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Questão de Ordem no RECURSO ELEITORAL nº 195-09.2016.6.25.0005 - Classe 30ª QUESTÃO - DE - ORDEM O JUIZ FÁBIO CORDEIRO DE LIMA: Inicialmente, é mister duas considerações iniciais relevantes: 1) por questão de celeridade e economia processual, entendo desnecessário lavrar um acórdão de acolhimento para submeter a questão ao plenário, já que o TRE-SE já funciona em sua composição plenária [art. 28 do CE]; 2) considerando que a matéria [inconstitucionalidade] foi suscitada diretamente por mim, na qualidade de vogal e não diretamente pelo Relator, entendo que deve recair sobre mim a relatoria do presente incidente de inconstitucionalidade , razão pela qual venho apresentar o presente voto tão- somente acerca deste ponto; 3) não se discute a questão da adequada interpretação do art. 241, PU do CE. A presente questão de ordem versa sobre à inconstitucionalidade do §11, do art.96, da Lei nº 9.504/97, introduzido pela Lei nº 13.165/2015, que dispõe: Art. 96. Salvo disposições específicas em contrário desta Lei, as reclamações ou representações relativas ao seu descumprimento podem ser feitas por qualquer partido político, coligação ou candidato, e devem dirigir-se: (...) § 11. As sanções aplicadas a candidato em razão do descumprimento de disposições desta Lei não se estendem ao respectivo partido, mesmo na hipótese de esse ter se beneficiado da conduta, salvo quando comprovada a sua participação. (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015) O presente voto pretende testar a compatibilidade da mudança à luz do texto constitucional, especialmente no âmbito da propaganda eleitoral . 1.Considerações iniciais Com o fenômeno da constitucionalização do direito, o controle de constitucionalidade se tornou mais complexo. O ordenamento jurídico, especialmente a Constituição que ocupa o ápice do sistema, passou a ser visto como um sistema aberto de regras e princípios explícitos ou implícitos. A interpretação da constituição não mais se restringe ao texto, mas alcança também o seu espírito e os valores da comunidade. Há uma necessidade constante de reinterpretar os institutos à luz da Constituição. A propósito, transcrevo as lições do eminente Ministro Luis Roberto Barroso 1 : "O direito constitucional, no mundo em geral e no Brasil em particular, vive um momento de virtuosa ascensão teórica e institucional. O reconhecimento de força normativa à Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática pós- positivista de interpretação constitucional alçaram a Constituição para o centro do sistema jurídico. Ali passou ela a desfrutar, não apenas da supremacia formal que sempre teve, mas também, e sobretudo, de uma supremacia material, axiológica, potencializada pela abertura de suas normas e pela normatividade dos princípios. A Constituição passa a ser, assim, não apenas um sistema em si – com a sua ordem, unidade e harmonia – mas também um modo de olhar e interpretar todos os demais ramos do Direito. 1 BARROSO, Luis Roberto. Gestação de Fetos Anencefálicos e Pesquisas com Células-tronco: Dois Temas acerca da Vida e da Dignidade na Constituição. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro. Vol. 241, p. 93-120.Jul/Set/2005.

O JUIZ FÁBIO CORDEIRO DE LIMA: relatoria do presente ...Questão de Ordem no RECURSO ELEITORAL nº 195-09.2016.6.25.0005 - Classe 30ª Este fenômeno, identificado por alguns autores

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  • Questão de Ordem no RECURSO ELEITORAL nº 195-09.2016.6.25.0005 - Classe 30ª

    QUESTÃO - DE - ORDEM

    O JUIZ FÁBIO CORDEIRO DE LIMA:Inicialmente, é mister duas considerações iniciais relevantes: 1) por questão de

    celeridade e economia processual, entendo desnecessário lavrar um acórdão de acolhimento parasubmeter a questão ao plenário, já que o TRE-SE já funciona em sua composição plenária [art. 28 doCE]; 2) considerando que a matéria [inconstitucionalidade] foi suscitada diretamente por mim, naqualidade de vogal e não diretamente pelo Relator, entendo que deve recair sobre mim a relatoria dopresente incidente de inconstitucionalidade, razão pela qual venho apresentar o presente voto tão-somente acerca deste ponto; 3) não se discute a questão da adequada interpretação do art. 241, PUdo CE.

    A presente questão de ordem versa sobre à inconstitucionalidade do §11, do art.96, daLei nº 9.504/97, introduzido pela Lei nº 13.165/2015, que dispõe:

    Art. 96. Salvo disposições específicas em contrário desta Lei, as reclamações ourepresentações relativas ao seu descumprimento podem ser feitas por qualquer partidopolítico, coligação ou candidato, e devem dirigir-se:(...)§ 11. As sanções aplicadas a candidato em razão do descumprimento de disposições destaLei não se estendem ao respectivo partido, mesmo na hipótese de esse ter se beneficiado daconduta, salvo quando comprovada a sua participação. (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

    O presente voto pretende testar a compatibilidade da mudança à luz do textoconstitucional, especialmente no âmbito da propaganda eleitoral.

    1.Considerações iniciaisCom o fenômeno da constitucionalização do direito, o controle de constitucionalidade

    se tornou mais complexo. O ordenamento jurídico, especialmente a Constituição que ocupa o ápice dosistema, passou a ser visto como um sistema aberto de regras e princípios explícitos ou implícitos. Ainterpretação da constituição não mais se restringe ao texto, mas alcança também o seu espírito e osvalores da comunidade. Há uma necessidade constante de reinterpretar os institutos à luz daConstituição. A propósito, transcrevo as lições do eminente Ministro Luis Roberto Barroso 1:

    "O direito constitucional, no mundo em geral e no Brasil em particular, vive um momento devirtuosa ascensão teórica e institucional. O reconhecimento de força normativa à Constituição,a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática pós-positivista de interpretação constitucional alçaram a Constituição para o centro do sistemajurídico. Ali passou ela a desfrutar, não apenas da supremacia formal que sempre teve, mastambém, e sobretudo, de uma supremacia material, axiológica, potencializada pela abertura desuas normas e pela normatividade dos princípios.A Constituição passa a ser, assim, não apenas um sistema em si – com a sua ordem, unidadee harmonia – mas também um modo de olhar e interpretar todos os demais ramos do Direito.

    1 BARROSO, Luis Roberto. Gestação de Fetos Anencefálicos e Pesquisas com Células-tronco: Dois Temas acerca da Vida e da Dignidade na Constituição.Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro. Vol. 241, p. 93-120.Jul/Set/2005.

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    Este fenômeno, identificado por alguns autores como filtragem constitucional, consiste em quetoda a ordem jurídica deve ser lida e apreendida sob a lente da Constituição, de modo arealizar os valores nela consagrados. A constitucionalização do direito infraconstitucional nãoidentifica apenas a inclusão na Lei Maior de normas próprias de outros domínios, massobretudo, a reinterpretação de seus institutos sob uma ótica constitucional.À luz de tais premissas, toda interpretação jurídica é também uma interpretação constitucional.Qualquer operação de realização do direito envolve a aplicação direta ou indireta daConstituição. Direta, quando uma pretensão se fundar em uma norma constitucional; e indiretaquando se fundar em uma norma infraconstitucional, por duas razões: a) antes de aplicar anorma, o intérprete deverá verificar se ela é compatível com a Constituição, porque, se ela nãofor, não poderá fazê-la incidir; b) ao aplicar a norma, deverá orientar seu sentido e alcance àrealização dos fins constitucionais.Em suma: a Constituição figura hoje no centro do sistema jurídico, de onde irradia sua forçanormativa, dotada de supremacia formal e material. Funciona, assim, não apenas comoparâmetro de validade para a ordem infraconstitucional, mas também como vetor deinterpretação de todas as normas do sistema”.

    Com esta nova visão acerca do fenômeno jurídico há uma natural ascensão do Poderem razão de uma mudança qualitativa de suas funções. Ninguém desconhece que a função primáriado Poder Judiciário é a de aplicar o direito aos casos concretos, exercendo a mediação entre o texto ea realidade. Ocorre que não se pode mais afirmar atualmente que o Juiz se limita a aplicar um direitopreexistente contido num texto de lei, através da mera subsunção. Com a separação do texto-norma, ointérprete se torna co-participante do processo de criação do Direito, completando o trabalho dolegislador, mediante o preenchimento das cláusulas gerais, dos conceitos jurídicos indeterminados etambém da conformação do texto à realidade do caso concreto. Esta lição de Eduardo Cambi:

    “Assim, o texto da lei é tornado, tão-somente, como um ponto de partida da interpretação, nãoé um dado pronto e acabado. Vale dizer, a compreensão do texto pressupõe uma relaçãoentre o intérprete e o texto a ser interpretado. O sentido do texto legislativo não é unívoco(plurívoco e equívoco), pois admite mais de uma forma de interpretação, e, além disso, éheterônomo (ou admite mais de uma forma de interpretação, e, além disso, é heterônomo (ounão autônomo), porque vem de forma, é produzido pelo intérprete. É, em razão do intérpretepoder adicionar algo à obra do legislador, que a hermenêutica adquire a sua essênciaconstrutiva”. 2

    Por outro lado, é preciso, sempre que possível, respeitar a liberdade de conformaçãodo legislador. A liberdade de conformação constitui um verdadeiro mandato conferido ao legisladorpara regular amplamente as relações sociais, seja nas matérias expressamente indicadas peloconstituinte, seja mediante ponderação dos bens em jogo. Sobre a liberdade de conformação, ensina oMinistro Dias Toffolli:

    “O Parlamento tem competência para configurar ou conformar as disposições constitucionais ea faculdade de escolher o conteúdo das leis, dentre um amplo número de alternativas de ação.Representa, ainda, o órgão que, em princípio, deve solucionar as colisões de direitosfundamentais e harmonizar as diversas exigências normativas que emanam da Constituição.61A Lei nº 12.234/10, portanto, se insere na liberdade de conformação do legislador, que temlegitimidade democrática para escolher os meios que reputar adequados para a consecuçãode determinados objetivos, desde que eles não lhe sejam vedados pela Constituição nemviolem a proporcionalidade. Deve o legislador, ao restringir direitos, realizar uma tarefa de

    2 CAMBI, Eduardo. Norma e Processo na Crença Democrática. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de DireitoPúblico, nº 16, dezembro, janeiro, fevereiro, 2009. Disponível na Internet: . Acesso em: 13 de setembro de 2009.

