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PAULO MASSI DALLARI O Instituto do Veto Presidencial no Constitucionalismo Brasileiro Contemporâneo Dissertação apresentada à Banca Examinadora do Programa de Pós-Graduação em Direito, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito, na área de concentração Direito do Estado, sob a orientação do Prof. Dr. Sebastião Botto de Barros Tojal. UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE DIREITO São Paulo - SP 2015

O Instituto do Veto Presidencial no …...DALLARI, Paulo Massi. O instituto do veto presidencial no constitucionalismo brasileiro contemporâneo. 2015, 104 fls.Dissertação (Mestrado

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PAULO MASSI DALLARI

O Instituto do Veto Presidencial no

Constitucionalismo Brasileiro Contemporâneo

Dissertação apresentada à Banca Examinadora

do Programa de Pós-Graduação em Direito, da

Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo,

como exigência parcial para obtenção do título de

Mestre em Direito, na área de concentração Direito

do Estado, sob a orientação do Prof. Dr. Sebastião

Botto de Barros Tojal.

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE DIREITO

São Paulo - SP

2015

AGRADECIMENTOS

Ao Professor Dr. Sebastião Tojal, que aceitou orientar este trabalho sobre um tema tão específico, meu profundo agradecimento pela oportunidade, pelos ensinamentos e pela serenidade mesmo nos momentos mais duros.

Também devo muitos agradecimentos à minha família, em especial a meu pai, Pedro Dallari, cuja vivência nos trabalhos da Constituinte coloriu parte da aridez dos documentos oficiais, e à minha mãe, Marina Massi, cujo senso prático interdisciplinar sempre me socorreu ao longo do percurso. Aos meus avós Dalmo e Sueli Dallari, eternas inspirações.

À amiga e colega Carolina Cutrupi, sem cujas pesquisas e incontáveis tabelas de apoio este trabalho não estaria completo, meu sincero obrigado.

A Fernando Haddad, Francisco Macena e Leonardo Barchini Rosa , igualmente meu agradecimento por compreenderem, valorizarem e me apoiarem nos dias em que a dedicação aos estudos demandou concessões na rotina profissional.

E como o tema desta Dissertação começou inadvertidamente em 2008, quando eu fui apresentado ao dia a dia do processo legislativo e dos vetos presidenciais na Casa Civil da Presidência da República, não posso deixar de agradecer a Sérgio Tam Renault, Beto Vasconcelos e Ivo Corrêa, que acreditaram e me guiaram por esse caminho, e às equipes da Subchefia para Assuntos Jurídicos e da Subchefia para Assuntos Parlamentares que me instruíram e orientaram na arte dos vetos.

DALLARI, Paulo Massi. O instituto do veto presidencial no constitucionalismo brasileiro contemporâneo. 2015, 104 fls. Dissertação (Mestrado em Direito do Estado) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo.

RESUMO: Nos Estados republicanos modernos, o sistema de freios e contrapesos é um dos modelos institucionais responsável por assegurar o equilíbrio entre os Poderes e prevenir abusos por parte dos governantes. Dois questionamentos podem ser encontrados na literatura brasileira sobre o tema e fundamentam esta Dissertação: um geral sobre o suposto poder excessivo que o nosso sistema político confere ao Poder Executivo e outro, específico, de que nesse contexto, o veto teria um papel central na supremacia do presidente da república sobre o Congresso Nacional no âmbito do processo legislativo. Partindo dessas premissas, a pesquisa avalia se essas características estão condizentes com as expectativas e o desenho institucional proposto para o Estado brasileiro pela Assembleia Nacional Constituinte – ANC de 1987. Com base nos anais da ANC e em referências históricas, conclui-se que, ao menos no tocante ao instituto do veto presidencial, o modelo de preponderância do Poder Executivo observado no processo legislativo decorreu de uma opção deliberada e reafirmada pela elite política em 1988, quando da promulgação da Constituição.

Palavras-chave: veto, separação de poderes, processo legislativo, presidente da república, Congresso Nacional, Poder Executivo, Poder Legislativo, Assembleia Nacional Constituinte.

DALLARI, Paulo Massi. Presidential veto in the contemporary Brazilian constitutionalism. 2015, 104 p. Dissertation (Master in State Law) – Faculty of Law, University of São Paulo.

ABSTRACT: In modern republican states, the system of checks and balances is one of the institutional models responsible for ensuring the balance between powers and preventing abuses by rulers. Two issues can be found in the Brazilian academic literature on the matter that underlie this Dissertation: one concerning the alleged excessive power that our political system grant to the executive branch, and another one more specific that, in this context, the veto would have a main role in the supremacy of the President of the Republic over Congress in the legislative process. Beginning with these assumptions, this research evaluates whether these characteristics are consistent with the expectations and the institutional design proposed for the Brazilian State by the National Constituent Assembly (ANC) of 1987. Based on the ANC records and historical references, it concluded that, at least in regard to the presidential veto institute, the preponderance of the executive branch model observed in the legislative process derived from a deliberate and reaffirmed choice made by the political elite in 1988, at the promulgation of the Constitution.

Keywords: veto, separation of powers, legislative process, President of the Republic, Congress, Executive Branch, Legislative Branch, National Constituent Assembly.

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ................................................................................................ 5

2. BREVE LOCALIZAÇÃO HISTÓRICA ............................................................ 12

3. FUNDAMENTOS DO VETO NA CONSTITUIÇÃO NORTE-AMERICANA .... 18

4. HISTÓRICO DO VETO PRESIDENCIAL NO BRASIL .................................. 27

5. VETO NA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE DE 1987 .................. 34

5.1. Comissão de Organização dos Poderes e Sistemas de Governo ......... 43

5.1.1. Subcomissão do Poder Legislativo ..................................................... 43

5.1.2. Subcomissão do Poder Executivo ....................................................... 50

5.1.3. Consolidação na Comissão Temática ................................................. 53

5.2. Comissão do Sistema Tributário, Orçamento e Finanças ...................... 61

5.3. Comissão de Sistematização ................................................................. 64

5.4. Plenário e Comissão de Redação .......................................................... 77

5.5. Os resultados da Constituinte ................................................................ 82

6. OS 25 ANOS DO VETO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 ............................... 87

6.1. As emendas constitucionais e as modificações pós 1988 ...................... 87

6.2. A aplicação do veto pelo Poder Executivo .............................................. 90

6.3. A revisão do veto pelo Poder Legislativo ................................................ 93

7. CONCLUSÃO ................................................................................................ 98

8. BIBLIOGRAFIA ............................................................................................ 103

5

1. INTRODUÇÃO

A separação de Poderes é hoje um dos dogmas do Estado democrático

moderno. Há alguns séculos a Teoria do Estado avança no sentido de afirmar que

a sua aplicação no sistema jurídico é fundamental para o controle do poder estatal,

para o resguardo dos direitos individuais e de minorias e para a manutenção dos

princípios democráticos. Com seu desenvolvimento teórico, sistemas institucionais

de freios e contrapesos foram criados para assegurá-la, resultando em uma das

fórmulas institucionais mais eficazes para evitar o arbítrio e os excessos praticados

por governantes. Trata-se de um sistema apoiado na lógica de que só o poder pode

controlar o poder.

A proposta deste trabalho é avaliar o instrumento do veto do

Poder Executivo, mais especificamente do presidente da república, que é uma

das ferramentas disponíveis hoje no Brasil no contexto desse sistema. Parte-

se do pressuposto de que o veto é essencial à garantia do equilíbrio entre os

Poderes, entendimento que não encontra resistência na doutrina constitucional

contemporânea. Sua relevância para a produção legislativa é inequívoca ao se

observar que a sanção é uma etapa obrigatória do processo. Ou seja, cada uma

das 5.492 leis federais promulgadas entre outubro de 1988 e dezembro de 2014

passaram pela avaliação presidencial, de modo que o veto tem hoje um papel

central na forma como produzimos legislação no Brasil:

No Brasil, em especial, a sanção constitui-se requisito essencial

à formação da lei. Pode-se afirmar, inclusive, que se equivocam

aqueles que imaginam serem a sanção ou seu oposto – o

veto – meros ritos de finalização. O poder do Executivo neste

caso costuma ser decisivo. Sua força é tamanha que chega

a ser considerada, não apenas como uma fase do Processo

Legislativo, mas como uma forma de interferência legislativa

indireta. Sua existência significa que os legisladores devem de

alguma forma, antecipar o desejo do Presidente com relação à

determinada matéria.1

1 LOIS, Cecilia Caballero (coord.). Separação de Poderes – Vício de Iniciativa. Brasília: Ministério da Justiça, 2009, 58 páginas. Pesquisa do Programa Pensando o Direito. Disponível em

6

Some-se também o fato de as competências legislativas da União

serem amplas e as leis ordinárias e complementares poderem abarcar praticamente

todas as matérias passíveis de serem reguladas pelo Estado. Além disso, o modelo

foi adotado, por simetria, nas constituições estaduais e em leis orgânicas municipais

como parte das relações entre os Poderes Legislativo e Executivo de cada ente.

Assim, o veto pode virtualmente afetar qualquer setor, grupo ou mesmo indivíduo

em nossa sociedade.

Alguns vetos receberam maior atenção da imprensa em geral, fruto

de relações mais conflituosas entre os Poderes Legislativo e Executivo em anos

recentes. Em alguns casos, a fase de sanção presidencial foi um verdadeiro

terceiro turno na disputa tanto jurídica quanto política após a aprovação nas duas

Casas congressuais, e teve ampla cobertura jornalística. Exemplo de grande

destaque foi o processo de aprovação do novo Código Florestal, hoje a Lei nº Lei

nº 12.651, de 25 de maio de 2012, que mobilizou amplos setores da sociedade

durante sua tramitação no Poder Legislativo, e que continuaram mobilizados com

campanhas populares como a Veta Dilma!. O processo legislativo no âmbito do

Congresso Nacional também foi afetado pela nova proeminência pública dos vetos,

com decisões judiciais que impuseram mudanças nos procedimentos usualmente

adotados, como a necessidade de se respeitar a ordem cronológica para a votação,

o trancamento de pauta e o fim da votação secreta.

Mesmo sendo intensamente utilizado, inclusive em matérias legislativas

altamente sensíveis, o artigo 66 da Constituição resiste com poucas alterações

desde 1988. As duas emendas constitucionais que o modificaram,2 fizeram-no de

forma apenas localizada e em decorrência de alterações em outros assuntos que

fogem ao núcleo do instrumento. Trata-se de algo surpreendente se confrontado

com o fato de o texto constitucional já ter sido emendado 73 vezes, algumas delas

para modificar ou criar justamente instrumentos do sistema de freios e contrapesos.

Nesse período, as Medidas Provisórias sofreram profundas modificações em 2001,

criou-se os Conselhos Nacionais de Justiça e do Ministério Público em 2004 e a

Ação Declaratória de Constitucionalidade em 1993, e de tempos em tempo aventa-

se a possibilidade do Congresso Nacional vetar decisões do Supremo Tribunal

http://participacao.mj.gov.br/pensandoodireito/volume-14-separacao-de-poderes-e-vicio-de-iniciativa/. Acesso em: 1º de março de 2015.

2 Emendas Constitucionais nº 32, de 11 de setembro de 2001, e nº 76, de 28 de novembro de 2013.

7

Federal em matéria de controle de constitucionalidade de emendas constitucionais,

como ocorreu com a Proposta de Emenda Constitucional – PEC nº 33, de 2011.

Paralelamente, o processo legislativo no âmbito do Congresso

Nacional é amplamente regulado por regimentos internos e pela própria

Constituição. Todos os projetos devem passar por inúmeras comissões e serem

relatados por diferentes parlamentares, dispondo de recursos internos e prazos

mínimos para a apresentação de emendas e para debates. Já as decisões

do Supremo Tribunal Federal em matéria de controle de constitucionalidade se

submetem a ritos e processos argumentativos detalhados e de alta complexidade,

que incluem a manifestação da Advocacia-Geral da União, do Ministério Público e,

mais recentemente, incorporaram a possibilidade de se realizar audiências públicas

como forma de permitir a participação direta da sociedade civil. O veto, no entanto,

permanece uma decisão solitária, com poucas balizas procedimentais – vetar

apenas dispositivos inteiros e no prazo máximo de 15 dias úteis – e exigências

formais amplas quanto ao embasamento da decisão. Segue como um processo

hermético, pautado pelas amplas prerrogativas conferidas ao Poder Executivo na

Constituição de 1988, e pouco conectado com as mudanças que vêem ocorrendo

na relação do Estado com a sociedade.

A doutrina especializada disponível sobre o veto no Brasil ainda é

restrita. Além dos manuais de direito constitucional que, via de regra, oferecem

referências básicas sobre o instituto e sua aplicação, temos livros com foco no

processo legislativo que também o abordam. Os trabalhos doutrinários mais

detalhados sobre o poder de veto do presidente da república costumam se referir

a aspectos materiais de vetos específicos ou no impacto que estes exercem sobre

a legislação, a economia, as relações sociais ou nas relações entre os Poderes

Executivo e Legislativo. Entre os autores nacionais que já trataram da evolução

do veto no Brasil, destaca-se Ernesto Rodrigues,3 que possui um estudo mais

abrangente e amplamente utilizado como referência nos manuais e pesquisas

sobre o tema. A ciência política vem desenvolvendo trabalhos sobre o assunto, em

especial por autores norte-americanos, mas com foco nas relações de poder e no

impacto do veto no processo político, inspirada, por exemplo, na obra de Charles

Cameron, Veto Bargaining: Presidents and the Politics of Negative Power. Em

3 RODRIGUES, Ernesto. O veto no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 1981; e RODRIGUES, Ernesto. O veto no direito comparado. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 1991.

8

pesquisa feita nas bases digitais da Universidade de São Paulo, foram localizados

apenas dois trabalhos de pós-graduação voltados ao veto. O primeiro é de Sérgio

Resende de Barros, apresentado como conclusão do programa de mestrado

em 1987 nesta Faculdade de Direito, sob o título O veto: uma proposta para a

nova república. O segundo é de Maurício Assumpção Moya, apresentado como

conclusão do programa de doutorado da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências

Humanas desta Universidade de São Paulo em 2005, sob o título Executivo versus

Legislativo: os vetos presidenciais no Brasil (1988-2000).4

A relevância do veto e a restrita produção acadêmica justificariam

por si só a pretensão de se aprofundar no estudo dessa matéria, porém ainda é

necessário delimitar o foco do que será efetivamente trabalhado, dada a amplitude

de enfoques que o tema permite. Barros faz um apanhado histórico e teórico do

veto para iluminar o caminho para a Constituinte que estava por vir. Já Moya

avaliou a aplicação do veto no Brasil entre 1988 e 2000, concluindo que, longe de

ser um mecanismo de equilíbrio entre os Poderes, o veto revelou-se como “mais

uma face da predominância do Executivo no processo legislativo brasileiro”.5 Em

dois parágrafos específicos, que pela relevância para o presente estudo merecem

ser transcritos, Moya defende que a realidade brasileira contraria tanto a teoria

de Montesquieu quanto o que os federalistas norte-americanos consideravam

adequado em termos de organização do Estado e aplicação da separação entre

os Poderes:

No Brasil, o poder de agenda e o poder de veto estão combinados

em um só ramo do governo, o Executivo, algo expressamente

condenado nas obras de Montesquieu e dos federalistas norte-

americanos. A distribuição de Poderes no sistema político

4 Moya tece a mesma consideração sobre a parca produção acadêmica sobre o veto: Ainda que, nos últimos quinze anos, os estudos a respeito da relação entre os Poderes Executivo e Legislativo no Brasil tenham crescido em número e qualidade, questões ligadas ao uso do veto muito raramente foram abordadas pelos cientistas políticos brasileiros. Boa parte desses estudos tratou do papel conjunto dos dois Poderes acima na elaboração de leis durante o período posterior a 1988, com especial ênfase sobre as atribuições legislativas do presidente brasileiro e os outros recursos de que ele dispõe para pautar o funcionamento do Congresso e influenciar as atividades dos legisladores. Entretanto, o poder de veto permaneceu quase totalmente ignorado, apesar de ser a única prerrogativa legislativa do Executivo considerada fundamental para o equilíbrio do sistema de separação de poderes por Montesquieu e pelo federalistas norte-americanos. MOYA, Maurício Assumpção. Executivo versus Legislativo: os vetos presidenciais no Brasil (1988-2000). Tese de doutorado, Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Políticas da Universidade de São Paulo, 2005, p. 155.

5 Idem, p. 161.

9

brasileiro desequilibra fortemente o mecanismo de freios e

contrapesos em favor do presidente, dando a ele amplos

recursos para que faça prevalecer a sua vontade. Sua posição

em relação ao processo legislativo é extremamente confortável,

pois além de ser o primeiro responsável por avaliar se cada

projeto aprovado deve ou não entrar em vigor, ele também detém

amplos recursos que facilitam a aprovação de suas políticas.

Quando não conseguiram influenciar a atividade dos parlamentares

de forma a evitar que projetos indesejados fossem aprovados, os diferentes

presidentes brasileiros usaram sem moderação o poder de negar sanção a esses

projetos, contrariando as previsões de Hamilton de que uma medida extrema

como o veto raramente seria adotada. Tem-se assim que, no Brasil, o veto, um

instrumento concebido para que o Executivo pudesse conter eventuais abusos

do Poder Legislativo, é na verdade usado de forma quase abusiva pelo próprio

Executivo para evitar que as propostas do Legislativo adquiram o status de lei,

impedindo assim que os parlamentares exerçam plenamente a sua principal função,

a de legislar.6

A conclusão de Moya decorre da observação dos padrões de veto e

dos elementos externos que podem influenciar as decisões, um enfoque bastante

característico da forma como a ciência política trabalha esses instrumentos

constitucionais. Partindo das conclusões constantes dos dois parágrafos transcritos,

que coincidem com as inquietações do autor da presente dissertação, é possível

posicionar questões que são de interesse para o estudo do Estado brasileiro sob a

óptica da Teoria do Estado.

Ainda que se possa argumentar que diversos fatores, jurídicos e

não jurídicos, influenciam o desenvolvimento de um instrumento ou a aplicação

de uma norma, o desenho de uma instituição como o Estado não é aleatório. Ele

é estabelecido e modificado com determinados objetivos em vista, que devem

ser reavaliados ao longo do tempo juntamente com os instrumentos criados para

alcança-los. Como já apontava Montesquieu:

6 Idem, p. 161.

10

elas, as leis, devem ser de tal forma apropriadas para o povo

para o qual são feitas, que será grande coincidência se as leis

de uma Nação servirem para outra. Cumpre correspondam

elas à natureza e ao princípio do Governo constituído, ou que

se quer constituir, seja por formarem-no, como acontece com

as leis políticas, seja por manterem-no, como fazem as leis

civis.7 No caso brasileiro, o processo de redemocratização do

país colocou novos objetivos, e cada dispositivo da Constituição

de 1988 possui um propósito. O instituto do veto não escapa

a esse fato, e, a partir das conclusões de Moya, espera-se

poder responder se aquele era o resultado esperado quando os

constituintes de 1987 redesenharam o veto presidencial para o

período democrático que se iniciava.

Para responder a esse questionamento, pretende-se inicialmente

buscar parâmetros históricos para a origem do veto e sua aplicação nos Estados

modernos. A referência principal nessa primeira fase é a Constituição norte-

americana de 1789, apontada pela doutrina brasileira como inspiração para o modelo

brasileiro. Para compreendê-la, adotamos os textos clássicos dos federalistas,8 que

expõem as preocupações de fundo com a estabilidade da União, sua visão da

separação dos Poderes, o papel a ser desempenhado pelo Executivo e, finalmente,

a inserção do veto presidencial nesse contexto.

Dotados, então, de referências que permitam lastrear a análise do

caso brasileiro, far-se-á uma breve visita às constituições nacionais para enfim se

chegar à Constituição de 1988, origem do modelo hoje em vigor. Para a avaliação

desta última, os fartos anais da Assembleia Nacional Constituinte – ANC de 1987

– disponibilizados para consulta nos sítios eletrônicos do Congresso Nacional, da

Câmara dos Deputados e do Senado Federal9 – permitem apreciar cada um dos

debates, audiências públicas, relatórios e emendas do período. A proposta, neste

caso, é mapear todo o trajeto para a aprovação da redação do atual artigo 66,

7 MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Barão de. O espírito das Leis: as formas de governo, a federação, a divisão dos poderes, presidencialismo versus parlamentarismo. São Paulo: Saraiva, 6ª ed., 1999, p. 83.

8 MADISON, James, HAMILTON, Alexander, e JAY, John. The Federalist Papers. Belo Horizonte: Líder, 2003.

9 Disponível em: http://www.congressonaconal.leg.br; http://www.camara.leg.br e http://www.senado.leg.br. Acessos em: 1º de março de 2015.

11

passando pelos textos apreciados e aprovados nos pareceres e a documentação

de apoio, destacando o que foi considerado e descartado ao longo da tramitação.

Por fim, sob uma óptica de aplicação institucional do veto e as fases de sua

apreciação, serão apresentados dados quantitativos de sua utilização, com base

nas expectativas decorrentes da ANC.

12

2. BREVE LOCALIZAÇÃO HISTÓRICA

Estudiosos do veto pelo Poder Executivo apontam origens remotas para

esse instrumento. Sérgio Resende de Barros, em O Veto: uma proposta para a nova

república, sua dissertação de mestrado apresentada nesta Faculdade de Direito da

Universidade de São Paulo em 1987, recorre à tese de Luiz Navarro de Britto:

Além disso, Luiz Navarro de Britto sugere possíveis raízes

do veto, remotíssimas, nas antigas pólis gregas. Remonta ao

longínquo. Aventa “um esboço de veto”, encontrado na Grécia

monárquica, sob forma de consulta popular. Com efeito, o basileu,

para tomar decisões, convocava a assembleia dos cidadãos,

com o fito de assistir às reações destes sobre os projetos. A

assembleia não discutia. Nem cotava. Era espectadora. O rei

falava. A assembleia registrava. “Mas, suas reações, traduzidas

pelos gestos e pelos murmúrios dos cidadãos, eram também

uma maneira de tornar conhecidas as aspirações do povo e,

frequentemente, estimulavam a prudência do legislador. Aí está,

talvez, a primeira forma do veto, se bem que exercida por uma

Assembleia, de forma simbólica e de efeitos aleatórios.”10

Maurício Assunção Moya, em tese de doutorado defendida em 2006

perante a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, destaca

também a presença do veto no direito romano, com o intercessio:

Entre as instituições romanas, o poder de veto aparece no início

da República, por volta de 500 a.C., sob a forma do intercessio.

Tal instrumento foi inicialmente utilizado pelos tribunos,

representantes dos plebeus (populares), com o objetivo de

impedir usurpações e outros atos violentos inspirados pelos

patrícios (nobres) e executados pelo Senado ou pelos cônsules.

O intercessio caracterizava-se como um veto absoluto, pois

10 BARROS, Sérgio Resende de. Veto: uma proposta para a Nova República. Dissertação de mestrado, Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 1987, p. 12.

13

tornava definitivamente sem força de lei a norma aprovada,

tornando-a apenas uma expressão de opinião.11

Não obstante as referências históricas, o fato é que a formulação do

mecanismo do veto a projetos de lei pelo Poder Executivo em moldes similares

ao atual ocorre apenas no século XVIII, com a Constituição norte-americana. Isto

dependeu do desenvolvimento dos pilares do Estado Moderno e das teorias que o

sustentam, em especial a da separação de poderes.

A relevância atual dessa teoria fica evidente na Constituição de

1988, que a incorpora como cláusula pétrea, impedindo, de antemão, qualquer

modificação que pretenda aboli-la. Derruba-se a Constituição antes de se atingir a

separação de poderes. Os exemplos internacionais são igualmente vastos, sendo

difícil até mesmo imaginar um Estado que possa ser considerado democrático e

de direito que não disponha de alguma forma de divisão nas suas funções internas

pela qual uma parte disponha de ferramentas para o controle das demais e seja por

elas da mesma forma controlada.

Para a adequada compreensão da teoria da separação dos Poderes

é necessário retornar ao século XVII, quando Thomas Hobbes, em Leviatã, traça

o cenário sombrio para convivência entre os homens e aponta o caminho para da

centralização do poder na estrutura do Estado como a melhor forma de se evitar

que os seres humanos permaneçam em guerra permanente. O Estado é, portanto,

antes de qualquer outra coisa, poder e força:

à multidão assim unida numa só pessoa se chama estado, em

latim civitas. É esta a geração daquele grande Leviatã, ou antes

(para falar em termos mais reverentes) daquele Deus Mortal, ao

qual devemos, abaixo do Deus Imortal, nossa paz e defesa. Pois

graças a essa autoridade que lhe é dada por cada indivíduo no

Estado, é-lhe conferido o uso de tamanho poder e força que o

terror assim inspirado o torna capaz de conformar as vontades

11 MOYA, Maurício Assumpção. Executivo versus Legislativo: os vetos presidenciais no Brasil (1988-2000). Tese de doutorado, Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Políticas da Universidade de São Paulo, 2005, p. 26.

14

de todos eles, no sentido da paz em seu próprio país, e da ajuda

mútua contra os inimigos estrangeiros.12

John Locke,13 no mesmo século, e Jean-Jacques Rousseau,14 já

no século XVIII, também discorreram sobre a centralização do poder no Estado.

Seus escritos, porém, não apenas partem de pressupostos menos terríveis

sobre a natureza humana, como passam a demonstrar maior preocupação com

a necessidade de controle do poder do Estado, de modo a evitar a opressão

exacerbada dos cidadãos e garantir que a sociedade exercesse maior participação

nas decisões dos governantes.

A partir da compreensão dos riscos que a centralização do poder

no Estado poderia representar, diversos mecanismos e desenhos institucionais

passaram a ser formulados para limitar esse poder e reforçar o controle sobre o

Estado. Entre os mais essenciais e, inclusive, basilares para o veto, é a divisão de

funções estatais em diferentes estruturas do Estado, cada uma delas submetida à

sua própria lógica e organização.

Alinhada com os alertas de Locke e Rousseau, sua origem numa

forma mais próxima da que veio a ser adotada nos Estados modernos está em

Montesquieu. Como se verá mais adiante, Montesquieu é reiteradamente citado

pelos federalistas norte-americanos da época de sua Constituição e é a base para

o próprio instrumento do veto. Em seu livro O espírito das leis, escrito em 1748, o

autor aponta a necessidade da divisão das funções:

Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de Magistratura,

o Poder Legislativo é reunido ao Executivo, não há liberdade.

Porque pode temer-se que o mesmo Monarca ou o mesmo

Senado faça leis tirânicas para executá-las tiranicamente.

