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LUIZ RAFAEL XAVIER VICENTE O IMPÉRIO MONGOL E A EUROPA OCIDENTAL EM MEADOS DO SÉCULO XIII: O CRISTIANISMO POR TRÁS DOS MOTIVOS POLÍTICOS DAS MISSÕES DOS FRANCISCANOS CARPINI E RUBRUCK HISTÓRIA - UFPR CURITIBA 2004

O IMPÉRIO MONGOL E A EUROPA OCIDENTAL EM MEADOS … · que explicassem as relações da cristandade ocidental com o Império de Gêngis Cã e de seus descendentes. Ao longo do texto

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LUIZ RAFAEL XAVIER VICENTE

O IMPÉRIO MONGOL E A EUROPA OCIDENTAL EM MEADOS DO SÉCULO XIII: O CRISTIANISMO POR TRÁS DOS MOTIVOS POLÍTICOS DAS MISSÕES

DOS FRANCISCANOS CARPINI E RUBRUCK

HISTÓRIA - UFPR

CURITIBA 2004

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LUIZ RAFAEL XAVIER VICENTE

O IMPÉRIO MONGOL E A EUROPA OCIDENTAL EM MEADOS DO SÉCULO XIII: O CRISTIANISMO POR TRÁS DOS MOTIVOS POLÍTICOS DAS MISSÕES

DOS FRANCISCANOS CARPINI E RUBRUCK

Monografia apresentada ao curso de graduação

em História do Setor de Ciências Humanas,

Letras e Artes da Universidade Federal do

Paraná.

Orientador: Prof. Dr. Renan Frighetto

CURITIBA 2004

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Agradeço a Guilote, Luiz e Marcos,

sem cujo amparo este trabalho não

seria possível

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“Como Deus deu à mão vários dedos, assim

deu aos homens vários caminhos.”

Mongke Cã, quarto imperador mongol,

em resposta ao franciscano Guilherme de

Rubruck, que tentava convencê-lo a

cristianizar-se

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SUMÁRIO RESUMO...............................................................................................................................v INTRODUÇÃO.....................................................................................................................1 CAPÍTULO I – REVISÃO BIBLIOGRÁFICA....................................................................4 CAPÍTULO II - CONTEXTO HISTÓRICO DE MEADOS DO SÉCULO XIII: ORIENTE MONGOL E OCIDENTE CRISTÃO...................................................................................16 CAPÍTULO III – DESCRIÇÃO E ANÁLISE DAS FONTES...........................................25 CONCLUSÃO.....................................................................................................................41 REFERÊNCIAS..................................................................................................................45 ANEXOS..............................................................................................................................49

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RESUMO

O IMPÉRIO MONGOL E A EUROPA OCIDENTAL EM MEADOS DO SÉCULO XIII: O CRISTIANISMO POR TRÁS DOS MOTIVOS POLÍTICOS DAS MISSÕES

DOS FRANCISCANOS CARPINI E RUBRUCK Autor: Luiz Rafael Xavier Vicente Orientador: Prof. Dr. Renan Frighetto Este trabalho analisa as relações da Cristandade européia ocidental com o Império Mongol, em meados do século XIII. As fontes históricas por meio das quais se o faz constituem-se de dois relatos de viagens, cada qual elaborado por um autor. Ambos os viajantes eram religiosos da Ordem dos Frades Menores – franciscanos. A primeira jornada analisada, que ocorreu entre 1245 e 1247, é a do italiano João de Pian de Carpini. Este frade foi incumbido pelo papa Inocêncio IV de realizar uma missão diplomática e religiosa, cujo objetivo era chegar ao grão-cã da Mongólia – o imperador Guyuk Cã – e professar-lhe o ideal cristão, por meio de uma carta do sumo sacerdote. Além disso, a mensagem levada por Carpini condenava, com base nos preceitos da Igreja, as atrocidades cometidas contra os cristãos da Europa oriental, que tanta apreensão proporcionaram à Cristandade como um todo, o que foi tema do Concílio de Lion de 1245, que alertava para possíveis novos ataques mongóis. A segunda viagem estudada é a do frei flamengo Guilherme de Rubruck. Sua duração foi praticamente igual à da jornada de Carpini – um total de dois anos, para a ida e para a volta – e o seu período foi de 1253 a 1255. Rubruck foi ao encontro do grão-cã mongol – que agora era Mongke Cã – como enviado do monarca da França, Luís IX. A Rubruck foi delegada a tarefa exclusiva – pelo menos nominalmente – de pregar, como Carpini, o cristianismo ao imperador – segundo a fonte, não havia o caráter diplomático nesta viagem. Esta monografia tenta interpretar os motivos que levaram os poderosos europeus a empreenderem essas viagens, não só do ponto de vista religioso, que fica mais patente, mas também do ponto de vista político. Tendo em vista o contexto das últimas Cruzadas, buscar-se-á confirmar a hipótese de que as expedições daqueles franciscanos tinham também o intuito de tentar uma aliança entre os cristãos e os mongóis contra os muçulmanos que ocupavam a Terra Santa.

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INTRODUÇÃO

O século XIII se caracterizou como sendo o do período final das Cruzadas.

Entretanto, o grande acontecimento mundial daquele século foi o surgimento do Império

Mongol,1 o qual não se limitou à Ásia somente: chegou até a Europa Oriental.

O tema desta monografia refere-se às relações entre a Cristandade européia

ocidental e o Império mongol, principalmente do ponto de vista político, em meados do

século XIII, durante o período da Baixa Idade Média. As fontes históricas analisadas neste

trabalho são dois relatos de viagem, ambos escritos por frades da Ordem Menor –

franciscanos. O primeiro escrito é de autoria de Giovanni (João) de Pian de Carpini, que

peregrinou pelos domínios mongóis até encontrar-se com o terceiro grão-cã, Guyuk Cã, de

1245 a 1247. O segundo relato diz respeito ao período de viagem de Willelm (Guilherme)

de Rubruck, que ocorreu ente 1253 e 1255; seu encontro foi com o terceiro imperador

mongol, Mongke Cã.

A monografia divide-se em três capítulos. O primeiro é composto de uma revisão

bibliográfica acerca do tema, cuja idéia é apresentar os autores utilizados nos estudos,

partindo do âmbito geral para o específico. Neste primeiro capítulo, ainda, está esta

introdução geral, com a qual se alegam a justificativa, os objetivos, a hipótese – ou

problemática – e a metodologia de trabalho. O segundo capítulo abrange o contexto

histórico da época, tanto no Ocidente cristão quanto, sobretudo, no Oriente mongol. Este

capítulo, além das notas bibliográficas, que permeiam todo o trabalho, possui diversas notas

explicativas. Esta parte do trabalho serve como base para o entendimento do terceiro

capítulo, que se constitui da descrição e da análise das fontes escritas por Carpini e

Rubruck.

Ao final da monografia, além da conclusão geral, há anexos que colaboram para a

compreensão do texto. Estes anexos mostram mapas históricos do período estudado e um

quadro genealógico da linhagem de Gêngis Cã, fundador do Império Mongol, em 1206.

Quanto aos nomes de pessoas e lugares, a opção foi aproximá-los ao máximo da

língua portuguesa, tentando não perder de vista as suas origens mongóis, como no caso de

1 LE GOFF, J. São Luís - Biografia. Rio de Janeiro: Record, 1999. p. 45.

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Caracórum, em vez de Karakorum, ou Oguedai, no lugar de Ögödäi, ou mesmo Djútchi, ao

invés de Juchi. No caso de Gêngis Cã, optou-se pela grafia já tradicionalmente

aportuguesada, em lugar de Gengis Khan, grafia tão propalada pela comunidade

internacional. Quanto aos nomes dos autores das fontes, há, na bibliografia, diversas grafias

distintas. Para Pian de Carpini, nome adotado nesta monografia, há Plano, Plan, Pian,

Carpine e Carpini; ou mesmo Plancarpin. Para Rubruck, usado aqui, a variação é bem

menor, a maioria dos autores adotando exatamente esta grafia, embora o nome latinizado,

como na fonte, seja grafado Rubruc, e, em alguns casos, por ser um nome flamengo de

origem germânica, há Ruysbroeck. Os pré-nomes serão usados em português – João e

Guilherme –, e não nas línguas originais – Giovanni, italiano, e Willelm, flamengo.

A escolha deste tema, "Império Mongol", se deu após uma mudança de rumo nas

minhas pesquisas. Sempre tive interesse pelas culturas européias orientais e pelas culturas

asiáticas. Acredito haver uma lacuna de conhecimento na historiografia brasileira quanto a

temas que lhes são correlatos, sobretudo no que diz respeito à Idade Média. A cultura pela

qual mais me interessei foi a russa, sendo que até esta língua estudei. Inicialmente, pensava

em trabalhar com a influência do Império Mongol na Rússia no século XIII. Este era o tema

que desenvolvia quando era bolsista do Projeto Chronos - Multimeios aplicados a História

Antiga e Medieval, sob orientação da professora Márcia Siqueira.2 Era uma idéia audaciosa,

posto que não há fontes sobre o assunto em português. Foi a primeira dificuldade que se me

apresentou. Consegui obter uma fonte russa em inglês (The Chronicle of Novgorod: 1016-

1471. Hattiesburg: Academic International, 1970. 298 p.), mas houve dificuldades para

trabalhar com ela, não pela língua, mas pelo fato de não ser tão específica quanto as fontes

com que trabalharei na monografia, que, além disso, estão em português.

À medida que fui lendo sobre a influência dos mongóis na Rússia, fui-me

interessando cada vez mais por aquele povo e por suas origens e tradições, até que me

deparei com os relatos dos frades Carpini e Rubruck, por intermédio de Cibele Carvalho.3

Apreciei sobremodo aquelas narrativas de viagem. Percebi que poderia usá-las como fontes

2 Fui bolsista do Projeto Chronos nos períodos junho-dezembro de 2002 e junho-dezembro de 2003. 3 Cibele Carvalho é mestranda em História pela UFPR, e foi minha companheira de Projeto Chronos. Ela estuda o franciscanismo e obteve as fontes com o próprio tradutor, o frade Ildefonso Silveira, que a auxiliava em suas pesquisas.

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que explicassem as relações da cristandade ocidental com o Império de Gêngis Cã e de seus

descendentes.

Ao longo do texto deste trabalho,buscarei interpretar os motivos que levaram

Carpini e Rubruck ao coração do Império Mongol. Foram apenas para levar a mensagem do

cristianismo aos nômades das estepes ou existiam motivos políticos entre os objetivos das

viagens?

O objetivo é tentar solucionar esta hipótese por meio da análise das fontes, que

proporcionam interpretações variadas sobre o tema, dada a riqueza de informações que

trazem a quem as estuda.

Os procedimentos para colocar os objetivos em ação se constituíram, numa primeira

etapa, na revisão bibliográfica referente ao tema. Quanto ao método usado para as leituras,

procurei, primeiramente, elencar toda a bibliografia disponível sobre o tema, sobretudo na

Biblioteca Pública do Paraná e na biblioteca do Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes

da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Na proporção em que foram sendo feitas as

leituras dos livros, bem como seus fichamentos, procurei uma fonte que contemplasse o

tema. Como escrevi acima, houve mudança de fonte. Além disso, passei de uma, em inglês,

para duas, em português, o que facilitou os estudos.

Ao longo destes dois últimos semestres, não deixei de consultar meu professor

orientador, o Dr. Renan Frighetto, quanto ao modo de encaminhar meus estudos, o que me

foi de muita valia para chegar a este resultado final.

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CAPÍTULO I

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Alguns temas de monografias, dissertações e teses não encontram respaldo

suficiente dentro da historiografia brasileira. Quanto a isso, os problemas maiores se

apresentam nos campos das Histórias Antiga e Medieval. Este é o caso desta monografia.

Além de abordar a Idade Média, ramo da história que representa um nicho restrito no

Brasil, este trabalho relaciona-se ao século XIII, não só na Europa, centro por excelência

dos estudos medievais – por conta do que há vasta bibliografia advinda daquele continente

–, mas também à Ásia, mais precisamente ao Império Mongol.

Bibliografia específica sobre este assunto, escrita por autores brasileiros, é quase

inexistente, o que se constatou após várias buscas em bibliotecas de Curitiba e em

endereços eletrônicos de bibliotecas, universidades e livrarias de outras cidades brasileiras.

Após mais de dois anos de leituras, observa-se que, no máximo, há traduções para a língua

portuguesa, editadas em Portugal, de obras variadas de autores diversos sobre o tema,

principalmente franceses e russos. Também existem nas bibliotecas muitas obras em

línguas estrangeiras, em francês, espanhol e inglês.

Portanto, esta revisão bibliográfica primará pelo uso de bibliografia medieval

estrangeira, embora venha a abordar também, e até mais detalhadamente, os poucos autores

brasileiros encontrados que escreveram sobre aspectos do tema deste trabalho de conclusão

de curso: as relações da Cristandade ocidental com o Império Mongol em meados do século

XIII.

*

Para esta monografia, algumas obras se apresentam como sínteses da civilização

mongol na época do Império Gengiscânida. A primeira delas é de autoria do historiador

inglês E. D. Phillips e se chama simplesmente Os mongóis. Constitui-se de uma tradução

portuguesa do inglês.1 Vale lembrar que este autor sempre procurou estudar as “[...]

1 PHILLIPS, E. D. Os mongóis. Lisboa: Verbo, 1971. (Coleção história Mundi, n. 9).

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grandes migrações das estepes do Norte e a maneira de viver nómada [sic]”,2 e que,

portanto, Os mongóis se torna uma extensão disso.

A obra de E. D. Phillips serve como base para qualquer estudo relacionado ao

Império Mongol, pois nela são explicados assuntos como o nomadismo das estepes – as

moradias dos mongóis – as ger –, sua alimentação, vestimenta, hábitos de guerra e de

sepultamento –; o advento de Gêngis Cã – capítulo essencial de qualquer síntese sobre o

Império Mongol que se preze –; a divisão do vasto território conquistado por Gêngis Cã

entre seus herdeiros, os quais deram continuidade às conquistas. Além disso, Phillips insere

em seu livro quadros genealógicos e diversas imagens explicativas.

Outro historiador inglês, J. J. Saunders, da Universidade de Canterbury, possui uma

obra em moldes bastante semelhantes à de Phillips. The History of the Mongol Conquests,3

no entanto, é mais detalhada que Os mongóis, sobretudo no que diz respeito ao tema do

presente trabalho. Nos capítulos “The Mongol drive into Europe” e “The Christian

response”4 as relações entre cristãos ocidentais e os mongóis são abordadas de maneira

interpretativa. As fontes de Carpini e Rubruck são analisadas com bastante vagar. Assim

como em Os mongóis, há em The History of... um capítulo dedicado a Gêngis Cã. E a

análise antropológico-histórica do nomadismo das estepes mostra este modo de vida desde

muito antes da formação do Império Mongol.

