrial,

    concluram que as empresas a operar num mercado oligopolista tendem a ter mais

    dvida do que as que so monopolistas e as que operam em indstrias mais

    competitivas. O endividamento ao permitir s empresas produzir mais, implica uma

    diminuio da produo das suas concorrentes, logo em equilbrio as empresas

    oligopolistas vo optar por ter nveis de endividamento superiores face s que operam

    em sistemas monoplistas. O autor chamou tambm a ateno para o facto de este novo

    equilbrio (equilbrio do Cournot) permitir s empresas produzirem mais, mas ficando

    em pior situao do que se fossem exclusivamente financiadas por capitais prprios

    (ganhando o excedente do consumidor). Maksimovic (1988), analisando o mercado em

    oligoplio e assumindo que o objectivo da gesto seria maximizar o valor para os

    14

    O trabalho de Brader e Lewis (1986) do domnio da economia industrial, colocando nfase nas

    variveis preo e quantidade com o objectivo de maximizar do valor da empresa.

  • 16

    accionistas, concluiu que a capacidade de endividamento aumenta com a elasticidade da

    curva da procura e diminui com a taxa de juro.

    As teorias que relacionam as caractersticas organizacionais com a estrutura de capitais

    podem tambm ser discutidas com base na especificidade dos activos da empresa.

    Activos especficos podem ser definidos como aqueles em que o seu uso mais

    eficiente em uma empresa especfica do que em qualquer outra empresa (Balakrishman

    e Fox, 1993)15

    . Segundo os autores, no caso de liquidao da empresa, os activos mais

    especializados tm maior perda de valor, pelo que os emprstimos garantidos por essa

    categoria de activos contam com pouca proteco. Os autores resumiram a relao entre

    a natureza dos activos e o endividamento da empresa na seguinte forma: positivamente

    relacionada com o nvel de reutilizao dos activos e negativamente com o investimento

    em activos intangveis. O alto grau de risco associado ao investimento em activos

    especficos ou intangveis, aliado, por vezes, ao longo perodo de retorno, torna a

    captao de recursos alheios mais difcil por parte das empresas. Sarig (1998) chegou s

    mesmas concluses relativamente ao capital humano: as empresas em que os

    trabalhadores so facilmente transferidos tendem a ser mais endividadas.

    Shleifer e Vishny (1992), no mesmo contexto, elaboraram um modelo terico que

    estabelece uma relao entre a liquidez do mercado secundrio dos activos da empresa e

    a estrutura ptima de capitais. Para os autores a maior parte dos activos so especficos

    de determinadas indstrias, logo os concorrentes da empresa so os melhores

    compradores para esses activos. O custo de transferncia dos activos entre competidores

    e a estrutura de capitais das empresas concorrentes afectam a liquidez do mercado

    secundrio de activos, pelo que so importantes na determinao da estrutura de capitais

    da empresa. Assim sendo, eles estabelecem que as empresas vo ser mais endividadas

    se os seus activos tiverem um mercado secundrio lquido, isto , se os seus

    competidores forem pouco endividados16

    .

    O trabalho de Titman (1984) focou-se ao nvel dos produtos. Segundo o autor, empresas

    que produzem bens e servios nicos ou de elevada qualidade geralmente so menos

    15

    Em outras palavras, a realocao dos activos para uma actividade qual no foi programado geraria

    uma perda de valor. Por isso, o investimento em tais activos tende a gerar diferenciais competitivos entre

    as empresas garantindo, maiores margens e melhor posicionamento de mercado. Segundo os autores so

    estes activos que permitem s empresas maior competitividade, pois so difceis de copiar ou imitar pela

    concorrncia. 16

    Os autores argumentam que se os competidores no tiverem possibilidades financeiras para comprar os

    activos da empresa, devido ao elevado endividamento, o mercado secundrio no funcionar.

  • 17

    endividadas, isto , assumem menos risco de falncia. O autor afirma que a existncia

    de custos ao nvel dos clientes e fornecedores, tais como, os consumidores no

    encontrarem outro fornecedor equivalente e os fornecedores no terem mercados

    alternativos, no so considerados pelos investidores no pedido de liquidao da

    empresa, o que implica que a estrutura de capitais funcione como um comprometimento

    da empresa / accionistas perante estes grupos de interesse.

