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Práticas Interacionais em Rede Salvador - 10 e 11 de outubro de 2012 O jovem e a construção de “si” através da publicização de imagens e postagens nas redes sociais Cíntia Sacramento do ESPÍRITO SANTO 1 Giovanna DE MARCO 2 Resumo: Esta pesquisa busca problematizar a alteração nas práticas sociais dos jovens e a nova possibilidade de comunicação, não apenas textual, que vem se constituindo através das tecnologias contemporâneas. Com o objetivo de investigar, dos jovens de Juazeiro, as motivações, as mudanças nas práticas sociais e comunicacionais e a interferência na constituição de ‘si’ ao se exporem através de imagens no ciberespaço, o estudo foi desenvolvido através da história oral e da análise da imagem de um grupo de oito jovens entre 18 e 27 anos. Diante da relação que vai se firmando entre os jovens e a internet, sobretudo nas redes sociais, diversas questões são problematizadas. Dentre outras conclusões, a pesquisa aponta que uso das tecnologias da comunicação e da informação permite uma constante construção do si. Palavras-chave: Construção de “si”; Imagens; Internet e Sociabilidade. Abstract: This research aims to discuss the change in social practices of young people and new possibilities for communication, not just text, which has been constituted through contemporary technologies. In order to investigate, the young Juazeiro, motivations, changes in social and communicative practices and interference in the constitution of 'self' to expose themselves through images in cyberspace, the study was developed through oral history and analysis of image of a group of eight young people between 18 and 27 years. Given the relationship that will established itself among the young and the Internet, particularly social networks, several issues are problematized. Among other findings, the research shows that use of communication technologies and information allows a constant building itself. Keywords: Construction of "self"; Images, Internet and Sociability Introdução: O presente trabalho partiu de uma inquietação pessoal que se deu ao observar de modo assistemático que muitos jovens de Juazeiro-Ba, 511 km da capital Salvador, utilizam excessivamente câmeras fotográficas digitais e celulares com câmera ao registrar suas imagens para, posteriormente, publicá-las em sites de relacionamentos, fotologs e meios de 1 Mestranda em Crítica Cultural da UNEB. E-mail: [email protected] 2 Professora titular da Universidade do Estado da Bahia. E-mail: [email protected]

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Práticas Interacionais em Rede Salvador - 10 e 11 de outubro de 2012

O jovem e a construção de “si” através da publicização de imagens e postagens nas redes

sociais

Cíntia Sacramento do ESPÍRITO SANTO1

Giovanna DE MARCO2

Resumo: Esta pesquisa busca problematizar a alteração nas práticas sociais dos jovens e a nova

possibilidade de comunicação, não apenas textual, que vem se constituindo através das

tecnologias contemporâneas. Com o objetivo de investigar, dos jovens de Juazeiro, as

motivações, as mudanças nas práticas sociais e comunicacionais e a interferência na

constituição de ‘si’ ao se exporem através de imagens no ciberespaço, o estudo foi

desenvolvido através da história oral e da análise da imagem de um grupo de oito jovens entre

18 e 27 anos. Diante da relação que vai se firmando entre os jovens e a internet, sobretudo nas

redes sociais, diversas questões são problematizadas. Dentre outras conclusões, a pesquisa

aponta que uso das tecnologias da comunicação e da informação permite uma constante

construção do si.

Palavras-chave: Construção de “si”; Imagens; Internet e Sociabilidade.

Abstract:

This research aims to discuss the change in social practices of young people and new

possibilities for communication, not just text, which has been constituted through

contemporary technologies. In order to investigate, the young Juazeiro, motivations, changes

in social and communicative practices and interference in the constitution of 'self' to expose

themselves through images in cyberspace, the study was developed through oral history and

analysis of image of a group of eight young people between 18 and 27 years. Given the

relationship that will established itself among the young and the Internet, particularly social

networks, several issues are problematized. Among other findings, the research shows that

use of communication technologies and information allows a constant building itself.

