Upload
vuongthuan
View
219
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
1
O Instituto Nacional de Tecnologia Agrícola e a Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária: Brasil, Argentina, Ciência e Militarismo na América Latina (1956-1985)
JEFFERSON DE LARA SANCHES JUNIOR*
A América Latina é uma região que, mesmo se situando em um mesmo contexto de
exploração a partir das Grandes Navegações ibéricas iniciadas em fins do século XV, se
caracteriza por sua grande heterogeneidade e complexidade. Tal fato evidencia-se ao
notarmos desde os diferentes sotaques usados no idioma espanhol que predomina em boa
parte do continente e o isolamento linguístico vivido pelo Brasil até questões concernentes a
desenvolvimento econômico e social, com países que apresentam indicadores em alguns
aspectos tão bons quanto os apontados pelos centros mais desenvolvidos do capitalismo
quanto outros que se assemelham aos apresentados pela África Subsaariana.
Essa complexidade apresentada também se refere em relação a ciência e tecnologia.
Considerada como região de desenvolvimento tardio na área, a América Latina vê no século
XX um período de constantes mudanças que condicionaram socialmente e economicamente a
região. Mesmo havendo a existência de institutos de pesquisa desde o século XIX,
principalmente voltados aos estudos de questões relativas a região tropical, como agricultura e
patologias, a América Latina sofre um impulso considerável em seu desenvolvimento
científico e tecnológico com a intensificação de seu processo de industrialização a partir de
1930, marcadamente pautado por demandas externas, o que não provocou, segundo Amilcar
Herrera, condições necessárias para o desenvolvimento de uma indústria baseada em sua
própria capacidade de inovação (HERRERA, p. 78, p. 1995).
Fator preponderante na região desde o período colonial, a agricultura não foi
esquecida nesse processo. Como mostrado no parágrafo anterior, a pesquisa agrícola possui
na região uma longa tradição e passa, a partir dos anos de 1930, a ser vista como fundamental
para o modelo de desenvolvimento adotado, seja para gerar divisas ou fornecer matéria prima
para as indústrias em expansão. Para atender a tamanha demanda, alguns países latino-
americanos passam a desenvolver sistemas nacionais de pesquisa agropecuária, visando
justamente conceder a esta área o respaldo científico para tamanha empreitada. Após a
* Doutorando em Política Científica e Tecnológica – Universidade Estadual de Campinas. CAPES.
2
Segunda Guerra Mundial, há uma intensificação desse processo, visto o papel desempenhado
pela ciência no conflito e a crença em seu poder para a superação dos obstáculos do
desenvolvimento latino-americano.
Nesse momento, destacam-se a formação do Instituto Nacional de Tecnologia
Agropecuaria (INTA) em 1956, na Argentina, e da Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (EMBRAPA) em 1972, no Brasil, como início e fim de um processo de
proliferação de institutos nacionais de pesquisa agrícola na América Latina, marcado por um
momento de grande instabilidade política em ambos os países, refletidos em golpes de Estado,
e a influência de organismos internacionais em sua formação, especialmente vinculados aos
EUA, traduzindo a lógica binária leste-oeste que marcou todo o período da Guerra Fria.
Tais institutos, criados em um mesmo contexto internacional, também respeitaram as
lógicas e especificidades. Ambos foram objeto de estudos tanto no Brasil quanto na
Argentina, inclusive de análise comparadas, trabalhos os quais apresentaram sua contribuição
significativa. Contudo, mesmo com os estudos já realizados, vemos que há, naquilo que
compete à análise e produção historiográfica, uma lacuna no estudo comparado de ambos os
institutos, principalmente no que concerne às ditaduras militares e sua agenda política frente
aos institutos de pesquisa agrícola. Os militarismos na América Latina despertam um
interesse inconteste, sendo alvo de vasta produção historiográfica em diversas áreas, como a
política, economia, cultura e sociedade em geral. Entretanto, cremos ainda existir a ausência
de estudos abrangentes sobre ciência e tecnologia, tema entendido como nevrálgico para os
militares no período. Ademais, resta saber como se deu a relação dos EUA na fundação
desses institutos em um contexto bipolarizado como a Guerra Fria e estando a América Latina
sob a influência estadunidense, e quais foram as condicionantes internas de Brasil e Argentina
para a configuração dos institutos.Logo, este estudo visa conceder a sua contribuição para a
área de discussão em questão, complementando e dialogando com aquilo que já foi
produzido.