    Harris e Raviv (1991) e Brealey e Myers (2007) afirmam que os modelos baseados em

    factores organizacionais produzem resultados interessantes, podendo explicar as

    diferenas no endividamento entre sectores de actividade.

    2.5.5 - Modelos baseados no controlo da empresa

    Existe um conjunto de trabalhos que estudaram a relao entre o controlo da empresa e

    a estrutura de capitais. A base destes estudos assenta no facto de as aces garantirem o

    direito de voto ao contrrio da dvida.

    Segundo Harris e Raviv (1991), os resultados dos trabalhos que relacionam o controlo

    da empresa e a estrutura de capitais sugerem que a ameaa de transferncia de controlo

    organizacional leva ao endividamento da empresa. Por exemplo, a ameaa de um

    takeover pode levar a gesto a sinalizar o mercado da boa sade financeira da empresa

    atravs do endividamento. No mesmo artigo, os autores fazem a ressalva que este tipo

    de teorias devem ser vistas como mudanas na estrutura de capitais de curto prazo como

    resposta a ameaas iminentes de takeover, no contribuindo para explicar a estrutura de

    capitais da empresa no longo prazo. Os artigos de Harris e Raviv (1988) e Stulz (1988)

    so dois trabalhos de referncia nesta temtica.

    A relao entre o endividamento e o controlo da empresa abordada com maior

    profundidade quando se estabelece a relao entre corporate governance e estrutura de

    capitais (ponto 3.2.1.1.2).

    2.5.6 - Market timing theory

    A ideia bsica destes modelos que o gestor, aquando da deciso de financiamento, vai

    analisar as condies de mercado da dvida e das aces optando por aquelas que forem

    mais favorveis.

  • 18

    Segundo Frank e Goyal (2007a), o market timing theory assenta nos seguintes

    pressupostos: i) se nenhuma alternativa lhe for favorvel, o gestor vai adiar a deciso de

    financiamento o mximo possvel e ii) se existirem condies favorveis excepcionais

    no mercado, ele vai aproveitar mesmo que no existam necessidades de financiamento

    prementes.

    Lucas e McDonald (1990) construram um modelo emprico que valida parcialmente o

    enunciado no market timing theory: i) a emisso de aces, em mdia, precedida por

    um perodo de retorno anormal positivo dos ttulos, apesar de para algumas empresas

    esse perodo ser de retornos negativos e ii) a emisso de aces so maiores em

    perodos em que o mercado accionista est em crescimento, pois a reaco negativa do

    mercado menor. O trabalho de Korajczyk e Levy (2003) enuncia que variaes nas

    condies macroeconmicas, tais como alteraes no preo relativo dos activos, leva as

    empresas a escolheram estruturas de capitais diferentes ao longo do tempo.

    Num inqurito efectuado a gestores, Graham e Harvey (2001) concluram que o preo

    das aces o terceiro factor mais importante na deciso de emitir novos ttulos de

    capital e que a estrutura temporal das taxas de juro tem um peso considervel aquando

    da emisso de dvida.

    Opler e Titman (1998) enunciam que o facto de as empresas emitirem aces aps um

    perodo de aumento das cotaes inconsistente com a existncia de rcios de

    endividamento ptimos, pois o aproveitamento das janelas de oportunidade

    incongruente com a prossecuo de qualquer objectivo.

    Em anexo so apresentados dois quadros resultantes da reviso de 10 estudos

    empricos17

    que analisaram os determinantes da estrutura de capitais e que so

    comummente referenciados na literatura: i) no Anexo 1 so apresentadas as principais

    concluses dos trabalhos, onde se refere a amostra, a metodologia e as variveis

    consideradas e ii) no Anexo 2 efectuada uma anlise comparativa entre os resultados

    obtidos nos diferentes estudos.

    17

    Os estudos analisados foram: Toy et al. (1974), Ferri e Jones (1979), Marsh (1982), Bradley et al.

    (1984), Titman e Wessels (1988), Rajan e Zingales (1995), Jorge e Armanda (2001), Miguel e Pindado

    (2000) e Frank e Goyal (2007a).

  • 19

    3- CORPORATE GOVERNANCE

    A produo est organizada em empresas porque a eficincia exige geralmente a

    produo em larga escala, a angariao de recursos financeiros significativos e uma

    gesto e um controlo cuidadoso das actividades correntes, Samuelson e Nordhaus

    (1999).

