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OImpactoSocialdaPandemia
EstudoICS/ISCTECovid-19-Dadosda2ªVaga
Junho2020
PedroMagalhãesRuiCostaLopes
PedroAdãoeSilva
coord.
2
ÍNDICE
SumárioExecutivo 3
1. Fichatécnica 6
2. Caracterizaçãodaamostra 7
3. Confiançanasfontesdeinformaçãosobreapandemia 9
4. Tensõesfamiliaresdecorrentesdoconfinamento 13
5. Aspreocupaçõesemrelaçãoaofuturo 20
3
Sumário Executivo
• Esterelatóriobaseia-seemduasvagasdeinquéritoonlinesobreapandemiaCovid-
19 e os seus impactos nas pessoas que vivem em Portugal. O inquérito decorreu
entreosdias25e29demarçode2020(primeiravaga)eentreosdias24deabrile4
demaiodomesmoano(segundavaga),juntodeumaamostrade752inquiridosque
responderamàsduasvagas.Aamostranãoérepresentativadapopulaçãoresidente
emPortugal.Poressarazão,esterelatórionãoprocura fazer inferênciasdescritivas
para qualquer população,mas sim concentrar-se em três aspetos principais: 1) as
evoluçõesocorridasnoperíodoquemedeiaentreaprimeiraeasegundavagasdo
inquérito;2)arelaçãoentreasrespostasdadasnasduasvagasediferentesatributos
dosinquiridos;e3)odiscursodiretodosinquiridosemrelaçãoaalgumasperguntas
derespostaabertaincluídasnoinquérito.
• Umdos temas da segunda vaga deste estudo é o da confiança dos inquiridos em
diferentes fontes de informação sobre a pandemia.Nesta amostra,a televisão e a
imprensagozamdemaiorconfiançajuntodosinquiridoscomofontesdeinformação
sobre a pandemia do que as redes sociais ou os amigos e família, replicando os
resultadosquerdagrandeamostraonlinedaprimeiravagaquerdoestudocomuma
amostra representativa da população conduzido pelo ICS e pelo ISCTE em março
passado.1
• Deumpontodevistaagregado,poucoounadamudoudestepontodevistaentre
marçoemaiode2020.Contudo,essaaparenteestabilidadeescondeofactodemais
deumterçodeinquiridostermudadodeopiniãosobreograudeconfiançaqueas
diferentesfontesmerecem,unsganhandoconfiançaeoutrosperdendo-a.Aidadeé
o fator mais importante por detrás desses movimentos: em geral, quanto mais
velhos os inquiridos, mais diminuiu a sua confiança nas diferentes fontes de
informação,aopassoqueosmaisjovensganharamconfiança.Poroutraspalavras,o
1Magalhães,P.C.,Gouveia,R.,Costa-Lopes,R.,&Silva,P.A.e(2020).OImpactoSocialdaPandemia.Estudo
4
padrãoencontradoemmarçopassado—emqueosmais jovensconfiavammenos
em todas as fontes de informação do que os mais velhos —tornou-se menos
acentuadocomotempo.
• Outro temaabordadonestasegundavaga foiodas tensões familiaresdecorrentes
doconfinamento.Cercadeumemcadacincoinquiridosreportouquevivencioumais
momentos de tensão familiar durante o confinamento do que sucedia
anteriormente. Essa resposta foimais frequente entre osmais jovens (16-24) e os
queseencontramaestudare,emmenosgrau,entreosinquiridoscom45a54anos.
Outrofatorimportantedestepontodevistaéainstrução:quantomenosinstruídos,
maior a probabilidade de responderem que vivenciaram mais tensões na família
duranteoconfinamentodoquesucediaanteriormente.
• Esse aumento das tensões familiares foi também mais frequente nos agregados
monoparentais—umsóprogenitoreo(s)filho(s)—,nosagregadoscompostospor
família alargada — casais com filhos, pais, sogros, avós, netos, etc. — e nos
agregadosconstituídosporváriaspessoassemnúcleo—colegasdetrabalho,amigos
ouprimos. Finalmente,oaumentoda tensãono interiordas famíliasestá também
associadoàalteraçãoderotinaseàdificuldadeemlidarcomasrestriçõescausadas
peloconfinamento.
• Um terceiro tema abordado nesta segunda vaga tem a ver com as principais
preocupaçõesdosinquiridoscomofuturo.Nestaamostradeinquiridos,a“situação
económica do país” foi a preocupaçãomaismencionada, seguida da “situação de
saúdepública”eda“incertezasobrequandovoltamosaestarcomfamiliares,amigos
e colegas”. Dito isto, entre os inquiridos cuja situação financeira pessoal foi mais
afetada, a sua “situação financeira pessoal” é a segunda preocupação mais
mencionada.
• As variáveis mais relacionadas com umamaior preocupação com a saúde pública
nestaamostrasãoo sexoeoposicionamento ideológico.Emparticular,éentreas
mulhereseosqueseposicionammaisàesquerdaqueasituaçãodasaúdepública
ganhaimportânciaemcomparaçãocomosrestantesgrupos.Poroutrolado,amaior
5
preocupaçãocomaeconomiadopaísémaisprevalecenteentreos inquiridoscom
maiorinstrução.
• Convidadosadesenvolveras suaspreocupaçõesnumaperguntaquepermitiauma
respostaaberta,muitosinquiridosdesenvolvemaspreocupaçõesanteriores.Outros,
contudo, trazem novos temas: as desigualdades sociais e a pobreza como
consequênciasdacrisesanitária;formasdediscriminaçãosocial,particularmenteem
relação aosmais velhos; o impacto sobre osmais novos do afastamento domeio
escolar;eas consequênciaspolíticasdapandemia,nomeadamentenoque tocaàs
liberdadescívicaseaofuturodoprojetoeuropeu.
• Muitos inquiridosmanifestamtambémpreocupaçõesmaisdifusas,masnãomenos
intensas:afaltadecontrolosobreaprópriavidacomoaumentoda incertezaeda
imprevisibilidade,adiminuiçãodaqualidadedasrelaçõesfamiliareseinterpessoais,
e a perda de um estilo de vida “cosmopolita” (viagens, a vida “fora de casa”, o
usufrutodacidade).
