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o LEGADO POÉTICO DE CHARLES NODIER RESUMO Josilene Pinheiro Mariz' Este trabalho destaca a obra de um dos maiores autores franceses do séculoXlX. Anuncia-sea fortemarcade CharlesNodier paraa literatura fantástica, bem como a influência que ele sofreu de grandes escritores estrangeiroscomo Goethe, Hoffinann, Byron, Shakespeare.Entretanto, vê-se também como ele influenciou Victor Hugo, o maior romântico francês, e Gérard de Nerval. E por fim vê-se de que maneira ele foi importante para a literatura fantástica na França e no mundo. Palavras-chave: Charles Nodier; Shakespeare; Victor Hugo; Conto fantástico. ABSTRACT This study focuses on the work of one the greatest writers of the nineteenth century. It intends to demonstrate on one hand the real importance of Charles Nodier in the fantastic literature and on the other hand how he was influenced by great foreign writers like Goethe, Hoffman, Byron and Shakespeare. It also shows how he influenced Victor Hugo, the greatest French romantic and Gérard de Nerval. At last it looks on the importance of Charles Nodier for the fantastic literature in France and the rest ofthe world. Kcywords: Charles Nodier; Shakespeare; Victor Hugo; Fantastictale. 1 INTRODUÇÃO Um autor francês ficou no anoni- mato até as primeiras décadas do sécu- lo XX. Apesar de sua importância para a literatura, sobretudo a fantástica, Charles Nodier começa a ter sua obra estudada quase cem anos após sua mor- te. Ele foi como um padrinho da gera- ção de Victor Hugo. Espaços como a revista La Muse Française, e os salões Le Cénacle eo Salon de l'Arsenal têm presença certa de Nodier. Neste trabalho pretende-se des- tacar alguns aspectos na obra desse autor que não escreveu apenas contos, poesias e romances, mas era também filólogo, além de ter escrito outros tex- tos jomalísticos e de história natural. • Professora Mestre em Língua e Literatura Francesa, Colégio Universitário da UFMA

o LEGADO POÉTICO DE CHARLES NODIER RESUMO 5A.pdf · mulher. Então, no dia seguinte, com o vilarejo em festa por causa do casa-mento, Suzanne sucumbe. ... doce criatura só beijara,

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o LEGADO POÉTICO DE CHARLES NODIER

RESUMO

Josilene Pinheiro Mariz'

Este trabalho destaca a obra de um dos maiores autores franceses doséculoXlX. Anuncia-sea fortemarcade CharlesNodier paraa literaturafantástica, bem como a influência que ele sofreu de grandes escritoresestrangeiroscomo Goethe,Hoffinann, Byron, Shakespeare.Entretanto,vê-se também como ele influenciou Victor Hugo, o maior românticofrancês, e Gérard de Nerval. E por fim vê-se de que maneira ele foiimportante para a literatura fantástica na França e no mundo.

Palavras-chave: Charles Nodier; Shakespeare; Victor Hugo; Contofantástico.

ABSTRACT

This study focuses on the work of one the greatest writers of thenineteenth century. It intends to demonstrate on one hand the realimportance of Charles Nodier in the fantastic literature and on theother hand how he was influenced by great foreign writers likeGoethe,Hoffman, Byron and Shakespeare. It also shows how he influencedVictor Hugo, the greatest French romantic and Gérard de Nerval. Atlast it looks on the importance of Charles Nodier for the fantasticliterature in France and the rest ofthe world.

Kcywords: Charles Nodier; Shakespeare; Victor Hugo; Fantastictale.

1 INTRODUÇÃO

Um autor francês ficou no anoni-mato até as primeiras décadas do sécu-lo XX. Apesar de sua importância paraa literatura, sobretudo a fantástica,Charles Nodier começa a ter sua obraestudada quase cem anos após sua mor-te. Ele foi como um padrinho da gera-

ção de Victor Hugo. Espaços como arevista La Muse Française, e os salõesLe Cénacle e o Salon de l'Arsenal têmpresença certa de Nodier.

Neste trabalho pretende-se des-tacar alguns aspectos na obra desseautor que não escreveu apenas contos,poesias e romances, mas era tambémfilólogo, além de ter escrito outros tex-tos jomalísticos e de história natural.

• Professora Mestre em Língua e Literatura Francesa, Colégio Universitário da UFMA

Mas foi como contista que ficou conhe-cido do grande público. Pierre-GeorgesCastex reuniu os trinta e três contos deNodier em uma antologia, valorizandosua produção literária, tomando-a assun-to para teóricos do conto fantástico.

