O Intérprete Diante do Texto_Juliano Zaiden Benvindo

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    Revista da Faculdade de DireitoUFPR, Curitiba, vol. 59, n. 2, p. 47-73, 2014.

    O INTRPRETE DIANTE DO TEXTO:APROXIMAES ENTRE A LEITURA DA TOR, DO CORO E DA

    CONSTITUIO

    THE INTERPRETER IN FRONT OF THE TEXT:APPROXIMATIONS BETWEEN THE READING OF THE TORAH, OF THEQUR'AN AND OF THE CONSTITUTION

    Eduardo Borges Arajo*1

    Juliano Zaiden Benvindo**2

    RESUMO: a doutrina constitucional brasileira do final do sculo XX e incio do sculo XXI

    revelou um fascnio pela principiologia e ponderao. Atribui-se o enfraquecimento do carternormativo da Constituio ao discurso jurdico-axiolgico das Cortes Constitucionais, cujosministros praticariam uma teologia constitucionalao deduzirem diretamente do texto todos osvalores e comportamentos corretos. Porm, assim como no Direito, verifica-se na teologiauma preocupao constante com os mtodos de interpretao dos textos sagrados, de maneiraque resulta impossvel reduzir sua rica experincia hermenutica jurisprudncia de valores.Para ilustrar o argumento, ser explorado o debate sobre a leitura da Tor e do Coro, com ofim de evidenciar os distintos mtodos interpretativos possveis. Em segundo lugar, a anliserecair sobre a histria constitucional americana, sobretudo no que diz respeito relao entreinterpretao e emenda e ao papel hermenutico da Suprema Corte, para que, na concluso,

    possam ser traados paralelos entre a interpretao da Tor, do Coro e da Constituio.

    PALAVRAS-CHAVE: Coro. Emenda constitucional. Hermenutica constitucional. Tor.

    ABSTRACT: The Brazilian constitutional literature of the late twentieth century and earlytwenty-first century revealed a fascination for principles and for weighting. The weakening ofthe normative character of the Constitution was attributed to the legal-axiological discourse ofConstitutional Courts, whose justices would practice a constitutional theology to deductdirectly from the text all the correct values and behaviors. However, as it is in Law, there is aconstant concern in theology about the methods of interpretation of sacred texts that makes

    impossible to reduce its rich hermeneutical experience to a jurisprudence of values. Toillustrate the argument, we will explore the debate over the reading of the Torah and of theKoran, in order to show the different possible interpretive methods. Secondly, we will focuson American constitutional history, especially in regard to the relationship betweeninterpretation and amendment and to the hermeneutical role of the Supreme Court, so that, in

    *Bacharel em Cincias Jurdicas pela Universidade Federal do Paran (UFPR). Mestrando em Direito, Estado eConstituio pela Universidade de Braslia (UnB). Pesquisador do Grupo de Pesquisa Constitucionalismo eDemocracia: Filosofia e Dogmtica Constitucional Contemporneas (PPGD/UFPR). Bolsista da Coordenao de

    Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES).**Professor de Direito Pblico da Universidade de Braslia (UnB). Atualmente, realiza Estgio Ps-Doutoral naUniversidade de Bremen (Alemanha). Doutor em Direito pela Universidade Humboldt de Berlim (Alemanha) e

    pela Universidade de Braslia (UnB).

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    the conclusion, we can draw parallels between the interpretation of the Torah, of the Quranand of the Constitution.

    KEYWORDS: Constitutional amendment. Constitutional interpretation. Qur'an. Torah.

    INTRODUO

    Aps a escurido de um longo perodo, a luz se acende! Veio mostrar a clareza,

    apontar os caminhos, evitar os choques, permitir o incio de um novo momento em que

    podemos olhar o que outrora estava escondido nas sombras de um quarto fechado (SCHIER,

    2005, p. 4). Em 1985, com o fim do regime militar e a discusso sobre transio democrtica,

    a cincia e a teoria polticas brasileiras despertaram para o debate sobre a constitucionalizao

    do direito. Assim como fizera com a realidade poltica do Brasil, a democracia supostamente

    viera para transformar nossa doutrina constitucional: Precisou o neoconstitucionalismo trazer

    a luz e as guas reparadoras ao mundo doDireito (SCHIER, 2005, p. 5). Por mais que parea

    duvidoso que tais transformaes possam ser interpretadas de forma to causal, certo que o

    constitucionalismo brasileiro, ao final do sculo XX e incio do sculo XXI, demonstrou um

    fascnio pela principiologia e ponderao que levou trivializao da relao entre princpios

    e regras (NEVES, 2013).

    Revela-se impossvel reduzir o neoconstitucionalismo a uma definio clara e coesa,

    na medida em que sua relevncia terica est mais em servir como guarda-chuva a distintas

    concepes sobre o fenmeno jurdico, cujas particularidades, ainda que possam ser traadas

    a denominadores em comum, comprometem a formulao de um conceito de maior preciso

    (SARMENTO, 2009). Mesmo diante de controvrsias em torno de sua conceituao e suas

    caractersticas, a doutrina no diverge quanto identificao da presente conjuntura da teoria

    constitucional como neoconstitucionalista, atribuindo-lhe como traos caractersticos o

    distanciamento do positivismo jurdico e a vinculao entre direito e moral na interpretao daconstituio dos Estados modernos (DIMOULIS, 2008). Foi tamanha fluidez conceitual que

    permitiu o enquadramento de jusfilsofos dos mais distintos matizes tericos na categoria de

    pensadores neoconstitucionalistas, a exemplo de Robert Alexy e Ralf Dreier na Alemanha,

    Gustavo Zagrebelsky e Luigi Ferrajoli na Itlia, Manuel Atienza na Espanha, Ronald Dworkin

    nos Estados Unidos, Carlos Santiago Nino na Argentina e Lnio Streck no Brasil.

    Seria mrito deste movimento as trs grandes transformaes [que] subverteram o

    conhecimento convencional relativamente aplicao do direito constitucional (BARROSO,2007, p. 5): a atribuio de fora normativa Constituio, o fortalecimento e a expanso da

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    jurisdio constitucional e a interpretao da Constituio a partir de elementos normativos de

    maior abstrao e tcnicas de ponderao entre direitos e interesses. Embora uma investigao

    detalhada revele que nenhuma destas transformaes constitua propriamente uma novidade,

    o que decisivo nesta nova conjuntura terica o entendimento sobre a relao entre direito e

    moral na interpretao da Constituio, que contemporaneamente protagonizada por Cortes

    Constitucionais a partir de referncias corriqueiras a princpios e valores constitucionais e a

    tcnicas de ponderao (DIMOULIS, 2008).

    A amplitude da atuao das cortes constitucionais consolida-se e, paradoxalmente, o

    carter normativo da Constituio, cujo dever de tutela lhe prprio, relativizado em prol de

    uma atuao casustica do Poder Judicirio, cada vez mais presente no plano poltico ao valer-

    se de um discurso poltico-axiolgico reforado pela aura da ltima palavra e da supremacia(WHITTINGTON, 2007; HIRSCHL, 2004). Desta forma, impe-se uma lgica decisria que

    externalizauma forma de ativismo judicial pouco atento aos limites da racionalidade jurdica,

    cuja consequncia uma ntida reorganizao institucional que suscita importantes discusses

    no mbito da separao dos poderes e das perspectivas de justia (BENVINDO, 2010). Alm

    da ampliao das competncias objetivas do Poder Judicirio, facilitada pela consolidao do

    controle judicial sobre o legislador e o aumento da disposio para litigncia, a excepcional

    personalidade de jurista, considerada pressuposto para tomada de decises racionais e justas,centralizou na Justia a conscincia social, eliminando o processo de construo poltica dos

    consensos e deslocando ao Judicirio a deciso sobre valores sociais (MAUS, 2000, p. 186).

    Nesta fuga da complexidade, a apropriao pela Corte Constitucional da persecuo

    dos interesses sociais, dos processos de formao da vontade poltica e dos discursos morais

    conquistada mediante uma radical transformao no conceito de Constituio, que no mais

    encerraria as liberdades e as garantias fundamentais, mas sim um texto fundamental, a partir

    do qual, a exemplo da Bblia e do Coro, os sbios deduziriam diretamente todos os valores ecomportamentos corretos (MAUS, 2000, p. 192). Denuncia-se, dessa maneira, a teologia

    constitucionalque atualmente praticada pelas Cortes na interpretao da Constituio.