Keywords: Construction of "self"; Images, Internet and Sociability

Introdução:

O presente trabalho partiu de uma inquietação pessoal que se deu ao observar de modo

assistemático que muitos jovens de Juazeiro-Ba, 511 km da capital Salvador, utilizam

excessivamente câmeras fotográficas digitais e celulares com câmera ao registrar suas

imagens para, posteriormente, publicá-las em sites de relacionamentos, fotologs e meios de

1 Mestranda em Crítica Cultural da UNEB. E-mail: [email protected] 2 Professora titular da Universidade do Estado da Bahia. E-mail: [email protected]

divulgação da imagem na Internet. Procurar entender tamanho interesse por estas novas

tecnologias colocou-se como um campo de investigação, haja vista, a exposição e possíveis

riscos a que os usuários estão sujeitos no ciberespaço.

O estudo busca também problematizar a alteração nas práticas sociais dos jovens e a

nova possibilidade de comunicação, não apenas textual, que vem se constituindo através das

tecnologias contemporâneas. Para muitos jovens, as imagens mais que os textos, refletem com

mais substância aquilo que pretendem comunicar. Ramos (2009, p.12) aponta que “para um

pensamento consistente das práticas midiáticas, envolvidas na veiculação de mensagens

audiovisuais em nossa sociedade, necessitamos levar em consideração as potencialidades

singulares da imagem-câmera e as dimensões sociais que por elas são determinadas”. Neste

sentido tratou-se a problemática que se apresenta nos efeitos que as imagens provocam nos

indivíduos registrados. Os diálogos firmados entre indivíduo-imagem e imagem-receptor

possibilitam “que o grupo seja agente de seu próprio discurso, fazendo um uso criativo dos

meios visuais” (ARAÚJO, 2009).

O trabalho se valeu das metodologias da história oral e da análise da imagem, e foi

desenvolvido com um grupo de oito jovens entre 18 e 27 anos dividido entre homens e

mulheres. Na definição da faixa etária considerou-se o fato de que para ser usuário do Orkut

(um dos sites utilizados pelos jovens) o jovem não pode ter menos que dezoito anos, além

disso, de acordo com uma pesquisa, 60,53% dos usuários do Orkut, são pessoas que têm entre

18 e 25 anos (fonte Wikipedia). Entretanto, o projeto de lei de 2004 da Comissão especial

destinada a acompanhar e estudar propostas de Políticas Públicas para a Juventude, em seu

artigo primeiro considera jovem aquele que se encontra entre os 18 e 29 anos. Com base nesse

projeto de lei decidiu-se aumentar a faixa etária para além da idade que integra os maiores

usuários das redes sociais.

O estudo das imagens permitiu examinar procedimentos, recursos empregados e

resultados pretendidos ao serem publicadas nos sites de relacionamento e meios afins pelos

jovens de Juazeiro. Coutinho (2005) aponta que a análise da imagem é importante para

compreender as mensagens visuais como produtos comunicacionais,

especialmente aquelas inseridas em meios de comunicação de massa:

fotografias impressas em jornais, anúncios publicitários, filmes, imagens

difundidas pela televisão ou ainda disponíveis na Internet (p. 330-331).

As imagens dos jovens foram analisadas através da linha de investigação que

considera a necessidade do exercício do ver. “Segundo essa perspectiva de pesquisa e análise

seria fundamental realizar reflexões sobre a imagem ainda que tendo em conta o esvaziamento

de sentido sofrido com a submissão desta à lógica da mercadoria” (IDEM, p.333). Uma

análise que exige “decifrar as significações que a ‘naturalidade’ aparente das mensagens

visuais implica. ‘Naturalidade’ que, paradoxalmente, é alvo espontâneo da suspeita daqueles

que a acham evidente, quando temem ser ‘manipulados’ pelas imagens” (JOLY, 1996, p.43).

A história oral foi fundamental, pois se trabalhou com depoimento e, como afirma

Danièle Voldman citada por Janaina Amado (1996), este engloba o fato, o acontecimento, o

sentimento e a opinião, o comentário e a lembrança do passado. E as falas dos jovens foram

essenciais, apresentando-se como testemunhos, como discurso que se enuncia e se submete ao

julgamento da história. É, portanto, o contrato firmado entre o pesquisador e o entrevistado

que dá ao discurso desta última o status de testemunho, o que implica igualmente a sua

consciência de ter que consignar e conservar tanto quanto utilizar. (VOLDMAN apud

AMADO, 1996, p.256).