Também não haverá liberdade se o Poder de Julgar não estiver

separado do Legislativo e do Executivo. Se estivesse junto com

o Legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos

12 HOBBES, Thomas. Leviatã ou Matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. São Paulo: Abril Cultural, 3ª ed.,1983, p. 105.

13 LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil e outros escritos. Petrópolis: Vozes, 1994.14 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. Leme: Edijur, 2ª ed., 2010.

15

seria arbitrário: pois o Juiz seria Legislador. Se estivesse junto

com o Executivo, o Juiz poderia ter a força de um opressor.

Estaria tudo perdido se um mesmo homem, ou um mesmo corpo

de principais ou de nobres, ou do Povo, exercesse estes três

poderes: o de fazer as leis; o de executar as resoluções públicas;

o de julgar os crimes ou as demandas dos particulares.15

Temos, portanto, que há alguns séculos a Teoria do Estado avança

no sentido de afirmar que sua implementação no sistema jurídico é essencial para

o controle do poder e para o resguardo dos direitos individuais e de minorias e

dos princípios democráticos. Trata-se de uma das fórmulas institucionais mais

eficazes para evitar o arbítrio e os excessos praticados por governantes, apoiando-

se no princípio lógico de que só o poder pode controlar o poder. Como destacou o

Professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho, em seu livro Do processo legislativo:

Essa organização se baseia, pois, numa classificação das

funções do Estado que não era nova ao ser consagrada, já que

Aristóteles a esboçara cerca de vinte séculos antes, e numa

concepção, por assim dizer, mecânica do equilíbrio político. De

fato, a separação entre os órgãos incumbidos de cada uma das

funções do Estado produziria, esperava Montesquieu e com ele

os constituintes dos séculos XVIII e XIX, um sistema de freios

e contrapesos, essencial para a defesa da liberdade individual.

Só assim se estabeleceria a segurança para os indivíduos, só

assim um cidadão não precisaria temer a outro cidadão.16

Autores contemporâneos continuam a defender a separação dos

Poderes como elemento indispensável ao controle do Estado. Do século XVIII

até o momento, no entanto, essa teoria foi sofrendo inúmeras modificações

e aprimoramentos. Na teoria atual já não se utiliza a ideia da separação plena,

e o próprio pressuposto de que “o poder é uno e indivisível”17 a inviabilizaria. A

15 MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Barão de. O espírito das Leis: as formas de governo, a federação, a divisão dos poderes, presidencialismo versus parlamentarismo. São Paulo: Saraiva, 6ª ed., 1999, p. 167.

16 FERREIRA FILHO, Manuel Gonçalves. Do processo legislativo. São Paulo: Saraiva, 7ª ed., 2012, p. 82.

17 ARAUJO, Luiz Alberto David, e JUNIOR, Vidal Serrano Nunes. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 15ª ed. 2011, p. 348.

16

autonomia passou a ser vista como relativa, de modo que os Poderes sejam

separados, mas dotados de pontos de contato que permitam que um controle o

outro. Como sugere Hans Kelsen, “a significação histórica do princípio chamado

‘separação dos poderes’ encontra-se precisamente no fato de que ele opera antes

contra uma concentração que a favor de uma separação de Poderes”.18 O que se

busca, portanto, é que a tensão permanente de um sobre o outro os conduza a um

ponto de equilíbrio ou de harmonia.

Nesse contexto, desenvolveram-se a desenhos institucionais que

impõem o trâmite dos principais atos e processos produzidos no âmbito do Estado

por mais de um Poder. Se essa imposição não é prévia à decisão final, ao menos

estão disponíveis mecanismos que conferem a um Poder a prerrogativa de interferir

ou revisar a decisão de outro. “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário

lesão ou ameaça a direito”, como roga o artigo 5º, inciso XXXV da Constituição

de 1988, talvez seja o exemplo mais típico para essa interrelação. É sobre essa

mesma base que se iniciam as discussões que levaram à instituição do veto como

o conhecemos e aplicamos hoje e, ao conjunto desses desenhos institucionais,

chamou-se de sistema de freios e contrapesos.

O veto presidencial é uma das ferramentas disponíveis hoje no Brasil

no contexto desse sistema.19 Ao seu lado estão mecanismos como as matérias

de iniciativa reservada, as Medidas Provisórias, as Comissões Parlamentares de

Inquérito, o controle de constitucionalidade, os órgãos de controle externo – como

os Conselhos Nacionais de Justiça e do Ministério Público –, e a elaboração dos

orçamentos públicos com etapas nos três Poderes e participação popular.

Ferreira Filho também apresenta a separação dos Poderes sob um

olhar um tanto menos ferramental, no âmbito de um sistema jurídico, apontando-a

como forma de pacificação social:

18 KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes, Kelsen, 2005, p. 402.

19 O próprio Montesquieu, em O Espírito das Leis, já mencionava a hipótese de intervenção do Poder Executivo nos atos do Poder Legislativo. No entanto, naquele contexto, referia-se ao veto absoluto que a monarquia inglesa dispunha sobre os atos do Parlamento, e não apenas sobre a leis ou normas já produzidas e aprovadas: Se o Poder Executivo não tiver direito de frear as iniciativas do corpo legislativo, este será despótico. Porque, podendo atribuir-se todo poder imaginável, aniquilará os demais poderes. MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Barão de. O espírito das Leis: as formas de governo, a federação, a divisão dos poderes, presidencialismo versus parlamentarismo. São Paulo: Saraiva, 6ª ed., 1999, p. 176.

17

Subjacente à “separação de Poderes”, pregada no plano político

está uma concepção da distribuição de forças sociais, bem como

de seu peso específico. Via Montesquieu na realidade de seu

tempo três forças políticas em tensão, das qual poderia resultar

uma luta de mote mas em cuja conciliação, em cujo equilíbrio

estava a fórmula infalível da liberdade de todos e de cada um.

Rei, nobreza e povo eram essas três forças, das quais a primeira,

pelas instituições vigentes, açambarcava todo o poder, do qual

abusava.20

Essa visão insere mais um elemento para a análise de qualquer

mecanismo de garantia da separação dos Poderes: o contexto histórico. Ainda que

se possa alinhar Hobbes, Locke, Rousseau e Montesquieu para remontar a evolução

doutrinária que nos leva a impor a existência do veto, entre outros mecanismos, para

garantir a manutenção de um Estado estável e controlável, permanecem possíveis

inúmeras combinações aptas a compor um arranjo político-institucional adequado.

Retomando as origens distantes vistas no início deste capítulo, Sérgio

R. de Barros mostra a conexão direta entre o contexto social e o arranjo institucional

desde os primórdios da ideia de um poder de veto e que se verá mantida em todos

os momentos apreciados neste trabalho:

Não obstante pudesse gerar algumas crises, a “intercessio” – o

veto entre os romanos – teve a finalidade maior de contrabalançar

o conflito de poderes na classe dominante (veto do cônsul) ou

o conflito entre classes, dominante e dominada (veto do tribuno

da plebe).

Aí se revela o talento dos romanos. Anteciparam o sistema de

dicidir o poder para frear o poder pelo próprio poder do Estado, já

que ele é soberano no mundo social, não se enxergando nesse

mundo um poder maior que possa freá-lo.21

20 FERREIRA FILHO, Manuel Gonçalves. Do processo legislativo. São Paulo: Saraiva, 7ª ed., 2012, p. 132.

21 BARROS, Sérgio Resende de. Veto: uma proposta para a nova República. Dissertação de mestrado, Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 1987, p. 15.

18

3. FUNDAMENTOS DO VETO NA CONSTITUIÇÃO

NORTE-AMERICANA

Como apontado no capítulo anterior, a Constituição norte-americana

é uma referência fundamental para o veto presidencial. Além de ser a primeira

Constituição Republicana a adotá-lo, serviu de inspiração para muitos outros textos

constitucionais, inclusive brasileiros, e tem o veto como elemento importante para

garantir o equilíbrio entre os Poderes e, como se verá mais adiante, assegurar a

própria manutenção do Estado.

No entanto, já no começo do século XVIII, e, portanto, antes

mesmo da Constituição, as colônias britânicas na América do Norte já conheciam

esse instrumento, inspirado no modelo adotado pelo rei da Inglaterra sobre as

deliberações do Parlamento, que neste caso era um poder atribuído aos respectivos

governadores. As colônias já dispunham, à época, de grande autonomia em relação

à Inglaterra22 e, em termos institucionais, possuíam Poderes separados entre

Legislativo, Executivo e Judiciário e em pleno funcionamento.23 Assim, quando

em 1776 as treze colônias britânicas na América do Norte reunidas no Segundo

Congresso Continental declararam sua independência do Império Britânico24 e, em

seguida estabeleceram os fundamentos de uma Confederação,25 já havia nelas

alguma tradição institucional pautada pelos mesmos princípios que Montesquieu

defendia.

Dez anos depois, em 1786, representantes dos Estados da

Confederação se reuniram na chamada Convenção da Filadélfia para debater

um novo documento que reorganizaria a União. A história então recente daqueles

22 THWAITES, Reuben Gold. The Colonies: 1492-1750. Nova Iorque: Longmans, Green & Co., p. 282. Disponível em: https://archive.org/stream/colonies1492175000thwa#page/282/mode/2up. Acesso em 1º de março de 2015.

23 HART, Albert Bushnell. Formation of the Union: 1759-1829. Londres e Bombay: Longmans, Green & Co., 1897, p. 15. Disponível em: https://archive.org/stream/formationofunion01hart#page/14/mode/2up. Acesso em 1º de março de 2015.

24 Connecticut, Delaware, Georgia, Maryland, Massachusetts Bay, New Hampshire, New Jersey, New York, North Carolina, Pennsylvania, Rhode Island and Providence Plantations, South Carolina e Virginia.

25 A Confederação norte-americana basicamente assegurava a independência e a autonomia de cada um dos membros e criava um governo central com poderes bastante restritos, essencialmente voltados à coordenação das atividades de defesa.

19

Estados ditava as preocupações e as prioridades dos Constituintes, com focos

muito claros em segurança e estabilidade. A independência e as disputas entre

os Estados Confederados no período confederado, sem que o governo central

tivesse poderes reais para intervir e harmonizar as relações, deixaram marcas

claras nos textos federalistas e em documentos oficiais da época. A moção

original não aprovada para a convocação da Convenção da Filadélfia, mencionava

expressamente a concordância do Congresso quanto à ineficiência do Governo

Federal como justificativa para a revisão constitucional.26 O texto aprovado em

seguida foi suavizado, mas permaneceu claro quanto à questão de se estabelecer

a firm national government:

Whereas there is provision in the Articles of Confederation and

the perpetual Union for making alterations therein by the Assent

of a Congress of the United States and of the legislatures of

the several States; And whereas experience hath evinced that

there are defects in the present Confederation, as a mean to

remedy which several of the states and particularly the state of

New York by express instructions to their delegates in Congress

have suggested a Convention for the purposes expressed in

the following resolution and such Convention appearing to be

the most probable mean of establishing in these states a firm

national government.

Resolved that in the opinion of Congress it is expedient that

on the second Monday in May next a Convention of delegates

who shall have been appointed by several States be held at

Philadelphia for the sole and express purpose of revising the

Articles of Confederation and reporting to Congress and the

several legislatures such alterations and provisions therein as

shall when agreed to in Congress and confirmed by the States

render the federal Constitution adequate to the exigencies of

Government and the preservation of the Union.27

26 Journals of the Continental Congress, Volume 32, p. 71. Disponível em versão eletrônica em http://memory.loc.gov. Acesso em 1º de março de 2015.

27 Idem p. 73.

20

Assim, o plano de fundo da elaboração da Constituição norte-americana

é o esforço para garantir a segurança e a estabilidade da nova nação. Buscava-se

equilibrar os interesses internos dos diversos Estados que vinham de uma tradição

de autonomia mesmo no período colonial, mas ao mesmo tempo assegurando a

união, que era vista como a única alternativa de proteção face às ameaças externas.

Como apontaram os federalistas, “o primeiro objeto de todos os que merecem a

atenção de um povo livre e prudente é o cuidado da sua segurança”,28 e, nesse

contexto, “podem-se temer as armas e a influência das nações estrangeiras ou as

dissidências domésticas”.29

Esse contexto histórico deve ser lembrado ao longo de toda a análise

do desenho institucional que foi desenvolvido e no qual o poder de veto está

inserido, especialmente naquilo que visou criar mecanismos que assegurassem

a estabilidade interna da União. O capítulo 9º dos textos federalistas dedica-se

justamente a isso, tendo por início a afirmação de que “um dos grandes benefícios

da União, relativamente à paz e à tranquilidade dos Estados, é a barreira que ela

deve opor às insurreições é às facções”.30

Uma das diferenças marcantes da Constituição norte-americana em

relação ao modelo previsto na Confederação era a participação da população na

eleição do presidente da república e de seus representantes no Congresso Nacional,

que antes eram indicados pelos Estados. Ao longo de seus textos, os federalistas

se referem ao governo popular, caracterizado por uma democracia representativa,

defendendo-o das críticas de que seria instável e suscetível a crises permanentes:31

A ciência da política tem feito tão grandes progressos como

muitas outras. Está hoje provada a eficácia de diferentes

meios ignorados, ou perfeitamente conhecidos pelos antigos; a

distribuição e divisão dos Poderes a introdução dos contrapesos

e freios legislativos – a instituição dos tribunais compostos de

28 MADISON, James, HAMILTON, Alexander, e JAY, John. The Federalist Papers. Belo Horizonte: Líder, 2003, p. 21.

29 Idem, p. 21.30 Idem, p. 53.31 “Todos eles se queixam de que os nossos governos têm muito pouca estabilidade; que o

bem público é sempre esquecido os conflitos dos partidos rivais; que as questões são assaz frequentes vezes decididas pela força superior de uma minoria interessada e opressiva a, sem atender às regras da justiça e aos direitos do partido mais fraco.” Idem, p. 59.

21

juízes inamovíveis –, a representação do povo na legislatura por

meio de deputados da sua escolha, tudo isto são instituições

novas ou aperfeiçoada aos tempos modernos; e eis aqui cinco

meios poderosos com que se podem conservar as vantagens

do governo republicano, evitando ou diminuindo as suas

imperfeições.32

Na estruturação dos Poderes da nova União, os federalistas se

inspiraram diretamente em Montesquieu33 para dispor sobre a separação das

funções estatais, sendo que o aspecto que interessa para fins de estudo do veto

é a divisão entre os Poderes Executivo e Legislativo. Para a compreensão exata

dessa relação, é fundamental demarcar a finalidade de cada um deles no desenho

institucional que se elaborou, a partir da demanda inicial do Congresso à Convenção

da Filadélfia de que estruturasse as bases para um governo central enérgico.

O Poder Legislativo, ao contrário do que possa sugerir a defesa do

governo popular, era objeto de certa desconfiança pelos federalistas. Reconhecido

como fundamental para uma república, era visto como uma instância suscetível ao

controle das facções, uma vez que “os aumentos sucessivos do Poder Legislativo,

reunindo todos os poderes nas mesmas mãos, podem conduzir à mesma tirania

que as usurpações do corpo executivo”.34 Como este trecho já sugere, era também

tratado como o Poder que teria mais condições de violar a separação proposta

na Constituição, usurpando as competências dos demais e representando uma

potencial ameaça à estabilidade pretendida.

Essa desconfiança é reforçada pela finalidade atribuída pelos

federalistas à própria representação, que seria uma forma de mitigar os riscos

relacionados às paixões e interesses imediatos do povo. Mais do que manifestar a

vontade popular, os representantes teriam a função de:

depurar e argumentar o espírito público, fazendo-o passar

para um corpo escolhido de cidadãos, cuja prudência saberá

distinguir o verdadeiro interesse da sua pátria e que, pelo

32 Idem, p. 54.33 Em determinada passagem, os federalistas se referem a Montesquieu como “o oráculo sempre

consultado e sempre citado nessa matéria”. Idem, p. 299.34 Idem, p. 306.

22

seu patriotismo e amor da justiça, estarão mais longe de o

sacrificar a considerações momentâneas ou parciais. Num tal

governo, é mais possível que a vontade pública, expressa pelos

representantes do povo, esteja em harmonia com o interesse

público do que no caso de ser ela expressa pelo povo mesmo,

reunido para esse fim.35

Vê-se, portanto, o paradoxo da república que se desenhava. Se por

um lado a eleição dos representantes era uma medida de reforço da União ao

dispensar a intermediação dos Estados na formação do Governo, era também

foco de insegurança pela possibilidade de levar disputas e interesses locais ou

específicos para a esfera nacional, potencializando-os. Do Poder Legislativo,

onde atuariam esses representantes, esperava-se a ponderação e a expressão

da vontade pública, mas também temia-se que fosse um ambiente propício para

a manifestação de facções. Assim, o que se propôs durante a Constituinte foi um

mecanismo que conferisse ao Executivo “o poder de tornar a enviar à legislatura

os projetos que forem oferecidos à sanção, acompanhando-os das objeções que

lhe parecer e embaraçando-os de adquirirem força de lei, até que, depois de novo

exame, tenham sido ratificados em cada uma das Casas por dois terços dos votos”36

– o poder de veto. O embasamento para o desenho desse instrumento, no entanto,

é mais refinado que a simples reapreciação de uma proposta. Ele também envolve

a preservação dos direitos da minoria pelo quórum necessário para a aprovação do

pedido e a limitação do próprio instrumento para resguardar o sistema dos excessos

do Executivo:

Se o excesso da influência do corpo legislativo exige que ele

seja assim dividido, a fraqueza do Poder Executivo, pela sua

parte, pede que seja fortificado. O veto absoluto é, à primeira

vista, a arma mais natural que pode dar-se ao Poder Executivo,

para que se defenda; mas o uso que ele pode fazer dela pode

ser perigoso e mesmo insuficiente. Nas ocasiões ordinárias

pode não ser empregada com conveniente firmeza; nos casos

extraordinários pode a perfídia abusar dela e, portanto, é preciso

remediar esse defeito do veto absoluto, substituindo-lhe certas

35 Idem, p. 64.36 Idem, p. 435.

23

relações entre o Poder Executivo e a porção mais fraca do Poder

Legislativo, as quais, ao mesmo tempo em que dispuserem esta

última a sustentar os direitos constitucionais do primeiro, não lhe

permitam abandonar a defesa dos direitos do corpo de que faz

parte.37

Retomando-se o que representou, entre outras ferramentas, o

intercessio no Estado Romano, a separação dos Poderes e o sistema de freios e

contrapesos são formas de se representar dentro do Estado as disputas entre os

grupos sociais, criando um mecanismo que mitigue ou ao menos abra caminho

a soluções institucionais para crises sociais. Ainda que em formas distintas, os

modelos romanos e gregos já assumiam essa função. Os federalistas expressamente

incorporaram na Constituição norte-americana tais disposições como defesa para

o governo popular que propunham. “O fim principal da legislação moderna deve

ser o de submeter a regras certas essa multidão de interesses opostos; e o espírito

de partido e de facção deve entrar sempre no cálculo das operações ordinárias e

necessárias do governo”.38

O veto presidencial, portanto, é inserido com a finalidade expressa

de contrabalançar as tendências expansionistas e também o potencial de

desestabilização do Poder Legislativo na nova União. Trata-se de um mecanismo

que ultrapassa a pretensão de controle de um Poder pelo outro, destinando-se

a representar uma forma de defesa da União frente a facções ou grupos que se

tornem majoritários e possam colocar a nação em risco:

Não só o “veto” servirá de égide ao Poder Executivo, mas oporá

um novo obstáculo à admissão das más leis: o único freio que

pode impor-se ao corpo legislativo para defender a nação dos

efeitos das facções, da precipitação ou de qualquer impulso

contrário ao interesse público, que a maioria desse corpo é

suscetível de receber.39

Ainda que seja considerada a inspiração para o nosso modelo de veto,

como se verá no próximo capítulo, o arranjo final da Constituição norte-americana

37 Idem, p. 319.38 Idem p. 62.39 Idem, p. 435.

24

é bastante diferente daquele previsto na Constituição brasileira de 1988 e mesmo

nas anteriores:

All Bills for raising Revenue shall originate in the House of

Representatives; but the Senate may propose or concur with

Amendments as on other Bills.

Every Bill which shall have passed the House of Representatives

and the Senate, shall, before it become a Law, be presented to

the President of the United States: If he approve he shall sign

it, but if not he shall return it, with his Objections to that House

in which it shall have originated, who shall enter the Objections

at large on their Journal, and proceed to reconsider it. If after

such Reconsideration two thirds of that House shall agree to

pass the Bill, it shall be sent, together with the Objections, to

the other House, by which it shall likewise be reconsidered,

and if approved by two thirds of that House, it shall become a

Law. But in all such Cases the Votes of both Houses shall be

determined by Yeas and Nays, and the Names of the Persons

voting for and against the Bill shall be entered on the Journal of

each House respectively. If any Bill shall not be returned by the

President within ten Days (Sundays excepted) after it shall have

been presented to him, the Same shall be a Law, in like Manner

as if he had signed it, unless the Congress by their Adjournment

prevent its Return, in which Case it shall not be a Law.

Every Order, Resolution, or Vote to which the Concurrence of

the Senate and House of Representatives may be necessary

(except on a question of Adjournment) shall be presented to

the President of the United States; and before the Same shall

take Effect, shall be approved by him, or being disapproved by

him, shall be repassed by two thirds of the Senate and House

of Representatives, according to the Rules and Limitations

prescribed in the Case of a Bill.40

40 Constituição dos Estados Unidos da América, de 1789. Disponível em: http://www.senate.gov/civics/constitution_item/constitution.htm#a1_sec7. Acesso em 1º de março de 2015.

25

Pela transcrição do trecho acima, é possível observa as diferenças

marcantes entre as legislações brasileira e norte-americana. Mais crítico é o fato das

leis não entrarem em vigor com o veto do presidente norte-americano, que apenas

pede que o Congresso reconsidere sua decisão, apontando os argumentos que

ele entende justificarem a revisão. O projeto só se tornará lei após a reapreciação

do Congresso e com essa variação elimina-se também no direito norte-americano

a necessidade das diferenciações entre veto total e parcial e as fundamentações

de interesse público ou de inconstitucionalidade. No Brasil, por outro lado, a lei é

promulgada mesmo com o veto parcial, cabendo ao Congresso Nacional dispor

sobre os efeitos decorrentes da eventual derrubada da posição presidencial.

Também entre as distinções está a extensão da reconsideração congressual. Como

o veto é sempre total, a reavaliação também o é, permitindo que o Congresso norte-

americano abra mão de um projeto de lei inteiro, mesmo que a objeção manifestada

nas razões do Presidente se dê a um ou mais dispositivos pontuais.

Por último, mas igualmente importante, é o quórum para a derrubada

do veto. A manutenção da versão original do projeto de lei aprovado pelo Congresso

Nacional exige a aprovação por dois terços dos membros do Parlamento. Com

isso, o veto se torna uma ferramenta contra majoritária quando visto sob a ótica do

Legislativo. Para a maioria impor a sua decisão à União, ela deverá ou contar com

a concordância presidencial, ou representar mais de dois terços dos membros do

Congresso. No modelo brasileiro a situação não chega a se inverter, mas o quórum

exigido para a derrubada do veto é apenas a maioria absoluta dos membros. Com

isso, o campo majoritário no Parlamento brasileiro tem formalmente mais facilidade

para impor sua posição, seja sobre o Presidente, seja sobre uma minoria parlamentar.

A partir dessa revisão histórica dos fundamentos do veto na

Constituição norte-americana, alguns elementos ficam evidentes e serão úteis para

a avaliação do modelo brasileiro. O primeiro ponto é que o veto foi instituído como

um mecanismo de proteção não apenas do Poder Executivo, mas da União. Havia

um receio permanente sobre a forma de atuação do Poder Legislativo que poderia

colocar a Federação em risco e pautou seu desenho institucional. O segundo

ponto é que, não obstante esse elemento de fundo, os Constituintes ainda viam o

Legislativo como fundamental para a república e o mantiveram em posição central

na produção normativa. Ainda que o Presidente possa vetar, essa objeção se traduz

em um pedido de reconsideração e não em um corte na legislação, uma vez que a

26

lei somente entrará em vigor após a revisão congressual, mesmo quando a ressalva

se der sobre um dispositivo específico do projeto. Por fim, o terceiro elemento, e

que pode ser a chave do equilíbrio entre os dois anteriores, é que o quórum para

a rejeição do veto e, por consequência, para a manutenção da posição original do

Congresso, é alto. Com isso, o Presidente fica associado à minoria congressual e

permite a efetividade do veto mesmo quando uma eventual facção obtenha maioria

no parlamento.

27

4. HISTÓRICO DO VETO PRESIDENCIAL NO BRASIL

Todos os textos constitucionais brasileiros previram alguma forma

de veto desde a proclamação da república e a Constituição de 1891. A doutrina

nacional aponta a inspiração direta de nossos textos constitucionais no modelo

norte-americano, como foi visto no capítulo anterior. A única ressalva a esse

alinhamento na história constitucional brasileira está no Império, com a Constituição

de 1824. Nesse texto, o imperador exercia de fato a supremacia do poder de legislar,

podendo “negar a sanção” de propostas aprovadas pelo Parlamento. Não há que

se falar ainda no equilíbrio republicano que o modelo norte-americano pretendia.

A supremacia do parlamento não era real e o poder se concentrava na figura do

imperador, ainda que a imposição de limitações a esse poder fosse justamente o

elemento que justificou a Assembleia Constituinte.41

No texto da Constituição de 1824, pode-se notar dois elementos que

a diferenciam tanto da Constituição norte-americana quanto dos textos brasileiros

que estavam por vir. O primeiro é que o silêncio do Executivo implica na recusa

tácita do projeto e o segundo é a ausência de possibilidade de derrubada do veto,

ou da recusa, pela Assembleia.42 Em ambos os casos, o que se fez foi reduzir o

papel do Legislativo em comparação às Constituições posteriores, reafirmando-se

o poder do Imperador como legislador último.

Da Constituição de 1891 em diante, todas contemplaram a possibilidade

do chefe do Poder Executivo rejeitar propostas aprovadas pelo Poder Legislativo

41 MOYA, Maurício Assumpção. Executivo versus Legislativo: os vetos presidenciais no Brasil (1988-2000). Tese (Doutorado em Ciência Política). Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Políticas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005, p. 34.

42 Art. 64. Recusando o Imperador prestar seu consentimento, responderá nos termos seguintes. - O Imperador quer meditar sobre o Projecto de Lei, para a seu tempo se resolver - Ao que a Camara responderá, que - Louva a Sua Magestade Imperial o interesse, que toma pela Nação.

Art. 65. Esta denegação tem effeito suspensivo sómente: pelo que todas as vezes, que as duas Legislaturas, que se seguirem áquella, que tiver approvado o Projecto, tornem successivamente a apresental-o nos mesmos termos, entender-se-ha, que o Imperador tem dado a Sancção.