6
1. Ficha técnica Esterelatóriobaseia-senuminquéritoonlinequedecorreuentreosdias25e29demarço
de2020 (primeiravaga)eentreosdias24deabril e4demaiodomesmoano (segunda
vaga). O inquérito foi coordenado por uma equipa do Instituto de Ciências Sociais da
UniversidadedeLisboa (ICS-ULisboa)edo ISCTE - InstitutoUniversitáriodeLisboa (ISCTE-
IUL). A amostra obtida é uma amostra “bola de neve” ou “guiada pelo respondente”: o
inquéritofoipartilhadoatravésdasredessociaisFacebookeTwitteredecorreioeletrónico
peloscoordenadoresdoestudoepelasinstituiçõesaquepertencemjuntodeumaamostra
não-aleatória de indivíduos, tendo sido depois partilhado pelos respondentes que o
entenderam fazer. Dos dois processos de divulgação resultaram 752 inquiridos que se
confirmouteremrespondidoàsduasvagasdoinquérito.Poroutraspalavras,sejadevidoao
processodeseleçãodaamostra,sejadevidoà“autosseleção”dosinquiridosquedecidiram
responderàsduasvagasdoinquérito,estamosperanteumaamostradeconveniência,que
nãopermitequesefaçaminferênciassobrequalquerpopulação,talcomo,porexemplo,a
populaçãoportuguesa.Ditodeoutraforma,todososresultadosbaseadosnestaamostrae
apresentados neste relatório têm um valor estritamente exploratório, não devendo ser
interpretadoscomorepresentando,comumgraudeincertezapossíveldeserestimado,os
atributos de qualquer população. Contudo, a investigação existentemostra também que
estetipodeamostra,apesarde inadequadopara inferirsobreaprevalênciadequaisquer
atributos numa população, preserva frequentemente relações entre variáveis, em
comparação com o que sucede com amostras desenhadas para serem representativas.2
Logo, ao longodeste relatórioenfatizaremosaanálisedas relaçõesentre variáveis, assim
comoadaevoluçãoao longodotempodosmesmos inquiridosqueresponderamàsduas
vagasdoinquérito.
Equipadeinvestigação:
Coordenação: PedroMagalhães (ICS-ULisboa), Rui Costa Lopes (ICS-ULisboa) e PedroAdão e Silva(ISCTE-IUL).
2Ver,porexemplo,Bhutta,C.B.(2012).Notbythebook:Facebookasasamplingframe.SociologicalMethods&Research,41(1),57-88.
7
AnaNunesdeAlmeida(ICS-ULisboa),JoãoFerrão(ICS-ULisboa),JoãoMourato(ICS-ULisboa),JoséSantanaPereira(ISCTE-IUL),JoséSobral(ICS-ULisboa),KarinWall(ICS-ULisboa)eRitaGouveia(ICS-ULisboa),
2. Caracterização da amostra As tabelas abaixo descrevem algumas das principais características da amostra de
conveniênciarecolhidanesteinquéritodepainelonline.
Tabela2.1.DistribuiçãodaamostraporsexoMasculino 47,6%(358)Feminino 52,4%(394)Tabela2.2.Distribuiçãodaamostraporescalõesetários16-24anos 10,4%(78)25-34anos 11,8%(89)35-44anos 21,7%(163)45-54anos 23,1%(174)55-64anos 15,8%(119)65anosoumais 16,9%(127)Prefironãodizer 0,3%(2)Tabela2.3.DistribuiçãodaamostraporgraudeinstruçãomaiselevadoquecompletouEnsinosuperior 81,7%(614)Ensinosecundário 17,4%(131)3ºciclooumenos 1,0%(7)Comparando as características desta amostra de conveniência com as estimativas
conhecidasparaapopulaçãoresidenteemPortugalcom16oumaisanos,destacam-se:
- umadistribuiçãodaamostrapor sexoqueespelhaadistribuiçãodapopulaçãode
formabastanteaproximada(Tabela2.1);
-umasub-representaçãonestaamostradosmembrosdoescalãoetárioentreos16e
24anos(decercade2pontospercentuais)e,emespecial,dosmembrosdoescalão
com65anosoumaisanos(decercade8pontospercentuais)(Tabela2.2);
- uma muito forte sobrerrepresentação nesta amostra dos inquiridos que
completaram o ensino superior, com uma correspondente e igualmente forte sub-
representação dos que completaram o 3º ciclo ou menos (Tabela 2.3). Este é o
8
principal enviesamento desta amostra, que era previsível tendo em conta a forma
“boladeneve”comofoiconstruída.
9
3. Confiança nas fontes de informação sobre a pandemia Nesta secção, debruçamo-nos sobre os níveis de confiança em diferentes fontes de
informaçãosobreapandemia,designadamenteatelevisão,aimprensa,asredessociaiseos
amigosefamília.
Figura3.1:ConfiançaemdiferentesfontesdeinformaçãosobreapandemiaCovid-19emmarçoe
maiode2020 A televisão e a imprensa gozam da confiança damaioria dos participantes neste estudo
(Figura 3.1): em ambas as vagas do Inquérito (março e maio de 2020), mais de 80%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
Muita Alguma Pouca Nenhuma NS/NR
Confiança na televisão (%)
Mar/20 Mai/20
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
Muita Alguma Pouca Nenhuma NS/NR
Confiança na imprensa (%)
Mar/20 Mai/20
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
Muita Alguma Pouca Nenhuma NS/NR
Confiança nas redes sociais (%)
Mar/20 Mai/20
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
Muita Alguma Pouca Nenhuma NS/NR
Confiança nos amigos e família (%)
Mar/20 Mai/20
10
afirmaram depositar “muita” ou “alguma” confiança nestes média enquanto fonte de
informaçãosobreapandemia.
Por sua vez, as redes sociais são vistas como dignas de pouca confiança por mais de
metadedosinquiridos,enãotêmaconfiançadecercadeumterçodosmesmos.Aolongo
dotempoacentuou-seestequadrodedesconfiança–adiminuiçãodaproporçãodosque
sentem “pouca” confiança é equivalente ao aumento dos que não têm “nenhuma”
confiançanasredessociaisenquantofontedeinformaçãosobreapandemia.
Quanto à confiança nos amigos e família, os inquiridos dividem-se de forma quase
equitativa entre os que expressam “alguma” e “pouca” confiança, embora os primeiros
sejam mais numerosos. Entre março e maio de 2020 houve uma quebra acentuada da
proporçãodosquediziamconfiarmuitonainformaçãosobreapandemiaobtidaatravésde
familiares e amigos, ao mesmo tempo que aumentou a percentagem dos que confiam
pouconestasfontesdeinformação.
16%
65%
19%
0%
25%
50%
75%
100%
Diminuiu Manteve Aumentou
Confiança na televisão (%)
15%
67%
19%
0%
25%
50%
75%
100%
Diminuiu Manteve Aumentou
Confiança na imprensa (%)
11
Figura3.2:Evoluçãodaconfiançaemdiferentesfontessobreinformaçãopolíticaentremarçoemaiode2020
Mesmoque,aonívelagregado,asalteraçõesocorridasentremarçoemaiode2020sejam
reduzidas,elaspodemocultarmudançasrelevantesaonível individual.O factodetermos
recolhido as respostasdosmesmos indivíduos ao longodo tempopermite apreciar esses
movimentos.Aocompararmosasrespostasdadaspelosinquiridosnaprimeiraenasegunda
vagasdesteInquérito(Figura3.2),verificamosqueamaioria(entre57e67%)nãomudouo
seu grau de confiança nestas quatro possíveis fontes de informação sobre a pandemia.