A análise comparada, muito além do que uma obviedade metodológica, busca
compreender a formação dos dois institutos em um contexto global semelhante, condição por
nós considerada de fundamental importância para o seu desenlace. Cremos que o estudo
comparado nos fornecerá subsídios para que possamos ressaltar as especificidades de cada
caso e como seu o desenvolvimento de cada instituto em relação aos seus contextos. Destarte,
3
este projeto de pesquisa visa a apresentar uma proposta de estudo sobre ambos, seguindo os
preceitos metodológicos da história comparada preconizados por pelo historiador francês
Marc Bloch e buscando compreende-los como a comunidade cientifica de ambos os países
respondeu e se estruturou em torno desses institutos, nos valendo para isso das contribuições
de Pierre Bourdieu sobre capital e campo científico.
O pós-guerra revela-se para a América Latina como um período repleto de mudanças
que condicionariam a economia, política e sociedade da região ao longo das décadas
seguintes, modificações tão profundas e estruturais que ainda se manifestam nos dias atuais.
Tais transformações vieram acompanhadas de diversos descontinuidades e desafios, marcados
pela ascensão de um processo de industrialização tardio em relação às nações europeias e aos
EUA, em um contexto econômico e agrário-exportador. No que tange a Brasil e Argentina,
tais contradições e obstáculos se manifestavam de forma intensa, visto ambos serem as
principais forças políticas e econômicas da América do Sul e despontavam quanto ao papel de
liderança que já desfrutavam e que passaria a ser cada vez mais evidente.
Politicamente, o Brasil via o término dos quinze anos de Getúlio Vargas no poder em
três fases distintas, sendo a última a ditadura do Estado Novo, e o início de um intervalo
democrático marcado por decisões importantes no contexto de Guerra Fria que então se
descortinava e por uma grande instabilidade política. Temos também a partir de então uma
nova configuração na estrutura de acumulação de capital, com foco direcionado às atividades
industriais em substituição à matriz agrária, cabendo a esta a expansão de sua produção a fim
de prover às industrias os insumos necessários a produção através da expansão das fronteiras
agrícolas (RODRIGUES, 1987, p. 206).
Já nossos vizinhos argentinos encontravam-se em um cenário semelhante de
transformações políticas iniciadas a partir da queda de Rámon Castillo, deposto da
presidência em 1943 pormilitares nacionalistas que o acusavam de práticas políticas
fraudulentas. A chegada de Juan Domingo Perón a presidência daquele país em junho de 1946
acelerou o ritmo das transformações. O que se viu a partir de então foi uma política de
incentivo ao mercado interno, por meio da concessão de crédito à indústria e de forte apelo
social, conseguido através do aumento do salário mínimo e da conquista do apoio da classe
trabalhadora por meio do controle do sindicato e aprovação de leis trabalhistas (FAUSTO;
DEVOTO, 2004, p. 301-302).
4
Ao analisarmos as situações, podemos encontrar similitudes entre ambas, das quais se
destaca a participação fundamental do Estado no contexto analisado e seu crescimento na
participação da economia, como, por exemplo, através da nacionalização de setores tidos
como estratégicos, como energia e indústria de base (FAUSTO; DEVOTO, 2004, p. 302).
Podemos também constatar a centralização e maior intervenção do Estado nas áreas de ciência
e tecnologia em ambos os países. Além de ser considerada como setor fundamental para a
economia, o setor de C&T passa ser visto com outros olhos no pós guerra, visto o papel
fundamental desempenhado na luta contra o Eixo, garantindo avanços no tratamento de
combatentes até o desenvolvimento do radar e da bomba atômica, emergindo também a
proposta de que o Estado deveria assumir a função de principal financiador da pesquisa, frente
aos recursos financeiros necessários e a importância para a economia e a segurança do país
em um período marcado por crescente animosidade e polarização política (OLIVEIRA, 2011,
p. 531). Marco importante neste processo, o relatório Science, The Endless Frontier,elaborado
por Vannevar Bush a pedido de Franklin Roosevelt e entregue a Harry Truman, delineou a
política de ciência e tecnologia a ser desenvolvida nos Estados Unidos no momento pós-
guerra, servindo também de base para as políticas desenvolvidas ao redor do planeta
(OLIVEIRA, 2011, p. 531).