Todos os procedimentos empregados foram referendados por estudos bibliográficos

feitos ao longo da elaboração da pesquisa. Referências imprescindíveis que trazem discussões

sobre a exposição de “si” nos espaços virtuais, alterações das práticas sociais com o uso de

imagens e posterior divulgação no ciberespaço, uso das redes sociais e seus efeitos, crimes

virtuais e tantas outras problemáticas que se firmam ao se fazer uso das redes sociais.

1 Autorretratos: O jovem e sua relação com a imagem digital

Os jovens utilizam o ciberespaço como meio divulgador de imagens e estas atingem

um espaço virtual sem limites, o que o torna mais atraente. Buscou-se mapear as experiências

que se sucederam com o advento das câmeras digitais e sua veiculação instantânea, mais

particularmente, a publicação de imagens pessoais nesse espaço virtual que veio a se

denominar cibercultura. São relações rizomáticas que possibilitam criações de um “si” ou

vários deles, a depender das relações constituídas neste espaço. De acordo com Deleuze e

Guatarri, o rizoma não é uno nem múltiplo ele é multiplicidade por estar em devir.

o rizoma conecta um ponto qualquer com outro ponto qualquer e cada um de

seus traços não remete necessariamente a traços de mesma natureza; ele põe

em jogo regimes de signos muito diferentes, inclusive estados de não-signos.

O rizoma não se deixa reconduzir nem ao Uno nem ao múltiplo. Ele não é o

Uno que se torna dois, nem mesmo que se tornaria diretamente três, quatro

ou cinco etc. Ele não é um múltiplo que deriva do Uno, nem ao qual o Uno

se acrescentaria (n+1). Ele não é feito de unidades, mas de dimensões, ou

antes de direções movediças. Ele não tem começo nem fim, mas sempre um

meio pelo qual ele cresce e transborda. (1995, p. 31)

Os jovens que se colocam diante de uma máquina e que traçam seu perfil em páginas de

relacionamento, das diversas formas possíveis, tornam-se inúmeros a depender das novas

relações que se firmam e dos pontos que se conectam. Sendo assim, é mais pertinente falar-se

de perfis sempre inconclusos, considerando que “um rizoma não começa nem conclui, ele se

encontra sempre no meio, entre as coisas, inter-ser, intermezzo” (Idem, p.36).

Quem deseja a exposição utiliza-se dos sites com divulgação ampliada, uma vez que

possibilitam uma acessibilidade sem limites. As câmeras digitais e os celulares que contêm

este recurso são utilizados excessivamente pelos jovens, que divulgam as fotos para serem

admiradas por voyeurs, internautas e por eles mesmos.

Assim, a internet se tornou “palco” em que qualquer um pode ser a personagem que

deseja, mesmo os mais tímidos sentem-se à vontade no ciberespaço. J. A, 22 anos, jovem

entrevistada, escreve poemas e gosta de tirar fotos que transmitam, de certa maneira, o que o

poema aborda,

As que eu posto são as que eu acho agradáveis que eu possa me achar bonita

ali, né! Que possa me achar interessante e também porquê, assim, tem foto

que eu tiro meio que tentando uma coisa mais artística sem ser só a minha

foto em si, eu quero transparecer uma coisa que eu fiz, um poema, alguma

coisa.

Eu sou o pó, eu quero o pó das horas cinzentas. (poema feito para esta foto)

Fora deste espaço a jovem manifesta uma timidez que não a impede, entretanto, de

escrever poemas que tratam de angústias, sentimentos e a complexidade que cerca o ser

humano. Algumas de suas fotos publicadas com algum poema que produziu, são feitas de

forma a tentar transmitir o que o poema trata. Muitas vezes, seus escritos são feitos de acordo

com suas imagens e não o inverso. O tratamento na imagem acima e a cor da foto trazem aos

olhos de quem vê “o cinza do pó” abordado no poema, reforçando o sentido em ser o pó,

como a fênix que ressurge das cinzas.

