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O Levantamento da Personalidade Jurídica Colectiva Andreia Catarina Simões Ramos Dissertação de Mestrado em Ciências Jurídico-Forenses apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra sob a orientação do Sr. Professor Doutor Pedro Canastra Azevedo Maia Coimbra, 2014

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O Levantamento da Personalidade Jurídica Colectiva

Andreia Catarina Simões Ramos

Dissertação de Mestrado em Ciências Jurídico-Forenses apresentada à

Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

sob a orientação do Sr. Professor Doutor Pedro Canastra Azevedo Maia

Coimbra, 2014

3

“ Quero para mim o espírito desta frase,

transformada a forma para a casar com o que eu sou:

Viver não é necessário; o que é necessário é criar.”

Fernando Pessoa

4

Aos meus Pais

5

Siglas e Abreviaturas

BGH ……….…………………...…………….……………………… Bundesgerichtshof

Cfr. …….………………….……..…………………………………….…….. Confrontar

CSC …….………………………...………………... Código das Sociedades Comerciais

DL ………………………………………………………..…………………. Decreto-Lei

E.G. ..…..………………………...……………………………………… Exempli Gratia

EIRL.......………………...… Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada

Pp. ……………………………………………………………………………….. Páginas

RG …….………………...………………………………………………..... Reichgericht

ROA ……………………...….……………………… Revista da Ordem dos Advogados

Ss.……..…………………...………………………………………...………… Seguintes

STJ …….…………………..……………………………... Supremo Tribunal de Justiça

TRC …….………………..…………………….……... Tribunal da Relação de Coimbra

TRE …………………...…………………………………..Tribunal da Relação de Évora

TRG ………………………...………………………..Tribunal da Relação de Guimarães

TRL ……………………………………………………... Tribunal da Relação de Lisboa

TRP ………………………………………………………. Tribunal da Relação do Porto

6

Introdução

A minha opção por esta temática da chamada desconsideração da personalidade

jurídica para integrar o tema da minha dissertação de mestrado, advém do meu gosto

pelo direito societário, de grande forma incrementado nas aulas ministradas pelo Ex.mo

Senhor Professor Doutor Coutinho de Abreu durante a licenciatura, e pelo Ex.mo

Senhor Professor Doutor António Pinto Monteiro já no mestrado, a quem devo

agradecer por todos os conhecimentos transmitidos em tão entusiastas e enriquecedoras

aulas.

Uma vez que é um tema pouco estudado e relativamente recente (apenas o

PEDRO CORDEIRO1 se dedicou exclusivamente a esta temática, não obstante as

referências exaustivas à temática, nomeadamente, por FERRER CORREIA, MENEZES

CORDEIRO e RICARDO COSTA2), decidi encetar esta investigação, incentivada e

apoiada pelo meu orientador, Ex.mo Senhor Professor Doutor Pedro Maia, a quem

agradeço, desde já, todo o apoio prestado, e que resultou neste trabalho que hoje

apresento.

Juridicamente, as sociedades apresentam-se como autónomos sujeitos de direito.

Isto implica uma separação entre a sociedade e os respectivos sócios, nomeadamente

uma separação de patrimónios – o património dos sócios não se confunde, deste modo,

com o da sociedade. Enunciado está aqui, genericamente, o Princípio da Separação, de

grande relevância prática e teórica nesta temática e ao qual aludiremos repetidas vezes

ao longo deste trabalho.

Esta separação não deve, no entanto, ser absolutizada. Há que considerar a

possibilidade de haver abusos, já que o património societário não serve apenas o

interesse da sociedade, estando, ainda, ao dispor dos sócios sendo deles instrumento e

servindo os seus próprios interesses, sendo este risco exponenciado perante sociedades

unipessoais, onde não havendo o controlo ou fiscalização feito entre os diversos sócios,

se revela mais fácil instrumentalizar a sociedade para prosseguir fins pessoais do sócio

único. Há, posto isto, uma relação estreita entre o património da sociedade e os seus

sócios (ou sócio único). Há que ter sempre em atenção a possibilidade da

instrumentalização da sociedade em ordem à satisfação não dos interesses sociais, mas

dos interesses pessoais dos sócios, prejudicando-se, não raras as vezes, a própria

sociedade com a realização de negócios ruinosos, através destas actuações.

