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1 UM OLHAR DA INVENTTA: O INOVAR AUTO e os investimentos em P&D no setor automotivo Carina Leão e Letícia Goulart O Inovar Auto vem sendo amplamente discutido, tendo em vista que a indústria automobilística brasileira é a sétima do mundo 1. Introdução Em abril de 2012, o governo brasileiro anunciou a criação de um novo regime para a indústria automobilística nacional em substituição ao regime vigente de redução de alíquotas de IPI, denominado INOVAR AUTO. O “Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica e Adensamento da Cadeia Produtiva de Veículos Automotores - INOVAR AUTO” foi apresentado pela Medida Provisória 563/2012 (regulamentada pelo Decreto 7.716/12), convertida na Lei 12.715/12 (regulamentada pelo Decreto 7.819/12) e entrará em vigor em Janeiro de 2013 com validade até 2017. Dentre os principais objetivos do INOVAR AUTO, podemos citar o estímulo ao aumento do conteúdo regional na produção, medido pelo volume de aquisições de peças e insumos estratégicos, a garantia do investimento em P&D, o aumento do volume de gastos em Engenharia, Tecnologia Industrial Básica e Capacitação de Fornecedores e o aumento da eficiência energética dos veículos, através da etiquetagem veicular e redução da emissão de CO 2 , definindo níveis aceitáveis. O novo regime vem sendo amplamente discutido no setor, tendo em vista que a indústria automobilística brasileira é a sétima do mundo, responsável por um elevado número de empregos (cerca de 150 mil, relativos aos contratos de trabalho firmados com as empresas associadas à Anfavea), e sua participação no PIB industrial brasileiro é altamente significativa, equivalente ao valor de U$105.375 milhões de dólares, representando cerca de 20%, do valor total do PIB 1 . Em razão da relevância do tema, buscaremos demonstrar um comparativo entre os benefícios fiscais do regime vigente (redução de alíquota de IPI) e do INOVAR AUTO 1 Dados do Anuário da Indústria Automobilísca Brasileira 2012 – Anfavea.

O INOVAR AUTO e os investimentos em P&D no setor automotivo

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UM OLHAR DA INVENTTA:

O INOVAR AUTO e os investimentos em P&D no setor automotivoCarina Leão e Letícia Goulart

O Inovar Auto vem sendo amplamente discutido, tendo em vista que a indústria automobilística

brasileira é a sétima do mundo

1. Introdução

Em abril de 2012, o governo brasileiro anunciou a criação de um novo

regime para a indústria automobilística nacional em substituição ao

regime vigente de redução de alíquotas de IPI, denominado INOVAR

AUTO.

O “Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica e Adensamento

da Cadeia Produtiva de Veículos Automotores - INOVAR AUTO” foi

apresentado pela Medida Provisória 563/2012 (regulamentada pelo

Decreto 7.716/12), convertida na Lei 12.715/12 (regulamentada pelo

Decreto 7.819/12) e entrará em vigor em Janeiro de 2013 com validade

até 2017.

Dentre os principais objetivos do INOVAR AUTO, podemos citar o estímulo

ao aumento do conteúdo regional na produção, medido pelo volume de

aquisições de peças e insumos estratégicos, a garantia do investimento

em P&D, o aumento do volume de gastos em Engenharia, Tecnologia Industrial Básica

e Capacitação de Fornecedores e o aumento da eficiência energética dos veículos,

através da etiquetagem veicular e redução da emissão de CO2, definindo níveis

aceitáveis.

O novo regime vem sendo amplamente discutido no setor, tendo em vista que a

indústria automobilística brasileira é a sétima do mundo, responsável por um elevado

número de empregos (cerca de 150 mil, relativos aos contratos de trabalho firmados

com as empresas associadas à Anfavea), e sua participação no PIB industrial

brasileiro é altamente significativa, equivalente ao valor de U$105.375 milhões de

dólares, representando cerca de 20%, do valor total do PIB1.

Em razão da relevância do tema, buscaremos demonstrar um comparativo entre os

benefícios fiscais do regime vigente (redução de alíquota de IPI) e do INOVAR AUTO

1 Dados do Anuário da Indústria Automobilísti ca Brasileira 2012 – Anfavea.

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(crédito presumido de IPI), abordando questões conceituais no que diz respeito aos

investimentos em P&D, com base na sistemática dos incentivos fiscais à inovação

tecnológica (Lei do Bem) e no Manual de Frascati.