As redes sociais tornam-se importante aliado para aqueles que desejam expor sua arte,

seus trabalhos e (re)criar-se através das diversas formas de publicização de si. É uma forma de

divulgação livre e gratuita e que hoje, atinge grande parcela da população. De acordo com

dados de uma pesquisa realizada com jovens publicada em 2010 pela ONG SaferNet, 80%

dos entrevistados têm os sites de relacionamento como preferidos. “Graças a esse poderoso

arsenal que hoje está à disposição de praticamente qualquer um, de fato agora você também

pode criar livremente aquilo que seria sua principal obra. Isto é: a sua personalidade”.

(SIBILIA, 2008, p. 234)

Os usuários dos sites de relacionamento não utilizam apenas as suas próprias imagens

para firmarem sua identidade ou reinventarem-se neste espaço. Os sites oferecem acessórios

que auxiliam nesta construção do si através, como: comunidades, postagens de vídeos e de

textos nos perfis. Através das comunidades pessoas desconhecidas unem-se formando tribos

que apresentam gostos, aparentemente comuns. Através dos gostos musicais, livros, filmes,

autores, festas, roupas e características de personalidades - as pessoas se identificam e se

reinventam.

As fotografias pessoais vêm para ratificar esta personalidade construída através das

comunidades e auxiliam na exibição do que fazem, por onde andam, com quem andam.

Assim, considerando que “a fotografia não tem caráter meramente ilustrativo, revela

conteúdos e nos coloca ‘dentro’ do texto cultural” (SILVA, 2008), é possível afirmar que a

imagem pessoal tornou-se tão requisitada e amplamente divulgada por revelar conteúdos e

permitir inúmeras conjecturas de quem as contempla.

Essa potencialização da exposição imagética alimentada pela Internet provoca

alterações nas práticas sociais dos jovens que a utilizam. Sibilia (2008) afirma que a

personalidade mostrada no ciberespaço é, sobretudo, algo que se vê: uma subjetividade

visível, uma forma de ser que se cinzela para ser mostrada. Dessa forma, aqueles que se

consideravam tímidos diante das câmeras fotográficas que cobriam eventos familiares, hoje se

colocam com naturalidade diante de uma câmera digital, expressando a pose ideal que

valorize o modelo.

Segundo A. R. S., 25 anos, uma das jovens entrevistadas, as fotos que tira de perfil, do

lado direito, a valorizam mais. Já o entrevistado C. A. D. prefere tirar fotos sem sorrir. A

maioria dos jovens entrevistados afirma, porém, não ter uma pose ideal. Entretanto, todos

admitem que se preparam de alguma forma antes de serem fotografados, seja arrumando os

cabelos, passando batom ou até mesmo lavando o rosto.

Foto de perfil de A.R.S Foto de C.A.D

Na exposição de si, muitos fazem uma mise em scène a fim de atrair admiradores e/ou

serem aceitos por determinados grupos no ciberespaço. Tal atitude é explicada por Lemos

(2004) como típica da socialidade contemporânea. Uma socialidade – conjuntos de práticas

quotidianas que escapam ao controle social - que se estabelece como um politeísmo de

valores, onde o indivíduo desempenha diversos papéis, produzindo máscaras dele mesmo,

atuando numa teatralidade quotidiana.

De acordo com Moscovici (2001) a construção de si pode ser entendida como uma

forma de representar-se no ciberespaço,

O indivíduo sofre a pressão das representações dominantes na sociedade e é

nesse meio que pensa ou exprime seus sentimentos. Essas representações

diferem de acordo com a sociedade em que nascem e são moldados.

Portanto, cada tipo de mentalidade é distinto e corresponde a um tipo de

sociedade, às instituições e às práticas que lhe são próprias (p.49).

Com base nas entrevistas bem como nas análises dos perfis divulgados nas redes

sociais, é possível afirmar que os jovens entrevistados apresentam singularidades - modos de

lidar com os amigos das redes; freqüência de atualizações tanto de fotos quanto de textos

pessoais; comunidades e o número delas; número de imagens e álbuns entre outros -, mesmo

que em alguns momentos tenham comunidades e modos de fotografar parecidos. Dessa

forma, sob cada olhar distinto um novo “si” é criado que pode ou não corresponder ao desejo

do usuário expositor.

2 - A imagem se virtualiza: dos porta-retratos ao álbum digital

As fotografias são um recorte de um momento do passado que busca ser eternizado.