1 CORDEIRO, Pedro: Desconsideração da personalidade jurídica das sociedades. Universidade Lusíada,

2ª Edição, Lisboa, 2005

2 Ver, por exemplo, CORREIA, A. Ferrer: Sociedades Fictícias e Unipessoais. Coimbra, 1948, Pp.

321ss.; CORDEIRO, António Menezes: Direito da Economia. Volume I, Lisboa, 1986, Pp. 218 ss. E

COSTA, Ricardo: A Sociedade por Quotas Unipessoal e o Direito Português, Almedina, 2002, Pp. 653

ss.

7

Instrumentalização essa que também é possível ao nível de sociedades pertencentes a

um determinado grupo de empresas. Há sempre a tendência de a empresa dominante

usar a empresa dominada para que esta celebre negócios que a favoreçam, ainda que

isso implique prejuízo para esta última. Será este limite que estudaremos e

procuraremos explicitar: até que ponto se pode subordinar o interesse da sociedade

dominada ao interesse daquela dominante.

Daqui se parte para o levantamento do véu (“piercing the veil”) da personalidade

jurídica societária, derrogando o princípio da separação e pondo a descoberto os sócios

e o respectivo património, que irão responder perante as dívidas da sociedade que

estejam relacionadas com uma actuaçao ilícita, abusiva e de má fé por parte dos sócios.

Desconsiderar a personalidade jurídica colectiva é, então, reequilibrar uma

situação injusta, criada pela actuação de um sócio que rompe com os imperativos legais

em causa e com o fim social, através da responsabilização do património próprio do

sócio, de forma a puni-lo pelo seu comportamento em nome da sociedade e a ressarcir o

terceiro pelos danos causados.

Os objectivos deste trabalho passam pela análise e discussão da aplicabilidade

prática deste instituto ao longo dos anos nos tribunais, a forma como essa aplicação é

feita e se é, ainda se, na nossa perspectiva, essa aplicação é feita correctamente. É,

ainda, nosso objectivo aprofundar e explicitar a problemática levantada por este tema.

Partindo deste pressuposto, o trabalho será dividido em duas partes distintas:

Uma primeira parte, onde faremos uma exposição teórica desta temática, apresentando

as diferentes posições da doutrina e os problemas levantados - partindo de uma

evolução histórica do instituto, não só em Portugal como noutros países onde se

encontra presente, passando pelas teorias explicativas e os grupos de casos onde é

possível aglutinar várias hipóteses através de certas características comuns.

Terminaremos esta parte por apresentar soluções defendidas e propostas por vários

autores, fazendo uma apreciação crítica das mesmas.

Já numa segunda parte, faremos uma análise jurisprudencial, onde serão apreciadas

criticamente as várias aplicações deste instituto aos casos concretos. Será nesta fase que

se levantarão a maioria dos problemas despertados por este instituto na medida em que

só perante uma apreciação prática e defronte dos problemas levantados concretamente é

que conseguiremos apurar qual a verdadeira dimensão desta problemática e a sua

pertinência e utilidade no ordenamento jurídico.

8

I PARTE

9

I – Enquadramento Histórico

Esta figura surgiu pela primeira vez no direito Norte-Americano, tendo emergido

logo após a independência, em finais do séc. XVIII quando o Chief of Justice Marshall

em 1809 no âmbito de um processo judicial3, para legitimar a competência do seu

tribunal, explicou que se viu obrigado a pôr de lado a personalidade jurídica colectiva

em situações em que esta era usada para prejudicar terceiros, baseado no princípio da

boa fé. Para isso, Marshall olhou para além da personalidade colectiva, conseguindo

alcançar quem estava por detrás dela. Temos então que, este instituto nos Estados

Unidos da América, tem na sua génese questões processuais e constitucionais.

WORMSER4 explica que foi este o ponto de partida para o desenvolvimento da

doutrina uma vez que deu origem a vários acórdãos em que a temática residia no uso

indevido da pessoa colectiva com o intuito de prejudicar terceiros, principalmente os

credores da sociedade. Deste modo, a partir da aplicação do instituto do levantamento,

responsabilizava-se o património dos sócios.

A fórmula de BALLANTINE5 estabeleceu, pois, que os pressupostos de

aplicação do levantamento seriam o uso ilegal ou fraudulento da personalidade colectiva

com o intuito de prejudicar terceiros.