Este estudo serviu-se dos contospois estes têm maior destaque no con-junto da obra nodieliana. Então, paraisto, foi utilizada a edição organizadapor Castex (1962). Serão analisadasalgumas questões que valorizam OLEGADO POÉTICO DE CHARLESNODIER. Trata-se de uma análise doconjunto da sua obra, onde se desta-cam as Principais características e

.os Temas recorrentes como sonho,amor, loucura e as dicotomias morte evida, angústia e libertação. Aborda-se,ainda, as importantes Relações com osprimeiros românticos que o influencia-ram em HofJfmann e Byron: uma es-cola frenética. Bem comoShakespeare: fonte inesgotável einspiradora, e também a importânciade Nodier para Victor Hugo, um ami-go. Concluindo o capítulo das relaçõesestá Charles Nodier e Gérard deNerval, grandes representantes da li-teratura francesa. E, ao final tem-seNodier: o precursor do conto fan-tástico na França.

2 O CONJUNTO DA OBRA

2.1 Principais características outeIDas recorrentes

Nodier faz parte de uma geraçãoque busca "um ideal" e, na impossibili-dade de realizá-Ia, surge a ausência derazão como único caminho para o en-

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contra do eixo a ser seguido. É nessageração que se formam as idéias queembasam o romantismo.

E então, buscando um sentidoentre a razão e a desrazão, nascea ambigüidade como um tema bemcaracterístico da Iiteratura fantás-tica.

A principal característica da obrade Nodier é a forma como trata o ima-ginário, a fuga do real via morte ou lou-cura, angústia e libertação. Em todo oseu conjunto romanesco nota-se a pre-sença de alguns desses aspectos. Oslabirintos oníricos são a expressão deum estado de loucura particular; as lem-branças dos sonhos e dos pesadeloslevam seus personagens a buscaremalgo inatingível.

A loucura e a obsessão vêm desuas primeiras leituras dos alemães.Seus textos são invadidos por sensa-ções desconhecidas, concedendo aospersonagens a possibilidade de trans-.formar o mundo em que vivem em umarealidade virtual.

O que o distingue dos outros au-tores que tratam os temas relaciona-dos ao fantástico, é que Nodier escolheo caminho do fantástico, que ele cha-ma de sério. Em uma espécie de estu-do do gênero, seus personagens sãocomo pacientes com os quais utilizaseus conhecimentos a respeito do as-sunto:

[...] sont des êtres frustrés qui,faute d'avoir trouvé dansI'existence quotidienne desjoiesà Ia mesure de leur désir ,demandent des compensationsà un monde imaginaire(CASTEX, 1962,p. 15).

Cad. Pesq., São Luís, v. /3, n. 2, p. 5/-64, jul.ldez. 2002.

Quase sempre as personagensencontram asilo no mundo de ilusões.Michel, personagem de La Fée auxMiettes, Jean-François, de Jean-François les Bas-bleus, Baptiste, deBaptiste Montauban ou l'idiot, só paracitar alguns, saem do mundo real, vialoucura, encontrando o paraíso.

O sonho também é porta de aces-so ao paraíso artificial para Lorenzo,personagem de Smarra, e também paraLydie, de Lydie ou Ia Résurrection.Contudo, pode ser a porta do infernocomo para Lucius, personagem (duplo)de Lorenzo, ou ainda para Hélêne, deHistoire d'Hélene Gil/e!.

Esses aspectos da narrativa deCharles Nodier têm um ponto comumque desemboca em seu mundo onírico.Assim, ele assume um papel de poête-songeur. Não simplesmente um poetasonhador, iludido com o mundo real;mas, um poeta que sonha, que almeja,um artista que busca um ideal no mun-do imaginário.

Como já visto, os temas mais uti-lizados por este autor são: sonho, lou-cura, amor e morte, presentes na quasetotalidade de sua obra.

Albert Béguin diz que, com aconstrução das cadeias oníricas, Nodieré o precursor da psicologia atual. Seussonhos são harmônicos com a vida real,podendo abrir as portas dos céus ou dosinfernos(BÉGUIN, 1963).

Smarra ou les démons de Ia nuit,no conjunto da obra, é o melhor exem-plo da dupla função do sonho. Nesteconto o autor explora a vida noturna,fazendo surgir imagens como palidez,

desfiguração, pupilas sangrentas, ima-gens relacionadas ao pesadelo, bemcomo imagens de um ideal traduzido nanatureza. Mas em Le Peintre deSaltzbourg e em Adêle (ambos são deantes de 1821, ano de Smarra), Nodierjá havia começado a construir as ca-vernas oníricas que resultariam na bus-ca do impossível.

Em outro conto, Songe d'or, o céué a busca do paraíso para Xailoun. Eleé um exemplo de personagem que sedeixa levar pela ilusão, é um persona-gem tipicamente sonhador, tem o céucomo grande tela dos sonhos.

Michel, o carpinteiro de La Féeaux Miettes, alcança o céu nos seussonhos eróticos. Belkiss o visitava du-rante o sonho e unia-se a ele, talvezpara assim mantê-lo casto, pois tal uniãoacontecia somente em sonho e não narealidade.

Nodier é o iniciador do sonho comotema na França, pois ninguém, até en-tão, havia escrito com tanta segurançae desenvolvido tão claramente essa re-lação da vida real com a vida noturna.Diz Castex (1962, p.145):

Le mérite de I'écrivain estd' avoir su exercer une réflexioncontinue sur le mécanisme deces correspondances, d'en avoirrecherché les lois et d'avoircompris qu'il était ainsi possibled'apercevoir Jes secrets du moiprofond.