Para tanto, os registros não são feitos aleatoriamente, é necessário ter ocasião e delimitação

apropriadas. As fotos de família até o inicio do século XX eram devidamente programadas.

Era preciso reunir toda família, escolher a melhor roupa e posição. Todos precisavam estar

bem colocados para o registro da melhor imagem, que comporia o retrato de família.

Uma das funções norteadoras do ato fotográfico, principalmente o amador e

familiar, teria sido, desde o final do século XIX, a intenção de constituir uma

memória privada, reforçando os laços identitários e produzindo um

sentimento de continuidade no tempo, de coerência de uma pessoa ou de um

grupo social na construção de si próprio. Desse modo, selecionar um instante

para ser visto seria uma atitude de atribuição de relevância e distinção ao

momento presente, transformando, a partir daquela seleção, o fato em

acontecimento. (SANZ, 2006, p. 4)

Tinha-se um cuidado especial e uma escolha cuidadosa do que deveria ser registrado,

guardado, lembrado e revivido a cada vez que o álbum fosse aberto. O momento de ver as

fotografias tiradas, consequentemente, tinha certa importância e expectativa. Em um desses

momentos poderia reunir-se a família para ver álbuns, rir e comentar as fotografias com certa

nostalgia.

Hoje, com a câmera digital é possível armazenar centenas de fotos a depender da

capacidade do cartão de memória contido na câmera. Além disso, não há interesse em revelar

as fotos, já que há álbuns virtuais que não demandam custo. Atualmente é comum encontrar

entre os jovens autorretratos, fotos de si mesmos, fazendo testes no sentido de escolher a

melhor foto para a exposição. Com esse mecanismo, muitas fotos são enquadradas do pescoço

para cima, ou feitas de corpo inteiro, esse registro, porém, é feito da imagem no espelho ou

fixando a máquina em uma base.

Legenda da foto: “Foto de espelho é uó”

Segundo Sibilia (2010) essa mudança no comportamento dos indivíduos em tornar sua

privacidade pública reflete mudança no momento atual que estamos inseridos.

É evidente que a intimidade tem deixado de ser o que era. Naquele outro

contexto histórico dos “velhos tempos modernos” — isto é, aquele denso

período que abrangeu todo o século XIX e a primeira metade do XX —,

cada um devia resguardar sua própria privacidade de qualquer intromissão

alheia, não só por meio de paredes opacas e portas fechadas, mas também

mediante todos os rigores e pudores da antiga moral burguesa. Agora, ao

contrário, a intimidade tem se convertido numa espécie de cenário no qual

devemos montar o espetáculo de nós mesmos: a vitrine da própria

personalidade. E esse show do eu tem que ser visível. (p.2-3)

As câmeras digitais, portanto, são um instrumento das mudanças comportamentais. A

cada acontecimento, um flash, que deixa de ser relevante quando aparece um outro e assim as

fotografias deixam de ter sua importância na memória de momentos especiais vividos

anteriormente, para tornar o vivido em um acontecimento, algo que merece destaque, que é

digno de nota.

A rapidez das novidades que vão surgindo e evaporam manifesta-se na velocidade

com que as imagens de cada indivíduo são registradas e guardadas nas câmeras digitais. Se

antes os álbuns enchiam-se de fotos, cada uma em um momento especial, uma dada fase da

vida, viagens feitas. Hoje o que se registra é o presente. Se essas fotos ficarão guardadas, vai

depender do interesse do fotógrafo e da capacidade de memória do computador e da câmera

digital, mas muito, dificilmente, essas fotos serão reveladas e guardadas em álbuns, como

afirma a jovem J.A: “Eu vou botando no computador, depois eu gravo em CD guardo pra

imprimir, né, pra revelar. Mas não revelo todas, tudo, tudo não. Mas algumas.”

A velocidade com que as imagens são feitas bem como a rapidez com que podem ser

compartilhadas resultam no interesse por digitalizar mais do que revelar. São imagens para

serem vistas, compartilhadas, comentadas e se possível elogiadas.

O desenvolvimento desse tipo de gerenciamento da imagem aparece

profundamente relacionado à estética da velocidade, instituída, sobretudo, a

partir da idéia de tempo real. Fotografar e ver (imediatamente) é uma

experiência fotográfica inédita, absolutamente em consonância com nossa

experiência temporal e certas expectativas culturais hoje socialmente

compartilhadas. (SANZ, 2006, p. 5-6).