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    concordância prática justificada pela defesa de outros bens ou direitos constitucionalmenteprotegidos.”3

    Malgrado o Legislativo possua ampla liberdade de conformação na concretização daConstituição [inovar originariamente na ordem jurídica], esta atividade não é ilimitada, sendocondicionada, principalmente, pelo texto e espírito constitucional, núcleo essencial dos direitos, pelosprincípios da proporcionalidade/razoabilidade, os valores constitucionais subjacentes. Outro limite éque, na sua atividade de conformação, o legislador não pode alterar a realidade das coisas. Emsíntese, o legislador pode muito, mas não pode tudo. É necessário distinguir o exercício legítimo doverdadeiro abuso de conformação. Constitui um equilíbrio delicado e ao mesmo tempo umverdadeiro exercício de sintonia fina. Se, de um lado, o legislador possui liberdade para inovaroriginariamente na ordem jurídica, por outro lado, é assegurado ao Poder Judiciário controlar a suaatividade para que se contenha dentro dos limites legítimos.

    Ressalte-se que o Legislador não está impedido de modificar a legislação, sejarevogando o direito anterior, seja modificando o seu conteúdo. Pela teoria dos diálogosinstitucionais o Legislador pode sempre corrigir interpretações do poder judiciário mediante aalteração da legislação pertinente.

    No exercício de suas funções, todos os Poderes necessitam interpretar a Constituiçãoe, embora seja da competência primária ao legislador concretizar o texto constitucional, não há que sefalar em uma primazia absoluta de nenhum Poder. A teoria dos diálogos institucionais permite que oLegislativo e Judiciário interajam constantemente na concretização da Constituição. Destaco a lição doMin. Luiz Fux 4:

    De fato, não representam qualquer novidade as dificuldades conhecidas e amplamentedebatidas pela doutrina constitucional, nacional e estrangeira, acerca da legitimidadedemocrática da judicial review – a clássica dificuldade contramajoritária –, que decorre dacircunstância de os juízes, não submetidos ao escrutínio das urnas, poderem invalidar asdecisões do legislador, ancorando-se, muitas vezes, em disposições constitucionais vagas eabertas, e, em consequência, moldando a Constituição de acordo com suas preferênciaspolíticas.À jurisdição constitucional, nesse cenário, incumbe a tarefa de encontrar o ponto ótimo deequilíbrio entre estes dois pilares sobre os quais se erige o Estado Democrático de Direito –democracia e constitucionalismo. A depender da calibragem de suas decisões (i.e., atribuindoimportância maior a qualquer desses ideais), os tribunais podem tolher a autonomia públicados cidadãos, substituindo as escolhas políticas de seus representantes por preferênciaspessoais de magistrados não responsivos à vontade popular, ou, ao revés, podem as corteschancelar o advento de um despotismo das maiorias, de maneira a comprometer a supremaciae a efetividade da Lei Fundamental.Se essas particularidades já recomendam alguma dose de cautela no exercício da judicialreview, essa prudência é redobrada nas situações em que o objeto da controvérsiadecorre de reações legislativas a decisões proferidas pela Corte, sobretudo por impactardiretamente na esfera de liberdade de conformação do legislador.(...)

    3 STF, HC 122694, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 10/12/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-032 DIVULG 18-02-2015PUBLIC 19-02-2015.4 STF, ADI 5105, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 01/10/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-049 DIVULG 15-03-2016 PUBLIC 16-03-2016

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    Percebe-se, com clareza meridiana, que os fundamentos em que vazada a decisãoevidenciam, a mais não poder, a adoção de um autoritarismo judicial e um comportamentoprofundamente antidialógico, incompatível com o postulado fundamental da separação depoderes. É óbvio ululante que ao legislador é franqueada a capacidade de interpretação daConstituição, a despeito de decisões de inconstitucionalidade proferidas pelo Supremo.(...)Da análise dos retromencionados arestos, e da postura institucional adotada pelo SupremoTribunal Federal em cada um deles, pode-se concluir, sem incorrer em equívocos, que (i) oTribunal não subtrai ex ante a faculdade de correção legislativa pelo constituinte reformador oulegislador ordinário, (ii) no caso de reversão jurisprudencial via emenda constitucional, ainvalidação somente ocorrerá, nas hipóteses estritas, de ultraje aos limites preconizados peloart. 60, e seus §§, da Constituição, e (iii) no caso de reversão jurisprudencial por lei ordinária,excetuadas as situações de ofensa chapada ao texto magno, a Corte tem adotado umcomportamento de autorrestrição e de maior deferência às opções políticas do legislador.Destarte, inexiste, descritivamente, qualquer supremacia judicial nesta acepção mais forte.Por outro lado, do ponto de vista prescritivo, tampouco se afigura desejável pugnar pelaimpossibilidade de definitividade da interpretação da Constituição pelo STF. Isso porqueendossar compreensão que interdite tout court ou dificulte sobremodo a prerrogativa de olegislador proceder, sponte sua, a correções de jurisprudência da Corte seria extremamenteantidemocrático, amesquinhando a própria capacidade da política ordinária de se autocorrigir.É prudente que não se atribua a qualquer órgão, seja do Poder Judiciário, seja do PoderLegislativo, a faculdade de pronunciar, em solução de definitividade, a última palavrasobre o sentido da Constituição. Oportuno registrar que o próprio texto constitucionaldesafia esse entendimento: em primeiro lugar, os efeitos vinculantes das decisões proferidasem sede de controle abstrato de constitucionalidade não atingem o Poder Legislativo, a teor doart. 102, § 2º, e art. 103-A, de modo que é perfeitamente possível a edição de emendasconstitucionais ou leis ordinárias acerca do assunto objeto do pronunciamento judicial.Ademais, em segundo lugar, o dever de fundamentação das decisões judiciais, ex vi do art. 93,IX, da Constituição, impõe que o Supremo Tribunal Federal, mesmo nas hipóteses de correçãolegislativa de sua jurisprudência, enfrente a controvérsia à luz dos (novos) argumentosexpendidos pelo legislador para reverter o precedente. O ponto foi destacado, com maestria,pelos Professores Daniel Sarmento e Cláudio Pereira de Souza Neto:

    “(...) não é salutar atribuir a um único órgão qualquer a prerrogativa de dar aúltima palavra sobre o sentido da Constituição. (...). É preferível adotar-se ummodelo que não atribua a nenhuma instituição – nem do Judiciário, nem doLegislativo – o “direito de errar por último”, abrindo-se a permanentepossibilidade de correções recíprocas no campo da hermenêuticaconstitucional, com base na ideia de diálogo, em lugar da visão tradicional, queconcede a última palavra nessa área ao STF.

    (...)De igual modo, a própria concepção de limitação do poder, ínsita ao sistema de freios econtrapesos, milita em favor de uma pluralização dos intérpretes, e não de ummonopólio, do sentido da Constituição, concretizando a ideia de “sociedade aberta aosintérpretes da constituição”. (...) A interpretação e a concretização da Constituição,seguindo essa premissa, não podem ficar adstritas às Cortes, mas, em especial, devemser realizadas por meio de interações e diálogos entre os diversos atores da sociedade.Destarte, a interpretação do sentido e do alcance das disposições constitucionais não podeser vista como apanágio exclusivo do Supremo Tribunal Federal, em uma leitura anacrônica earrogante do princípio da separação de poderes. Ao revés, a interpretação constitucionalpassa por um processo de construção coordenada entre os poderes estatais –Legislativo, Executivo e Judiciário – e os diversos segmentos da sociedade civilorganizada, em um processo contínuo, ininterrupto e republicano, em que cada umdestes players contribui com suas capacidades específicas no embate dialógico, no afãde avançar os rumos da empreitada constitucional, sem se arvorar como intérpreteúnico e exclusivo da Carta da República e no aperfeiçoamento das instituiçõesdemocráticas.

    Partindo destas premissas, examino o presente caso. 2.Inconstitucionalidade material

    Com efeito, reproduzo o dispositivo questionado em questão:

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    Lei 9.504/97, Art. 96 (omissis)§ 11. As sanções aplicadas a candidato em razão do descumprimento de disposições destaLei não se estendem ao respectivo partido, mesmo na hipótese de esse ter sebeneficiado da conduta, salvo quando comprovada a sua participação. (Incluído pela Leinº 13.165, de 2015)

    Primeiramente, a colocação topográfica do parágrafo acima transcrito é altamente decriticável. O art. 96 da Lei n.º 9.504/97 contem basicamente disposições de natureza processualrelativo ao rito das representações. Já o § 11 contém uma norma de conteúdo de direito material semqualquer relação de pertinência temática com o dispositivo. Saliente-se que somente este motivo[atecnia legislativa] não constitui razão suficiente para o reconhecimento da sua inconstitucionalidade.

    (...)DIVERGENCIA ENTRE O CONTEUDO DA LEI E O ENUNCIADO CONSTANTE DE SUAEMENTA: A lei que veicula matéria estranha ao enunciado constante de sua ementa não ofende qualquerpostulado inscrito na Constituição e nem vulnera qualquer princípio inerente ao processolegislativo. Inexistência, no vigente sistema de direito constitucional positivo brasileiro, de regraidêntica a consagrada pelo art. 49 5 da revogada Constituição Federal de 1934.(ADI 1096 MC, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 16/03/1995,DJ 22-09-1995 PP-30589 EMENT VOL-01801-01 PP-00085)

    A primeira leitura do texto é a de que o Legislador estabeleceu uma espécie decláusula geral de exclusão da responsabilidade dos partidos por atos dos candidatos, salvo se ficarcomprovada a sua participação. O dispositivo foi colocado genericamente pelo legislador a indicar queseriam aplicáveis a todos os institutos do Direito Eleitoral sem qualquer exceção. É evidente/inequívocaa intenção do Legislador em excluir/diminuir a responsabilidade dos partidos políticos por atos de seuscandidatos no prélio eleitoral.