    Mas, por trs dessa referncia, reside mais do que uma simplificao da experincia

    teolgica. Ao reduzir os mtodos hermenuticos presentes na teologia a um conceito genrico

    e abstrato, Ingeborg Maus incorre em um equvoco e esclarec-lo ser o primeiro objetivo do

    presente artigo. Assim como a hermenutica constitucional, cujo objeto de interpretao o

    texto constitucional, a teologia testemunha h sculos a disputa entre distintas correntes sobre

    qual o mais adequado mtodo de interpretao dos respectivos textos sagrados, seja pautado

    pela literalidade das escrituras, pelo interesse da coletividade ou pelos princpios subjacentes

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    ao textode maneira muito semelhante s opes hermenuticas prprias do direito. Ilustrar

    essas semelhanas constitui o segundo objetivo do trabalho, cuja tese a ser demonstrada ao

    final a de que a meno teologia constitucionalrevela um injustificado preconceito, que

    ignora ou diminui as particularidades da teologia, e um visvel desconhecimento dos paralelos

    existentes entre as experincias na teologia e no direito. Ser, portanto, de grande valia

    explorar as discusses em torno da interpretao adequada da Tor e do Coro, o que ser

    feito nos dois primeiros tpicos do artigo. Analisadas essas experincias, de forma a

    evidenciar o quo plurais so os mtodos de interpretao, passa-se discusso travada em

    torno da leitura do texto sagrado dos americanos, a Constituio, de modo a possibilitar que,

    nas consideraes finais, sejam traadas as aproximaes entre as experincias na teologia e

    no direito.

    1 O INTRPRETE DA TOR

    A primeira referncia da Bblia aos dez mandamentos encontra-se no captulo 24 do

    xodo, na passagem de seu verso 12: O Senhor disse a Moiss: Sobe para mim no monte.

    Ficars ali para que eu te d as tbuas de pedra, a lei e as ordenaes que escrevi para sua

    instruo. Em seguida, narra o verso 13 que Moiss levantou-se com Josu, seu auxiliar, e

    subiu o monte de Deus, no que uma densa nuvem envolveu o Sinai e ali ficou por seis dias e

    seis noites. Com a chegada do stimo dia, Deus convocou Moiss a adentrar a nuvem, onde

    permaneceu por quarenta dias e noites. Aflitos com a demora, os libertos do Egito terminaram

    por inventar e louvar seu prprio deus, a quem honraram com esttuas, sacrifcios e

    banquetes. Ao retornar do Monte Sinai com o declogo, Moiss deparou-se com o

    acampamento e viu [a esttua d]o bezerro e as danas. Sua clera se inflamou, arrojou de

    suas mos as tbuas e quebrou-as ao p da montanha.

    Como ilustrado pelos captulos 32 e 33 do xodo, a reao de Moiss foi convocar

    todos os membros de sua tribo a assassinar os demais libertos com o fim de obterem o perdo

    divino. No que Deus voltou a se revelar, assim instruiu a Moises: Talha duas tbuas de pedra

    semelhantes s primeiras: escreverei nelas as palavras que se encontravam nas primeiras

    tbuas que quebraste. Na volta do Monte Sinai, conta o verso 10 do captulo 9 do Livro do

    Deuteronmio, foram entregues a Moiss as duas tbuas em que Deus voltou a gravar as dez

    palavras que anteriormente insculpira nas tbuas quebradas por Moiss. Os ensinamentos e os

    mandamentos ali registrados por Deus compreendem a norma fundamental e o valor supremo

    do direito judaico.

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    As revelaes escritas nas tbuas entregues por Deus a Moiss passaram a constituir

    a Tor, qual foram incorporados os ensinamentos tardios sobre o Judasmo que permitiriam

    sua aplicabilidade. Ao ampliar seu contedo para alm dos cinco livros de Moiss 1, a Tor

    diferenciou-se em suas versesescrita e oral. Foi justamente para auxiliar a interpretao da

    Tor escrita que Deus igualmente revelou a Tor oral, cuja denominao justifica-se pela sua

    origem nas leis e nas lies oralmente transmitidas a Moiss e posteriormente transcritas pelos

    sbios judeus. Ao lado do registro textual, um extenso corpo de instrues orais revestiu-se da

    autoridade divina, na medida em que era fruto igual de sua revelao (ZOHAR, 1995). Nele,

    Deus especificou as mincias de suas leis, ainda que deixasse clara a necessidade de

    interpretao humana do texto no que diz respeito a estes detalhes (LEVINE, 1997, p. 445)2.

    Ainda, ensinou a Moiss os mtodos que deveriam ser utilizados na interpretao da Tor entre eles, um modelo de interpretao literal do texto (LEVINE, 1997, p. 445).

    No incio, os ensinamentos da Tor oral eram transmitidos verbalmente de gerao

    para gerao, atravs de um elaborado sistema de ensino. Porm, por consequncia de exlios

    e perseguies sofridas, a Tor oral foi reduzida a um documento escrito. Assim, sob a forma

    de compilao escrita autorizada da Tor oral, surge o Talmude. Seu livro primeiro, a

    Mishnah, produto das reflexes conduzidas por mais de cinco geraes pelo grupo de sbios

    rabnicos Tannaim, entre os anos 70 e 200. Ao trmino das discusses, ficou sob aresponsabilidade do Rabino Jud HaNasi redigir as principais concluses tiradas sobre leis,

    tradies e sabedorias convencionais. O contedo da Mishnah encontra-se organizado de

    acordo com o assunto que tratado em cada uma das suas seis ordens (STRACK;

    STEMBERGER, 1996, p. 110-118). A primeira, chamada Zerain, dispe sobre reza, beno,

    dzima e agricultura. A segunda, Moed, disciplina os rituais do Sab e as festas judaicas.

    Casamento, divrcio, juramento e nazireu3 so tratados pela Nashim, a terceira das ordens.

    Em seguida, a Mishnah cuida de matrias de direito civil e penal, bem como do sistema deadministrao da justia, na ordem Nezikin. So tratadas pela sexta e stima ordens,

    Kodashim e Tehorot, questes religiosas, como rituais de sacrifcio e regras de alimentao.

    1A Tor escrita, Torah Shebichtav, composta pelos cinco primeiros livros da Tanakah da Bblia judaica.Cada livro recebe o nome a partir de sua primeira frase: Bereshit advm de No comeo...; Shemot, de Estesso os nomes...; Vayikra, de E o Senhor chamou a Moiss...; Bamidbar, de No deserto do Sinai... eDevarim, de Estas so as palavras....2Todas as citaes de obras referenciadas em ingls nesta obra possuem traduo livre do autor.3O nazireu remete ao compromisso tomado por algum que decide consagrar-se totalmente a Deus, abstendo-sedos prazeres mundanos, como sexo ou lcool. O trao tpico dos nazireus era o cabelo comprido, que eracortado apenas com o fim do compromisso e oferecido em sacrifcio.

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    A segunda parte do Talmude, a Gemara, abarca leituras e estudos sobre as tradies

    consolidadas pelas reflexes dos Tannaim e anotaes de Jud NaHasi. Assim, o aprendizado

    dos costumes realizado pelos sbios Amorain foi assimilado como 'complemento' da Tor

    escrita ou como complemento do estudo em si (STRACK; STEMBERGER, 1996, p. 105).

    Curiosamente, dois grupos de estudiosos debruaram-se sobre esta tradio, em um processo

    que culminou na produo de duas Gemaras e, consequentemente, de dois Talmudes. Logo,

    h o Talmude de Jerusalm e o Talmude da Babilnia, que compartilham da mesma Mishnah,

    mas no da mesma Gemara.

    Em termos de estrutura, o contedo legal da Tor pode ser distinguido entre mitzvote

    princpios (LEVINE, 1997, p. 451). A primeira categoria, relacionada sobretudo a aspectos

    tcnicos do judasmo, impe deveres positivos ou negativos a determinadas atividades. Aindaque dvidas surjam quanto incidncia dos mitzvot, o contedo do mandamento geralmente

    de fcil identificao. Caso as informaes necessrias ao caso concreto no fossem

    fornecidas pelo direito escrito, sua soluo seria encontrada junto ao direito oral. Como

    resultado, v-se que as autoridades que interpretam a Tor tm um papel limitado, bem como

    uma limitada discricionariedade na definio destas atividades (LEVINE, 1997, p. 461). Na

    hiptese de aplicao da mitzva a novas situaes ou de interpretao de termos no

    pormenorizados pelo direito oral, as regras que so ou textualmente previstas ou logicamenteconcebidas delineiam algumas diretrizes sobre permisses e proibies. Inexiste a faculdade

    de, a partir da vontade divina por trs da mitzvaem questo, deixar de aplic-la. Em regra, a

    exegese no pode restringir sua incidncia. Quando vislumbradas novas circunstncias, as

    autoridades rabnicas devero decidir sobre aplicar ou no a mitzvapara alm de seu texto

    (LEVINE, 1997, p. 460).