O apelo a ciência e tecnologia no pós-guerra tinha por base questões relacionadas à
segurança e soberania nacional e ao desenvolvimento econômico, fator de extrema
importância para a América Latina, que enxergava nesse esforço a possibilidade de dirimir os
gargalos que se apresentavam a expansão da economia capitalista na região. Como aponta
Simon Schwartzman, antes da Segunda Guerra Mundial a necessidade de se contar com a
ciência em países como o Brasil expressava-se em nome da cultura e expansão do processo
civilizatório. Com o fim da guerra, a ciência passa a ser vista então como fator fundamental
para o desenvolvimento econômico, o que leva o cientista para fora do espectro acadêmico,
estando agora diretamente relacionado com o planejamento do país (SCHWARTZMAN,
2001, p. 4).
Logo, vemos a partir de então em países como Argentina e Brasil, esforços
direcionados ao delineamento de uma política de ciência e tecnologia nacional. No caso
brasileiro, isto evidencia-se com a criação de organismos para a organização institucional dos
cientistas, como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em 1949, e para
5
a concessão de recursos e fomento à pesquisa, como o Conselho Nacional de Pesquisas, em
1951, e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, em 1960
(SCHWARTZMAN, 2001, p. 5-7). De semelhante modo, podemos constatar a formação de
uma estrutura semelhante na Argentina a partir da organização de institutos como a Comisión
Nacional de Energía Atómica (CNEA), Instituto Nacional de Tecnologia Industrial (INTIL),
Consejo Nacional de Investigación Científica y Tecnologica (CONICET) e o Instituto
Nacional de Tecnologia Agrícola (INTA), fundados ao longo dos anos de 1950, que, ao lado
do decênio seguinte, formam o que Mario Albornoz chama de época de ouro da ciência
argentina (ALBORNOZ, sem data, p, 81-83).
A definição de uma política científica em ambos os países, bem como os temas
tratados, como a energia nuclear, respeitava o espírito da época, marcado por um olhar em
direção às transformações que seriam promovidas mediante os esforços realizados em ciência
e tecnologia. Istotambém se evidencia com a formação de institutos de pesquisa agrícola no
Brasil e Argentina que, para além de se manifestarem como um processo isolado, se inserem
em um contexto mais amplo de criação de institutos nacionais de pesquisa agropecuária na
América Latina, tendo por ponto de partida do ciclo a fundação do Instituto Nacional de
Tecnologia Agrícola (INTA), em 1956 na Argentina, e seu encerramento com a criação da
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, em 1972 (MELLO, 1995, p. 36; SALLES –
FILHO; MENDES; PEDRO, 2006, p. 9).
Ao analisarmos este período, devemos levar em consideração os fatores externos e
internos que influenciaram diretamente na criação de institutos de pesquisa agropecuária na
América Latina, especialmente na Argentina e Brasil, temas centrais desta pesquisa. Como
fatores externos que contribuíram para o isso, podemos destacar a ocorrência naquele
momento do processo conhecido como “Revolução Verde”, caracterizado pela expansão do
padrão tecnológico agrícola dos países do centro do capitalismo para regiões menos
desenvolvidas, bem como a produção e difusão de sementes melhoradas e técnicas agrícolas
com vistas ao incremento da produtividade (MELLO, 1995, p. 31; FUCK, 2009, p. 34). Este
modelo de instituto de pesquisa agrícola surgiu da convicção de que um amplo conjunto de
tecnologias adaptáveis ao contexto latino-americano estava disponível, sendo para isso
fundamental assegurar a transferência de tecnologia e a criação de uma estrutura que o
viabilizasse (PIÑERO; TRIGO, p. 4, 1985).