    O direito eleitoral não é amontoado caótico de normas, mas um sistema [ramo dodireito] contendo institutos, regras e princípios próprios, constituindo um verdadeiro regime jurídico,nos termos da lição de Celso Antônio Bandeira de Mello 6:

    Diz-se que há uma disciplina jurídica autônoma quando corresponde a um conjuntosistematizado de princípios e regras que lhe dão identidade, diferenciando-a das demaisramificações do Direito.Só se pode, portanto, falar em Direito Administrativo, no pressuposto de que existem princípiosque lhe são peculiares e que guardem entre si uma relação lógica de coerência e unidadecompondo um sistema ou regime: o regime jurídico-administrativo.

    O direito eleitoral envolve uma fase pré-eleitoral (antes da eleição) e eleitoral (durantea eleição) e pós-eleitoral [a questão da fidelidade partidária]. Disciplina diversas questões, tais comoalistamento de eleitores [domicílio eleitoral], filiação partidária, condições de elegibilidade e causas deinelegibilidade, propaganda político-eleitoral [partidária e eleitoral stricto sensu], prestação de contas

    5 Art 49 - Os projetos de lei serão apresentados com a respectiva ementa enunciando de forma sucinta o seu objetivo e não poderão conter matéria estranhaao seu enunciado.

    6 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 28ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 53

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    [do candidato e dos partidos], financiamento eleitoral e ilícitos eleitorais cíveis [abuso de poderpolítico/econômico/dos meios de comunicação, condutas vedadas e captação ilícita de sufrágio] e asrespectivas ações eleitorais [ação de investigação judicial eleitoral, ação de impugnação de mandatoeletivo, recurso contra a diplomação e representações] e delitos penais eleitorais. Contém princípiosque constituem emanações específicas de outros princípios: 1) igualdade de chances; 2) anualidadeeleitoral; 3) moralidade eleitoral e probidade dos mandatos.

    A meu ver, no sistema eleitoral brasileiro, não me parece compatível com aConstituição como um todo uma cláusula geral que pretenda desvincular a responsabilidade dopartido pelas ações do candidato, desconsiderando todo o contexto da seara eleitoral.

    Sobre o perfil institucional e atuação do partido político no processo eleitoral, destaco oensinamento do Ministro Celso de Mello 7:

    “É preciso não perder de perspectiva a circunstância de que a Constituição Federal, aodelinear os mecanismos de atuação do regime democrático e ao proclamar os postuladosbásicos concernentes às instituições partidária, consagrou, em seu texto, o próprio estatutojurídico dos partidos políticos, definindo princípios que, revestidos de estatura jurídicaincontrastável, fixam diretrizes normativas e instituem vetores condicionantes da organização efuncionamento das agremiações partidárias.A normação constitucional dos partidos políticos tem por objetivo, desse modo, regular edisciplinar em seus aspectos gerais, não só o processo de institucionalização destes corposintermediários, como também assegurar o acesso dos cidadãos ao exercício do poderestatal, na medida em que pertence às agremiações partidárias – e somente as estas – omonopólio das candidaturas aos cargos eletivos.As agremiações partidárias, como corpos intermediários que são, atuam como canaisinstitucionalizados de expressão dos anseios políticos e das reivindicações sociais dosdiversos estratos e correntes de pensamento que se manifestam no seio da comunhãonacional.A ação dos partidos políticos – que se dirige, na concepção weberiana, à conquista do poderestatal – é informada por um substrato doutrinário de que deriva o perfil ideológico queostentam.Os partidos políticos constituem, pois, instrumentos de ação democrática, destinados aassegurar a autenticidade do sistema representativo. Formam-se em decorrência do exercícioconcreto da liberdade de associação consagrada no texto constitucional. A importância jurídico-política das agremiações partidárias revela-se tão intensa que oordenamento positivo nacional, ao consagrar o princípio do monopólio partidário dascandidaturas, estabeleceu que a disputas dos cargos eletivos dar-se-á, apenas, através departidos políticos. Desse modo, somente candidatos registrados por Partidos podemconcorrer às eleições.É extremamente significativa a participação dos partidos políticos no processo depoder. As agremiações partidárias, cuja institucionalização jurídica é historicamente recente,atuam como corpos intermediários, posicionando-se, nessa particular condição, entre asociedade civil e a sociedade política. Os partidos políticos não são órgão do Estado e nem seacham incorporados ao aparelho estatal. Constituem, no entanto, entidades revestidas decaráter institucional, absolutamente indispensáveis à dinâmica do processo governamental, namedida em que, consoante registra a experiência constitucional comparada, ‘concorrem para aformação da vontade política do povo’ (v. art. 21, n. 1, da Lei Fundamental de Bonn).A essencialidade dos partidos políticos, no Estado de Direito, tanto mais se acentua quando setem em consideração que representam eles um instrumento decisivo na concretização doprincípio democrático e exprimem, na perspectiva do contexto histórico que conduziu à suaformação e institucionalização, um dos meios fundamentais no processo de legitimação dopoder estatal, na exata medida em que o Povo – fonte de que emana a soberania nacional –

    7 STF, ADI 1096 MC, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 16/03/1995, DJ 22-09-1995 PP-30589 EMENT VOL-01801-01 PP-00085

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    tem, nessas agremiações, o veículo necessário ao desempenho das funções de regênciapolítica do Estado”.

    Como visto, o partido é o elo fundamental entre a sociedade e o poder político, já quedetém o monopólio das candidaturas, não havendo espaço paras as candidaturas avulsas(desvinculadas do partido político).

    Basicamente somente pode ser candidato quem for filiado a um partido político e forescolhido pelo mesmo durante uma convenção partidária 8 [Art. 14, V da CF/88 c/c arts. 7º e 8º da Lein.º 9.504/97]. Em outras palavras, o candidato é lançado pelo partido político, ou seja, sob o seubeneplácito.

    Ao lançar determinado candidato, o partido submete o nome do seu candidato aoeleitorado, assumindo responsabilidade pelo mesmo. Em tese, o partido vai lançar um candidato querepresente os seus ideais e que, no seu entender, represente a melhor opção para o cargo em disputa.

    Ensina a doutrina:

    Nesse contexto, quatro aspectos precisam ser ressaltados. Em primeiro lugar, cabem aospartidos políticos, ao congregar pessoas com diferentes experiências, preparo e atuação,identificar os anseios sociais e promover a sua defesa. Outra importante função dos partidospolíticos é desenvolver políticas e programas governamentais para solucionar os problemasenfrentados pela atividade política (que envolvem aspectos econômicos, culturais, estruturaisetc., em diversas áreas como a da saúde, educação, segurança pública, previdência social,moradia, dentre outras). Assim, um candidato a um cargo público deve trazer ao debateeleitoral as soluções, pensadas pelos integrantes de seu partido politico, para asdiversas demandas sociais. Também é atribuição dos partidos políticos selecionar aspessoas mais preparadas para defender os interesses públicos e buscar solucioná-losconforme as políticas e programas governamentais elaborados por essas agremiações.Isto porque o direito brasileiro não admite candidaturas avulsas, isto é, que o candidato nãoesteja filiado a um partido (art. 14, § 3.º, V, da CF/1988), com exceção dos militares, enquantoem serviço ativo (arts. 14, § 8.º e 142, § 3.º, da CF/1988). Além disso, devem os partidospolíticos, em especial os que fazem oposição, fiscalizar, fazer críticas e apresentar alternativasaos posicionamentos sustentados pelo governo. 9

    Na mesma linha, discorre Aieta (2006) que é dever dos partidos oferecer à sociedade asmelhores opções de candidatos, em termos de capacidade, comprometimento e probidade,para apresentar e executar os programas partidários e cumprir o múnus da representaçãoeleitoral. Segundo ele:

    o partido, como depositário fiel da vontade do eleitorado, tem o dever moral einstitucional de, através de processos democráticos de escolha, apresentar àsociedade os candidatos escolhidos pelos participantes do partido, notadamente aspessoas mais comprometidas e de maior confiança da agremiação partidária (AIETA,2006, p. 87). 10

    8 Eleições 2012. Registro de candidatura. Escolha em convenção.1. A matéria atinente à validade de convenção partidária deve ser discutida nos autos do DRAP, e não nos dos registros individuais de candidatura.2. No pedido de registro individual, examina-se, tão somente, a aptidão do candidato, consistente na verificação do atendimento às condições de elegibilidadee de eventual ocorrência de causa de inelegibilidade.3. Não cabe à Justiça Eleitoral examinar os critérios internos pelos quais os partidos e coligações escolhem os candidatos que irão disputar aseleições.4. A escolha em convenção partidária constitui requisito indispensável ao deferimento do registro de candidatura.Agravo regimental a que se nega provimento.(Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 82196, Acórdão de 02/04/2013, Relator(a) Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 87, Data 10/05/2013, Página 28 )9 CAMBI, Eduardo; Oliveira, Priscila Sutil de. Crise da Democracia Representativa e Revitalização dos Partidos Políticos no Brasil. Revista dos Tribunais, vol.949, p. 39 – 67, Nov/2014.10 BRANDÃO, Guilherme. Responsabilidade de partidos políticos por atos de seus filiados. Revista Jus Navigandi, Teresina,ano 19, n. 4167, 28 nov. 2014. Disponível em: . Acesso em: 1 fev. 2017.

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    Tal forma de escolha gera um vínculo indissociável entre o candidato e seurespectivo partido político (a coligação não muda muito porque nada mais é do que um ajuntamentotransitório entre partidos para o lançamento de candidatos). No julgamento do ED-RO nº 445-45/MA 11,o Min. Henrique Neves da Silva afirmou que “A relação candidato-partido é obrigatória e, como afirmouo Ministro Carlos Ayres Britto no julgamento da Consulta n° 1.407, Res.-TSE n° 22.600, DJ de

    28.12.2007, ‘a essa obrigatoriedade de filiação partidária só pode corresponder a proibição de

    candidatura avulsa. Candidatura zumbi ou exclusivamente pessoal, pois a intercalação partidária se faz

    em caráter absoluto ou sem a menor exceção. O que revela a inserção dos partidos políticos nacompostura e no funcionamento do sistema representativo, na medida em que somente eles éque podem selecionar e emprestar suas legendas para todo e qualquer candidato a postopolítico eletivo. Candidatos deles, partidos (devido a que ninguém em particular é candidato desi mesmo)’”.