2. Tipos de benefícios e requisitos

O regime em vigor para o setor automotivo consiste na redução de alíquota do IPI em

pontos percentuais, o que significa que o percentual aplicado sobre a base de cálculo

do IPI é reduzido de acordo com o estabelecido pelos decretos regulamentadores. O

crédito presumido, por sua vez, será gerado mediante cumprimento dos requisitos

determinados pela legislação, conduzindo à compensação dos pontos percentuais

que seriam aplicados. A seguir uma tabela resumo dos benefícios.

Tipos de Benefícios

Redução de Alíquota Crédito Presumido

LegislaçãoLei 12.546/11 e Decreto 7.567/11 (alterado pelos Decretos 7.604/11 e 7.725/12)

Lei 12.715/12 - Decreto 7.819/12 (MP 563 e Decreto 7.716/12)

BenefícioRedução das alíquotas do IPI em pontos percentuais de acordo com o NCM do produto

Crédito presumido de IPI em pontos percentuais sobre as aquisições de insumos estratégicos, ferramentaria e dispêndios em pesquisa, desenvolvimento tecnológico, inovação tecnológica, recolhimentos ao FNDCT, capacitação de fornecedores, engenharia e tecnologia industrial básica

VigênciaVigência prevista até 31 de dezembro de 2012.

Vigência prevista até 31 de março de 2017.

2.1 Redução de alíquota

Conforme disposto nos anexos do Decreto 7.567/11 (alterado pelos Decretos 7.604/11

e 7.725/12), a redução de alíquota do IPI em pontos percentuais terá sua vigência

até 31/12/2012, sendo elegíveis ao benefício determinados produtos, de acordo

com sua classificação NCM (Nomenclatura Comum do Mercosul). Tal redução está

condicionada à observação de requisitos, tais como:

• Investimento de um mínimo de 0,5% da receita bruta total de vendas de bens e

serviços em atividade de inovação, de pesquisa e desenvolvimento tecnológico

de produto e processo no país,

• Agregação de conteúdo nacional (mínimo de 65%), e a realização de pelo menos

6 processos locais, de um total de 11, em pelo menos 80% da sua produção de

veículos.

O crédito presumido será gerado mediante cumprimento dos requisitos, conduzindo à

compensação dos pontos percentuais

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2.2 Crédito presumido

De acordo com o Decreto 7.819/12 que regulamenta o INOVAR AUTO, darão direito ao

crédito presumido os dispêndios relativos a:

• Insumos estratégicos e ferramentaria: apurado com base na multiplicação dos

valores dos dispêndios realizados por fator estabelecido no decreto, decrescente

a cada ano.

• Pesquisa, desenvolvimento tecnológico, inovação tecnológica e recolhimentos

ao FNDCT: o crédito corresponderá a 50% dos dispêndios, limitados ao valor

referente a aplicação de 2% da receita bruta total de venda de bens e serviços,

excluídos os impostos e contribuições incidentes sobre a venda.

• Capacitação de fornecedores, engenharia e tecnologia industrial básica: o crédito

corresponderá a 50% do valor dos dispêndios entre 0,75% e 2,75% da receita

bruta total de venda de bens e serviços, excluídos os impostos e contribuições

incidentes sobre a venda.

De acordo com o decreto regulamentador, farão jus ao crédito presumido, os

fabricantes de produtos classificados nos códigos 87.01 a 87.06 da TIPI (Tabela de

Incidência do IPI), conforme apresentado a seguir. Além disso, ao contrário da política

de redução de alíquotas, não haverá mais a exigência de conteúdo regional, tendo

sido a mesma substituída por um requisito de processos locais, que gradativamente,

ao longo dos 5 anos em que vigorará o novo regime, exige a realização de atividades

fabris e de infraestrutura e engenharia.