6
Além do processo descrito acima, também podemos estabelecer como fatores externos
que influenciaram no processo as instituições que possibilitaram essa transferência e difusão
de tecnologia para o Terceiro Mundo. O modelo adotado baseou-se na experiência de grandes
institutos coloniais de pesquisa agrícola e dos experimentos carreados pelos Institutos Ford e
Rockfeller em países como o México e Filipinas em produtos como milho, trigo, batata e
feijão (HAYAMI; RUTTAN, p. 306, p. 1988). Aliado a isso, podemos também destacar a
participação da FAO, repartição da Organização das Nações Unidas para a alimentação e
agricultura, do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA) e de acordos
e convênios com a Agência de Desenvolvimento Internacional do governo estadunidense
(USAID). Segundo Piñero e Trigo, tais agencias e organizações estiveram diretamente
envolvidas com a fundação de institutos de pesquisa agropecuária na Argentina, Equador,
Venezuela, Colombia, Peru e Chile (PIÑERO; TRIGO, p. 5, 1985), além de, como aponta
Hayami e Ruttan, de serem os responsáveis pela criação de instituições para a pesquisa de
produtos como o arroz, milho, trigo e produtos tropicais nas Filipinas, Nigéria, Colômbia e
México (HAYAMI; RUTTAN, p. 307, 1988).
Visto os fatores externos que levaram a configuração de institutos nacionais de
pesquisa na Argentina e Brasil e que terminaram por influenciar em toda a política para o
setor na América Latina, podemos agora nos debruçar sobre as questões internas que levaram
a fundação do INTA e EMBRAPA, analisando-as à luz do histórico de medidas adotadas para
a ciência e tecnologia agropecuária. A Argentina contava desde fins do século XIX com
centros de estudos agronômicos vinculados a centros universitários, organizando também no
início do século XX o Servicio de Agronomias Regionales e a Oficina de Estaciones
Experimentales (GÁRGANO, p. 3, 2014). Posteriormente, a reorganização do Ministerio de
Agricultura y Ganaderia e a criação de órgãos específicos em sua estrutura, como a Direción
Nacional de Investigaciones Agrícolas e do Centro Nacional de Investigaciones
Agropecuárias permitiram uma maior integração dos trabalhos desenvolvidos nas estações
experimentais argentinas e centralizar as pesquisas que possuíam abrangência nacional
(INTA, sem data, p. 1).
Em mais um passo decisivo, o Ministerio de Agricultura y Ganaderia passa a
estimular, a partir de 1954, o funcionamento do Plan de Agronomias Regionales para el
Desarollo Agropecuario, programa cuja origem remonta a década de 1930 e que tinha por
7
objetivo imediato prestar assistência técnica aos produtorese criar as bases para a organização
de um plano de extensão rural de abrangência nacional (INTA, sem data, p. 2). No plano
interno, a Argentina vivia um momento de grande instabilidade política e reajuste econômico
durante o segundo mandato de Juan Domingo Perón, que via o crescimento da oposição,
especialmente de setores que outrora o apoiaram, como a Igreja Católica e setores das Forças
Armadas, e o estabelecimento de um novo pacote econômico com vistas a controlar a inflação
e retomar o crescimento. Os problemas enfrentados e a crescente oposição desembocam na
queda de Perón em setembro de 1955, em um golpe liderado por setores da Marinha argentina
no evento que ficou conhecido como “Revolução Libertadora” (FAUSTO; DEVOTO, 2004,
p. 315-317, 337-339).
Logo, é em um contexto de crise que o INTA é fundado. No ano de 1956, a Argentina
via sua economia em situação muito difícil, com déficit na balança comercial e dívida externa
crescente. O setor agropecuário correspondia a 95% das exportações e a produtividade
agrícola estava a vinte e cinco anos estagnada na Región Pampeana, principal área de
produção argentina. O consumo interno de alimentos aumentava e a agricultura e pecuária
eram vistas como gatilho para a retomada do crescimento. A Comissão Econômica para a
América Latina (CEPAL), por meio do economista Raul Prebisch, recomenda ao governo
argentino a criação de uma instituição nacional de pesquisa agropecuária, vista então como a
única forma de destravar o crescimento argentino (DURLACH, sem data, p. 1-2; INTA, sem
data, p. 3).