    Sobre a relação candidato e partido, destaco o seguinte precedente:

    EMENTA Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 9.504/97. Criação de partido político.Prazo mínimo de um ano de existência para que partidos possam concorrer em eleições.Constitucionalidade. Filiação partidária anterior como requisito de elegibilidade. Improcedência.1. A definição de limitações ao exercício das funções eleitorais pelos partidos políticos édecreto de ordem excepcional, ressalva feita àquelas condicionantes oriundas da ConstituiçãoFederal, a exemplo do art. 17 do Texto Magno. No caso do art. 4º da Lei nº 9.504/97, emborase estabeleça limitação consistente na exigência do prazo mínimo de um ano de existênciapara que partidos políticos possam concorrer em eleições, há excepcionalidade que justifica alimitação da ampla liberdade de atuação dos partidos políticos na seara eleitoral. A previsãoatacada encontra ligação estreita com a exigência constitucional da prévia filiação partidária,requisito de elegibilidade inscrito no art. 14, § 3º, V, da Constituição Federal. 2. A noção de elegibilidade (condição para o exercício regular do direito de candidatura)abarca o mandamento de que a satisfação dos seus requisitos, dentre os quais a filiaçãopartidária, deve ser atestada de maneira prévia ao pleito eleitoral. O prazo estabelecido nalegislação, muito embora não constitucionalizado, é fixado por delegação constitucional aolegislador ordinário. Tal prazo deve ser razoável o suficiente para a preparação da eleição pelaJustiça Eleitoral, albergando, ainda, tempo suficiente para a realização das convençõespartidárias e da propaganda eleitoral. Foi adotado como parâmetro temporal, no caso, ointerregno mínimo de um ano antes do pleito, em consonância com o marco da anualidadeestabelecido no art. 16 da Constituição Federal. 3. Feriria a coerência e a logicidade do sistema a permissão de que a legenda recém-criadafosse partícipe do pleito eleitoral mesmo inexistindo ao tempo do necessário implemento daexigência da prévia filiação partidária (requisito de elegibilidade). A relação dialógica entrepartido político e candidato é indissociável, em face da construção constitucional denosso processo eleitoral. 4. Ação julgada improcedente. 12

    Utilizando-se uma metáfora citada pelo Desembargador do TJSE, Dr. Edson Ulisses deMelo, de que a relação entre o candidato e o partido seria respectivamente de mão-luva, iria além paradizer a relação entre o candidato e o partido seria de unha e carne, dado que um não existe/vive

    11 Embargos de Declaração em Recurso Ordinário nº 44545, Acórdão de 03/10/2014, Relator(a) Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Publicação: PSESS -Publicado em Sessão, Data 03/10/201412 STF, ADI 1817, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 28/05/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-148 DIVULG 31-07-2014 PUBLIC01-08-2014

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    sem outro. Explico: para uma pessoa natural ser candidata é necessário ser filiada a um partido e paraum partido participar de uma eleição é necessário ter pessoas naturais filiadas em seus quadros, já queum partido não pode concorrer diretamente a eleição, mas somente por intermédio de pessoasnaturais. Ressalte-se que, após a eleição, “os representantes eleitos pelo eleitorado também sãorepresentantes do partido e não células autônomas de ação e responsabilidade. Assim, a ação dofiliado ao partido pode ser atribuída também ao seu mandante, ou seja, o partido político” 13

    Assim, a responsabilidade dos partidos políticos sobre os seus candidatos não ésomente política [lançar os candidatos e oferecer o seu apoio político], mas também jurídica. A escolhados candidatos pelos partidos políticos não se exaure com a convenção partidária. É necessário que oscandidatos possuam apoio político/jurídico do seu partido durante a eleição [os partidos mantenham oseu apoio], já que ao partido é permitido [detém a prerrogativa] a substituição dos candidatosescolhidos na convenção [ainda que sem a concordância dos mesmos 14] em determinadas hipóteses[for considerado inelegível ou tiver seu registro indeferido] e até mesmo a retirada da candidatura nocaso de expulsão dos quadros.

    Lei n.º 9.504/97, Art. 13. É facultado ao partido ou coligação substituir candidato que forconsiderado inelegível, renunciar ou falecer após o termo final do prazo do registro ou, ainda,tiver seu registro indeferido ou cancelado.

    Art. 14. Estão sujeitos ao cancelamento do registro os candidatos que, até a data da eleição,forem expulsos do partido, em processo no qual seja assegurada ampla defesa e sejamobservadas as normas estatutárias.Parágrafo único. O cancelamento do registro do candidato será decretado pela JustiçaEleitoral, após solicitação do partido.

    Sobre a atuação do partido político no prélio eleitoral, destaco o seguinte:21. Outra causa da dimensão institucional dos partidos políticos, percebe-se, reside na citadaintermediação de caráter subjetivo; ou seja, os partidos e suas eventuais coligações a secolocar de permeio entre os eleitores e os candidatados à ocupação de cargo de provimentoeletivo. Permeio ou intercalação que se materializa pela assunção de condutas deste naipe,assumidas indistintamente para a disputa de cargos sob o sistema proporcional ou sob oprincípio majoritário de eleição: filiação partidária; escolha dos candidatos em convenção;registro das candidaturas em unidade da Justiça Eleitoral; identificação dos concorrentes pelalegenda do partido; celebração de alianças; financiamento da campanha com recursos dofundo partidário; utilização dos espaços de rádio e de televisão para o fim de propaganda

    13 BRANDÃO, Guilherme. Responsabilidade de partidos políticos por atos de seus filiados. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 4167, 28 nov. 2014.Disponível em: . Acesso em: 1 fev. 2017. 14 Registro. Candidato a prefeito. Substituição. 1. De acordo com o art. 13 da Lei nº 9.504/97, o indeferimento do registro de candidato faculta ao partido ou coligação sua substituição, não estando essafaculdade condicionada à renúncia do candidato que teve o registro indeferido. 2. Não é necessária liminar que assegure ao substituto a condição de candidato à data da eleição, pois, nos termos do art. 43 da Res.-TSE nº 22.717/2008, ocandidato com registro indeferido pode concorrer na condição sub judice, ficando a validade de seus votos, assim como ocorre com o candidato originário,subordinada à obtenção posterior do registro. Agravo regimental provido.(Agravo Regimental em Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 35748, Acórdão de 06/05/2010, Relator(a) Min. FELIX FISCHER, Publicação:DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 12/08/2010, Página 69 RJTSE - Revista de jurisprudência do TSE, Volume 22, Tomo 1, Data 06/05/2010, Página124 ) EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO ORDINÁRIO. REGISTRO DE CANDIDATURA. SUBSTITUIÇÃO. PERDA DO INTERESSE. 1. O candidato substituído perde o interesse processual de discutir o requerimento do registro de sua candidatura quando, após a publicação da decisãocolegiada que o indefere, o partido ou a coligação opta pela apresentação de candidato substituto. 2. No sistema eleitoral brasileiro, não existe candidatura avulsa. Embargos de declaração não conhecidos.(Embargos de Declaração em Recurso Ordinário nº 44545, Acórdão de 03/10/2014, Relator(a) Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 03/10/2014 )

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    individual; endosso ou aval ético-ideológico-profissional de cada candidato assimpartidariamente disputante da preferência do eleitorado, pois se candidatar por um partido oucoligação é deles receber uma espécie de atestado de bons antecedentes, pureza depropósitos, apego a regras de disciplina e lealdade associativa, sólido compromisso com idéias(o perfil ideológico de cada candidato se conhece é pelo perfil ideológico do seupartido). 15

    Além de o partido ser fundamental para uma pessoa natural ser candidata, tem totalparticipação no pleito ao lado do candidato. Isto porque é conferida ampla legitimidade para ajuizardiversas demandas contra os demais participantes e terceiros, visando assegurar que os demaiscandidatos/partidos adversários respeitem as regras do processo eleitoral. Ressalte-se que, mesmosnos casos de ilícitos eleitorais [abuso de poder político/econômico/dos meios de comunicação,condutas vedadas e captação ilícita de sufrágio] em que os seus candidatos estão respondendo, ospartidos possuem legitimidade para intervir no feito como terceiros interessados em favor de seuscandidatos.

    Se o partido possui ampla participação no pleito, não se pode demitir/esquivar de suasresponsabilidades. É noção elementar que o Direito é composto de direito e deveres. A todo bônuscorresponde um ônus. Não se pode atribuir ao partido todas as prerrogativas no sentido de buscar apunição daqueles que violarem as regras do processo eleitoral e, em contrapartida, querer exclui-logenericamente de qualquer responsabilidade por atos praticados por seus candidatos. Haveria umevidente desequilíbrio entre direitos e deveres. É inerente ao regime republicano [princípio do Estadode Direito] que todos estão submetidos ao Direito e de que pessoa possa ser responsabilizada porseus atos próprios e de terceiros perante o ordenamento jurídico.

    Excluindo a seara penal em que a responsabilidade é pessoal, a Constituição nãoproíbe/nem veda que uma pessoa responda por atos de terceiros, desde que haja um vínculo/ligaçãoumbilical entre a pessoa e o terceiro. Pelo contrário, o legislador expressamente contemplou hipóteses,tais como no art. 932 do CC/02 16 e no art. 37, § 6º da CF/88 17. Ainda que não houvesse dispositivoexpresso neste sentido, a responsabilidade destas pessoas por atos de terceiros seria imanente aosistema, com base na culpa in vigilando ou culpa in vigilando in elegendo, casos de responsabilidadeindireta por atos de terceiros.