    The power-sharing relationship between investors and managers is defined by the

    rules of corporate governance, Gompers et al. (2003)18.

    3.1 CONCEITO

    Uma empresa uma entidade legal autnoma que pode, em benefcio prprio, comprar,

    vender, endividar-se, produzir bens e servios e participar em contratos. A propriedade

    das grandes empresas detida pelos accionistas que possuem aces do respectivo

    capital social. O accionista pode ser um indivduo ou uma entidade que legalmente

    detm uma ou mais aces que correspondem a um quinho do capital da empresa e

    pretende ver valorizada essa participao. Em empresas de grande dimenso e cotadas

    em bolsa, os accionistas elegem o Conselho de Administrao, que por sua vez escolhe

    a gesto de topo. Nas empresas, o principal (o accionista) delega o direito de deciso ao

    agente (o gestor) para agir no seu interesse. A separao entre propriedade e a gesto

    implica uma perda efectiva de controlo dos accionistas sob as decises da gesto.

    Na ausncia de instrumentos vlidos de proteco dos accionistas, a gesto pode utilizar

    a sua posio para acumular benefcios econmicos, comprometendo no s o

    desempenho da empresa no longo prazo, mas tambm a sua capacidade de criao de

    valor (Rocca, 2007). A aco dos gestores pode ter trs resultados diferentes: i) criar

    valor para os accionistas sem diminuir o valor para os outros stakeholders19

    ; ii)

    transferir valor entre diferentes stakeholders e iii) destruir valor.

    O corporate governance (ou governo das sociedades) trata dos mecanismos atravs dos

    quais os stakeholders exercem o controlo sobre os gestores da empresa de forma a

    assegurar a proteco dos seus interesses (John e Senbet, 1998). Por stakeholders

    18

    A partilha de poder entre a gesto e os investidores definida pelas regras de corporate governance.

    Traduo livre. 19

    Termo anglo-saxnico que significa todos os que tm interesses na empresa, isto , accionistas,

    obrigacionistas, Estado, clientes, fornecedores, trabalhadores e comunidade.

  • 20

    entende-se no s os financiadores da empresa20

    (accionistas, obrigacionistas e outros),

    mas tambm os empregados, consumidores, fornecedores e o Estado. Gillian e Starks

    (1998) definem estes mecanismos como o conjunto de leis, regras, processos e factores

    que controlam as operaes na empresa.

    Dentro do contexto da teoria da agncia, uma soluo para a minimizao dos custos

    decorrentes da expropriao por parte da gesto e dos custos dos mecanismos de

    corporate governance seria a elaborao e a estruturao de contratos completos (ou

    perfeitos) entre o principal (accionista) e o agente (gestor). No entanto, os contratos

    completos, totalmente contingenciais e minimizadores de custos no existem, porque a

    incerteza implicaria a contemplao de um vasto nmero de situaes que impossvel

    especificar e quantificar.

    O conceito de corporate governance complexo e compreende vrias dimenses. A

    literatura divide os mecanismos21

    em internos e externos (Farinha, 2003; Gillan, 2006 e

    Rocca, 2007). Rocca (2007) define do seguinte modo as duas dimenses do conceito de

    governance: i) mecanismos internos so o conjunto de factores que determinam como o

    poder est distribudo dentro da organizao de modo a superar os problemas

    decorrentes dos contratos incompletos entre os diferentes stakeholders; ii) os

    mecanismos externos so as regras, instituies e prticas desenvolvidas para proteger

    os investidores dos comportamentos oportunistas da gesto.

    Obviamente que os factores no so independentes uns dos outros, pelo que se podem

    influenciar mutuamente, sendo por vezes bastante difcil classificar alguns deles como

    exclusivamente internos ou externos dadas as diferentes implicaes que podem ter no

    funcionamento da organizao22

    .