Quantoaosrestantes,noscasosdatelevisãoeda imprensaosaldofoipositivo:15%/16%
passaramaconfiarmenos,mas19%expressammaisconfiançaemmaioqueemmarço.O
padrão oposto é observável nos níveis de confiança nas redes sociais e amigos/família:
aqueles que passaram a confiar menos são mais numerosos (21 e 25%) que os que
aumentaram a sua confiança nestas entidades enquanto fontes de informação sobre a
pandemia(17e18%).
21%
62%
17%
0%
25%
50%
75%
100%
Diminuiu Manteve Aumentou
Confiança nas redes sociais (%)
25%
57%
18%
0%
25%
50%
75%
100%
Diminuiu Manteve Aumentou
Confiança nos amigos e família (%)
12
Figura3.3:Fatoresexplicativosdaevoluçãodaconfiançaemdiferentesfontesdeinformaçãoentre
marçoemaiode2020(regressãologísticaordinal;coeficientesestandardizados;IntervalodeConfiança95%)
A idade é a principal característica associada à evolução da confiança em fontes de
informaçãosobreapandemiaentremarçoemaiode2020(Figura3.3).Defacto,paraas
quatro fontes analisadas há uma relação negativa entre idade e evolução dos níveis de
confiança,verificando-seumatendênciaparaqueosmaisvelhostenhampassadoaconfiar
menosnestasfontesdeinformaçãosobreapandemia,eparaqueosmaisjovensatenham
reforçado. No caso da confiança nos amigos e na família, a instrução e a pertença a um
grupoderiscotambémsãorelevantes:sãoosmaisinstruídoseosquepossuemumquadro
clínicoqueoscolocaemriscoaquelesquepassaramaconfiarmaisnaspessoasquelhessão
próximas.Ogénero,o rendimento,o factodese terestadoemconfinamentosozinhoou
acompanhadoeoposicionamentoideológiconãoestãoassociadosadiferençasnaevolução
daconfiançanestasquatropossíveisfontesdeinformaçãosobreapandemia.
Mulher
Idade do inquirido
Nível de escolaridade
Rendimento
Grupo de risco
Sozinho em confinamento
Esquerda
Direita
-1 -.5 0 .5 1
Televisão ImprensaRedes sociais Amigos/família
13
4. Tensões familiares decorrentes do confinamento
Umaoutra questão que importa analisar é o impacto do confinamento na ocorrência de
conflitosoutensõesrelacionais,comunsemtodasasfamílias,designadamente,momentos
de stress, desentendimento, irritação ou discussão. Por um lado, algumas hipóteses
apontamparaofactodeoconfinamentoeosimpactosdapandemiapoderemexponenciar
as tensões relacionais entre os entes queridos. Por outro, o facto de várias pessoas
identificaremaspetospositivosdecorrentesdorecolhimento(e.g.,maistempodequalidade
em família, maior produtividade em regime de teletrabalho, menor tempo e stress no
trânsito), fariapreverque,paraalgumas famílias,a situaçãodeconfinamentopoderia ter
aliviado esses momentos de conflito. Finalmente, noutros casos ainda, tal reorganização
pode não ter suscitado qualquer alteração na frequência de momentos de tensão,
mantendo-seopadrãodefrequênciaanterioràpandemia.
Nestesentido,comoobjetivodecompreenderemquemedidaosinquiridossentiramque,
comoconfinamento,afrequênciadastensõesfamiliaressealterou,foicolocadaaseguinte
questão:“Devezemquando,mesmoentreosnossosentesqueridos,écomumqueexistam
momentosde tensão, irritaçãooudiscussão.Comparandocomoquesepassavaantesda
pandemiaedoconfinamentoemcasa,essesmomentosde tensãosãoagora…”, tendoas
seguintes opções de resposta: 1)mais frequentes; 2) igualmente frequentes; e 3)menos
frequentes.
Primeiro, importa salientar que para um pouco mais de metade da amostra (53%) a
frequência das tensões familiares durante o confinamento manteve-se igual à que se
verificava antes da pandemia e do confinamento.Os restantes respondentes dividem--se
entreosquereportaramtervivenciadomaismomentosdetensãoduranteoconfinamento
do que antes (22%) e os que afirmaram ter experienciado menos conflitos durante o
confinamentodoqueantes(25%).
Deformaaperceberquaisascaracterísticassociodemográficas,familiaresevivenciaisdos
inquiridos que podem influenciar a ocorrência de tensões familiares, procedeu-se a uma
análise das variáveis mais associadas à evolução da frequência destes momentos
conflituosos. Os próximos gráficos (Figuras 4.1,4.2, 4.3 e 4.4) representam os desvios de
cadagrupo,nasdiferentesvariáveissociodemográficas,familiaresevivenciais,emrelaçãoà
14
totalidadedaamostraparaos inquiridosquereportarammaisemenostensõesfamiliares
duranteoconfinamentodoqueantes.
4.1 Maiorfrequênciadetensõesfamiliaresduranteoconfinamento
Oprimeirodadoadestacaréque,defacto,oaumentodetensõesfamiliaresestáassociado
afatoressociodemográficos,afatoresfamiliaresrelacionadoscomosagregadosdomésticos,
eafatoresvivenciais.
Emrelaçãoaosfatoressociodemográficos(Figura4.1),verifica-sequeaidadeeasituação
profissional atual estão fortemente associadas a uma maior ocorrência de tensões
familiares.É,sobretudo,entreosinquiridosmaisjovens,comidadescompreendidasentre
os16eos24anos,bemcomoosqueintegramoescalãoetáriodos45aos54anos,quese
observaumamaiorproporçãodepessoasquereferemterconflitosmais frequentemente
durante o período de confinamento do que antes. Já em relação à situação profissional
atual,verifica-sequesãoosinquiridosqueestãoaestudareosquecontinuaramatrabalhar
noregistoanterioràpandemiaquemaisafirmaramteremsentidoumaumentodetensões
familiaresnoconfinamentocomparativamentecomoperíodoanterior.
Em relação aos fatores familiares associados àestrutura do agregado doméstico (Figura
4.2), verifica-sequequera suacomposição,querapresençadeelementosmenoresede
elementos atualmente a estudar, estão associadas ao aumento da frequência de tensões
familiares.Énosagregadosmonoparentais(umsóprogenitoreo(s)filho(s)),nosagregados
constituídos por várias pessoas sem núcleo (e.g., colegas de trabalho, amigos, primos,
madrinha) e nos agregados compostos pela família alargada e, por conseguinte,
frequentementemultigeracionais (casaiscomfilhos,pais, sogros,avós,netos,etc.)quese
verificaumamaiorproporçãodepessoasquereportaramtermaistensõesfamiliaresagora
doqueantesdoconfinamento.Étambémnosagregadoscomestudantesecommenores
que se verifica uma maior percentagem de inquiridos que referiram um aumento da
frequênciademomentosdetensãofamiliar.