    No que concerne à atribuição de responsabilidade às pessoas jurídicas, cerne desse estudo,segundo o Código Civil de 2002, estas são responsabilizadas pelos atos ilícitos de seus

    15 CONSULTA. MANDATO. CARGO MAJORITÁRIO. PARTIDO. RESPOSTA AFIRMATIVA.(CONSULTA nº 1407, Resolução nº 22600 de 16/10/2007, Relator(a) Min. CARLOS AUGUSTO AYRES DE FREITAS BRITTO, Publicação: DJ - Diário de justiça, Data 28/12/2007, Página 1 )16 CC/02, Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes,moradores e educandos;V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.17 CF/88, Art. 37 (omissis), § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos queseus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

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    representantes. A falta de existência física não obsta a aplicação de sanções que atinjam opatrimônio dessas entidades (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2009). Nesse sentido, oCódigo Civil de 2002, nos artigos 186, 187 e 927, que prevêm a responsabilidade civil, não fazqualquer restrição à natureza jurídica das pessoas a quem se aplica.De toda forma, como as pessoas jurídicas não têm autonomia ou vontade própria, a relação decausalidade com o resultado é dado pelos atos de terceiros interpostos por essas entidades.Trata-se da responsabilidade civil indireta, por ato de terceiro.Segundo Gonçalves (2013), a responsabilidade solidária ou complexa seria atribuir a alguémas consequências de fato provocado por terceiro, em razão de algum liame complexo entre osagentes. Assim ocorre quando duas ou mais pessoas praticam o ato ilícito, ou quando oresponsabilizado de fiscalizar, vigiar ou guardar o terceiro que comete dano falha em seumister. Outro estudioso do tema, Coelho (2012) define a responsabilidade complexa como oscasos em que “a lei atribui a um sujeito de direito (responsável) o dever de indenizar os danosdevidos à ação culposa de outro (causador)” (COELHO, 2012, p.387).A responsabilidade por ato de terceiro se fundamenta basicamente em duas espécies deculpa: a) culpa in vigilando – aquela que decorre do ato de terceiro o qual alguém seresponsabiliza em vigiar, fiscalizar (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2009); e b) culpa ineligendo – aquela decorrente de uma má escolha (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2009).(...) A chamada culpa in vigilando é uma espécie de responsabilidade civil solidáriacaracterizada pela inobservância de um dever legal de supervisão. Esse dever legaldecorre diretamente da função primordial dos Partidos Políticos de apresentarcandidatos aos postos de poder da República e da sua titularidade dos mandatoseletivos (AIETA, 2006). 18

    Então, o que dizer da responsabilidade partido-candidatos se estão ligados por umvínculo indissociável? Guardando as devidas proporções, o que o legislador pretendeu fazer ao editar oart. 96, § 11 da Lei n.º 9.504/97 seria o equivalente dizer que: 1) o Estado não mais responderia poratos de seus agentes públicos nesta qualidade, salvo se ficasse comprovada uma omissão/comissãodireta; 2) a pessoa jurídica não responderia por atos de seus prepostos, mesmo que o ato diretamentelhe beneficiasse.

    O legislador não pode isentar genericamente o partido de sua responsabilidade sobreos seus próprios candidatos sem considerar o contexto em que a matéria está inserida[propaganda, prestação de contas e etc]. Isto porque não se pode dizer que o candidato seja umterceiro estranho ao partido de que dele não faça parte. Ao ser escolhido candidato por umdeterminado partido, o candidato representa em si uma parte do partido perante o eleitorado do cargoem disputa. A forma de um partido não assumir qualquer responsabilidade jurídica durante o prélioeleitoral é não lançar quaisquer candidatos e também não interferir numa disputa em curso.

    A partir destas premissas, entendo que há uma evidente violação a cláusula do devidoprocesso sob a perspectiva substancial. Pelo princípio do devido processo legal, aplicável a todos osatos do Estado, exige-se que, além do processo de elaboração das leis seja regular [obedeça ao ritopreviamente previsto na Constituição], a razoabilidade e senso de justiça do produto legislativo. Oprincípio da razoabilidade funciona como uma espécie de corretivo da lei quando ela for omissa,devendo-se, portanto, afastar motivos arbitrários ou caprichosos. Sobre o tema, destaco a lição do

    18 BRANDÃO, Guilherme. Responsabilidade de partidos políticos por atos de seus filiados. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 4167, 28 nov. 2014.Disponível em: . Acesso em: 1 fev. 2017.

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    Ministro Celso de Mello 19: “É preciso salientar, neste ponto, que a cláusula do devido processo legal – objeto de expressaproclamação pelo art. 5º, LIV da Constituição – deve ser entendida, na abrangência de suanoção conceituação, não só sob o aspecto meramente formal, que impõe restrições de caráterprocedimental à atuação do Poder Público, mas, sobretudo, em sua dimensão substantiva, queatua como decisivo obstáculo à edição de atos legislativos de conteúdo arbitrário.A essência do substantive due process of law reside, pois, na necessidade de proteger osdireitos e as liberdades das pessoas contra qualquer modalidade de legislação que se reveleopressiva ou destituída do necessário coeficiente de razoabilidade.Essa cláusula tutelar, ao neutralizar os efeitos prejudiciais decorrente do abuso do poderlegislativo, enfatiza a noção de que a prerrogativa outorgada à instância parlamentar constituiatribuição juridicamente limitada, ainda que o momento de abstrata instauração normativapossa repousar em juízo meramente político ou discricionário do legislador.Isso significa, dentro da perspectiva da extensão da teoria do desvio de poder ao plano dasatividades legislativas do Estado, que este não dispõe da competência para legislarilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável, gerando, com o seu comportamentoinstitucional, situações de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que regem odesempenho da função estatal.Daí, a advertência de CAIO TÁCIO (in DRP 100/11-12) – que, ao relembrar a lição de SANTIROMANO, destacou que a figura do desvio de poder legislativo impõe o reconhecimento deque, mesmo nas hipóteses de seu discricionário exercício, a atividade legislativa devedesenvolver-se em estrita relação de harmonia com o interesse público.Superado esse limite, e exteriorizando, a normal legal conteúdo tisnado pelo vício dairrazoabilidade, vem o legislador, em tal anômala situação, a incidir em causa configuradora doexcesso de poder, o que compromete – especialmente naquelas situações em que a lei sereduz à condição de deliberação estatal totalmente inexequível – a própria função jurídico-constitucional dessa espécie normativa”.

    Conforme já afirmei acima, “Malgrado o Legislativo possua ampla liberdade deconformação na concretização da Constituição [inovar originariamente na ordem jurídica], esta

    atividade não é ilimitada, sendo condicionada, principalmente, pelo texto e espírito constitucional,

    núcleo essencial dos direitos, pelos princípios da proporcionalidade/razoabilidade, os valores

    constitucionais subjacentes. Outro limite é que, na sua atividade de conformação, o legislador não

    pode alterar a realidade das coisas. Em síntese, o legislador pode muito, mas não pode tudo. É

    necessário distinguir o exercício legítimo do verdadeiro abuso de conformação. Constitui um equilíbrio

    delicado e ao mesmo tempo um verdadeiro exercício de sintonia fina. Se, de um lado, o legislador

    possui liberdade para originariamente na ordem jurídica, por outro lado, é assegurado ao Poder

    Judiciário controlar a sua atividade para que se contenha dentro dos limites legítimos” . Não é compatível/nem juridicamente saudável com o espírito da Constituição uma

    espécie de cláusula geral de [ir]responsabilidade do partido, considerando a suaessencialidade/participação para o regime representativo.

    Da forma como está sendo posta no dispositivo questionado [art. 96, § 11 da Lei n.º9.504/97], o partido político passaria a ser um ente amorfo, neutro, sem importância alguma,incompatível com as altas responsabilidades que assumiu ao lançar determinado candidato numaeleição.

    19 STF, ADI 1063 MC, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 18/05/1994, DJ 27-04-2001 PP-00057 EMENT VOL-02028-01 PP-00083 RTJ VOL-0178-1 PP-0002. P. 41/42.

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    A função fiscalizatória do partido é dupla: 1) externa - fiscalizar os demais partidos eseus respectivos candidatos; 2) interna - exercer a fiscalização sobre os seus próprios candidatos.

    O art. 96, § 11 da Lei n.º 9.504/97 não pode ser interpretado de maneira ampla. Aoconcorrer o candidato com os números, cores e sigla do partido e utilizando o espaço do partido norádio/televisão, é inequívoco que o partido é beneficiado, pois aquele candidato acaba projetando opartido. Existe uma relação simbiótica partido e candidato com benefícios mútuos. Ora, o partidoprojeta o seu apoio ao candidato como, a depender do caso, o candidato projeta o seu apoio aopartido. Some-se a isso o fato de que o partido tem o dever de exercer uma fiscalização sobre os seuscandidatos até mesmo para evitar que venham a ser responsabilizados.

    O partido tem o dever de exercer um filtro sob os seus candidatos, evitando-severdadeiros abusos no processo eleitoral, violadores do princípio da igualdade de chances doscandidatos e da moralidade eleitoral. Se o sistema jurídico-eleitoral isenta [exclui a responsabilidade] ospartidos do dever de fiscalizar as condutas de seus candidatos durante o período eleitoral, estesúltimos se sentirão livres para cometer os mais variados atos abusivos e ilícitos possíveis einimagináveis visando vencer uma eleição. Logo, o legislador não pode isentar completamente opartido da sua responsabilidade sobre os seus próprios candidatos. Da forma como proposta pelolegislador infraconstitucional, os partidos não tomariam conhecimento da campanha dos seuscandidatos, e, por conseguinte, não se comprometeriam com os resultados das condutas de seusfiliados.

    Além de contrariar a realidade, tal postura adotada pelo legislador viola a um só tempoo princípio da moralidade das eleições, já que, conforme afirmado alhures, os candidatos se sentirãolivres para cometer os mais variados atos abusivos e ilícitos, sendo que os partidos se beneficiaram detais comportamentos. Se é um princípio geral do direito “ninguém pode se beneficiar da própriatorpeza”, parece-me lógico que “ninguém pode se beneficiar da torpeza de terceiro que diretamente lhebeneficie”. Adotando uma metáfora, diria que a mensagem do partido para os seus candidatos seria aseguinte: “candidato, pode fazer o que quiser que não tomarei conhecimento porque, se você ganhar,está tudo bem”. Ressalte-se que é inevitável que o partido se beneficia quando o seu candidato éeleito, na medida em que aumenta a sua quota parte do fundo partidário e lhe garante um tempo maiorno horário reservado à propaganda político-partidária (direito de antena). Além do que o partido queelege bancadas consideráveis, acaba por atrair novos filiados, aumentando, assim, o seu capitalpolítico.