Art. 66. O Imperador dará, ou negará a Sancção em cada Decreto dentro do um mez, depois que lhe for apresentado.

Art. 67. Se o não fizer dentro do mencionado prazo, terá o mesmo effeito, como se expressamente negasse a Sancção, para serem contadas as Legislaturas, em que poderá ainda recusar o seu consentimento, ou reputar-se o Decreto obrigatorio, por haver já negado a Sancção nas duas antecedentes Legislaturas.

28

e deste derrubar o veto do Executivo. As variações se concentram apenas nos

prazos, nos limites ao veto, se total ou parcial, e nas regras para sua derrubada pelo

Legislativo.43 Em todos os casos, o veto é restrito a projetos de lei, sejam de leis

ordinárias, complementares ou orçamentárias, não abarcando, porém, emendas

constitucionais, decretos legislativos nem resoluções das Casas do Congresso

Nacional. Não há, no veto, variações em função da matéria passível de ser tratada

no projeto ou seu conteúdo. Sendo projeto de lei, poderá ser vetado.

A Constituição de 1988, não obstante o decorrer de um processo de

redemocratização, manteve em linhas gerais o modelo de sanção e veto, de modo

que podemos citar como exemplo apenas o texto hoje em vigor como referência para

o modelo tradicionalmente adotado no Brasil. Em síntese, seu artigo 66, transcrito

abaixo, dispõe que todo projeto de lei aprovado nas duas Casas do Congresso

Nacional, conforme os ritos do processo legislativo, será submetido ao presidente da

república, “que, aquiescendo, o sancionará”. Alternativamente, permite que o Chefe

do Poder Executivo, no prazo de quinze dias úteis, vete-o integral ou parcialmente

quando entender que a proposta contraria o interesse público ou é inconstitucional.

O texto não vetado será promulgado, transformando-se em uma nova lei, enquanto

os vetos serão submetidos ao Congresso Nacional, que os apreciará, podendo

rejeitá-los. Caso o Presidente não se manifeste, seu silêncio é compreendido como

concordância com o projeto, e a promulgação é feita pelo Congresso Nacional.

Art. 66. A Casa na qual tenha sido concluída a votação enviará

o projeto de lei ao Presidente da República, que, aquiescendo,

o sancionará.

§ 1º – Se o Presidente da República considerar o projeto, no

todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse

público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias

úteis, contados da data do recebimento, e comunicará, dentro

de quarenta e oito horas, ao Presidente do Senado Federal os

motivos do veto.

43 MOYA, Maurício Assumpção. Executivo versus Legislativo: os vetos presidenciais no Brasil (1988-2000). Tese (Doutorado em Ciência Política). Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Políticas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005, p. 34.

29

§ 2º – O veto parcial somente abrangerá texto integral de artigo,

de parágrafo, de inciso ou de alínea.

§ 3º – Decorrido o prazo de quinze dias, o silêncio do Presidente

da República importará sanção.

§ 4º – O veto será apreciado em sessão conjunta, dentro de

trinta dias a contar de seu recebimento, só podendo ser rejeitado

pelo voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores.

§ 5º – Se o veto não for mantido, será o projeto enviado, para

promulgação, ao Presidente da República.

§ 6º – Esgotado sem deliberação o prazo estabelecido no §

4º, o veto será colocado na ordem do dia da sessão imediata,

sobrestadas as demais proposições, até sua votação final.

§ 7º – Se a lei não for promulgada dentro de quarenta e oito

horas pelo Presidente da República, nos casos dos § 3º e § 5º,

o Presidente do Senado a promulgará, e, se este não o fizer em

igual prazo, caberá ao Vice-Presidente do Senado fazê-lo.

A partir do quadro abaixo, inspirado no elaborado por Moya,44 é

possível visualizar as principais diferenças nas regras aplicáveis ao veto em cada

Constituição brasileira:

Ano da Regulamentação Tipo de veto

Prazo para veto

Quórum para rejei-ção do veto Voto

1824 Total

30 dias – silêncio

Implica veto

Não há Não há

1891 Total 10 dias úteis

2/3 dos presentes em cada Casa Nominal

1926 – Emenda nº 3 à Constituição de 1891

Total e par-cial

10 dias úteis

2/3 dos presentes em cada Casa Nominal

1934 Total e par-cial

10 dias úteis

Maioria absoluta dos membros em cada

CasaSecreto

44 MOYA, Maurício Assumpção. Executivo versus Legislativo: os vetos presidenciais no Brasil (1988-2000). Tese de doutorado, Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Políticas da Universidade de São Paulo, 2005, p. 35.

30

Ano da Regulamentação Tipo de veto

Prazo para veto

Quórum para rejei-ção do veto Voto

1937 Total e par-cial

30 dias úteis

2/3 dos presentes em cada Casa Nominal

1946 Total e par-cial

10 dias úteis

2/3 dos presentes em sessão conjunta Secreto

1961-1963 – Emenda nº 4 à Cons-tituição de 1946 (período parla-

mentarista)

Total e par-cial

10 dias úteis

3/5 dos presentes em sessão conjunta Secreto

1965 – Emenda nº 17 à Constitui-ção de 1946

Total e par-cial restrito

10 dias úteis

2/3 dos presentes em sessão conjunta Secreto

1967 Total e par-cial restrito

10 dias úteis

2/3 dos presentes em sessão conjunta Secreto

1969 – Emenda nº 1 à Constituição de 1967

Total e par-cial

15 dias úteis

2/3 dos membros de cada Casa em ses-

são conjuntaNominal

1988 Total e par-cial restrito

15 dias úteis

Maioria absoluta em sessão conjunta Secreto

2001 – Emenda nº 32 à Constitui-ção de 1988

Total e par-cial restrito

15 dias úteis

Maioria absoluta em sessão conjunta Secreto

2013 – Emenda nº 76 à Constitui-ção de 1988

Total e par-cial restrito

15 dias úteis

Maioria absoluta em sessão conjunta Nominal

Considerando-se o quadro acima, os dois aspectos que merecem

maior destaque sob a ótica do impacto que o veto pode ter na legislação aprovada

são a extensão do veto e o quórum necessário para sua derrubada. No primeiro

caso, temos três hipóteses de veto: (i) integral, (ii) parcial e o que Moya denominou

(iii) parcial restrito. O integral representa a negativa a todo o projeto, de modo que,

salvo se derrubado o veto, ele não será convertido em lei. Já os parciais permitem

ao Presidente vetar trechos da proposta, variando a liberdade atribuída para o

corte. No parcial comum é possível vetar até mesmo palavras individualmente,

como ocorreu no caso da Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979 – Lei da Anistia, na

qual o General de Exército João Figueiredo, então presidente da república, vetou a

expressão “e outros diplomas legais”, restringindo a anistia concedida a servidores

públicos e a dirigentes sindicais:

Art. 1º É concedida anistia a todos quantos, no período

compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto

de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes,

crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos

suspensos e aos servidores da administração direta e indireta,

de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos

Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes

31

e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos

Institucionais e Complementares e outros diplomas legais. (Grifo

no trecho vetado)

Já a hipótese do veto parcial restrito impõe que o corte abarque um

dispositivo inteiro, seja uma alínea, um inciso ou um artigo. No exemplo da Lei

da Anistia, caso esta fosse a regra adotada, o General não teria como restringir a

abrangência da anistia, mas exclusivamente aprová-la ou rejeitá-la integralmente,

neste último caso vetando todo o artigo 1º e inviabilizando a lei. Como se percebe,

a definição sobre qual a extensão do veto permitido ao presidente da república tem

impacto considerável no poder que lhe é concedido para influenciar o processo

legislativo e as decisões políticas dele decorrentes, não podendo ser ignorado.

O segundo aspecto mencionado como relevante é a questão do quórum

mínimo para aprovação da derrubada do veto, ou seja, quantos parlamentares

devem discordar da posição do presidente da república e votar pela promulgação da

lei na forma originalmente aprovada pelo Congresso Nacional. Nota-se no quadro

que, em todas as Constituições, o número representa pelo menos uma maioria

qualificada. É mais, portanto, do que a maioria simples usualmente necessária para

aprovação de leis ordinárias. Quanto a isso, e referindo-se aos casos de exigência

mínima de dois terços, Manoel Gonçalves Ferreira Filho destaca que “esta maioria

é extremamente difícil de ser obtida, não sendo frequente que um presidente da

república se ache tão desamparado a ponto de não contar, sequer, com adeptos

suficientes para perfazer pouco mais de um terço do Congresso”.45 Portanto também

esse elemento do procedimento de veto tem o condão de definir a extensão do

poder que é concedido ao presidente, uma vez que a facilidade para o parlamento

derrubar um veto determinará o grau de supremacia de que esse Poder dispõe no

processo legislativo.

Em uma comparação direta com o modelo norte-americano, que foi

visto no capítulo anterior, vemos que a inspiração não é tão direta como se supõe.

Temos um equilíbrio distinto entre os Poderes Legislativo e Executivo. Durante a

maior parte da história constitucional brasileira, o presidente da república teve maior

poder de interferir no processo legislativo pelo veto do que o seu homólogo norte-

45 FERREIRA FILHO, Manuel Gonçalves. Do processo legislativo. São Paulo: Saraiva, 7ª edição, 2012, p. 177.

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americano. Dispôs de maior liberdade para vetar apenas o que não lhe agradava

no texto, em alguns momentos chegando a cortar palavras individualmente, e

sua vontade era imediatamente transformada em lei, dispensando a reavaliação

do Congresso para sua promulgação. Em matéria de veto, o status quo no Brasil

favorece o Presidente, e não o Congresso.

Pelo histórico relatado acima, nota-se que já está consolidada

no ordenamento jurídico brasileiro uma tradição quanto ao formato do veto, no

qual o presidente da república possui amplos poderes. Ao longo de mais de um

século e meio, as variações se referiram à extensão dos mecanismos já previstos,

sendo a única exceção a Constituição do Império, na qual o Poder Executivo era,

naturalmente, ainda mais poderoso. É certo que a reiterada aplicação do mesmo

modelo resulta em certa resistência ou até inércia em momentos de revisão

constitucional, o que poderá ser confirmado quando da análise detalhada dos

debates constituintes de 1987 e 1988. Ao mesmo tempo, é inequívoco que, ao

longo dos séculos XIX e XX, o Brasil não tenha seguido fielmente uma tradição

democrática, mantendo uma sociedade altamente desigual e processos eleitorais

pouco transparentes, o que possivelmente guarda relação com a supremacia do

presidente da república no processo legislativo. José Murilo de Carvalho,46 ao tratar

da evolução da cidadania no país, pondera justamente que a história institucional

brasileira conduziu à posição de supremacia do Executivo levantada na introdução

do presente trabalho:

Uma das razões para nossas dificuldades pode ter a ver com a

natureza do percurso que descrevemos. A cronologia e a lógica

da sequência descrita por Marshall47 foram invertidas no Brasil.

Aqui, primeiro vieram os direitos sociais, implantados em período

de supressão dos direitos políticos e de redução dos direitos

46 CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil. O longo Caminho. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

47 A sequência cronológica de Marsahll para o desenvolvimento da cidadania inglesa é descrita por Murilo de Carvalho da seguinte forma: “O autor que desenvolveu a distinção entre as várias dimensões da cidadania, T. A. Marshall, sugeriu também que ela, a cidadania, se desenvolveu na Inglaterra com muita lentidão. Primeiro vieram os direitos civis, no século XVIII. Depois, no século XIX, surgiram os direitos políticos. Finalmente, os direitos sociais foram conquistados no século XX. Segundo ele, não se trata de sequência apenas cronológica: ela é também lógica. Foi com base no exercício dos direitos civis, nas liberdades civis, que os ingleses reivindicaram o direito de votar, de participar do governo de seu país. A participação permitiu a eleição de operários e a criação do Partido Trabalhista, que foram os responsáveis pela introdução dos direitos sociais.” Idem, p. 10.

33

civis por um ditador que se tornou popular. Depois vieram os

direitos políticos, de maneira também bizarra. A maior expansão

do direito do voto deu-se em outro período ditatorial, em que os

órgãos de representação política foram transformados em peça

decorativa do regime. Finalmente, ainda hoje muitos direitos

civis, a base da sequência de Marshall, continuam inacessíveis

à maioria da população. A pirâmide dos direitos foi colocada de

cabeça para baixo.

Uma consequência importante [dessa inversão] é a excessiva

valorização do Poder Executivo. Se os direitos sociais foram

implantados em períodos ditatoriais, em que o Legislativo ou

estava fechado ou era apenas decorativo, cria-se a imagem, para

o grosso da população, da centralidade do Executivo. O governo

aparece como o ramo mais importante do poder, aquele do qual

vale a pena aproximar-se. A fascinação com um Executivo forte

está sempre presente, e foi ela sem dúvida uma das razões

da vitória do presidencialismo sobre o parlamentarismo, no

plebiscito de 1993. Essa orientação para o Executivo reforça

longa tradição portuguesa, ou ibérica, patrimonialismo. O

Estado é sempre visto como todo-poderoso, na pior hipótese

como repressor e cobrador de impostos; na melhor, como um

distribuidor paternalista de empregos e favores.48

Nesse contexto, o processo de redemocratização que teve a

Constituição de 1988 como ápice poderia sugerir uma guinada na visão que

a sociedade e a classe política têm do Estado. Algum reequilíbrio fica visível no

quadro comparativo com as demais Constituições, como a adoção do veto parcial

restrito e a redução do quórum para revisão, mas, observando-se isoladamente

o instituto veto, não chega a ser inovador. As questões que permanecem, nesse

caso, são o que motivou essa variação, quais foram as alternativas consideradas,

por que não fomos além e se resultou em alguma mudança efetiva na relação de

forças entre os Poderes Legislativo e Executivo.

48 Idem p. 219 e 221.

34

5. VETO NA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE DE 1987

Fruto do processo de redemocratização do país após duas décadas

de governos militares ditatoriais, a Constituição de 1988 incorporou uma série

de inovações legislativas, cuidou com maior esmero dos direitos e garantias

fundamentais e buscou rever os limites entre os Poderes. No entanto, a nova

Constituição surge de um processo de transição, e não de ruptura, como está

registrado na convocação da Assembleia Nacional Constituinte – ANC pela Emenda

nº 26, de 27 de novembro de 1985,49 por si só atípica, como aponta Vianna Lopes:

Em vez de uma Assembleia Constituinte exclusivamente eleita

para a feitura da nova Constituição, a fórmula adotada foi a

atribuição deste encargo aos deputados federais e senadores

a serem eleitos em 15/11/1986. Previu-se, assim, através de

emenda à Constituição de 1967, proposta pelo próprio presidente

da República, que os membros do Congresso Nacional seriam os

membros da Constituinte. Tal operação, inusitada para a teoria

constitucional (jurídica) clássica, foi contestada pela Ordem dos

Advogados do Brasil, por juristas renomados e pelas esquerdas

fora (PDT, PT, PSB) e dentro do PMDB.50

Nesse contexto, a abertura real para revisões constitucionais é, de

antemão, limitada. Não por acaso,

os “progressistas” defendiam uma “constituinte exclusiva”, a

ser eleita fora dos quadros institucionais e das regras eleitorais

49 A EC nº 26/1985 não se restringiu a convocar a ANC, tendo tratado de outros assuntos como a anistia a servidores públicos. No tocante à Constituinte, temos os seguintes dispositivos:

“Art. 1º Os Membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal reunir-se-ão, unicameralmente, em Assembléia Nacional Constituinte, livre e soberana, no dia 1º de fevereiro de 1987, na sede do Congresso Nacional.

Art. 2º. O Presidente do Supremo Tribunal Federal instalará a Assembléia Nacional Constituinte e dirigirá a sessão de eleição do seu Presidente.

Art. 3º A Constituição será promulgada depois da aprovação de seu texto, em dois turnos de discussão e votação, pela maioria absoluta dos Membros da Assembléia Nacional Constituinte.”

50 LOPES, Júlio Aurélio Vianna. A carta da democracia. Rio de Janeiro: Topbooks, 2008, p. 24. Em reforço ao argumento do autor, cabe observar que também integraram a Constituinte os Senadores eleitos em 1982, ainda no curso do regime militar, cujos mandatos se extinguiram somente em 1990.

35

estabelecidos para a representação ordinária, que faziam do

Congresso Nacional uma instituição estruturalmente vocacionada

pra o conservadorismo, potencialmente controlada pelos grupos

oligárquicos tradicionais da política brasileira.51

E de fato essa leitura se comprovou correta quando se observa a

composição congressual replicada na Constituinte:

O conservadorismo do Congresso Constituinte, inclusive quanto

ao formato autoritário-burocrático, legado pelo regime, foi

patenteado na pesquisa realizada por [David] Fleischer (1988),

que demonstrou cabalmente que, considerando o passado

político dos membros da Assembleia, a extinta Arena (Ação

Renovadora Nacional – braço político-civil do movimento militar

de 1964) estava presente (inclusive no PMDB) em magnitude

superior aos 53,3% de membros formais do partido majoritário.52

Portanto, mesmo readaptando o equilíbrio entre os Poderes para

um novo período democrático e os decorrentes festejos da promulgação da

“Constituição Cidadã”, um certo ranço permanece. No tocante à separação de

Poderes, não fugimos de um presidencialismo forte, com o Poder Executivo no

centro dos processos políticos, como é usual em regimes autoritários. Aliás, como

apontam Limongi e Figueiredo, “a Constituição de 1988 manteve as inovações

constitucionais introduzidas pelas constituições escritas pelos militares com vistas a

garantir a preponderância legislativa do Executivo e maior presteza à consideração

de suas propostas legislativas”.53

E não foi diferente com o veto presidencial, que passou razoavelmente

inalterado pelo processo de reformulação constitucional. Em relação ao previsto na

Constituição de 1967/69, foi excluída a possibilidade de veto a palavras individuais.

No texto até hoje em vigor é necessário que o veto se estenda a, no mínimo, todo

um dispositivo, seja um inciso, uma alínea, um parágrafo ou mesmo um artigo.

Ainda que se possa apontar a relevância dessa modificação, como destacamos

51 PILATTI, Adriano. A Constituinte de 1987-1988: progressistas, conservadores, ordem econômica e regras do jogo. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2008, p. 21.

52 LOPES, Júlio Aurélio Vianna. A carta da democracia. Rio de Janeiro: Topbooks, 2008, p. 45.53 LIMONGI, F., e FIGUEIREDO, A. C. As bases institucionais do presidencialismo de coalizão.

Revista de Cultura e Política, v. 44, pp. 81-106. São Paulo: Lua Nova, 1998.

36

anteriormente, o que impede situações esdrúxulas de veto a um único termo que

possa inverter o sentido do comando aprovado pelo Congresso Nacional, em

comparação com as demais mudanças da Carta e o momento político do país, é

uma modificação modesta. Trata-se do mínimo óbvio para distanciar o poder de

veto de um poder moderador como o previsto na Constituição do Império.

Se esse contexto explica o porquê de uma mudança tão singela no

âmbito dessa matéria, mesmo com os constituintes dispondo de total liberdade para

redesenhar o arcabouço institucional, outros aspectos carecem de maior pesquisa.

Teriam os constituintes considerado esse tema como relevante para a futura

estabilidade dos Poderes e da produção normativa brasileira? Ou o teriam tratado

de forma inercial? Quais outras propostas teriam sido aventadas e derrotadas?

Enquanto os norte-americanos contam com os textos federalistas

para compreender o pensamento de seus fundadores e algumas das razões que

os levaram àquele texto constitucional, o Brasil dispões de todos os anais da

Constituinte de 1987. Mais completo e detalhado, o material já disponibilizado em

meio eletrônico revela uma base rica para, a partir dos debates, das proposições

aprovadas e rejeitadas, das audiências públicas e das votações, vislumbrarmos ao

menos o que era formalmente debatido e apresentado pelos constituintes. É fato

que, “nas Assembleias, muitas vezes aquilo de que menos se fala é o que mais

perturba a mente dos atores parlamentares”, como aponta Pilatti.54 Assim, não se

pode pretender extrair desse material todos os elementos de convencimento que

justificaram o texto, mas não é possível igualmente ignorá-lo diante da possibilidade

de se rediscutir a matéria.

A Constituinte de 1987 possuiu um funcionamento bastante complexo,

dividido em uma série de etapas, cada uma com diferentes colegiados, organizados

por assunto e, posteriormente, por função, como veremos mais adiante. De início,

no entanto, está uma característica que guiará as primeiras discussões e a aparente

ausência de cadência ou até de coerência em certos debates: não havia um texto

base ou um anteprojeto sobre o qual os constituintes deveriam se debruçar. Este

aspecto é sublinhado por Pedro Dallari:

54 PILATTI, Adriano. A Constituinte de 1987-1988: progressistas, conservadores, ordem econômica e regras do jogo. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2008, p. 11.

37

Based on this framework, the new constitution of Brazil was

drafted. The procedure adopted by the Constitutional Convention

was a novelty, considering former Brazilian Constitutional

Conventions. This time, a constitution draft was not the starting

point of the discussions and deliberations, as had happened in

the five prior occasions, from the first Constitutional Convention

in 1823 to the most recent one in 1967. Rather, the 1987

Constitutional Convention decided not to adopt any drafted

proposal beforehand as a starting document and, from the very

beginning, no instance of the Constitutional Convention was

granted jurisdiction to draft any project that might be used as

reference.55

Alguns partidos políticos, entidades de classe e outros grupos

apresentaram propostas próprias. Nenhum foi considerado como texto oficial

da Constituinte, mas se tornaram referências para os debates e a atuação dos

Constituintes ligados a essas organizações. O Partido dos Trabalhadores, por

exemplo, chegou a produzir e a publicar, ainda em maio de 1987, uma proposta global

para a Constituição. Nesta, ainda que o presidente da república compartilhasse

com o Congresso Nacional da prerrogativa de iniciativa legislativa, o poder de

veto era concedido apenas ao Poder Legislativo sobre os atos regulamentares do

Executivo. O veto presidencial como nos Estados Unidos da América ou mesmo

nos moldes atuais não era previsto.

No âmbito oficial, foi instituída pelo Decreto nº 91.450, de 18 de julho

de 1985, a Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, também conhecida

como “Comissão Afonso Arinos”, e tinha como objetivo original estabelecer um texto

base que pudesse orientar os trabalhos da Constituinte. Porém a proposta, fruto

de seus trabalhos não foi adotada pela Assembleia, tendo, no entanto, alcançado

alguma influência nos futuros debates. De acordo com José Afonso da Silva:

Como se sabe, o Presidente José Sarney não encaminhou o

anteprojeto da Comissão à Assembleia Nacional Constituinte;

e não o fez por duas razões contrárias ao seu pensamento

55 DALLARI, Pedro B. A. Dallari. Brazil: The Constitution-Making Process and the Political System, in Constitutional reform in times of transition. Paris: Arab Reform Initiative, 2014, p. 49.

38

político, quais sejam, o forte conteúdo social progressista e a

adoção do sistema parlamentarista de governo. Apesar disso,

tendo mandado publicar o anteprojeto no Diário Oficial da União,

os constituintes nele se abeberaram para fazer suas propostas

constitucionais. Daí decorreram claras influências do anteprojeto

que se materializaram no texto da Constituição.56

Essa primeira proposta da Comissão Afonso Arinos já evidenciava

possibilidades de revisão do texto referente ao veto em relação ao adotado

nas Constituições anteriores. Ele é, de fato, muito mais avançado do que o

texto aprovado ao final dos trabalhos e que hoje adotamos. Como se percebe

nos dispositivos transcritos abaixo, propunha-se incorporar ao veto maiores

possibilidades de interação entre o Executivo e o Legislativo, com a previsão do

pedido de reconsideração e a forma distinta do modelo norte-americano e dos

brasileiros anteriores para a votação um de eventual veto. Ainda mais inusual, no

entanto, era a hipótese de participação direta da população mediante referendo de

“emendas constitucionais e de projetos de lei de iniciativa do Congresso Nacional

que visem a alterar a estrutura ou afetem o equilíbrio dos Poderes”, quase como

um veto popular:

Art. 190 – Nos casos do artigo 182, § 1º,57 a Câmara, na qual

se haja concluído a votação, enviará o projeto ao presidente da

república que, aquiescendo, o sancionará.

§ 1º – Ao receber o projeto, o presidente da república poderá,

dentro de quinze dias úteis, apresentar pedido de reconsideração,

oferecendo texto substitutivo pertinente à matéria do projeto a

ser apreciado, sem emendas e por maioria absoluta das duas

Casas, em reunião conjunta do Congresso Nacional, no prazo

de quarenta e cinco dias.

56 LIMA, João Alberto de Oliveira. PASSOS, Edilenice. NICOLA, João Rafael. A gênese do texto da Constituição de 1988. Brasília: Senado Federal – Coordenação de Edições Técnicas, 2013, p. XXIII (prefácio).

57 Art. 182 – O projeto de lei aprovado por uma Câmara será revisto pela outra, em um só turno de discussão e votação.

§ 1º – O projeto de lei adotado numa das Câmaras será revisto na outra que, aprovando-o, o enviará a sanção ou a promulgação.

39

§ 2º – Esgotado o prazo sem deliberação, ou rejeitado o pedido

de reconsideração, o projeto será reencaminhado ao presidente

da república.

§ 3º – Se o presidente da república julgar o projeto, no todo

ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público,

veta-lo-á, total ou parcialmente, dentro de quinze dias úteis,

contados daquele que o receber, e comunicará, dentro quarenta

e oito horas, ao Presidente do Senado Federal ou da Comissão

Permanente do Congresso Nacional, as razões do veto.

§ 4º – O veto parcial somente pode abranger o texto do artigo,

parágrafo, inciso, item, número ou alínea.

§ 5º – Decorridos os quinze dias úteis, referidos nos §§ 1º e 3º, o

silêncio do presidente da república importará em sanção.

§ 6º – Nos casos previstos no artigo 229, item XXVI,58 e dentro

do prazo referido no parágrafo anterior, o presidente da república

poderá determinar que o projeto seja submetido a referendo,

promulgando-o, se aprovado, e arquivando-o, quando rejeitado.

§ 7º – Convocadas as duas Casas para, em sessão conjunta,

conhecer do veto, considerar-se-á aprovado o projeto que obtiver

o voto de dois terços dos membros de cada uma delas. Nesse

caso, será o projeto enviado, para promulgação, ao presidente

da república.

§ 8º – Nos casos dos §§ 5º e 6º, se a lei não for promulgada e

publicada dentro de quarenta e oito horas pelo Presidente de

República, o Presidente do Senado ou o seu substituto o fará.