TIPI – NCMs enquadráveis no novo regime

Classificação NCM

Descrição

87.01 Tratores (exceto os carros-tratores da posição 87.09);

87.02 Veículos automóveis para transporte de dez pessoas ou mais, incluindo o motorista;

87.03Automóveis de passageiros e outros veículos automóveis principalmente concebidos para transporte de pessoas (exceto os da posição 87.02), incluindo os veículos de uso misto (station wagons) e os automóveis de corrida;

87.04 Veículos automóveis para transporte de mercadorias;

87.05

Veículos automóveis para usos especiais (por exemplo, auto-socorros, caminhões-guindastes, veículos de combate a incêndio, caminhões-betoneiras, veículos para varrer, veículos para espalhar, veículos-oficinas, veículos radiológicos), exceto os concebidos principalmente para transporte de pessoas ou de mercadorias;

87.06 Chassis com motor para os veículos automóveis das posições 87.01 a 87.05.

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Ainda, como requisitos, além da regularidade em relação aos tributos federais e

compromisso de atender níveis mínimos de eficiência energética, são exigidos da

empresa beneficiária o investimento em P&D, engenharia, tecnologia industrial básica

e capacitação de fornecedores, bem como a adesão ao Programa de Etiquetagem

Veicular de âmbito nacional, todos em percentuais crescentes, até 2017.

Destaca-se que as montadoras deverão cumprir obrigatoriamente a exigência

de quantidade mínima de atividades fabris e de atividades de infraestrutura de

engenharia, podendo optar, no caso dos veículos leves, por cumprir duas das três

exigências facultativas, e as fabricantes de veículos pesados, apenas uma de duas,

uma vez que não se aplica a exigência de etiquetagem nestes casos.

2.3 Comparativo

Abaixo um quadro comparativo das principais diferenças entre os dois benefícios.

Quadro Comparativo Redução de Alíquota VS. Crédito Presumido

Redução de IPI2012

Crédito Presumido de IPI2013-2017

Conteúdo Regional65%

-

Processos Locais (Atividades fabris e de infraestrutura de

engenharia)

6 atividades

6(2013), 7 (2014, 2015),8(2016, 2017) de 12 atividades (veículos leves); 8 (2013), 9 (2014,

2015), 10(2016, 2017) de 14 atividades (veículos pesados);. 5 (2013), 6 (2014, 2015), 7(2016, 2017) de 11 atividades (produção de

chassis com motor).

Investimento em P&D0,5% da receita bruta total

de vendas0,15% (2013), 0,30% (2014), 0,50% (2015 a

2017) da receita bruta total de vendas

Investimento em Engenharia e Tecnologia

-0,50% (2013) , 0,75% (2014), 1,00% (2015 a

2017) da receita bruta total de vendas

Etiquetagem -36% (2013), 49% (2014), 64% (2015),

81% (2016) e 100% (2017) adequação da produção de bens

3. Pontos de discussão do novo regime em relação à qualificação das atividades

de P&D

Conforme demonstrado, o INOVAR AUTO traz o benefício de crédito presumido de

IPI, condicionado ao atendimento de alguns requisitos, dentre eles o investimento em

P&D, engenharia, tecnologia industrial básica e capacitação de fornecedores.

São exigidos da empresa beneficiária o investimento em P&D, engenharia, tecnologia

industrial básica e capacitação de fornecedores e etiquetagem

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Além disso, apresenta conceitos já utilizados em outras legislações, como os

incentivos fiscais à inovação tecnológica previstos na Lei do Bem (Lei 11.196/05).

Os temas tratados nas legislações aproximam-se de tal forma, que o próprio decreto

regulamentador do novo regime dispõe que para a comprovação dos requisitos de

investimento em P&D, engenharia, tecnologia industrial básica e capacitação de

fornecedores, as empresas beneficiárias do INOVAR AUTO poderão considerar os

dispêndios realizados de acordo com a Lei do Bem.

Dessa forma, trataremos dos conceitos relacionados aos investimentos em P&D do

novo regime automotivo, comparativamente àqueles previstos na Lei do Bem e no

Manual de Frascati.

A Lei 11.196/05, regulamentada pelo Decreto 5.798/06 e disciplinada pela Instrução

Normativa 1.187/11 da Receita Federal, estabelece incentivos fiscais para as

atividades de inovação tecnológica, beneficiando o processo que leva à concepção

e ao desenvolvimento das inovações. O Manual de Frascati é um documento que

especifica a metodologia para a coleta e análise de dados de P&D nos países membros

da OECD, sendo que suas definições são internacionalmente aceitas e servem de base

para discussões sobre as diretrizes relacionadas ao assunto.