Finalmente,emrelaçãoa fatoresvivenciais ligadosàevoluçãodos impactossociaisentre
março e abril de 2020 (Figura 4.2), verifica-se que a perceção da evolução do nível de
dificuldadedelidarcomasrestriçõeseaalteraçãodasrotinasestáfortementeassociadaa
uma maior ocorrência de tensões familiares. Neste sentido, a análise revela que são as
15
pessoasquejámanifestavamserdifícillidarcomasrestriçõesemmarçoequecontinuama
expressaromesmoemabril,mastambémaquelasqueapenascomeçaramasentirqueera
difícil lidar com as restrições neste últimomês, as quemais indicaram um acréscimo de
conflitos. É também entre as pessoas cujos hábitos e rotinas se alterarammuito que se
encontraumamaiorproporçãodeinquiridosquereconheceramumaumentodafrequência
detensõesfamiliares.
Figura4.1.Cruzamentoscomatributosdosinquiridosqueindicamque“Astensõesfamiliaressão
maisfrequentes”I
0
0
12
-2
2
8
-12
-8
11
6
-1
-4
7
-4
-10
19
2
2
-2
1
-2
-15 -10 -5 0 5 10 15 20 25
Mulheres
Homens
16-24
25-34
35-44
45-54
55-64
65+
Até3ºciclo
Secundário
Superior
Nãotrabalhaejánãotrabalhava
Atrabalharcomoantes
Emteletrabalho
Layoff,fériasforçadas,despedido
Aestudar
Outra
<1500euros
1500a1799euros
1800a2900
>2900
Sexo
Idade
Instrução
Situaçãoprofissio
nal
atual
Rend
imen
to
agregado
AstensõesfamiliaressãomaisfrequentesDesviodecadagrupoemrelaçãoaoresultadoparaatotalidadedaamostra(22.4%)empontospercentuais
Recolha:Abril2020
16
Figura4.2.Cruzamentoscomatributosdosinquiridosqueindicamque“Astensõesfamiliaressão
maisfrequentes”II
-6
7
-10
3
9
16
7
-3
5
-4
-3
3
14
-4
-4
12
8
-2
-2
3
8
-15 -10 -5 0 5 10 15 20
Unipessoal
Monoparental
Casalsemfilhos
Casalcomfilhos
Váriaspessoas
Complexas
Sim
Não
Sim
Não
Mantem-seigual
Alterou-seligeiramente
Alterou-semuito
Tornou-semaisfácil
Continuafácil
Continuadifícil
Tornou-semaisdifícil
Nuncafoiafetada
Melhorouentremarçoeabril
Piorouentremarçoeabril
Continuamenteafetada
Agregado
dom
éstico
atual
Men
oresno
agregado
atual
Estudantesno
agregado
atual
Alteraçãode
rotin
asfaceao
mêsdeMarço
Evoluçãoda
dificuldade
emlidar
comre
striçõe
s
Evoluçãodo
impacto
financeiro
AstensõesfamiliaressãomaisfrequentesDesviodecadagrupoemrelaçãoaoresultadoparaatotalidadedaamostra(22.4%)empontospercentuais
Recolha:Abril2020
17
4.2 Menorfrequênciadetensõesfamiliaresduranteoconfinamento
Talcomonoaumentodetensõesfamiliares,tambémadiminuiçãodafrequênciadetensões
familiaresestáassociadaaostrêstiposdefatoresconsiderados.
Emrelaçãoaosfatoressociodemográficos(Figura4.3),verifica-sequeaidadeeasituação
profissional atual estão fortemente associadas a uma menor ocorrência de tensões
familiares. São, sobretudo, nos inquiridos commais de 65 anos, bem comonos que têm
entre45e54anos,queseobservaumamaiorproporçãodepessoasquereportaramter
menosmomentos de conflitos durante o período de confinamento do que antes. Já em
relaçãoà situaçãoprofissional atual, verifica-seque sãoos inquiridosquenão trabalham,
masquejánãoestavamatrabalharantesdapandemia,etambémosqueforamcolocados
em layoff, férias forçadas ou que foram despedidos, aqueles quemais afirmaram terem
sentidoumadiminuiçãodetensõesfamiliaresduranteoconfinamentocomparativamente
comostemposanteriores.
Em relação aos fatores familiares associados àestrutura do agregado doméstico (Figura
4.4),verifica-sequequerasuacomposição,querapresençadeelementosmenoresouque
estãoatualmenteaestudar,seassociamàdiminuiçãodafrequênciadetensõesfamiliares.É
nosunipessoais(pessoasquevivemsozinhas)ounosagregadoscompostosporcasaissem
filhos que se encontra uma maior proporção de pessoas que expressaram ter menos
tensõesfamiliaresagoradoqueantesdoconfinamento.Étambémnosagregadosondenão
háestudantesqueseverificaumamaiorproporçãodeinquiridosqueafirmaramterhavido
uma diminuição de momentos de tensão. Curiosamente, apesar de ser uma tendência
menos expressiva, tal como nos agregados onde ocorreu um aumento da frequência de
tensões familiares, é nos agregados com indivíduos menores que se verifica uma maior
proporçãodepessoasquemanifestaramumdecréscimodeconflitos.
Finalmente,emrelaçãoaosfatoresvivenciaisligadosàevoluçãodosimpactossociaisentre
marçoeabrilde2020(Figura4.4),verifica-sequeaevoluçãodoníveldedificuldadedelidar
com as restrições está associada a uma menor ocorrência de tensões familiares. Neste
sentido, constata-se que é entre as pessoas para quem sempre foi fácil lidar com as
restrições que se encontra uma maior proporção de inquiridos que revelaram uma
diminuiçãodafrequênciadetensõesfamiliares.