58 Art. 229 – Compete ao presidente da república, na Forma e nos limites estabelecidos por esta Constituição:

XI – vetar projeto de lei, parcial ou totalmente, ou pedir reconsideração do Congresso Nacional;

XXVI – determinar a realização de referendo sobre propostas de emendas constitucionais e de projetos de lei de iniciativa do Congresso Nacional que visem a alterar a estrutura ou afetem o equilíbrio dos Poderes;

40

Como já colocado, tanto esse texto quanto outros apresentados

nas etapas iniciais de trabalho da Assembleia Nacional Constituinte – ANC não

eram bases formais para os trabalhos, mas referências. Assim, para se chegar ao

texto aprovado em 1988, um longo caminho foi percorrido, dividido em diversas

etapas que, com foco exclusivamente no veto, nos cabe reconstituir. Para ilustrar

sucintamente as principais etapas do processo constituinte e permitir a identificação

rápida do momento em que se deram os debates e a apresentação das propostas

que serão citadas mais adiante, podemos seguir o fluxograma abaixo:59

Fluxo básico dos trabalhos da ANC

Internamente às Subcomissões, o fluxo habitual dos trabalhos era

a apresentação inicial de propostas gerais pelos Constituintes, que assumiam

um formato textual livre, com ideias a serem consideradas pelo relator, e não

necessariamente dispositivos prontos. Associe-se a isso a realização de audiências

públicas, em que especialistas e representantes de entidades sociais relacionadas

aos temas em debate puderam apresentar propostas. Com a produção de um

primeiro anteprojeto pelo respectivo Relator, seguia-se a abertura de prazo para

emendas pelos Constituintes, estas sim já parte de um rito formal para adição,

retirada ou modificação de dispositivos. Encerrada essa etapa, o Relator apresentava

um relatório sobre a apreciação das emendas e um novo anteprojeto incorporando

ou não as propostas. Por fim, esse segundo anteprojeto era submetido a um

último escrutínio do colegiado, gerando o texto final daquela fase. Nas Comissões

Temáticas, a diferença estava na primeira etapa, que consistia na substituição das

propostas gerais por emendas aos anteprojetos das Subcomissões, para depois o

relator apresentar um primeiro anteprojeto daquela fase.

59 O fluxograma completo está disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/Constituicoes_Brasileiras/constituicao-cidada/publicacoes/fluxograma-geral/fluxograma-anc-geral.

41

Fluxo básico nas Subcomissões Temáticas

Fluxo Básico nas Comissões Temáticas

As Comissões de Sistematização e de Redação e o Plenário

apresentaram fluxos um pouco distintos pela própria dinâmica política da Constituinte.

A Comissão de Sistematização, que tinha por atribuição regimental compatibilizar os

diversos anteprojetos das Comissões Temáticas, apreciou quatro versões distintas,

que foram sendo elaborados em sequência antes da submissão ao Plenário. A partir

da primeira compilação feita pelo relator, cada texto era precedido de prazo para

apresentação de emendas e sugestões. O Plenário igualmente apreciou três textos,

sendo o primeiro aquele aprovado na Comissão de Sistematização (Anteprojeto A)

e os outros dois substitutivos (Anteprojetos B e C) até chegar ao texto final, então

submetido à Comissão de Redação (Anteprojeto D).

Ainda na perspectiva de oferecer um panorama geral dos trabalhos,

mas agora com foco no veto, os precedentes do atual artigo 66 da Constituição

Federal encontram-se inicialmente em cinco Subcomissões de quatro Comissões

Temáticas e, como todos os demais, passaram pelas Comissões de Sistematização

e de Redação. Na tabela abaixo estão todas as Comissões Temáticas e suas

respectivas Subcomissões, destacadas aquelas nas quais o veto foi objeto de

considerações:

Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher

Subcomissão da Nacionalidade, da Soberania e das Relações InternacionaisSubcomissão dos Direitos Políticos, dos Direitos Coletivos e das GarantiasSubcomissão dos Direitos e Garantias Individuais

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Comissão da Organização do EstadoSubcomissão da União, Distrito Federal e TerritóriosSubcomissão dos EstadosSubcomissão dos Municípios e Regiões

Comissão da Organização dos Poderes e Sistema de Governo

Subcomissão do Poder LegislativoSubcomissão do Poder ExecutivoSubcomissão do Poder Judiciário e do Ministério Público

Comissão da Organização Eleitoral, Partidária e Garantia das Instituições

Subcomissão do Sistema Eleitoral e Partidos PolíticosSubcomissão de Defesa do Estado, da Sociedade e de sua SegurançaSubcomissão de Garantia da Constituição, Reformas e Emendas

Comissão do Sistema Tributário, Orçamento e Finanças

Subcomissão de Tributos, Participação e Distribuição das ReceitasSubcomissão de Orçamento e Fiscalização FinanceiraSubcomissão do Sistema Financeiro

Comissão da Ordem Econômica

Subcomissão de Princípios Gerais, Intervenção do Estado, Regime da Propriedade do Subsolo e da Atividade EconômicaSubcomissão da Questão Urbana e TransporteSubcomissão da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária

Comissão da Ordem Social

Subcomissão dos Direitos dos Trabalhadores e Servidores PúblicosSubcomissão de Saúde, Seguridade e do Meio AmbienteSubcomissão dos Negros, Populações Indígenas, Pessoas Deficientes e Minorias

Comissão da Família, da Educação, Cultura e Esportes, da Ciência e Tecnologia e da Comunicação

Subcomissão da Educação, Cultura e EsportesSubcomissão da Ciência e Tecnologia e da ComunicaçãoSubcomissão da Família, do Menor e do Idoso

A apreciação se dará por fase da Constituinte, iniciando-se com as

Comissões Temáticas e seguindo para as Comissões de Sistematização e de

Redação.

Dada a complexidade dos procedimentos da Constituinte e o vasto

acervo de sugestões, emendas e documentos disponíveis, além da ausência, como

regra, de votações individualizadas de emendas, o foco da análise das Comissões

Temáticas adotará um eixo e se concentrará nos relatórios e nos debates da Comissão

de Organização dos Poderes e Sistemas de Governo e de suas Subcomissões. A

matéria é citada em diversas outras Comissões e Subcomissões Temáticas, mas

43

em geral com referências a vetos exercidos em governos anteriores. Além disso,

excetuada a Comissão do Sistema Tributário Orçamento e Finanças, que será

tratada de forma individual posteriormente, notou-se que, quando se referem a

propostas para a nova Constituição, os temas identificados nos debates de outras

Comissões e Subcomissões Temáticas estão alinhados com o que foi apresentado

na Comissão de Organização dos Poderes e Sistemas de Governo.

5.1 Comissão de Organização dos Poderes e Sistemas de Governo

A Comissão de Organização dos Poderes e Sistemas de Governo foi

o principal fórum temático para a formulação do regime jurídico do veto no modelo

atualmente adotado no país. A Comissão era dividia em três subcomissões – do

Poder Executivo; do Poder Legislativo; e do Poder Judiciário e do Ministério Público

–, sendo que constam emendas e debates relacionados ao veto nas duas primeiras

Subcomissões e, depois, na etapa de apreciação dos resultados pela própria

Comissão principal, à qual retomaremos mais adiante.

5.1.1. Subcomissão do Poder Legislativo

A Subcomissão do Poder Legislativo iniciou seus trabalhos em 7 de

abril de 1987, sendo Presidida pelo Constituinte Bocayuva Cunha e relatada pelo

Constituinte José Jorge. O veto surge nesta Subcomissão como tema relevante,

sendo citado pelo Presidente logo na terceira reunião ordinária no rol das matérias

a serem abordadas nos trabalhos. O assunto também é objeto de manifestações

e questionamentos em audiências públicas conduzidas pela Subcomissão, com

material rico para a identificação do trajeto percorrido até se chegar ao texto final

aprovado pela Constituinte.

Assim, nos anais da Subcomissão, que incluem as transcrições dos

debates, das audiências públicas e das emendas apresentadas aos anteprojetos do

relator, além dos próprios anteprojetos, alguns temas se destacam. Nesse primeiro

caso, pela surpreendente ausência nos debates, está a possibilidade, prevista no

texto da Comissão Afonso Arinos de o presidente da república convocar referendo

44

sobre o texto em fase de sanção. O assunto não aparece ao longo dos trabalhos,

nem é objeto de proposta de emenda pelos Constituintes.

De outro lado, o pedido de reconsideração pelo presidente da república

ao Congresso Nacional como alternativa ao veto, igualmente constante da proposta

daquela Comissão, foi amplamente discutido e surge, inicialmente, em audiência

pública com o jurista Miguel Reale. Em sua fala, o professor propõe expressamente

a previsão do pedido de reconsideração, fazendo referência ao modelo norte-

americano:

Aqui há uma proposta que faço. Nós temos, hoje, em matéria

de processo legislativo, apenas duas hipóteses: ou aprovação

ou veto. Com isso nos afastamos do modelo norte-americano,

que prevê uma segunda hipótese, que é o pedido de revisão.

Por que perder todo um processo legislativo que pode ser

útil economicamente e culturalmente válido? O presidente

da república declara que poderá aprovar uma lei, desde que

alterados tais ou quais pontos. É um pedido de revisão do

processo legislativo e não o veto. O veto é um não, pura e

simplesmente, parcial ou total. 60

A proposta de inclusão do pedido de reconsideração como alternativa

ao veto não é incluída no primeiro anteprojeto do relator, porém é retomada no

texto final aprovado pela Subcomissão. Na fase de apresentação de emendas,

a reconsideração está presente em uma emenda do Constituinte Vilson Souza,

do PMDB, que, no entanto, trata das competências das Casas do Congresso

Nacional, mas não modifica o dispositivo específico do veto nem menciona o tema

em sua justificação. Assim, a única proposta na qual o pedido de reconsideração é

efetivamente objeto central é a emenda nº 3A0100-2, apresentada em 16 de maio

de 1987 pelo Constituinte Jorge Hage.

O curioso, no entanto, é que sua intenção manifesta não era a adição

do pedido de reconsideração ao regramento do veto, como propunha Miguel

Reale, mas a exclusão do poder de veto, restando ao presidente da república

apenas a possibilidade de pedir a reconsideração ao Congresso Nacional.

60 5º Reunião Ordinária da Subcomissão, em 28 de abril de 1987.

45

O Constituinte argumentava que “não cabe o veto no sistema que se pretende

adotar [parlamentarismo]. No máximo, o pedido de reconsideração, conforme a

Constituição portuguesa, por exemplo”.61 Assim, não é possível relacionar a inclusão

do pedido de reconsideração à proposta do Constituinte, que inclusive foi rejeitada

sem maiores debates quanto ao seu mérito.

Outro tema em destaque nos debates da Subcomissão é a questão

da apreciação do veto pelo Congresso Nacional, dividido em dois elementos:

(i) o quórum para a derrubada de vetos e (ii) o fórum adequado. Já colocamos

anteriormente o impacto que a definição do quórum para a derrubada do veto

tem no equilíbrio a ser obtido entre os poderes do Presidente e do Congresso,

o que foi destacado em audiência pública da Comissão na 6ª reunião ordinária.

Na oportunidade, o Secretário-Geral da Mesa do Senado Federal, Nerione Nunes

Cardoso, um dos palestrantes, aponta que “tanto a Constituição de 1946 como a

de 1967, texto original, estabeleceram quorum de aprovação da matéria vetada

em dois terços dos votos dos Deputados e dos Senadores presentes à sessão; a

Emenda nº 1, de 1969, aumentou drasticamente esse quorum, ao fixá-lo em dois

terços dos membros em cada uma das Casas do Congresso Nacional”, resultando

na manutenção de praticamente todos os vetos presidenciais no período. O

então Subchefe de Assuntos Parlamentares do Gabinete Civil da Presidência da

República, Henrique Eduardo Hargreaves, também palestrante na audiência, segue

na mesma linha:

entendemos que o instituto do veto, da forma como está inserido

no texto atual, se assemelha, para o Legislativo, quase ao veto

absoluto, adotado na Constituição da Albânia, 1925, porque o

Congresso aprova uma matéria, o presidente da república veta

essa matéria, e só 2/3 do Congresso podem derrubar o veto do

presidente da república. Na prática, é impossível que o Congresso

possa derrubar um veto do presidente da república. Na melhor

das hipóteses, entendo que se deveria atentar para esse fato

e determinar um quorum compatível com a realidade política,

porque o quadro político não terá 2/3 de uma só corrente para

61 Emenda nº 3A0100-2.

46

derrubar um veto presidencial. Houve época em que a ARENA

tinha 2/3, mas era uma situação completamente paradoxal.62

O texto dos anteprojetos e o final aprovado pela Subcomissão

variaram bastante nesse quesito, tendo sido apresentadas quatro emendas que

tratavam especificamente deste ponto. Porém o elemento central das propostas de

emenda era o objeto da votação que seria feita pelo Congresso Nacional. Nesse

quesito, o primeiro relatório mantinha a sistemática da Constitituição de 1967 com

a redação da EC nº 1, de 1969, que submetia todo o projeto a uma nova votação,

exigindo para a derrubada dos vetos e a retomada do projeto original do Congresso

“o voto de dois terços dos membros de cada uma das Casas”. O primeiro relatório

apenas reduzia a necessidade de votos de dois terços a necessidade de votos para

a maioria absoluta de cada uma das Casas.

Três das emendas apresentadas propunham uma inversão relevante

no procedimento de veto. Pelas novas propostas, o que o Congresso deveria

apreciar não seria o projeto com os vetos do presidente da república, mas os vetos

em si, e a maioria seria necessária para mantê-los e não mais derrubá-los. Ou seja,

enquanto no sistema da Constituição anterior o Congresso Nacional precisaria de

dois terços dos parlamentares de cada uma das Casas para manter a sua decisão

original, no novo desenho o presidente da república é que precisaria mobilizar a

maioria absoluta dos parlamentares de cada Casa para manter o veto. O ônus,

portanto, passaria a recair sobre o presidente da república, fortalecendo o projeto

aprovado pelo Congresso Nacional. Essa intenção fica evidente na justificação do

Constituinte Jorge Arbage na justificação da sua Emenda nº 3A0233-5, que veio a

ser incorporada no texto final aprovado pela Subcomissão:

Entendo, ainda, que o veto deve ser objeto de votação pois ele é

a matéria nova sobre a qual devem os congressistas manifestar.

O projeto já foi anteriormente apreciado. Não se deve manter

nova votação, com quorum qualificado, pois isto poderia vir a

significar uma ditadura do Poder Executivo sobre o Legislativo

quando, então, uma minoria decidiria sobre as leis deste país.

62 6º Reunião Ordinária da Subcomissão, em 28 de abril de 1987.

47

Uma última emenda sobre esse tema, do Constituinte Ibsen Pinheiro,

propunha, além da votação dos vetos e não do projeto, que a contagem dos votos

não diferenciasse os parlamentares por Casa para fins da obtenção da maioria

absoluta. A decorrência natural da proposta seria o fortalecimento da posição da

Câmara dos Deputados, que já contava, à época, com muito mais membros do que

o Senado, e algum alívio ao presidente da república, que não teria que assegurar

maioria nas duas Casas. A emenda não prosperou na Subcomissão.

Quanto ao fórum adequado para a votação dos vetos, a questão

colocada diante da Subcomissão foi a possibilidade de o Congresso Nacional

manter uma Comissão Representativa que funcionasse nos períodos de recesso

do Parlamento. Nesses períodos, os vetos deixariam de ser analisados pelo

Congresso Nacional em sessão conjunta e seriam submetidos à Comissão. Ainda

que tenham sido mantidas no texto final da Subcomissão, cinco emendas foram

apresentadas pelos constituintes, em que era demandada a abolição da Comissão,

com o argumento geral de que se alguma matéria efetivamente importante exigisse

deliberação, o Congresso poderia ser convocado.

Rejeitada sem grandes debates pela Comissão, mas que pelo

conteúdo justifica ser mencionada, é a Emenda nº 3A0031-6, do Constituinte Lucio

Alcântara. A proposta previa a possibilidade de o presidente da república consultar

o Supremo Tribunal Federal quanto à constitucionalidade do projeto submetido à

sanção.63 A consulta seria facultativa, mas, uma vez realizada, a decisão do Tribunal

seria vinculante para o presidente da república e para o Congresso Nacional e, ao

contrário das ações de controle concentrado que existem, seria proferida antes

da lei entrar em vigor. Na Subcomissão de Garantia da Constituição, Reformas

e Emendas, da Comissão da Organização Eleitoral, Partidária e Garantias das

63 § 1º Ao receber o projeto de lei, o presidente da república poderá submetê-lo à apreciação do Supremo Tribunal Federal, que se manifestará, em dez dias, sobre sua constitucionalidade.

§ 2º Declarado o projeto inconstitucional, no todo ou em parte, o presidente da república o devolverá, sem sanção, ao Congresso Nacional.

§ 3º A decisão do Supremo Tribunal Federal pela inconstitucionalidade vincula o presidente da república e o Congresso Nacional e dela não cabe recurso.

§ 4º O Congresso Nacional poderá reelaborar o projeto de lei e encaminhá-lo à sanção do presidente da república que ouvirá, obrigatoriamente, o Supremo Tribunal Federal.

§ 5º Declarando o Supremo Tribunal Federal não ser inconstitucional o projeto, poderá o presidente da república sancioná-lo, se motivo de interesse público não tiver para vetá-lo.

48

Instituições, João Gilberto Lucas Coelho igualmente defende essa alternativa em

audiência pública promovida na 5ª Reunião Ordinária, em 9 de abril de 1987:

O presidente da república poderia consultar o Tribunal

Constitucional, ou o Supremo Tribunal Federal, se esse

permanecer como Corte Constitucional do País, previamente,

antes da sanção de um projeto aprovado, pelo Congresso,

sobre a sua constitucionalidade. Vejo que isso teria o valor de

que o Congresso não poderia derrubar o veto do Presidente

para, depois, o Presidente entrar na justiça, alegando

inconstitucionalidade. Essa questão da constitucionalidade seria

resolvida até previamente ao veto. … Acho que esse rito vai

resolver muitos problemas e evitar muitos contratempos que nós

encontramos na nossa prática de povo, de Estado organizado.

Por fim, ainda no âmbito da subcomissão, um elemento que é

trabalhado pelo relator e também surge nas emendas é a inserção de algumas

matérias na competência exclusiva do Congresso Nacional como uma forma de

limitação material ao veto. A intenção assumida dos Constituintes da Subcomissão

era impedir que o presidente da república pudesse exercer o poder de veto sobre a

regulação da fiscalização do Poder Executivo pelo Congresso Nacional, como fica

evidente na fala do Relator José Jorge:

A primeira das grandes alterações no texto constitucional,

relacionadas com o retorno das prerrogativas, foi a inclusão,

na competência exclusiva do Congresso Nacional – e portanto

independentemente da sanção presidencial –, do poder de

fiscalizar e controlar os atos do Executivo. Até agora, esta

atribuição é regulada por lei submetida à aprovação do

Presidente. Dessa forma, uma das mais importantes atividades

de qualquer Parlamento – a ação fiscalizadora – rege-se, numa

situação no mínimo insólita, por normas sujeitas à anuência

prévia do fiscalizado, no caso o Executivo. O texto da Carta

Magna esconde uma distorção evidente, ainda mais notável

49

quando se tenta pôr em prática os atos relativos à fiscalização

de um poder pelo outro.64

O resultado final desta Subcomissão, ao menos no tocante ao veto,

já é mais próximo do que veio a contar na Constituição de 1988. A exceção, nesse

caso, é a possibilidade do pedido de revisão, que foi incluído no anteprojeto, mas não

vingou no texto promulgado. Assim, como resultado dos trabalhos da Subcomissão,

foi aprovado o seguinte texto:

Art. 27. A Câmara na qual tenha sido concluída a votação enviará

o projeto de lei ao presidente da república, que, aquiescendo, o

sancionará.

§ 1º. Se o presidente da república julgar o projeto, no todo ou em

parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-

lo-á ou solicitará ao Congresso Nacional a sua reconsideração,

total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da

data do recebimento.

§ 2º. O veto parcial somente abrangerá o Texto integrai de artigo,

de parágrafo, de item, de número ou de alínea.

§ 3º. Decorrida a quinzena, o silêncio do presidente da república

importará sanção.

§ 4º. O presidente da república comunicará as razões do veto ou

do pedido de reconsideração ao Presidente do Senado Federal

ou da Comissão Permanente do Congresso Nacional, o qual será

apreciado dentro de trinta dias, a contar do seu recebimento,

considerando-mantido o veto que obtiver o voto da maioria

absoluta dos membros de cada uma das Casas do Congresso

reunidos em sessão conjunta. Se o veto não for mantido, será o

projeto enviado, para promulgação, ao presidente da república.

§ 5º. Esgotado, sem deliberação, o prazo estabelecido no

parágrafo anterior, o veto ou o pedido de reconsideração será

64 8ª Reunião Ordinária da Subcomissão, em 12 de maio de 1987.

50

colocado na ordem do dia da sessão imediata, sobrestadas as

demais proposições, até sua votação final.

§ 6º. Se a lei não for promulgada dentro de quarenta e oito

horas pelo presidente da república, nos casos do § 3º e do §

4º, o Presidente do Senado Federa a promulgará, e, se este

não o fizer em igual prazo, fá-lo-á o Vice-Presidente do Senado

Federal.

§ 7º. Nos casos do artigo 5º [competências exclusivas do

Congresso Nacional], após a aprovação final, a lei será

promulgada pelo Presidente do Senado Federal.

§ 8º. No caso do inciso V do artigo 10. [legislação para o Distrito

Federal], o projeto de lei vetado será submetido apenas ao

Senado Federal, aplicando-se, no que couber, o disposto no §

4º. Deste artigo.

5.1.2. Subcomissão do Poder Executivo

A Subcomissão do Poder Executivo também iniciou seus trabalhos

em 7 de abril de 1987, sendo presidida pelo Constituinte Albérico Filho e relatada

pelo Constituinte José Fogaça. Ao contrário do que ocorreu na Subcomissão do

Poder Legislativo, o que se extrai das notas taquigráficas das reuniões dessa

Subcomissão é que o veto não foi elemento central de debates, ainda que conste

em todos os anteprojetos apresentados.

O aspecto central depreendido dos debates dessa Subcomissão

é a grande preocupação dos Constituintes com a redução dos poderes do

Executivo e o fortalecimento do Congresso Nacional. É nesse contexto que o

veto é reiteradamente mencionado, sempre associado a ponderações em relação

ao equilíbrio que se pretende alcançar entre Legislativo e Executivo, ainda que

permanecesse indefinido o elemento quase que preliminar sobre a natureza

presidencialista ou parlamentarista do futuro sistema de governo. Esse aspecto

dos debates fica evidente na fala do Constituinte Vivaldo Barbosa, e também 1º

Vice-Presidente da Subcomissão:

51

Acho que realmente esse deve ser o nosso método de trabalho.

Mergulhar na análise do Estado brasileiro, tentar transformá-lo.

Depois nossa tarefa vai ser rotulada como “presidencialista” ou

“parlamentarista”, mas devemos mergulhar em profundidade.

Precisamos considerar as atribuições que devem remanescer

no Executivo, bem como a democratização do Poder Executivo,

o controle do Poder Executivo, o Poder Legislativo. Qual o

novo papel que desempenhará nesse Estado modernizado e

transformado.65

Considerando que a motivação histórica para a própria criação do

veto foi assegurar o controle recíproco para que um Poder não avançasse nem

subjugasse os demais, os debates da Assembleia Constituinte nos oferecem pistas

concretas para compreender o desenho a que se chegou. E ao contrário do que

se viu na Constituinte norte-americanas, o objetivo em 1987 e 1988 no Brasil era o

fortalecimento do Legislativo.

O anteprojeto inicial do relator manteve as inovações propostas

originalmente pelo anteprojeto da Comissão Afonso Arinos para o instituto do veto,

como a possibilidade de pedido de reconsideração e a convocação de referendo,

diferentemente do que ocorreu na Subcomissão do Poder Legislativo. Porém, a nova

proposta trazia dois elementos que reduziam em parte o seu alcance. O primeiro era

de que, para a convocação do referendo, fosse ouvido o Conselho da República,

órgão que seria composto pelo próprio presidente da república, o vice-presidente

da república, os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, o

primeiro-ministro, os líderes da maioria e da minoria da Câmara dos Deputados

e do Senado Federal, o presidente do Conselho Constitucional e seis cidadãos

brasileiros natos, sendo dois indicados pelo presidente da república, dois eleitos

pelo Senado Federal e dois eleitos pela Câmara dos Deputados. Note-se, nesse

caso, a prevalência de membros do Parlamento ou por ele indicados. Ignorando-

se as relações partidárias, o Presidente contaria com cinco membros diretamente

relacionados a ele,66 enquanto o Congresso Nacional contaria com dez.

65 1ª Reunião Ordinária da Subcomissão, em 7 de abril de 1987.66 O presidente da república, o vice-presidente da república, o presidente do Tribunal (ou

Conselho) Constitucional e dois cidadãos.

52

A segunda inovação prevista era a criação do Conselho Constitucional,

que se manifestaria previamente à promulgação sobre leis que poderiam vir a ter

sua constitucionalidade questionada. Trata-se de uma disposição que aproximaria

o veto do modelo francês, que conta com um Conselho Constitucional de natureza

política. O Conselho poderia ser provocado a se manifestar pelo o presidente da

república, pelo primeiro-ministro, pelo Presidente da Câmara dos Deputados, pelo

Presidente do Senado Federal, por 150 Deputados Federais ou por 20 Senadores.

Sua manifestação seria vinculante, impedindo a promulgação da lei ou da disposição

considerada inconstitucional. Assim como no caso do Conselho da República, a

composição era desfavorável ao Presidente na proporção de 2 x 1, enfraquecendo

mais uma vez sua posição no âmbito do veto ou da apreciação da lei no momento

final antes da promulgação:

Art. 46º O Conselho Constitucional compõe-se de nove membros,

três dos quais são indicados pelo presidente da república, três

são eleitos pela Câmara dos Deputados e três são eleitos pelo

Senado Federal, renovando-se um terço da sua composição em

cada dois anos.

Uma vez apresentado esse relatório inicial, foram elaboradas diversas

emendas pelos Constituintes, das quais duas tratam especificamente do texto

referente ao veto e merecem destaque. A primeira é a Emenda nº 3B0040-0, do

Constituinte Nelson Carneiro, que propõe a exclusão do Conselho Constitucional,

uma vez que “a arguição de inconstitucionalidade da lei deve ser apreciada pelo

Supremo Tribunal, ampliando-se e regulamentando melhor a intervenção do

Procurador Geral da República”. A segunda é do Constituinte Jorge Hage, que

questiona diretamente o poder de veto do presidente da república em um sistema

de governo que vinha sendo desenhado como parlamentarista, preocupação que

também é encontrada em emendas dos Constituintes Itamar Franco e Roberto

Freire na Subcomissão do Poder Legislativo. Nas palavras de Hage:

Parece-nos que a supressão destes itens é essencial, desde

que se tenha admitido a preliminar de que o Presidente não é

integrante do governo, conforme emendas anteriores da nossa

autoria.