O terceiro livro que segue esta linha sintética é Asia central5, tradução para o

espanhol da obra de diversos historiadores de variadas nacionalidades, organizada pelo

norte-americano Gavin Hambly, da Universidade de Yale. Asia central é um apanhado de

textos acadêmicos que versam sobre esta região, desde os tempos de Alexandre da

Macedônia até o dos mongóis no século XX. Os capítulos que interessam a esta monografia

são justamente três dos cinco que foram escritos por Hambly, intitulados “Gengis Kan” –

como ocorre nas duas obras supracitadas –, “El zenit del imperio mongol” e “La Horda de

Oro”. O mais importante destes é o segundo, no qual as relações políticas internas do

Império Mongol – luta pelo poder entre as linhagens de Tolui e Oguedai, filhos de Gêngis

Cã – são abordadas com detalhes.

2 Ibid., p. 13. A obra fundamental de Phillips referente a esta citação é Os povos nómadas das estepes. Lisboa: Verbo, 1970 (1968). 3 SAUNDERS, J. J. The History of the Mongol Conquests. London: Routledge & Kegan Paul, 1971. 4 Ibid., p. 73-118. 5 HAMBLY, G. (Org.). Asia Central. Madrid: Siglo Veintiuno, 1970. (Historia Universal Siglo XXI, n. 16).

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Além das três obras acima, também foram utilizadas aqui, somente à maneira de

leituras iniciais, mais duas obras. A primeira é o livro As civilizações das estepes, de

Phillipe Conrad.6 O problema que se verifica refere-se ao lugar social de produção do autor,

inidentificável. A obra versa desde a época dos citas até o fim do império de Tamerlão –

Timur Lang, autoproclamado descendente de Gêngis Cã, que dominou a Pérsia e suas

adjacências no último quartel do século XIV. Parece difícil que este livro seja reconhecido

como obra historiográfica, uma vez que, por exemplo, não há referência formal alguma a

outras obras e a fontes.

A segunda é o texto “Asia mongol”, extraído do segundo volume da coleção

Historia de la Humanidad, do historiador francês Jean Duché.7 Muito superficial, também

só serviu como leitura inicial.

*

A noção de como eram as crenças religiosas é importante para se entender porque

Guyuk Cã e Mongke Cã não aceitaram ser cristianizados por Carpini e Rubruck,

respectivamente, como ainda se verá nesta monografia.

Nesta direção, o texto “Religiões da Eurásia antiga: turco-mongóis, fino-úgricos e

balto-eslavos”, do historiador das religiões romeno naturalizado norte-americano Mircea

Eliade,8 é bastante elucidativo. São explicados ali os mitos de criação daqueles povos, suas

idéias de estrutura do mundo, bem como a importância do xamanismo para os turco-

mongóis.

*

Como o advento de Gêngis Cã é fundamental para que se compreenda o Império

Mongol, algumas obras dedicadas somente a este personagem foram utilizadas neste

6 CONRAD, P. As civilizações das estepes. Rio de Janeiro: Ferni, 1978. 7 DUCHÉ, J. Asia Mongol. In: DUCHÉ, J. Historia de la Humanidad: El fuego de Diós. Madrid: Guadarrama, 1964. v. 2. p. 565-600. 8 ELIADE, M. Religiões da Eurásia antiga: turco-mongóis, fino-úgricos, balto-eslavos. In: _____. História das crenças e das idéias religiosas: de Maomé à Idade das Reformas. Rio de Janeiro: Zahar, 1984. t. 3. p. 15-54.

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trabalho. A primeira delas, Gêngis Khan, do francês Michel Hoàng,9 serve apenas como

guia, não possuindo caráter historiográfico perceptível. Apesar de se basear nas fontes

sobre o primeiro grão-cã, o autor escreve jornalisticamente – Hoàng não é historiador de

ofício, mas jornalista e escritor.

Outra obra, Gêngis Khan: a vida do guerreiro que virou mito, foi escrita pelo

historiador inglês John Man.10 Como o livro de Hoàng (2002), o de Man é recentíssimo

(2004). Essa tradução também prima mais pelo aspecto literário do que historiográfico.

A obra mais séria do ponto de vista historiográfico fica por conta de Harold Lamb,

em seu Genghis Khan, emperador de todos los hombres, tradução do original em inglês

para o espanhol.11 “Harold Lamb investigó las crónicas de la época y consultó las fuentes

adecuadas para reconstruir la figura humana de Gengis Khan, rescatándolo de la leyenda

que lo presenta como la encarnación de la barbarie o como el Anticristo.”12

Esta obra ultrapassa a barreira da simples biografia dos dois livros citados

anteriormente. Constata-se isso no capítulo referente às notas,13 que são explicativas e não

bibliográficas. Por meio delas, Lamb apresenta aspectos que remetem à Yassa, o código de

leis de Gêngis Cã, seguido pelos seus sucessores; à lenda do Preste João, arraigada no

imaginário medieval europeu e que ajuda a explicar as missões de Carpini e Rubruck; e às

correspondências entre os monarcas europeus e os cãs mongóis, cuja explicação é um dos

objetos fundamentais desta monografia.

*

Não se pode dissociar a história da Rússia de seu domínio pelo Império Mongol, a

partir, principalmente, de 1241, quando da destruição de Kiev por Batu, neto de Gêngis Cã.

Em obras sobre a história geral da Rússia não faltam capítulos sobre o jugo mongol. Três

dessas sínteses da história russa foram consultadas para este trabalho. Duas são de

historiadores russos radicados nos Estados Unidos: Nicholas Riazanovsky – A History of

9 HOÀNG, M. Gêngis Khan. São Paulo: Globo, 2002. 10 MAN, J. Gêngis Khan: a vida do guerreiro que virou mito. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004. 11 LAMB. H. Gengis Khan: emperador de todos los hombres. Madrid: Alianza, 1985 (1928). 12 Ibid., contracapa. 13 Ibid., p. 183-224.

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Russia14 – e George Vernadsky – Historia de Rusia,15 tradução do inglês para o espanhol.

Numa obra ainda mais abrangente, Os eslavos: povos e nações, o francês Roger Portal

dedica algumas poucas páginas aos mongóis na Rússia.16

O alemão Carsten Goehrke escreveu “La época del dominio mongol directo y sus

consecuencias para la historia de Rusia”, capítulo do livro Rusia,17 o qual é bastante

interpretativo, haja vista que aborda aspectos como o sistema mongol de dominação, a

queda populacional e as conseqüências econômicas daquela submissão. Assim o faz

também o já citado Gavin Hambly.18

Entretanto, o mais detalhado livro sobre o domínio mongol na Rússia é L’Horde

d’Or, dos russos B. Grekov e A. Iakoubovski.19 Como o próprio título da tradução do russo

para o francês exprime, os autores fixam-se somente na Horda de Ouro, canato comandado

por Batu, cã pelo qual passaram Carpini e Rubruck em suas missões.

*

A seguir, será apresentada revisão bibliográfica de obras mais especificamente

condizentes com o tema da monografia: as relações entre o Ocidente cristão medieval e o

Império Mongol. Serão analisados agora autores estrangeiros. Autores brasileiros serão

explicados logo a seguir.

O primeiro autor que se pode mencionar é o francês Michel Mollat, numa tradução

para o espanhol de seu Los exploradores del siglo XIII al XVI: primeras miradas sobre

nuevos mundos.20 Mollat interpreta vários contatos entre europeus e habitantes de outros

continentes, entre os quais os ocorridos nas missões de Carpini e Rubruck. Para o autor, os

14 RIASANOVSKI, N. V. The Mongols and Russia. In: _____. A History of Russia. 3. ed. New York: Oxford University Press, 1977. p. 73-83. 15 VERNADSKI, G. Rusia bajo el dominio de las estepas (1238-1452). In: _____. Historia de Rusia. Buenos Aires: Losada, 1947. p. 55-67. 16 PORTAL, R. A paz mongol. In: _____. Os eslavos: povos e nações (séculos VIII-XX). Lisboa: Cosmos, 1968. (Coleção Rumos do Mundo, n. 9). p. 56-64. 17 GOEHRKE, C. La época del dominio mongol directo y sus consecuencias para la historia de Rusia. In: _____ et al. Rusia. Ciudad de México: Siglo Veintiuno, 1970. (Historia Universal Siglo XXI, n. 31). p. 65-85. 18 HAMBLY, G. La Horda de Oro. In: _____, op. cit., p. 116-127. 19 GREKOV, B.; IAKOUBOVSKI, A. La Horde D'Or: la domination tartare au XIIIe siècle et au XIVe siècle de la mer Jaune a la mer Noir. Paris: Payot, 1939. 20 MOLLAT, M. Los exploradores del siglo XIII al XVI: primeras miradas sobre nuevos mundos. Ciudad de México: Fondo de Cultura Económica, 1990 (1984).

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franciscanos abriram caminho ao Oriente na época medieval, o que se consolidou logo

depois, pelo menos por algum tempo, com o mercador Marco Polo, também analisado por

Mollat. À medida que as viagens dos mendicantes vão sendo explicadas, este autor

interpreta, sempre acorde com as fontes, as impressões dos freis sobre os diferentes

habitantes do Império Mongol, o que era novidade para o imaginário europeu da época:

“No es un retrato lisonjero, sino fisicamente exacto, el que Plancarpin [sic] trazó de los

tártaros [...]. Rubruck, por su parte, distingue a los diversos pueblos del imperio mongol

[...].”21 Los exploradores... permite comparações entre os contatos dos europeus com outros

povos em diferentes épocas e circunstâncias.

Já numa perspectiva da História Contemporânea, o livro The Glass Curtain between

Asia and Europe22 remete, em muitos de seus textos, às relações Ocidente-Oriente durante

a Idade Média. The Glass Curtain... é o resultado de um simpósio sobre essas relações ao

longo do tempo, com textos escritos de vários pontos de vista.

O texto que mais serviu à monografia chama-se “The Historical Context of

Encounters between Asia and Europe (as seen by an Asian)”, de V. S. Venkatachar.23 O

texto ajuda a explicar a superficialidade dos contatos entre europeus e asiáticos ao longo de

vários séculos, remetendo ao tema específico deste trabalho, as viagens dos franciscanos

Carpini e Rubruck.

O título da obra (“A cortina de vidro entre a Ásia e a Europa”) exprime a falsa idéia

de que esses continentes não são, geograficamente, uma só entidade – afinal os montes

Urais não representam um obstáculo físico considerável para os contatos entre uma região e

outra. A “cortina de vidro” se expressaria então pelas diferenças culturais ancestrais entre

asiáticos e europeus, o que ficará patente nas fontes analisadas na monografia.

Venkatachar acredita que as razões para esta dicotomia estão na ignorância e na

indiferença mútuas: a vasta distância, por terra ou por mar, prolongou o isolamento físico e

21 Ibid., p. 43. 22 RAGHAVAN, I. (Ed.). The Glass Curtain Between Asia and Europe: a symposium on the historical encounters and the changing attitudes of the peoples of the East and the West. London: Oxford University Press, 1965. 23 VENKATACHAR, C. S. The Historical Context of Encounters between Asia and Europe (as seen by an Asian). In: RAGHAVAN, I. (Ed.). The Glass Curtain Between Asia and Europe: a symposium on the historical encounters and the changing attitudes of the peoples of the East and the West. London: Oxford University Press, 1965. p. 31-51.

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mental entre Ásia e Europa,24 o que se evidencia no caso do Ocidente cristão e do Império

Mongol. Os europeus, na Antigüidade, teriam curiosidade quanto aos asiáticos; já na Idade

Média, os ataques dos hunos no século IV e dos mongóis no século XIII teriam resultado na

repulsa daqueles em relação a estes, baseada na crença de que a civilização da Europa fora

destruída por uma civilização “inferior” advinda das profundezas da Ásia.25

O terror causado pelos mongóis quando de suas investidas na Europa oriental

(Rússia, Polônia, Hungria) foi o motivo pelo qual o papa Inocêncio IV enviou o frei Carpini

ao coração do Império Gengiscânida, primeiro para pedir que os ataques cessassem, depois,

para tentar converter o grão-cã Guyuk ao cristianismo e, por extensão, todos os seus

súditos, que lhe tinham fidelidade pessoal. Tal terror é explicado por Venkatachar pela

vantagem militar dos mongóis em relação aos povos sedentários: a mobilidade de sua

cavalaria, que facilitava a marcha sobre áreas agrícolas.26

Para explicar o domínio mongol – ou de qualquer outro povo das estepes asiáticas –,

Venkatachar remete a René Grousset: “As Grousset remarks, real invasion or conquest was

only exception or accident, about one chance in a hundred [...]. The nomads were a […]

people with no political organization, and they were so deficient in the rudiments of

civilization that it was a burden for them to presume to govern highly civilized peoples

living in populous villages and cities.”27

Isso ajuda a explicar porque os mongóis eram tão facilmente assimiláveis pelas

culturas sedentárias por eles dominadas, principalmente na China, o que se corrobora nos

relatos de Marco Polo sobre Kublai Cã. Diferentemente dos nômades, os europeus

desenvolveram concepções de relações políticas entre povos, sobretudo entre os que

estavam em guerra.28 Tais concepções foram postas em prática pelo papa Inocêncio IV, no

caso de Carpini, e pelo rei Luís IX da França, no caso de Rubruck. E os resultados desses

atos, dadas as diferenças entre cristãos e mongóis, não foram frutíferos, como se pode

observar no terceiro capítulo desta monografia.

24 Ibid., p. 31. 25 Ibid., p. 32. 26 Ibid., p. 33-34. 27 Ibid., p. 34. Numa tradução livre: “Como Grousset observa, invasão ou conquista efetivas se tratavam de exceções ou acidentes, com uma chance em cem de ocorrer. Os nômades não possuíam organização política, e eram tão deficientes nos rudimentos de civilização, que para eles era um fardo atrever-se a governar povos de sociedades avançadas, que viviam em vilas e cidades.” 28 Ibid., p. 35.

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11

A idéia de relações entre povos, de acordo com essa visão européia – no caso uma

relação potencial de aliança contra um inimigo comum, o Islã, dentro do contexto das

últimas Cruzadas do Oriente –, não podia ser compreendida pelos cãs da Mongólia, para os

quais só era aceitável a submissão, a vassalagem. Tal incompreensão se deu porque o

sistema político europeu era acompanhado de um princípio de equilíbrio de poder, o qual

não era adequado para as relações entre os mongóis e os povos sedentários subjugados.29

Desta forma, como os nômades das estepes tinham uma pré-disposição para a

absorção em termos culturais, sociais e políticos, isso fazia com que eles se tornassem, em

contrapartida, tolerantes com os costumes e hábitos alheios. Isso, segundo Venkatachar,

tornou-os hábeis a perceberem a divergência que havia entre a pregação da Cristandade

européia e a sua prática, tão permeada de associações políticas.30 O caso sui generis disso

se apresenta na carta-resposta de Mongke Cã ao rei Luís IX, entregue ao enviado deste, o

frei Rubruck, como se verifica no capítulo III deste trabalho.