A busca pelo bem estar volta-se para as aparências. Dessa forma, homens e mulheres

preocupam-se com detalhes o que para quem apenas está vendo a imagem passaria

despercebido. Quando perguntados sobre o que acham da sua imagem, os jovens

entrevistados, em grande parte, acreditam que poderiam melhorar.

Às vezes você tira uma foto e tudo mais, que não fica tão boa, aí você dá

uma mexida no photoshop e tal pra ajeitar o que tá no lugar errado, a barba

ta muito grande você tira a barba. Eu tenho essa possibilidade de alterar a

foto que eu não gosto, mas no geral, é isso (...) a foto do indivíduo é um

retrato da realidade, eu acho que sim. (C.A.D, 27 anos)

Outros não alteram a imagem, mas têm suas técnicas para aparecerem bem nas fotos, como

E.C.S.C, que prefere se autorretratar, porque sabe a melhor forma para atingir esse fim.

A maioria das minhas fotos eu mesma fotografo, porque eu sei o jeito que eu

quero sair nas fotos... então, eu gosto da minha imagem quando eu tiro as

fotos, mas quando outras pessoas tiram, às vezes, não sai muito bem do jeito

que eu quero.

Na fotografia a jovem se posiciona de forma a obter uma imagem que lhe valorize,

caso não obtenha êxito com o primeiro registro, este pode ser apagado para que outra imagem

seja feita de acordo com o que busca. A foto acima parece ter agradado a jovem que recebeu

diversos comentários elogiosos: “Q é isso meu deus do Céu.......Linda!22/12/2008”; “Tah

Balíssimaaaaaa!!! Saudadessssss 23/12/2008”; “ueheuheue... maravilinda !!! ;p.... to ate sem

palavras :P.... bjaum!!! e vê se aparece!!! 25/12/2008”.

A preocupação com a aparência está de certa forma, relacionada com a publicidade,

com as mídias. A todo instante, surgem às vistas do espectador-consumidor uma enxurrada de

propagandas (direta e indireta) que incentivam a vaidade. De acordo com Berger (1999,

p.136), a publicidade “rouba o amor que o espectador tem por si próprio e oferece de volta

pelo preço do produto”. São propagandas que incitam a compra e prometem a felicidade

através daquilo que alimenta o ego do indivíduo - sua auto-estima, seu bem viver.

A busca da felicidade individual tem sido reconhecida como sendo um

direito universal. No entanto, as condições sociais existentes fazem com que

o indivíduo se sinta impotente. Ele vive na contradição entre o que ele é e o

que ele gostaria de ser. (IDEM, p. 150)

Essa publicidade massificada, contudo, não atinge a todos os jovens, há quem se diz

satisfeito com suas formas e não se preocupa em se adequar a padrões estabelecidos pela

mídia da moda. T.E.S.S afirma que não tem essa preocupação.

Eu não me considero uma pessoa nem bonita nem feia, e assim, não tenho

aquela neurose de tá no padrão de forma física de beleza que a maioria das

pessoas... Claro, tenho minhas vaidades, mas eu não tenho, assim, a menor

obsessão por ter um corpo sarado, por, sei lá, ter um rosto perfeito, ter o

cabelo perfeito. Isso não me preocupa muito não.

O espaço virtual, sobretudo as páginas do Orkut, vai se constituindo num mundo

próprio de cada usuário. Nele cada um pode ser o que quiser ou mostrar–se aos amigos que

pouco conhece. Os álbuns são constantemente alterados, acrescentando fotos no sentido de

exibir os espaços de convivência de cada um. E se há aqueles que não se sentem a vontade em

exibir fotos dos momentos pessoais numa rede, terminam por dar pistas da identidade criada

através das comunidades virtuais.