53

No que se refere ao inciso 11º, parece claro que o Poder de

veto representa o confronto, que não se coaduna com a figurado

Presidente perante o parlamento. No máximo poder-se-ia admitir

o pedido de reconsideração que é o sentido da Constituição

Portuguesa.67

O novo relatório manteve a previsão de consulta ao Conselho

da República para a convocação de referendos, porém eliminou a previsão do

Conselho Constitucional. Como texto final da Subcomissão do Poder Executivo,

a parte relativa à sanção de leis pelo presidente da república foi aprovada com a

seguinte redação:

Das Atribuições do Presidente da República

Art. 10 - Compete ao presidente da república, na forma e nos

limites estabelecidos por esta Constituição:

IX – sancionar, promulgar e fazer publicar as leis;

X - vetar projeto de lei, parcial ou totalmente, ou solicitar a

reconsideração do Congresso Nacional;

XXIV - determinar a realização de referendo, ouvido o Conselho

da República, sobre propostas de emendas Constitucionais e

projetos de lei de iniciativa do Congresso Nacional que visem a

alterar a estrutura ou afetem o equilíbrio dos Poderes;

5.1.3. Consolidação na Comissão Temática

Instalada em 1º de abril de 1987, a Comissão elegeu como presidente

o Constituinte Oscar Corrêa, e como relator o Constituinte Egídio Ferreira Lima.

Os trabalhos iniciais da Comissão de Organização dos Poderes e Sistemas de

Governo foram centrados em questões internas e na promoção de algumas

67 Emenda nº 3B0083-3.

54

audiências públicas no período em que funcionaram as Subcomissões. Ao menos

formalmente, a Comissão somente passou à discussão de questões relativas aos

textos das Subcomissões em sua 5ª Reunião Ordinária, em 9 de junho de 1987.

Nesta data, o relator apresentou seu primeiro parecer, com base tanto nos textos

das Subcomissões como na primeira rodada de emendas.

Curiosa é a observação inserida em sua exposição inicial, na qual o

Constituinte faz questão de diferenciar o Presidencialismo Norte-americano do que

tínhamos no Brasil à época.

O presidencialismo americano, de que tanto se fala entre nós,

não tem nada como o nosso. É um sistema de governo próprio e

sem similar. Nasceu das características locais. É um sistema em

que o Presidente e o Congresso são fortes, exatamente porque

o Estado nasceu da confederação de várias nações distintas.68

Naquele momento, a Constituinte ainda trabalhava com a perspectiva

de um sistema de governo parlamentarista, com a figura de um primeiro-ministro

como chefe de governo. Não obstante, o poder de veto seguia ainda a inspiração

do modelo norte-americano, tendo sido dispensadas as propostas de criação

de um Conselho Constitucional ou de alguma forma de controle preventivo de

constitucionalidade por órgão externo.69

68 1ª Reunião Ordinária da Subcomissão, em 1º de abril de 1987.69 Em audiência pública da Comissão, em 6 de maio de 1987, o então Ministro do Supremo

Tribunal Federal, Sidney Sanches, cita a atribuição conferida às cortes constitucionais de alguns países de apreciar preventivamente a constitucionalidade de leis, mas coloca em dúvida sua aplicabilidade no Brasil: “As Cortes Constitucionais exclusivas – aqui entramos numa área bastante nebulosa – cuja missão a examinar com exclusividade questões constitucionais, foram criadas, segundo todos sabemos, em poucos países: Áustria, as duas Alemanhas – aliás, não tenho a Constituição da Alemanha Oriental; tenho a da Federal – Portugal, Chile, Espanha, Franca, Itália, Peru, Guatemala e Equador. Isto, ao que me lembro. E essas Cortes funcionam ao lado das Cortes Supremas. Todos esses países têm também como se sabe, Supremos Tribunais, que cuidam de outras matérias. Mas em alguns deles – e isto é importante, ao meu ver – tais Cortes Constitucionais realizam não só o controle posterior da constitucionalidade, mas principalmente o controle prévio, que aqui, no Brasil, compete às Comissões de Constituição e Justiça do Poder Legislativo. Até não compreendo bem como a tradição brasileira aceitaria uma Corte, externa ao Legislativo, controlando previamente a constitucionalidade das leis que ele vai elaborar. Mas em vários países há um controle prévio da constitucionalidade. E se a Corte Constitucional vetar o projeto, o Legislativo não poderá sequer votá-lo. Em outros o controle a posterior, só depois de elaborada a lei é que se põe em discussão a sua validade perante a Corte Constitucional. E em alguns, a Corte Constitucional integra o Poder Judiciário – isto a interessante, não estou dizendo novidades, é bom realçar – mas não se submete a sua cúpula, que é sempre a Corte Suprema.” O Constituinte Lúcio Alcantara, que já havia proposto a atuação preventiva do Supremo Tribunal Federal nos debates da Subcomissão do Poder Legislativo, retoma a proposta com a Emenda nº 3000685-9, argumentando que

55

A redação proposta pelo relator nessa primeira etapa para o instituto

do veto funde essencialmente os textos das Subcomissões do Poder Legislativo e

do Poder Executivo, aproveitando da primeira a sistemática dos vetos e da segunda

a competência do presidente da república. Permaneceram no anteprojeto o pedido

de reconsideração, a apreciação do Congresso para a manutenção do veto e o

veto parcial restrito a dispositivos inteiros. Manteve-se, no entanto, a competência

do presidente da república para determinar a realização de referendo, ouvido o

Conselho da República, sobre proposta de emendas constitucionais e projetos de lei

que visem a alterar a estrutura ou afetar o equilíbrio dos Poderes, que permaneceu

sem uma sistemática clara para sua aplicação. No caso, não é possível inferir se

essa determinação ocorreria no prazo do veto nem quais efeitos teriam sobre ele.

As emendas e debates igualmente não auxiliam no esclarecimento

desse ponto, que permaneceu no texto final aprovado pela Comissão. Entre

elas, destaca-se apenas a Emenda nº 300861-4, do Constituinte Vasco Alves,

que propõe a “consulta popular sobre projetos que houverem recebido veto ou

sanção”, aproximando-se do sugerido pela Comissão Afonso Arinos. Argumenta o

parlamentar que:

uma consulta popular, sem qualquer dúvida, tem poderes

infinitamente superiores à sanção ou veto de qualquer matéria

por agente da administração pública, cabendo à constituição

assegurar esse direito à população, impedindo desta forma a

prevalência de decisões autoritárias e despóticas.70

A proposta de participação direta da população mediante o poder de

veto a um projeto de lei também é citada pelo Constituinte João Amazonas, em

audiência pública71 na Subcomissão do Sistema Eleitoral e Partidos Políticos, da

Comissão da Organização Eleitoral, Partidária e Garantias das Instituições. No

entanto, a sugestão, que não foi adiante nos anteprojetos, é ainda mais participativa,

ao prever que a própria população teria controle do gatilho para a submissão do

“o controle da constitucionalidade e da conformidade jurídica dos projetos de lei efetuado pelo Supremo Tribunal Federal acresce certeza e segurança à ordem jurídica e às relações negociais. Constitui importante aperfeiçoamento do sistema brasileiro, o qual, já condensa de forma admirável os controles concentrado e difuso a posteriori.” 2ª Reunião de Audiência Pública da Comissão, em 6 de maio de 1987.

70 Emenda nº 300861-4.71 6ª Reunião Ordinária da Subcomissão, em 29 de abril de 1987.

56

projeto a referendo popular com o propósito de fiscalizar e controlar os trabalhos de

seus representantes:

E analisamos também a figura do veto popular a determinados

projetos oriundos das Casas do Congresso: desde que um

determinado número de ações populares se adentrem na Justiça,

aquele projeto é vetado e submetido ao referendum popular. É

uma maneira de procurar democratizar, na realidade, mais o

processo eleitoral, com a participação plena da população nos

destinos políticos do país. E dizemos o motivo: sabemos que,

infelizmente, muitos companheiros vão para as ruas, apresentam

projetos que representam o sentimento da população, mas, na

prática, ao assumir o mandato, defendem justamente o inverso

do que propagaram nas ruas. E a maneira de o povo cobrar, será,

na realidade, através do repúdio a determinadas proposições

apresentadas por aqueles que estão traindo a consciência

política.72

A análise das emendas evidencia que, no tocante ao poder de

veto, as questões levadas à Comissão se assemelham àquelas já tratadas nas

Subcomissões. A possibilidade do pedido de reconsideração segue polêmico, com

alguns constituintes como Itamar Franco, defendendo que “não há como pedir a

reconsideração do Congresso Nacional”,73 enquanto outros, de viés parlamentarista,

sugerem sua manutenção e a extinção do veto, como é o caso do Constituinte

Maguito Vilela, com a Emenda nº 300106-7:

72 Propostas similares, porem como focos específicos em políticas urbanas, foram defendidas na Subcomissão da Questão Urbana e Transporte da Comissão da Ordem Econômica por representantes da sociedade civil. Em documento apresentado à Subcomissão, o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), a Federação Nacional dos Arquitetos (FNA) e a Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura (ABEA) defendem que seja “assegurado a um conjunto de cidadãos que represente 5% do eleitorado local, suspender, através de veto popular a promulgação de um projeto de lei considerado contrário aos interesses da sociedade. O projeto em tramitação será nesse caso submetido a referendo popular”. Na mesma linha, Sérgio Andréa, representando a Federação das Associações de Moradores do Estado do Rio de Janeiro – FAMERJ e o Movimento Nacional pela Reforma Urbana em audiência pública da Subcomissão em 6 de maio de 1987 afirmava: “preciso que a lei possibilite a participação da iniciativa popular para mudar a legislação municipal. É preciso que a lei possibilite o veto a uma lei municipal e que esse mesmo veto seja submetido ao referendo popular. Vejam que há um encadeamento. É possível a população apresentar uma iniciativa de lei – não está assegurado que essa lei será aprovada. É possível que a população vete, mas não está assegurado o veto; ele será submetido ao referendo popular”.

73 Emenda nº 300034-6.

57

Estranhamos que o Poder Executivo possa vetar um projeto

de lei apresentado pelos membros do Congresso Nacional.

É para corrigir essa distorção que eliminamos a palavra veto,

por reconsideração, seja parcial ou totalmente como forma de

manter o equilíbrio entre os poderes.

O veto nos parece uma forma autoritária do Poder Executivo se

relacionar com o Legislativo, no exercício de suas funções.

No meio dessa polêmica, ressurge também a proposta mais radical da

extinção completa desse mecanismo, seja por veto ou pedido de reconsideração.

Essa questão já havia sido colocada pelo Constituinte Jorge Hage na Subcomissão

do Poder Executivo, porém sob o argumento de que o veto não teria lugar em

um sistema parlamentarista. Agora, na Comissão principal, os constituintes Cunha

Bueno,74 Gumercindo Milhomem Neto e José Genoíno Neto encampam a mesma

proposta, porém com argumentações mais voltadas para a total supremacia do

Parlamento na atividade legislativa, como apresentada na justificativa por este

último:

Buscando o restabelecimento das prerrogativas do Poder

Legislativo, propomos a presente emenda, que extingue o

poder de veto do presidente da república sobre Projetos de Lei

aprovados pelo Congresso Nacional. Acreditamos que a extinção

do poder de veto representa um dos mais efetivos mecanismos

de defesa do Congresso Nacional, contra a hipertrofia legislativa

do poder Executivo e o excesso de autoritarismo presidencial -

infelizmente fato bastante comum em nossa história política.75

74 Na Emenda nº 300913-1, o Constituinte Cunha Bueno se baseia em argumento histórico para defender a exclusão do veto do futuro texto constitucional: “Desde que deve ser eliminado o inciso X do artigo 10 do Relatório Final do Anteprojeto José Fogaça na Subcomissão do Poder Executivo da Comissão da Organização dos Poderes e Sistema de Governo, também devem ser extintos o artigo 27 e parágrafos da Subcomissão do Poder Legislativo, que prevê o mesmo direito de veto, parcial ou totalmente, do presidente da república às decisões encaminhadas legislativamente pelo primeiro-ministro. Como se sabe, o método fracassou na experiência mista, presidencialista/parlamentarista dos tempos da presidência João Goulart, quando este entrou em insolúveis impasses com seu Primeiro Ministro Tancredo Neves. Até capitularem os seus sucessores e terminar deposto o próprio Goulart”.

75 Emenda nº 300437-6. Na mesma linha, a Emenda nº 301344-8, do Constituinte Milhomem Neto, com a justificativa de que “O poder de veto a projetos de lei concedido ao presidente da república transforma o executivo em super poder, limitando o legislativo em suas prerrogativas”.

58

Também retorna às emendas propostas para inserção de algumas

matérias na competência exclusiva do Congresso Nacional como forma de

limitação material ao veto foram reapresentadas como emendas nesta Comissão.

Na Subcomissão do Poder Legislativo, onde haviam sido inicialmente propostas, a

intenção era impedir que o presidente da república pudesse exercer o poder de veto

sobre a regulação da fiscalização do Poder Executivo pelo Congresso Nacional.

Já no âmbito da Comissão, o que se pretendeu é excluir a concessão de anistias

do escrutínio presidencial. Nesse sentido, o Constituinte Paulo Macarini defende

que “a anistia, uma vez aprovada no Congresso Nacional, não poderá estar na

dependência de veto ou sanção Presidencial. Trata-se de uma prerrogativa típica

de exclusiva competência dos congressistas”.76

O debate mais rico, no entanto, é quanto à manutenção ou não do

veto parcial na forma restrita. A preocupação em limitar os poderes do presidente

da república com a exigência de que o veto fosse aplicável apenas a dispositivos

inteiros parecia consensual nos registros das Subcomissões dos Poderes

Legislativo e Executivo, não havendo registro de falas ou emendas favoráveis ao

veto de palavras como permitido pelo texto constitucional de 1969. O anteprojeto da

Subcomissão do Poder Legislativo é, inclusive, taxativo quanto a essa restrição. Na

Comissão de Organização dos Poderes e Sistemas de Governo, tanto o primeiro

anteprojeto do Relator quanto o final aprovado incluíram a restrição, impedindo

o veto a palavras individuais. As emendas propostas sobre o tema igualmente

reforçaram essa decisão, sendo todas no sentido de assegurarem o veto parcial

restrito.

O suposto consenso, no entanto, não representava a unanimidade

dos membros da Comissão, como ficou evidente na apreciação da Emenda nº

3S0461-1, do Constituinte Vilson Souza, que propunha a extinção do veto parcial

justamente com o propósito de não haver a possibilidade do veto a palavras ou

mesmo dispositivos, de modo a se evitar que pudesse haver distorção do significado

original do texto. Colocada em votação na 7ª Reunião Ordinária da Comissão, o

primeiro sinal de discordância evidenciou-se nos rápidos encaminhamentos do

autor da emenda e do Relator Egidio Ferreira Lima:

76 Emenda nº 301261-1.

59

O SR. PRESIDENTE (Oscar Corrêa): – Concedo a palavra ao

ilustre autor da proposta, Constituinte Vilson Souza, para falar a

favor. S. Ex.ª dispõe de três minutos.

O SR. CONSTITUINTE VILSON SOUZA: – Sr. Presidente,

é inquestionável que, no direito Constitucional moderno, o

presidente da república participe da atividade legislativa com

o poder de vetar projetos de lei aprovados pelo Congresso

Nacional. Mas também não é menos verdade que os poderes do

presidente da república devem ser limitados. Temos a experiência

da ditadura, em que se permite o veto, inclusive, de palavras.

Inúmeros diplomas legais, leis ou os projetos de leis votados

pela Câmara ou pelo Congresso Nacional foram deturpados por

supressão de palavras, de parágrafos ou de alíneas.

Minha proposta é no sentido de que o presidente da república

tenha efetivamente o poder de vetar o projeto de lei, mas que

não contribua para deformar o conteúdo, a própria vontade

legislativa. Ou o Presidente veta integralmente o projeto, ou

o aprova integralmente. Esta é a minha posição. Que não

se permita ao presidente da república, na supressão de um

parágrafo, de um artigo ou de uma alínea de um projeto de lei,

deturpar o próprio sentido da lei.

O SR. PRESIDENTE (Oscar Corrêa): – Concedo a palavra ao

ilustre Relator para encaminhar contrariamente à proposta.

O SR. RELATOR (Egídio Ferreira Lima): – Sr. Presidente e Srs.

Constituintes, tenho grande consideração pelo Constituinte Vilson

Souza. Mas entendo que a proposta de S. Ex.ª cria problemas

sérios. Às vezes, o presidente da república tem necessidade de

limitar o veto a algumas expressões, salvando o todo. E agora

temos uma amplitude muito maior de poder. Primeiro, porque

reduzimos o quorum do veto para a metade, maioria absoluta;

segundo, criamos o instituto do pedido de reconsideração pelo

presidente da república.

Sr. Presidente, sou contra a proposta.

60

Destaque-se que, apesar da emenda ter sido rejeitada por 5 votos a

46, o voto contrário não representa uma posição favorável ao veto de palavras nos

moldes definidos na Constituição de 1969. Isso porque o Anteprojeto do Relator

já previa o veto parcial na forma restrita – permitido apenas para a íntegra de

dispositivo –, de modo que a manutenção do texto sem alterações era suficiente

para assegurar a restrição. Por outro lado, certamente a matéria era controversa.

Encerrados os debates, o anteprojeto aprovado naquela Comissão e

submetido à Comissão de Sistematização dispunha sobre os vetos presidenciais de

modo bastante próximo ao modelo que havia sido proposto pelas Subcomissões,

mantendo o pedido de reconsideração, o veto parcial restrito, a apreciação pelo

Congresso para a manutenção do veto, o quórum de maioria absoluta e a ainda

pouco detalhada possibilidade de convocação de referendo:

Art. 29 - A Câmara, na qual tenha sido concluída a votação,

enviará o projeto de lei ao presidente da república, que,

aquiescendo, o sancionará.

§ 1º – Se o presidente da república julgar o projeto, no todo ou

em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-

lo-á ou solicitará ao Congresso Nacional a sua reconsideração,

total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da

data do recebimento.

§ 2º – O veto parcial somente abrangerá texto integral de artigo,

de parágrafo, de inciso, de item, de número ou de alínea.

§ 3º – Decorrido o prazo de quinze dias, o silêncio do presidente

da república importará sanção.

§ 4º – O presidente da república comunicará as razões do veto ou

do pedido de reconsideração ao Presidente do Senado Federal,

o qual será apreciado dentro de trinta dias, a contar do seu

recebimento, considerando-se mantido o veto se obtiver maioria

absoluta dos membros de cada uma das Casas do Congresso,

reunidas em sessão conjunta.

61

§ 5º – Se o veto não for mantido, será o projeto enviado, para

promulgação, ao presidente da república.

§ 6º – Esgotado, sem deliberação, o prazo estabelecido no § 4°,

o veto ou o pedido de reconsideração será colocado na ordem

do dia da sessão imediata, sobrestadas as demais proposições,

até sua votação final, ressalvadas as matérias de que trata o §

1º do artigo 22 [medidas provisórias].

§ 7º – No caso do inciso V do Art. 10, o veto será submetido

apenas ao Senado Federal, aplicando-se, no que couber, o

disposto neste artigo.

Art. 54 – Compete ao presidente da república, na forma e nos

limites desta Constituição:

IX – sancionar, promulgar e fazer publicar as leis;

X - vetar projeto de lei, parcial ou totalmente, ou solicitar a sua

reconsideração ao Congresso Nacional, não sendo permitido

vetar palavras ou expressões, isoladamente;

XXIII – determinar a realização de referendo, ouvido o Conselho

da República, sobre proposta de emendas constitucionais

e projetos de lei que visem a alterar a estrutura ou afetar o

equilíbrio dos Poderes;

5.2. Comissão do Sistema Tributário, Orçamento e Finanças

Os projetos de leis orçamentárias sempre receberam tratamento

específico no processo legislativo previsto nas Constituições brasileiras e em sua

tramitação no Congresso Nacional.

62

Comparando-se os textos das Constituições de 1946,77 1967,78

1969,79 nota-se que uma primeira preocupação dos Constituintes de 1987 era

para a definição do prazo de envio do projeto pelo Poder Executivo ao Poder

Legislativo e o prazo para a devolução do mesmo pelo Congresso Nacional para a

sanção do presidente da república, com vistas a assegurar um prazo razoável para

deliberação. O período disponível para o Congresso Nacional se debruçar sobre o

Orçamento foi sendo paulatinamente reduzido pelos textos constitucionais, que em

1946 concedia seis meses, passando para quatro meses em 1969.

A segunda preocupação identificável nas Constituições é no sentido

de evitar que se tenha períodos sem orçamento vigente. Na Constituição de 1946,

isso era contornado prorrogando-se para o exercício seguinte o que estivesse em

vigor até a aprovação final de seu substituto, enquanto que tanto a Constituição

de 1967 quanto o fruto da Emenda Constitucional de 1969 previam a promulgação

do projeto originalmente enviado pelo Executivo. Quanto às demais balizas para a

sanção, as Constituições remetiam ao processo legislativo ordinário, não trazendo

outras inovações.

77 Art. 74 – Se o orçamento não tiver sido enviado à sanção até 30 de novembro, prorrogar-se-á para o exercício seguinte o que estiver em vigor.

Art. 87 – Compete privativamente ao presidente da república:

XVI – enviar à Câmara dos Deputados, dentro dos primeiros dois meses da sessão legislativa, a proposta de orçamento; (Redação original, modificada para “XVI - Enviar à Câmara dos Deputados, até 31 de julho de cada ano, a proposta do orçamento” pela Emenda Constitucional nº 8, de 1963)

78 Art. 68 – O projeto de lei orçamentária anual será enviado pelo presidente da república à Câmara dos Deputados até cinco meses antes do início do exercício financeiro seguinte; se, dentro do prazo de quatro meses, a contar de seu recebimento, o Poder Legislativo não o devolver para sanção, será promulgado como lei.

§ 4º – Aplicam-se ao projeto de lei orçamentária, no que não contrarie o disposto nesta Seção, as demais regras constitucionais da elaboração legislativa.

79 Art. 66. O projeto de lei orçamentária anual será enviado pelo presidente da república ao Congresso Nacional, para votação conjunta das duas Casas, até quatro meses antes do início do exercício financeiro seguinte; se, até trinta dias antes do encerramento do exercício financeiro, o Poder Legislativo não o devolver para sanção, será promulgado como lei.

§ 4º – Aplicam-se ao projeto de lei orçamentária, no que não contrariem o disposto nesta seção, as demais normas relativas à elaboração legislativa.

63

Ainda que nos debates da Subcomissão de Orçamento e Fiscalização

Financeira não se discuta objetivamente o veto aos projetos de leis orçamentárias,

um procedimento específico está previsto desde o primeiro anteprojeto apresentado

pelo relator, o Constituinte José Luiz Maia. Diferentemente do encontrado nas

Constituições anteriores, o anteprojeto detalhava um pouco mais o procedimento

de veto. Além de definir os prazos para envio e apreciação do projeto de lei e

manter a promulgação do projeto enviado pelo Poder Executivo em caso de não

cumprimento, propunha o prazo específico e exíguo de cinco dias para a sanção do

projeto de lei orçamentária pelo presidente da república e o prazo igualmente crítico

de dez dias para manifestação do Congresso sobre eventuais vetos. A redação não

dispunha sobre quóruns ou restrições ao veto parcial.

Constituintes como Antonio Salim Curiati80 e José Costa81 chegaram a

propor emendas com o objetivo de extinguir tais prazos especiais sob o argumento

de que “o orçamento público, do ponto de vista formal, é uma lei. Como tal,

deve estar submetido aos mesmos prazos para sanção e veto”.82 Ainda que não

declarada, pode-se inferir da proposta que os Constituintes reduziam a relevância

da fase de sanção para a formulação orçamentárias ao conferir prazos tão curtos

para o presidente e para o próprio Congresso formularem e votarem vetos.

A Comissão do Sistema Tributário Orçamento e Finanças manteve, na

essência, as disposições aprovadas pela Subcomissão, apenas com aprimoramentos

na redação. Nota-se na redação aprovada pela Comissão as mesmas preocupações

vistas nas Constituições anteriores, acrescidas do procedimento específico de veto:

Art. 35 - O projeto de lei de diretrizes orçamentárias e o projeto

de lei orçamentária anual serão devolvidos para sanção,

respectivamente, até:

I – o encerramento do primeiro período da sessão legislativa;

II – trinta dias antes do encerramento do exercício financeiro.

§ 1º – O presidente da república terá cinco dias, a contar

do recebimento dos projetos, para sancioná-los ou vetá-

80 Emenda nº 500514-1.81 Emenda nº 500740-2.82 Idem.

64

los, comunicando ao Presidente do Congresso Nacional,

em quarenta e oito horas, em caso de veto, as razões que o

motivaram. Decorridos os cinco dias, o silêncio do presidente da

república importará a sanção.

§ 2º – O Congresso Nacional, no prazo de dez dias, deliberará

sobre as partes vetadas dos projetos.

§ 3º – Os recursos orçamentários que, em virtude de emenda

ou de veto, restarem sem despesa correspondente poderão

ser utilizados mediante autorização legislativa para abertura de

crédito especial ou suplementar.

§ 4º – Se o projeto de lei de diretrizes orçamentárias e o projeto

de lei orçamentária anual não forem devolvidos, para sanção,

nos prazos estabelecidos no «caput», o Governo fica autorizado

a, respectivamente:

I – promulgá-lo como lei;

II – executá-lo, por decreto, até a promulgação da lei.

Art. 36 – Aplicam-se aos projetos de lei a que se refere o artigo

33, no que não contrariem o disposto nesta Seção, as demais

normas relativas à elaboração legislativa.

5.3. Comissão de Sistematização

A Comissão de Sistematização, presidida por Afonso Arinos e relatada

por Bernardo Cabral, marca o encerramento das Comissões Temáticas, com

seus diversos projetos paralelos e, muitas vezes, contraditórios. Pelo Regimento

da Constituinte, essa Comissão teria a atribuição de compatibilizar os textos

das Comissões Temáticas para, a partir dessa etapa, a Assembleia Nacional

Constituinte passar a atuar com um único texto, já contendo todos os assuntos

tratados anteriormente. Pela lógica do Regimento, caberia ao Plenário a apreciação

material dos textos. Sob a ótica política, estudiosos do processo constituinte, como

65

José Afonso da Silva, apontam que a etapa da Comissão de Sistematização foi um

momento turbulento:

27. A Constituinte atravessou alguns momentos críticos. A partir

de julho de 1987, a Comissão de Sistematização pouco discutia

e nada deliberava. Transformara-se no muro das lamentações

daqueles que não tinham mais função alguma na Constituinte.