Partindo disso, é definida uma comissão consultiva, formada por Ubaldo Garcia, José
M. Quevedo e Norberto Reichart, responsável pela elaboração de um anteprojeto para o
estatuto de um novo organismo de pesquisa, que desemboca na criação do Instituto Nacional
de Tecnologia Agrícola através do decreto-lei 21.680 de quatro de dezembro de 1956,
assinado pelo então presidente Pedro Eugênio Aramburu. O INTA teria por finalidade prover
o campo argentino de meios para a ampliação de sua produção e contaria com autonomia
administrativa e financeira, colaboração dos produtores e sociedades rurais, descentralização
técnico-administrativa, abrangência nacional das atividades de pesquisa, sendo presidida por
um conselho diretivo, composto por técnicos, representantes ministeriais e produtores ligados
a entidades de classe, como a Sociedad Rural Argentina (SRA) e Confederaciones Rurales
Argentinas (CRA) (DURLACH, sem data, p. 3, GÁRGANO, 2014, p. 5).
8
Ao analisarmos a criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, podemos
constatar a existência de algumas similaridades em relação ao processo que levou a criação de
seu congênere argentino. Contudo, devemos considerar que, em relação a instituições de
pesquisa para a agricultura e pecuária, a experiência brasileira é mais antiga do que a feita na
Argentina. As primeiras instituições brasileiras do tipo datam desde o início do século XIX,
iniciando pela criação do Jardim Botânico, no Rio de Janeiro. A partir de então, o que vemos
é a expansão dos institutos pelo país, especialmente após 1850, incentivados pelo início da
imigração e expansão da cafeicultura nas províncias do Rio de Janeiro e São Paulo. Exemplo
disso é a criação dos Imperiais Institutos Agronômicos no Rio de Janeiro, Bahia e São Paulo,
cuja intermitência de recursos não possibilitava a realização das atividades de forma
adequada. (DANTES, 1980; SZMERECZÁNYI, 1998).
O advento da República em 1889 representou uma nova configuração, marcado por
amplo processo de descentralização política e econômica, favorecendo os estados em
detrimento do governo federal. Isso também se refletiu na criação de instituições cientificas,
principalmente em São Paulo, proporcionado pela riqueza proveniente do café e caracterizado
em organismos como o Instituto Biológico e o Instituto Agronômico de Campinas, que passou
para o controle do estado de São Paulo no período republicano(RIBEIRO, 1996, 1997;
ALMEIDA; DANTES, 2001). Porém, a descentralização não representou um imobilismo
total do governo federal, que também atuava em direção a ciência e tecnologia agrícola, que
se evidencia coma reorganização do Ministério da Agricultura, em 1909, e a criação das
primeiras estações experimentais com o objetivode atender os interesses de oligarquias
marginais no contexto político da época, como as provenientes do Rio de Janeiro e Nordeste
(MENDONÇA, p. 32-34, 1995).
A crise de 1929 e seu impacto na cafeicultura e a chegada de Getúlio Vargas ao poder
em 1930 representam o início de um novo momento para o Brasil. As mudanças provocadas
tinham por finalidade a centralização política e econômica e o controle por parte do governo
federal, representada na figura de Vargas. Isso também se refletiu na agricultura, que deveria
tirar a primazia do café, diversificar a produção e preparar o país para novos tempos. A
ciência e tecnologia foram alvo de ação, por meio da expansão das estações experimentais e
da criação, em 1938, do Centro Nacional de Ensino e Pesquisa Agrícola (CNEPA), formado
pelo Serviço Nacional de Pesquisa Agronômica (SNPA) e a Universidade Rural, organismo
9
ligado ao Ministério da Agricultura e teria por finalidade centralizar os esforços relativos a
pesquisa agronômica do país. Essa estrutura é alvo de reorganização no início da década de
1960, quando a nova Lei de Diretrizes e Base da Educação atribuía ao Ministério da Educação
a responsabilidade pelo ensino, fazendo com que a Universidade Rural passasse aos auspícios
deste ministério. Em outubro de 1962, cria-se o Departamento de Pesquisa e Experimentação
Agropecuária (DPEA), organismo que herdou toda a rede de institutos e estações
experimentais do antigo CNEPA, agrupando as pesquisas em três níveis: culturas para fins de
alimentação, culturas para economia de divisas e culturas que produzem divisas
(RODRIGUES, p. 209-211, 1987).