Em todos esses espaços o que conta é se mostrar, exibir um eu autêntico e

real – ou, pelo menos, que assim pareça. A eventual obra que se possa

produzir sempre será acessória: só terá valor se contribuir para ornamentar a

valiosa imagem pessoal. Pois o importante é o que você é, o personagem que

cada um encarna na vida real e mostra na tela, já que ninguém irá se

importar com o que você (não) faz. (SIBILIA, 2008, p. 250)

Essa necessidade de pertencimento ora opera de forma coerente com o que desejam construir

como identidade, ora pode confundir os observadores sobre o si criado, caso a identidade

esteja mais voltado aos gostos mostrados nas redes socias. As imagens expostas mostram o

que cada um quer que vejam, pois são peças fundamentais na constituição de cada si. O efeito

vai depender, entretanto, dos olhos de quem vê mesmo diante de possíveis “contradições”.

3 - A criação de “si” e seus efeitos a partir de imagens e postagens publicadas na internet

A unicidade da identidade bem como a sua multiplicidade é constantemente discutida

na teoria social. Porém não será abordada neste trabalho, porque a criação do “si” que

discutimos é aquela que se processa no ciberespaço, marcada e delimitada – ou ultrapassando

fronteiras - por cada jovem entrevistado que possui anseios, gostos, ideologias e estéticas

próprias.

“Eu não sou como você me vê, mas como eu quero que você me veja”. Esta pode ser a

frase motivadora para a escolha de cada atualização feita nas redes sociais da internet. As

múltiplas identidades vão se configurando nos espaços, a depender “de quando ou como”

cada indivíduo deseja transmiti-las. Analisando as imagens postadas nos álbuns dos

entrevistados encontramos fotos divididas em álbuns que recebem denominações específicas a

depender do momento registrado. As fotos de A.R.P.A estão dividas em álbuns das viagens

que fez, dos lugares de onde foram tiradas ou do que estão representando, como nos álbuns:

Intercom Campina Grande-PB; Faculdade e viagem a Salvador, que têm como fotos de capa

respectivamente:

As imagens colaboram em mostrar por onde andam, o que fazem e muitas vezes o que

gostam de fazer. As fotos e suas divisões por álbuns também facilitam a procura dos

visitantes. Nem tudo precisa ser visto, apenas as fotos que mais chamam a atenção.

Com freqüência os jovens expõem álbuns cujo nome refere-se à apresentação de si,

que contém fotos suas com algumas performances. Entre os jovens entrevistados encontramos

estes álbuns onde as fotos mostram apenas imagens de si, autorretratos e personagens que se

identificam. C.A.D tem o álbum “Carlos C_A Somente EU!”, que contém autorretratos com

fundo neutro ou feitos, aparentemente, dentro de um cômodo em casa.

Já A.R.S nos seu álbum pessoal “Régia” não possui apenas fotos individuais, na sua página

tem também fotos dos seus ex-alunos e com amigos. As fotos mostram sua preferência em ser

registrada acompanhada. “Eu tenho pouquíssimas fotos sozinha, eu gosto mais de tirar, nem

que seja com outra pessoa do meu lado, mas eu gosto mais de tirar com outra pessoa do que

sozinha”.

Com sua irmã Com amigos

Identificar-se com seus comportamentos alterdirigidos ajudam na composição da

“personagem” e não do “caráter”, já que este é voltado para o interior. Taylor citado por

Giddens (Idem) afirma que para buscar um sentido de quem somos, precisamos ter uma noção

de como nos transformamos e para onde vamos. É uma questão muito mais complexa do que

apenas seleção de imagens ou escolhas de comunidades, bem como de textos. Segundo

Giddens (2002) é comum ao homem preservar a autoidentidade e expor apenas sua

performance. “Todos os homens, em todas as culturas, preservam uma separação entre suas

auto-identidades e as ‘performances’ que fazem em contextos sociais específicos” (p.59).

Nos espaços virtuais o jovem que ali se expõe e relata seus comportamentos deixa a

mostra seus gostos, interesses, enfim, sua personalidade ‘alterdirigida’. Seu interesse, a priori,

pode estar voltado às relações interpessoais. Para A.R.P.A o que ela busca nas redes sociais é

a interação, “você conhecer novas pessoas ou então saber dos perfis de algumas pessoas. E

pra ver outro tipo de pessoa ou então buscar informações ou fazer pesquisa”. Para J.A é uma

forma de divulgação dos seus escritos e também de interação com outras pessoas.