Em De quelques phénomênesdu Sommeil (I 831), publicado na Revuede Paris, ele explora as questões davida fora do real. Nodier crê que o mapado universo imaginável só é traçado nos

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sonhos. O universo sensível é infinita-mente pequeno (NODIER, 1982).

Um outro tema recorrente é aloucura, que muitas vezes está ao ladodo sonho. Ambos são formas de fugado mundo em que vive o homem. Estetema surge desde os primeiros escri-tos: Rêveries psychoIogiques, De Iamonomanie réflective e aBibliographie des Fous. No primeiro,diz que monomanie e "idéia fixa" sãoa mesma coisa, e que essa doença sedesenvolve mais ou menos seguindoalgumas circunstâncias, particularmenteem tomo da mente (NODIER, 1982).

Bibliographie des fous tem comosubtítulo De quelques livres excentriquesos quais, segundo Nodier, são livros forada regra comum de composição e estilo.Cita então Apuleio, Rabelais, Steme,Guillaume PosteI (orientalista e místicofrancês) e Swedenbord (místico suíço),dentre outros.

Le Bibliomane mostra bem a ob-sessão do personagem Théodore peloslivros. Ele tem um comportamento de umindivíduo reduzido a sua função social que,afastado do mundo, só lê o que tem rela-ção com seus amantes, os livros. Todaessa loucura o leva ao túmulo que tinhaas seguintes inscrições no epitáfio:

O-GIT

SOUS SA RELIURE DEBOISUN EXEMPLAIRE IN-FOLIODE LA MEILLEUREÉDITIONDE L'HOMMEÉCRIT DANS UNELANGUEDE L'ÂGE D'OR (NODIER,1%1, p.515).

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Ainda uma vez um culto aos li-vros. A paixão obsessiva de Théodorepelos livros é perigosa, levando-o aocrime e à morte.

A loucura aparece sempre asso-ciada à morte em quase todos os con-tos. As personagens que apresentamesses temas buscam a realização viasonho ou loucura.

A morte indica efemeridade, en-tretanto, pode ser uma possibilidade delibertação das cadeias que prendem ohomem no seu raciocínio puramentehumano.

Em várias narrativas o amor émarcante e forte, mesmo depois damorte, como em Lydie ou iaRésurrection. Lydie e seu maridoGeorge, formam um casal perfeito, atéo dia em que ele morre. Assim, consci-ente da enorme perda, em uma noite,ela sonha com o marido como se elefosse um anjo que a leva para o édendesconhecido, em regiões celestes nun-ca antes visitadas. Na sua viagem embusca do seu amado, o amor vence amorte.

Percebe-se, assim, que temascomo sonho, loucura, obsessão, mortee ressurreição, são recorrentes na obrade Charles Nodier. Certamente, nesteestudo não houve detalhamento desteassunto, e sim um cuidado em encami-nhar o leitor na percepção do grandelegado deixado por Charles Nodier.

3 RELAÇÕES

3.1 Nodier e Grethe

Quando iniciou sua produção lite-rária por volta de 1800, Charles Nodier

Cad. Pesq., São Luís, v. /3, n'f' p. 5/-64, jul./dez. 2002.

vinha sendo influenciado pela tradiçãoinglesa e alemã pois, aindajovem,já lianestas línguas estrangeiras. Teve suasprimeiras obras marcadas pela influên-cia de fontes alemãs: Geethe, Klopstock,Schiller, Bürger e também Tiedge,Kõrner e Schubart. Estes últimos fo-ram levados a público por volta de 1830por Nerval e Nodier (RICHER, 1963).

Em 1809, Nodier publica Lafilleule du Seigneur, com o subtítuloLa nouvelle werthérie, texto com for-te influência de Gcethe, partindo do textoWerther, obra que marcou sua época eatravessa a história da literatura. O jo-vem Werther só alcança a plenitude doamor via morte. Em La filleule duSeigneur não é diferente. O narrador,um pesquisador botânico, numa de suaspesquisas encontra uma mãe aflita di-ante do sofrimento de sua filha, sofri-mento este que, aparentemente, nãotem cura. O botânico é levado até acasa da jovem enferma com a respon-sabilidade de curá-Ia. Mas é surpreen-dido pelo diagnóstico da enfermidade.E após um breve diálogo, o cientistapercebeu que a doença não seria bani-da com medicamentos fitoterápicos, eque não existiria no mundo cura paraaquele mal, pois a jovem Suzanne so-fria de amor por seu padrinho, o ricoFrédéric, que se casaria com outramulher. Então, no dia seguinte, com ovilarejo em festa por causa do casa-mento, Suzanne sucumbe. A jovem edoce criatura só beijara, talvez, seu pa-drinho. Diz o narrador: "Je crois quenul homme n'a obtenu un seul baiserde Suzanne, si ce n'est cependant sonparrain" (NODIER, 1961, p.13).