O que vemos a partir de então é uma crescente cobrança em relação ao Ministério da
Agricultura por uma definição mais precisa sobre o alcance econômico dos resultados da
pesquisa agrícola brasileira e uma divulgação mais abrangente visando alcançar o produtor
rural, postura se intensifica com o golpe de 1964 e o início da ditadura militar, No período,
verifica-se uma nova organização do DPEA, que passa a se chamar Escritório de Pesquisa e
Experimentação (EPE) a partir da reforma administrativa realizada em 1967, e o aumento da
parceria com órgãos estrangeiros, como o IICA e USAID, para a formação de técnicos
agrícolas e empréstimos. (RODRIGUES, 1987, p. 215-220; MELLO, 1995, p. 43).
Com vistas a otimização do sistema e a viabilização de novos recursos, o Ministério da
Agricultura e o Ministério do Planejamento criam a Comissão de Alto Nível para avaliar a
situação da pesquisa agropecuária no Brasil e identificar competências e gargalos para prover
o setor de informações suficientes para a sua transformação. Após o diagnóstico, o grupo de
análise estabelece algumas recomendações, como estabelecimento de plano de carreira e
paridade salarial para os pesquisadores, aprimoramento nas atividades de pesquisa, fluxo
orçamentário regular, autonomia administrativa e financeira e ampliação da pesquisa para
regiões consideradas estratégicas, como Nordeste, Amazônia, Cerrado, norte do Paraná e sul
do Mato Grosso (RODRIGUES, 1987, p. 224-225). Além disso, a Comissão de Alto Nível
elaborou um plano operacional para a utilização de recursos obtidos no exterior, com a
finalidade de aprimorar a capacidade técnica através da formação de pesquisadores e a
execução de projetos, especialmente para o arroz, feijão, soja, milho, sorgo e bovinos, vistos
então como prioritários para o desenvolvimento nacional. A esse plano foi dado o nome de
Programa Especial de Pesquisa Agropecuário (PEPA), que, segundo Cyro Rodrigues, pode
10
ser visto como principal modelo para a criação da EMBRAPA (RODRIGUES, 1987, p. 232-
236).
Seguindo as instruções realizadas pela Comissão de Alto Nível, a em EMBRAPA é
criada pela lei nº 5851, de sete em dezembro de 1972, passando a atuar de forma efetiva a
partir de abril de 1973, herdando uma ampla rede de institutos de pesquisa e experimentação,
instalações e meio de divulgação científica, norteada por princípios de transferência
tecnológica, planejamento, participação da iniciativa privada, setores de ensino e sistema
nacional de C&T, flexibilidade administrativa, disseminação do conhecimento e
interdisciplinaridade do sistema. As pesquisas ali desenvolvidas estariam em consonância
com os Planos Nacionais de Desenvolvimento e Planos Básicos de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico, buscando de forma contínua a utilização de mecanismos de
informação e de intercâmbio das inovações científicas e tecnológicas produzidas dentro e fora
do país (RODRIGUES, 1987, p. 238-240; MELLO, 1995, p. 44).
Referências bibliográficas
ALBORNOZ, Mario. Política cientifica y tecnológica em Argentina. Organizacion, Ciencia
y Tecnologia. Sem data.
11
ALMEIDA, Marta de; DANTES, Maria Amélia M. O Serviço Sanitário de São Paulo, a saúde
pública e a microbiologia. In: DANTES, Maria Amélia M. (org.). Espaços da ciência no
Brasil (1800-1930). Rio de Janeiro: Fiocruz, 2001.
BARROS, José D. História comparada – da contribuição de Marc Bloch à construção de
moderno campo historiográfico. História Social. Campinas, v.1, n.13, p. 7-21, 2007
BASTOS, Maria Inês; COOPER, Charles. Politics of Technology in Latin America.
Londres. UN Press, 1995.
BOURDIEU, Pierre. O campo científico. In: ORTIZ, Renato (org.). Bourdieu – Sociologia.
São Paulo: Ática. 1983. pp. 122-155.
______________. Para uma sociologia da ciência. Lisboa: Edições 70, 2001.
______________. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
______________. Os usos sociais da ciência. São Paulo: UNESP, 2004.
COVA, Anne. História compara das mulheres: novas abordagens. Lisboa: Livros
Horizonte, 2008.
DANTES, Maria Amélia Mascarenhas. Institutos de pesquisa científica no Brasil. História das
Ciências no Brasil. In: MOTOYAMA, Shozo; FERRI, Mario Guimarães. História das
Ciências no Brasil. São Paulo. EPU/EDUSP, 1979-80.