A Lei do Bem traz como definição de inovação tecnológica “a concepção de novo

produto ou processo de fabricação, bem como a agregação de novas funcionalidades ou

características ao produto ou processo que implique melhorias incrementais e efetivo

ganho de qualidade ou produtividade, resultando maior competitividade no mercado”.2

Para esta legislação, são atividades de pesquisa tecnológica e desenvolvimento de

inovação tecnológica cujos dispêndios são passíveis dos benefícios fiscais:

Pesquisa Básica Dirigida (PB)

Trabalhos executados com o objetivo de adquirir conhecimentos quanto à compreensão de novos fenômenos, com vistas ao desenvolvimento de produtos, processos ou sistemas inovadores.

Pesquisa Aplicada (PA)

Trabalhos executados com o objetivo de adquirir novos conhecimentos, com vistas ao desenvolvimento ou aprimoramento de produtos, processos e sistemas.

Desenvolvimento Experimental (DE)

Trabalhos sistemáticos delineados a partir de conhecimentos pré-existentes, visando a demonstração da viabilidade técnica ou funcional de novos produtos, processos, sistemas ou, ainda, um evidente aperfeiçoamento dos já produzidos ou estabelecidos.

Tecnologia Industrial Básica (TIB)

Aferição e calibração de máquinas e equipamentos, o projeto e a confecção de instrumentos de medida específicos, a certificação de conformidade, inclusive os ensaios correspondentes, a normalização ou a documentação técnica gerada e o patenteamento do produto ou processo desenvolvido.

Serviço de Apoio Técnico (SAT)

Aqueles que sejam indispensáveis à implantação e à manutenção das instalações ou dos equipamentos destinados, exclusivamente, à execução de projetos de pesquisa, desenvolvimento, bem como à capacitação dos recursos humanos a eles dedicados.

2 Decreto 5.798/06, art. 2º, I.

O decreto dispõe que para comprovação de requisitos poderão ser considerados os

dispêndios de acordo com a Lei do Bem

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Para o Manual de Frascati, as atividades de inovação tecnológica são o conjunto

de diligências científicas, tecnológicas, organizacionais, financeiras e comerciais,

incluindo o investimento em novos conhecimentos, que realizam ou destinam-se a

levar à realização de produtos e processos tecnologicamente novos e melhores3,

tendo como atividades:

Pesquisa básica orientada (dirigida)

Aquela que é realizada com a expectativa de que ela conduzirá à criação de uma ampla base de conhecimento que permita resolver os problemas e perceber as oportunidades que se apresentam atualmente ou possam vir a se apresentar em uma data posterior.

Pesquisa AplicadaConsiste em trabalhos originais empreendidos com a finalidade de adquirir conhecimentos novos. No entanto, ela é dirigida principalmente a um objetivo ou um determinado propósito prático.

Desenvolvimento Experimental

Consiste em trabalhos sistemáticos baseados nos conhecimentos existentes obtidos por pesquisa e/ou experiência prática, tendo em vista a fabricação de novos materiais, produtos ou dispositivos, para estabelecer novos processos, sistemas e serviços ou melhorar consideravelmente os já existentes.

Nota-se que o Manual não traz especificamente os conceitos de serviço de apoio

técnico e tecnologia industrial básica, uma vez que, para o mesmo, estas são

consideradas atividades de apoio ao P,D&I.

O regime automotivo vigente de redução de IPI utiliza-se dos mesmos conceitos da

Lei do Bem. Já o decreto que regulamenta o INOVAR AUTO, apesar de utilizar-se

dos mesmos conceitos, não considera a atividade de tecnologia industrial básica -

TIB como uma atividade de P&D, tendo sido inserida no critério de dispêndios em

engenharia e capacitação de fornecedores, como veremos a seguir:

3 Manual de Frascati. Proposta de Práticas Exemplares para Inquéritos sobre Investigação e Desen-volvimento Experimental p.23.