Dois textos mais curtos também se relacionam às relações Oriente-Ocidente no

século XIII. Um deles é de Léopold Genicot, “El resto del mundo. Conquistas, factorías,

cruzadas”, extraído da tradução do francês para o espanhol do livro Europa en el siglo

XIII.31 O texto enfatiza a idéia de sucesso e fracasso das incursões européias na Ásia

naquele século, citando Carpini e Rubruck, sem muito aprofundamento. Contudo, a obra

como um todo favorece uma excelente visão da Europa do século XIII, apresentando uma

vasta lista de fontes consultadas por Genicot.

Outro texto é do grande representante da terceira geração da Escola dos Annales,

Jacques Le Goff. No âmbito da História das Mentalidades, em que há “[...] o

reconhecimento de que o estudo do mental só faz sentido se articulado a totalidades

explicativas”,32 Le Goff, no texto “A Cristandade e o mito mongol”, do livro A civilização

do Ocidente medieval – volume 1,33 atenta para o fato de que

29 Ibid., p. 39. 30 Ibid., p. 47. 31 GENICOT, L. El resto del mundo. Conquistas, factorías, cruzadas, misiones. In: _____. Europa en el siglo XIII. Barcelona: Labor, 1970. p. 235-245. 32 VAINFAS, R. As mentalidades, uma corrente historiográfica francesa. In: _____. Os protagonistas anônimos da História. Rio de Janeiro: Campus, 2002. 33 LE GOFF, J. A Cristandade e o mito mongol. In: _____. A civilização do Ocidente medieval. Lisboa: Estampa, 1995 (1964). v. 1. (Nova História, n. 14). p. 188-190.

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[...] os Mongóis deram origem ao aparecimento de estranhas ilusões de príncipes, clérigos, mercadores. Não só se julgou que estavam prontos a converter-se ao cristianismo como se pensou que já estavam secretamente convertidos, esperando apenas pela boa oportunidade para o revelar. O mito do Prestes [sic] João, esse misterioso soberano cristão que o século XIII localizava na Ásia [...], nascido nas imaginações a partir de vagas informações disponíveis acerca de pequenos núcleos cristãos nestorianos que tinham sobrevivido na Ásia, recaiu nos Mongóis [...]. E sobre essa ilusão um grande sonho cresceu: o sonho de uma aliança entre cristãos e Mongóis, que [...] destruísse [o Islã].

34

Tal mito foi também um dos motivos para as excursões dos frades Carpini e Rubruck.

Sobre essas embaixadas ao Império Mongol, não se pode perder de vista um

importante personagem europeu do período, o rei Luís IX da França, futuro São Luís. O

próprio Le Goff o aborda em obras como O maravilhoso e o quotidiano no Ocidente

medieval,35 e, principalmente, na biografia deste monarca escrita pelo historiador.36 Três

textos do livro têm relevância pontual nesta pesquisa: “O horizonte oriental: Bizâncio,

Islam [sic], Império Mongol”,37 “Um rei escatológico: o Apocalipse mongol”38 e “O

Oriente de São Luís”.39 Eles versam sobre o mundo que cercava o rei fora das fronteiras da

Europa. Dentro do contexto das últimas Cruzadas, “Luís vai agir além do reino da França

no espaço da Cristandade, vai sair em pessoa ao mundo hostil do Islam [sic], à África do

Norte e ao Oriente Próximo, e, por intermédio de seus desígnios, de seus sonhos e de seus

mensageiros, até o coração do Oriente, esse reservatório de maravilhas e de pesadelos.”40

A expedição enviada por Luís IX ao Império Mongol, chefiada pelo franciscano

Rubruck, é também explicada com detalhes no terceiro capítulo desta monografia, quando

da análise das fontes. Do texto de Le Goff, é importante constatar que, “Atrapalhados, Luís

e seu conselho não vão querer levar em consideração o preâmbulo e a proclamação de

suserania do Khan [sic] [Mongke Cã], que o rei de França não saberia aceitar, ainda que se

tratasse de uma formalidade, de ordem puramente teórica [...]. São Luís deixou passar a

ocasião. Assim se fechou para ele o espaço mongol.”41

* 34 Ibid., p. 188-189. 35 LE GOFF, J. Os gestos de São Luís: encontro com um modelo e uma personalidade. In: _____. O maravilhoso e o quotidiano no Ocidente medieval. Lisboa: Edições 70, 1983. p. 71-88. 36 _____. São Luís - Biografia. Rio de Janeiro: Record, 1999. 37 Ibid., p. 43-59. 38 Ibid., p. 137. 39 Ibid., p. 483-492. 40 Ibid., p. 43. 41 MARGULIES, M. Os judeus na história da Rússia. Rio de Janeiro: Bloch, 1971.

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A surpresa de encontrar autores brasileiros que escreveram sobre aspectos correlatos

ao Império Mongol faz com que se dedique a parte final deste capítulo da monografia a

explicá-los em separado e com mais vagar.

As obras apresentadas neste trabalho estão compreendidas em períodos bem

diferentes da produção historiográfica brasileira. A primeira, Os judeus na história da

Rússia, do historiador, rabino e cineasta Marcos Margulies, foi editada em 1971. Este livro

é uma adaptação da tese de doutoramento defendida pelo autor, em 1970, na Universidade

de São Paulo (USP). Os judeus... analisa a evolução das relações intergrupais entre judeus e

russos ao longo dos tempos.

A área geográfica escolhida por Margulies foi a Europa centro-oriental, que

representa, para o autor, os encontros e choques de várias culturas, ideologias,

mentalidades, interesses, religiões e etnias.42 O eixo em torno do qual giram os estudos de

Margulies é o povo judeu. Todavia, há um capítulo, o quinto, “Hansa e Tartária”,43 que se

dedica “[...] tanto aos habitantes dos burgos alemães [...], quanto aos habitantes das estepes

asiáticas [...]. Uns atacavam o Oriente, outros, o Ocidente, mas em ambos os casos tratava-

se da atual Rússia [européia].”44

É interessante, e até surpreendente, constatar que um historiador brasileiro tenha

tratado, ainda que apenas como pano de fundo, de aspectos do Império Mongol. Deve-se ter

em mente o lugar social de produção e a época de pesquisa do autor. Ele estava inserido

num tempo marcado pela maior estruturação dos cursos universitários e pela criação, nos

anos 1970, dos cursos de pós-graduação no Brasil, o que dava a oportunidade de estudos de

novos temas dentro da historiografia brasileira.

Embora Margulies não deixe de lembrar que seu lugar de produção é o Brasil,45

observa-se claramente que seu livro é um apanhado de leituras, releituras e interpretações

de obras de autores os mais variados, pelo longo recorte que ele propõe. No capítulo V, ele

remete a autores russos, muitos dos quais traduzidos para o inglês, francês e espanhol (e

42 Ibid., p. 491-492. 43 Ibid., p. 111-143. 44 Ibid., p. 7. 45 Como ocorre no capítulo I (“Varégia”), p. 18, em que compara baldeações escandinavas em Kiev com o conceito português de varadouro, que aconteceu no Brasil das Bandeiras (ver nota 2, p. 275); ou no próprio capítulo V (“Hansa e Tartária”, nota 9, p. 299), no qual Margulies cita o historiador brasileiro Pedro Moacyr de Campos.

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constantes da biblioteca da UFPR), como Grekov, Iakoubovski e Poliakov, e franceses

pesquisadores de assuntos euro-orientais e asiáticos, como Grousset e Portal, também

encontráveis na mesma biblioteca. Isso não invalida – pelo contrário – sua obra, pois, com

ela, surgem várias possibilidades de estudo, sejam com o detalhismo com que Margulies

trata seu assunto, sejam com a enorme quantidade de notas, as quais referenciam

muitíssimos autores.46

O segundo autor a ser analisado é Hilário Franco Jr., bacharel e doutor em História

pela USP, onde é professor. Possui várias obras referentes à Idade Média, cuja dedicação

está na história das mentalidades e do imaginário medievais.

Nesta direção, Franco Jr. pesquisou as utopias daquele período, cujo resultado foi o

livro As utopias medievais.47 Dividido em seis capítulos, incluindo introdução e conclusão,

o autor discorre sobre quatro grandes utopias medievais: a da abundância, a da justiça, a do

sexo e a do Paraíso.

O aspecto mais relevante do livro para esta monografia é a explicação da lenda do

Preste João, soberano lendário a quem na Europa medieval se atribuiu o domínio de um

império cristão, que foi, sucessivamente, confundido com um chefe cristão nestoriano de

uma tribo turca da Mongólia, depois com alguns dos cãs do Império Mongol e, por fim,

com os soberanos da Etiópia. Além disso, tal lenda pode ser discutida pela historiografia

brasileira do ponto de vista do desejo de se chegar a esse hipotético aliado da cristandade, o

que está no contexto do imaginério das Grandes Descobertas.

A lenda do Preste João ajuda a entender as utopias descritas por Franco Jr.,

sobretudo as da abundância, da justiça e do Paraíso, pois seu suposto império representava

para a mentalidade medieval idéias que estavam distantes da Europa na época. Tal

mentalidade ajuda a explicar os motivos pelos quais missionários franciscanos Carpini e

Rubruck foram enviados à corte dos imperadores mongóis, em meados do século XIII.

Talvez Franco Jr. justifique seus estudos, ou “tenha adquirido os direitos” para

realizá-los, pelo fato de a História do Brasil pós-descobrimento ser uma “continuação” da

história da Europa ocidental. Por extensão, a historiografia daquela região teve reflexos na

46 Ainda assim, sente-se falta da citação da bibliografia utilizada, ainda que fosse de forma enxuta. Certamente foi uma opção editorial, posto que o montante de páginas com as referências encareceria o custo do livro. 47 FRANCO JR., H. As utopias medievais. São Paulo: Brasiliense, 1992.

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produção local, ou seja, como historiador brasileiro permeado pelo caráter ocidental, o

autor se viu no direito de estudar a História Medieval, assunto que, embora relacionado a

outras partes do mundo, se relaciona mais com o Ocidente, do qual o Brasil faz parte.

Portanto, Hilário Franco Jr. pôde analisar muito bem a história de um tempo “ausente” no

Brasil.

Por fim, o terceiro texto é de autoria de Andréa Doré, professora do Departamento

de História da Universidade Federal do Paraná, UFPR. “Diplomacia e relações comerciais

entre o Oriente e o Ocidente: duas experiências do século XIII”48 é um artigo que se baseia

“[...] na dissertação de mestrado [de Doré], apresentada no Instituto de Ciência Política e

Relações Internacionais da UnB [Universidade de Brasília], em janeiro de 1997.”49 Na

qualidade de doutoranda em História pela UFF (Universidade Federal Fluminense), Andréa

Doré entende como aspectos rudimentares de diplomacia a viagem do frei Rubruck ao

Império Mongol e as atividades comerciais realizadas por Marco Polo na China Mongol.

*

As obras mostradas neste trabalho referem-se a abordagens gerais ou específicas do

tema da monografia e permitem a discussão de temas medievais dentro da academia

brasileira, além de auxiliarem na solução de hipóteses para estudos que lhes são referentes.

48 DORÉ, A. Diplomacia e relações comerciais entre o Oriente e o Ocidente: duas experiências do século XIII. Tempo, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, p. 137-158, dez. 2000. 49 Ibid., p. 137.

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CAPÍTULO II

CONTEXTO HISTÓRICO DE MEADOS DO SÉCULO XIII:

ORIENTE MONGOL E OCIDENTE CRISTÃO

Nenhum trabalho referente ao Império Mongol pode prescindir de dois assuntos

fundamentais para seu entendimento: o nomadismo das estepes e o advento de Gêngis Cã.

O nomadismo tem muito a ver com as condições climáticas da região de origem dos

mongóis, aproximadamente o território compreendido pela atual República da Mongólia.

Sem saída para o mar, este território se estende, a oeste, por uma série de maciços

montanhosos (Altai e Khangai), separadas por lagos; o sul e o leste incluem grande parte do

deserto de Góbi; o clima é continental, caracterizado por baixas precipitações e elevadas

amplitudes térmicas. Além disso, grande parte dessa região e de seu entorno é composta por

uma imensa planície de estepes. "Desde a Antiguidade, hordas nômades circulavam através

da imensa zona de estepes que cobre importante porção da Eurásia (...). Seu próprio habitat

impunha há milênios um modo de vida pastoril que parecia estranhamente rudimentar ao

lado das civilizações sedentárias que lhes eram contemporâneas."1 Embora essas

populações prezassem seus costumes de cavaleiros, pastores e guerreiros,2 sentiam-se

atraídos pelo modo de vida das populações sedentárias, estabelecendo assim uma relação de

destruição e pilhagem a estas, por um lado, e de assimilação, por outro.3

O grande personagem da história do Império Mongol é Gêngis Cã. Temudjin, seu

nome,4 conseguiu unificar e pôr sob seu comando as tribos nômades mongóis, pela destreza

militar e pela inteligência nas alianças políticas. Convenceu-as de que era descendente do

1 PERROY, É. A Ásia mongólica (séculos XII-XIII). In: CROUZET. M. (dir.). A Idade Média: o período da Europa feudal, do Islã turco e da Ásia mongólica; os tempos difíceis (início). 2. ed. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1958. (História Geral das Civilizações, n. 7). p. 87. 2 Sobre os hábitos (moradia, meios de transporte, alimentação, trabalho e vestuário), ver: PHILLIPS, E. D. Os mongóis e a tradição nómada [sic]. In: _____. Os mongóis. Lisboa: Verbo, 1971. (Coleção História Mundi; n. 9). p. 24-41. 3 PERROY, op. cit. 4 O termo "Gêngis Cã" é uma adaptação fonética para o português de Tchinggis Khan, que foi o título atribuído a Temudjin. Vem de Tchinggis ("oceânico") e Khan ("chefe").

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Lobo Sobrenatural5 e fez-se proclamar cã supremo (khakhan) por uma kurultai (assembléia

de líderes mongóis), em 1206. A chefia tradicional fora trocada por uma monarquia de

direito divino,6 já que, para os xamãs, Gêngis Cã era o escolhido de Tengri, o "Céu

Eterno".7

As forças militares de Gêngis Cã, extremamente organizadas8 e ligadas a seu chefe

por fidelidade pessoal, passaram então para as conquistas externas, ou seja, submissão dos

povos sedentários que cercavam os mongóis. Estes passaram então de uma fase de

pilhagem simples e subseqüente retirada para outra de cobrança de tributos e de exigência

de participação de não-mongóis em suas forças militares. Gêngis Cã comandou em pessoa

as conquistas da China do Norte (1209), Turquestão (1218), Corásmia9 (1220), e enviou

seus melhores lugar-tenentes (Djebe e Subotai) para conquistarem as terras caucasianas,

submeterem os turcos quiptchaques10 do norte do mar Cáspio e pilharem o principado de

Kiev (1222). Após os sucessos no oeste, houve uma nova campanha contra a China,

durante a qual Gêngis Cã morreu, de causas naturais, não sem antes ter orientado seus

herdeiros quanto à continuação das conquistas.