Torna-se diagnosticada a doençadajovem: um amor impossível.

Assim como no romance deGcethe, a recíproca não é clara: Frédéricteria dado esperança de amor aSuzanne, ou seria apenas imaginaçãodela? O fato é que Suzanne encontra aplenitude via morte.

Em Une heure ou Ia vision, ou-tro conto também do primeiro momen-to de Nodier, o enredo segue o mesmoestilo do anterior: o amor impossível esua realização com a morte. Neste con-to, a amada é também inalcançável -como em Werther -, sendo a morte e aloucura os meios para a satisfação doamor. Todavia, apesar da forte heran-ça wertheriana, este é o primeiro textoa ter mais características do fantásti-co, seria, por assim dizer, um clássicodo gênero fantástico na obra de CharlesNodier. O conto está repleto de ambi-entes de estranheza; todo o cenário danarrativa favorece a incerteza. Onarrador conta sua história, que se passaem um antigo convento: "[ ... ] cecouvent délabré offre un des plus tris-tes_aspects qui puissent frapper lesregards de I'homme" (NODIER,1961 p.16, grifo do autor).

É o próprio narrador quem assu-me um comportamento não muito co-mum: busca a solidão da noite, pois émarcado pelo sofrimento e pelos deva-neios.

J'avais lecceurpleind'amertume,et je cherchais Ia solitude et Ianuit [...] Mais j'étais obsédé desi tristes pensées, monimagination se nourissait de tantde funestes rêveries, [... ](NODIER, 1961, p.IS).

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A principal personagem de Uneheure ou Ia vision é um homem quebusca a solidão, obcecado por pensa-mentos que o afligem e alimentam suaimaginação com sonhos relacionados àmorte.

Nota-se, dessa forma, que Nodieré herdeiro do estilo começado porGoethe. A partir de 1815, ele deixa delado o romantismo deste alemão e mer-gulha totalmente no frenético iniciadopor outro alemão, Hoffmann; que tam-bém foi um dos mestres de Nodier, tantono conto fantástico, quanto na arte decontar histórias para crianças.

3.2 Hoffrnann e Byron: uma escolafrenética

Hoffmann abriu o caminho parao fantástico na França com caracterís-ticas de uma imaginação que se aban-dona a toda irregularidade de seuscaprichos, e onde há uma série de com-binações de cenas estranhas e tambémburlescas (SCHNEIDER, 1964). Istodeve-se ao gosto dos alemães pelo m is-tério, permitindo, dessa forma, a inven-ção desse gênero.

Marcel Schneider diz que um es-tudo sobre a influência de Hoffmannentre os escritores franceses do séculoXIX seria, por si só, um grande volu-me, pois o conjunto das variações a partirdo nome de Hoffrnann é enorme. Numdos seus capítulos, Schneider limita cro-nologicamente essas variações (1830-1860), analisando apenas as maissignificativas, indo de Nodier (La Féeaux Miettes, de 1832) a Balzac(L 'Élixir de longue vie, de 1830).

O frenético, um tipo de fantásti-co, chega às páginas da literatura fran-

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cesa via Romantismo. O adjetivo fre-nético faz referência ao caráter violen-to, sangrento, às vezes monstruosoencontrado nestes textos.

Alguns contos contêm alucinaçõesapresentadas de forma cruel, que es-tão presentes na consciência humana,com um destaque insólito que se des-via da forma real.

Os textos fantásticos estão liga-dos à angústia de viver. São relaciona-dos, ainda que de forma indireta, com apsicologia. Diz Castex (1962, p. 8):

Il caractériseau contrairepar uneintrusion brutale du rnystêredans le cadre de Ia vie réelle; ilest lié généralement aux étatsmorbides de Ia conscience [...].

lntrusão brutal do mistério na vidareal, ligado aos estados mórbidos da cons-ciência; assim Castex (1962) analisa ofantástico; não é conto de fadas - está nonível mais elevado das sensações.

Os quadros da vida real ligadosaos estados mórbidos da consciênciasão a constante de Hoffmann. Em seuLes Élixirs du Diable, ele associa te-mas de loucura e força do mal, a exem-plo de Trilby, de Nodier, no qual há aredenção do monge pecador.

Em I 'Enfant Etranger,Hoffrnann descreve uma criança mis-teriosa, num mundo de visões sobrena-turais, um pouco do que viria a ser ofantástico. Assim, Enfant étranger(1817) reúne o mundo fantástico: dereal a sobrenatural. Em Trésor desFêves et Fleurs de Pois, Nodier tam-bém assim o faz. Ao inserir umaepígrafe de um autor do século XVII,Bruscambille, ele valoriza o universo

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imaginário com visões sobrenaturais:"Tout ce que Ia vie a de positif estmauvais. Tout ce qu'elle a de bien estimaginaire [.. .]" (NODIER, 1961, p.560).