18
Figura4.3.Cruzamentoscomatributosdosinquiridosqueindicamque“Astensõesfamiliaressão
menosfrequentes”I
1
-1
-11
-5
-4
4
2
9
-9
-2
1
5
1
0
4
-10
1
1
-5
0
0
-15 -10 -5 0 5 10
Mulheres
Homens
16-24
25-34
35-44
45-54
55-64
65+
Até3ºciclo
Secundário
Superior
Nãotrabalhaejánãotrabalhava
Atrabalharcomoantes
emTeletrabalho
Layoff,fériasforçadas,despedido
Aestudar
Outra
<1500euros
1500a1799euros
1800a2900
>2900
Sexo
Idade
Instrução
Situaçãoprofissio
nal
atual
Rend
imen
to
agregado
AstensõesfamiliaressãomenosfrequentesDesviodecadagrupoemrelaçãoaoresultadoparaatotalidadedaamostra(25.3%)empontospercentuais
Recolha:Abril2020
19
Figura4.4.Cruzamentoscomatributosdosinquiridosqueindicamque“Astensõesfamiliaressão
menosfrequentes”II
9
-3
4
-1
-19
-10
1
0
-4
3
0
0
-1
-5
3
-4
-4
0
-1
4
-3
-25 -20 -15 -10 -5 0 5 10 15
Unipessoal
Monoparental
Casalsemfilhos
Casalcomfilhos
Váriaspessoas
Complexas
Sim
Não
Sim
Não
Mantem-seigual
Alterou-seligeiramente
Alterou-semuito
Tornou-semaisfácil
Continuafácil
Continuadifícil
Tornou-semaisdifícil
Nuncafoiafetada
Melhorouentremarçoeabril
Piorouentremarçoeabril
Continuamenteafetada
Agregado
dom
éstico
atual
Men
oresno
agregado
atual
Estudantesno
agregado
atual
Alteraçãode
rotin
asfaceao
mêsdemarço
Evoluçãodadificuldade
em
lidarcom
restriçõe
s
Evoluçãodo
impacto
financeiro
AstensõesfamiliaressãomenosfrequentesDesviodecadagrupoemrelaçãoaoresultadoparaatotalidadedaamostra(25.3%)empontospercentuais
Recolha:Abril2020
20
5. As preocupações em relação ao futuro
NaprimeiravagadesteInquérito,osinquiridostiveramaoportunidadedesepronunciarde
formaabertasobreassuaspreocupaçõesprincipaisemrelaçãoaofuturo.Combasenestas
respostas, elaborou-se uma reflexão sobre as dimensões comuns que estruturavamestas
preocupações.Talreflexãopodeserconsultadanoprimeirorelatóriodisponívelaqui.
A segunda vaga deste inquérito contemplava uma perguntamodificada com base nesses
resultados. Era pedido que fossem indicadas as preocupações mais importantes
relativamenteaofuturo,selecionandoummáximodeduasdeumalistadeseisquelhesera
apresentada:
• Aminhasituaçãofinanceira(ex.:perdadeemprego,perdaderendimento);
• Asituaçãoeconómicadopaís(ex.:desemprego,desigualdades,crisefinanceira);
• Aminhasaúde(física,mental)e/ouadaminhafamília;
• A situação de saúde pública (ex.: contágios e mortalidade, novas vagas de
pandemia,incapacidadederespostadoServiçoNacionaldeSaúdefaceàCovid-
19ououtrasdoenças);
• A incertezasobrequandovoltaremosaestarcomosnossos familiares,amigos,
colegas(ex.:visitarospais/avós,sairànoitecomamigos,brincarcomosnetos);
• Osefeitosdapandemianaeducaçãoenopercursoescolar/académico(meusou
dosmeusfamiliarespróximos).
Paraalémdaspreocupaçõesapresentadasnalistaanterior,osinquiridosdispunhamainda
dapossibilidadede escreverem,numa resposta aberta, sobre “outras preocupações”que
sentiamserigualmenteimportantes.
Quanto aos resultados obtidos para a pergunta fechada, o padrão é claro e robusto,
indicando que, para a totalidade desta amostra, as três principais preocupações são (por
ordemdecrescente):
21
1ªSituaçãoeconómicadopaís(67%dosinquiridos);
2ªSituaçãodesaúdepública(46%dosinquiridos);
3ª Incerteza sobre quando voltamos a estar com os nossos familiares, amigos e
colegas(37%dosinquiridos).
Notam-seapenasduasexceçõesaoconsensogeneralizadonaamostra:
a) Entre os inquiridos que assinalaramnoutropontodo Inquérito que a sua situação
financeirajáhaviasidoafetadapelapandemia,“asituaçãofinanceirapessoal”passa
a constar como a segunda preocupação mais importante (e não apenas a da
economia,emgeral);
b) Paraosinquiridosqueseposicionamnoquadranteideológicodadireita,emboraas
mesmas três preocupações se mantenham à frente, a segunda e a terceira
preocupações mais referidas invertem a ordem, sendo que estes inquiridos estão
maispreocupadoscoma incertezadoreencontrocomfamiliares,amigosecolegas
doquecomasquestõesdesaúdepública.
Ainda que haja uma robustez inegável no resultado que coloca estas três preocupações
como as mais presentes na mente dos inquiridos é, no entanto, possível perceber se a
prevalênciadecadaumadestastrêspreocupaçõesdependedefatoressociodemográficos
como o género, idade ou escolaridade, entre outros. A este nível, pouco há a referir: a
preocupaçãocomasaúdepúblicaémaisprevalecenteentreasmulhereseosinquiridos
quenãoseapresentamcomosendodedireita;apreocupaçãocomaeconomiaemgeral
estámaispresentenosinquiridosmaisinstruídos;emgeral,osinquiridosquereferemque
asuasituaçãofinanceiraaindanãofoiafetadaindicamcommaisfrequênciatodasestas
trêspreocupaçõesfundamentais.
Focandoagoraaperguntaemaberto,verifica-se,antesdemais,quecercadeumterçodos
inquiridos decidiu responder a esta pergunta. Alguns optaram por detalhar as suas
respostas fechadas (ilustrandoouparticularizandocertasdimensões, vincandocommuita
22
assertividade as escolhas anteriores, por exemplo).Mas amaioria escreveu sobre outras
preocupaçõesqueconsideramigualmenteimportantes.Delasnosocupamosdeseguida.