Gêngis Cã percebera que um território com aquela extensão não poderia ficar a

cargo de um só homem. Quatro de seus filhos, os gerados pelas primeira esposa, Boerte,

tiveram direito a herança.11 O primogênito, Djútchi, receberia as terras de estepes em torno

dos rios Volga e Ural, mas, como morrera pouco antes de Gêngis Cã, o filho de Djútchi,

Batu, as herdou. Tchagatai, o segundo filho, ficou com a Ásia Central e a Pérsia. Oguedai,

embora tenha sido escolhido por seu pai para o substituir, comandaria um ulus (povo ou

grupo de povos) próprio, a leste do lago Balcache. E a Tolui, o mais novo, coube a terra-

5 A ancestralidade do Lobo Sobrenatural era reivindicada por diversos líderes de povos turco-mongólicos. Com Gêngis Cã não foi diferente. Ver: ELIADE, M. Religiões da Eurásia antiga: turco-mongóis, fino-úgricos, balto-eslavos. In: _____. História das crenças e das idéias religiosas: de Maomé à Idade das Reformas. Rio de Janeiro: Zahar, 1984. t. 3. p. 15. 6 CONRAD, P. As civilizações das estepes. Rio de Janeiro: Ferni, 1978. p. 163. 7 Sobre o xamanismo mongol e sobre a crença no "Céu Eterno", ver: ELIADE, op. cit., p. 17-38. 8 Sobre a organização militar mongol, ver: PHILLIPS, op. cit., p. 46-58; CONRAD, op. cit., p. 191-210. 9 Ou Khwarezm, região dominada na época por turco-iranianos islâmicos, que corresponde hoje à parte norte do Irã, ao Afeganistão e à Transoxiana. 10 Conhecidos também como polovtses ou cumanos. 11 A poligamia era a regra entre os mongóis. Todos os filhos, de todas as esposas, e também os adotados, tinham os mesmos direitos, até que lhes morresse o pai. Então somente os filhos gerados pela primeira esposa tinham direitos a espólios.

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mãe da Mongólia.12 Todos esses territórios serviam à prática do nomadismo das estepes; as

zonas sedentárias controladas pelo Império dependeriam diretamente do grão-cã e deveriam

pagar tributos e ceder contingentes para as tropas imperiais,

Embora fosse o preferido de Gêngis Cã, Oguedai teve que se submeter a uma

kurultai, pela qual foi aclamado em 1229, tendo reinado até 1241. Seu comando deu início

à segunda fase do Império Mongol.

*

As tentativas de aproximação entre o Ocidente cristão e o Império Gengiscânida

ocorreram quando Guyuk (1246-1248) e Mongke (1251-1259) foram os grão-cãs. Sob

Oguedai, às regiões sedentárias dominadas sobrepuseram-se as prerrogativas mongóis,

baseadas no Yassa (código) de Gêngis Cã.13 À morte do segundo grão-cã, os fundamentos

do Império tinham sido completados em toda a região das estepes.14

Ainda que Oguedai Cã tivesse indicado seu neto Shiramun como sucessor, sua

viúva, Toreguene,15 conseguiu, mediante manobras políticas,16 assegurar a escolha de seu

filho Guyuk na kurultai de 1246, contra a vontade de Batu, que comandava a Horda de

Ouro.17 Batu era formalmente súdito do Imperador, mas nunca prestou vassalagem a Guyuk

Cã. Havia uma disputa pelo poder entre os descendentes de Tolui (Mongke, Hulégu e

Kublai) e Djútchi (Batu) e os de Oguedai (Guyuk) e Tchagatai.18

12 Os mongóis propriamente ditos são originários das terras entre os rios Orkhon e Kerulen, a leste do lago Baical, o qual atualmente pertence à Rússia. Além dos mongóis, havia os keraites ou caraítas, os naimanos, os merquitas, os taidjutes, os oirates (ver nota 32) e os tártaros (ver nota 19). Segundo as tradições mongóis, o filho mais novo era o "guardião da pátria mongol" (otciggin). Ver: CONRAD, op. cit., p. 214. 13 Sobre o Yassa ou Yasaq de Gêngis Cã, ver: LAMB. H. Gengis Khan: emperador de todos los hombres. Madrid: Alianza, 1985. p. 61-67 e 186-189. 14 PHILLIPS, op. cit., p. 87. 15 As mulheres parecem ter desempenhado importante papel no Império Mongol. Quando da vacância do trono de grão-cã, por ocasião de falecimento, a regência cabia à viúva do morto. Sobre os trabalhos das mulheres mongóis, ver: Ibid., p. 38. Sobre as mulheres na corte mongol, ver: ROSSABI, M. Women of the Mongol Court. Disponível em <www.woodrow.org/teachers/history/world/modules/mongol/sexrexandhex.html> Acesso em 21 jul. 2003. 16 PHILLIPS, op. cit., p. 90; HAMBLY, op. cit., p. 105. 17 O termo "horda" vem do francês horde, uma variação da palavra mongol ordu (acampamento, sede da corte). A tenda de feltro era a casa mongol, chamada ger. Portanto, o nome "Horda de Ouro" é explicado pelo fato de a ger de Batu ter decorações douradas. A Horda de Ouro compreendia a atual Rússia européia meridional-oriental, a Ucrânia, o Cáucaso e o Cazaquistão. Sobre as ger, ver: PHILLIPS, op. cit., p. 34-36. 18 SAUNDERS, J. J. The History of the Mongol Conquests. London: Routledge & Kegan Paul, 1971. p. 105-106.

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Foi exatamente nesse contexto que foi enviado o primeiro missionário ocidental à

corte gengiscânida, o italiano João de Pian de Carpini. Seu relato sobre algumas das regiões

de domínio tártaro,19 elaborado logo após sua viagem (1245-1247), representa um pioneiro

documento ocidental sobre os mongóis. Carpini desfrutava de excelente reputação na

Ordem dos Frades Menores e teve papel fundamental na propagação das idéias franciscanas

na Europa Ocidental.

Em 1241 as forças de Oguedai Cã estiveram prestes a atacar o Ocidente cristão. Às

portas de Viena, os contingentes mongóis tiveram que se retirar para a capital do Império,

Caracórum,20 por causa da morte daquele, para uma nova kurultai. Foi um perigo real para

a cristandade católica européia. A imagem de terror que os mongóis, sob o comando de

Batu, causaram à Europa oriental não passou despercebida do papa Inocêncio IV e dos

príncipes da Europa ocidental. Mas também não passaram despercebidas as atrocidades

infligidas às potências islâmicas pelos mesmos mongóis. Os príncipes europeus estavam no

interregno da Sexta Cruzada (1227-1229) e da Sétima (1248-1254). Ora, se estes mesmos

monarcas visavam a eliminar os infiéis muçulmanos, nada mais propício que tentar uma

aliança com aqueles que tiveram força para ameaçá-los: os mongóis. Havia a esperança de

que estes poderiam ser cristianizados,21 e, além disso, a aliança parecia ser algo necessário,

uma vez que o Ocidente estava enfraquecido por disputas feudais entre papas e

imperadores, 22 o que dificultaria a Cruzada vindoura.

19 Cf. MARGULIES, M. Os judeus na história da Rússia. Rio de Janeiro: Bloch, 1971. p. 297 (nota 1, cap. 5), uma das tribos mongólicas unificadas por Gêngis Cã se chamava tata (ver nota 12). Como em grego o termo tártara significa "inferno", e como os mongóis, aos olhos da Europa, representavam verdadeiros demônios, muitas vezes tidos como os habitantes de Gog e Magog, do Apocalipse de São João, houve uma conjunção dos dois termos para a designação desses "bárbaros". Surgiu então um termo genérico, embora errôneo, baseado no etnológico mongol e no mitológico grego. No decorrer do tempo, como o distanciamento entre os mongóis que ficaram na Ásia e os que, por conta das invasões, foram assimilados a novas culturas, surgiu um novo grupo étnico na Rússia, no médio Volga, ao qual foi atribuído o nome "tártaros". Estes, advindos, grosso modo, da fusão entre búlgaros (turcos) do Volga e os mongóis, na época da Horda de Ouro, são islâmicos e vivem atualmente na República Autônoma da Tartária (em russo e em tártaro, Tatarstan), que faz parte da Federação Russa. Sua capital é Kazan 20 Ou Karakorum, hoje um sítio arqueológico a 300 km da capital da República da Mongólia, Ulan Bator. 21 Havia a lenda do Preste João, segundo a qual existia na Ásia uma reino cristão. Tal mito esteve muito presente na mentalidade medieval européia, e foi transferido para a África quando das viagens portuguesas àquele continente. Além disso, segundo observariam Carpini e Rubruck, o Império Mongol tinha muitos cristãos nestorianos, o que facilitaria, em tese, a compreensão do catolicismo. O nestorianismo é uma heresia cristológica do século V, promovida por Nestório, patriarca expulso de Constantinopla, para o qual havia duas naturezas em Jesus Cristo: a divina e a humana. Portanto, Maria não poderia ser mãe de Deus, somente de Jesus. 22 PHILLIPS, op. cit., p. 91.

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Tendo isso em vista, e conforme o Concílio de Lion de junho de 1245,23 Inocêncio

IV despachou a primeira missão católica formal para o Império Mongol, naquele mesmo

ano. Em parte para protestar contra as violentas invasões à Europa Oriental, em parte para

tentar angariar informações valiosas ao Ocidente com relação às intenções dos cavaleiros

das estepes.

De acordo com a primeira fonte que será usada neste trabalho, o frade Carpini

começou sua jornada em Lion, em abril de 1245, acompanhado de outro frei, Estêvão da

Boêmia. Depois de Lion, Carpini chegou a Breslau, na Polônia, onde se integrou à missão o

frei Benedito da Polônia, que seria intérprete. Após Kiev, passou pelos rios Dnieper e

Volga, e alcançou o ordu de Batu, em abril de 1246, um ano após o início da viagem. Ali,

os estrangeiros, com seus presentes, tinham que passar entre dois fogos antes de serem

apresentados àquele cã,24 que ordenou que a comitiva seguisse viagem rumo a Caracórum,

para tratar do assunto diretamente com o grão-cã. Carpini chegou exatamente quando

houve a entronização de Guyuk. Passou por terríveis provações impostas pela fome e pelo

frio durante o longo percurso até Caracórum, tendo atravessado o rio Ural, passado

próximo aos mares Negro e Cáspio, transposto o rio Sir Dária,25 entrado em cidades

maometanas, como Samarcanda e Bucara,26 até ter alcançado, em julho de 1246, a capital

do Império Mongol.

À cerimônia de entronização de Guyuk Cã, em agosto de 1246, estavam presentes

inúmeros convidados, de várias partes da Europa Oriental e da Ásia, para prestações de

vassalagem, entregas de presentes e pagamentos de tributos ao novo grão-cã. A missão do

frade Carpini não tinha presentes para dar ao Imperador, mas a carta de Inocêncio IV foi

entregue.

23 Cf. ibid., "O concílio de Lião [sic] reuniu-se em Junho de 1245 para considerar a unidade cristã e a defesa contra os Mongóis." 24 Aqui se nos apresentam dois aspectos antagônicos, do ponto de vista das idéias cristãs franciscanas. Os mongóis eram muito afeitos a receberem presentes por parte daqueles que passavam por suas terras, o que ia de encontro aos ideais franciscanos de pobreza. E, no caso da purificação pelo fogo, executada para extirpar de estrangeiros idéias malfazejas, mostra-se-nos a oposição entre as crenças naturais dos mongóis (lembrar de Tengri e do Lobo Sobrenatural) e as crenças culturais dos cristãos. 25 Os rios conhecidos hoje como Sir Dária e Amur Dária correspondem aos que, na época das conquistas de Alexandre da Macedônia, eram chamados, respectivamente, de Iaxartes e Óxus. 26 As cidades de Samarcanda e Bucara são de origem e tradição persas e eram importantes centros comerciais e culturais para o islamismo antes das invasões mongólicas impostas a elas quando faziam parte da Corásmia (ver nota 9), embora pertençam hoje ao território do Uzbequistão, um país de origem turco-mongólica, por causa das divisões territoriais arbitrárias perpetradas pelo regime stalinista quando as repúblicas da Ásia Central faziam parte da União Soviética.

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Somente em novembro de 1246 Carpini recebeu a carta-resposta de Guyuk Cã. A

compreensão entre as partes era difícil: o novo grão-cã não entendia como poderia ocorrer

uma aliança entre os cristãos e os mongóis. Ele tomou a carta como aviso da futura vinda

de um chefe político, para ele, o papa,27 como ato de submissão. Guyuk Cã acabou

entendendo que não se tratava disso. Então, sua resposta exigia rendição.

No regresso, em 1247, após enfrentar outras tantas agruras que enfrentara na ida,

Carpini alertou os cristãos para o perigo mongol, sugerindo a união da cristandade

ocidental,28 para sua própria manutenção, pois o grão-cã queria conquistar o mundo.

Também frades dominicanos, como André de Longjumeau e Ascelino da

Lombardia, pela mesma época, realizaram missões ao Império Mongol. Mas este trabalho

não tratará dessas viagens. Tratará, sim, da viagem de outro frei franciscano, Guilherme de

Rubruck.

*

Durante seu curto reinado, Guyuk Cã perdeu apoio dos mais poderosos membros de

sua família. Devido às divergências entre ele e Batu, aquele preparou-se para atacar este e

subjugá-lo.29 Contudo, no caminho para o ataque, morreu o terceiro grão-cã, em 1248. Uma

nova crise de sucessão aconteceu, e, mais uma vez, assumiu a regência do Império uma

mulher, Ogul Gaimysh, viúva de Guyuk Cã.

Em 1250, houve uma kurultai com vistas a amainar as animosidades entre os

pretendentes ao trono, na qual nada se resolveu. Uma segunda assembléia ocorreu em 1251,

chefiada por Berke, irmão de Batu. Resolveu-se pela entronização de Mongke, da casa de

Tolui, como grão-cã, uma vez que Batu havia abdicado de seus direitos30 para permanecer

no comando da Horda de Ouro.

Mongke Cã, ao assumir o poder, acabou com qualquer chance de usurpação do

poder, ao eliminar aqueles que se poderiam opor a ele e a Batu.31 No entanto, depois disso,

27 Guyuk Cã não poderia compreender a diferenciação entre o poder espiritual do papa e o poder temporal de um príncipe. Na concepção mongol, o grão-cã era o escolhido de Tengri, e detinha os dois poderes. 28 PHILLIPS, op. cit., p. 93. 29 Ibid., p. 95.; SAUNDERS, op. cit., p. 99-100. 30 HAMBLY, op. cit., p. 105-106. 31 Ibid., p. 106; SAUNDERS, op. cit., p. 100. Mongke e Batu estabeleceram uma espécie de diarquia.