    Kapller e Love (2004) demonstram que empresas dentro do mesmo ambiente contratual

    podem apresentar diferentes nveis de corporate governance. Os autores encontraram

    empresas com boas prticas de governance em pases com fraca proteco legal e

    20

    Shleifer e Vishny (1997) incluem apenas os direitos dos financiadores da empresa no conceito de

    corporate governance. 21

    semelhana do que acontece na literatura anglo-saxnica em que se utiliza indistintamente os termos

    mechanism, rules, provisions, laws de corporate governance, no presente trabalho tambm se utiliza de

    forma indiferenciada os termos mecanismos, factores e indicadores de governance. A ttulo de exemplo

    remete-se para os trabalhos de Gompers et al. (2003), Cremers e Nair (2004), Brown e Caylor (2006) e

    Bebchuk et al. (2008). 22

    Os trabalhos de Farinha (2003) e Gillian (2006) so artigos de referncia na distino entre mecanismos

    internos e externos de governance.

  • 21

    empresas com prticas consideradas ms em pases com boa proteco legal dos

    investidores.

    3.2 O GOVERNANCE COMO DETERMINANTE DA ESTRUTURA DE CAPITAIS

    As prticas de corporate governance tm implicaes na definio da estrutura de

    capitais no mbito dos modelos baseados na Teoria da Agncia, Controlo da Empresa23

    e na Assimetria de Informao.

    3.2.1 Teoria da agncia

    3.2.1.1 Accionistas / gestores

    A relao entre o endividamento e o corporate governance no mbito da relao

    controversa entre accionistas e gestores divide-se em trs perspectivas no mutuamente

    exclusivas: i) perspectiva da substituio; ii) perspectiva do resultado (balanceamento

    entre o modelo da agncia puro e os modelo de controlo da organizao) e iii) outras

    perspectivas (finanas comportamentais).

    Perspectiva da substituio

    A estrutura de capitais funciona como um mecanismo de corporate governance na

    medida em que o endividamento actua como factor disciplinador, limitando a

    discricionariedade dos gestores ao reduzir o cash-flow livre, ao criar presses em termos

    desempenho para o pagamento do servio da dvida e ao aumentar o incentivo dos

    credores na monitorizao da gesto (Jensen e Meckling, 1976 e Jensen, 1986).

    A perspectiva da substituio estabelece que o endividamento e as prticas de corporate

    governance concorrem para o mesmo objectivo: impedir a expropriao dos direitos dos

    accionistas por parte da gesto ou dos accionistas que controlam a empresa, pelo que as

    empresas com pior governance deveriam ser mais endividadas, uma vez que a dvida

    substitui os outros mecanismos de governance na resoluo do problema da agncia. Os

    gestores de empresas endividadas tm incentivos para aumentar a eficincia de modo a

    eliminarem os efeitos nefastos do processo de falncia.

    Graham e Harvey (2001), num inqurito efectuado a gestores, concluram que a gesto

    no atribui importncia ao papel do endividamento na sua disciplina, apresentando duas

    23

    A questo do controlo da empresa est intimamente relacionada com a problemtica da agncia, pelo

    que se optou por tratar conjuntamente.

  • 22

    justificaes possveis para esse facto: i) dificuldade dos gestores em admitirem isso; e

    ii) a incapacidade dos accionistas em adoptarem a soluo proposta por Jensen.

    Alguns autores, no descartando o papel que o endividamento pode ter na resoluo do

    conflito de interesses entre a gesto e os accionistas, mostram-se relutantes na sua

    utilizao exclusiva para a prossecuo desses fins.

    Farinha (2003), sobre o papel disciplinador da dvida, refere que apesar de em alguns

    contextos o endividamento poder ser importante na resoluo do problema da agncia

    entre accionistas e gestores, poder ser ptimo para a empresa confiar menos no

    endividamento e mais em outros mecanismos de governance. O autor justifica esta

    afirmao enunciando alguns problemas do recurso ao endividamento: i) os custos de

    agncia entre os accionistas e obrigacionistas; ii) a inflexibilidade do servio da dvida,

    e iii) a impossibilidade de ser adoptada como soluo para o problema da agncia por

    algumas organizaes, nomeadamente por aquelas com maior risco e menos activos

    tangveis.

    Novaes (2003) alerta que, para alm dos custos para o accionistas da empresa entrar em

    um processo de falncia devido ao endividamento excessivo, a dvida pode criar um

    obstculo existncia de um takeover valioso para o accionista24

    . O autor refere que o

    nvel de endividamento ptimo dever ter um efeito disciplinador sobre a gesto sem

    impor custos elevados de falncia e sem criar demasiados obstculos existncia de

    takeovers que beneficiem os accionistas. Segundo Novaes (2003), devido a estes dois

    constrangimentos, o endividamento permitir diminuir os custos de agncia mas no

    elimin-los por completo.