Redução de IPI

Fonte: Portaria MDIC nº 95 de 08.02.2012 Fonte: Decreto nº 7.819 de 03.10.2012

Crédito Presumido de IPI

Pesquisa básica dirigidaAtividades de P&D (PB, PA, DE e SAT)Pesquisa aplicada

Engenharia, TIB e Capacitação de Fornecedores

Desenvolvimento experimental

Serviço de apoio técnico

Tecnologia industrial básica

Investimentos em atividade de inovação, de pesquisa e de desenvolvimento tecnológico

Dispêndios em pesquisa e desenvolvimento e em engenharia, tecnologia industrial básica e

capacitação de fornecedores

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Nesse sentido, traremos algumas diferenças conceituais observadas na

regulamentação do INOVAR AUTO quando comparadas com as legislações anteriores

que tratam do tema:

• Dispêndios de P&D e Desenvolvimento de Engenharia: Conforme demonstrado,

a Lei do Bem caracteriza como atividades de inovação tecnológica, a pesquisa

tecnológica e o desenvolvimento de inovação tecnológica - P,D&I (atividades de

PB, PA, DE, TIB e SAT). Nesse sentido, o decreto determina que são atividades

de pesquisa e desenvolvimento (P&D) a PB, PA, DE e SAT e como atividade

de engenharia, tecnologia industrial básica e capacitação de fornecedores o

“desenvolvimento de engenharia”. Nota-se, no entanto, que o decreto utiliza-

se do conceito de inovação tecnológica da Lei do Bem para definir a atividade

de “desenvolvimento de engenharia”. Ou seja, o conceito de “desenvolvimento

de engenharia” quando comparado com a Lei do Bem, nada mais é do que a

definição de inovação tecnológica. Dessa forma, o INOVAR AUTO não explicita

quais as atividades que na prática serão consideradas para comprovação dos

dispêndios em “desenvolvimento de engenharia”. Essas diferenças conceituais

podem trazer dificuldades para a beneficiária no momento de operacionalizar a

comprovação dos requisitos.

• Tecnologia Industrial Básica (TIB): De acordo com a Lei do Bem, são atividades

de TIB a “aferição e calibração de máquinas e equipamentos, o projeto e a confecção

de instrumentos de medida específicos, a certificação de conformidade, inclusive

os ensaios correspondentes, a normalização ou a documentação técnica gerada

e o patenteamento do produto ou processo desenvolvido.” É de se notar que

dentro deste conceito estão inseridas várias referências que remetem ao próprio

conceito de inovação tecnológica4. Essas atividades de apoio são essenciais à

pesquisa, desenvolvimento e inovação, uma vez que garantem, por exemplo,

o bom funcionamento das máquinas e equipamentos exclusivos para P,D&I,

ensaios e certificação de conformidade, entre outros. O fato de a tecnologia

industrial básica ter sido desvinculada das atividades de P&D pelo INOVAR AUTO

pode também se tornar um dificultador para a beneficiária do regime na prática.

• Treinamento do pessoal dedicado à pesquisa, desenvolvimento e inovação:

No contexto da Lei do Bem, essa atividade caracteriza-se como apoio à P&D,

uma vez que encontra-se inserida no conceito de serviço de apoio técnico – SAT,

definido como “aqueles que sejam indispensáveis à implantação e à manutenção

das instalações ou dos equipamentos destinados exclusivamente à execução

4 Decreto 5.798/06 - Art. 2º , I,: “inovação tecnológica: a concepção de novo produto ou processo de fabricação, bem como a agregação de novas funcionalidades ou características ao produto ou processo que implique melhorias incrementais e efetivo ganho de qualidade ou produtividade, resultando maior competitividade no mercado”.

O decreto utiliza-se do conceito de inovação tecnológica da Lei do Bem para definir a

atividade de “desenvolvimento de engenharia”

O fato de TIB ter sido desvinculada das atividades de P&D pelo INOVAR AUTO pode

também se tornar um dificultador para a beneficiária do regime na prática

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de projetos de pesquisa, desenvolvimento ou inovação tecnológica, bem como

à capacitação dos recursos humanos a eles dedicados”5, sendo também uma

atividade essencial e indispensável à P,D&I. O INOVAR AUTO traz o treinamento

de pessoal dedicado a P,D&I como uma das atividades de “engenharia, tecnologia

industrial básica e capacitação de fornecedores”, gerando uma duplicidade de

conceitos para a mesma atividade.