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seguiu um comportamento parcimonioso, exemplificados pela compreensão das

necessidades das civilizações sedentárias e pela sua ligação a sábios, para a produção de

dicionários das línguas de povos submetidos para o mongol.32

As conquistas estrangeiras continuavam, de acordo com a Yassa de Gêngis Cã. Na

China, o Império Sung seria conquistado por Kublai; a Pérsia seria pacificada e o último

califa abássida de Bagdá, submetido, isto em 1258, sob Hulégu.33

Sob Mongke o Império Mongol chegou ao seu auge.34 A Pax Mongolica (Paz

Mongol) também teve seu apogeu durante seu comando. As rotas comercias terrestres entre

o Oriente e o Ocidente foram retomadas, num renascimento da antiga Rota da Seda. O

serviço postal imperial, baseado na mobilidade da cavalaria mongol, funcionava muito

eficazmente. Eram sinais da tolerância dos mongóis para com as religiões, línguas e

costumes dos povos que aceitavam a submissão mongol, apesar da truculência com que

conquistavam muitos deles.

Durante esse período aconteceu a viagem do frade da Ordem Menor Guilherme de

Rubruck (1253-1255). Diferentemente de Carpini, cuja missão tinha caráter diplomático,

Rubruck foi à Mongólia com objetivos estritamente religiosos, a mando do rei Luís IX (São

Luís) da França.

É preciso ter em consideração o contexto da Sétima Cruzada (1248-1254), após cujo

término se deu a jornada de Rubruck. O Ocidente queria conquistar definitivamente a Terra

Santa aos infiéis muçulmanos. Mas as invasões mongóis na Pérsia acabaram levando ao

surgimento e consolidação do Sultanato Mameluco na Síria e no Egito, fundado por turcos

khwarezmitas (corásmios) que haviam abandonado a Mesopotâmia. Sob o comando de

32 PHILLIPS, op. cit., p. 96. Vale lembrar que os mongóis eram iletrados. Gêngis Cã, ao dominar os uigures (povo mongólico que atualmente vive na Região Autônoma Uigur do Xinjiang - ou Sin-Kiang -, no Turquestão chinês), fez que se adotasse o alfabeto criado por este povo, já sedentarizado, para a língua mongol. À guisa de curiosidade: atualmente, são três as línguas mongóis: o calca, ou khalkha (o mongol propriamente dito), falado na República da Mongólia (Mongólia Exterior) e na Região Autônoma da Mongólia Interior, na China; o buriata, falado na região russa ao norte da Mongólia, no entorno do lago Baical; e o calmuco, ou calmuque, ou oirate (ver nota 12), falado na região russa de Astracã, na foz do rio Volga, no mar Cáspio. 33 Hulégu era irmão de Mongke Cã. Com ele surgiu o Ilcanato da Pérsia, um "vice-reino" do Império Mongol. Bagdá foi devastada sob seu comando em fevereiro de 1258. Ver: MAALOUF, A. A expulsão (1244-1291). In: _____. As Cruzadas vistas pelos árabes. São Paulo: Brasiliense, 1988. p. 225-226. Kublai também era irmão de Mongke, e a ele coube a conquista do restante da China. Kublai se tornaria o quinto grão-cã (1264-1294) e mudaria a capital do Império de Caracórum para Pequim, denotando sua tendência à chinificação, tanto, que ele fundou a dinastia Yuan, a única não-chinesa a comandar a China, que durou de 1279 a 1368, quando foi deposta pela dinastia Ming. 34 HAMBLY, op. cit., p. 106.

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Baibars, os mamelucos infligiriam a primeira grande derrota militar do Império Mongol,

em 1260. Dados os problemas com os mamelucos, iniciou-se a Cruzada de São Luís, em

1248, que fora invocada por Inocêncio IV no Concílio de Lion de 1245.

Na tentativa de sensibilizar os mongóis com a fé cristã, foi enviado o frei Rubruck,

nascido na região de Flandres. Junto a ele foram o frei Bartolomeu de Cremona, um clérigo

chamado Gosset - intérprete -, o escravo Nicolau, comprado em Constantinopla, e mais dois

homens, da mesma cidade, responsáveis pelos animais. Partiram de Constantinopla em

maio de 1253, via mar Negro até a Criméia. Então, depois de terem ultrapassado o rio Ural,

chegaram a Sartak, filho de Batu,35 com o qual tiveram contato em seguida. Por sua vez,

este fez como fizera com Carpini: enviou Rubruck à corte do grão-cã, à qual chegou logo

depois do Natal de 1253.

Assim como a missão de Carpini, a de Rubruck levava uma carta, de São Luís,

escrita após este ouvir que Sartak cristianizara-se. Quando finalmente Rubruck se

encontrou com Mongke Cã, em janeiro de 1254, o frei observou que havia na corte muitos

simpatizantes do cristianismo nestoriano. Como não levava presentes a este, e como tinha

somente as palavras para sensibilizá-lo com a fé cristã, já que a carta de São Luís se

perdera,36 Rubruck pediu a Mongke Cã que deixasse seu grupo ficar na região por algum

tempo antes do retorno, pois o inverno rigoroso poderia matá-los caso eles fossem naquele

momento. O Imperador lhes concedeu dois meses, dizendo-lhes que acompanhassem sua

corte móvel até Caracórum.37 A "cidade" não impressionou Rubruck, a não ser pelo aspecto

cosmopolita que apresentava. Havia muitos estrangeiros no lugar, alguns dos quais

capturados na Hungria,38 outros enviados de diversas regiões submetidas.39 Talvez por

causa disso o frade tenha participado de um debate religioso com representantes de outras

crenças, como o budismo e o islamismo, advindos de várias regiões subjugadas, para que o

grão-cã observasse os ensinamentos de cada uma delas. Depois, numa conversa particular

com Rubruck, Mongke Cã lhe assegurou que seu povo tinha uma idéia de Deus único, mas 35 Havia informações, que se não confirmariam, de que Sartak era batizado, o que foi o mote inicial da viagem de Rubruck. 36 LE GOFF, op. cit., p. 50. 37 A corte mongol, embora Caracórum fosse a sua principal localidade, não era fixa, justamente pelo seu caráter nômade ancestral. Durante esse episódio, a corte de Mongke Cã estava na base dos montes Altai. 38 Os mongóis, quando invadiam outras regiões, não diferenciavam homens, mulheres e crianças em sua chacinas. Mas poupavam os artesãos, para que trabalhassem na corte. Um desses artesãos, que se destaca na fonte, é o mestre Guilherme de Paris (Guillaume Bouchier). 39 SAUNDERS, op. cit., p. 103.

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que existiam muitos caminhos para o Paraíso. Portanto, não encorajou o frei a uma

discussão mais profunda sobre o cristianismo ocidental, limitando-se a dar-lhe uma carta-

resposta ao rei da França. Embora um pouco menos arrogante, este texto era quase igual ao

que Guyuk Cã enviara a Inocêncio IV: Mongke Cã também exigia submissão.

Não obstante tenham obtido permissão para permanecerem na corte por dois meses,

a viagem de volta só começou sete meses (julho de 1254) depois da chegada ao grão-cã,

após Rubruck fracassar na exposição da fé cristã. Foi repetido o itinerário da ida até o ordu

de Batu. Então passaram pelo Cáucaso e Anatólia, até chegarem ao Chipre, onde deveria

estar Luís IX para receber a carta, em junho de 1255. O rei já havia regressado à França, e o

texto lhe foi entregue depois, por um intermediário. A iniciativa de comunicação com os

mongóis por parte de São Luís foi encerrada. Apesar de Hulegu, o ilcã da Pérsia, ainda ter

enviado embaixada a Luís IX, em Paris, para propor aliança contra os muçulmanos da Síria,

houve imobilização por parte deste, pois observou "a impotência da Cristandade medieval

(...) para se abrir a um mundo em face do qual não se sentia em posição de força (...).

Negociações entre o papa e os mongóis se arrastaram ainda por vários anos, sem

resultado."40

Observando as fontes, pode-se constatar a diferença marcante entre as missões de

Carpini e Rubruck. A primeira se constituiu numa embaixada diplomática de apelo e

protesto. A outra foi puramente religiosa: seus membros pediram permissão para levarem a

fé cristã aos líderes mongóis. Carpini fora ao Império Mongol por temor aos seus

guerreiros: as invasões à Europa Oriental eram recentes e ele procurou alertar o Ocidente

quanto àquilo. Rubruck tinha mais receio do Islã do que dos mongóis, já que a lembrança

de sua truculência na Rússia, Polônia e Hungria já se ia desvanecendo, pelo fato de os

cavaleiros das estepes nunca mais terem ultrapassado a Rússia.

40 LE GOFF, op. cit.

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CAPÍTULO III

DESCRIÇÃO E ANÁLISE DAS FONTES

Não é preciso ser estudioso de História para que se tenha, no mínimo, ouvido falar

em Marco Polo. Seu relato sobre sua estada de quase um quarto de século nos domínios do

quinto grão-cã do Império Mongol, Kublai Cã, é tido como o mais importante no que diz

respeito a uma visão européia sobre o Oriente no século XIII.

Viajante veneziano, Marco Polo (1254-1324) deve sua fama à narrativa de sua

viagem pela Ásia, o Livro das maravilhas, também conhecido como O milhão (Il milione).

Seu pai, Niccoló, e seu tio Maffeo, mercadores de Veneza, viajaram, antes dele, entre 1260

e 1269, até Cambaluc (Pequim), na China, para onde fora transferida a capital do Império

Mongol. Retornaram a Veneza com uma mensagem de Kublai Cã para o papa, na qual este

pedia a presença de religiosos católicos em sua corte para conhecer a doutrina cristã.

Voltaram a Pequim em 1271 com o jovem Marco, seguindo a Rota da Seda. A partir de

1275, enquanto Niccoló e Maffeo negociavam, Marco cumpriu diversas missões na China –

que seria totalmente conquistada por Kublai Cã em 1279 –, a serviço do imperador. Tais

viagens de Marco Polo permitiram-lhe estabelecer um impressionante retrato da China

mongol e de outras regiões da Ásia, ditado a um escritor chamado Rustichello, seu

companheiro de prisão, entre 1296 e 1299 – Marco Polo fora feito cativo pelos seus

concorrentes comerciais, os genoveses.

Na esteira dos contatos entre Ocidente e Oriente durante o século XIII, a

historiografia muitas vezes não atribui o devido valor a outras duas narrativas, anteriores

mesmo às de Marco Polo: as dos frades da Ordem Menor Franciscana Carpini e Rubruck.

Talvez porque Polo tenha tido a sorte de haver conseguido um bom editor, já que o Livro

das maravilhas foi “[...] muito célebre desde seu aparecimento e amplamente difundido,

mesmo antes da imprensa [...].”1 E justamente essas narrativas serão descritas neste

capítulo, narrativas tais que servem como as fontes históricas desta monografia.

1 YERASINOS, S. Sob os olhos do Ocidente [Introdução de 1980 para o relato de Marco Polo]. In: O livro das maravilhas. Porto Alegre: L&PM, 1999. p. 21.

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26

*

À primeira fonte a ser descrita foi dado o título Enfrentando os guerreiros tártaros

medievais (Petrópolis: vozes, 1999. 83 p.). Tradução direta do latim para o português, feita

pelo frade franciscano Ildefonso Silveira, Enfrentando... apresenta o problema de não

representar a obra Historia Mongalorum quos nos Tartaros appellamus (História dos

mongóis, que chamamos de tártaros) integralmente.

O nome da edição brasileira da segunda fonte deste trabalho é Viagem de um

aventureiro medieval – Guilherme de Rubruc [sic] – 1253-1255 (Bragança Paulista: Edusf,

1997. 164 p.). Assim como o relato de Carpini, o de Rubruck foi traduzido pelo mesmo frei

Ildefonso Silveira do latim para o português – o nome original da obra é Itinerarium Fratris

Willelmi de Rubruc (Itinerário do frade Guilherme de Rubruck) – e também não está em

sua versão integral.

Portanto, ambas as fontes se apresentam como opúsculos, “resumos”. Contudo, os

relatos destas obras servem para o propósito desta monografia, uma vez que seu tradutor

consegue mostrar os aspectos capitais das jornadas daqueles exploradores medievais.

Deve-se perceber que as descrições das fontes não serão estanques. Embora escritos

com discrepância de alguns anos, os relatos de Carpini e Rubruck podem ser analisados

como complementares um ao outro. Por isso, comentários e trechos sobre uma das obras no

mais das vezes não estarão imunes de comparações com a outra.

Antes da descrição efetiva das fontes, no entanto, vejam-se breves biografias de

seus autores. João (Giovanni) de Pian de Carpini foi o primeiro explorador europeu do

Império Mongol digno de nota. Ele foi um dos companheiros e discípulos de seu

conterrâneo Francisco de Assis. Nascido aproximadamente em 1180, Carpini parece ser

nativo da região italiana da Úmbria, mais precisamente da aldeia que lhe deu o nome: Pian

de Carpini, cujo nome atual é Magione. Carpini desfrutava de grande reputação dentro da

Ordem dos Frades Menores, por conta da qual encabeçou diversas missões franciscanas

pela Europa, tendo alcançado o posto de superior provincial da Alemanha e da Espanha.

Devido aos ataques mongóis às regiões orientais da cristandade européia – o último dos

quais em Liegnitz, na Polônia, em 9 de abril de 1241 –, o que deixou toda a Europa em

estado de alerta, o papa Inocêncio IV enviou o franciscano Carpini em missão diplomática

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ao Império Gengiscânida. Alguns anos após a missão, e após ter sido nomeado arcebispo de

Antivari (atualmente na Sérvia-Montenegro), Carpini faleceu, em 1252.

As informações a respeito do frei Rubruck são mais escassas. Sabe-se que era nativo

da região de Flandres (atual Bélgica). Segundo o frei Ildefonso Silveira, “[...] os que o

estudaram situam a data de nascimento entre 1215 e 1230. Julgam que vivia como frade na

França e que teria ido para a Palestina em 1248 com o rei Luís IX. Se nasceu em 1230, teria

apenas dezoito anos... Deve ter-se filiado à província franciscana da Terra Santa, pois fala

do ministro provincial da região como seu superior [...], Ficou em Accon (Acre) até 1252,

donde partiu para Constantinopla e de lá para a Mongólia, em 1253”,2 a mando do rei Luís

IX da França, para uma missão, pelo menos nominalmente, apenas religiosa.

*

O relato de Carpini, em sua edição brasileira, é dividido em cinco capítulos,

dispostos da seguinte forma: uma breve história das origens dos mongóis, desde o advento

de Gêngis Cã; os relatos de sua jornada, capítulo mais longo e certamente mais importante;

os hábitos e costumes dos mongóis; suas técnicas militares e de sepultamento; e uma

brevíssima biografia do autor.

O relato de Rubruck é segmentado diferentemente, em apenas duas partes. A

primeira consta dos contextos do itinerário – como a geografia política (termo usado pelo

tradutor); o poderio dos mongóis; o espírito missionário das novas ordens religiosas do

século XIII (no caso, as ordens dominicana e franciscana); e a presença de cristãos

nestorianos no Oriente – e de um pequeno glossário de termos e grafias, tanto os de origem

latina quanto os de origem mongol. A segunda parte, que toma quase 85% da obra, é a

narrativa de viagem de Rubruck.