Nem o Relator comparecia às suas reuniões, enquanto isso os

grupos paralelos se reuniam, discutiam, elaboravam projetos

paralelos de Constituição; projeto Hércules, projeto Afonso,

projeto Ferraz.

28. Em agosto, Mário Covas sofre uma cirurgia cardíaca, de

que só regressou aos trabalhos constituintes em novembro,

encontrando já a rebelião conservadora, num movimento bem

orquestrado autodenominado “Centrão”, contra o Projeto de

Constituição que estava sendo aprovado pela Comissão de

Sistematização, e não viam meios de alterá-lo no Plenário se não

houvesse alteração do Regimento Interno, de modo a permitir a

apresentação de substitutivo integral ao projeto.83

Esse clima político se reflete muito na análise dos anais e notas

taquigráficas das reuniões, nas quais os constituintes passam longos períodos em

debates regimentais ou debatendo a dinâmica dos trabalhos. A Comissão entrava

constantemente em discussões sobre o seu papel de compiladora das propostas,

com discussões acaloradas sobre até onde poderiam ir as modificações e qual

o papel do relator. Já sob a ótica dos vetos presidenciais, não se repetem os

debates mais amplos encontrados nas Comissões Temáticas. Não obstante, o veto

83 LIMA, João Alberto de Oliveira. PASSOS, Edilenice. NICOLA, João Rafael. A gênese do texto da Constituição de 1988. Brasília: Senado Federal – Coordenação de Edições Técnicas, 2013, p. XXV (introdução). Em outra passagem da mesma obra, o autor cita o Professor Adriano Pillati, que ilustra de forma ainda mais intensa o ambiente político daquele momento: “Entre 26 de junho, data da entrega do Anteprojeto de Constituição pelo relator da Comissão de Sistematização, e 18 de novembro, data de encerramento das votações daquela Comissão, a Constituinte viveu uma longa fase de agonia. Todas as expectativas foram convulsionadas, todos os cronogramas foram desrespeitados, todos os conflitos recrudesceram. O cenário decisório foi marcado pelo agravamento das tensões sociais, políticas e econômicas. … A expressão popular explodiu em quebra-quebras e vaias, brilhou na apresentação de emendas coletivas e aplacou-se em desmobilização. O empresariado conspirou, o governo aliciou, a mídia esculachou, a transição tremeu, a Constituição atolou. Quando dezembro chegou, nada mais era como antes.” Idem, p. 16.

66

continuou a ser tratados nos anteprojetos, pareceres e emendas, os quais serão o

foco da próxima análise.

O primeiro texto apresentado na Comissão, e debatido inicialmente em

29 de junho de 1987, era de fato uma compilação dos anteprojetos das Comissões

Temáticas e possuía mais de 500 artigos. Durante os debates da Comissão, o

próprio Relator avalia o resultado como sofrível,84 destacando em diversas ocasiões

que não houve uma avaliação material do texto:

Sr. Presidente e Srs. Constituintes, o Relator da Comissão de

Sistematização, ao longo desses dias, ateve-se a um trabalho

duplamente específico na compatibilização do que veio das

demais comissões. Em primeiro lugar, buscou colher dos

Relatores adjuntos matéria que poderia ser tratada de forma

simultânea com a pesquisa feita por oito Relatores auxiliares.

Ao final, compatibilizando aqui e acolá – devo registrar este

trabalho, sequer no que diz respeito à oitava Comissão, não

tem cunho pessoal. Ele é o somatório dos textos de sete

Comissões Temáticas. O que fiz foi apenas compatibilizar os

pontos eventualmente conflitantes, mas respeitando tudo aquilo

que havia sido aprovado nas respectivas Comissões Temáticas

e, eventualmente, não abordado em nenhuma outra. É claro

que um trabalho dessa natureza acaba eivado de omissões, de

erros, sobretudo quanto às remissões.85

Nesse primeiro texto, os dispositivos relacionados ao veto presidencial

permanecem inalterados, em sua essência, em relação ao aprovado na Comissão

de Organização dos Poderes e Sistemas de Governo. Permaneceu o veto parcial

restrito, o pedido de reconsideração, a exigência de maioria absoluta em cada Casa

para a manutenção do veto e a possibilidade de convocação de referendo para

projetos que visem a alterar a estrutura ou afetar o equilíbrio dos Poderes, ouvido

84 “Imagine V. Ex.ª, nobre Constituinte, que, durante dez dias, até três ou quatro horas da manhã, oito Relatores auxiliares, quatro Relatores adjuntos e todo um mecanismo de computação foram necessários para se chegar a esta conclusão, a um trabalho sofrível como este. Mas o que há, no caso, é um deslocamento de artigos. Cada Comissão estava com seus trabalhos em determinada ordem e o Relator teve de trazê-los para a ordem correta, ou seja, distribuída em capítulos, nos quais se integraria tudo aquilo que fora discutido.” 5ª Reunião Extraordinária da Comissão de Sistematização, em 29 de junho de 1987.

85 Idem.

67

o Conselho da República. No tocante ao orçamento, o dispositivo foi simplificado,

mas igualmente permaneceram as regras especiais para sanção da lei de diretrizes

orçamentárias e da lei orçamentária. Ao menos nessa parte do texto, o trabalho do

Relator foi, de fato, uma compilação:

Art. 128 - A Casa, na qual tenha sido concluída a votação, enviará

o projeto de lei ao presidente da república, que, aquiescendo, o

sancionará.

§ 1º - Se o presidente da república julgar o projeto, no todo ou

em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-

lo-á, total ou parcialmente, ou solicitará ao Congresso Nacional

a sua reconsideração, no prazo de quinze dias úteis, contados

da data do recebimento.

§ 2º - O veto parcial somente abrangerá texto integral de artigo,

de parágrafo, de inciso, de número ou de alínea.

§ 3º - Decorrido o prazo de quinze dias, o silêncio do presidente

da república importará sanção.

§ 4º - O presidente da república comunicará as razões do veto ou

do pedido de reconsideração ao Presidente do Senado Federal,

o qual será apreciado dentro de trinta dias, a contar do seu

recebimento, considerando-se mantido o veto se obtiver maioria

absoluta dos membros de cada uma das Casas do Congresso,

reunidas em sessão conjunta.

§ 5º - Se o veto não for mantido, será o projeto enviado, para

promulgação, ao presidente da república.

§ 6º - Esgotado, sem deliberação, o prazo estabelecido no § 4º,

o veto ou o pedido de reconsideração será colocado na ordem

do dia da sessão imediata, sobrestadas as demais proposições,

até sua votação final, ressalvadas as matérias de que trata o §

1º do Art. 121.

68

Art. 134 - O presidente da república terá cinco dias, a contar

do recebimento dos projetos, para sancioná-los ou vetá-

los, comunicando ao Presidente do Congresso Nacional,

em quarenta e oito horas, em caso de veto, as razões que o

motivaram. Decorridos os cinco dias, o silêncio do presidente da

república importará a sanção.

§ 1º - O Congresso Nacional, no prazo de dez dias, deliberará

sobre as partes vetadas dos projetos.

§ 2º - Os recursos orçamentários que, em virtude de emenda

ou de veto, restarem sem despesa correspondente poderão

ser utilizados mediante autorização legislativa para abertura de

crédito especial ou suplementar.

Art. 162 - Compete ao presidente da república, na forma e nos

limites desta Constituição:

IX - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis;

X - vetar projeto de lei, parcial ou totalmente, ou solicitar a sua

reconsideração ao Congresso Nacional;

XXII - determinar a realização de referendo, ouvido o Conselho

da República, sobre proposta de emendas constitucionais

e projetos de lei que visem a alterar a estrutura ou afetar o

equilíbrio dos Poderes;

Aberta a primeira fase de emendas, o dispositivo recebeu poucas

delas e sem temas novos em relação ao visto na Comissão Temática, sendo que a

maior parte se dedica a aprimoramentos da redação. Uma exceção é a emenda do

Constituinte José Jorge, que pretende a exclusão da figura do veto aos projetos de

leis orçamentárias. A posição inova em relação ao que havia sido apresentado na

69

Subcomissão de Orçamento e Fiscalização Financeira, que desde o início previa o

veto. Argumentava o Constituinte que:

não há sentido em vetar partes do projeto de lei orçamentária se

este já foi elaborado dentro de rigorosas restrições sem aumento

de despesa global, quorum qualificado para as emendas na

Comissão Mista e obediência à lei de Diretrizes Orçamentárias.

A lei do orçamento deve, portanto, fugir nesse aspecto à

tramitação normal dos demais projetos.86

Trata-se de um ponto certamente relevante para a definição do

equilíbrio entre os Poderes, afetando até mesmo o Judiciário e o Ministério Público,

mas não foi objeto de debates nas Reuniões e não prosperou nessa etapa dos

trabalhos.

O segundo anteprojeto, apresentado em julho de 1987, não trouxe

alterações aos dispositivos relacionados aos vetos, salvo pela renumeração dos

dispositivos em função de modificações em outras partes do mesmo. Já as emendas

apresentadas a esse novo anteprojeto foram em número bem superior àquelas

do texto anterior e incluíram as chamadas emendas populares, provenientes

de cidadãos e entidades da sociedade civil, além de emendas do Plenário, que

eram apresentadas por Constituintes que não eram membros da Comissão de

Sistematização.

Nessa fase, além da repetição de emendas rejeitadas em momentos

anteriores, algumas propostas apresentadas nas Comissões e Subcomissões

Temáticas retornam de forma mais elaborada. A primeira, defendida pela Constituinte

Irma Passoni, retoma o veto popular.87 Sua proposta é claramente inspirada em

um documento apresentado à Subcomissão da Questão Urbana e Transporte da

Comissão da Ordem Econômica pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), pela

Federação Nacional dos Arquitetos (FNA) e pela Associação Brasileira de Ensino

86 Emenda nº CS02784-1.87 Como mencionado anteriormente, o termo Veto Popular foi utilizado pelo Constituinte João

Amazonas em audiência pública na Subcomissão do Sistema Eleitoral e Partidos Políticos, da Comissão da Organização Eleitoral, Partidária e Garantias das Instituições. Naquela oportunidade, no entanto, sem especificar os procedimentos, ele faz referência ao ajuizamento de ações populares como critério para o veto popular, enquanto que o desenho apresentado pela Constituinte Irma Passoni na Comissão de Sistematização não impõe a judicialização.

70

de Arquitetura (ABEA), que, no entanto, era restrita às leis municipais.88 A proposta

da Constituinte mantém a referência ao eleitorado local, mas nem o texto nem a

justificativa indicam qualquer restrição a esfera de governo ou a matéria à qual

estaria restrita a norma:

Art.: – É assegurado a um conjunto de cidadãos que represente

5% (cinco por cento) do eleitorado local suspender, através de

veto popular a promulgação de um projeto de lei considerado

contrário aos interesses da sociedade.

§ único – O projeto em tramitação será nesse caso submetido a

referendo popular através de plebiscito.89

Também na linha de participação popular na fase de sanção de

leis, o Constituinte Vasco Alves propõe a possibilidade dos Poderes Executivo

e Legislativo convocarem um referendo, dado que “uma consulta popular, sem

qualquer dúvida, tem poderes infinitamente superiores à sanção ou veto de qualquer

matéria por agente da administração pública”.90 Alguns dos textos das Comissões

e Subcomissões Temáticas, mantidos nos primeiros anteprojetos da Comissão

de Sistematização, já previam o referendo para projetos que visassem alterar o

equilíbrio entre os Poderes, no entanto a proposta de Vasco Alves era mais ampla,

sem restrição quanto à matéria do projeto:

Art. – é facultado aos Poderes Executivo e Legislativo realizar

consulta popular sobre projetos que houverem recebido veto ou

sanção.

§ 1º – Quando a proposta de consulta se originar no Legislativo,

deverá ser subscrita por, no mínimo, um quinto dos membros

das Casas Legislativas.

88 A Federação Nacional dos Engenheiros, a Federação Nacional dos Arquitetos e o Instituto de Arquitetos do Brasil reapresentaram na Comissão de Sistematização, na forma de Emenda Popular, a proposta que havia sido sugerida nas Comissões Temáticas, também prevendo a possibilidade da população propor o veto a projetos. Neste caso a referência à matéria urbana é explícita, como era a versão original. Emenda nº 1P20743-61.

89 Emenda nº 1P09409-7. Esta mesma proposta foi repetida pela Constituinte na Emenda nº 1P09418-6, sendo igualmente rejeitada. Chama atenção, no entanto a forma bastante direta do relator: “Entendemos que os cidadãos não devem ter essas prerrogativas. Pela rejeição”.

90 Emenda nº 1P20623·5.

71

§2º – A decisão da consulta prevalecerá sobre a sanção ou

veto.91

Duas emendas, uma proposta por Caio Pompeu de Toledo e outra por

Geovani Borges, propõem a exclusão da possibilidade do pedido de reconsideração

pelo presidente da república, como alternativa ao veto. Os constituintes colocam a

reconsideração como inadequada no sistema, em oposição direta às manifestações

tanto do jurista Miguel Reale quanto do Constituinte Jorge Hage na Subcomissão

do Poder Legislativo. Para estes, o pedido de reconsideração seria um mecanismo

menos crítico para a relação entre os Poderes, e que poderia preservar o processo

legislativo já desenvolvido pelo Congresso.

A reconsideração de projeto de lei aprovado pelo Congresso

Nacional é medida estranha a qualquer processo legislativo. Ou

o presidente da república o sanciona ou o veta. A reconsideração

estaria implícita na aceitação do próprio veto. Assim, criar-se

a figura da “reconsideração” virá tumultuar o andamento dos

trabalhos do Poder Legislativo sem razão alguma, quando o

veto e a sua consequente aceitação implicam desde logo na

reconsideração do Poder Legislativo.

Por aquela razão não vemos motivo para tal inovação, o que nos

leva a apresentar a emenda que visa extirpar do texto do Projeto

tal inovação.92

O terceiro texto votado pela Comissão de Sistematização, denominado

Substitutivo 1, é, como aponta José Afonso da Silva, o primeiro texto a assumir um

formato mais próximo ao da Constituição que viria a ser promulgada e também o

primeiro a deixar de ser visto pelo relator da Comissão de Sistematização, Bernardo

Cabral, como mera compilação dos trabalhos das Comissões Temáticas:

O texto do “Substitutivo 1 do Relator da Comissão de

Sistematização ao Projeto de Constituição”, ponto de partida da

nossa análise, com data de 26 de agosto de 1987, foi o primeiro a

enumerar as disposições transitórias em sequência própria de 69

91 Idem.92 Emenda nº 1PO7686-2, do Constituinte Caio Pompeu de Toledo.

72

artigos, separando-as das disposições permanentes, que foram

enumeradas em 305 artigos. É considerado também o primeiro

texto cuja paternidade o relator assumiu. Antes do “Substitutivo

1”, dois outros textos foram objeto de emendas na Comissão

de Sistematização. O primeiro, o Anteprojeto de Constituição,

com 501 artigos, gerado a partir da concatenação dos textos dos

anteprojetos das Comissões Temáticas, em junho de 1987, foi,

rapidamente, apelidado de “Frankenstein”, devido a sua forma.

O primeiro texto do Projeto de Constituição da Comissão de

Sistematização, com 496 artigos, foi aprovado em 9 de julho de

1987 e também foi alvo de críticas.93

Em relação ao texto anterior, o Substitutivo 1 tem por inovação relevante

em matéria de veto apenas a exclusão das regras específicas de sanção para

as leis orçamentárias. Todas as demais propostas de inovação citadas não foram

incorporadas. De natureza procedimental, foi incorporada uma regra prevendo a

promulgação da lei pelo Presidente do Senado Federal após a derrubada do veto,

caso o presidente da república se recuse a fazê-lo.

Se por um lado o texto mudou pouco, o número de emendas

apresentadas relativas ao instituto do veto é crescente a cada novo anteprojeto

proposto. A maioria das emendas reflete temas já abordados, mas alguns

pontos novos surgem. O primeiro é a proposta do Constituinte Orlando Bezerra,

pela Emenda nº ES21192-7, pretendendo excluir a possibilidade de veto pela

inconstitucionalidade, uma vez que tanto o Congresso Nacional quanto o Supremo

Tribunal Federal já dispõem de competência para realizar essa análise. Caso

aprovada a proposta, restaria apenas o veto fundado no interesse público, fosse

ele parcial ou total.

O segundo ponto, também objeto de uma única emenda, é estabelecer

um prazo de dez sessões para apreciação do veto pelo Congresso Nacional,

cujo silencia implicaria em sua aprovação. Tal proposta, do Constituinte Roberto

Rollemberg, visava evitar a paralisia do Congresso com o trancamento da pauta,

como fica explícito na justificativa:

93 LIMA, João Alberto de Oliveira, PASSOS, Edilenice, e NICOLA, João Rafael. A gênese do texto da Constituição de 1988. Brasília: Senado Federal – Coordenação de Edições Técnicas, 2013, p. XXIX (introdução).

73

A redação originária, que se pretende substituir, auspicia, em

determinadas circunstâncias, a paralisação das funções do

Poder Legislativo, isso, entretanto, é inconcebível.

Ademais, os membros do Poder Legislativo terão nada menos

do que dez sessões para examinar a matéria. Apenas após o

decurso dessas dez sessões é que se verificará a manutenção

do veto.94

Mesmo sem grandes inovações no texto do substitutivo, essa fase de

apresentação de emendas revela-se fundamental para o desenho do instituto do

veto que veio a ser adotado no texto definitivo da Constituição. A possibilidade do

presidente da república pedir a reconsideração de um projeto de lei ao Congresso

Nacional, por exemplo, era um dos elementos inovadores que os dispositivos que

vinham sendo aprovados abarcavam. Ela já era atacada por diversos constituintes e

a única diferença é que nesta etapa a proposta de supressão vingou e foi aprovada

com base em uma única emenda do Constituinte Jesus Tajra:

Emenda ao Substitutivo do Relator

Suprima-se no § lº do artigo 99 a seguinte expressão:

“… ou solicitará no mesmo prazo ao Congresso Nacional a sua

reconsideração”

E por via de consequência, suprima-se do § 4º do mesmo artigo

a expressão:

“… ou do pedido de reconsideração…”

JUSTIFICAÇÃO

O direito Constitucional brasileiro não registra o instituto da

“reconsideração” pleiteado pelo presidente da república ao

Congresso Nacional, na apreciação de projeto de lei para sanção

ou veto. Se atentarmos para o que estabelece o § 4º verificaremos

94 Emenda nº ES28544-1. Ainda que rejeitada a proposta sob o argumento de que “a emenda não se ajusta ao entendimento predominante na Comissão de Sistematização”, a preocupação do Constituinte mostrou-se acertada, com o Congresso adotando uma série de novos entendimentos para evitar o trancamento da pauta a partir do ano de 2001.

74

que aí não informa como deve proceder o Congresso Nacional

na apreciação desse pedido de reconsideração, limitando-se

exclusivamente ao veto.

De forma que, assim, é preferível suprimir o “pedido de

reconsideração”.95

Não obstante essa emenda ter inserido uma profunda modificação

no que vinha sendo proposto para veto Presidencial, nas notas taquigráficas das

reuniões da Comissão de Sistematização não consta qualquer comentário ou

referência a ela ou mesmo ao veto ou ao pedido de reconsideração. Aliás, são

itens citados apenas em algumas passagens pelos Constituintes que defendiam o

parlamentarismo como argumento no sentido de não ficar o presidente da república

como figura meramente decorativa. A proposta, porém, foi aprovada pelo relator

e adotada no parecer que introduziu o Substitutivo 2 igualmente sem maiores

explicações ou detalhamento. A retirada do pedido de reconsideração não torna

a aparecer nos anteprojetos seguintes, fica como registro histórico da motivação

do relator a explicação de que, “Após seu exame, concluímos pela aprovação da

emenda”.

Outro elemento que vinha sendo mantido nos anteprojetos anteriores

era o da possibilidade do presidente da república convocar um referendo sobre

projetos de lei e emendas constitucionais que visem a alterar a estrutura ou

afetar o equilíbrio dos Poderes. Ainda que o dispositivo não seja exclusivamente

relacionado à fase de sanção das leis, como era o caso na proposta da Comissão

Afonso Arinos, nem estar adequadamente detalhado quanto ao momento e à forma

da convocação, sua relação com o veto é direta pela capacidade de interromper o

processo legislativo.

Ao contrário do que havia sido proposto na etapa anterior de

apresentação de emendas, nessa fase surgem duas emendas que pretendem rever

essa competência.96 O Constituinte Nelson Gibson é explícito quanto à preocupação

dessa ferramenta representar mais uma forma de atrito entre os Poderes:

95 Emenda nº ES23006·9.96 Emendas nº ES32436-5 e nº ES31146-8.

75

Esta norma, se mantida, seria permanente fonte de crise

política e de atrito entre Executivo e Legislativo. É simplesmente

inaceitável como maneira de enfraquecimento das Casas do

Congresso Nacional. O presidente da república dispõe do veto

para forçar o Legislativo ao reexame de matérias já decididas.

Quanto à Emenda Constitucional, resulta ela da delegação

implícita a cada Congressista. O presidente da república não

pode e não deve interferir neste processo senão através de suas

Lideranças políticas.97

A proposta não chega a ser incluída no Substitutivo 2, porém, pelo

texto da Constituição hoje em vigor, é fato que veio a prevalecer

essa posição, não cabendo ao presidente da república convocar

referendos sobre qualquer matéria. Ao final, o texto aprovado

pela Comissão de Sistematização replica, na parte do veto,

o teor do Substitutivo 2, trazendo como principal modificação

a exclusão do pedido de reconsideração e a submissão das

matérias orçamentárias aos ritos comuns aos demais projetos

de lei, como já ocorria no substitutivo 1:

Art. 76 – A Casa na qual tenha sido concluída a votação ou o

Senado, enviará o projeto de lei ao presidente da república, que,

aquiescendo, o sancionará.

§ 1º – Se o presidente da república considerar o projeto, no todo

ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público,

vetá-lo-á total ou parcialmente no prazo de quinze dias úteis,

contados da data do recebimento.

§ 2º – O veto parcial somente abrangerá texto integral de artigo,

de parágrafo, de inciso ou de alínea.

§ 3º – Decorrido o prazo de quinze dias, o silêncio do presidente

da república importará em sanção.

97 Emenda nº ES31146-8.

76

§ 4º – As razões do veto serão apreciadas em sessão conjunta

dentro de trinta dias a contar do seu recebimento, considerando-

se mantido o veto se obtiver o voto da maioria absoluta dos

Deputados e Senadores, em escrutínio secreto.

§ 5º – Se o veto não for mantido, será o projeto enviado, para

promulgação, ao presidente da república.

§ 6º – Esgotado sem deliberação o prazo estabelecido no §

4º, o veto será colocado na ordem do dia da sessão imediata,

sobrestadas as demais proposições, até sua votação final,

ressalvadas as matérias de que tratam o parágrafo único do

artigo 72 e o § 2º do artigo 74.

§ 7º – Se a lei não for promulgada dentro de quarenta e oito

horas pelo presidente da república nos casos dos §§ 3º e 5º,

o Presidente do Senado a promulgará. Se este não o fizer em

igual prazo, caberá ao Vice-Presidente do Senado fazê-lo.

Art. 187 – Os projetos de lei relativos ao plano plurianual,

às diretrizes orçamentárias e aos créditos adicionais serão

apreciados pelas duas Casas do Congresso Nacional

simultaneamente.

§ 6º – O projeto de lei orçamentária anual será enviado pelo

Chefe do Governo ao Congresso Nacional, nos termos da lei

complementar a que se refere o § 7º do artigo 186 e, se até

o encerramento do período legislativo não for devolvido para

sanção, será promulgado como lei.

§ 7º – Aplicam-se aos projetos mencionados neste artigo, no

que não contrariarem o disposto nesta seção, as demais normas

relativas ao processo legislativo. § 8º - Os acréscimos relativos

a veto, emenda ou rejeição do projeto de orçamento anual, que

restarem sem despesas correspondentes poderão ser utilizados,

77

conforme o caso, mediante créditos especiais ou suplementares,

com prévia e específica autorização legislativa.

Art. 91 – Compete ao presidente da república:

VII – sancionar, promulgar e fazer publicar as leis;

VIII – vetar projeto de lei, parcial ou totalmente;

XX – determinar, ouvido o Conselho da República, a realização

de referendo sobre proposta de emenda constitucional e projeto

de lei;

5.4. Plenário e Comissão de Redação

Adentrando a última fase de formulação do futuro texto constitucional,

a Assembleia Nacional Constituinte conviveu comum elemento novo, extra-

regimental, que começou a atuar com mas força – o “Centrão” –, que pode ser

descrito como o “bloco ‘conservador’ majoritário, integrado pelo Partido Democrático

Social (PDS), pelo Partido da Frente Liberal (PFL), pelo Partido Liberal (PL), pelo

Partido Democrata Cristão (PDC), pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e pela

fração ‘conservadora’ do PMDB”.98

Os comentaristas da Constituinte, como o próprio Professor José

Afonso da Silva em trecho citado anteriormente, apontam a organização do Centrão

como um elemento da guinada conservadora da Constituinte e a derrota de pautas

progressistas, com destaque para a escolha do sistema de governo.99 No tocante ao

98 PILATTI, Adriano. A Constituinte de 1987-1988: progressistas, conservadores, ordem econômica e regras do jogo. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2008, p. 4

99 Comentadores da Constituinte, como Adriano Pilatti e José Afonso da Silva, fazem a distinção entre progressistas e conservadores pelo alinhamento a temas emblemáticos, como o sistema de governo. Os progressistas são associados à bandeira do parlamentarismo e os conservadores ao presidencialismo. Ainda que não seja absolutamente precisa, uma vez que partidos ou grupos em cada corrente poderiam divergir em pontos específicos, trata-se de uma nomenclatura suficientemente adequada para os fins desse trabalho, a qual adotamos ao longo da análise. De forma mais específica, Adriano Pilatti apresenta a seguinte divisão: “Neste mesmo cenário, partidos de esquerda, cujas bancadas, isolada e conjuntamente, eram minoritárias

78

veto presidencial, no entanto, a desidratação do mecanismo de qualquer novidade

relevante em relação à tradição constitucional brasileira ocorreu na Comissão de

Sistematização. O Anteprojeto A, denominação dada para o primeiro texto em análise

no Plenário e que corresponde ao final aprovado na Comissão anterior, já trazia o

veto em formato muito próximo ao que veio a integrar a Constituição promulgada.