• Desenvolvimento de Produtos e Desenvolvimento de Engenharia: O INOVAR

AUTO diferencia as atividades de inovação tecnológica (“desenvolvimento de

engenharia”) e as de “desenvolvimento de produtos, inclusive veículos, sistemas

e seus componentes, autopeças, máquinas e equipamentos”. Conforme já

mencionado, as atividades de desenvolvimento de produto já estão inseridas no

conceito de inovação tecnológica. O desenvolvimento de produtos envolve as

atividades inovativas e de desenvolvimento experimental (DE), tais como:

– Estudo de viabilidade técnica e econômica

– Simulação e testes em laboratório

– Desenvolvimento de protótipo

– Testes em escala piloto

– Testes em escala industrial

Não obstante, o conceito de desenvolvimento experimental do INOVAR AUTO,

determina que este será “constituído pelos trabalhos sistemáticos delineados a

partir de conhecimentos pré-existentes, visando à comprovação ou demonstração da

viabilidade técnica ou funcional de novos produtos, processos, sistemas e serviços

ou, ainda, um evidente aperfeiçoamento dos já produzidos ou estabelecidos”6. Ou

seja: o próprio conceito de desenvolvimento experimental está estritamente ligado

ao conceito de inovação tecnológica, que envolve o desenvolvimento de produtos.

Sendo assim, a separação entre as definições de inovação tecnológica (também

considerando o conceito de desenvolvimento experimental) e de desenvolvimento

dos produtos citados, torna complexa a definição conceitual.

• Terceirização de P&D: ainda, há a referência à possibilidade de realização de

atividades diretamente pela beneficiária do regime automotivo, por intermédio

de fornecedor contratado ou por intermédio de contratação de universidade,

instituição de pesquisa, empresa especializada ou inventor independente.

A Instrução Normativa 1.187/11 da Receita Federal, que disciplina os incentivos

fiscais da Lei do Bem, não permite o uso dos incentivos em relação às importâncias

empregadas ou transferidas a outra pessoa jurídica para a execução de pesquisa

5 Decreto 7.819/12, art.7º, §4, IV e Decreto 5.798, art. 2º, II, “e”.6 Decreto 7.819/12, art. 7º, §4º, III.

A separação entre as definições de inovação tecnológica e de desenvolvimento dos produtos citados, torna complexa a definição conceitual

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tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica sob encomenda ou

contratadas, exceto quando se tratar de dispêndios com pesquisa tecnológica e

desenvolvimento de inovação tecnológica contratadas no País com universidade,

instituição de pesquisa ou inventor independente e as importâncias transferidas a

microempresas e empresas de pequeno porte7. Ou seja, é vedada a terceirização da

execução da P,D&I para médias e grandes empresas. No entanto, não há menção,

na Lei do Bem ou na IN sobre o conceito de empresa especializada tratado na

regulamentação do INOVAR AUTO.

Tendo em vista que o decreto regulamentador do novo regime disciplina que poderão ser

considerados para fins de comprovação dos gastos com pesquisa e desenvolvimento,

engenharia, TIB e capacitação de fornecedores os dispêndios realizados de acordo

com a Lei 11.196/05, verifica-se claramente uma grande controvérsia legislativa que

pode trazer dificuldades tanto para as empresas beneficiárias, quanto para os próprios

órgãos fiscalizadores.

Abaixo, a título ilustrativo, demonstramos as diferenças conceituais abordadas:

Além das questões tratadas, há outras dúvidas que vêm gerando certa insegurança

por parte das empresas, em razão da relativa proximidade do início de vigência do

INOVAR AUTO. Não está claro ainda, por exemplo, quais os dispêndios em P&D serão

considerados para atendimento do requisito de habilitação no regime, nem explicitado

o que será considerado como capacitação de fornecedores.

Ademais, o decreto regulamentador do regime traz, ainda, a pendência de eficácia

de vários atos complementares dos Ministérios da Fazenda, de Ciência, Tecnologia e

Inovação e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

7 Instrução Normativa 1.187/11, Art. 4º, §9º.

Dispêndios em P&D Dispêndios em Engenharia, TIB e Capacitação de Fornecedores

(1/2)

Dispêndios em Engenharia, TIB e Capacitação de Fornecedores

(2/2)

Fonte: Decreto nº 7.819 de 03.10.2012

Pesquisa básica dirigida

Desenvolvimento de engenharia(Inovação Tecnológica)