As viagens de Carpini e Rubruck chamam atenção pela riqueza de detalhes de seus

relatos e, principalmente, pela sua extensão geográfica. Estas duas missões não foram as

únicas à Ásia nessa época (meados do século XIII), mas foram as que mais penetraram

2 SILVEIRA, O. F. M., I. Viagem de um aventureiro medieval - Guilherme de Rubruc - 1253-1255. Bragança Paulista: Edusf, 1997. p.10.

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naquele território.3 O destino de ambos é o mesmo: chegar ao grão-cã, sucessor de Gêngis

Cã, em seu “palácio” ambulante, onde quer que se encontre, para lhe entregar as mensagens

do papa – Carpini – e do rei da França – Rubruck.4

*

Carpini partiu de Lion, na França, em 16 de abril de 1245, juntamente com outro

franciscano, Estêvão da Boêmia. Viajaram pela rota terrestre do norte da Europa. À medida

que avançavam, iam obtendo cartas de recomendação dos líderes das regiões por onde

passavam, como Venceslau IV da Boêmia e Boleslau IV da Silésia (na Polônia) – onde se

integrou ao grupo o frei Benedito da Polônia, como intérprete –, bem como informações

sobre a viagem, até chegarem a Kiev, em fevereiro de 1246. Ali, receberam orientações de

como tratar com os mongóis: “Por mercê de Deus chegara ali o senhor Wasilico (Basílio),

duque da Rússia, do qual obtivemos conhecimento mais completo sobre os tártaros. Disse-

nos que, se quiséssemos chegar até eles, deveríamos ter muitos presentes para lhes dar [...],

[senão] não conseguiríamos levar a efeito a embaixada.”5 Além disso, foram orientados a

usarem cavalos da raça mongol em sua jornada, pois eram adaptados ao clima e à geografia

da região das estepes eurasiáticas. Pouco depois de terem partido de Kiev, Estêvão da

Boêmia adoeceu e não seguiu viagem.

Em Kiev Carpini corroborou a imagem de terror que os mongóis causaram aos

europeus quando de seus ataques no início dos anos 1240. Ele observou, nos arredores

daquela cidade que fora o berço da civilização russa, centenas de ossadas humanas expostas

ao tempo, fruto da crueldade mongol.

É interessante perceber que as datas citadas por Carpini – e também, depois, por

Rubruck – referem-se sempre ao calendário litúrgico católico. Por exemplo: “Depois disso

[da chegada a Kiev] partimos com ele [um guia] na segunda-feira da quadragésima (dez de

fevereiro de 1246) e fomos conduzidos até o primeiro posto de sentinelas dos tártaros. Na

primeira sexta-feira depois do dia das Cinzas (vinte e três de fevereiro) [...] tártaros

3 MOLLAT, M. Los exploradores del siglo XIII al XVI: primeras miradas sobre nuevos mundos. Ciudad de México: Fondo de Cultura Económica, 1990 (1984). p. 16. 4 Id. 5 SILVEIRA, O. F. M., I. Enfrentando os guerreiros tártaros medievais. Petrópolis: Vozes, 1999. p. 21-22.

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armados caíram furiosamente sobre nós, indagando quem éramos.”6 Certamente isso era

um reflexo de quem ele era (um frei franciscano) e de quem ele representava e para quem

escrevia, o papa Inocêncio IV. Também pode retratar a sua convicção na fé católica diante

de populações não-cristãs.

Passando por diversas vilas e por muitos guias, que sempre queriam presentes,

embora tivesse apenas o necessário para a viagem, Carpini chegou ao cã da Horda de Ouro,

Batu, em 4 de abril de 1246. O frade relata as dificuldades de mudar de cavalo “[...] até três

ou quatro vezes por dia [...]”,7 já que viajavam sem parar no amanhecer ao anoitecer. Vale

lembrar que Carpini partiu de Kiev já durante o inverno, o que fez a viagem até Batu durar

dois meses.

Antes de ter com Batu, Carpini e seu companheiro Benedito da Polônia foram

obrigados ao costume xamânico dos dois fogos: “Disseram-nos [...]: ‘ide com segurança,

pois vos fazemos passar por entre os dois fogos por uma simples razão: se vós tramais

algum mal contra nosso senhor [...], o fogo tira todo o mal.’ Respondemos:

‘Atravessaremos para não sermos suspeitos de tais coisas.’”8

Dentro da ger de Batu, Carpini e Benedito expuseram seus objetivos em palavras.

Depois, o frei afirma na fonte que “[...] entregamos a carta e pedimos que nos dessem

intérpretes [...], os quais nos foram dados na Sexta-feira Santa (seis de abril).

Cuidadosamente a traduzimos no idioma ruteno [dialeto russo que originaria o ucraniano],

sarraceno (persa) e tártaro. Essa tradução foi apresentada a Batu [...].”9

Após descrever Batu e a disposição das pessoas em torno de seu trono, no dia 7 de

abril, “[...] Sábado Santo, fomos chamados ao pavilhão; veio ao nosso encontro o

procurador de Bati [sic] e disse-nos da parte dele que iríamos ao Imperador Guiuc [sic], na

Mongólia [...]”,10 o que causou temor a Carpini, que, tendo partido no dia da Ressurreição

do Senhor (8 de abril), não sabia o que o aguardava, já que estava enfraquecido pelo

desgaste da viagem, pela fome e pelo frio.

6 Ibid., p. 24. 7 Ibid., p. 26. 8 Ibid., p. 27. 9 Ibid., p. 28. 10 Ibid., p. 30.

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30

*

A partir deste ponto da monografia, será descrita a fonte de Rubruck, muito mais

detalhada que a de Carpini, até o mesmo momento anterior: a chegada ao cã da Horda de

Ouro. Isso se explica porque o início da exploração propriamente dita começava nas terras

entre os rios Don e Volga. Até ali, os dois frades, embora tenham saído de lugares

diferentes – Carpini da Ucrânia, Rubruck da Criméia –, tinham percorrido rotas, ainda que

não-freqüentadas, no mínimo conhecidas por mercadores ocidentais.11

Embora viajasse como missionário, e não como embaixador, Rubruck levava carta

ao grão-cã do rei Luís IX da França, que enviou o frade com objetivos nominais

unicamente religiosos, mas com o interesse político de uma aliança com os mongóis contra

o Islã.

Depois de um ano em Constantinopla preparando-se para a viagem, Rubruck foi, via

mar Negro, até o porto de Soldaia, na Criméia, aonde chegou em maio de 1253. No início

de junho, Rubruck e seu grupo partiram por terra, até que, em 31 de julho, chegaram ao

ordu de Sartak, filho de Batu. Antes, ainda em Soldaia, Rubruck se dirigiu aos

comandantes daquela localidade:

Na Terra Santa ouvimos dizer que vosso senhor Sartach [sic] era cristão; os cristãos alegraram-se muito ao ouvirem isso, e sobretudo o rei cristianíssimo da França, que lá peregrina e luta contra os sarracenos para arrebatar de suas mãos os sagrados lugares; por isso quero ir a Sartach levar-lhe a carta do senhor rei, na qual lhe dá conselhos sobre a utilidade de toda a cristandade.12

Portanto, muitas das esperanças depositadas na conversão dos mongóis e numa possível e

subseqüente aliança com os cristãos estavam na crença de que pelo menos um dos cãs da

Mongólia havia sido batizado.

Até chegar ao pai de Sartak, bem como ao longo de toda a narrativa, Rubruck

oferece uma visão minuciosa da vida e dos costumes mongóis, de um ponto de vista

europeu, evidentemente. Apresenta aspectos das moradias mongóis, as ger, tendas feitas de

feltro, decoradas internamente com bordados com motivos naturais. Relata como os

mongóis viviam em locomoção, com seus rebanhos, que mudavam de pastagens conforme 11 MOLLAT, op. cit., p. 17. 12 SILVEIRA, O. F. M., I. Viagem de um aventureiro medieval - Guilherme de Rubruc - 1253-1255. Bragança Paulista: Edusf, 1997. p. 26-27.

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o clima. No que concerne a costumes sócio-religiosos, que indicam as tradições do

xamanismo, Rubruck escreve que “[...] sobre a cabeça do senhor [o chefe da família] há

sempre, fixa na parede, uma imagem como boneca ou pequena estátua de feltro, que

denominam ‘irmão do senhor’ e outra sobre a cabeça da mulher que chamam de ‘irmão da

senhora’; entre as duas, mais no alto, há uma pequena imagem macilenta que é como que o

guarda de toda a casa.”13 Quanto à alimentação, o frade descreve o processo de produção da

bebida típica mongol, o kumiss (chamado por ele de cosmos), desde a ordenha da égua até

sua fermentação, que o torna alcoólico, pois “[...] alegra o interior do homem; também

inebria cabeças fracas e é muito diurético.”14 Relata ainda a importância da carne na dieta

mongol, bem como sobre sua maneira de vestir, baseada no uso de peles de diversos

animais.

Após esses ricos retratos antropológicos, Rubruck retoma o fio da narrativa de sua

viagem. Durante os preparativos para encontrar Sartak, o franciscano apresenta um curioso

mau-humor ao chamar os mongóis de pedinchões, pois “[...] não tomam as coisas pela

força, mas pedem com insistência e sem constrangimento tudo que vêem [...].”15 A atitude

de pedir ao invés de roubar parece estar acorde com a Pax Mongolica, pela qual viajantes

tinham o direito de circularem pelo Império Mongol sem serem atacados, principalmente os

mercadores.

Durante a viagem de ida, Rubruck, da mesma forma como fizera Carpini, apresenta

novidades em termos de noções geográficas, com descrições precisas – principalmente por

parte do flamengo – de rios, lagos, montanhas e desertos até então conhecidos pelos

europeus por outros nomes ou simplesmente desconhecidos dos ocidentais. Os rios Tanais

(Don) e Etilia (Volga) impressionam os dois viajantes. Para Rubruck o Volga “[...] era tão

largo quanto o rio Sena de Paris.”16

Finalmente, em agosto de 1246, o grupo de Rubruck chegou ao ordu de Sartak.

Koyak, um intermediário entre o frade e o filho de Batu, foi quem apresentou a carta de

Luís IX a este cã. Koyak era um jam, aquele que tem a tarefa de receber os embaixadores, e

13 Ibid., p. 31. 14 Ibid., p. 34-35. 15 Ibid., p. 43. 16 Ibid., p. 56.

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32

solidarizou-se com Rubruck, pois era cristão nestoriano, ainda que tenha ficado “[...]

escandalizado porque nada preparamos para levar.”17 O frei justifica-se:

Desculpei-me também de, como Religioso, não ter, nem receber, nem manipular ouro ou prata, com exceção da ‘capella’ [termo latino que designa os livros, as vestes litúrgicas e tudo que serve ao culto], com a qual servíamos a Deus; por isso não trazíamos nenhum presente para ele [Koyak] e seu senhor [Sartak]. Eu que tudo deixara não podia ser possuidor de coisas estranhas.18

Este trecho da fonte mostra o caminho de desapego a bens materiais seguido pelos

franciscanos. Parece, também, que, diferentemente de Carpini, que recebeu orientações

quanto a esse aspecto do duque Basílio da Rússia, Rubruck nada sabia sobre o hábito

mongol de “exigir” presentes de seus visitantes estrangeiros. Apesar disso, Koyak recebeu

de Rubruck um garrafão de vinho e uma cesta com biscoitos.

O frade foi mandado, então, à corte de Sartak com a carta de Luís IX, com a capella

e com os livros. Vendo tais apetrechos, Koyak perguntou ao franciscano se não os daria

como presente ao seu cã. Rubruck mostra o caráter evangelizador de sua jornada, e evita

assim a perda de seu aparato litúrgico: “Ouvindo isso, fiquei apavorado [...]; dissimulando,

disse: ‘Senhor, pedimos que vosso senhor se digne receber este pão e vinho, não como

presente [...], mas como bênção [...]. Ele verá a carta do senhor Rei [Luís IX] e por ela

conhecerá a causa que nos trouxe a ele [...].’”19

Sobre a carta, Rubruck teve o cuidado de a traduzir para o siríaco – antiga língua

litúrgica da Igreja Cristã da Síria –, árabe e turco antes de levá-la ao grão-cã. A tradução foi

realizada em Acre, na sede cruzada dos francos na Terra Santa.

Em 2 de agosto de 1246, Koyak comunicou a Rubruck que “O senhor Rei [Luís IX]

escreveu belas palavras ao meu senhor [Sartak], mas há nelas algumas coisas difíceis, sobre

as quais nada ousaria fazer sem o conselho de seu pai [Batu]; por isso vocês devem ir a seu

pai.”20 Com isso se confirmava que o boato sobre o batismo de Sartak era falso, o que pode

ter sido o início da futura falta de interesse em contatar novamente os mongóis por parte de

Luís IX. O trecho a seguir é ainda mais elucidativo:

17 Ibid., p. 59. 18 Ibid., p. 59-60. 19 Ibid., p. 61. 20 Ibid., p. 64.

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Antes de deixarmos Sartach [sic] disse-nos Coiac [sic] [...]: “Não digais que nosso senhor é cristão; ele não é cristão, mas mongol.” Porque o nome “cristão” se lhes afigurava nome de um povo; exaltam-se a tanta soberba que, embora alguns talvez creiam em Cristo [nestorianos], não querem ser chamados cristãos; querem que seu nome, isto é, “moal” [sic] seja elevado acima de todo nome e não querem ser chamados tártaros. Soube que os tártaros são outro povo.21

Durante a viagem do ordu de Sartak ao de Batu, aparecem outras importantes

descrições geográficas, como a que confirma que o mar Cáspio era fechado, ao contrário do

que se pensava na Europa. Espantado com a distribuição longitudinal da “cidade” de Batu,

no dia seguinte à chegada a Sarai – sede da Horda de Ouro, atual Volgogrado, na Rússia –,

Rubruck relata:

Nosso guia lembrou-nos de nada falarmos antes de Batu ordenar e que, então, falássemos brevemente. Perguntou também se já havíeis [referindo-se a Luís IX, pois o relato era dirigido a ele] enviado algum embaixador a ele. Respondi que havíeis enviado a Guiuc-Cã [sic] [ou seja, o frei Carpini]; disse também que não enviastes embaixadores a ele nem cartas a Sartach [sic] senão quando crestes que eram cristãos, e que fizestes não por medo, mas pela satisfação de que eram cristãos.22

Note-se que há um equívoco de Rubruck, quando este dá a entender que Luís IX

enviara Carpini. Na verdade, fora o papa Inocêncio IV que o fizera. E também o boato

sobre a cristianização de cãs da Mongólia foi estendido por Rubruck, talvez para facilitar o

argumento com o qual poderia ter com o cã da Horda de Ouro.