    Alm do contedo, que compreende questes civis, os princpios diferenciam-se dos

    mitzvotem relao sua estrutura. No fixando de antemo o que deve ou no ser praticado,os princpios constituemstandardsjurdicos que prescrevem sociedade um modelo ideal de

    funcionamento (LEVINE, 1997, p. 462). O fundamento da maior liberdade que os princpios

    proporcionam ao intrprete, se comparado aos mitzvot, reside na forma e substncia de ambas

    as categorias legais. Primeiro, as normas cveis manifestam-se em princpios genricos que

    no foram extensamente desenvolvidos pelo direito oral. A interpretao, com isso, tornou-se

    necessria definio de regras sociais mais bem definidas. Logo, a principal diferena

    quanto forma est no grau de generalidade, caracterstica essa que guarda relao direta com

    o objeto de cada uma das categorias (LEVINE, 1997, p. 463). Por vezes, os rituais so

    produto de uma vontade divina de difcil articulao e discernimento, o que limita o exerccio

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    interpretativo, por mais que a anlise do texto ou da lgica interna dos mitzvotabra algum

    espao ao leitor.

    A vontade divina tambm fonte dos princpios. Porm, a interpretao apresenta-se

    como condio de construo de um sistema jurdico dotado de normas plenamente aplicveis

    (LEVINE, 1997, p. 463). A natureza programtica dos princpios influi de igual modo sobre a

    discricionariedade do aplicador: ao passo que no permitida a limitao da incidncia da

    mitzvasob o pretexto de respeitar vontade de Deus que lhe d fundamento, os princpios

    remetem a um sistema divino, mas racional, que autoriza interpretaes mais ampliativas ou

    restritivas, conforme a vontade divina que lhe confere fundamento.

    A Tor, inobstante toda reverncia com que tratada, nunca objeto de adorao

    no judasmo, mas por meio da Tor que Deus revela sua vontade ao povo judeu e, por meiodele, a toda humanidade (JACOBS, 1995, p. 2). A tradio jurdica hebraica afasta qualquer

    possibilidade de interveno divina posterior revelao da Tor a Moiss (ZOHAR, 1995).

    neste sentido que o Talmude narra os esforos do Rabino Eliezer em fazer valer seu

    entendimento da Tor frente ao entendimento majoritrio do Conselho de Rabinos4. Aps

    recorrer aos mais diversos sinais miraculosos, Eliezer socorreu-se por fim voz de Deus. Aos

    Rabinos, Deus questionou qual o problema que o Conselho tinha contra Eliezer, uma vez que

    a lei era tal qual Eliezer dissera ser. Em resposta, o Rabino Josu recitou o verso 12 docaptulo 30 do Deuteronmio: Ele [o direito] no est nos cus, para que digas: quem subir

    ao cu para busc-lo por ns e cit-lo para que ns o observemos? Com esta passagem,

    pretendia Josu lembrar o prprio Deus de que, a partir do momento em que a Tor fora

    entregue ao homem no Monte Sinai, os judeus no mais considerariam vozes divinas, em

    razo de estar determinado na Tor que as decises devem ser tomadas de acordo com a

    maioria.

    O Rabino, em momento algum, questiona a autenticidade da manifestao divina. Acontundncia de sua rplica a Deus reside em ser um protesto contra a indevida interveno a

    favor de Eliezer. Aps narrar essa contenda entre Eliezer, Josu e Deus, o Talmude coloca-se

    a narrar o encontro entre o Rabino Nathan e o Profeta Elias. Nesta ocasio, perguntou Nathan

    a Elias qual foi a reao de Deus diante da recusa dos homens em escutar a sua voz, no que

    lhe respondeu o Profeta que Ele somente sorriu e disse: Meus filhos ganharam contra mim,

    meus filhos ganharam5. A reao de Deusou a falta delaindica um consentimento sobre

    4Talmude, Baba Mezi'a 59b.5Ibid.

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    sua excluso dos processos de determinao do direito aps a revelao da Tor. No restaria

    espao a emendas no texto, apenas interpretao de seu contedo (ZOHAR, 1995, p. 309).

    A relevncia da hermenutica bem caracterizada na parbola Seder 'Eliyyah Zta,

    que relata a histria de um antigo Rei que d a dois de seus servos uma determinada poro de

    farinha e uma determinada extenso de linho. O servo inteligente teria transformado o linho

    em toalha e a farinha em po no propsito de preparar a mesa de jantar para a chegada do Rei.

    J o menos inteligente, por sua vez, nada teria feito. Ao visit-los, o Rei exigiu que

    mostrassem a farinha e o linho, no que o primeiro servo serviu o po sobre a mesa enfeitada

    com a toalha e o segundo apresentou somente um cesto com a farinha e o linho. Neste

    momento, ter-lhe-ia esbravejado o Rei: Que vergonha! Que desgraa!. Assim como teria

    feito o Rei ao dar farinha e linho aos seus servos, fizera Deus ao entregar a Tor aos judeus. Ametfora ilustrativa: o que foi recebido de Deus foi entregue como material cru a ser

    trabalhado e transformado em algo til. A atitude contrria, de servilmente preservar o

    presente divino da Tor em sua forma original, explicitamente caricaturizada (ZOHAR,

    1995, p. 317).

    O direito judaico conhece trs fontes e mtodos de interpretao (LEVINE, 1997, p.

    447). Transmitidas oralmente por Deus a Moiss, as interpretaes da Tor escrita contidas na

    Tor oral prescindem de deduo. Os pormenores de leis escritas contidos no Talmude, aindaassim, podem ser classificados em dois grupos distintos. Existem detalhes que no encontram

    fundamento nas leis escritas, delas no podendo ser deduzidos seja textual ou logicamente.

    Em casos em que detalhes so necessrios aplicao de leis vagas, o Talmude to somente

    prescreve os detalhes para tanto, sem ter o cuidado de explicar suas razes. Por outro lado,

    existem detalhes que podem ser diretamente traados Tor escrita, e assim faz o Talmude ao

    prescrev-los. Em segundo lugar, o Talmude prev diversos mtodos de interpretao textual,

    que no mais das vezes compreendem maneiras especficas de anlise literria: ainda assim, adeterminao final sobre qual mtodo aplicar em quais circunstncias no sempre aparente,

    e as concluses sobre direito so baseadas em uma lgica interna especfica a uma arte nica e

    perdida (LEVINE, 1997, p. 448). Por fim, a lgica e a observao consistem na terceira e

    ltima fonte de interpretao, sendo utilizadas para definir a interpretao mais apropriada do

    texto, inferir um princpio do texto ou aplicar um princpio previsto a casos no previstos.

    Ainda assim, a histria judaica testemunhou o surgimento de correntes defensoras da

    Tor escrita como nica base legtima de tradies e costumes da sociedade, repudiando tanto

    interpretaes flexveis de seu texto quanto interpretaes sedimentadas na Tor oral. Assim

    teriam feito os Saduceus em contraponto aos Fariseus, que passavam adiante as tradies que

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    no estavam previstas na Tor escrita, mas somente na oral (GREY, 1984)6. Os Saduceus

    consideravam apenas as leis da Tor escrita como vinculativas, no reconhecendo autoridade

    na Tor oral. Desta disputa, sagraram-se vencedores os Fariseus, de maneira que o judasmo

    rabnico aceitou uniformemente os ensinamentos transmitidos do alto do Monte Sinai.

    Alm de reconhecer o papel fundamental desempenhado pela interpretao no direito

    judaico, o Talmude admite a possibilidade de a Tor ser interpretada de formas no s

    distintas, mas tambm contrrias. A divergncia entre duas leituras igualmente coerentes no

    impede que ambas reflitam autntica e igualmente a vontade de Deus (LEVINE, 1997). Uma

    vez que a hermenutica tem por objetivo descobrir a vontade divina para questes cujas

    solues no so previstas de antemo pela Tor, fonte de todo o direito judaico,

    responsabilidade do hermeneuta chegar a resultados que sejam justos aos olhos de Deus.Porm, a pluralidade das possveis interpretaes apresenta ao sistema jurdico judaico um

    problema de natureza prtica, bem antecipado por Nachmnides na virada do sculo XII para

    o sculo XIII: se todas as concluses coerentes frente Tor fossem consideradas vlidas e,

    portanto, vinculativas, no existiria uma Tor, mas sim diversas (LEVINE, 1997). Para tanto,

    fez-se necessria a constituio de uma autoridade interpretativa que, diante de controvrsias

    e indecises sobre o significado da vontade divina, decidisse por ltimo.

    A tenso entre a incessante busca pelo derradeiro significado da manifestao divinae a necessria adaptao da lei s necessidades prticas da sociedade judaica manifesta-se em

    princpios do prprio direito judaico (LEVINE, 1997, p. 469). Na passagem do captulo 17 do

    Deuteronmio, em seus versos 8 a 10, a Tor ordena que, diante de um caso que no pode ser

    resolvido, subirs ao lugar que escolher o Senhor teu Deus; E virs aos sacerdote levitas, e

    ao juiz que houver naqueles dias, e inquirirs, e te anunciaro a sentena do juzo. Portanto,

    aos juzes das sucessivas geraes so reconhecidas a legitimidade e a liberdade para

    interpretar a Tor, no estando condicionados s decises tomadas pelos juzes das geraespassadas. D-se a cada gerao de judeus a oportunidade de ressignificar, de acordo com as

    exigncias de sua respectiva poca, os ensinamentos passados por Deus a Moiss no Monte

    Sinai.