Isso, no entanto, não o retirou como tema nas tensões entre presidencialistas e

parlamentaristas, como evidencia o parecer do Relator Bernardo Cabral à Emenda

nº 2P01830-1, que representava, na prática, um verdadeiro substitutivo do Centrão,

assinada por 345 constituintes:

Alertamos os senhores constituintes para a grave inadequação

que poderá se estabelecer. Da forma como está posto a questão,

transforma-se o Poder Legislativo num poder antípoda do Poder

Executivo. Cumpro meu dever de Relator ao evidenciar, aos

olhos dos ilustres membros desta Assembleia, tais contradições.

Basta dizer que o poder de veto presidencial, tal como está

previsto no Capítulo do Poder Legislativo, supõe um Presidente

que não governe. A mesma isenção é a que dá ao Presidente

Chefe de Estado a possibilidade de expedição do instrumento

das medidas provisórias, uma medida que na prática veio

substituir o Decreto-Lei. Não é demasiado lembrar que, no artigo

que estabelece a competência do Congresso Nacional, inclui-se

a possibilidade de sustar atos normativos do Poder Executivo, o

que seria mais palatável a um regime parlamentarista, mas com

enormes riscos num regime presidencialista.100

na Assembléia, experimentaram intensa prática de atuação como bloco parlamentar: Partido Comunista Brasileiro(PCB), Partido Comunista do Brasil (PC do B), Partido Democrático Trabalhista (PDT), Partido Socialista Brasileiro (PSB), o Partido dos Trabalhadores (PT) e, a partir de junho de 1988, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Em coalizão com a Liderança do PMDB na Assembleia e a chamada ‘esquerda’ da bancada majoritária, os partidos de esquerda formaram um bloco que se autodenominou ‘progressista’ e construiu maiorias pontuais que determinaram, em questões de alta relevância, a derrota de propostas de preferência do bloco “conservador” majoritário, integrado pelo Partido Democrático social (PDS), pelo Partido da Frente Liberal (PFL), pelo Partido Liberal (PL), pelo Partido Democrata Cristão (PDC), pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e pela fração ‘conservadora’ do PMDB –, bloco este cujos integrantes majoritariamente se reuniram, a partir de novembro de 1987, sob a autodenominação ‘Centrão’.” Idem, p. 3.

100 No parecer, o comentário citado encontra-se diretamente associado à disputa entre presidencialismo e parlamentarismo, sendo bastante incisivo o comentário do relator à questão: “Ademais, sinto-me no dever de chamar a atenção dos membros desta Assembléia Nacional Constituinte para possível incongruência que venha a se estabelecer entre o que consta do

79

Concretamente, duas alterações foram promovidas na passagem do

Anteprojeto A para o Anteprojeto B. A primeira foi a modificação do objeto e do

quórum para apreciação do veto pelo Congresso Nacional, em função da Emenda

nº 2P00482, do Constituinte Robson Marinho. Enquanto o texto aprovado pela

Comissão de Sistematização previa que se consideraria mantido o veto se obtiver

o voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores,101 o texto do Anteprojeto B

previa o oposto: que o veto só poderia ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta

dos Deputados e Senadores.102

Um cálculo quantitativo sugeriria que a variação é ínfima, uma vez

que, se antes o veto poderia ser mantido com o voto de 50% dos parlamentares,

passaria a necessitar de menos de 50%. Porém a questão relevante não é numérica,

mas a inversão real do ônus de mobilização. Na primeira redação, o presidente da

república teria que ativamente mobilizar a sua base para estar presente na sessão

e efetivamente votar na manutenção do veto para que a sua decisão prevalecesse.

Já na segunda redação, a do Anteprojeto B, o ônus de mobilização recai sobre

os opositores do veto presidencial. Ou seja, a inércia favorece o presidente da

república que, na hipótese de um veto sem maiores objeções parlamentares, pode

simplesmente abster-se de qualquer movimentação para assegurar sua decisão.

Em que pese o impacto desse ajuste no equilíbrio geral proposto

para o mecanismo de veto, a emenda foi acatada pelo relator sem ponderações

específicas e permaneceu nos anteprojetos seguintes, persistindo até hoje:

Pretende o ilustre Constituinte alterar o §4o. do artigo 80 para

restabelecer antiga prática do processo legislativo e que, segundo

Capítulo I do Título IV, que trata do Poder Legislativo e o que consta dos Capítulos II, III do mesmo Título, que tratam do Poder Executivo. Na verdade, a alteração que se estabelece não é da harmonia e da interdependência, mas isto sim do confronto e do desequilíbrio com a emergência incontrolável de graves crises institucionais e ameaças constantes à estabilidade democrática. Há grande diferença entre uma proposta de simples fortalecimento do Poder Legislativo e outra, de estruturar esse Poder para um Sistema Parlamentar de Governo.”

101 Anteprojeto A, artigo 80, § 4º:

§ 4º As razões do veto serão apreciadas em sessão conjunta dentro de trinta dias a contar do seu recebimento, considerando-se mantido o veto se obtiver o voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores, em escrutínio secreto.

102 Anteprojeto B, artigo 68, § 4º:

§ 4º O veto será apreciado em sessão conjunta, dentro de trinta dias a contar de seu recebimento, só podendo ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores, em escrutínio secreto.

80

diz, se mostra mais adequada à apreciação do veto. De acordo

com a sugestão o voto da maioria absoluta dos Deputados e

Senadores deve rejeitar o veto e não aprová-lo como consta do

Projeto. As razões invocadas pelo Constituinte são procedentes

e merecem ser acolhidas. Pela aprovação.103

A segunda modificação entre o Anteprojeto A e o Anteprojeto B foi

a inclusão da previsão do veto popular e dentre os mecanismos de participação

popular:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal

e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos

termos da lei, mediante:

I - plebiscito;

II - referendo;

III - iniciativa popular;

IV - veto popular.

Inicialmente, a proposta decorre da Emenda nº 2P00935, do

constituinte Lavoisier Maia que, no entanto, foi originalmente rejeitada pelo Relator,

mas incluída no texto final do Anteprojeto B. Note-se que o texto não apresenta

qualquer explicação ou referência para a definição do veto popular ou de seu

funcionamento, o que também ocorreu em fases anteriores da constituinte quando

o tema vinha à tona.

Esse texto, no entanto, teve vida curta. Enquanto o restante do artigo

proposto hoje vigora com o mesmo número e o restante do conteúdo, a figura do

veto popular foi excluída da Constituição promulgada, cujo caput do artigo 14 possui

apenas três incisos. A exclusão decorreu da Emenda nº 2P01756, do constituinte

José Tavares, acolhida pelo relator por “haver acordo das Lideranças”.

A redação final, portanto, recebeu apenas a modificação referente ao

quórum e ao objeto da votação pelo Poder Legislativo quando da apreciação do

103 Parecer à Emenda nº 2P00482.

81

veto, e não foi modificada pela Comissão de Redação,104 assumindo no Anteprojeto

C a versão final aprovada pelo Plenário:

Art. 66. A Casa na qual tenha sido concluída a votação enviará

o projeto de lei ao presidente da república, que, aquiescendo, o

sancionará.

§ 1º Se o presidente da república considerar o projeto, no todo

ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público,

vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis,

contados da data do recebimento, e comunicará, dentro de

quarenta e oito horas, ao Presidente do Senado Federal os

motivos do veto.

§ 2º O veto parcial somente abrangerá texto integral de artigo,

de parágrafo, de inciso ou de alínea.

§ 3º Decorrido o prazo de quinze dias, o silêncio do presidente

da república importará sanção.

§ 4º O veto será apreciado em sessão conjunta, dentro de trinta

dias a contar de seu recebimento, só podendo ser rejeitado

pelo voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores, em

escrutínio secreto.

§ 5º Se o veto não for mantido, será o projeto enviado, para

promulgação, ao presidente da república.

§ 6º Esgotado sem deliberação o prazo estabelecido no § 4º,

o veto será colocado na ordem do dia da sessão imediata,

sobrestadas as demais proposições, até sua votação final,

ressalvadas as matérias de que trata o artigo 62, parágrafo único.

§ 7º Se a lei não for promulgada dentro de quarenta e oito

horas pelo presidente da república, nos casos dos §§ 3º e 5º, o

Presidente do Senado a promulgará, e, se este não o fizer em

igual prazo, caberá ao Vice-Presidente do Senado fazê-lo.

104 Na Comissão de Redação foram apresentadas três emendas – W00805, W00609 e W00696 –, mas que, como era de se esperar nessa fase, não resultaram em modificações substantivas.

82

5.5. Os resultados da Constituinte

Feitas as avaliações Comissão a Comissão dos trabalhos da

Constituinte envolvendo o veto presidencial, é possível tecer algumas considerações

mais gerais sobre o desenvolvimento dos textos. Antes de apreciar os elementos

levantados nos itens anteriores, uma primeira observação de cunho contextual deve

ser feita por decorrer de um dos principais debates gerais travados na Constituinte:

o sistema de governo.

Dada a experiência traumática dos vinte anos de ditadura militar

que haviam se encerrado, vemos a todo momento referências à necessidade de

redução dos poderes do Executivo. No entanto, o impacto do veto nessa questão era

apenas secundário considerando-se a tensão que se colocava sobre a discussão do

sistema de governo. Havia uma enorme expectativa de grupos mais progressistas

pela instituição do parlamentarismo e o texto resultante da Comissão Afonso Arinos

propunha justamente esse caminho.

Nos trabalhos iniciais das Subcomissões Temáticas, em especial no

âmbito da Comissão de Organização dos Poderes e Sistemas de Governo, há diversos

debates entre Constituintes afirmando que a decisão entre o presidencialismo e o

parlamentarismo seria um pressuposto ao trabalho específico das Subcomissões.

Como àquela altura dos trabalhos não havia sido fechado um posicionamento,

as Comissões trabalharam de forma autônoma, e a Comissão de Organização

dos Poderes e Sistemas de Governo seguiu pelo caminho do parlamentarismo.

A decisão definitiva, no entanto, só vem a ocorrer nas fases finais de aprovação

do texto, já no Plenário e com a atuação do Centrão. O resultado é o inverso do

originalmente previsto, culminando com a adoção do sistema presidencialista com

o qual convivemos até hoje.

O impacto político dessa oscilação levou a Constituinte a aprovar, na

forma de disposição transitória do texto constitucional, a realização de plebiscito

por meio do qual a população pudesse definir a forma e o sistema de governo,

como explica Pedro Dallari:

During the Constitutional Convention, there was a strong

controversy about this matter. In the initial phase of drafting

the constitution the option for a parliamentary system was

83

proposed, with the presidential option prevailing at the end. Due

to this controversy, the transitional provisions of the Constitution

stated that the population would define by plebiscite the form

of government – a republic or a monarchy – and, in case of the

choice of the republic, the population would also define the system

of government – presidential or parliamentarian. The alternative

of the monarchy was offered due to the fact that between 1822,

the year of independence, and 1889, this was Brazil’s form of

government. Five years after the adoption of the Constitution, in

September of 1993, the plebiscite was held and voters almost

unanimously supported the preservation of the republican form

and opted by a large majority for maintaining the presidential

system, thus preserving the choices made by the Constitutional

Convention.105

O curioso, e que associa essa rápida introdução ao tema central deste

trabalho, é que, sendo o veto um instrumento que visa resguardar o equilíbrio entre

os Poderes, seria factível esperar um impacto direto da evolução desse debate

nos dispositivos que vinham sendo produzidos. Porém isso não é explicitado nos

debates nem nos relatórios e poucas emendas fazem referência à necessidade

de modificações no veto em função do sistema escolhido, como a já mencionada

Emenda nº 3A0100-2, do Constituinte Jorge Hage. Essa aparente desconexão

entre o veto e um dos debates centrais daquela Assembleia foi destacada pelo

Constituinte Vladimir Palmeira na justificação de sua Emenda nº 1P10390-8:

Em todo o debate na Constituinte sentimos o desejo de

ampliar os poderes do legislativo ou restringir aqueles do

executivo. É incompreensível que se mantenha o direito de

veto, uma intromissão absurda e abusiva do Poder Executivo

no Legislativo. Enquanto todos debatem parlamentarismo ou

presidencialismo mitigado, continua-se a deixar que o Executivo,

encarnado pelo presidente ou pelo primeiro-ministro, tenha um

poder desmesurado. É fundamental pois, no sentido do desejo

105 DALLARI, Pedro B. A. Dallari. Brazil: The Constitution-Making Process and the Political System, in Constitutional reform in times of transition. Paris: Arab Reform Initiative, 2014, p. 51.

84

generalizado de reduzir os poderes da Presidência da República,

o fim do direito de veto.

Se não há uma vinculação clara e direta entre as propostas de

adoção dos sistemas parlamentarista ou presidencialista e a forma de estruturação

do veto nos textos propostos, é certamente possível observar uma tendência ao

longo dos trabalhos. Essa tendência, no entanto, reforça a contradição colocada

pelo Constituinte Vladimir Palmeira. Enquanto a preocupação reiteradamente

manifestada por diversos constituintes era no sentido de fortalecimento do Poder

Legislativo face ao Executivo, o resultado final da Constituinte seguiu pelo caminho

oposto.

Como apontamos anteriormente, o anteprojeto apresentado

pela Comissão Afonso Arinos era um dos mais inovadores em relação ao veto

presidencial. Ele excluía o veto a palavras ou expressões, incluía o pedido de

reconsideração, abria a possibilidade de consulta popular e modificava a regra de

apreciação de vetos de modo a impor a concordância de ao menos dois terços de

cada Casa Congressual para aprovação do veto do Executivo, o exato oposto ao

modelo norte-americano.106

Nas Subcomissões e Comissões Temáticas, medidas dessa natureza

são mantidas, mas se inicia um processo de retirada ou mitigação dos mecanismos

inovadores. A convocação de consulta popular passa a ser avaliada previamente

por um conselho e depois é excluída do texto. A regra de apreciação pelo Legislativo

foi sendo flexibilizada para facilitar a manutenção do veto até alcançar a exigência

de maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional para sua rejeição.

Mecanismos ainda mais ousados de participação direta, como o veto popular, foram

descartados sem maiores debates. Já as modificações que reforçariam, de fato, a

posição do Parlamento como etapa final do processo legislativo – como o pedido de

reconsideração – foram excluídas e, mesmo enquanto ainda eram consideradas, o

eram como algo complementar e não alternativo ao veto. O quadro abaixo sintetiza

a evolução dos mecanismos nas principais fases:

106 Art. 190. …

§ 7º – Convocadas as duas Casas para, em sessão conjunta, conhecer do veto, considerar-se-á aprovado o projeto que obtiver o voto de dois terços dos membros de cada uma delas. Nesse caso, será o projeto enviado, para promulgação, ao presidente da república.

85

DocumentoPedido de

ReconsideraçãoVeto

popularReferendo

Anteprojeto do Relator da Comissão de Organização dos Poderes e Sistemas de

GovernoSIM NÃO SIM

Texto final da Comissão de Organização dos Poderes e Sistemas de Governo

SIM NÃO SIM

Compilação 1 da Comissão de Sistematização SIM NÃO SIMCompilação 2 da Comissão de Sistematização SIM NÃO SIMSubstitutivo 1 da Comissão de Sistematização SIM NÃO SIMSubstitutivo 2 da Comissão de Sistematização NÃO NÃO SIM

Anteprojeto A do Plenário SIM NÃO NÃOAnteprojeto B do Plenário NÃO SIM NÃOAnteprojeto C do Plenário NÃO NÃO NÃO

Anteprojeto D da Comissão de Redação NÃO NÃO NÃO

Ou seja, toda a evolução dos dispositivos ao longo dos trabalhos da

ANC caminhou para uma posição mais conservadora, de manutenção do modelo

em vigor desde a Primeira República, excluindo a participação popular, restringindo

mecanismos de diálogo e harmonização entre os Poderes e conservando o poder

do presidente da república. Mesmo neste último caso, em que já é esperado algum

enfraquecimento do Executivo na migração de uma ditadura para uma democracia,

a variação não modificou sua posição de destaque no processo legislativo,

confirmando a impressão extraída do contexto histórico apresentado no início deste

capítulo. Vianna Lopes, ao comentar os resultados finais da ANC, contextualiza as

conclusões fruto das observações dos anais e nos oferece uma possível explicação

para esse desfecho:

Mais do que sua confrontação até a votação decisiva, foi a dissociação

política resultante do distanciamento entre ambas as correntes [presidencialista e

parlamentarista] que comprometeu a sintonia do sistema de governo, efetivamente

adotado, com a ordem constitucional. Com a derrota em Plenário, a opção dos

parlamentaristas nos diversos partidos, foi a renúncia política pela continuidade dos

ajustes no sistema de governo. A contrapartida dos presidencialistas foi a opção

pelo enrijecimento do regime presidencial fixado.

O resultado do descompromisso político entre as correntes sobre

o sistema de governo, no processo constituinte, foi a estruturação

de um presidencialismo diverso até mesmo quanto ao regime de

governo aprovado em 23/03/88. Mantendo a medida provisória

86

proveniente de votação anterior e despindo ou reduzindo o

alcance dos demais institutos parlamentaristas, os ajustes

posteriores à definição do sistema de governo configuraram um

presidencialismo imperativo, no qual a Presidência da República

exerce um poder sobreposto aos demais, inclusive impondo-

lhes o ritmo de funcionamento.107

Ainda quanto às questões inicialmente colocadas e que justificaram a

análise mais aprofundada dos anais da Constituinte, temos que o veto presidencial

foi, sim, objeto de atenção e deliberação pelos parlamentares, em especial nas

primeiras fases do processo. Ainda que o veto em si não fosse o ponto central

do embate entre grupos progressistas e conservadores, ele está coerentemente

inserido em uma reação real e efetiva desse segundo grupo, que advogava uma

visão em favor de um Poder Executivo dotado de maior força institucional.

107 LOPES, Júlio Aurélio Vianna. A Carta da democracia. Rio de Janeiro: Topbooks, 2008, p. 240.

87

6. OS 25 ANOS DO VETO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

Passados pouco mais de 25 anos da promulgação da Constituição

Federal de 1988 e de todo o processo de elaboração repassado no capítulo

anterior, já é possível avaliar como vem se comportando o mecanismo aprovado

pela Constituinte. Não se trata de explorar um ou outro caso concreto, mas sim o

contexto geral da aplicação do artigo 66 da Constituição, como vem sendo feito

ao longo deste trabalho. Três elementos nos parecem, de antemão, relevantes. O

primeiro se reporta às duas modificações aprovadas por Emendas Constitucionais

no período e que alteraram o procedimento de veto. O segundo é o impacto do veto

na legislação federal, de modo a avaliarmos o peso desse mecanismo na produção

normativa atual. Por fim, o terceiro retoma o ponto central da Constituinte para

avaliação da atuação do Congresso Nacional diante das intervenções do Poder

Executivo. Com esses dois últimos elementos, espera-se poder avaliar, ainda

que sob uma óptica exclusivamente quantitativa, se a supremacia do Executivo

apontada no capítulo anterior se confirmou na prática do exercício do poder de veto.

6.1. As emendas constitucionais e as modificações pós 1988

Seguindo a ordem apresentada, temos que, desde 1988, os

dispositivos constitucionais referentes ao veto presidencial passaram por duas

mudanças pontuais. Uma primeira, com a Emenda Constitucional nº 32, de 11

de setembro de 2001, que excluiu a ressalva originalmente feita à apreciação de

medidas provisórias quando a não apreciação do veto resultasse no trancamento

da pauta da Casa Legislativa. Já a Emenda Constitucional nº 76, de 28 de novembro

de 2013, tornou pública a votação dos vetos pelo Poder Legislativo:

Texto Original EC nº 32/2001§ 6º Esgotado sem deliberação o prazo estabe-lecido no § 4º, o veto será colocado na ordem do dia da sessão imediata, sobrestadas as de-mais proposições, até sua votação final, res-salvadas as matérias de que trata o artigo 62, parágrafo único.

§ 6º Esgotado sem deliberação o prazo estabelecido no § 4º, o veto será colocado na ordem do dia da sessão imediata, sobrestadas as demais proposições, até sua votação final.

88

Texto Original EC nº 76/2013§ 4º O veto será apreciado em sessão conjun-ta, dentro de trinta dias a contar de seu recebi-mento, só podendo ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores, em escrutínio secreto.

§ 4º O veto será apreciado em sessão conjunta, dentro de trinta dias a contar de seu recebimento, só podendo ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores.

A EC nº 32/2001 teve por origem a Proposta de Emenda à Constituição

– PEC nº 01, de 1995, de autoria de 37 senadores.108 A justificação da proposta

demonstra já no início o foco exclusivo nas Medidas Provisórias, calcada na avaliação

de que “a independência entre os Podres da União, pedra de toque na afirmação

democrática da Lei Fundamental, vem sendo vilipendiada pelo uso abusivo do

instituto da medida provisória, sucedânea do decreto-lei”. O veto e a questão da não

aplicação do trancamento de pauta às medidas provisórias não era o tema central a

preocupar os parlamentares,109 como concluem os autores da PEC:

Diante desses fatos, tomamos a iniciativa de apresentar

esta proposta, cujo objetivo principal é coibir essas práticas,

reveladoramente antidemocráticas, limitando, desse modo,

a abrangência das matérias passíveis de medida provisória e

ampliando o prazo de sua apreciação para sessenta dias com

proibição de reedição. Isso resultará, inevitavelmente, em um

alívio para o congresso Nacional, a par do equilíbrio responsável

entre e Executivo e Legislativo.110

A EC nº 76/2013 tem por origem a PEC nº 349, de 2001, apresentada

pelo Deputado Luiz Antonio Fleury. Nesse caso, o foco do parlamentar era extinguir

as hipóteses constitucionais de votação secreta no âmbito do Congresso Nacional.

108 Assinam a justificação da PEC os Senadores Esperidião Amin, Epitácio Cafeteira, Levy Dias, Luiz Alberto de Oliveira, Marluce Pinto, João Rocha, Eduardo Suplicy, Lauro Campos, Vilson Kleinübing, José Agripino, Josaphat Marinho, Leomar Quintanilha, Roberto Requião, Pedro Simon, Casildo Maldaner, Gilberto Miranda, Coutinho Jorge, Carlos Patrocinio, Benedita da Silva, Bernado Cabral, Romero Jucá, Flaviano Melo, Nabor Júnior, Renan Calheiros, José Bianco, Edison Lobão, Sebastião Rocha, Alexandre Costa, José Eduardo Dutra, João França Gilvan Borges, Mauro Miranda, Marina Silva, Waldeck Ornelas, Lucídio Portella, Roberto Freire e Romeu Tuma.

109 Ao longo dos debates, uma proposta paralela, consubstanciada na PEC nº 65/95, chegou a ser discutida para permitir a votação dos vetos separadamente em cada Casa, porém a questão não avançou.

110 Íntegra disponível em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_ mostrarintegra;jsessionid=9439ACDEE140FCB41875F9A983285E74.proposicoesWeb2?codteor=1242450&filename=Avulso+-PEC+472/1997. Acesso em 1º de março de 2015.

89

A proposta original, por tanto, abarcava desde a forma de aprovação de chefes

de missões diplomáticas, até a cassação de mandatos parlamentares. Os vetos

eram apenas um dos temas que seriam afetados.111 Note-se, por fim, que ambas as

modificações propostas aos mecanismos de veto não decorreram de uma avaliação

sobre o próprio sistema ou de alguma dificuldade relacionada ao próprio veto. Em

verdade, o tema veio a reboque de questões diversas, tendo sido alterado por

simetria a outras regras. Em 2001, a emenda constitucional, como coloca Amaral

Junior, “foi uma reação à vulgarização da decretação de urgência pátria”.112 Em

2013, decorreu do questionamento da adoção de votação secreta em processos

relacionados à cassação de mandatos parlamentares, mais especificamente no

contexto da preservação do mandato do então Deputado Natan Donadon, à época

já condenado e preso.113

O que se conclui, portanto, é que em 25 anos de Constituição não

houve reflexões especificamente sobre o instituto do veto que tenham resultado em

modificações concretas e representativas no sistema. A ausência de modificações,

por óbvio, não é necessariamente negativa, podendo ser fruto de um consenso

tácito sobre a adequação do modelo de veto. Resta avaliar como está sendo sua

aplicação atual pelos atores envolvidos.

111 A justificação da PEC não chega a detalhar as hipóteses de votação que seriam excluídas, opondo-se conceitualmente a todas: “Mais do que atual pela repercussão na opinião pública, urgente e inadiável a abolição do voto secreto nas decisões do Poder Legislativo Federal. Pode-se afirmar, sem risco teórico, que o princípio da representatividade popular é incompatível com a votação secreta, impondo ao representante a transparência de seus atos. Mesmo que se afaste a doutrina de simples mandato, ,não se desfaz na apuração dos votos a relação e a responsabilidade do parlamentar para com o seu eleitor e só a transparência de seus atos permitirá o juízo apropriado sobre sua conduta e seus compromissos políticos. Será julgado, sim - e o somos todos os dias por nossos atos e palavras - por seu eleitor e pela opinião pública. Assumir posição, a favor ou contra, mas assumindo a responsabilidade pública dessa decisão e não se escondendo atrás de um sigilo que não mais se justifica. Este é o momento, nobres colegas, de excluirmos essa anomalia do nosso ordenamento constitucional. Que se assuma essa responsabilidade em prol de uma verdadeira e significativa democracia representativa.” Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD12MAI2001.pdf#page=15. Acesso em 1º de março de 2015.

112 AMARAL JUNIOR, José Levi Mello do Amaral Júnior. Medida Provisória: edição e conversão em lei. São Paulo: Saraiva, 2012, 2ª ed, p. 251.

113 Em editorial de 28 de novembro de 2013, o Jornal O Estado de São Paulo precisa o contexto da aprovação da medida: “Foi por vias tortas que se consumou o grande avanço de permitir que o País saiba como cada mandatário se comportou quando estava em jogo o destino de colegas acusados de atentar conta o decoro parlamentar. Proposta nesse sentido dormia na Câmara desde 2001 e assim continuaria não fosse o escândalo, em fins de agosto, da preservação do mandato do deputado Natan Donadon, já cumprindo a pena de 13 anos e 4 meses a que foi condenado por falcatruas em Rondônia. Diante do resultado, o presidente da Casa, Henrique Alves, decidiu que não poria em votação secreta nenhum outro caso do gênero. E assim começou a tramitar o projeto moralizador a que os políticos deram as costas durante 12 anos.”