Como Carpini, Rubruck descreve o trono de Batu: “[...] os homens sentavam-se

espalhados à direita e as mulheres à esquerda [...].”23 Ao ficar frente-a-frente com Batu,

Rubruck expôs seu intuito de propagar entre seu povo a fé cristã, contando-lhe sobre o

suposto batismo de seu filho Sartak. Segundo o frade, o cã da Horda de Ouro “[...] mandou

então que me levantasse, perguntando pelo vosso nome [o do rei da França], pelo meu, pelo

do meu companheiro e do intérprete [...]. Disse ter ouvido que [vós, Luís IX] partistes de

vossa terra com um exército contra alguém com quem estáveis em guerra. Respondi:

‘contra os sarracenos que violam a casa de Deus em Jerusalém.’”24 Essa passagem remete

ao contexto das Cruzadas, cujos inimigos do momento (meados do século XIII) eram os

21 Ibid., p. 66. Sobre a última oração da citação, ver nota 22, capítulo I da monografia. 22 Ibid., p. 70. 23 Ibid., p. 71. 24 Ibid., p. 72.

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mamelucos. Portanto, esse é um dos trechos que confirmam a hipótese de que Luís IX

buscava aliança com os mongóis.

Assim como acontecera a Carpini, Rubruck foi enviado ao grão-cã, agora Mongke.

Só que o grupo é desfeito por ordem de Batu: “Que sigam os dois sacerdotes [Rubruck e

Bartolomeu de Cremona, com um dos escravos] e o clérigo [o turcomano Gosset, com o

outro escravo] volte a Sartach [sic].”25

*

Resgate-se agora o relato de Carpini a partir de Batu. Este frade descreve os lugares

e povos pelos quais passou, sem se ater tanto a detalhes, como faz Rubruck. Cita os

comanos (quiptchaques), os naimanos e os mongóis propriamente ditos no seu caminho

para o leste: “[...] entramos na terra dos mongalos [sic], que chamamos de tártaros. Como

cremos, por esta terra viajamos por três semanas, cavalgando velozmente; e no dia de Santa

Maria Madalena (vinte e dois de julho), chegamos aonde estava Guiuc [sic], antes de sua

eleição como Grão-cã dos mongóis.”26 Analisando o trecho, deve-se ter em mente o

contexto da kurultai que elegeu Guyuk grão-cã, como assinalado no capítulo II desta

monografia.

Carpini acompanhou todo o processo de entronização de Guyuk Cã. “Quando

chegamos lá [a Caracórum] já tinha sido armado um grande pavilhão [...], que, a nosso

juízo, era tão grande que podia abrigar mais de duas mil pessoas”, relata.27 A cerimônia

durou alguns dias, durante os quais o frei observou o aparato de segurança, os povos e os

enviados prestadores de vassalagem.

Depois da entronização efetiva, Guyuk Cã chamou Carpini e seu companheiro até

ele, assim como fazia com os que lhe iam render homenagens e oferecer presentes.

Segundo o frei, “[...] fomos perguntados se queríamos também oferecer presentes, mas já

tínhamos consumido nossas reservas.”28 Guyuk Cã demorava pra os atender. Carpini,

25 Ibid., p. 73. 26 SILVEIRA, O. F. M., I. Enfrentando os guerreiros tártaros medievais. Petrópolis: Vozes, 1999. p. 32. 27 Ibid., p.33. 28 Ibid., p.37.

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então, começava a colher informações que poderiam ser úteis à cristandade européia, em

caso de possíveis ataques ao Ocidente.

Passados alguns dias do advento de Guyuk Cã, intermediários disseram a Rubruck

que “[...] lançássemos por escrito nossas palavras e explicássemos nossa missão e

entregássemos tudo a ele.”29 Após várias complicações na tradução, para a qual foi

necessária ajuda de estrangeiros que habitavam Caracórum, Carpini conseguiu que o grão-

cã conhecesse seu conteúdo.

Guyuk Cã respondeu também com uma carta, e intermediários assim disseram:

“‘[...] tende cuidado de entender tudo bem [o conteúdo da resposta], pois não seria

conveniente que viésseis de remotas regiões e não entendêsseis tudo muito bem.’ Eles então

transcreveram a carta em língua sarracena [persa] para que pudesse encontrar no Ocidente

quem a traduzisse [...].”30 O frade Ildefonso Silveira traduziu assim a carta para o

português:

A fortaleza de Deus, imperador de todos os homens, envia ao grande papa esta carta [...]. Aconselhando-me sobre o modo de estabelecer paz entre nós e tu, Papa e todos os cristãos, tu nos enviaste um embaixador, como ouvimos de tuas palavras e se conclui de tua carta. Se, portanto, vós, Papa e todos os reis e governantes, desejais manter paz conosco, não tardeis, de modo algum, em vir até nós para estabelecer a paz e então ouvireis a nossa resposta e ao mesmo tempo conhecereis nossa vontade. No texto de tua carta é dito que nós devemos ser batizados e nos tornar cristãos. Ao que respondemos, com poucas palavras, que não compreendemos absolutamente por que deveríamos fazê-lo. Quanto ao outro ponto de que nos falavas na tua carta, isto é, de que te maravilhas com tanta matança de homens, sobretudo cristãos, em particular de poloneses, morávios e húngaros, respondemos do mesmo modo que também não entendemos isso. Todavia, para que não pareça que queremos deixar o assunto, dizemos que se deve responder-te do modo seguinte: porque não obedeceram nem à palavra de Deus, nem à ordem de Gêngis-Cã, nem de Cã [neste caso, Oguedai Cã, o segundo imperador, morto em 1241] e, reunindo o grande conselho, mataram os nossos embaixadores, por isso Deus ordenou que os aniquilássemos e os entregou em nossas mãos [aqui parece que Guyuk Cã confunde os cristãos com os corásmios, que eliminaram embaixadores mongóis quando estes foram exigir submissão, ainda nos tempos de Gêngis Cã]. De resto, se deus não tivesse feito isso, que coisa teria podido fazer um homem a outro homem? Mas vós, homens do Ocidente, credes que sé existis vós, cristãos e desprezais os outros. Como podeis conhecer a quem Deus concede seu favor? Nós, adorando Deus, com a fortaleza de Deus devastamos toda a terra do Oriente e do Ocidente. E se esta não fosse a fortaleza de deus, que poderiam fazer os homens? Se escolheis a paz e intencionais entregar-nos as vossas forças, vós, Papa, juntamente como os poderosos entre os cristãos, não terdes de modo algum a vir a mim para estabelecer a paz e então saberemos que quereis paz conosco. Se, porém, não crerdes nesta missiva de Deus e nossa e não escutardes o conselho de vir a nós, então saberemos com certeza que quereis ter guerra conosco. Depois disso, o que acontecerá não sabemos; só Deus o sabe.31

29 Ibid., p.40. 30 Ibid., p.41. 31 Ibid., p.41-42.

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A própria carta-resposta de Guyuk Cã dá idéia da mensagem de Inocêncio IV, cujo

conteúdo não foi colocado no relato por Carpini. Havia um clamor para que não mais

houvesse matanças de cristãos, bem como, aos olhos de Deus, o papa afirmava ser aquilo

condenável. Também existia o pedido para que os mongóis se tornassem cristãos. O grão-

cã afirmava não compreender nada daquilo. Na lógica dos mongóis, quem não se lhes

submetesse deveria ser destruído, já que, como está no começo da carta, o grão-cã era o

“imperador de todos os homens”. Conseqüentemente, todos deveriam aceitar essa premissa.

Sobre o pedido para ser batizado, Guyuk Cã despreza o cristianismo romano, sem temer a

ira divina que se lhe poderia abater, de acordo com o que Inocêncio IV escrevera.32 Além

disso, Guyuk Cã “[...] tomou a carta papal como a vinda de um chefe político, de quem os

príncipes eram vassalos, e como oferta de submissão”,33 e convoca o próprio papa para se

lhe submeter.

A viagem de retorno de Carpini teve início em novembro de 1246 e durou doze

meses, durante os quais passou por tantas ou mais adversidades quantas na ida. Voltou pelo

mesmo caminho, passando pelo ordu de Batu, em maio de 1247, e chegou a Kiev em junho

do mesmo ano. Em novembro, Carpini entregou a carta a Inocêncio IV, não sem o alertar

acerca do perigo mongol. O frei foi uma espécie de espião da cristandade, como se verifica

neste excerto:

Na corte do grão-cã acham-se concentrados guerreiros e príncipes do exército. Plano: um exército deve entrar pela Hungria, o segundo pela Polônia, como fomos informados. Virão para lutar por dezoito anos contínuos, como foi programado [...]. Tudo isso é firme e verdadeiro, a não ser que o Senhor, por sua graça, mande algum imprevisto, como fez quando atacaram a Hungria e a Polônia. Eles deviam prosseguir por trinta anos, mas o imperador [Oguedai Cã] morreu envenenado [1241], e por isso interrompeu a guerra até agora.34

Carpini conclama a Europa a unir-se pela sua defesa contra os gengiscânidas. Por isso o frei

também sugere que armas e métodos de guerra usar, afirmando que se devem imitar os

mongóis, dada sua superioridade bélica, seja pelo contingente de guerreiros, seja pela

mobilidade de sua cavalaria.

32 PHILLIPS, E. D. Os mongóis. Lisboa: Verbo, 1971. (Coleção história Mundi; n. 9). p. 91-92. 33 Ibid., p. 92. 34 SILVEIRA, O. F. M., I. Enfrentando os guerreiros tártaros medievais. Petrópolis: Vozes, 1999. p. 69-70.

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37

*

Retornando à obra de Rubruck, observamos que seguiu a comitiva de Batu, que

saíra de Sarai, até um certo ponto, a partir do qual o grupo cristão foi conduzido por um

guia indicado pelo cã. Os três homens – Rubruck, Bartolomeu e um dos escravos –

recebiam os piores cavalos, mas para o narrador, “[...] providenciavam um cavalo mais

forte, pois eu era muito pesado.”35

Padecendo de fome e frio durante esta jornada de quatro meses até Caracórum,

passando por diversos povos, os três chegaram à corte de Mongke Cã dois dias depois do

Natal de 1253. Foram interrogados quanto ao propósito da viagem, cuja resposta foi a

mesma dada tantas vezes: o boato de que Sartak tornara-se cristão. Então,

[...] perguntaram se [vós, rei da França] queríeis estabelecer paz com eles. Respondi: “Ele enviou carta a Sartach [sic] como cristão e se soubesse que não era cristão, jamais lhe teria escrito. Quanto a estabelecer paz, digo-vos que não cometeu nenhuma injúria; se assim fizesse, não compreendo por que causa devereis fazer guerra a ele e ao seu povo, já que, de boa vontade, como homem justo que é, quereria emendar-se e propor paz. Se vós, sem razão, quiserdes mover guerra contra ele e seu povo, esperamos que Deus [...] nos ajudará.” Eles, admirados, sempre repetiam: “Se não viestes propor paz, para que viestes?”36

Isso dá noção da arrogância mongol em relação a outros povos. Como na carta de Guyuk

Cã a Inocêncio IV, verifica-se aqui a idéia de dominação total e de submissão.

Igual a Carpini, Rubruck sempre cita as datas do calendário litúrgico. Nas oitavas

dos Inocentes de 1254 (4 de janeiro), o frei e seu acompanhante foram conduzidos à corte

móvel do novo imperador, Mongke Cã. Dentro de sua ger, o frade se admirou com a

magnanimidade do grão-cã.

Levado à sua presença, Rubruck comunicou-se com o comandante do império por

meio de um intérprete. O pitoresco desse episódio começa com o fato de que a tenda de

Mongke Cã estava repleta de bebidas.37 “Para nosso infortúnio”, relata o franciscano,

35 SILVEIRA, O. F. M., I. Viagem de um aventureiro medieval - Guilherme de Rubruc - 1253-1255. Bragança Paulista: Edusf, 1997. p.79. 36 Ibid., p. 92-93. 37 Os mongóis, embora não fabricassem bebidas alcoólicas, com exceção do kumiss, eram muito afeitos a elas.

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“nosso intérprete estava perto dos copeiros, que lhe deram muita bebida e logo ficou

ébrio.”38 O frade relata assim o primeiro encontro com o grão-cã:

Tivemos que ajoelhar-nos. Ele tinha como intérprete um nestoriano e eu ignorava que fosse cristão; nós tínhamos nosso intérprete, que era o que era, e já estava bêbado. Eu disse: “[...] rendemos graças e louvores a Deus que nos trouxe de tão longínquas regiões para vermos Mangu-Cã [sic], a quem Deus deu tanto poder na terra [...].” Depois contei-lhe: “Senhor, ouvimos que Sartach [sic] era cristão [...]. Por isso viemos até ele e o senhor rei [Luís IX] mandou carta por nós, que continham [sem grifo no original] palavras pacíficas; entre tais palavras ele testemunhava sobre que homens éramos e rogava permitisse que morássemos em sua terra, pois nosso ofício é ensinar os homens a viverem segundo a lei de Deus [...]. [...] suplicamos, pois [...] que nos dê licença para desempenhar o serviço de Deus em favor de vós, de vossas esposas e de vossos filhos [...]. Dê-nos ao menos licença de permanecer até que passe este frio [...].39

Um aspecto notável nesse excerto é que Rubruck e Bartolomeu continham a carta.

Logo, observa-se que tal foi extraviada, sem que se mencione ao longo da fonte de que

maneira. Por isso o frade teve que transmitir a mensagem de Luís IX oralmente. Além

dessa dificuldade, houve ainda a embriaguez do intérprete de Rubruck, o que pode ter

dificultado a compreensão por parte de Mongke Cã. Ao frei pareceu também o grão-cã

ébrio. A resposta do imperador dá idéia de conquista universal, por meio de uma

interessante metáfora: “Como o sol espalha seus raios por toda a parte, assim meu poder e o

de Batu irradiam-se por toda a parte.”40 Percebe-se aqui a idéia de existência de uma

espécie de diarquia de Batu e Mongke Cã. Aquele se empenhara bravamente para que este

se tornasse o grão-cã, pois eram aliados muito ligados e porque Batu não queria abandonar

a administração da Horda de Ouro.

O imperador decidiu aceitar o pedido de estadia. Mas não respondeu imediatamente

sobre o conteúdo da mensagem de Luís IX. Ao longo do período em que viveu na corte de

Mongke Cã, Rubruck teve alguns encontros com ele, o mais curioso dos quais juntamente

com outros religiosos, cada qual representando sua crença, para um debate teológico. O

imperador mandou reunirem-se um nestoriano, um católico (Rubruck), um muçulmano e

um budista. Isso demonstra a curiosidade que as culturas sedentárias causavam aos

mongóis, além da tolerância religiosa. O Império Gengiscânida parecia ser um terreno fértil

para a propagação de religiões mais bem fundamentadas que o xamanismo local. Teria sido

38 SILVEIRA, O. F. M., I. Viagem de um aventureiro medieval - Guilherme de Rubruc - 1253-1255. Bragança Paulista: Edusf, 1997. p. 100. 39 Ibid., p. 101-102. 40 Ibid., p. 102.