    6A seita dos Saduceus foi extinta com a destruio do segundo templo judeu, no ano 70. Portanto, a disputaentre eles e os Fariseus anterior compilao da tradio e da sabedoria orais no Talmude.

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    2 O INTRPRETE DO CORO

    Explica o Coro que Deus revela-se aos indivduos de trs maneiras distintas, porm

    igualmente extraordinrias (SAEED, 2006). inconcebvel que Deus fale diretamente ao

    homem, a no ser por revelaes, por intermdio de um vu ou por meio de um mensageiro

    que, com Sua permisso, revelar o que Lhe apraz7. A manifestao imediata de Al recebe a

    designao de wahy: transmitida diretamente por Ele, a mensagem chega sem intermediaes

    ao fiel, que, ao receb-la, simplesmente intui a origem divina. A segunda forma de revelao

    toma forma mediante um vu que, ao mesmo tempo em que permite o pronunciamento,

    impede que Deus seja vislumbrado pelo indivduo. A mais tradicional forma de revelao faz-

    se por meio de um mensageiro, a quem Deus entrega a responsabilidade de levar Suas

    palavras aos homens. A revelao do Coro, no sculo VII, foi, segundo os telogos

    muulmanos, realizada por Gabriel, anjo responsvel por levar a mensagem de Al a Maom

    (SAEED, 2006).

    Recebido pelos fiis como a mensagem sagrada e imutvel de Al, o Coro o texto

    sagrado do Isl. Seus 114 captulos, cuja extenso varia e cujo ttulo remete ao seu assunto ou

    s suas primeiras palavras, classificam-se como mecanosou medinos, conforme o momento

    em que foram revelados a Maom: se antes ou depois da migrao do Profeta cidade de

    Medina. O monotesmo representa o principal assunto do Coro, que eleva Deus qualidade

    de entidade onisciente e onipotente: Al no h nenhuma divindade alm d'Ele, o Eterno

    Vivente, o Sustentador de toda existncia (). Ele conhece tanto o passado como o futuro e

    os seres humanos nada conhecem de Sua Sabedoria, com exceo do que Ele permite8.

    Uma leitura atenta do Coro revela que as matrias estritamente jurdicas so objeto

    de um pequeno nmero dos seus versos que, variando de acordo com o entendimento sobre o

    que seria matria estritamente jurdica, oscilam entre 80 e 500 (SAEED, 2006, p. 65). Ainda

    que trabalhada com a estimativa mais positiva, 200 versos tratam apenas de questes pessoais,ao passo que a maioria dos 500 versos dispe sobre adoraes e rituais, ambos essenciais ao

    direito islmico. Contratos e crimes carecem de pormenorizaes, revelando que o Coro, em

    sua natureza, no almeja ser um documento jurdico. No geral, seus versos ocupam-se com a

    exposio dos dogmas bsicos do Islamismo, como a existncia de Deus e sua ressurreio, e

    7Coro, 2:23. Traduo livre.8Coro, 2:255. Traduo livre.

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    tambm trazem narrativas sobre a vida de antigos profetas e sobre acontecimentos histricos

    da poca do Profeta Maom.

    Em determinadas passagens, exorta o Coro: Obedecei a Deus e ao Mensageiro!

    Mas, se se recusarem, saibam que Deus no aprecia os incrdulos9. Na medida em que Al

    comanda os fiis a seguirem o exemplo de Maom em vida, seus ensinamentos, prticas e

    interpretaes revestem-se de uma natureza normativa na sociedade muulmana. O estilo de

    vida do Profeta posteriormente registrado na Suna, que, ao lado do Coro, passa a constituir

    a fonte primria do direito islmico: a Charia. Ambas as fontes, entretanto, no contm regras

    especficas, mas indicaes e observaes a orientar a tomada de decises. Para tom-las em

    consonncia com os mandamentos da Charia, deve o intrprete valer-se de parmetros tais

    quais os consensos, as analogias, as doutrinas, os precedentes e os interesses pblicos.Resguardadas as respectivas particularidades, estes procedimentos compreendem formas de

    itjhd, que nada mais do que o exerccio mental destinado busca da resposta a tal ponto

    que o jurista torna-se incapaz de realizar maior esforo (HALLAQ, 1984). Precisamente,

    itjhdcompreende a soma dos esforos despendidos pelo jurista no intuito de inferir, com

    algum grau de probabilidade, as regras da Charia a partir das detalhadas evidncias nas

    fontes (KAMALI, 1991, p. 366).

    A diferena crucial entre a itjhd, o Coro e a Suna reside na dinamicidade da fonte.Enquanto as revelaes de Al e os ensinamentos de Maom naturalmente terminaram com o

    falecimento do Profeta em 632, a interpretao apresenta-se como um processo em constante

    desenvolvimento, condio esta que torna a itjhda principal ferramenta de interpretao do

    texto sagrado e de dilogo entre a mensagem divina e as contingncias da sociedade islmica

    e de suas perspectivas de justia, salvao e verdade (KAMALI, 1991).

    A adequao da itjhd, cujo exerccio legitimado pela prpria revelao divina,

    est condicionada sua harmonia diante do Coro e da Suna: A unidade essencial da Chariareside no grau de harmonia que conquistado entre revelao e razo. A Itjhd o principal

    instrumento na manuteno desta harmonia (KAMALI, 1991, p. 336). Seu fundamento legal

    encontra-se previsto na hadithsobre Mu'ad ibn Jabal, um jovem da cidade de Medina (HOLT;

    LAMBTON; LEWIS, 1970, p. xv)10. Quando questionado pelo Profeta sobre como decidir no

    caso concreto, Jabal afirmou que decidiria em sintonia com os ensinamentos do Coro. Em

    seguida, Maom questionou como Jabal procederia caso nenhuma deciso prvia pudesse ser

    9Coro, 3:32. Traduo livre.10O hadith consiste nos memoriais dos supostos atos e dizeres do Profeta que foram, posteriormente sua morte,relatados e compilados por uma cadeia de informantes.

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    encontrada no Coro. Nessas situaes, respondeu o jovem, deveria a Suna ser a base para as

    decises. Mas, se nem a Suna apresentasse respostas provocou Maom , como decidir?

    Jabal, em sua trplica, agradou ao Profeta ao afirmar que decidiria a partir do exerccio

    incansvel de seu intelecto (QURAISHI, 2006)11.

    A prtica da itjhdfigurava como principal objetivo da metodologia do usul al-fiqh,

    a teoria do direito islmico. Elaborada a partir da necessidade de descobrir quais as decises

    de Al, seu objetivo era formular um sistema coerente de princpios que auxiliasse o jurista a

    encontrar solues novas a problemas novos, mantendo o respeito aos ensinamentos do Coro

    (HALLAQ, 1984). Os trs primeiros sculos islmicos foram testemunhas da resistncia

    prtica da itjhdpor escolas do direito islmico presas ao hadithe preocupadas em interpretar

    ao p da letra as fontes reveladas. Dentre as madhhabs (escolas) tradicionalistas, bemheterogneas entre si, a Zahiri exerceu uma significativa influncia ao defender a restrio do

    jurista aos significados literais ou aparentes das revelaes. Acreditava-se isolar o direito das

    puras especulaes do intrprete, que constituiriam em ltima anlise a verdadeira natureza da

    itjhd. Assim, todo e qualquer exerccio interpretativo era negado como uma atividade falvel

    e incertacomo uma articulao ilegtima da vontade de Deus (MELCHERT, 1997).

    Inobstante a reputao pela inflexibilidade e rigidez, a doutrina Zahiri posicionava-se

    de maneira ambivalente, defendendo pontos de vista ora conservadores, ora liberais. No geral,sua metodologia alcanou resultados mais ou menos permissivos que os resultados alcanados

    pelas demais madhhabs, por mais que demonstrasse um forte potencial para ser uma teoria

    ativista, reformista e historicista (QURAISHI, 2006). Contudo, a rejeio categrica itjhd,

    sobretudo analogia, terminou por conduzir a escola Zahiri ao ostracismo intelectual nas

    comunidades muulmanas sunitas, que no abrigavam escolas contrrias itjhd como

    elemento formador do direito islmico (HALLAQ, 1984).

    So significativas, neste contexto aberto interpretao, as transformaes sofridaspela escola Hanbali (HALLAQ, 1984). De razes teolgicas e vises formais sobre o

    11No h como o mujtahid (jurista que pratica a itjhd) saber em vida se articulou corretamente a lei divina. Essacircunstncia, porm, em nada desfavorece a prtica da itjhd. De acordo com o Hadith n. 4261, assim ensinouMaom: Quando um juiz profere uma deciso e acerta, tendo se esforado ao mximo para decidircorretamente, a ele so concedidas duas recompensas. Quando um juiz profere uma deciso e erra, tendo seesforado ao mximo para decidir corretamente, a ele concedida uma recompen sa. Desta passagem, duasconcluses podem ser extradas. Primeiro, o jurista cumpre seu dever perante Deus simplesmente ao praticar aitjhd, no importando se chegou ou no ao resultado correto. Caso a resposta certa seja alcanada, h um bnus.