    Deste modo, o legislador não pode atuar abusivamente desconsiderando toda arealidade subjacente no sentido de excluir/isentar a responsabilidade do partidor político durante oprélio eleitoral, circunscrevendo o campo das ilicitudes exclusivamente aos candidatos, como se os

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    partidos não tivessem qualquer participação.Isto não significa que o partido político deva ser responsabilizado por todo e qualquer

    ato do seu candidato. A responsabilidade ou não do partido político deve ser apurado dentro dasespecificidades de cada instituto, considerando o seu grau de participação, a compatibilidade dasanção prevista e aplicável e observando a proporcionalidade da medida para que não prejudiquedemasiadamente a esfera de terceiros [demais filiados do partido].

    Por exemplo, tratando-se de ilícitos eleitorais mais graves praticados pelos candidatosem que pode ocasionar a cassação do registro/diploma do candidato (abuso de podereconômico/político, conduta vedada e captação ilícita de sufrágio), não haveria proporcionalidade deque, condenado determinado candidato com sanção de inelegibilidade, os partidos fossem alijados dospleitos futuros [inelegibilidade do partido], já que a sanção acabaria atingindo os demais filiados quenão participaram daquela eleição em que foi praticada o ilícito.

    Não se faz um sistema melhor do ponto de vista da razoabilidade/moralidade doseleitos quando o legislador tenta diminuir/isentar a responsabilidade dos partidos sobre os seuscandidatos. Não se pode admitir que os partidos funcionem como círculos de poder imunes ao controlejurisdicional, principalmente quando a conduta do candidato estiver diretamente relacionada com oprélio eleitoral.

    Analisando o objetivo do texto [diminuição da responsabilidade], não se verificaqualquer fim legítimo na adoção de tal premissa que acaba subvertendo o processo eleitoral. Olegislador deve buscar o interesse público nas soluções das questões e não por motivos pessoais.Neste passo, não se pode ignorar que a presente regra acaba por beneficiar o órgão partidário queescolheu determinado candidato e seus respectivos dirigentes partidários 20. Embora o legisladorpossua liberdade de conformação [legitimidade democrática para escolher os meios que reputaradequados para a consecução de determinados objetivos, desde que eles não lhe sejam vedados pelaConstituição nem violem a proporcionalidade], não se pode adotar regulações irrazoáveis. Ao tentarisentar o partido político de responsabilidades, o legislador acaba por eclodir/erodir o sistema deimputabilidade, uma vez que a agremiação tem participação fundamental antes, durante e depois dopleito; não sendo uma pessoa alheia a todo o processo eleitoral. Há um certo amesquinhamento dafunção do partido político e de suas responsabilidades.

    Nesse sentido, transcrevo trechos do parecer ministerial, os quais adoto como razões,

    20 “Porém, tem-se que destacar que a sociedade brasileira não possui uma cultura de reconhecimento da importância dos partidos políticos. Isso ocorreporque a grande maioria dessas agremiações não cumpre, adequadamente, com as suas funções, porque a experiência partidária brasileira é caracterizadapelo caciquismo, pelo individualismo e pelo clientelismo.53Os partidos políticos brasileiros, em regra, não são, internamente, democráticos. Muitos são tratados como verdadeiras propriedades privadas de seusdirigentes que fazem prevalecer os seus próprios interesses, de cima para baixo, ao invés de disseminar os programas partidários.54 Em razão dessacaracterística, predomina o individualismo, que faz com que pessoas ou grupos acabem por buscar satisfazer os seus próprios anseios, ao invés do partidopolítico funcionar para buscar soluções consensuais para as demandas sociais”.(CAMBI, Eduardo; Oliveira, Priscila Sutil de. Crise da Democracia Representativa e Revitalização dos Partidos Políticos no Brasil. Revista dos Tribunais, vol.949, p. 39 – 67, Nov/2014).

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    também, para decidir:[...]

    8. Não é demais estabelecer que, como pessoas jurídicas, os partidos não têm autonomia ouvontade própria, razão pela qual a relação de causalidade com o resultado é dada pelos atosde terceiros interpostos por essas entidades. Trata-se da responsabilidade civil indireta, porato de terceiro, ou seja, dos seus representantes, nestes incluindo-se não só aqueles quecompõe a diretoria (presidente, secretários etc) como também os candidatos.[...]17. Usando-se da mesma lógica, o partido deve responder por omissão específica,decorrente da má escolha e pela ausência de fiscalização e zelo da propaganda eleitoraldesenvolvida por seu filiado, que, se mal utilizada, desequilibra a disputa eleitoral (ocandidato transgressor, por se valer de meio vedado, leva vantagem sobre aquele quenão o utilizou) e leva o próprio partido a ser beneficiado com o “ganho” de um mandato.18. Não pode o partido, simplesmente, “lavar as mãos” no momento da escolha do seucandidato. Ao invés, as agremiações devem oferecer à sociedade as melhores opções derepresentantes, em termos de capacidade, comprometimento, probidade e, também, norespeito às normas que garantem o regime democrático brasileiro (in casu, a legislaçãoeleitoral). [...]20. Assim, e eximindo-se o partido da responsabilidade pela propaganda desenvolvidapor seu filiado/candidato, gerará a esdrúxula situação de favorecimento decorrente dasua própria torpeza: o partido escolheu seus candidatos (responsabilidade completapela indicação do nome), sem necessidade de orientação e fiscalização da suapropaganda eleitoral (afastamento da responsabilidade civil por omissão específica) e,ao final, ainda é favorecida (acaso eleito, evidentemente) com o mandato conseguido (omandato pertence ao partido – melhor analisado na sequência).[...]24. Vale destacar que o desempenho dos candidatos trazem para o seu partido i. tempo detelevisão na propaganda eleitoral (art. 47, §2º, I e II21 e §3º da Lei nº 9.504/97); ii. espaço natelevisão para inserções (art. 49 da Lei 9.096/9522); iii. percentuais que receberão a título deFundo Partidário (art. 41-A, da Lei 9.096/9523), dentre tantos. 25. Questiona-se: mesmo sendo o sustentáculo de um partido seus candidatos (escolhidospela própria agremiação), os atos praticados por estes não devem lhe trazer nenhumaconsequência (o partido deveria ficar apenas com o bônus)?26. O que se conclui, portanto, é que o partido político é o verdadeiro protagonista dosistema político, de sorte que os representantes eleitos também são representantes dopartido e não células autônomas de ação e responsabilidade. Assim, a ação do filiado aopartido pode e deve ser atribuída também ao seu mandante, ou seja, o partido político.

    21, a representação de cada partido na Câmara dos Deputados é a resultante da eleição. (Redação dada pela Lei nº 11.300, de 2006)22 Art. 49. Os partidos com pelo menos um representante em qualquer das Casas do Congresso Nacional têm assegurados os seguintes direitos relacionados à propaganda partidária: (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)

    I - a realização de um programa a cada semestre, em cadeia nacional, com duração de: (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)

    a) cinco minutos cada, para os partidos que tenham eleito até quatro Deputados Federais; (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015) b) dez minutos cada, para os partidos que tenham eleito cinco ou mais Deputados Federais; (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

    II – a utilização, por semestre, para inserções de trinta segundos ou um minuto, nas redes nacionais, e de igual tempo nas emissoras estaduais, do tempo total de: (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)

    a) dez minutos, para os partidos que tenham eleito até nove Deputados Federais; (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)b) vinte minutos, para os partidos que tenham eleito dez ou mais deputados federais. (Incluído pela Lei nº 13.165, de

    2015)23 Art. 49. Os partidos com pelo menos um representante em qualquer das Casas do Congresso Nacional têm assegurados os seguintes direitos relacionados à propaganda partidária: (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)

    I - a realização de um programa a cada semestre, em cadeia nacional, com duração de: (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)

    a) cinco minutos cada, para os partidos que tenham eleito até quatro Deputados Federais; (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

    b) dez minutos cada, para os partidos que tenham eleito cinco ou mais Deputados Federais; (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

    II - a utilização, por semestre, para inserções de trinta segundos ou um minuto, nas redes nacionais, e de igual tempo nas emissoras estaduais, do tempo total de: (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)

    a) dez minutos, para os partidos que tenham eleito até nove Deputados Federais; (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)b) vinte minutos, para os partidos que tenham eleito dez ou mais deputados federais. (Incluído pela Lei nº 13.165, de

    2015)

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    Em resumo, tal dispositivo viola diversos preceitos constitucionais: 1) violação doprincípio do Estado de Direito, na qual todos – governantes e governados – estão submetidos à lei eà jurisdição; 2) violação ao princípio da moralidade das eleições, já que os candidatos se sentirãolivres para cometer os atos mais abusivos e ilícitos, sendo que os partidos se beneficiaram de taiscomportamentos; 3) violação ao princípio da razoabilidade (devido processo legal substancial)porque desconsidera o que normalmente acontece [a existência de abusos praticados por candidatos,o papel institucional dos partidos políticos, a responsabilidade jurídica e seu papel fiscalizatório], aausência de fim legítimo da legislação; 4) violação implícita ao princípio da prévia filiaçãopartidária [art. 14, § 3º, V da CF/88], visto que, à semelhança da proibição de candidatura avulsa, nãoé possível propaganda eleitoral avulsa, ou seja, a realizada pelo candidato completamentedesvinculada do seu respectivo partido/coligação.

    Eminentes pares, se todos os argumentos acima não forem suficientes, por si só, paraconduzir ao reconhecimento incidental de inconstitucionalidade do art. 96, § 11 da Lei n.º 9.504/97,introduzido pela Lei n.º 13.165/15, entendo que deve ocorrer a interpretação conforme para excluir asua aplicação ao campo da propaganda eleitoral pelas razões a seguir expostas. Ressalte-se que nãohá qualquer contradição/incompatibilidade entre as proposições adotadas neste voto, já que a questãomaior [inconstitucionalidade do art. 96, § 11 da Lei n.º 9.504/97] abrangeria/conteria a questão menor[interpretação conforme do art. 96, § 11 da Lei n.º 9.504/97 ].