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uma grande chance de convencer o grão-cã a converter-se a alguma delas, o que acabou não

ocorrendo.

Mais do que os dois meses pedidos por Rubruck, o imperador aceitou que ele e seu

acompanhante ficassem por mais cinco. Então o franciscano pôde constatar o verdadeiro

caráter cosmopolita de Caracórum. Havia gente de todas as regiões conquistadas pelos

mongóis. O que causa mais curiosidade é a amizade estabelecida entre Rubruck e um

artesão francês, mestre Guilherme de Bouchier, morador da corte. Ele fora seqüestrado

junto com sua esposa, uma húngara, em Budapeste, quando da invasão da Hungria por

parte de Batu contra o rei Béla IV, em 1241, juntamente com outros estrangeiros, como um

tal Basílio, húngaro filho de ingleses. Este encontro com europeus que habitavam a corte

foi de extrema sorte para Rubruck, pois, em conhecendo a língua mongol, podiam ajudar

nas interpretações entre ele e o imperador, como de fato aconteceu como o filho do mestre

Guilherme. É também curioso observar que Rubruck chegou a rezar uma missa no período

de Páscoa (Quinta-feira Santa, 9 de abril de 1254), o que alegrou os nestorianos da corte.

Na última audiência com o grão-cã, na qual houve a decisão de não aderir a

qualquer religião cujas leis haviam sido apresentadas, o imperador professou sua fé com um

discurso desconcertante:

Nós, mongóis, cremos que não existe senão um só Deus, pelo qual vivemos e morremos e dele temos o coração reto [...]. Como Deus deu à mão vários dedos, assim deu aos homens vários caminhos [...]. Deus deu a vós as Escrituras e não as guardais [referindo-se a uma afirmação sua de que os seres humanos não seguiam os ensinamentos de Deus]; a nós deu adivinhos e nós fazemos o que eles nos dizem, e vivemos em paz.41

Com isso, dá-se ensejo a que Rubruck deixe Caracórum. O franciscano pediu que as

palavras do grão-cã fossem redigidas para que se as entregasse a Luís IX. Fica patente a

diferença entre as missões de Carpini (diplomática) e Rubruck (religiosa) neste trecho, em

que o frei se dirige ao imperador, mostrando o ideário franciscano:

Senhor, nós não somos homens guerreiros; gostaríamos que coubesse o domínio do mundo àquele que o governasse mais justamente, segundo a vontade de Deus. Nosso ofício é ensinar aos homens a viverem segundo a vontade de Deus; para isso viemos [...] e de boa vontade ficaríamos, se fosse do vosso agrado [...], [pois] tenho sua licença [dos senhores da cristandade] para ir para onde eu quiser,

41 Ibid., p. 131.

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aonde for necessário pregar a palavra de Deus; parece-me que isto é necessário nestas partes [e], mandem ou não os embaixadores, voltarei se for de vosso agrado.42

Isso era quase um apelo para permanecer ali, ou para voltar em outra época, mas o grão-cã

não se sensibilizou, dizendo: “Tu tens longa viagem para fazer, fortalece-te com alimentos,

parta chegares forte à tua terra.”43 Tal resposta causou enorme frustração ao frei Rubruck,

que nunca mais teria oportunidade de regressar ao coração do Império Mongol.

Após alguns dias completou-se a carta-resposta de Mongke Cã:

É vontade de Deus eterno [Tengri, o Céu Eterno]: na terra não haverá a não ser um só senhor, Gêngis-Cã, filho de Deus [...], e onde quer que os ouvidos possam ouvir, por onde quer que o cavalo possa andar, ali façais ouvir-se e compreender-se [esta mensagem] [...]. Pela força de Deus eterno, pelo grande poderio dos mongóis, esta seja a ordem de Mangu-Cã [sic] para o senhor rei dos francos e todos os outros senhores e sacerdotes e o grande domínio dos francos [...]. [...] quisemos enviar embaixadores como vossos preditos sacerdotes. Eles responderam que entre vós e nós há território em guerra [...] e caminhos difíceis; por isso temiam não poder conduzir a salvo nossos embaixadores até vós; mas se nós lhes confiássemos nossas letras com nossa ordem, eles a enviariam ao rei Luís [...]. Se não quiserdes ouvir nem crer [nesta ordem] [...] e organizardes um exército contra nós, sabemos o que podemos; aquele que tornou fácil o que era difícil, que tornou próximo o que era longe, o Deus eterno sabe.

44

Doente, o frei Bartolemeu de Cremona ficou na corte, com permissão de Mongke

Cã, pois afirmava que morreria caso tivesse que enfrentar as agruras da viagem de retorno.

A separação foi dolorosa, pois parecia que os dois amigos nunca mais se veriam, como de

fato aconteceu. Em 18 de agosto de 1254, Rubruck partiu com seu intérprete, um guia e um

servo. Foi outra jornada difícil, pelo mesmo caminho da ida. Chegou ao ordu de Batu em

16 de setembro de 1254. Em agosto de 1255, um ano após sua partida de volta, Rubruck

chegou ao Chipre, domínio cruzado dos francos, onde acreditava estar Luís IX. Mas este já

havia retornado à França, para onde foi, finalmente, o frei Rubruck.

42 Ibid., p. 132-134. 43 Ibid., p. 134. 44 Ibid., p. 139-141.

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CONCLUSÃO

Analisando as fontes escritas por Carpini e Rubruck, podem ser verificadas algumas

idéias distintas e outras semelhantes quanto aos seus objetivos.

O frade Carpini foi o emissário direto do papa Inocêncio IV junto ao grão-cã da

Mongólia, neste caso Guyuk Cã, que havia acabado de chegar ao trono de seu Império.

Carpini tinha recomendações precisas, baseadas no que fora discutido no Concílio de Lion

de 1245: a unidade da Cristandade e a defesa contra os mongóis.

O primeiro aspecto não possuía apenas objetivos religiosos, pois “ [...] parece que o

papa Inocêncio III (1198-1216) [...] sonha em instaurar, no Ocidente, uma espécie de

teocracia, onde todos os príncipes temporais se submeteriam ao patronato do papa, vigário

de Cristo.”1 “Esse êxito deveu pouco ao poder temporal do Papa, à base territorial que lhe

era oferecida pelo patrimônio de S. Pedro. Foi por ter reforçado seu poder sobre os bispos e

especialmente por ter canalizado para si os recursos financeiros da Igreja [...], encabeçando

a codificação do direito canónico [sic], que o papado, no século XII e, especialmente, no

século XIII, se transformou numa monarquia supranacional eficaz.”2 Estava em jogo, então,

o poder temporal da Igreja, cujo ápice aconteceu com o próprio Inocêncio III, em 1215,

quando do quarto Concílio de Latrão, por meio do qual foram impostas decisões como a

obrigação da confissão e da comunhão pascais.

No entanto, essas imposições papais acarretaram reações de alguns soberanos,

sobretudo de Frederico II, coroado imperador do Sacro Império em 1200. Tais reações

geraram conflitos entre Frederico II e o papado, que o levaram a ser excomungado duas

vezes pelo papa Gregório IX, em 1227 e 1239. Essa aparente vitória pontifical ficou selada

no Concílio de Lion de 1245, quando Frederico II foi deposto, já sob o papado de Inocêncio

IV. A Alemanha passou então a ser “[...] um mosaico de Estados praticamente autônomos

[...], [chocando-se] em toda a parte os principados laicos, eles próprios enfraquecidos pela

1 HEERS, J. Hiatória medieval. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1974. p. 135. 2 LE GOFF, J. A civilização do Ocidente medieval. Lisboa: Estampa, 1995 (1964). v. 1. (Nova História, n. 14). p. 135.

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discórdia [...].”3 E, na Itália, “O conflito Papado-Império favoreceu a independência das

cidades [...].”4

Quanto à defesa contra os mongóis, o Concílio de Lion lhe fez menção por conta

dos ataques perpetrados por Batu à Europa oriental. O terror deixado nos corações e mentes

dos europeus foi mais um fator que fez Inocêncio IV enviar Carpini ao Império Mongol.

A conclusão a que se pode chegar quanto à missão deste franciscano é que o papa

Inocêncio IV queria transformar aquela vitória política aparente contra o Sacro Império em

uma vitória efetiva. Além disso, observando que essa disputa só enfraqueceu a Cristandade,

fragmentando o Sacro Império, Inocêncio IV tenta sensibilizar o grão-cã Guyuk quanto à fé

cristã, por meio de uma carta condenando os ataques nômades e suplicando que estes não

voltassem a ocorrer, baseado nas idéias católicas. O sumo pontífice parecia pensar que era

melhor ter os mongóis como aliados do que como inimigos, dado o rastro de destruição

deixado por eles na Europa oriental. O relato de Carpini, que alerta para o perigo mongol,

haja vista a supremacia militar do império asiático, pode confirmar esta hipótese. Se tivesse

sido efetivada a conversão dos mongóis ao cristianismo, Inocêncio IV poderia argumentar

da seguinte maneira: se o Império Mongol, que reunia uma profusão de povos, cada qual

com seus costumes e religiões, conseguia manter a unidade, por que a Europa não

conseguia? E seria ainda melhor se esta unidade mongol tivesse como base religiosa o

cristianismo. Além disso, não se pode perder de vista o contexto das Cruzadas. Se a Ásia

mongol e a Europa se unissem sob o ideal cristão, o Islã teria poucas chances de se manter.

Neste sentido, deve-se abordar a jornada do frei Rubruck. Neste caso, já não é um

papa que envia um missionário religioso, mas um monarca, Luís IX da França. Note-se que

o esfacelamento político do Sacro Império andava em sentido contrário ao do

fortalecimento do reino da França nas mãos de Luís IX. Esta região, desde o século XII,

vinha-se libertando de obrigações feudais mais severas, estabelecendo um governo cujos

integrantes eram eleitos pelo próprio monarca.

Esses êxitos se apresentam como frutos de uma dupla política: de um lado, a utilização hábil dos poderes de suserania e o confisco em seu proveito dos principais direitos feudais; por outro lado, a procura de sólidos apoios junto aos homens livres, elementos das cidades ou

3 HEERS, op. cit., p. 137. 4 Id.

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camponeses, beneficiados pelo desenvolvimento dos centros urbanos e os empreendimentos de aberturas de áreas para cultivo.5

Luís IX tinha forte ligação com a Igreja, tendo sido sagrado rei da França, o que

confirma a aliança entre a Santa Sé e aquele reino. Além disso, a sagração enfatiza o

aspecto divino que envolve as monarquias européias. Luís IX foi-se fortalecendo, à medida

que “[...] liquida as intrigas e rompe as alianças dos barões mais amiúde pela diplomacia e

pelo ouro do que pelas armas”,6 ao contrário do que ocorria no Sacro Império. A partir da

posição do rei da França, as monarquias feudais começaram a se sobrepor ao poder

pontifical. E um sinal desse poder crescente do rei da França, dessa sua emergente

independência política em relação à Igreja, está justamente no fato de que Luís IX não

pediu autorização papal para enviar o frei Rubruck ao Império Mongol, ainda que o caráter

da viagem tenha sido, pelo menos em tese, estritamente religioso. O próprio Rubruck, no

seu relato, pede que não seja tratado como missionário diplomata, mas simplesmente como

pregador da palavra de Deus. Carpini, sim, foi em missão diplomática oficial da Igreja, em

nome da Cristandade ocidental como um todo, não em nome da França, somente.

E é aqui que se mostram as hipóteses que vão além do aspecto religioso, tão

enfatizado por Rubruck. Mais uma vez deve-se remeter ao contexto das Cruzadas. Ora,

Luís IX era um cavaleiro cruzado, tão importante, que as duas últimas incursões com o

objetivo de conquistar a Terra Santa aos sarracenos levam seu nome: as Cruzadas de São

Luís, 1248-1254 e 1270. Portanto, é evidente que o rei da França tinha a idéia de extirpar os

muçulmanos da Terra Santa. E tal ocorreria com mais facilidade se o grão-cã da Mongólia

– agora Mongke – estabelecesse com ela aliança política. E, além de um possível pacto

contra o Islã, a aliança com o Império Gengiscânida poderia ser politicamente favorável a

Luís IX dentro da própria Europa, uma vez que o poder do soberano da França aumentaria,

caso fosse necessário o uso das forças armadas mongóis em seu benefício.

O problema que se observa, ao se analisarem as fontes, em ambos os casos –

Carpini e Rubruck –, e muito bem frisado por Venkatachar,7 é a ignorância entre as duas

5 Ibid., p. 138. 6 Ibid., p. 142. 7 VENKATACHAR, C. S. The Historical Context of Encounters between Asia and Europe (as seen by an Asian). In: RAGHAVAN, I. (ed.). The Glass Curtain Between Asia and Europe: a symposium on the historical encounters and the changing attitudes of the peoples of the East and the West. London: Oxford University Press, 1965. p. 31-51.

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partes envolvidas. Não houve sensibilidade, talvez nem mesmo inteligência suficiente para

que se efetivasse a aliança, principalmente no caso de Luís IX e Mongke Cã. Nenhuma das

partes aceitou ceder. O grão-cã porque considerava que todos os povos deveriam

subordinar-se aos mongóis, numa concepção de poder universal, tão bem exemplificada na

carta-resposta enviada por ele a Luís IX. O rei da França, porque não aceitou “rebaixar-se”

a outro monarca, ainda mais porque se tratava de um “bárbaro”.

É claro que outros fatores devem ser levados em consideração. O Império Mongol,

desde a morte de Gêngis Cã, embora tenha alcançado seu apogeu com Mongke, sofria

politicamente a cada sucessão imperial. As lutas internas eram ferrenhas e a divisão do

território em vários canatos trouxe uma gradual desestabilização, ainda mais pela tendência

mongol de assimilação. E, dada a negativa mongol de aliança com a Europa ocidental, Luís

IX parece ter deixado de considerar essa hipótese, voltando-se para os problemas da França

e de suas possessões na Terra Santa. Em suma, problemas internos também ajudaram a

minar uma possível aliança.

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ANEXOS

LISTA DE ANEXOS:

ANEXO 1 – Quadro genealógico (p. 50): os sucessores de Gêngis Cã (1227-1336)

ANEXO 2 – Mapas:

• Mapa 1 (p. 51): O Império Mongol à morte de Gêngis Cã (1227). Fonte:

http://www.nationalgeographic.com/features/97/genghis/khanmap.html

• Mapa 2 (p. 52): O Império Mongol dividido em canatos (inclui as rotas de invasão

de Gêngis Cã e de seus sucessores). Fonte: www.lacma.org/khan/resources.htm

• Mapa 3 (p. 53): Os domínios mongóis, de 1300 a 1405. Fonte: www.webster-

dictionary.org/definition/Mongol%20Empire

• Mapas 4 e 5 (p. 54): As rotas de Carpini e Rubruck, respectivamente. Fonte:

http://depts.washington.edu/uwch/silkroad/maps