    Em segundo lugar, o mujtahid interpretar o texto a partir do pressuposto de que opinies contrrias s suaspodem ser, ao final, corretas. A realidade conduz ao resultado prtico de que qualquer resultado da ijtihad[itjhd] carrega consigo legitimidade ao ser, em potncia, uma articulao verdadeira do direito de Deus(QURAISHI, 2006, p. 71).

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    fenmeno jurdico, escola sequer era reconhecido o status de uma autntica madhhabs,

    sendo a expertise jurdica de ibn Hanbal por diversas vezes questionada e criticada.

    Aproveitando-se da ascenso da teoria sunita, representada por excelncia pelas escolas de

    Shafi'i e Hanafi, o hanbalismocolocou-se sob a gide dessas duas doutrinas e acrescentou

    credenciais jurdicas s suas credenciais teolgicas. A escola Hanbali, com isso, passou a

    vislumbrar na analogia uma fonte de direito quase to relevante quanto os textos do Charia e

    os eventuais consensos da sociedade islmica. As concesses de Ibn Hanbal interpretao

    humana deram-se apenas por conta da presso sofrida pelas demais escolas e, sempre que

    possvel, era nas escrituras que procurava por solues. Com o intuito de sobreviver ao

    Sunismo, o Hanbalismo precisou enfrentar um processo de moderao e mudana de um

    grupo teolgico extremista a uma escola de direito particularmente moderada, ainda mantendoalguma inclinao teolgica (HALLAQ, 1984, p. 10).

    Ao fim do processo de adaptao da escola, consolida-se uma abordagem teleolgica

    pautada sobretudo pelo interesse pblico (GOOLAM, 2006). Segundo a doutrina de Ibn

    Hanbal, a preocupao com o bem da coletividade fazia-se presente nas interpretaes dos

    companheiros de Maom que, aps a morte do Profeta em 632, ficaram responsveis por

    difundir a mensagem do Coro. Uma ainda maior autoridade era atribuda aos entendimentos

    desses discpulos pela escola Maliki, para a qual os costumes presentes na cidade de Medinana poca do Profeta gozariam de superioridade absoluta na compreenso das passagens

    contidas na Charia, uma vez que as palavras e as aes do Profeta no poderiam ser

    entendidas isoladamente sem tambm levar em considerao o contexto em que elas

    ocorreram (QURAISHI, 2006, p. 92).

    Para Malik ibn Anas, a partir de quem a escola recebeu seu nome (SAEED, 2006) 12,

    as prticas e opinies da sociedade de Medina trariam consigo o exemplo fiel do direito

    divino, exemplificando o ideal de sociedade islmica em razo de seu povo ter testemunhadodiariamente a revelao divina e seu cumprimento por Maom e seus sucessores (QURAISHI,

    2006, p. 90). De incio, a escola Malik baseava-se nas narrativas sobre costumes, na doutrina

    dos mais importantes juristas e na jurisprudncia dos califas. Entretanto, concluses diversas

    eram alcanadas por seus afiliados em virtude de pesos distintos serem conferidos s fontes

    (GOOLAM, 2006). Diante desta flexibilidade, Imam Al-Shafi'i defendia o retorno ao exemplo

    12Assim como as escolas Zahiri e Hanbali, respectivamente nomeadas a partir de Dawud ibn Khalaf al-Zahiri eibn Hanbal, a corrente fundada por Malik ibn Anas terminou por levar seu nome. Na passagem do sculo X aosculo XI, afirmava-se a crena na cultura e prtica islmica de que aos fiis caberia somente seguir osensinamentos consolidados pelos grandes fundadores das diferentes escolas do direito.

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    pessoal de Maom: Shafi'i insistia que existe uma diferena qualitativa entre a hadith do

    Profeta e as prticas dirias dos descendentes de seus companheiros em Medina. De forma

    sucinta, a primeira era de inspirao divina e a ltima, no (QURAISHI, 2006, p. 93). Assim,

    Shafi'i opunha-se premissa dos costumes medinos serem indicadores do significado

    verdadeiro da lei divina.

    Com a chegada do sculo XI, a teoria interpretativa proposta por Shafi'i expandiu-se

    para adotar posturas mais flexveis em relao ijtihad. Competiu a Abu Hamid al-Ghazali

    romper com o dogma da escola Shafi'i de que aceitar como fontes autorizadas de direito as

    compreenses humanas seria um equvoco terico. A articulao promovida por Ghazali,

    quase que um consenso dentro da teoria do direito islmico, apontou cinco objetivos ltimos

    das leis da Charia: religio, vida, razo, famlia e propriedade. Toda e qualquer norma jurdicapoderia ser traada a um desses objetivos que, quando juntos, promoveriam e constituiriam o

    bem comum. A adequao assume um papel fundamental em seu mtodo interpretativo, que

    consistia em um exerccio de analogia entre a deciso tomada no caso concreto e os cinco

    propsitos derradeiros: o que estiver em conformidade com os propsitos da lei adequado

    e, logo, um direito legtimo, e o que no se conformar a esses propsitos est fora do conjunto

    das decises jurdicas islmicas aceitveis (QURAISHI, 2006, p. 102).

    A ijtihadocupou uma posio central nos esforos tericos e prticos dos mujtahidsIbn Hanbal, Malik ibn Anas e Abu Hamid al-Ghazali. Por mais que cada um tenha formulado

    estratgias para lidar com as particularidades das respectivas conjunturas histricas, a razo

    do jurista foi um instrumento por todos igualmente utilizado na incansvel e infindvel busca

    pelas leis da Charia. Como acontecia em sculos passados, os textos sagrados do islamismo

    no providenciam respostas imediatas s questes impostas pelo sculo presente. A noo de

    que as regras tico-jurdicas contidas no Coro e na Suna devem ser contextualizadas faz-se

    presente contemporaneamente (SAEED, 2006). Quando se dirigiu a Maom por meio do anjoGabriel, Al revelou sua vontade para uma sociedade especfica os muulmanos do sculo

    VII que habitavam a cidade de Hejaz. Logo, a aplicao dos mandamentos do Coro s

    geraes de muulmanos que procederam ao Profeta e que vivenciam contextos histricos

    bem diversos conduz a resultados que levam reflexo sobre o lugar dessas instrues nesse

    novo contexto que a Charia pretende regular. Se este o caso, algum pode argumentar que

    cada gerao pode chegar a entendimentos sobre as instrues tico-jurdicas do Coro que

    podem divergir dos entendimentos de geraes anteriores (SAEED, 2006, p. 20).

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    3 O INTRPRETE DA CONSTITUIO

    Pouco antes de a atual Constituio dos Estados Unidos entrar em vigor, em maro

    de 1789, o Segundo Congresso Continental instituiu uma comisso responsvel por elaborar

    uma lei em comum s 13 colnias, poca engajadas na guerra de independncia contra o

    Imprio Britnico. Concludos em 1777 e entrando em vigncia apenas em maro de 1781, os

    Artigos da Confederao eram reflexo fiel da experincia constitucional vivida nos estados

    marcada principalmente pela desconfiana em relao ao Poder Executivo e pela supremacia

    do Poder Legislativo (PAIXO; BIGLIAZZI, 2011). Logo, seus treze artigos destinavam

    aos Estados independentes a expressiva maioria do poder poltico e econmico, deixando

    matrias muito gerais apreciao do Congresso (PAIXO; BIGLIAZZI,2011, p. 137)13.

    Antes do fim da guerra e da vigncia dos artigos, a recm-constituda Confederao

    mostrava-se impotente diante das turbulncias administrativas e econmicas no mbito

    nacional, bem como dos faccionalismos e das rivalidades em mbito local. Em razo da crise

    fiscal que se abateu tanto sobre os estados, com surtos inflacionrios a corroer o valor da

    moeda e a elevar o valor da dvida, quanto sobre o pas, com a dificuldade de honrar os

    compromissos externos contrados por conta da guerra, a animosidade dos devedores no

    tardou em produzir conflitos sociais. Encorajados pela inrcia do Poder Legislativo estadual,

    paralisado pelas divergncias entre lideranas polticas, a luta dos devedores pelo

    refinanciamento e perdo da dvida tomou rumos violentos. Se somados crise militar e s

    ameaas externas, percebe-se a sucesso de eventos no planejados e, em grande medida,

    insuscetveisque impulsionou o movimento de redefinio das bases da Unio (PAIXO;

    BIGLIAZZI, 2011, p. 139).