Muitos inquiridos escrevem sobre o aprofundamento de desigualdades sociais que esta
crise provocará. Já latentes no período pré-pandemia, agora adquirem uma nova
visibilidadeegravidade,comadegradaçãodomercadolaboral,osaumentosdosíndicesde
desemprego, aperdade rendimentodas famílias e as feridasdadesproteção social. Essa
reflexão é muitas vezes enquadrada por uma análise crítica do sistema capitalista e
financeiro global dominante, aludindo-se ao cavar do fosso entre países ricos e países
pobres.“Pobreza”e“pobrezaextrema”sãopalavrasusadasmuitofrequentementenestes
testemunhos:
Adegradaçãodomercadolaboraledorendimentodasfamíliaspobreseremediadas
queseperspetivaameaçaarrastaropaísparaumanovaespiralderetrocessoqueo
poderádeixarpróximodeumasituaçãoterceiro-mundista.H,45-54,ESup
As desigualdades sociais que esta crise acaba por acentuar e que, semal geridas,
podem ter implicações sociais terríveis num futuro próximo. A falta de acerto das
instituições internacionais que, nos poucos avanços demonstrados, hesitam e não
ousam optar definitivamente pelas pessoas, submetendo-se à lógica DESTA
economia vigente e da ALTA FINANÇA, ambas com sérios problemas éticos e com
objectivossituadosforadasnecessidadesdaspessoas.Sehádimensãodavidasocial
repugnante, para usar um adjectivo em uso, é a o modelo económico/financeiro
dominante,emqueosbancossãoprotagonistasimportantes.M,65+,ESup
Preocupa-me imenso as populações em situação de pobreza - nomeadamente a
extrema -, a nova pobreza - também, não convém esquecer -, e o crescimento de
casosdeviolênciadomésticaedeabusodecriançasequeresultamdarealidadede
confinamentoaqueestamossujeitos.M,35-44,ESup
23
A reconfiguração das relações sociais e da vida em sociedade. O aumento das
desigualdadessociais.A faltadesolidariedadeentreospaísesdaUniãoEuropeiae
entre"paísesricosepobres"nomundo.M,55-64,ESup
Muitos partilham, assim, o receio de uma perda de oportunidade para repensar a
sociedadeatual.Ouseja,apreocupaçãodequetudo“volteaonormal”(comoeradantes)e
que não se aproveite esta crise para se repensarem os modos de organização e as
prioridadesdassociedadesemquevivemos–onde,entreoutrascoisas,asolidariedade,a
justiçasocial,orespeitopelanaturezaepeloOutroeasustentabilidadedoplanetaparecem
tersidoesquecidas:
Preocupa-me a hipótese de voltar tudo ao normal. O mesmo normal que nos fez
chegar aqui: uma sociedade especista, centrada numa economia neoliberal
promotora de desigualdades brutais, onde a solidariedade e a empatia não têm
lugarousãoresiduais.M,55-64,ESup
Oquesignificará"voltarànormalidade"?Seráqueessa"normalidade"nãoteráde
ser alterada depois de tudo isto? Será que queremos continuar a viver numa
sociedade alienada, onde o trabalho é cada vezmenos valorizado, o ambiente vai
sendo destruído, e os valores éticos, bem como a justiça social, são considerados
luxosutópicos?Nãomeparece.H,65+,ESup
A maior preocupação é que não haja uma reflexão séria sobre o modo como
trabalhamos,comoconsumimos,comoestudamos,sobreoshábitosculturais.Eque
ogoverno sedeixedominarpelos interesses económicos, não tendoa coragemde
promoverodito"novonormal",rompercomconvençõeseserarrojado,procurando
reinventarumasociedadecommaisequilíbrio,saúde,consciênciacívicaefelicidade.
M,35-44,ESup
Receio que se aprenda pouco com a situação, seria um momento oportuno para
estarmos a falar sobre as alterações climáticas, a proximidade com aNatureza, a
24
diminuição do consumismo, planear uma vida em sociedade diferente, em que o
amorprevalecesse.M,65+,ESup
Sustentabilidadedoplaneta!!Muitoreceioqueaânsiapelarecuperaçãoeconómica
se esqueçadaurgênciade esforços (que já eram tãoescassos) paramudarmosos
nossos hábitos para outros mais sustentáveis. Se antes havia palhinhas no chão,
agorahá luvasemáscaras.Ahumanidadeprecisamesmomuitourgentementede
parardeolharparaoseuumbigoeasuabolhinhaeperceberrapidamentequenão
estamosnesteplanetasozinhosnemsozinhossobreviveremos.M,35-44,ESup
Velhasounovasformasdediscriminaçãosãopreocupaçãoparaoutrosinquiridos,nãoraro
associadasao idadismoe tambéma subtismodalidadesde “eugenismosocial”.A relação
comaprópriadoençapodegerarnovascategoriasdepartiçãoediscriminaçãodeunsfacea
outros:
Oaumentoderacismo,xenofobiaededesigualdades.M,35-44,ESup
Muito receio com a limitação da liberdade individual, a pretexto da protecção
sanitária (ex.: "idosos" obrigatoriamente confinados em casa, mesmo se em bom
estadodesaúdeesedesejamassumirriscodecontágio);perigodenovasformasde
discriminação a partir da relação das pessoas com a doença (contagiado vs. não
contagiado,comanticorposvs.semanticorpos).M,54-65,ESup
Os “idosos”, emparticular, sãoobjetodegrandepreocupaçãoemmuitos testemunhos–
não só como fonte de novas estigmatizações, mas ainda como franja particularmente
vulnerávelàdoençamental,devidoaoisolamentoaqueforamforçados.
Apossívelestigmatizaçãosubtildos"Idosos".H,65+,ESup
25
Temoque se tenhacriadoumclimadiscriminatóriodosdesignadosgenericamente
idosos,sebemquesepossaestarparcialmenteimunepeloestatutosocialeestudos.
Masdá-meideiaqueestáparaficarmaispesado.M,65+,ESup
Asaúdementaldos idososfechadosemlares,porqueexisteapossibilidadedenão
receberemvisitasatéaofinaldoano.M,16-24,ESup
Algunslembram-setambémdoimpactodoconfinamentonocasoespecíficodascriançase
nopotencialqueaausênciadeescolapodeviraternoseudesenvolvimentoemocionale
noreforçodevisõesdemasiadoindividualistasdomundo:
O impactonodesenvolvimento social e emocionalnas criançasmaispequenas.M,
34-45,ESup
Fruto da ausência de aulas presenciais para as crianças do ensino primário, que
aindaestãoadesenvolveropensamentoerelaçõessociais,esqueçamqueexistiuo
contacto com outras crianças antes do Covid-19, caso demore muito tempo a
aberturadasescolas,eissoleveaquecresçamconhecendoeacreditandoquea"sua
realidade" é o distanciamento social e que isso se reflita numa sociedade mais
individualistanolongoprazo.H,16-24,ESup
Apenas uma ou outra inquirida refere as desigualdades de género, com impactos na
progressãodascarreirasprofissionaisdasmulheres:
Relativamenteàprimeira,oaprofundardasdesigualdades.Tambémtenholidosobre
asobrecargadetrabalhodomésticoquerecaiusobreasmulheresepensoemcomo
oteletrabalhoédiferenteparaquemtemounãofilhos/paisaprecisardecuidados,e
para quem cuida ou não deles, prejudicando as mulheres em particular nas suas
carreiras(porexemplo,naacademia).M,25-34,ESup
26
As dimensões políticas da pandemia são temas igualmente aflorados por muitos
entrevistados.ACovid-19podetrazerameaçasàdemocraciaemgeral(ex.:degradaçãodo
clima de confiança nas instituições, crescimento dos populismos e dos movimentos