Neste conto direcionado às crian-ças, símbolos de inocência e pureza,Nodier valoriza o mundo ilusório. De-cepcionado com a vida, inspira-se tam-bém em Le vase d'or para compor Lesonge d'or, texto no qual o protagonis-ta Xailoun é dotado de inocência e sim-plicidade.

Outros textos de Hoffmann, comoLa Princesse Brambilla, Maitre Pucee Les mines de Falun têm caracterís-ticas do fantástico. O irracional e o ir-real, o mundo de fantasia e a ilusãopermeiam a narrativa.

Nodier recebeu também herançade Byron. O texto Vampire foi de gran-de importância para a criação deSmarra ou les démons de Ia nuit.Vampire foi escrito por Dr. Polidori(amigo de Byron), no entanto, - porrazões desconhecidas -, o texto foi atri-buído ao Lord Byron.

Da Inglaterra, Byron também nu-triu o autor, quando da publicação deum dos seus primeiros romances JeanSbogar, que conta a história de bandi-dos, assim como O corsário, publica-do em 1818. Nodier ouvia comfreqüência a pergunta sobre a relaçãoda sua obra com a de Byron.

Lorsqu'on accusa Nodierd 'avoir, dans 'Jean Sbogar',plageé 'Le corsaire' de Byron, ilrépondit simplement avec sonsourire d'une souverainedouceur que' Jean Sbogar' avaitparu cinq années plus tôt et que

tout cela n'était que sonettesbonnes tout au plus pourl'érudition d'un journal(DEHARME,1949,p.192-193).

Walter Scott é um representanteda literatura escocesa que também temimportância para a vida literária deNodier. A sua obra, com lendas nacio-nais, inspira Trilby . Ao contrário deByron, Scott é menos frenético. Talvezpor isto os textos de Byron foram osmais marcantes na vida do escritorNodier. Dele foram absorvidos os mis-térios, o ódio e o prazer.

Por estas razões Nodier sempreteve seu nome associado ao de um ver-dadeiro copiador, e, portanto, foi vee-mentemente criticado ainda nos meadosdo século passado. Todavia, trabalhosmais recentes têm destacado o seugrande valor literário. E com o desen-volvimento da Literatura Comparadaconclui-se que ele soube, como poucos,utilizar as fontes - um dos pilares daLiteratura Comparada - o que demons-tra uma enorme erudição desteBisantino.

3.3 Shakespeare: uma fonteinesgotável

A admiração de Charles Nodierpor Shakespeare é grande, sendo esteseu autor preferido na literatura de lín-gua inglesa. Nodier exalta a produçãoshakesperiana no artigo de 1830, Dufantastique en Littérature, onde dizque Shakespeare é sinônimo de poe-sia.

Várias obras do dramaturgo fo-ram fontes para a obra de Nodier, so-bretudo as imagens de bruxas,

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fantasmas, silfos e outras figuras liga-das à imaginação e à fantasia: emHamlet: o fantasma; em Macbeth: asbruxas e em A Midsummer Night 'sDream: a fantasia. Estas foram, porassim dizer, as obras deste autor inglêsque mais nortearam os contos Smarraou les démons de Ia nuit e Trilby oule Lutin d'Argail.

No conto Smarra estão cinco ci-tações do autor inglês. A primeira estáno prólogo. Os sons que envolvem oprimeiro instante saem das páginas deThe tempest. Na peça há um cenáriode natureza, assim como no contoSmarra.

Nodier não usou somente a cita-ção, mas também o tema dos maus es-píritos e de outras imagensfantasmagóricas. As quatro primeirascitações são da referida peça, mas aúltima, a do epílogo, é de outro texto,no qual a imaginação e o delírio ultra-passam os limites da razão:

Jamaisje ne pourrai ajouter foi àces vieilles fables, ni à ces jeuxde féeries. Les amants, les fouset les poétes ont des cerveauxbrülants [...] (NODIER, 1961,p.75).

Trata-se da comédia AMidsummer Night 's Dream, e daí por-tanto a inspiração para o sonho, poisnesta peça há um cenário-de bosques,fadas e sonhos, apresentando como per-sonagens centrais amantes apaixonados.

Não é só em Smarra que se en- I'

contra registrada a presençashakesperiana. O bom camarada Puck,que segue ordens, do rei das fadas,Oberon e Titânia, não seria o duendede Trilby ou le lutin d'Argail'l

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Contudo, Smarra é o que mais seaproxima dessa comédia. Consideran-do-se o espaço, ambos são bastantepróximos, pois é no mesmo país de AMidsummer Night's Dream que sepassa grande parte dos sonhos român-ticos. O conto Trilby se aproxima deMacbeth, considerando-se que, emambos, o cenário comum é a Escócia.

Ao beber na fonte da literaturainglesa (sobretudo Shakespeare),Nodier absorveu um pouco do frenéti-co e também do roman noir. Por isso,apesar de Shakespeare ser fonte explí-cita para Smarra, este conto é tambémcheio de figuras, símbolos e imagensfantásticas que, de alguma forma, afas-tam-se do mestre inglês.