    Foram justamente questes locais que serviram de plataforma para o lanamento de

    propostas em mbito nacional. A concepo de um governo central forte surge entre ativistas

    polticos de Nova Iorque, que defendiam, com o fim de combater a crise financeira e asrevoltas locais, a instituio de uma dvida pblica nacional e de um banco nacional, alm de

    meios de fomento da colaborao dos estados com as polticas nacionais. Entretanto, as

    tentativas de reforma encontraram obstculo no difcil processo de emenda previsto pelos

    Artigos da Confederao, que estipulava sua aprovao por todos os treze estados membros.

    A Conveno Constitucional que forjou a atual constituio americana foi instalada a partir da

    13 Unio recm-constituda eram atribudas funes essencialmente de diplomacia, como declarao de guerrae celebrao de paz, bem como funes de defesa comum. No lhe era permitida sequer a manuteno de umexrcito.

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    disputa entre os estados de Maryland e Virgnia sobre a administrao do rio Potomac. O

    dilogo, entretanto, expandiu-se e incluiu outros estados, de tal forma que se decidiu pela

    realizao de uma conveno com o fim de emendar os Artigos da Confederao para

    constituir um governo federal compatvel com as necessidades da Unio (PAIXO;

    BIGLIAZZI, 2011, p. 142).

    Os trabalhos da Conveno Constitucional comearam em maio de 1787, passando

    pelas mais diversas questes, como economia, federalismo e defesa. George Mason, delegado

    do estado da Virgnia, suscitou a discusso sobre emendas constitucionais ao frisar que, assim

    como os Artigos da Confederao, a Constituio ali escrita tambm poderia revelar-se inapta

    para lidar com momentos de especial dificuldade. Portanto, diante de sua imprescindibilidade,

    melhor seria prev-las de forma fcil, regular e constitucional do que deix-las a cargo daoportunidade e da violncia (FARRAND, 1937, p. 202-3). Se as revolues compreendem a

    forma mais radical de desenvolvimento da ordem jurdica e consistem em transformaes cuja

    profundidade tamanha que no guarda nenhuma relao com a ordem prvia (LEVINSON,

    1995b, p. 21), as emendas apresentam-se como a institucionalizao da ideia de revoluo, na

    medida em que so disciplinadas pela ordem constitucional (WOOD, 1969).

    Todavia, a adoo de mecanismos de emenda constitucional no era ponto pacfico

    entre os constituintes e seu emprego no correr da histria suscitou calorosos debates entreeles, o travado entre James Madison e Thomas Jefferson por ocasio da incorporao de um

    Bill of Rights Constituio. Alm de crer que a incluso de direitos e limitaes legais

    ao do governo institusse somente limites em papel, apostando no poder do Congresso de

    vetar as leis estaduais e no poder de um conselho formado pelos Poderes Executivo e

    Judicirio de vetar as leis federais (HAMILTON; JAY; MADISON, 2007, p. 378), Madison

    mostrava-se particularmente inclinado a atribuir maior imutabilidade ao texto constitucional,

    sob o argumento de que, como todo apelo ao povo traria a implicao de algum defeito nogoverno, apelos frequentes, em grande medida, privariam o governo daquela venerao que o

    tempo a tudo confere e sem a qual o mais sbio e livre dos governos talvez no possuiria o

    requisito da estabilidade (HAMILTON; JAY; MADISON, 2007, p. 386). Em contrapartida,

    Thomas Jefferson defendera, em correspondncia endereada ao prprio James Madison, que

    nenhuma sociedade pode fazer uma Constituio perptua ou, at mesmo, uma leiperptua. A terra sempre pertence gerao atual. Assim, eles podem administr-la,

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    e o que dela advier, durante seu usufruto. Eles so senhores tambm de si mesmos e,consequentemente, podem governar-se como quiserem14.

    A modificabilidade das regras constitucionais, mediante um processo legal previsto

    no texto a ser modificado, fez-se pela primeira vez presente nas experincias constituintes dosestados. A primeira constituio de Nova Jersey, adotada no ano de 1776, previa ainda que

    implicitamente mecanismos de emenda. Coube ao estado da Pensilvnia, cuja primeira

    constituio tambm data de 1776, elabor-los explicitamente. As emendas seriam elaboradas

    por convenes constituintes e, em seguida, submetidas aprovao de ambas as casas do

    congresso estadual. Ao final do sculo XVIII, consolidado o princpio de que a Constituio

    poderia ser pontualmente emendada pela vontade popular, quase a metade dos estados norte-

    americanos possua algum procedimento de emenda (LUTZ, 1995). Na ConvenoConstitucional da Filadlfia decidiu-se disciplinar o processo de emenda por intermdio do

    artigo 5 da Constituio, que dispe sobre seu texto poder ser emendado mediante a proposta

    de dois teros das Casas do Congresso dos Estados Unidos ou de conveno convocada por

    dois teros das legislaturas estaduais (LEVINSON, 1995a). Para tornar-se emenda, a proposta

    deve ser ratificada por trs quartos dos estados ou por trs quartos da Conveno.

    O processo de emenda um processo decisrio pblico, formal e deliberativo, que

    traa a distino entre questes constitucionais e questes ordinrias (LUTZ, 1995)15. As

    pressuposies que subjazem noo de emenda exigem que o procedimento no seja nem

    muito fcil e nem muito difcil (LUTZ, 1995, p. 240). Se for fcil demais, o processo

    equipara matrias constitucionais e ordinrias, comprometendo o nvel de deliberao pblica

    e banalizando o exerccio da soberania popular. Se for difcil demais, o processo prejudica a

    necessria retificao de equvocos e de lacunas, ignorando a falibilidade da natureza humana

    e obstaculizando o exerccio da soberania popular.

    Desde sua promulgao, 27 emendas foram acrescentadas ao texto da Constituio.

    Dez delas foram promulgadas em seguida, em 1791, constituindo o chamadoBill of Rights. A

    ltima emenda foi inserida no ano de 1992, muito embora sua proposta tenha sido apresentada

    em 1789. O baixo nmero de emendas reflete a burocracia exigida pelo processo estipulado

    14Thomas Jefferson foi adiante, chegando a sugerir que as constituies expirassem passados dezenove anos desua promulgao. James Madison posteriormente convenceu-se sobre a incluso do Bill of Rights, passando aconsider-lo instrumento de conscientizao das maiorias polticas que, diante de violncias cometidas por seusrepresentes Constituio, tomariam as medidas polticas necessrias para puni-los (THE FOUNDERS

    CONSTITUTION, 2000, p. 68).15As quatro principais premissas do processo de emenda seriam: i) a soberania popular; ii) a falibilidade e aeducabilidade da natureza humana; iii) a eficcia do processo deliberativo; e iv) a distino entre matriaconstitucional e legislao ordinria.

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    pelo artigo 5, cuja complexidade possui o condo de faz-lo um difcil meio de mudana e

    adaptao. As emendas, todavia, prestam-se a outras duas funes (STRAUSS, 2010).

    Primeiro, funcionam de ponto de partida para a resoluo de questes que, mesmo no sendo

    controvertidas, devem ser decididas definitiva e inequivocamente. esta a funo cumprida,

    por exemplo, pela 25 Emenda, ao pontuar os ritos de vacncia e sucesso presidenciais. Em

    segundo lugar, como meio de uniformizao de compreenses e de supresso de divergncias.

    Quando a sociedade estiver prxima de chegar a um consenso sobre certo assunto, o processo

    formal de emenda traz os retardatrios em linha e torna o quase consenso unanimidade

    (STRAUSS, 2010, p. 115). Assim fez a 24 Emenda ao banir a cobrana de taxas em eleies

    federais. poca de sua promulgao, apenas quatro estados condicionavam o voto taxa.

    Portanto, h transformaes realizadas pelas emendas, ainda que mnimas.Na redao da Constituio, os constituintes valeram-se de uma linguagem aberta

    que, concedendo aos intrpretes liberdade, tornou possveis emendas por intermdio da

    interpretao. Diante das ambiguidades textuais, emendas dessa natureza consistiriam em

    nada mais do que determinaes de sentido (LUTZ, 1995). As disposies constitucionais

    formais nem sempre trazem consigo um nico sentido, mas sim um feixe de possveis

    interpretaes que, estando imanente ao texto, possui igual legitimidade. Na deciso em

    Marbury v. Madison, o Chief Justice John Marshall ressalta a importncia de umaconstituio escrita, considerada por ele o mais importante avano institucional promovido

    pelos Estados Unidos ao especificar e limitar os poderes do governo. O problema, claro,

    como decidir discusses sobre o que a escrita de fato significa (LEVINSON, 1995b, p. 23).