O Orkut pela possibilidade de eu me contactar com pessoas distantes e

próximas também (...) e o blog porque eu tentei assim fazer uns poemas e eu

guardava muito e aí eu decidi jogar assim no blog. Fiz o blog e aí as pessoas

foram aceitando foram comentando e eu fui gostando né.

Para cada um dos motivos que levam os indivíduos ao espaço virtual, é possível

encontrar “sis” diferentes. Um que cuida das relações conjugais, um que discute em

comunidades estudos de determinadas áreas, um para os momentos de diversão através dos

jogos eletrônicos, ou que mostra seu lado social em momentos de lazer; ou que mostra sua

paixão por poemas e poesias; ou discute culinária em blogs especializados. São criações que

estão por se constituir a todo instante, mas que com frequência buscam se enquadrar em

determinadas identidades. Estas oscilações de identidade são comuns na sociedade

contemporânea, Hall justifica da seguinte forma:

Esta perda de um “sentido si” estável é chamada, algumas vezes, de

deslocamento ou descentração do sujeito. Esse duplo deslocamento-

descentração dos indivíduos tanto de seu lugar no mundo social e cultural

quanto de si mesmos – constitui uma “crise de identidade” para o indivíduo.

(1997, p.9).

Crise que está presente na incerteza de que aquele indivíduo coerente e fixo torna-se

vulnerável diante das mudanças e experiências proporcionadas pela contemporaneidade, pelos

acessos que lhes são oferecidos, pelos avanços disponibilizados. E quanto mais ele tenta se

enquadrar em uma dada identidade, criar um “si” estável, mais ele é compelido à mudança,

pois se encontrará num embate em que o outro combatente é sempre liquefeito e que para

detê-lo também terá que fundir-se e se recriar.

Considerações Finais

A internet tornou-se o “espaço mais democrático”, denominação que é vociferada pela

mídia. É um universo paralelo com suas próprias regras de uso, de linguagem – a depender do

espaço utilizado – e até de crimes como ciberbullying, sexting, roubo de dados, vírus, entre

outros. Nas salas de bate-papo, homem pode ser mulher, crianças podem ser adultos, pessoas

humildes se passam por abastadas e vice-versa. Não há limites para a criação de si ou de

personagens. O que conta é o desejo de ser a personagem mais apropriada no momento para

atingir o alvo, aparentemente, mais interessante

Mesmo diante de tantos riscos, o número de usuários das redes sociais aumenta. Estes

usuários não utilizam apenas as suas próprias imagens para firmarem sua identidade, os sites

oferecem artifícios que auxiliam nesta construção do si através das comunidades, postagens

de vídeos e de textos nos perfis. Com estes recursos pessoas desconhecidas unem-se

formando tribos que apresentam gostos com os quais se identificam e se reinventam.

É também através das redes sociais que os jovens buscam expressar seus sentimentos,

suas fases boas ou ruins, demonstram-se apaixonados, decepcionados, tranqüilos. Há quem

prefira deixar a mostra apenas os acontecimentos felizes, mas há quem divida seus álbuns ou

textos expressando as oscilações dos acontecimentos que vivem. A rapidez das novidades que

vão surgindo e evaporam manifesta-se na velocidade com que as imagens de cada indivíduo

são registradas e guardadas nas câmeras digitais. São imagens que aliadas à pose ou ao recorte

que o modelo faz na fotografia, evidenciam qual a criação que pretende representar.

Através dos autores foi possível discutir conceitos (si, identidade, self, caráter,

subjetividade etc.) para falar da complexidade que é tratar dessa experiência que os indivíduos

vivem na contemporaneidade no ciberespaço. Quando se fala em rizoma, em mapear as linhas

em uma pesquisa, está se falando em tecer em diferentes articulações os resultados obtidos

tanto na pesquisa empírica como bibliográfica.

Dessa forma, através do mapeamento feito na pesquisa foi possível considerar que o

processo de constituição de si no ciberespaço é heterogêneo. Nestas construções de “si”, há

tanto aqueles que buscam criar um si que expresse suas experiências poéticas, emocionais,

estéticas, entre outras, como aqueles que se conformam às expectativas das comunidades às

quais se integram, como ainda aqueles que tentam se ocultar atrás de uma personagem, que

pouco ou nada expõe de si, para praticar toda sorte de atos lícitos ou não.

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