Contudo, Nodier não foi apenasum "insaciável" bebedor nas fontes ale-mãs e inglesas. Foi também inspiraçãopara a crescente geração da qual setornou padrinho. No gênero conto, elesoube dar sua característica peculiar,lançando um estilo próprio e atraentedesde o incipite. Todo o conjunto desua obra é marcado por relações quelhe foram colocadas e/ou outras que eleiniciou e que foram seguidas por algunsde seus amigos poetas e escritores.

3.4 Victor Hugo, o amigo

Nodier era vinte e dois anos maisvelho que Hugo, mas este dado não al-terou a amizade desta dupla. Nodier foiseu amigo confidente.

Em La fantaisie de VictorHugo, Barrére coloca Nodier em lu-gar de destaque na vida de Hugo.Nodier não era apenas amigo, mas umgrande incentivador e foi quem primei-ro conduziu Hugo ao mundo das letras:

Cad. Pesq., São Luís, v. 13, n. 2, p. 51-64, jul./dez. 2002.

A vant de le connaítre, Hugovégête dans le genre frénétique,auquel Nodier de son côté alargement sacrifié dans Ia partiede son ceuvre antérieure à 1822.Aprês 1823, Hugo s'initie auxfées, aux sylphides. Sa fantaisiedisponible se prête au fantastique,commeelle avait faitau frénétique,et semble suivre I'évolution queson guide subit au même momentdu terrible au gracieux [... ](BARRERE,1949,p.95).

Nodier, que já havia lido textosestrangeiros, nutre seu amigo lendo-lheThe King Jonh durante viagem aReims, quando da coroação de CharlesX. Desta leitura nasce o prefácio deCromwell, neste texto Victor Hugo citavárias personagens Shakesperianas:Caliban, lago, Desdêmona e várias ou-tras que mostram a sua relação comesse teatrólogo.

Não se pode deixar de considerara influência do inglês para Nodier eHugo,já que ambos eram grandes ami-gos de viagem e também no gosto pelaliteratura. Para estes escritores, o nomede Shakespeare estava sempre relaci-onado às viagens:

[...] Le double aspect du mondeshakesperien, le côté d' Ariel etle côté de Caliban, le côté deTitania et le côté des Sorciéresde Macbeth, Hugo les retrouvedans le paysage contrasté duMont-Blanc et du Lac- Vert(BARRERE,1949,p.108).

Nesta natureza com paisagens decontrastes, há mistérios e segredos quepermeiam as obras destes dois auto-

• Revista Francesa muito conhecida na época.

res, sendo que Hugo teve, possivelmen-te, incentivo de Nodier.

O ponto comum para os dois es-critores foi a Musa Francesa', lugarde encontro de onde saíram as idéiasmais fortes do romantismo. Com o fimdesse periódico, surge um esfriamentona amizade destes dois conterrâneos.Agora, Hugo já era conhecido e res-peitado, enquanto Nodier continuavaescrevendo prefácios e artigos em jor-nais. E escreve, em La Quotidiennede dois de novembro de 1829:

Il y a des hommes qui croientque les grands talents seforment par le commerce de leurssemblables et que le génie inné,avec toutes ses richesses, sedéveloppe au milieu descommunications d'uneconversation polie, sans autrestimulant que le besoin d'êtrecélêbre et l'émulation de la gloire[...] (HUGO, 1985, p.154).

Victor Hugo, completamente en-tristecido por saber que a crítica haviasido escrita por seu amigo Nodier, res-ponde:

Et vous aussi, Charles! Jevoudrais pour beaucoup n'avoirpas lu La Quotidienne d'hier.Car c'est une des plus violentessecousses de Ia vie que celle quidéracine du cceur une vieille etprofonde amitié [... ] (HUGO,1985, p.154).

O bom Nodier responde à críticado amigo dizendo que seus laços deamizade eram mais fortes que qualquercrítica.

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Teria sido uma-forma de aquecera amizade que estava morna? Se foi ounão, não se sabe, pois os fragmentosdas correspondências entre os dois nãoesclarecem, o que se sabe é que, des-de essa época, a amizade não foi maisa mesma.

Mas, sem dúvida, Nodier é umadas mais fortes 'relações para o impé-rio da imaginação que preenche as pá-ginas de Hugo.

,:l ~ ».

3:5 Charles Nodier e Gérard deNerval

.Charles Nodier e Gérard deNerval tiveram fortes laços de amiza-de. O contista do Arsenal exerceu gran-de influência na vida literária do amigo.Foi no famoso salão parisiense, o Salãodo Arsenal, que Nerval conheceuNodier e Victor Hugo." Por volta de 1828, Nerval publica

uma tradução de Fausto e tem a cola-boração de Nodier. Este ainda o apre-senta a autores de outras escolasliterárias. DIz Richer, conhecido críticode'Nerval:

Nerval fut problablementredevable à Charles Nodierd' une corinaissance assez

~ précoce de 'Faust' et, surtout,des 'Brigands', de Schiller [...]

, ' (RICHER,1963, p. 93).