xenófobos no Ocidente europeu) e esses riscos são particularmente elevados quando se
pensaqueoslíderespolíticos,nacionaisouinternacionais,“nãoestãoàaltura”:
Politicamente, que haja um aproveitamento da pandemia para medidas menos
democráticas. Socialmente, que os efeitos do isolamento tenham consequências
gravesparaavidaemsociedade(ânimo,descrença,desinteresse, irritabilidade).H,
45-54,ESec
Eventuaisderivaspopulistas.H,55-64,ESup
Situação política do país, que tenderá a deteriorar-se com o grassar da crise
económica.Nãodeveríamostomarademocraciaporgarantidatãolevianamente.H,
35-44,ESup
Medodoterrorismoouinstalaçãogeneralizadaderegimesditatoriais.M,65+,ESup
Nemopaís,nemaEuropatêmlideresquepossamlidarcomestapandemia.Estamos
pobresdedecisorespolíticos.H,55-64,ESup
Oslíderesmundiaisquedepreciamenãoacatamasopiniõesdoscientistas.H,55-64,
ESup
A eventual falta de sentido de Estado dos governantes de Portugal e da UE ao
preocuparem-secommedidaspontuaisedebem-estardecurtoprazoqueostornem
umaespéciedesalvadores,fazendoperigar,aindamais,asgeraçõesfuturas!H,65+,
ESup
OfuturodaUniãoEuropeiaé,semdúvida,outrapreocupaçãorecorrentenestaamostra.A
desintegraçãodoprojetoeuropeu,pelofactodeaUEsemostrarincapazdesolidariamente
27
gerir esta crise, constitui receio para muitos. A palavra “colapso” é frequentemente
escolhidaparaadescrever:
ReceioqueistodesemboquenofimdaUniãoEuropeia.Tudoindicaqueestamosno
epicentrodeumfuracãoeque,defacto,aordempolíticaeeconómicainternacional
estão emgrandemudança coma perda óbvia de influência dos EUA e da própria
Europa.Ofuturoémuitoincerto.M,45-54,ESup
Além disso, enquanto cidadão convictamente europeu, receio que a nossa Europa
não tenha a solidariedade necessária para, em conjunto, se enfrentar a crise sem
fazer perigar o equilíbrio orçamental... Temo ainda que tenhamos de viver muito
maistempocomestecutelodasrestriçõessociais...M,65+,ESup
Ocolapsodasinstituiçõeseuropeiaspelasuaincapacidadeemmaterializarmedidas
socialistasquevisemaredistribuiçãodoslucrosselvagensedafugadecapitaispor
partedosgrandesgruposeconómicosecredores,sejamelessingularesoucolectivos,
que irão continuar a beneficiar de um estatuto de privilegiados no mercado,
enquantoquemilharesmorreramdepobrezafinanceira.H,25-34,ESec
Nas franjas mais jovens da amostra, a preocupação com a dimensão europeia da crise
prende-se com um outro facto: ao contrário do cenário de 2008, emigrar para fugir da
recessãoeconómicaportuguesadeixadeserumaalternativa.ACovid-19éumapandemiae
como talos seus impactoseconómicosestendem-seaos “paísesdedestino”dosprojetos
migratórios.Eiscomooexprimemdoisadultosemidadeativa:
O facto de a crise ser comum a toda a Europa pode, em caso de crise aguda em
Portugal, limitar as oportunidades noutros países, que poderiam servir de
alternativa.OsefeitosquetalcrisepoderáternaUEenaordemeuropeiaemundial.
H,25-34,ESup
AsituaçãoeconómicanaEuropaemgeral.Estavaafazerplanosdeemigraralgures
ameiode2021,contandojáterosmeusestudos(edaminhaparceira)terminados,
28
mascomestapandemiaosestudosdelaestãoemriscodeatrasarumano(nãopode
completaroestágio)eestoucomreceiodeospaísesqueantesnoseramatrativos
começarem a termedidas, devido ao impacto económico, que possam dificultar o
acessoaosimigrantes.H,25-34,ESup
Umaoutrapreocupaçãomanifestadaprende-secomosurgimentode formasdecontrolo
da vida dos cidadãos, da imposição de restrições de direitos, liberdades e garantias
individuais“queatéhojetemoscomocertas”,favorecidaspeloclimademedogeneralizado
que tende a instalar-se na população. É como se o Estado, cada vez mais “vigilante” e
“policial”,estivesse“aapertarocercosobreaspessoas”:
Receiomuitoqueestejaasercriadoumclimademedogeneralizadoedeexcessivo
controlodavidadoscidadãosporpartedasautoridades.H,55-64,ESup
Oefeitopotencialmentenegativodapandemianasatitudessobreaprivacidadede
dadosdoscidadãos.H,45-54,ESup
A sociedade não conseguir superar o medo de conviver e tender para autocracia
(confinamentodosquemenostempotêmparaviver).H,55-64,ESec
Imposiçãode regimesoumedidasautoritárias, comoa vacinaçãoobrigatóriaouo
controlodelocalização.M,35-44,ESup
O medo paralisante “sem data para terminar” e o sentimento de incerteza e
imprevisibilidade são explicitamente descritos por muitos entrevistados que pressentem
que,apósestaexperiência,“nadavaisercomodantes”.
Muitaspessoassentem-se“assustadas”:
Ovoltaràvidanormalassusta-me.Sintoqueomundoaquevamosvoltarjánãovai
ser o mesmo. A cidade vai estar diferente, muita coisa fechada, mais medo, as
pessoasvãomudardeárea.M,25-34,ESup
29
Asensaçãodequenadavoltaráasercomoera,deque tudomudaráemtodosos
aspetosémuito impactantena formacomoestouaolharparao futuro.Émesmo
assustador e causador de ansiedade, de medo do desconhecido. O contato físico
(demonstrações emocionais) condicionado contribui para a preocupação com a
saúdemental.M,55-64,ESup
O medo que haverá depois de isso tudo passar e podermos sair minimamente e
voltar a ter a oportunidade de estar em grupo com as pessoas. Olhar para
restaurantes ou eventos que havia e já não serão o mesmo porque as pessoas
estarãoaadoptarumaposturadedistanciamento.M,25-34,ESup
Amaioria das preocupações apresentadas estão naminha cabeça,mas tento não
cederaomedo,nempensarmuitonapandemia,por issopreocupa-memaisquea
normalidadevaiserpossívelecomovaificaraescoladascriançaseasituaçãodos
maisidosos.Eclaroasituaçãoeconómicadopaíseoturismo.M,45-54,ESup
Outrasinsistemnaansiedadequelhesprovocaofactodenãoconseguiremprever,planear
oucontrolaravida.É“aincertezadequandoistoacaba”:
...otempodevidaqueseperdefechadoemcasa...a incertezadehaverumacura
para istonospróximostempos...a incertezadehaver futuronoplaneta.M,45-54,
ESup
Aincertezadesobreviverevoltarareunircomfamiliareseamigos.H,+65,ESup
AdificuldadedepreverquandotudovoltaráaonormaltalqualeraantesdaCovid-
19,seéquealgumavezissovaivoltaraacontecer.H,55-64,ESup
Aincerteza.EntramosnumtempodeincertezaaquenemospolíticosnemosEstado
podemousabemresponder,nãoépossívelterumestratégiaaprazo....Comosediz
30
nobudismo,eestestempocomprovam,aúnicapermanênciaéaimpermanência.M,
55-64,ESec
Aincertezasobreomodocomoapandemiaserefleteerefletiránarelaçãocom“ooutro”,
em geral e, também, no círculomais restrito dosafetos e laços intergeracionais, suscita
reflexõesquemuitos inquiridosdesejarampartilhar.A tónica, para alguns, é colocadano
“relacionamentointerpessoalque,certamente,nãovoltaráaseromesmo”.Asmedidasde
distanciamento social, por exemplo, vão conduzir-nos a comportamentos típicos dos
“escandinavos”, mas pouco populares em países onde prevalece a cultura do abraço
“mediterrâneo”?