Capacitação de fornecedores

Pesquisa aplicada

Tecnologia industrial básica

Desenvolvimento experimental

Desenvolvimento de Produtos, inclusive veículos, sistemas e

seus componentes, autopeças, máquinas e equipamentos

Desenvolvimento de ferramental, moldes e modelos para moldes,

instrumentos e aparelhos industriais e de controle de qualidade, novos

e os respectivos acessórios, sobressalentes e peças de reposição,

utilizados no processo produtivo

Construção de laboratórios de desenvolvimento de estilo e design

Treinamento do pessoal dedicado à P,D&I

Serviço de apoio técnico

Construção de laboratórios de desenvolvimento de

tecnologias em segurança automotiva, ativa e passiva

Construção de laboratórios de desenvolvimento de novas

tecnologias de redução na emissão de gases poluentes

Não há menção, na Lei do Bem ou na IN sobre o conceito de empresa especializada tratado

na regulamentação do INOVAR AUTO

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4. Os impactos do novo regime para o setor

Alguns outros pontos vêm sendo amplamente discutidos antes mesmo da

implementação do INOVAR AUTO. Trazemos, em seguida, alguns dos principais

assuntos que vêm sendo debatidos desde o anúncio do novo regime.

4.1 Competitividade da indústria brasileira e novas montadoras

Ao fortalecer a indústria nacional, o país acaba elevando seu nível de competitividade.

No entanto, o INOVAR AUTO estabelece certas barreiras comerciais e inviabiliza a

inserção do mercado automobilístico brasileiro no atual contexto mundial, que é o de

fornecedores globais, com modernas tecnologias.

Fato é que com o novo regime, a instalação de novas fábricas no país será dificultada

(obras de montadoras que estavam em andamento foram interrompidas, aguardando

maiores definições acerca do assunto), impedindo o despontamento dos veículos

importados. As montadoras instaladas no país já atendem ao requisito de produções

locais, determinado pela nova legislação. As novas montadoras, estrangeiras, já

têm seus processos estabelecidos em locais diversos, de forma a manter o baixo

custo e a melhor tecnologia, atendendo aos avanços do mercado, o que dificulta o

estabelecimento num país onde só terá direito ao benefício fiscal quem tiver uma

maior produção local.

Há uma preocupação de que esta determinação legal pode impactar o avanço

tecnológico do Brasil, não permitindo a entrada de novos métodos e processos,

aumentando os custos de produção e atrasando o país em relação à competitividade

quanto ao restante do mundo, apesar dos cinco anos previstos para o regime.

4.2 Eficiência energética dos veículos e etiquetagem

O novo regime traz um requisito de adesão ao programa de etiquetagem, que mede a

eficiência energética dos veículos.

Segundo as montadoras, a determinação legal implicará em um investimento muito

além das reais possibilidades, sendo necessário mais tempo para adequação. E

de acordo com o discurso das potenciais beneficiárias, o aporte de investimento

para tal adequação seria tão elevado, dentre outros motivos, devido à utilização de

combustíveis diferentes do restante do mundo, o que afeta os níveis de emissão.

Entretanto em um contexto em que é necessário prezar pela sustentabilidade, é

complexo evoluir e estar apto à competição sem um esforço para redução de emissão

de gases, em sentido contrário à tendência mundial.

Há uma preocupação de que esta determinação legal pode impactar o avanço

tecnológico do Brasil

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4.3 Investimentos em P&D e seus conceitos

Algumas correntes defendem que é preciso atentar para as baixas exigências de

investimento em P&D e Engenharia: a maior parte das montadoras já instaladas

no país já atende aos percentuais estabelecidos, como já citado anteriormente. É

curioso notar que o Decreto 7.567/11, que regulamenta a redução do IPI em favor da

indústria automotiva, especificamente, determina que a redução de alíquota estará

condicionada à realização de investimentos em atividades de inovação, pesquisa

e desenvolvimento tecnológico de produto e processo no país, correspondentes a

pelo menos 0,5% da receita brutal total de venda de bens e serviços. O novo regime

exige 0,15% de investimento em P&D para o ano de 2013, chegando a 0,5% apenas

no ano de 2015. Para Engenharia, Tecnologia Industrial Básica e Capacitação de

Fornecedores, o máximo exigido durante o regime será de 1%.

Dessa forma, Acredita-se que empresas que já usufruem do benefício da redução

do IPI estarão aptas a usufruir do crédito presumido, considerando que houve uma

redução da exigência do investimento. No entanto, permanece a insegurança quanto

ao percentual determinado, já que não está claro ainda sobre quais atividades e quais

bases de gastos recairá a exigência.