    Perspectiva do resultado

    Esta viso assenta na ideia que a estrutura de capitais resultado do poder do gestor na

    organizao, que por sua vez limitado pelos mecanismos de corporate governance.

    Um conjunto de trabalhos explicam a determinao da estrutura de capitais com base no

    entrincheiramento da gesto, isto , a inexistncia de mecanismos de corporate

    governance eficazes devero influenciar o nvel de endividamento da empresa. De

    acordo com Berger et al. (1997), o entrincheiramento refere-se situao pela qual os

    gestores ficam imunes disciplina imposta por um conjunto de mecanismos de

    24

    O endividamento leva concentrao da estrutura accionista, o que implica que o potencial adquirente

    tenha que pagar um preo mais elevado para ser bem sucedido. Este preo poder ser de tal forma elevado

    que desmobilizar qualquer oferta de aquisio.

  • 23

    controlo25

    . A gesto entrincheirada, por definio, tem o poder de decidir qual a

    estrutura de capitais da empresa.

    Fama (1980), explica que os gestores so reservados relativamente ao nvel de

    endividamento das suas empresas, pois esta opo permite reduzir o risco a fim de

    proteger o seu capital financeiro e humano pouco diversificado. A equipa de gesto, ao

    ter grande parte do seu bem-estar associado aos seus empregos, bastante sensvel aos

    custos de falncia induzidos pelo endividamento, pelo que tender a minimizar esse

    risco, usando menos dvida que o ponto ptimo (maximizao do bem-estar para os

    accionistas).

    Segundo Jensen (1986), os gestores podero igualmente preferir um grau de

    endividamento menor por no apreciarem as presses em termos de desempenho

    associadas obrigatoriedade de realizar pagamentos de juros e amortizaes de dvida.

    Por exemplo, num estudo emprico, Franks et al. (2001) constataram que de entre as

    empresas com m performance financeira do Reino Unido, as que apresentam maior

    alavancagem registam um maior ndice de substituio da equipa de gesto26

    .

    Um argumento tambm relacionado com a questo da disciplina, defende que os

    gestores podem preferir emitir novas aces em detrimento do recurso divida com o

    objectivo de dispersar o capital, uma vez que a monitorizao tem caractersticas de

    bem pblico. Ao dispersar o capital, o gestor incrementa o problema do free-riding,

    afectando negativamente os incentivos dos accionistas.

    O trabalho emprico de Bertrand e Mullainathan (2003) suporta a ideia que um pior

    governance leva os gestores prossecuo dos seus objectivos pessoais, prejudicando

    os accionistas da empresa. No contexto da estrutura de capitais, assumem especial

    relevo os estudos empricos de Friend e Lang (1988), Berger et al. (1997), Gravey e

    Hanka (1999) e Kayhan (2008) que encontraram evidncias que na ausncia de

    mecanismos de governance as empresas so menos endividadas.

    Bertrand e Mullainathan (2003), ao contrrio do previsto nos modelos sobre a

    problemtica da agncia, no confirmaram a preferncia da gesto pelo empire building,

    25

    Os mecanismos de controlo apontados pelos autores so: monitorizao do Conselho de Administrao,

    possibilidade de despedimento, ameaa de takeover e sistemas de incentivos relacionados com a

    performance. 26

    Frank e Goyal (2007b) referem que o endividamento excessivo da empresa pode ser uma consequncia

    da m performance (situao que leva substituio da equipa de gesto) e no a sua causa. Os autores

    encontraram a mesma evidncia mas para empresas americanas.

  • 24

    mas antes por o que designaram de uma vida tranquila. O estudo emprico revelou que

    quando os gestores passam a estar protegidos por leis estaduais antitakeover, os salrios

    dos seus colaboradores (principalmente os de colarinho branco) aumentam, a dinmica

    de adopo de novos projectos e de abandono de projectos antigos diminui e a

    produtividade e rendibilidade da organizao sofrem uma quebra. Em termos de

    dimenso, eles verificaram que o efeito do no abandono dos projectos antigos

    compensa a no adopo de projectos novos, pelo que o efeito lquido nulo. Os

    autores explicam estes resultados com base na procura de uma vida tranquila por parte

    da gesto, evitando conflitos com empregados e sindicatos e as responsabilidades

    decorrentes da tomada de decises.