Após a morte de Nodier é que oautor de Petits châteaux de Bohêmeusa com mais liberdade os textos doamigo. Em algil'n~ casos, esses empre-gos são claros e diretos: em outros, são'mais sensíveis'. viii exemplo do liso cla-ro é L 'Histoire du Roi de Bohême et .de ses sept châteaux, publicado por

Nodier em 1830, 'àúcendo sobreNerval uma influência manifestada anosmais tarde em Les petits châteaux deBohême, de 1853 ..

-; ~~.,.;

Não é só na obra literária que sepercebe essa presença. Na ópera cô-mica Les Monterrégrins, por exem-plo, nota-se que parte do cenário foitirada de Jean Sbogar, e os nomes depersonagens cão pista do empréstimo.Sergy e Boutraix, do conto Ines de IasSierras, vão para a versão do primeirotexto de Nerval como Sergy e Belmarte;então, passaram a ser Sergis e Rogerna versão definitiva. O cenário de Inesde Ias Sierras dá outra indicação: ocastelo de Ghisrnond, toma-se castelode Maladetta, ambos espanhóis.

Também alguns temas permitema aproximação da obra dos dois auto-res. A utilização dos textos está relaci-onada ao mundo imaginário e à.\oucura.Em La Fée aux miettes, a personagemda Rainha de' Sabá manifesta-se emVoyage en Orient, no qual uma perso-nagem com o mesmo nome é o centrode uma das lendas.

, La fée aux miettes também temuma estreita relação com Aurélia: O

hospício e os sonhos aproximam as duasnarrativas, bem como a estranha ino-cência das personagens e os temas pre-feridos pelo fantástico, como a solidão,a imaginação e a própria loucura.

O amor, às vezes infantil, às ve-zes platônico, cornoem Une heure ouIa vision e em La neuvaine de IaChandeleur, ressurgem em MonsieurNicolas e Sylvie de Nerval. ;

Ao terem suasobrascolocadaslado a lado, percebem-se projeçõescontínuas. Souvenirs de Jéunesse, tex-

60 Cad. Pesq., São Luís, v, 13, n. 2, p. 51-64; jül.rdez. i'oàz

Parmi les innombrablesécrivains que Dumas avampirisés, Nodier figure enbonne place [...] Non contentd'avoir abondamment parasité'Ie bon Nodier' de son vivant(parasité aussi au sensétymologique, Dumas étant uncommensel régulier deI'Arsenal) , il faitmain basse surcertains de ses textes(SANGSUE, 1989, p. 95).

Sangsue (1989) enfatiza o termo"parasita" para reforçar que Dumas eraum comensal regular no Salão do Ar-senal. Na relação entre o autor de ARainha Margot e O Salão da Arse-nal, Dumas era o beneficiado semcontudo, causar danos ao outr~. Po;esse motivo era considerado um co-mensal regular.

No entanto, esse critico não vê arelação como um comensalismo, pois,segundo ele, Dumas era um vampiro,um usurpador.

Além de ter apresentado Alexan-dre Dumas, Victor Hugo, Gérard de

. Cad: Pesq., São Luís, v. 13, n. 2, p. 51-64, jul./de~. 2002.

to de Nodier, em Nerval transforma-seem Promenades et souvenirs. Outrostextos como Souvenirs de IaRévolution et de I 'Emp ire, JeanFrançois le Bas-Bleus e MonsieurCazotte, refletem-se em Les Il/uminés.

É relevante o fato de que ambostinham a mesma preferência pelo sé-culo XVI. Nodier por Montaigne,Rabelais e Despéries, e Nerval, pelospoetas Ronsard e Du Bartas.

Apesar de Nerval ter se utilizadomais livremente da obra literária deNodier após o seu desaparecimento, elereconheceu em várias situações a gran-deza daquele que o iniciou no mundodas letras.

Reçois aussi ce souvenir d'unde tes am is inconnus, bonNodier, belle âme divine, que lesimmortalisait en mourant!Comme toije croyais en eux, etcomme eux à I'amour célestedont Polia ranimait Iaflamme, e~dont Polyphile reconstruisait enidée le paIais splendide sur lesrochers cythéreens (RlCHER,1963, p. 96).

Neste epitáfio, o amigo Nervalexprime sua gratidão pelo legado doimaginário deixado por Charles Nodiernuma forma de valorizar a sua presen~ça na literatura fantástica, entãoiniciante. Richer diz ainda que a filiaçãoliterária Nerval-Nodier é um caso dedestaque da história das idéias. Ela põeem evidência a continuidade de umacorrente essencial do romantismo fran-cês. A amizade estreita de CharlesNodier e Gérard de Nerval não deixadúvida, apesar dos vinte e cinco anosde idade que os separavam.

3.6 Le bon Nodier

"Le bon Nodier"[ ... ]. AssimNodier é chamado com freqüência porbiógrafos e autores de manuais de lite-ratura. O adjetivo 'bom' deve-se tam-bém ao fato de ele reunir muitosescritores em tomo do Salão do Arse-nal.