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Nota
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90

6.2. A aplicação do veto pelo Poder Executivo

O Congresso Nacional mantém disponível uma base de vetos totais e

parciais que permite a rápida identificação das quantidades e tipos de veto desde

a promulgação da Constituição de 1988114, o que nos permite apresentar alguns

dados quantitativos sobre o veto presidencial no período. Entre outubro de 1988

e o final de 2014, o Poder Executivo vetou 1.170 projetos de lei aprovados pelo

Congresso Nacional, sendo 389 vetos totais e 781 vetos parciais, distribuídos da

seguinte forma:

Distribuição de vetos por ano115

114 http://www.congressonacional.leg.br/portal/veto. Acesso em 1º de março de 2015115 Dados de 1988 referem-se ao período posterior à promulgação da Constituição de 1988.

91

A partir dos dados totais, podemos estabelecer uma comparação por

mandato presidencial. Nesse caso, excluímos o período Sarney, cuja participação

na amostragem engloba apenas pouco mais de um ano do mandato total, e unimos

Collor e Itamar, de modo a somarem os mesmos quatro anos dos demais:

Distribuição de vetos por mandato

Os dados evidenciam uma média de 45 vetos por ano – 30 parciais

e quase 15 totais, descontado o ano de 1988, que contribui com apenas dois

meses na amostra em vista da promulgação da Constituição ter se dado no final de

outubro. Nota-se, pelas médias dos mandatos, que, ressalvado o período Collor/

Itamar, não há uma discrepância muito elevada entre os Presidentes da República,

descartando, grosso modo, que pudesse haver excessos de um determinado

mandatário ou especificidades no exercício do poder de veto decorrentes de

variações na composição dos governos ou de acontecimentos localizados.116 Para

efeito de comparação, nos Estados Unidos da América, encontramos variações

mais bruscas, ainda que em espaços maiores de tempo. Franklin D. Roosevelt,

116 Há uma aparente mudança no padrão dos vetos propostos, com uma redução no número de vetos totais e aumento dos parciais, ao longo do tempo. A identificação dos motivos dessa alteração extrapola o objeto do presente trabalho, permanecendo essa observação como tema possível para outros estudos.

92

que governou de 1933 a 1945, manteve uma média de 52 vetos por ano, enquanto

Barack Obama apresentou apenas três vetos desde 2009.117

Para a adequada compreensão dos números, no entanto, é necessário

estabelecer uma proporção do número de vetos com a produção legislativa no mesmo

período. O número de leis aprovadas pelo Congresso Nacional foi de 5.492, entre

ordinárias e complementares, independentemente do propositor118. Considerando o

número de vetos da tabela acima, temos que o presidente da república interfere no

processo legislativo via veto em 21% dos projetos de lei aprovados pelo Congresso

Nacional. Diferenciando os vetos totais e parciais, temos que a negativa do

presidente da república ao texto integral ocorre em 7% dos projetos aprovados e a

negativa parcial, a um ou mais dispositivos de um mesmo projeto, ocorre em 14%

dos projetos aprovados.

Diferentemente do que ocorreu com as medidas provisórias, não há

um consenso na doutrina jurídica sobre se estes números são ou não elevados

para a conjuntura política formada a partir de 1988 e para a saúde da democracia

brasileira. Não se pode negar, no entanto, que o uso do veto é, se não materialmente,

ao menos quantitativamente relevante para a produção normativa brasileira. Moya,

por sua vez, é enfático ao se posicionar sobre o tema:

Quando não conseguiram influenciar a atividade dos

parlamentares de forma a evitar que os projetos indesejados

fossem aprovados, os diferentes presidentes brasileiros

usaram sem moderação o poder de negar sanção a esses

projetos, contrariando as previsões de Hamilton de que uma

medida extrema como o veto raramente seria adotada. Tem-se

assim que, no Brasil, o veto, um instrumento concebido para

que o executivo pudesse conter eventuais abusos do Poder

Legislativo, é na verdade usado de forma quase abusiva pelo

117 O número de veto, por Presidente norte-americano, está disponível em: http://www.senate.gov/reference/Legislation/Vetoes/vetoCounts.htm. Acesso em 1º de março de 2015.

118 A primeira Lei Ordinária após a Constituição de 1988 foi a nº 7.676, de 6 de outubro de 1988, e a última promulgada no ano de 2014 foi a de nº 13.079, de 30 de dezembro de 2014. No tocante às Leis Complementares, temos incialmente a nº 59, de 22 de dezembro de 1988, e ao final a nº 148, de 25 de novembro de 2014.

93

próprio Executivo para evitar que as propostas do Legislativo

adquiram o status de lei, impedindo assim que os parlamentares

exerçam plenamente a sua principal função, a de legislar.119

6.3. revisão do veto pelo Poder Legislativo

Ainda que o número de vetos seja expressivo e aponte para a

confirmação da preponderância do Poder Executivo sugerida na análise dos anais

da Assembleia Nacional Constituinte de 1987, ainda há que se apreciar a reação

do Poder Legislativo aos vetos propostos. Isso porque, como visto em todas as

Constituições brasileiras desde o início do período republicano, cabe ao Congresso

Nacional a palavra final sobre a manutenção ou não do veto. E, nesse caso, não há

necessidade de gráficos ou tabelas complexas. Entre 1988 e 2014 foram rejeitados

somente oito vetos120, ou 0,7% do total:

Ano Presidente Tipo Norma e síntese da matéria

2012 Dilma Roussef Parcial

Projeto de Lei nº 2.565, de 2011 (nº 448/11 no Senado Federal) – Dispõe sobre royalties e participação especial devidos em função da produção de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos sob o regime de con-cessão no mar territorial, na zona econômica exclusiva e na plataforma continental, e sobre royalties devidos sob o regime de partilha de produção, instituído pela Lei nº 12.351, de 22 de dezembro de 2010.

2005 Luís Inácio Lula da Silva Total

Projeto de Lei nº 4.845, de 2005 (nº 371/04 no Senado Federal) - Altera a remuneração dos servidores públicos integrantes dos Quadros de Pessoal do Senado Federal.

119 MOYA, Maurício Assumpção. Executivo versus Legislativo: os vetos presidenciais no Brasil (1988-2000). Tese (Doutorado em Ciência Política) ‒ Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Políticas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005, p. 162.

120 Disponível em: http://www.congressonacional.leg.br/portal/veto. Acesso em 1º de março de 2015.

94

2005 Luís Inácio Lula da Silva Total

Projeto de Lei nº 1, de 2005 (nº 4.712/04 na Câmara dos Deputados) - Altera a remunera-ção dos servidores públicos integrantes dos Quadros de Pessoal da Câmara dos Deputa-dos.

2000 Fernando Henrique Cardoso Total

Projeto de Lei nº 50, de 2000 (nº 4.434/98 na Câmara dos Deputados) – Altera a Lei no 9.317, de 5 de dezembro de 1996, que institui o Sistema Integrado de Imposto e Contribui-ções das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte – SIMPLES.

1999 Fernando Henrique Cardoso ParcialProjeto de Lei no 2, de 1999 – CN – Dispõe sobre as diretrizes para a elaboração da lei orçamentária de 2000 e dá outras providências

1997 Fernando Henrique Cardoso Total

Projeto de Lei nº 20, de 1997 (nº 2.352/96 na Câmara dos Deputados) – Dispõe sobre a elei-ção para Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores dos Municípios novos, criados até 31 de agos-to de 1996.

1997 Fernando Henrique Cardoso Parcial

Projeto de Lei nº 92, de 1996 (nº 2.380/1996 no Senado Federal) – Dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magisté-rio, na forma prevista no § 7º do artigo 60 do ADCT, e dá outras providências.

1995 Fernando Henrique Cardoso Parcial

Projeto de Lei nº 109, de 1995 (nº 180/1995 no Senado Federal) – Estabelece normas para a realização das eleições municipais de 03 de outubro de 1996, e da outras providências.

Se por um lado o veto a pouco mais de 20% dos projetos de lei

aprovados pelo Congresso Nacional ainda permite alguma discussão sobre se tratar

ou não de algo excessivo, o índice de derrubada dos vetos pelos parlamentares é

inegavelmente ínfimo. E há um agravante. Apesar da Constituição de 1988 prever

que “o veto será apreciado em sessão conjunta, dentro de trinta dias a contar de

seu recebimento”,121 até julho de 2013 a maior parte dos vetos não era submetido

à votação.

A engenharia jurídica para contornar a imposição da apreciação

dos vetos pelos parlamentares decorria do artigo 104 do Regimento Interno do

Congresso Nacional, que previa que a contagem do prazo constitucional se dava “a

121 Trecho do § 4º do artigo 66.

95

partir da sessão convocada para conhecimento da matéria”.122 Consequentemente,

se uma sessão conjunta do Congresso Nacional para apreciação dos vetos não

fosse realizada, o prazo não se iniciaria e a apreciação dos vetos poderia ser

postergada indefinidamente. Essa disposição foi modificada pela Resolução nº 1,

de 11 de julho de 2013,123 que passou a considerar o início do prazo na data do

protocolo da mensagem presidencial na Presidência do Senado Federal:

Redação anterior a julho de 2013 Redação atual

Art. 104. Comunicado o veto ao Presidente do Senado, este convocará sessão conjunta, a realizar-se dentro de 72 (setenta e duas) horas, para dar conhecimento da matéria ao Congres-so Nacional, designação da Comissão Mista que deverá relatá-lo e estabelecimento do ca-lendário de sua tramitação.§ 1º O prazo de que trata o § 4o do artigo 66 da Constituição será contado a partir da ses-são convocada para conhecimento da matéria.

Art. 104. Comunicado o veto ao Presidente do Senado, este designará a Comissão Mista que deverá relatá-lo e estabelecerá o calendário de sua tramitação no prazo de 72 (setenta e duas) horas.§ 1º O prazo de que trata o § 4º do artigo 66 da Constituição Federal será contado da protocolização do veto na Presidência do Senado Federal.

Assim como ocorreu com a Emenda Constitucional nº 76/2013, essa

modificação resultou de um momento de comoção, e não de uma reflexão teórica

sobre o papel do Poder Legislativo e a necessidade de apreciação dos vetos.

Quando foi aprovado o Projeto de Lei nº 2.565, de 2011, posteriormente convertido

na Lei nº 12.734, de 2012, que modificava os critérios para a partilha dos royalties

provenientes da exploração de petróleo, um grupo de parlamentares, em especial

ligados aos Estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, se mobilizaram para

derrubar o veto presidencial.

Nesse momento, o Deputado Alessandro Molon impetrou no Supremo

Tribunal Federal o Mandado de Segurança nº 31.816, com vistas a impedir que

o veto a esse projeto de lei específico fosse votado antes que os demais que

restavam pendentes de apreciação. Permaneciam parados no Congresso Nacional

122 Disponível em: http://www.senado.gov.br/legislacao/regsf/RegCN.pdf. Acesso em 1º de março de 2015.

123 Disponível em: http://legis.senado.leg.br/legislacao/ListaTextoIntegral.

action?id=247236&norma=266826. Acesso em 1º de março de 2015.

96

centenas de mensagens de veto,124 algumas há 13 anos. O pedido de liminar foi

deferido pelo Ministro Luiz Fux, mas posteriormente revisto pelo Pleno do Tribunal.

Ainda que tenha sido vencido, o voto do Ministro Fux no acórdão do julgamento

do Agravo Regimental é contundente e auxiliou na posterior revisão do Regimento

Interno do Congresso Nacional ao expor para a opinião pública a situação absurda

da tramitação dos vetos presidenciais:125

Apesar da clareza meridiana da sistemática constitucional, o

Congresso brasileiro vem ignorando, por completo, tanto o prazo

peremptório de trinta dias para apreciação do veto pendente

quanto a consequência imediata do seu descumprimento (i.e.,

o trancamento automático da pauta legislativa até a respectiva

votação). Na prática, os parágrafos do artigo 66 da Constituição

são frontalmente descumpridos sem qualquer pudor. Em

consequência, acumula-se hoje no Congresso Nacional um

estoque de 3.060 vetos pendentes de apreciação, todos com

prazo constitucional já vencido.

Nesse cenário de crônica omissão inconstitucional, a questão

debatida nestes autos diz respeito à existência ou não de

critérios jurídicos que devam orientar a atuação do Poder

Legislativo federal na redução do estoque de vetos acumulados.

Posta em outros termos, a questão aqui versada se refere à

possibilidade de o Poder Legislativo federal, apesar do manifesto

124 Nos textos jornalísticos da época, o número usualmente adotado é de mais de 3.000 vetos pendentes de apreciação. Essa conta considera o número de dispositivos vetados, que podem ser muitos em um mesmo projeto de lei. Ao longo deste trabalho, salvo em referências externas, os números adotados são baseados nas mensagens de veto, que se referem a um projeto de lei inteiro, e não aos dispositivos.

125 O jornal Folha de São Paulo publicou, em 19 de dezembro de 2012, o editorial “O descaso habitual”, no qual acompanha o entendimento do Ministro Luiz Fux e reforça a indignação pública com a situação: “É difícil, contudo, tirar da Constituição um aval para o Congresso apreciar a manifestação do presidente sobre os royalties passando na frente dos mais de 3.000 vetos presidenciais que aguardam, alguns deles há décadas, a manifestação de deputados e senadores. O artigo 66 da Carta, no qual Fux se baseou para conceder a liminar, é cristalino acerca do rito a seguir. O veto do presidente da República num projeto de lei precisa ser avaliado em 30 dias pelo Congresso, Findo o prazo, a pauta de votações do Legislativo deveria impedir qualquer outra deliberação – permanecer ‘trancada’ – até a decisão final sobre o veto. Ou seja, deputados e senadores descumprem esse mandamento constitucional impunemente há anos (a emenda com a norma vigente é de 2001). Tal comenda, veja-se a ironia, foi fixado na Carta pela vontade do Congresso, no intuito de evitar a usurpação pelo Executivo de prerrogativas do Legislativo.” Disponível em; http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/1203365-editorial-o-descaso-habitual.shtml. Acesso em 1º de março de 2015.

97

déficit deliberativo quanto ao tema, escolher, segundo critérios

estritamente políticos, quais vetos irá deliberar, “pinçando”

aqueles que julgar convenientes.

Como já expressamente lançado na decisão monocrática,

entendo que, enquanto permanecer o estado de omissão

inconstitucional, é dever do Congresso Nacional proceder à

apreciação dos vetos segundo a ordem cronológica de sua

comunicação. É essa a conclusão que, sob o ângulo descritivo,

melhor capta o sentido e alcance do artigo 66, §§ 4º e 6º, da

CRFB, ao mesmo tempo em que, sob o ângulo prescritivo, melhor

realiza os propósitos colimados pelo constituinte de 1988.126

Com a modificação do Regimento Interno do Congresso Nacional

em julho de 2013, essa questão foi superada e os vetos passaram a ser votados

pelos parlamentares no prazo constitucional. Ainda é cedo para se verificar se o

novo procedimento resultará ou não em uma mudança significativa no índice de

revisão dos vetos presidenciais, porém entre aquela data e o final de 2014 foram

apreciados 68 vetos e todos foram mantidos.

Os dados, portanto, sugerem que o Legislativo não exerce a

prerrogativa Constitucional de rever os vetos presidenciais. Uma leitura ingênua

– e até certo ponto contraditória – poderia sugerir a hipótese dos parlamentares

concordarem, num exercício extremo de autocrítica, com todos os vetos do

presidente da república. Porém essa hipótese não superaria o fato de que até a

metade do ano de 2013 os vetos sequer eram colocados em votação, sendo que a

formação da pauta, ressalvadas as poucas hipóteses constitucionais, é prerrogativa

exclusiva do Congresso Nacional. Adotando a expressão usada pelo Ministro Luiz

Fux, os números revelam uma “crônica omissão inconstitucional”.

126 MS 31816 MC-AgR / DF, p. 4 do voto do ministro Luiz Fux, constante do acórdão. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=3779575. Acesso em 1º de março de 2015.

98

7. CONCLUSÃO

Retomando as considerações iniciais sobre o que levou à idealização

desta pesquisa, temos dois elementos centrais, decorrentes da experiência

profissional com o dia a dia dos vetos presidenciais e também de uma inquietação

acadêmica relacionada aos aspectos jurídicos do processo legislativo e à sua

influência direta no desenho institucional do Estado brasileiro. Apesar da certeza

dessa relação constante ter uma importância institucional elevada, fato que a Teoria

do Estado e as Constituições nacionais vêm reafirmando, poucos são os estudos

brasileiros focados especificamente nesse instrumento. Via de regra, o veto é

um dos elementos tratados em pesquisas sobre outras matérias, como medidas

provisórias, controle de constitucionalidade, processo legislativo ou mesmo na

análise de leis ou temas pontuais que exigiram, em algum momento, sanção

presidencial. Evidentemente que o desinteresse pelo tema não seria surpreendente

se ele fosse pouco relevante, pacífico ou não acarretasse impacto consistente

na rotina institucional e política do Estado. Porém não é isso que ocorre, e uma

inquietação com a sua ampla utilização no âmbito do processo legislativo, e a

baixíssima revisão pelo Congresso Nacional, levou ao questionamento concreto

sobre se a forma que o adotamos hoje é coerente com aquela originalmente

pensada pelos seus idealizadores.

Questionamentos e inquietações como essas não são incomuns no

mundo jurídico e, para citar apenas um caso simbólico e muito próximo ao veto,

levaram a mudanças substanciais no rito das medidas provisórias no ano de 2001.

Há de se fazer a mesma reflexão com os vetos presidenciais, ainda que a sociedade

possa, eventualmente, chegar a conclusão distinta e optar pela manutenção do

modelo atual.

Ao longo da busca por parâmetros históricos que pudessem auxiliar a

análise do mecanismo do veto do Brasil contemporâneo, iniciamos com referências

da Antiguidade. O veto era um instrumento de pacificação social ao incorporar na

estrutura do Estado procedimentos que permitissem a mediação de conflitos. Ao

contrário do que a sua denominação sugere, o veto não era um instrumento de mera

força e imposição do poder. Para isso, bastaria o exército. Há nesse mecanismo

a sofisticação da solução das divergências pelo diálogo. Se, por um lado, ele

99

interrompe um determinado processo, por outro força as partes envolvidas a,

dentro do próprio Estado, negociarem e acomodarem os interesses. Essa natureza

foi ganhando contornos mais claros com o desenvolvimento do Estado moderno,

sendo o veto integrado a um conjunto mais amplo de instrumentos de mediação,

aos quais se deu o nome de sistema de freios e contrapesos.

Com os norte-americanos e a Constituição de 1789, essa natureza

mediadora do veto ganhou contornos modernos e mais próximos ao que vemos

adotados em grande parte das constituições republicanas. Os “pais fundadores”,

pelo que se observa nos textos federalistas, defendiam um governo popular, no qual

o Poder Legislativo seria a instituição central. Por outro lado, o contexto histórico da

época apontava para o risco de divisões entre os Estados que estavam formando

a nova federação colocassem esta em risco, promovendo a desconstituição do

governo central. Assim, era necessário permitir alguma forma de intervenção do

Poder Executivo – que seria o guardião da União – sem retirar do Congresso seu

papel central no sistema, o que ameaçaria a lógica do governo popular. Fazia-se

necessário uma espécie de “trava de segurança”.

O resultado é uma sistemática que mantem a decisão final sobre

qualquer lei com o Poder Legislativo, mas associa o presidente da república à minoria

parlamentar, de modo que, somando-se ele a um terço do Congresso, possa haver

a reversão da decisão da maioria. Vetos em excesso ou em matérias que contam

com consenso entre os congressistas levam o presidente a sucessivas derrotas e

ao desgaste político. A aprovação de matérias controversas pelo Poder Legislativo

sem o apoio do Executivo pode resultar em veto, com o consequente desperdício

do esforço necessário à aprovação e, novamente, em desgaste político. O diálogo,

a busca por equilíbrio e a necessidade de composição entre os atores tornam-se,

portanto, intrínsecos ao sistema.

Seguindo com a pesquisa para os modelos adotados no Brasil desde

sua primeira Constituição, a realidade mostrou-se bastante distinta. No Império ele

figurava menos como parte de um sistema moderno de freios e contrapesos e

mais como expressão do poder moderador, monopólio do imperador. Ainda que

sua previsão fosse um avanço em relação ao poder absoluto que precedeu àquela

Carta, ela manteve a natureza mais rudimentar do instrumento, como vista na

Antiguidade. O Poder Legislativo aprova um projeto de lei, que é então submetido

100

ao imperador. Este podia vetar qualquer parte, inclusive palavras ou itens que

modificassem em absoluto a intenção dos legisladores. Mais grave, poderia sequer

responder, sem que a lei fosse posta em vigor.

Todas as constituições seguintes mantiveram o veto. Porém, para

adequar o mecanismo à forma republicana, o Poder Legislativo passou a ter a

garantia da palavra final, com a instituição de prazos para o exercício do veto e a

aquiescência presumida no caso do silêncio presidencial. O foco deste trabalho

não está nas constituições históricas, de modo que não foram pesquisadas as

motivações ou inspirações dos diversos constituintes em cada período, mas tão

somente da ANC que precedeu a Constituição de 1988. Assim, não se pode, e

nem se pretende, afirmar ou contestar a influência do modelo norte-americano e as

justificativas para as diferenças do instituto ao longo do tempo, como, por exemplo,

a possibilidade de veto parcial. Tais diferenças, no entanto, são evidentes.

Fato histórico marcante para o país no século XX foi o golpe militar

de 1964 e o regime ditatorial que se seguiu a ele. Como é natural em governos

autoritários, mudanças legislativas foram promovidas para a instituição do estado

de exceção, ainda que, dada a preocupação da ditadura com a manutenção de uma

suposta legitimidade institucional, duas Constituições tenham sido promulgadas no

período. Ambas continuaram a prever a existência do Congresso Nacional e de

um sistema de freios e contrapesos que incluía o instrumento do veto. É curioso,

nesse caso, que o mecanismo em si tenha sido pouco modificado, seguindo

essencialmente o mesmo modelo que vinha das constituições anteriores. Longe

de ser uma confirmação da legitimidade almejada, a ausência de alterações

substanciais aponta para duas hipóteses não necessariamente contraditórias. Ou o

sistema político brasileiro, diferentemente do norte-americano, já pendia fortemente

em favor do presidente da república, ou se verificava a eficácia das intervenções

externas ao processo legislativo, com redução da autonomia do Legislativo, em

decorrência da criminalização de movimentos sociais e de partidos políticos e da

imposição de senadores biônicos, entre outras ações.

Feitos os levantamentos de cunho histórico, retomou-se o eixo central

do trabalho voltado à compreensão da aplicação comcreta do instituto do veto na

atualidade. Nesse ponto, os anais da Assembleia Nacional Constituinte se tornaram

a fonte principal da pesquisa e trouxeram elementos bastante esclarecedores. As

101

primeiras fases de trabalho da ANC, ao menos das subcomissões e comissões

temáticas centrais ao debate do sistema político e do desenho institucional do

Estado, mostram grande ímpeto reformador, com o veto surgindo em diversos

debates, pareceres e emendas. Montesquieu e a Constituição norte-americana de

1789 são usados como referência, mas não em grau relevante. Já há um modelo

brasileiro e é sobre ele que as mudanças são propostas, sem que se recorra à

importação de experiências estrangeiras.

Diversos foram os mecanismos propostos na linha da reformulação

do instituto do veto. Podemos apontar desde sugestões para sua total extinção,

até hipóteses de convocação, pelo presidente da república, de referendo para

determinados casos, o chamado veto popular, bem como o questionamento sobre a

manutenção do veto parcial, a limitação do veto a dispositivos inteiros – e não mais

a vocábulos – e a instituição do pedido de reconsideração. Entre todas as propostas

citadas, esta última é a que, se prevista isoladamente, mais nos aproximaria do

modelo norte-americano, com a suspensão da vigência da lei até a apreciação do

texto pelo Congresso Nacional.

Se havia todo esse ímpeto renovador, por que então o texto

constitucional se manteve próximo dos anteriores, corrigindo-se apenas situações

extremas, como o veto a palavras soladas? Os anais da Constituinte sugerem uma

resposta. Como apontado no capítulo 5, as inovações propostas para o veto foram

sendo retiradas paulatinamente dos textos aprovados nas várias fases da ANC.

Já na Comissão de Sistematização, a última antes do Plenário, o veto retomou

praticamente a mesma forma que possuía nas constituições brasileiras anteriores.

Os grupos conservadores e majoritariamente favoráveis a um presidencialismo

forte, unidos no bloco parlamentar conhecido como Centrão, venceram a disputa

com a frente progressista, resultando em um “presidencialismo imperativo”.

Ainda que fundamental para a definição do desenho institucional, a

questão do equilíbrio entre os Poderes Executivo e Legislativo não se encerrou na

Constituinte. Se é verdade que instituições contam para o desfecho dos processos

nos quais estão envolvidas, o comportamento dos atores que transitam por elas

também é crítico. O percentual de 22% de projetos de lei vetados, ainda que se

possa questionar se é ou não excessivo, revela um Poder Executivo que não tem

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receio de intervir publicamente no processo legislativo e, portanto, condizente com

o previsto na ANC.

Por outro lado, a aplicação concreta do veto nos últimos 25 anos

revelou que, se nas últimas duas décadas os dados não nos permitem afirmar que

o Poder Executivo se comporta, em matéria de veto, com mais intensidade do que

a esperada pelo desenho institucional decorrente da Constituinte, é inquestionável

que o Poder Legislativo se enfraqueceu. O Congresso Nacional abriu mão da sua

prerrogativa de rever os vetos, o que não pode ser atribuído por uma intervenção

institucional do Poder Executivo. Os regimentos das Casas são normas internas,

de cuja elaboração o presidente da república não participa, e a interpretação

das respectivas disposições cabe exclusivamente aos próprios parlamentares e,

eventualmente, pelo Supremo Tribunal Federal. As justificativas para essa omissão

institucional podem variar desde alegações de dependência dos parlamentares

para com o Executivo, para obtenção de benefícios que viabilizem vitórias eleitorais,

até o simples descaso ou desconhecimento da relevância da revisão do veto para

a manutenção do equilíbrio dos Poderes. De todo modo, as votações dos vetos

foram retomadas em julho de 2013, após anos de paralisia, restando observar se

as modificações nos ritos regimentais foram suficientes para promover alteração

nesse cenário.

Dada a conjuntura traçada pela avaliação histórica, das discussões

e deliberações da Assembleia Nacional Constituinte e pelos dados da utilização

do instituto do veto presidencial no Brasil após 1988, temos que o modelo de

preponderância do Poder Executivo no sistema político, quando observado

a partir do veto, não decorreu de inércia dos constituintes. Tratou-se de uma

opção deliberada e constantemente reafirmada pela elite política que previu um

presidente da república forte e posteriormente abriu mão de prerrogativas que

poderiam contrabalançar esse poder. Resta à sociedade avaliar se esse é ou não

um desenho institucional adequado ao desenvolvimento da democracia brasileira,

permanecendo as diversas propostas das fases iniciais da ANC como elementos

ilustrativos do que poderia vir a ser uma revisão do instituto do veto presidencial.

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