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O ÍNDIO

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O ÍNDIO

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Colgio Estadual Antnio Prado Jr.

Aula de Histria

Professores: Ana Carolina e Henrique

Ensino Mdio

O NDIO

Meu Deus, ele!

Quem j conversou com um ndio, assim um papo aberto, sobre futebol, religio, amor...? A primeira idia que nos vem da impossibilidade deste dilogo, risos, preconceitos, talvez. O que dizer ento da viso dos estrangeiros, que pensam que andamos nus, atiramos em capivaras com flechas envenenadas e danamos literalmente a dana da chuva pintados com urucu na Praa da S ou na Avenida Paulista?

Pois na minha escola no ano de 1995 ocorreu a matrcula de um ndio. Um genuno adolescente patax.

A funcionria da secretaria no conseguiu esconder o espanto quando na manh de segunda-feira abriu preguiosamente a portinhola e deparou-se com um patax sem camisa com o umbigo preto para fora, dois penachos brancos na cabea e a senha nmero "um" na mo, que sem delongas disse:

Vim matricular meu filho.

E foi o que ocorreu, preenchidos os papis, apresentados os documentos, fotografias, certides, transferncias, alvars, licenas etc. A notcia subiu e desceu rapidamente os corredores do colgio, atravessou as ruas do bairro, transps a sala dos professores e chegou sala da diretora, que levantou e, em brado forte e retumbante, proclamou:

Mas um ndio mesmo?

Era um ndio mesmo. O desespero tomou a alma da pobre mulher; andava de um lado para o outro, olhava a ficha do novo aluno silvcola, ia at os professores, chamava dois ou trs, contava-lhes, voltava sala, ligava para outros diretores pedindo auxlio, at que teve uma idia: pesquisaria na biblioteca. Chegando l, revirou Leis, Decretos, Portarias, Tratados, o Atlas, Mapas histricos e nada. Curiosa com a situao, a funcionria questionou: qual o problema para tanto barulho?

Precisamos ver se podemos matricular um ndio; ele tem proteo federal, no sabemos que lngua fala, seus costumes, se pode viver fora da reserva; enfim, precisamos de amparo legal. E se ele resolver vir nu estudar, ser que podemos impedir?

Passam os dias e enfim chega o primeiro dia de aula, a vinda do ndio j era notcia corrente, foi amplamente divulgada pelo jornal do bairro, pelas comadres nos portes, pelo japons tomateiro da feira, pelos aposentados da praa, no se falava noutra coisa. Uma multido aguardava em frente da escola a chegada do ndio, pelas frestas da janela, que dava para o porto principal, em cima das cadeiras e da mesa, disputavam uma melhor viso os professores sem nenhuma falta , a diretora, a supervisora de ensino e o delegado.

O porteiro abriu o porto sem que ningum entrasse e fitou ao longe o final da avenida; surgiu entre a poeira e o derreter do asfalto um fusca, pneus baixos, rebaixado, parou em frente da escola, o rdio foi desligado, tal o silncio da multido que se ouviu o rangido da porta abrir, desceu um menino rolio, chicletes, bon do Chicago Bulls, tnis Reebok, cala jeans, camiseta, walkman nas orelhas, andou at o porteiro e perguntou:

Pode assistir aula de walkman?

PASSOS, Edson Rodrigues dos. O ndio. In: Ns e os outros: histrias de

diferentes culturas. Coordenao geral e seleo de textos de Marisa Lajolo.

So Paulo: tica, 2001. (Coleo Para Gostar de Ler)

GLOSSRIO

Alvar: Licena que permite o exerccio ou a prtica de alguma atividade comercial, de construo, etc.

Lei: Regra de direito; norma ou conjunto de normas elaboradas e votadas pelo poder Legislativo.

Decreto: Determinao escrita assinada por chefe de Estado ou outra autoridade superior.

Portaria: Documento assinado por autoridade pblica que orienta a aplicao de leis ou contm recomendaes de carter geral, normas de execuo de servios, nomeaes, demisses, punies e qualquer outra determinao de sua competncia.

Tratado: Obra que trata, de forma didtica, de um ou vrios assuntos de conhecimento geral.

Chicago Bulls: Equipe de basquete norte-americana.

Reebok: Marca de artigos esportivos americana.