DIAS, Rafael de Brito. Sessenta anos de Política Científica e Tecnológica no Brasil.
Campinas: Ed. Unicamp, 2012.
DURLACH, Augusto. El INTA en la bibliografia. Buenos Aires: INTA, sem data.
FAUSTO, Boris; DEVOTO; Fernando. Brasil e Argentina: um ensaio de história
comparada (1850-2002). São Paulo: Editora 34, 2004.
FRAGOSO, João; FLORENTINO, Manolo. História Econômica. In: CARDOSO, Ciro
Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (Orgs.). Domínios da História: ensaios de teoria e
metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997, pp. 27-45.
FUCK, Marcos Paulo. A co-evolução tecnológica e institucional na organização da
pesquisa agrícola no Brasil e na Argentina. 2009. 180 p. Tese. (Doutorado em Política
12
Científica e Tecnológica) Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas,
Campinas.
GÁRGANO, Cecilia. Experimentación científica, genética aviar y dictadura militar en el
Instituto Nacional de Tecnología Agropecuaria (1956-1976). Mundo Agrario. La Plata, v.
15, n. 28, p. 1-31, abr 2014.
HAYAMI, Y.; RUTTAN, V. Desenvolvimento agrícola: teoria e experiências
internacionais.Brasília: EMBRAPA- DPU, 1988.
HERRERA, Amilcar O. Los determinantes sociales de la política cientifica em America
Latina: política científica explicita y politica cientifica implícita. Redes, Buenos Aires, vol. 2,
n. 5, p. 117-131, dez 1995.
______________________. Ciencia y política em America Latina. Buenos Aires:
Biblioteca Nacional, 2015.
Instituto Nacional de Tecnología Agropecuaria. Concepción, Nacimiento y Juventud del
INTA. Buenos Aires: INTA, sem data.
MELLO, Debora Luz de. Tendências de reorganização institucional da pesquisa agrícola:
o caso do Instituto Agronómico do Paraná. 1995. 269 p. Dissertação (Mestrado em Política
Científica e Tecnológica) Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas,
Campinas.
MENDONÇA, Sonia Regina de. O ruralismo brasileiro. São Paulo: Hucitec, 1995.
NUÑES, Sergio; ORIONE, Julio. Disparen contra la ciência: de Sarmiento a Menem,
nacimiento y destrucción del proyecto científico argentino. Buenos Aires: Espasa Hoy,
1993.
OLIVEIRA, Marcos Barbosa. Formas de autonomia da ciência. Revista Scientae Studia. São
Paulo, v. 9, n.3, p. 527-561, 2011.
PALERMO, Vicente. Algumas hipóteses comparativas entre Brasil e Argentina no século
XX. Revista Sociologia Políica. Curitiba, v. 17, n. 33, p. 123-130, jun. 2009
PINEIRO,M. e TRIGO, E. Latin american agricultural research: the public sector:
problems and perspectives.The Hague, Netherlands: ISNAR, 1985.
13
PRADO, Maria Ligia Coelho. Repensando a história comparada na América Latina. Revista
de História. São Paulo, v. 153 n. 2, p. 11-33, 2005.
RIBEIRO, Maria Alice Rosa. Lições para a História da Ciência no Brasil: o Instituto Pasteur
de São Paulo. História, Ciências, Saúde – Manguinhos. Rio de Janeiro, v. 3, n. 3, p. 467-84,
nov. 1996 – fev. 1997.
RODRIGUES, C. M. A pesquisa agropecuária no período do pós-guerra. Caderno Difusão
Tecnológica. Brasilia, v. 4, n. 3, p. 205-254, set./dez. 1987.
SALLES-FILHO, Sergio et alii. Ciência, tecnologia e inovação: a reorganização da
pesquisa pública no Brasil. Campinas: Komedi/Capes, 2000.
SALLES-FILHO, Sergio; MENDES, Paule J.; PEDRO, Edson. Inovações institucionais na
pesquisa agrícola na América Latina e Caribe. XXIV Simpósio de Inovação Tecnológica.
Gramado, 2006.
SCHWARTZMAN, Simon. .Um espaço para a ciência: Formação da comunidade
científica no Brasil. Brasília: MCT, 2001.
SZMRECSÁNYI, Tamás. Pequena História da Agricultura no Brasil. São Paulo: Ed.
Contexto, 1998.