5. Conclusões

Dentre os principais objetivos do novo regime, podemos citar o estímulo ao aumento do

conteúdo local na produção, o aumento dos investimentos em inovação tecnológica, o

capacitação de fornecedores e o aumento da eficiência energética dos veículos. Ainda

são poucos os dados que evidenciam que estes resultados serão atingidos. Abaixo,

algumas informações sobre o setor:

• O setor de fabricação de veículos automotores, reboques e carrocerias investe

em atividades internas de P&D, R$ 3.097 milhões, que representa 20,3% do total

de dispêndios realizados pelas empresas inovadoras do Brasil8.

• Se consideramos os dispêndios em P&D beneficiados pela Lei do Bem pelo

setor como uma referência, em 2010, o setor foi responsável por mais de R$ 2

bilhões de investimentos em P&D, resultando em cerca de R$ 700 milhões em

benefícios, o que representa mais de 40% do investimento total das empresas

beneficiárias da Lei do Bem9.

É visível a representatividade do setor automotivo na economia do país, bem como a

necessidade de aumento dos investimentos em tecnologia pelo setor.

8 Pesquisa de inovação tecnológica : 2008 / IBGE, Coordenação de Indústria. – Rio de Janeiro : IBGE, 2010.9 Análise Inventta- Relatório Anual Utilização da Lei 11.196/05- Ano Base 2010.

Acredita-se que empresas que já usufruem do benefício da redução do IPI estarão aptas a

usufruir do crédito presumido, considerando que houve uma redução da exigência do investimento

É visível a representatividade do setor automotivo na economia do país, bem como a necessidade de

aumento dos investimentos em tecnologia

Page 12: O INOVAR AUTO e os investimentos em P&D no setor automotivo

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Vale ressaltar que o incentivo ao investimento privado em P&D é uma medida que

demonstra o compromisso das nossas políticas públicas de aumento dos investimentos

privados em inovação, para que se continue ocupando uma das primeiras posições

no ranking da indústria automotiva, prezando pelo desenvolvimento tecnológico.

No entanto, para que este número esteja sempre crescente, há a necessidade de

uma regulamentação que atenda às reais necessidades das montadoras e que seja

adequada ao contexto mundial de desenvolvimento no setor, para que o Brasil se

mantenha competitivo e consiga manter-se como referência na produção de veículos.

Page 13: O INOVAR AUTO e os investimentos em P&D no setor automotivo

13

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANFAVEA -Anuário da Indústria Automobilística Brasileira 2012. Disponível em: http://www.anfavea.com.br/anuario.html

Decreto 5.798/06. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/Decreto/D5798.htm

Decreto 7.716/12. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivIl_03/_Ato2011-2014/2012/Decreto/D7716.htm

Manual de Frascati: Proposta de Práticas Exemplares para Inquéritos sobre Investigação e Desenvolvimento Experimental:

Gráfica de Coimbra, 2007.

Inventta. Análise - Relatório Anual Utilização da Lei 11.196/05- Ano Base 2010

Lei 11.196/05. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11196.htm

Lei 12.715/12. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12715.htm

Relatório Anual da Utilização dos Incentivos Fiscais. Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, 2010. Disponível em: http://

www.abimaq.org.br/Arquivos/Html/IPDMAQ/Relat%20Anual%20Utiliz%20Incentivos%20Fiscais%20MCTI.pdf

AUTORAS

Carina Leão é coordenadora de projetos na Inventta+bgi há 4 anos. É graduada em Direito pela FUMEC, com especialização

em Gestão Corporativa de Tributos. Acumula amplo conhecimento em planejamento tributário e gestão dos incentivos fiscais à

inovação tecnológica, tendo trabalhado com a Algar, Arcelor, CNH, Cofap, Comau, Fiat Powertrain, Fibria, Iveco, Kraft Foods,

M Dias Branco, Philps, Scania, Siemens, Suzano, Telefônica, Votorantim Cimentos, Votorantim Metais, dentre outras. Também

desenvolveu estudos sobre o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).

Letícia Goulart é analista de projetos na Inventta+bgi. É graduada em Direito pela UFMG, atua em projetos de incentivos fiscais

à inovação tecnológica e gestão da inovação em empresas como Teksid, Scania e OMR. Desenvolveu estudos sobre o Fundo

Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).

+ a Braithwaite Global Group member