    Tal como Bertrand e Mullainathan (2003), Garvey e Hanka (1999) tambm estudaram o

    impacto da adopo de leis estaduais antitakeover, mas, neste caso, no mbito da

    estrutura de capitais. Os autores tambm no encontraram variaes significativas na

    dimenso das empresas, contudo, ao contrrio do trabalho exposto anteriormente, no

    constataram que os gestores mais protegidos implementem menos programas de

    reestruturao e de investimento e que exista qualquer diminuio da rendibilidade das

    empresas. O trabalho conclui que o aparecimento de uma proteco exgena adicional

    possibilidade de aquisio da empresa leva reduo de forma substancial do

    endividamento das empresas. Este facto assume especial importncia porque as

    empresas sediadas em estados que no implementaram essas leis, no mesmo perodo,

    aumentaram o recurso dvida. Segundo os autores, a existncia de obstculos a um

    takeover leva a equipa de gesto a diminuir o risco de falncia da empresa, o que

    coincidente com a prossecuo dos seus objectivos pessoais.

    Tambm no contexto da estrutura de capitais, Friend e Lang (1988) concluram que o

    nvel de endividamento diminui com a percentagem de aces detidas pela gesto.

    Berger et al. (1997) encontraram um grau de endividamento menor em empresas em

    que o CEO possua vrias caractersticas de entrincheiramento: a posse do cargo h

    mais tempo, remuneraes no relacionadas com a performance, vrias caractersticas

    do Conselho de Administrao (elevada dimenso e percentagem baixa de

    administradores externos) e ausncia de accionistas maioritrios. Tambm Kayhan

  • 25

    (2008) concluiu que para nveis elevados de discricionariedade27

    , a empresa tende a

    optar por capitais prprios em detrimento da dvida.

    Apesar de parecer existir fortes indcios que a gesto sujeita a menos mecanismos de

    governance tende a maximizar o seu bem estar custa dos accionistas adoptando nveis

    de endividamento inferiores, Novaes (2003) adianta uma explicao alternativa para o

    facto de a adopo de leis estaduais antitakeover implicarem uma reduo do

    endividamento (evidncia registada por Garvey e Hanka, 1999). Segundo o autor, a

    diminuio do endividamento pode ir de encontro aos interesses dos accionistas na

    medida que permite manter a possibilidade de takeover. Assim sendo, o aumento nos

    custos de takeover poder levar os accionistas a reduzir o endividamento da empresa,

    uma vez que o nvel ptimo poder ser aquele que permite manter activa essa

    possibilidade.

    A explicao apontada por Novaes reala as dificuldades em averiguar at que ponto a

    gesto influencia a estrutura de capitais da empresa de acordo com os seus interesses

    pessoais e coloca a nfase na necessidade de uma avaliao integrada dos diferentes

    mecanismos de governance.

    Assumindo que a gesto tem poder discricionrio na determinao da estrutura de

    capitais, Kayhan (2008) estabelece que ela tende a seguir uma hierarquia no

    financiamento da empresa. Primeiramente, a gesto acumula os cash-flows em vez de os

    distribuir, adoptando assim uma estrutura de capitais conservadora, o que lhes permite

    aumentar a segurana do seu emprego e financiar os seus projectos. Quando as

    empresas precisam de financiamento externo, a primazia da gesto ser a emisso de

    aces, s posteriormente optar pela emisso de dvida. No entanto, o autor refere que

    esta hierarquia moldada pela capacidade de gesto em convencer o Conselho de

    Administrao e os accionistas em aumentarem o capital e as implicaes dessa emisso

    no controlo da empresa.

    Assim, outro conjunto de teorias sugere que o entrincheiramento resulta num aumento

    do grau de endividamento acima dos valores ptimos por parte dos gestores, a fim de

    inflacionar o poder de voto das suas aces, ao mesmo tempo que diminuem a

    27

    O autor define discricionariedade da gesto como a capacidade de os gestores seguirem os seus

    prprios interesses, quer devido ausncia de mecanismos de governance, quer devido a outros factores

    (por exemplo, idade e posse do cargo h muito tempo).

  • 26

    probabilidade de uma tentativa de aquisio da empresa (Harris e Raviv, 1988 e Stulz,

    1988).