    3.Interpretação conforme para reconhecer a inaplicabilidade do art. 96, § 11 no âmbitoda propaganda eleitoral.

    O controle de constitucionalidade é uma modalidade de interpretação e aplicação daConstituição. Independentemente de outras especulações, há consenso de que cabe ao Judiciáriopronunciar a invalidade dos enunciados normativos incompatíveis com o texto constitucional,paralisando-lhes a eficácia. De outra parte, na linha do conhecimento convencional, a ele não caberiainovar na ordem jurídica, criando comando até então inexistente. Em outras palavras: o Judiciárioestaria autorizado a invalidar um ato do Legislativo, mas não a substituí-lo por um ato de vontadeprópria [24].

    Pois bem. As modernas técnicas de interpretação constitucional – como é o caso dainterpretação conforme a Constituição – continuam vinculadas a esse pressuposto, ao qual agregam

    24 Nesse sentido, v. STF, DJU 15 abr. 1988, Rp 1.417-DF, Rel. Min. Moreira Alves: "Ao declarar a inconstitucionalidade de uma lei em tese, o STF – em suafunção de Corte Constitucional – atua como legislador negativo, mas não tem o poder de agir como legislador positivo, para criar norma jurídica diversa dainstituída pelo Poder Legislativo". Passa-se ao largo, nesta instância, da discussão mais minuciosa do tema, que abriga inúmeras complexidades, inclusivee notadamente em razão do reconhecimento de que juízes e tribunais, em múltiplas situações, desempenham uma atividade de co-participação na criaçãoda norma.

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    um elemento inexorável. A interpretação jurídica dificilmente é unívoca, seja porque um mesmoenunciado, ao incidir sobre diferentes circunstâncias de fato, pode produzir normas diversas [25], sejaporque, mesmo em tese, um enunciado pode admitir várias interpretações, em razão da polissemia deseus termos. A interpretação conforme a Constituição, portanto, pode envolver (i) uma singeladeterminação de sentido da norma, (ii) sua não incidência a uma determinada situação de fato ou (iii) aexclusão, por inconstitucional, de uma das normas que podem ser extraídas do texto. Em qualquer doscasos, não há declaração de inconstitucionalidade do enunciado normativo, permanecendo a norma noordenamento. Por esse mecanismo se reconciliam o princípio da supremacia da Constituição e oprincípio da presunção de constitucionalidade. Naturalmente, o limite de tal interpretação está naspossibilidades semânticas do texto normativo [26].

    Nesse mister e com o fito de bem dirimir a questão posta a exame, trago a lume oconceito de propaganda eleitoral, conforme definido na obra Curso de Direito Eleitoral de autoria deEdson Resende de Castro, verbis:

    “Para o eleitoralista Fávila Ribeiro, ‘a propaganda é um conjunto de técnicas empregadas parasugestionar pessoas na tomada de decisão’. Segundo Vera Maria Nunes Michels, ‘propagandaeleitoral é toda ação destinada ao convencimento do eleitor para angariar votos’. (2016, p. 249)(grifei).

    Em suma, a propaganda visa convencer o eleitorado de que o candidato integrante deum partido é a melhor opção para o cargo em disputa.

    Conforme já afirmado acima, o vínculo partido-candidato é indissociável e isto fica maisevidente no campo da propaganda eleitoral. À semelhança da proibição de candidatura avulsa, não épossível propaganda avulsa, já que, como foi dito acima, não se pode desvincular o candidato do seurespectivo partido/coligação.

    No entender de José Jairo Gomes 27, um dos princípios aplicáveis à propagandapolítica é o da responsabilidade:

    Responsabilidade - a responsabilidade pela propaganda deve sempre ser atribuída a alguém.Em princípio, é carreada ao candidato, partido e coligação, que respondem civil, administrativae criminalmente pelo seu teor e pelos excessos ocorridos. Eventualmente, o veículo e o agenteda comunicação também podem ser responsabilizados. A esse respeito, o artigo 241 do

    25 A doutrina mais moderna tem traçado uma distinção entre enunciado normativo e norma, baseada na premissa de que não há interpretação em abstrato.Enunciado normativo é o texto, o relato contido no dispositivo constitucional ou legal. Norma, por sua vez, é o produto da aplicação do enunciado a umadeterminada situação, isto é, a concretização do enunciado. De um mesmo enunciado é possível extrair diversas normas. Por exemplo: do enunciado doart. 5º, LXIII da Constituição – o preso tem direito de permanecer calado – extraem-se normas diversas, inclusive as que asseguram o direito à não auto-incriminação ao interrogado em geral (STF, DJU 14 dez. 2001, HC 80.949, Rel. Min. Sepúlveda Pertence) e até ao depoente em CPI (STF, DJU 16 fev.2001, HC 79.812, Rel. Min. Celso de Mello). Sobre o tema, v. Karl Larenz, Metodologia da ciência do direito, 1969, p. 270 e ss.; Friedrich Müller, Métodosde trabalho do direito constitucional, Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, Edição especial comemorativa dos 50 anos da Lei Fundamental daRepública Federal da Alemanha, 1999, p. 45 e ss.; Riccardo Guastini, Distinguendo. Studi di teoria e metateoria del diritto, 1996, p. 82-3; e Humberto Ávila,Teoria dos princípios, 2003, p. 13.

    26 Na jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão: “Ao juiz não é permitido mediante ‘interpretação conforme a Constituição’ dar um significadodiferente a uma lei cujo teor e sentido resulta evidente” (1 BvL 149 52-33, 11 jun. 1958); na do Supremo Tribunal Federal brasileiro: “se a únicainterpretação possível para compatibilizar a norma com a Constituição contrariar o sentido inequívoco que o Poder Legislativo lhe pretendeu dar, não sepode aplicar o princípio da interpretação conforme a Constituição, que implicaria, em verdade, criação de norma jurídica, o que é privativo do legisladorpositivo” (STF, DJU 15 abr. 1988, Rp 1.417-7/DF, Rel. Min. Moreira Alves).

    27 Direito Eleitoral. 12ª ed. São Paulo: Atlas, 2016. p.417

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    Código Eleitoral estabelece o princípio da solidariedade, pelo que: "Toda propaganda eleitoralserá realizada sob a responsabilidade dos partidos e por eles paga, imputando-lhes asolidariedade nos excessos praticados pelos seus candidato e adeptos.

    Consoante Guilherme Brandão, “O citado artigo ilustra o Princípio da ResponsabilidadeSolidária entre o partido e o candidato (Ramayana, 2010). Tal princípio traduz justamente o

    compartilhamento com o partido da responsabilidade por atos inadequados do candidato. Paraaplicação do princípio, considera-se que a votação em um candidato, no Brasil, corresponde adois votos: na pessoa e, primeiramente, na legenda. Assim, fica a legenda responsabilizada pelaconduta irregular da pessoa eleita. Busca-se, assim, maior eficiência na repressão da propaganda

    eleitoral”. 28.O art. 96, § 11 da Lei n.º 9.504/97 não pode ser interpretado de maneira ampla. Ao

    concorrer na eleição o candidato o faz, sob o número e da legenda do partido (art.242, do CE c/c art.6º,da Resolução TSE nº 23.457/2015); utiliza-se do espaço que o partido dispõe no rádio/televisão (direitode antena - previsto no art.17, §3º, da CF/88 c/c art.44, da Lei nº 9.504/97); recebe financiamento decampanha [parcial ou totalmente] pelo partido através de recursos do fundo partidário (art. 20 da Lei n.º9.504/97), cujos recursos são utilizados na propaganda eleitoral e demais gastos de campanha.

    Se a propaganda do candidato ocorre sob o pálio do partido político, parece plenamenteconsentâneo com o texto/espírito da Constituição a solidariedade entre partido e candidato. Nessaseara, o entendimento tradicional é de que existe uma solidariedade entre candidato e partido quanto ainfração e não quanto ao seu valor.

    A propósito, transcrevo a evolução legislativa sobre a matéria até a edição da Lei nº13.165/2015, registrado no voto da eminente Juíza Denize Barros Figueiredo, no RE 342-92.2016:

    [...] Cumpre salientar, quanto a este aspecto, que, antes de 2013, a matéria seguia apenas odisposto no art. 241 do Código Eleitoral, que tem a seguinte redação: “Toda propagandaeleitoral será realizada sob a responsabilidade dos partidos e por eles paga, imputando-lhes solidariedade nos excessos praticados pelos seus candidatos e adeptos.” [grifei]

    8 Sobre o assunto, dizia o TSE: "nos termos do art.8 8 2418 8 do8 8 Código Eleitoral, ospartidos políticos respondem solidariamente pelos excessos praticados por seus candidatose adeptos no que tange à propaganda eleitoral, regra que objetiva assegurar o cumprimentoda legislação eleitoral, obrigando as agremiações a fiscalizar seus candidatos e filiados"(AgR-AI n. 385447, Rel. Min. Arnaldo Versini, DJe 10.5.2011).

    Importante mencionar que, embora o citado artigo se referia apenas à responsabilidade dospartidos políticos, entendia-se que a sanção também alcançava as coligações, a teor dodisposto no art. 6º, § 1º, da Lei nº 9.504/978 298 , como se constata no seguinte excerto dedecisão:

    Essa responsabilidade fica evidente na disposição do art. 241 do Código Eleitoral, segundo28 BRANDÃO, Guilherme. Responsabilidade de partidos políticos por atos de seus filiados. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 4167, 28 nov. 2014. Disponível em: . Acesso em: 1 fev. 2017.29 Art. 6º É facultado aos partidos políticos, dentro da mesma circunscrição, celebrar coligações para eleição majoritária, proporcional, ou para ambas,podendo, neste último caso, formar-se mais de uma coligação para a eleição proporcional dentre os partidos que integram a coligação para o pleitomajoritário.§ 1º A coligação terá denominação própria, que poderá ser a junção de todas as siglas dos partidos que a integram, sendo a ela atribuídas as prerrogativas eobrigações de partido político no que se refere ao processo eleitoral, e devendo funcionar como um só partido no relacionamento com a Justiça Eleitoral e notrato dos interesses interpartidários.