Aqualidadedas relações interpessoaismenosdiretas.Anossaconcepçãodooutro
(comoameaçador,portadordedoença).M,35-44,ESup
Comoéqueahumanidadevai integrarodistanciamentosocialnassuasvidas,em
relaçãotambémaofuturo,comoficarãoosafetos.M,45-54,ESup
Vamosalteraroscomportamentosnofuturo,comooconvíviosocialemgrupo,bem
como os relacionamentos entre casais? Ou seja, de um comportamento
mediterrâneopassaremosaterumcomportamentoescandinavo?H,35-44,ESup
Comoseremoscapazesdevoltaraabraçareacertezadequenadaserá igualmas
semimaginarcomoserá?M,55-64,ESup
Preocupação com o que será o relacionamento distanciado com as pessoas
protegidas por máscaras e com receio de se aproximarem. De que modo isso
marcaráasrelaçõesinterpessoais.H,45-54,ESup
Dentro deste quadro, a incerteza de não saber quando se volta a estar ou a abraçar os
entes mais queridos é também uma preocupação relevante – quer dos mais novos em
relaçãoaosmaisvelhos,querdosmaisvelhosemrelaçãoaosmaisnovos:
31
A incertezasobreos termosemquepoderei,nospróximosmeses,convivercomas
pessoas mais velhas que me são próximas (pais e avós). Sinceramente, enquanto
pertencenteaumgrupodereduzidorisco,vejocomnaturalidadeapossibilidadede
voltar à rua e, decorrente disso, ter contacto com o vírus (o que é favorável no
sentido da imunização), mas ao mesmo tempo receio infetar pessoas mais
vulneráveis.H,25-34,ESup
Paraalémdasquemencionei,éaincertezadequandopodereireunircomaminha
família,veraminhanetaquevainascerestemês.M,55-64,ESec
Apreocupaçãocomfamiliaresavivernoestrangeiro,quandoospoderemosvisitar
ouelesanós.M,65+,ESup
A incerteza sobre quando e como poderemos estar com os nossos familiares e
amigos,aperdaderendimentoeaconsequentesaúdemental.M,55-64,ESup
Aalteraçãonasmanifestaçõesdeafetoentrefamíliaseamigos.Serdifícilviajarou
mudardeambientenoperíododeférias.M,65+,ESup
Um número restrito aborda o problema da degradação das relações familiares,
nomeadamente entre o casal. O confinamento veio trazer para o centro do quotidiano
domésticotensõesqueprovavelmentesearrastavamdetrás:
Aquantidadededivórciosqueestáporvir...H,35-44,ESup
Um eventual divórcio pelo desgaste do relacionamento. A perda de competências
relacionaispelotempoprolongadodeisolamento,especialmentedanossafilha.M,
25-34,ESup
A perda de um certo estilo de vida “cosmopolita” (as viagens, as férias em países
distantes),dousufrutodacidadeedosrecursosculturaisqueoferece,das“rotinasforade
32
casa” (“os espetáculos”, “as férias na praia”) é receada por uma significativa franja de
inquiridos.
Oviajarparaforadopaís.M,45-54,ESec
Aincertezaquantoàpossibilidadedeviajarparapaísesdistantescomotenhofeito
atéaqui.M,65+,ESup
Incerteza sobre quando voltaremos a ter a vida social (para além da familiar
apontada acima) normalizada - lazer (restaurantes, espetáculos), viagens em
trabalhoounão,rotinasforadecasa,etc.M,35-44,ESup
Assaudadesdomar...eofactodetodososmeusprojectosparaviajarteremsido
adiados.Atéquando?M,65+,ESup
SeráquepodemosfazerfériasnaPraia?M,55-64,ESup
Voltarapoderusufruirdepasseios livrese sempreocupações juntoaomar, viajar
comasminhasfilhassemmedodecontágio.M,35-44,ESup
Aspreocupaçõesassociam-se, também,ànecessidadequeaCovid-19 trouxedeadiarou
interromper projetos e, portanto, mudanças no curso de vida. Por exemplo, tornar-se
autónomo(faceaospais),fundarumaempresa,comprarumacasa:
Permanecer na casa dosmeus pais e ter que deixar o teletrabalho.Não conseguir
quefaçamobrasnaminhacasaparapoderteromeuespaço.M,35-44,ESup
Tenhoreceiodeterdeemigrar.Nãoporquetenhomedodesairdopaís,masporque
eugostodePortugal,vimviverparaoAlentejoporqueasituaçãoemLisboajánão
era suportável (há pouco emprego qualificado e as casas têm rendas altíssimas).
AquinoAlentejoavidaédiferente,massenãosemudaraformadegovernodepois
destacrise,aspoucasempresasque jáexistemnoAlentejovãofechare istovai-se
33
tornarumdeserto.Éassustador,porquenão sóeueomeunamoradopoderemos
perderonossoemprego,comonãoteremosàvoltamaisnenhumparaondeir...Por
não havermercado. E fundar a própria empresa - nós somos bastante pró-activos
nessesentidoejápensámosmuitonisso-éimpensávelporcausadosimpostos.M,
25-34,ESup
Cancelamento de planos de melhoria da qualidade de vida pessoal (ex.: troca de
carrovaiseradiada,reparaçõescaseirasvãoseradiadas).M,45-54,ESup
Antesdapandemia,estávamosnoprocessodefinalizaracompradecasa.Paraalém
deteratrasadobastante,ofactodestepassotersidodadoederepentesurgiruma
pandemia,comosefeitospotencialmentedevastadoresparaasituaçãoeconómica
já e depois, tem sido difícil de gerir emocionalmente, precisamente pelomedo da
gestãofinanceirafuturadeumcompromissotãosériocomoacompradeumacasa.
H,35-44,ESup
Em suma, as respostas abertas declinam ora um compósito de dimensões económicas,
sociaisepolíticasdeumconceitoamplodecidadania,oraoreceioperantenovasformasde
aproximação e relação com os outros. Este testemunho de umamulher, pertencente ao
grupo etário dos 55-64 anos, com ensino superior é particularmente interessante, pois
capta-astodas:
A situação de saúde pública e o equilíbrio entre riscos e respostas dos serviços de
saúde e o perigo de controlo excessivo, a delação, a exacerbação de estigmas
relativosaemigrantes,refugiados,idosos,"infectados".Astransformaçõesnoensino
como excessode teletrabalho, perdade "empatia social e individual".Omedodo
medo. O aumento dos extremismos, nacionalismos e outros que tais.....