    Em termos empricos, Berger et al. (1997) registaram uma associao positiva entre o

    grau de endividamento e a posse de aces pelo gestor, sustentando a teoria que a gesto

    utiliza o endividamento para inflacionar o poder de voto das suas aces. Safieddine e

    Titman (1999) constataram que a maioria das empresas que foram alvo de takeovers no

    concretizados aumentou o endividamento, ficando mais protegidas contra tentativas

    subsequentes de aquisio. John e Litov (2008), ao constatarem que as empresas onde a

    gesto est mais entrincheirada utilizam mais dvida, concluram que o endividamento

    utilizado para evitar a ameaa de takeover. Noutro estudo, Garvey e Hanka (1999)

    concluram que a gesto no utiliza a dvida por questes de concentrao do seu poder

    de voto ao verificarem que a reduo do endividamento aps a adopo de leis estaduais

    antitakeover foi superior em empresas onde a gesto detinha menos de 5% das aces e

    que o decrscimo foi insignificante quando a gesto detm mais do que 25% do poder

    de voto.

    Sintetizando, a deciso da estrutura de capitais quando efectuada pela gesto

    (entrincheirada) tem que ser vista de uma forma balanceada entre o modelo puro da

    agncia, onde o gestor procura diminuir o endividamento de modo a evitar a disciplina

    da dvida e a exposio aos riscos da empresa, e o modelo do controlo, onde o

    endividamento funciona como um obstculo aquisio da empresa por parte de

    terceiros e permite a concentrao das aces nas suas mos ou do(s) accionista(s)

    maioritrio(s).

    Outras perspectivas

    Outros trabalhos mais recentes procuram relacionar as caractersticas / preferncias dos

    gestores com a estrutura de capitais da empresa. Cronqvist et al. (2009) compararam a

    tolerncia pessoal dos gestores ao endividamento revelada na compra da sua habitao

    principal, com as decises financeiras nas empresas que gerem28

    . Eles constataram uma

    relao positiva entre o endividamento pessoal e o endividamento da empresa, sendo a

    28

    Os autores verificaram uma grande heterogeneidade de situaes em termos de financiamento para a

    aquisio da habitao, alguns gestores revelaram-se muito tolerantes utilizao de dvida e outros

    muito avessos ao risco de crdito.

  • 27

    relao mais robusta em empresas com pior governance29

    . Segundo os autores, podem

    existir duas explicaes para este facto: i) os gestores, devido ausncia de mecanismos

    de governance, manipulam as decises de financiamento da empresa de acordo com a

    sua tolerncia ao risco de crdito, gerindo as empresas da mesma forma que conduzem a

    sua vida pessoal e ii) os CEOs so recrutados pelas empresas de acordo com as suas

    caractersticas pessoais, de entre as quais o grau de averso ao risco de crdito, pelo que

    o gestor no tem qualquer influncia na estrutura de capitais ou nas decises de

    financiamento.

    Noutro trabalho, Frank e Goyal (2007b) verificaram que quando adicionam o efeito fixo

    por CEO nas regresses que utilizam como varivel dependente o endividamento, o

    poder explicativo melhora significativamente30

    . No entanto, os autores no conseguiram

    encontrar variveis explicativas que funcionassem como proxys para as caractersticas

    pessoais dos gestores31

    .

    3.2.1.2 Accionistas / obrigacionistas

    John e Senbet (1998) abordam os mecanismos de corporate governance como um

    conjunto de prticas que permitem diminuir os custos de agncia entre accionistas e

    obrigacionistas. Os autores referem que a possibilidade dos emprestadores poderem ser

    expropriados por parte dos accionistas implica que se protejam, por exemplo, exigindo

    compensaes em caso da alterao da poltica de investimentos, limitando a poltica de

    financiamento futura da empresa ou simplesmente exigindo taxas de juro mais elevadas.

    Os autores argumentam que a adopo de mecanismos de governance permite eliminar

    a ineficincia econmica causada pelo conflito de interesses entre accionistas e

    obrigacionistas, destacando a adopo de projectos de menor valor mas de maior risco

    de modo a maximizar o valor para os accionistas e os problemas de subinvestimento

    resultantes do facto dos projectos com valor actual lquido positivo no serem

    implementados por beneficiarem mais os obrigacionistas do que os accionistas.

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