    Outra relevante deciso da Suprema Corte, ainda sob a Presidncia de Marshall, deu-

    se no julgamento deMcCulloch v. Maryland, quando foi questionada a constitucionalidade do

    Segundo Banco dos Estados Unidos. Inobstante Marshall ter se pronunciado apenas sobre o

    Segundo Banco, a deciso pode ser compreendida como um parecer de que o Primeiro Banco,ao contrrio do entendimento de James Madison, para quem a Constituio no autorizava o

    Congresso a criar um banco nacional, tambm era constitucional (LEVINSON, 1995b). A

    relevncia da deciso reside no amplo feixe de leis que, a partir de McCulloch v. Maryland,

    poderia ser promulgado pelo Congresso, em razo da igualmente ampla leitura de Marshall,

    que se aproveitou da oportunidade para delinear uma teoria abrangente sobre os poderes

    nacionais que pode ser concebida como basicamente atribuindo autoridade absoluta ao

    Congresso (LEVINSON, 1995b, p. 22). Nas palavras do Chief Justice, em seu voto, o mrito

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    da deciso estaria em revelar uma constituio a durar indefinidamente e, por consequncia, a

    ser adaptada s diversas crises dos affairshumanos16.

    A leitura de Marshall parece ser menos uma interpretao da Constituio do que

    uma emenda a ela, cuja reverso inimaginvel (WHITE, 1985, p. 263). Inovaes em sede

    de decises judiciais no foram, porm, sua exclusividade, sendo tambm realizadas em

    diversas oportunidades. Mas, com Marbury, foi inaugurado um modelo de reviso judicial em

    que cada Poder responsvel por aferir a constitucionalidade apenas dos atos dos demais

    Poderes que venham a interferir em seu adequado funcionamento. Embora seja difcil

    precisar, essa prtica de controle judicial de constitucionalidade perdeu-se entre o final do

    sculo XIX e meados do sculo XX (TUSHNET, 2003). Em 1958, ao decidir Cooper v.

    Aaron, a Suprema Corte sentir-se-ia vontade para frisar que o Poder Judicirio seriasupremo na exposio do direito constitucional, pronunciando decises vinculantes a todos os

    estados e Poderes, ainda que no concordassem com seu contedo.

    A proeminncia conquistada pela Suprema Corte no cenrio institucional culminou

    na centralizao da interpretao constitucional na figura do Poder Judicirio. A dificuldade

    contramajoritria colocada por Alexander Bickel (1962), em virtude da natureza no

    democrtica do Poder Judicirio, direcionou o foco da discusso em direito constitucional ao

    mtodo de interpretao que, se empregado pelos juzes, compatibilizaria regime democrticoe jurisdio constitucional17.

    Assim como em Cooper v. Aaron, a Suprema Corte continuava sob a presidncia de

    Earl Warren poca da polmica deciso deRoe v. Wade. Entre 1953 e 1969, quando liderada

    por Earl Warren, a jurisprudncia da Corte caracterizou-se por um ativismo judicial de feies

    esquerdistas (FRIEDMAN, 2004). Por sete votos contra dois, a Corte determinou que o

    direito privacidade, garantido pela clusula do devido processo da 14 Emenda, abrange o

    direito da mulher ao aborto, desde que realizado ainda no primeiro trimestre de gravidez. Aodeclarar a inconstitucionalidade das leis federais e estaduais que restringiam o acesso a

    servios abortivos, o julgado estimulou um amplo debate pblico que ps em questo no s o

    aborto, mas tambm o papel poltico e institucional cumprido pela mais alta Corte.

    16SUPREME COURT OF THE UNITED STATES, 1819.17A conhecida dificuldade contramajoritria manifesta-seno veto do Poder Judicirio, cujos membros no estosujeitos accountability das urnas, a atos normativos dos Poderes Executivo e, principalmente, Legislativo. na

    principal competncia do controle judicial de constitucionalidade que reside seu problema e, ao exerc-la, ascortes constitucionais evidenciam a intrnseca tenso entre constitucionalismo e democracia. Seguindo essalinha, a reviso judicial revela-se um obstculo antidemocrtico fiel manifestao da soberania popular,impondo a vontade de poucos juzes sobre a deciso dos representantes do povo.

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    Antes deRoe v. Wade, a clusula do devido processo j era interpretada para conferir

    proteo a direitos individuaissobretudo a direitos previstos no Bill of Rights. Assegurados

    pela Corte em oportunidades anteriores e posteriores a Roe, os valores da integridade pessoal

    e da autonomia familiar encontravam abrigo junto s tradies da common law(STRAUSS,

    2010). Ao lado das tradies, os precedentes desempenhariam um papel central na evoluo

    da Constituio. A insuficincia do processo de emenda previsto no artigo 5 inevitavelmente

    levaria teoria da Living Constitution, sob risco de seu texto tornar-se ou irrelevante, sendo

    ignorado pela sociedade que deveria reger, ou paralisante, engessando a sociedade com a qual

    deveria evoluir. A evoluo de tradies e precedentes, meios de mudana constitucional que

    constituem a Constituio viva, revelar-se-iam da maior importncia.

    O termoLiving Constitutionfoi empregado, pela primeira vez, na opinio do Justice

    Oliver Wendell Holmes, em State of Missouri v. Holland. Liderando as crticas e as alteraes

    da jurisprudncia da Corte poca de Lochner v. New York, atentava-se circunstncia de

    que novos tempos exigiam novas doutrinas e que o direito seria fruto de experincias sociais

    (ALEINIKOFF, 1987) 18. Em seu voto, ponderara Holmes que:

    (...) quando estamos lidando com palavras que so tambm um ato constituinte,como a Constituio dos Estados Unidos, devemos perceber que elas levaram vida um ser cujo desenvolvimento no poderia ser previsto por completo nem

    mesmo pelos seus mais brilhantes criadores19.

    Ao utilizarem-se de uma linguagem aberta, osfounding fathersdeixaram s geraes

    posteriores o dever de interpretar e aplicar os dispositivos constitucionais a um ambiente em

    constante transformao. Mais do que uma licena, sua redao em termos abertos consistiria

    em uma autorizao s geraes a compatibilizar as disposies constitucionais a situaes

    que no poderiam ser originalmente previstas na Conveno Constitucional de 1787.

    Admirada por constitucionalistas liberais da dcada de 1950, a Corte Warren

    despertou os conservadores para a dificuldade contramajoritria por trs da jurisdioconstitucional, at ento considerada por eles como proteo maior de liberdades e garantias

    fundamentais. Suas crticas Warren Court convergiram na corrente interpretativa do

    18Foram trs as principais crticas metodologia constitucional at ento empregada na Corte na Lochner Era.No aspecto poltico, as crticas foram representadas por Franklin Roosevelt, que defendia que a Corte, cujasdecises ativistas e conservadoras bloqueavam as medidas do New Deal, retornasse Constituio. A questono residia no texto constitucional, mas nos intrpretes e nos mtodos de interpretao: se interpretadaadequadamente, a Constituio daria as respostas corretas. No aspecto judicial, as mudanas sociais eeconmicas evidenciaram a obsolescncia das categorias originalistas fundamentadas sobre noes de direitos

    individuais e de federalismo que faziam sentido apenas no sculo XIX. A crtica acadmica, vocalizada porOliver Wendell Holmes e Roscoe Pound, assumiu tom semelhante. Para Benjamin Cardozo, criatividade sociale sensibilidade admitia-se um papel na aplicao do direito.19SUPREME COURT OF THE UNITED STATES, 1920.

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    originalismo. Ao ler a Constituio, os justices deveriam faz-lo de acordo com o sentido

    originalmente conferido pelos constituintes s disposies do texto (STRAUSS, 2010). Seria

    necessrio que os valores que animaram James Madison e os demais presentes na Conveno

    Constitucional fossem resgatados pelos juzes ao decidirem as questes apresentadas Corte.

    No julgamento de Roe v. Wade, cujas crticas alimentaram em boa parte a corrente

    originalista, argumentou-se que a Corte impe sobre o texto da Constituio suas preferncias

    polticas. Evitando entrar no mrito do aborto, Antonin Scalia, juiz da Suprema Corte e um

    dos principais expoentes do originalismo, assim colocou a questo: No me diga que o povo

    americano exige que voc o tenha [o direito ao aborto] e o escreveu na Constituio, porque

    isso no verdade (HO, 2012).

    A deciso da Suprema Corte em Griswold v. Connecticutfoi importante precedente,pavimentando o caminho a Roe v. Wadeao assegurar mulher o direito de utilizar mtodos

    contraceptivos. As consideraes de Hugo Black neste julgamento fazem-se relevantes, j que

    evidenciam uma forma de interpretar a Constituio que, ao contrrio da Living Constitution

    ou do originalismo, revela-se ambivalente em seus resultados (QURAISHI, 2006). Enquanto

    seus companheiros de Corte convergiram em relao inconstitucionalidade da lei que

    proibia o uso de mtodos contraceptivos, ainda que divergissem nos fundamentos para tanto,

    Black recusou-se a estender as protees constitucionais alm de seu significado literal: alegislao de Connecticut, como aplicada no caso, no proibida por qualquer disposio da

    Constituio como ela fora escrita20. Seu receio, assim como dos originalistas, era de que o

    texto fosse reescrito por juzes, sob o pretexto de interpretao (GERHARDT 1994).