3 Em 15 de Março de 1809, o juiz Marshall e outros 5 juízes votaram por unanimidade a competência do

Tribunal Estadual da Geórgia para julgar um determinado processo o que só seria possível através do

levantamento da personalidade do Bank of United States. A Constituição dos Estados Unidos previa que

os Tribunais Federais tinham competência para julgar apenas os casos em que houvesse cidadãos de

diferentes estados. O Bank of United States, com sede em outro estado, propôs a acção num Tribunal

Federal contra Peter Deveaux, um cobrador de impostos da Geórgia que se teria apoderado de objectos no

valor de dois mil dólares. Em sua defesa, Deveaux argumentou que os Tribunais Federais não teriam

competência para o julgamento, pois a maior parte dos proprietários do banco eram moradores da Geórgia

e isso bastaria para afastar a competência. O tribunal acolheu esse argumento e considerou que a

personalidade jurídica era relevante na determinação da competência, mas que neste caso não deveria ser

considerada, bastaria a predominância de proprietários do banco da Geórgia para que a competência fosse

dos Tribunais Estaduais e não Federais. O argumento principal era que as Pessoas Colectivas não eram

mais do que uma união de cidadãos unidos frente a uma série de circunstâncias e a atribuição de

personalidade não poderia fazer com que esse carácter se perdesse. (Bank of the United States v.

Deveaux, 9 U.S. 5 Cranch 61 61 (1809), Disponível em

http://supreme.justia.com/cases/federal/us/9/61/case.html )

4 WORMSER, I. Maurice, Piercing the veil of corporate identity, Col. L. Rev., 1912 apud CORDEIRO,

António Menezes: O Levantamento da Personalidade Colectiva no Direito Civil e Comercial. Almedina,

2000, Pp. 108.

5 BALLANTINE, Henry Withorp: On corporations, 1946 apud CORDEIRO, António Menezes: O

Levantamento da Personalidade Colectiva no Direito Civil e Comercial. Almedina, 2000, Pp. 109 e 110.

10

Já para BAKER e CARY - o levantamento da personalidade impor-se-ia sempre

que a pessoa colectiva fosse “used to defeat public convienience, justify wrong, protect

fraud or defend crime”6.

Recentemente, autores norte-americanos vêm defender que a figura do

levantamento deve ser abolida. Assim, BRAINBRIDGE7 apelida o instituto de

“dysfuncional doctrine”, afirmando que os pressupostos de aplicação não estão

explicitamente definidos, deixando grande margem de discricionariedade para os juízes,

o que causa uma grande insegurança. Acrescenta, ainda, que o instituto não é

compensador no plano social pois o impacto causado com a responsabilidade ilimitada

do sócio é desproporcional aos benefícios que vem trazer.

Já no continente Europeu, em Inglaterra, esta questão surgiu em finais do séc.

XIX, a doutrina era já da opinião de que, em determinados casos, a ideia de

personalidade colectiva não devia ser absolutizada. Nestes termos, surgiu na

jurisprudência o famoso caso Salomon vs. Salomon & Co8. que se tornou paradigmático.

Na Alemanha, onde foi exaustivamente tratada, esta questão surgiu com o êxito

das sociedades por quotas. De facto, esta figura criada pelo legislador alemão teve

bastante sucesso já que a responsabilidade dos sócios era limitada e até então apenas

surgiram sociedades anónimas ou de responsabilidade ilimitada (reunindo, portanto,

mecanismos que responsabilizavam ilimitadamente os sócios perante as dívidas da

sociedade).

6 Baker e Cary (colocar nome do livro) apud CORDEIRO, António Menezes: Direito das Sociedades,

Volume I, 3ª Edição, Almedina, Coimbra, 2012, Pp. 424 afirmam, então, que o instituto aplicar-se-ia

sempre que a pessoa colectiva fosse usada para iludir terceiros ou actuar de forma ilícita.

7 BRAINBRIDGE, Stephen M., Abolishing veil piercing, University of California, Los Angeles School of

Law, Julho de 2000, disponível em: http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=236967, Pp. 36

ss.

8 Salomon constituiu em 1892 uma sociedade por acções, decidindo distribuir uma acção para cada um

dos seis membros da sua família, ficando com 20.000 acções para si. Posteriormente, constituiu para si

um crédito privilegiado no valor de 10.000 libras esterlinas, fazendo com que, mais tarde, a sociedade

ficasse insolvente. Uma vez que ele era credor privilegiado, nada restou aos outros credores para que

pudessem satisfazer os seus créditos.