O "bom" quase não tem limites.Daniel Sangsue publica, em um núme-ro da Revista Littérature, de 1989, umartigo intulado Les vampires littéraires,no qual critica duramente AlexandreDumas, ao chamá-Io de vampiro daobra de Nodier.

61

Nerval e Fréderic Soulié (Jules Janin)ao mundo das letras, Nodier era tam-bém o grande prefaciador de sua épo-ca. Quando escrevia os prefácios,magicamente, as obras tornavam-sesucesso.

Assim, Nodier não foi importanteapenas por sua generosidade e bomcaráter. Mas também, por ter colabo-rado para o início do romantismo fran-cês, daí ser chamado de "o bomNodier", ou padrinho do romantismo.

4 NODIER E O CONTOFANTÁSTICO

Coube a Nodier deixar o legadodo conto fantástico, ainda que tardia-mente reconhecido. En particulier,Nodier pouvait se fiatter à juste titred'avoir inauguré au XIX siêcle Ialignée des conteurs fantastiques(CASTEX, 1947). Ao publicar Smarra,em 1821, e também Trilby ou le lutind'Argail, em 1822, Nodier apresenta aliteratura de Hoffmann aos franceses.

Antes de Nodier, um outro fran-cês deu os primeiros passos para a lite-ratura fantástica na França. NaAnthologie du conte fantastiquefrançais, figura como o verdadeiro pre-cursor do fantástico moderno JacquesCazotte (1719-1792), com sua obra-pri-ma Le diable amoureux, narrativa que,segundo T. Todorov, possui uma dosede ambigüidade, que é mantida até ofmal da aventura. Realidade ou sonho?Verdade ou ilusão? Tais questões con-duzem ao coração do fantástico. Nelese produz um acontecimento que nãose pode explicar pelas leis do mundoreal (TODOROV, 1970).

62

É no conto M. Cazotte queNodier faz uma homenagem ao seuprecursor. Desde o título, já anuncia oseu conteúdo, sem nenhuma tentativade camuflar a importância desse autorpara sua obra, não negando essa influ-ência. No prefácio do referido conto,fala da sua escolha e da sua admiraçãopor Cazotte.

A figura gravada na mente da cri-ança, foi o que mais tarde o inspirou aescrever um dos seus mais belos con-tos, no qual Jacques Cazotte seria umcontador de histórias e faria a previsãodo seu próprio fim.

Mas Nodier é considerado, sobre-tudo por Castex, o iniciador do contofantástico na França. Seu primeiro con-to considerado fantástico, Smarra oule démons de Ia nuit, só foi publicadoem 1821. Entretanto, já por volta de1815, após a publicação de obras cla-ramente werterianas, e então nomea-do bibliotecário da cidade de Laybach,readquire o gosto pelo clássico, cola-borando no Journal de L 'Empire, maistarde Journal des Débats, "[ ...] et i1publie de nombreux articJes ou, avecune souplesse ondoyante, iI prend Iadéfense du goüt classique" (CASTEX,1947, p. 50). É quando recomeça o gostopelo frenético. Publica, então, a estóriade Jean Sbogar e Thérêse Aubert.Segundo Castex (1947), é nesse mo-mento que se lança deliberadamente navia do frenesi.

As teorias filosóficas eespiritualistas que germinavam em todaa Europa também marcam a sua obracomo as teorias do místico suecoEmmanuel Swedenborg. Segundo ele:"[ ...] todas as coisas que existem na

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natureza, desde o que há de menor aoque há de maior, são correspondênci-as" (apud GOMES, 1994, p. 50).

A idéia que agradava muito aosromânticos agradou ainda mais aos sim-bolistas e, em seguida, aos surrealistas.Envolvido por esta dualidade mundonatural/mundo espiritual, Nodier inau-gura, ainda que com a herança de seusantepassados, o conto fantástico.

A literatura fantástica nasce jun-to com o século das luzes, com o triun-fo da razão, com a

afirmação do indivíduo. Ela secu-lariza a relação entre o homem e as for-ças sobrenaturais, momento em que sedistingue do maravilhoso. Ela favorecea relação entre Deus e o diabo, pela pos-sessão do homem, um conflito interiorentre duas forças físicas morais.

No entanto, apesar de ter dadoinício a esse tipo de conto, Nodier nãoimpôs este estilo. A publicação deSmarra é a prova que o estilo novo nãoagradou, mas que também não foi im-posto. Castex refere-se a este assunto,assim: "[ ...] pouvons-nous considérercornm e un échec une ceuvre quicorrespond de façon si neuve àquelques-unes de nos curiositésmodemes?" (CASTEX, 1962, p. 31).

Smarra não é considerado a obra-prima de Nodier, mas corresponde a ummarco na sua produção, pois choca edesagrada graças às características ino-vadoras, porém desconhecidas pela crí-tica da época. Desse modo, as análisesmais recentes têm evidenciado Nodiercomo iniciador do conto fantástico naFrança.

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