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    o qual toda a propaganda eleitoral será realizada sob a responsabilidade dos partidos e poreles paga, imputando-se-lhes solidariedade nos excessos praticados pelos seus candidatose adeptos, 8 norma igualmente aplicável às coligações, que, aliás, funcionam como umsó partido no seu relacionamento com a Justiça Eleitoral e no tocante aos interessesinterpartidários8 (art.8 8 6º,8 8 § 1º, da Lei n.8 8 9.504/97). (TSE - AI:16085420146210000 Porto Alegre/RS 340962014, Relator: Min. Gilmar Ferreira Mendes,Data de Julgamento: 29/06/2015, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico -09/09/2015 - Página 9-12). [grifei]

    Como se observa, aplicava-se a multa aos partidos, ou coligações, juntamente com oscandidatos, valendo-se da responsabilidade solidária objetiva, já que não se perquiriaacerca da efetiva participação daqueles entes políticos na realização da publicidadeconsiderada irregular. Todavia, com a edição da Lei nº 12.891/2013, que incluiu o parágrafo único no mencionadodispositivo, limitou-se a aplicação da multa apenas aos candidatos e seus respectivos partidospolíticos. Isso porque, de acordo com o dispositivo, “A solidariedade prevista neste artigo érestrita aos candidatos e aos respectivos partidos, não alcançando outros partidos,mesmo quando integrantes de uma mesma coligação.”[grifei][...]

    Mesmo com o advento do art. 96, §11, da Lei nº 9.504/97, não foi intenção do legisladorexcluir a solidariedade entre partido e candidato no campo da propaganda. Basta observar que, emque pese a introdução do referido artigo, o legislador manteve intacto o art. 241 do Código Eleitoral e oart. 6º, §5º, da Lei nº 9.504/97, ambos tratando da responsabilidade solidária pelo pagamento dasmultas decorrentes de propaganda eleitoral ilícita, e também, nesse sentido, o art. 38 da Lei nº9.504/97, que preconiza que a propaganda eleitoral por meio da distribuição de folhetos, adesivos,volantes e outros impressos devem ser editados sob a responsabilidade do partido, coligação oucandidato. Não se pode dizer que foi um simples cochilo do legislador, já que o mesmo modificoudispositivo inserido no capítulo da propaganda do Código Eleitoral (art. 240, do CE). Se a intenção dolegislador fosse inovar completamente na ordem jurídica, alterando as bases da solidariedade entrecandidato-partido no âmbito da propaganda, deveria ter expressamente revogado os dispositivos acimacitados [art. 241 do Código Eleitoral e os arts.6º, §5º, e 38, da Lei nº 9.504/97]. Confira os dispositivosabaixo citados:

    Lei 4.737/65 (Código Eleitoral)Art. 241. Toda propaganda eleitoral será realizada sob a responsabilidade dos partidos e poreles paga, imputando-lhes solidariedade nos excessos praticados pelos seus candidatos eadeptos.Parágrafo único. A solidariedade prevista neste artigo é restrita aos candidatos e aosrespectivos partidos, não alcançando outros partidos, mesmo quando integrantes de umamesma coligação. (Incluído pela Lei nº 12.891, de 2013)

    Lei nº 9.504/97Art. 6º É facultado aos partidos políticos, dentro da mesma circunscrição, celebrar coligaçõespara eleição majoritária, proporcional, ou para ambas, podendo, neste último caso, formar-semais de uma coligação para a eleição proporcional dentre os partidos que integram a coligaçãopara o pleito majoritário.

    [...]§ 5o A responsabilidade pelo pagamento de multas decorrentes de propaganda eleitoral ésolidária entre os candidatos e os respectivos partidos, não alcançando outros partidos mesmoquando integrantes de uma mesma coligação. (Incluído pela Lei nº 12.891, de 2013)

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    Art. 38. Independe da obtenção de licença municipal e de autorização da Justiça Eleitoral aveiculação de propaganda eleitoral pela distribuição de folhetos, adesivos, volantes e outrosimpressos, os quais devem ser editados sob a responsabilidade do partido, coligação oucandidato.(Redação dada pela Lei nº 12.891, de 2013)

    Mesmo com o advento da inclusão do art. 96, §11, da Lei nº 9.504/97, o TSE editou aResolução nº 23.457/2015, que dispõe sobre propaganda eleitoral, utilização e geração do horáriogratuito e condutas ilícitas em campanha eleitoral nas eleições de 2016, mantendo o entendimento deque a propaganda ocorre sobre a responsabilidade do partido e do candidato conforme os dispositivosabaixo transcritos:

    Art. 6º A propaganda, qualquer que seja sua forma ou modalidade, mencionará sempre alegenda partidária e só poderá ser feita em língua nacional, não devendo empregar meiospublicitários destinados a criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionaisou passionais (Código Eleitoral, art. 242 e Lei nº 10.436/2002, arts. 1º e 2º).

    Art. 16. Independe da obtenção de licença municipal e de autorização da Justiça Eleitoral aveiculação de propaganda eleitoral pela distribuição de folhetos, adesivos, volantes e outrosimpressos, os quais devem ser editados sob a responsabilidade do partido político, dacoligação ou do candidato, sendo-lhes facultada, inclusive, a impressão em braille dosmesmos conteúdos, quando assim demandados (Lei nº 9.504/1997, art. 38, e Convençãosobre os Direitos das Pessoas com Deficiência – Decreto nº 6.949/2009, arts. 9º, 21 e 29).

    Art. 29. A requerimento do Ministério Público, de candidato, de partido ou de coligação,observado o rito previsto no art. 96 da Lei nº 9.504/1997, a Justiça Eleitoral poderá determinara suspensão, por vinte e quatro horas, do acesso a todo conteúdo informativo dos sítios daInternet que deixarem de cumprir as disposições da Lei nº 9.504/1997 (Lei nº 9.504/1997, art.57-I; e Constituição Federal, art. 127).

    Art. 36. A propaganda eleitoral no rádio e na televisão se restringirá ao horário gratuito definidonesta resolução, vedada a veiculação de propaganda paga, respondendo o candidato, opartido político e a coligação pelo seu conteúdo (Lei nº 9.504/1997, art. 44).

    Art. 46. As mídias apresentadas deverão ser individuais, delas constando apenas uma peça depropaganda eleitoral, seja ela destinada a bloco ou a modalidade de inserções, e deverão sergravadas e apresentadas em meio de armazenamento compatível com as condições técnicasda emissora geradora. (...)§ 2º Em cada mídia o partido político ou a coligação deverá incluir a claquete, da qualdeverão estar registradas as informações constantes nos incisos I a IV do caput do art.44, que servirão para controle interno da emissora, não devendo ser veiculadas oucomputadas no tempo reservado para o programa eleitoral.

    Art. 47. As mídias serão entregues nas emissoras por meio de formulário em modeloestabelecido no Anexo IV, em duas vias, sendo uma para recibo. § 1º As mídias deverão estar identificadas no lado externo, com o nome do partidopolítico ou da coligação, o título da propaganda, o tempo de exibição, a referênciaalfanumérica, a data e o período de veiculação e o município ao qual se destinam; essasinformações deverão coincidir com as constantes no formulário de entrega, bem como com asda claquete que deverá ser gravada antes da propaganda.

    Art. 100. Aos partidos políticos e às coligações é assegurada a prioridade postal a partir de 3de agosto de 2016, para a remessa de material de propaganda de seus candidatos (CódigoEleitoral, art. 239).

    No exercício de sua liberdade de conformação [legitimidade democrática para escolheros meios que reputar adequados para a consecução de determinados objetivos, desde que eles não

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    lhe sejam vedados pela Constituição nem violem a proporcionalidade], o legislador pode restringir ouampliar determinado meio de propaganda, assim como ele pode restringir a responsabilidade dacoligação para incidir somente sobre o candidato e o partido pelo qual concorre (art. 241, parágrafoúnico, do CE, c/c art.6º, §5º, da Lei das Eleições), mas não pode chegar ao limite de excluir aresponsabilidade solidária entre partido e candidato.

    Para fins de responsabilização do candidato, faz-se necessário que a propagandabeneficie o candidato e que tenha o prévio-conhecimento. Considerando a celeridade do rito darepresentação previsto no art. 96 da Lei n.º 9.504/97 com a necessidade de prova pré-constituída -demonstrar a efetiva participação da agremiação no ato tido por ilícito -, torna a norma de difícilconcreção para fins de responsabilização do partido para não dizer praticamente impossível. Ressalte-se que: 1) o partido é uma pessoa jurídica e, como tal, não possui uma existência própria, sendo queos atos dos seus representantes lhe são imputáveis; 2) ao ser escolhido candidato por umdeterminado partido, o candidato representa em si uma parte do partido perante o eleitorado do cargoem disputa.

    A conclusão que se chega é a de que o §11, do art.96, da Lei nº 9.504/97, não alterou asolidariedade entre o partido e o candidato no campo da propaganda.

    Assim, é possível se conferir interpretação conforme no sentido de que o §11, doart.96, da Lei nº 9.504/97, não alterou a solidariedade entre o partido e o candidato no campo dapropaganda política.

    Por todo exposto, suscito a presente questão de ordem no sentido de reconhecer,incidentalmente, a inconstitucionalidade do art.96, §11, da Lei nº 9.504/97 e, subsidiariamente, conferirinterpretação conforme no sentido de sentido de que o §11, do art. 96, da Lei nº 9.504/97 não alterou asolidariedade entre o partido e o candidato no campo da propaganda política.

    É como voto.

    JUÍZ FÁBIO CORDEIRO DE LIMA

    Documento assinado eletronicamente por FÁBIO CORDEIRO DE LIMA, Membro, em 16/02/2017, às 17:56, conforme art. 1º, III, "b", da Lei 11.419/2016.

    A autenticidade do documento pode ser conferido no site https://apps.tre-se.jus.br/iplenoInternet/validador.xhtml informando o código verificador 32039 e o código CRC 336137323.