    Seu literalismo defendia que as vedaes claramente expressas no texto sem qualquer

    ressalva, como a proibio ao Congresso de editar lei restringindo a liberdade de religio ou

    de imprensa, como previsto na 1 Emenda, seriam obstculo intransponvel a toda e qualquer

    interveno do Estado (GERHARDT 1994). Dessa maneira, Black chegava a resultados umtanto quanto rgidos, que, todavia, no implicavam uma postura ideolgica conservadora

    muito pelo contrrio. A defesa incondicional da natureza absoluta das proibies contidas na

    Constituio, na igual medida em que restringia a esfera de discricionariedade do Poder

    Judicirio, atribua s cortes a funo de resguard-las. Sua doutrina reservava uma especial

    funo Suprema Corte no que dizia respeito a reas do texto cujo significado no despertava

    dvida. Na mitologia jurdica norte-americana, Black associado a medidas socioeconmicas

    20SUPREME COURT OF THE UNITED STATES, 1965.

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    progressivas adotadas noNew Deale ao ativismo judicial a favor dos pobres e marginalizados

    (GERHARDT 1994).

    Um apanhado histrico das manifestaes e reaes dificuldade contramajoritria

    sugere a concluso de que liberais e conservadores prezam ou condenam a atuao do Poder

    Judicirio conforme suas opinies imediatas (FRIEDMAN, 2004). O resultado em curto prazo

    dessa considerao que ambas as correntes revezam-se no posicionamento acerca da reviso

    judicial: ora favorveis, ora contrrios. A aposentadoria de Earl Warren e a ascenso de

    Warren Burger Presidncia repercutiu na jurisprudncia da Suprema Corte, que, se antes

    revelava feies esquerdistas, revelou-se ecltica o suficiente para no promover maiores

    retrocessos agenda liberal. Nesse momento, somente detalhes do instituto do judicial review

    eram criticados pelos liberais, que em nada questionavam sua essncia.Entretanto, no comeo de 1994, a Corte adotou um ativismo judicial crescentemente

    conservador, exercendo um maior controle sobre os atos do Congresso. Foi especialmente no

    termo 2002-200321, naRehnquist Court, que as decises judiciais mostraram-se contrrias s

    aes do Congresso, ao regime constitucional doNew Deal, aos rus criminais e s minorias.

    Por outro lado, direitos de propriedade e direitos federativos receberam proteo judicial. O

    descontentamento conservador, primeiramente sentido em 1950, encontrou seu fim apenas em

    2002, com um ativismo judicial que agradou setores mais conservadores da sociedade norte-americana, embora as expectativas tenham sido inicialmente negativas. Com Bush v. Gore, a

    Corte extrapolou os limites liberais e passou a sofrer fortes crticas. A novidade est no nas

    crticas voltadas ao contedo das decises, mas sim nos questionamentos acerca de seus

    fundamentos e na natureza extrema dos remdios propostos pelos crticos liberais

    (FRIEDMAN, 2004), como reformas estruturais e novos parmetros para a prtica da reviso

    judicial. A raiz da crtica liberal contempornea passou a residir na reivindicao da Suprema

    Corte como a nica intrprete do texto constitucional.

    4 OBSERVAES FINAIS

    No so incomuns referncias negativas teologia no discurso jurdico, sobretudo no

    discurso constitucional. Fazendo eco crtica de Ingeborg Maus s interpretaes valorativas

    e arbitrrias dos Ministros do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, Gisele Citadino

    faz meno teologia constitucional ao criticar a judicializaoda poltica e o protagonismo

    21Cf. Legal Information Institute of the Cornell University Law School. Highlights of the Supreme Court's 2002-2003 term.Disponvel em: . Acesso em: 16 ago. 2012.

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    das Cortes Constitucionais na democracia contempornea (CITTADINO, 2004). Em sentido

    semelhante colocou-se Antonin Scalia, justice da Suprema Corte dos Estados Unidos, ao

    equiparar os juzes aos muls22, condenando a interveno dos tribunais em controvrsias

    morais, como aborto e unio homoafetiva (FRANK, 2013).

    A verdade que a denominada teologia constitucional, concebida como crtica

    banalizao da principiologia e da ponderao de valores, ou o denominado juiz-mul,

    concebido como crtica proeminncia do magistrado na definio dos valores sociais, no

    cumprem o propsito de criticar a arbitrariedade e o descompromisso do Poder Judicirio em

    interpretar a Constituio. Como ilustrado pela narrativa sobre as disputas no direito judaico e

    islmico sobre qual o mtodo hermenutico mais apropriado para a fiel interpretao do texto

    sagrado, a discusso hermenutica na teologia igualmente norteada pelo debate sobre oslimites e mtodos de interpretao, assim como no direito. H, portanto, uma multitude de

    escolas e de teorias interpretativas que no pode ser reduzida teologia, como se este

    genrico conceito implicasse automaticamente um mtodo que autoriza o intrprete a extrair

    do texto a interpretao que melhor lhe convier justamente a crtica dirigida por Ingeborg

    Maus jurisprudncia de valores, que, de certa forma, poderia ser associada a uma parcela do

    que o senso comum terico denomina de neoconstitucionalismo, que, com todas as possveis

    ressalvas ao conceito, atribui um papel de destaque interpretao do Poder Judicirio a partirda principiologia e ponderao.

    A tese que este artigo pretendeu provar que referncias dessa natureza teologia no

    direito revelam no s um injustificado preconceito, que ignora ou diminui as particularidades

    deste campo ainda superficialmente explorado pela teoria jurdica, mas tambm revelam um

    visvel desconhecimento dos paralelos existentes entre as experincias na teologia e no

    direito. Contudo, devem ser traados com cautela os paralelos entre as experincias

    interpretativas no direito judaico, islmico e norte-americano, uma vez que, como particulardas religies, o direito no judasmo e islamismo coloca-se a disciplinar no apenas um sistema

    sociopoltico, mas principalmente um sistema tico-religioso, ao contrrio da religio civil

    estadunidense. Entretanto, os paralelos tornam-se possveis na medida em que os trs

    ordenamentos legais encontram seu fundamento em um texto jurdico escrito e vinculativo,

    que deve ser interpretado de maneira a funcionar como base legal de uma sociedade dinmica.

    Em todos os casos, seja no judasmo, no islamismo ou no constitucionalismo norte-

    22Mul a denominao atribuda aos clrigos muulmanos versados na teologia islmica, principalmente emsuas tradieshadithe em suas leisfiqh.

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    americano, o direito interpretado e decidido, em ltima anlise, por seres humanos.

    A partir do momento em que a vida do homem em sociedade passou a ser ordenada

    juridicamente por mandamentos encerrados por escrito em um documento, apenas ao homem

    competiria interpret-los, estejam eles previstos em documentos religiosos, a exemplo da Tor

    e do Coro, ou em documentos poltico-jurdicos, a exemplo da Constituio. A abordagem

    dos discursos jurdicos desenvolvidos no interior de cada um dos sistemas permite identificar

    semelhanas entre os mtodos encontrados na busca por resposta pergunta que igualmente

    imposta s trs ordens jurdicas: Como podem os indivduos fielmente interpretar e aplicar o

    texto sem indevidamente impor suas opinies pessoais sobre o Direito? (QURAISHI, 2006,

    p. 119). Nessa busca, recorreram os intrpretes e aplicadores do direito tradio, razo e ao

    literalismo, sob distintas denominaes: saduceus, fariseus, hanbalis, zahiris, shafi'is, malikis,ghazalis, literalismo,Living Constitutione Original Intent. Parecem, portanto, bem delineadas

    as opes metodolgicas disponveis queles que esto comprometidos em interpretar o texto

    sem comprometer sua legitimidade legal, seja no direito ou na teologia.

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    THE INTERPRETER IN FRONT OF THE TEXT:APPROXIMATIONS BETWEEN THE READING OF THE TORAH, OF THE

    QUR'AN AND OF THE CONSTITUTION

    ABSTRACT: The Brazilian constitutional literature of the late twentieth century and earlytwenty-first century revealed a fascination for principles and for weighting. The weakening ofthe normative character of the Constitution was attributed to the legal-axiological discourse ofConstitutional Courts, whose justices would practice a constitutional theology to deductdirectly from the text all the correct values and behaviors. However, as it is in Law, there is aconstant concern in theology about the methods of interpretation of sacred texts that makesimpossible to reduce its rich hermeneutical experience to a jurisprudence of values. Toillustrate the argument, we will explore the debate over the reading of the Torah and of theKoran, in order to show the different possible interpretive methods. Secondly, we will focuson American constitutional history, especially in regard to the relationship betweeninterpretation and amendment and to the hermeneutical role of the Supreme Court, so that, inthe conclusion, we can draw parallels between the interpretation of the Torah, of the Quranand of the Constitution.

    KEYWORDS: Constitutional amendment. Constitutional interpretation. Qur'an. Torah.

    Recebido em: 17 de dezembro de 2013

    Aprovado em: 26 de maio de 2014