A justiça inglesa, na sua decisão de 1ª instância, decidiu que devia desconsiderar a personalidade jurídica

da sociedade, entendendo que houve fraude no negócio. Mas esta decisão foi posteriormente reformada

pela Câmara dos Lordes com o fundamento de que a sociedade havia sido validamente constituída, sem

qualquer nenhum vício para. Esta decisão, apesar de ter vindo a ser contrariada por uma instância

superior, serviu como precedente à formulação da disregard doctrine.

11

Esta questão foi debatida no Reichgericht no início do século XX onde se

concluiu que a personalidade jurídica colectiva se mantinha. Esta posição fora

posteriormente reiterada em 1915 e 1918 9 só tendo vindo a ser alterada no primeiro

pós guerra, em 1920 quando se questionou se os devedores das sociedades do Reich

poderiam saldar as suas dívidas usando os créditos que detinham perante o próprio

Reich. Grande parte da jurisprudência defendeu o afastamento do princípio da separação

do património, fazendo com que, deste modo, se compensassem os débitos nas

sociedades com os créditos que detinham para com o Reich, ficando as dívidas saldadas.

Seguiu-se esta posição uma vez que houve um abuso da posição jurídica da sociedade

do Reich, considerou-se ter havido uma violação do princípio da boa fé. A partir daqui,

esta posição manteve-se tendo sido o instituto aplicado em diversas situações de

unipessoalidade e, deste modo, se lançaram as suas bases.

Em 1955 SERICK publicou um livro intitulado “ Rechtsform und Realitat

Juristicher Personen” 10 que é tido como o escrito basilar do instituto do levantamento

no direito continental Europeu. Aqui, o autor coloca o problema, apresenta hipóteses

concretas, analisa a jurisprudência e apresenta soluções.

De referir, ainda, a chegada deste instituto a Itália, pela mão de PIERO

VERRUCOLI que publicou, em 1964, um estudo sobre esta temática intitulado “Il

superamento della Personalità Giuridica delle Società di Capitali nella Common Law e

nella Civil Law”. O autor centrou o seu estudo numa comparação entre os sistemas de

common law e civil law, principalmente no que diz respeito às sociedades de capitais,

uma vez que em Itália as sociedades de pessoas não são têm personalidade jurídica.

Posteriormente, o tema foi, também, abordado por SALA11.

A Portugal, este instituto chegou por via doutrinária. Foi abordado em primeiro

lugar por FERRER CORREIA12 em 1948, note-se que esta obra surgiu 7 anos antes da

9 RG 27-Out.-1914, RG 4-Jun-1915 e RG 21-Jan.-1918 apud CORDEIRO, António Menezes: Tratado de

Direito Civil Português, Volume I, Parte Geral, Almedina, Coimbra, 2001, Pp.674

10 Forma Jurídica das pessoas colectivas –consistiu na tese de Doutoramento de ROLF SERICK,

defendida em 1953 de e publicada em 1955. 11 SALA, Beltrachini C., Abusi della persona giuridica sociale, in Rivista del Diritto Commercial,

XXXVII Parte Seconda, 1939, Pp. 261 e ss.

12 CORREIA, A. Ferrer: Sociedades Fictícias e Unipessoais. Coimbra, 1948, Pp. 321 a 325

12

de SERICK. Posteriormente, seguiu-se-lhe ORLANDO DE CARVALHO13 que

abordava o tema nas suas aulas. Em 1986 MENEZES CORDEIRO14 introduz o instituto

nas suas lições. Em 1989 PEDRO CORDEIRO15 apresenta a sua dissertação de

mestrado à Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa exclusivamente

dedicada ao tema do levantamento da personalidade jurídica colectiva. Já COUTINHO

DE ABREU na sua tese de doutoramento16, apresentada em 1996 à Faculdade de

Direito da Universidade de Coimbra, faz também uma abordagem ao assunto do

levantamento.

Posteriormente, vários autores se lhes seguiram, estudando as questões levantadas pelo

instituto. De referir RICARDO COSTA17, MARIA DE FÁTIMA RIBEIRO18, DIOGO

PEREIRA DUARTE19 e CATARINA SERRA20.

Cumpre, por fim, fazer uma breve referência ao direito brasileiro, onde o tema

foi divulgado pela obra de LAMARTINE CORREIA DE OLIVEIRA21, exaustivamente

referido, entre nós, nas obras de OLVEIRA ASCENSÃO. E ainda aos escritos recentes

de RUBENS REQUIÃO22, JAIRO SENTO-SÉ23 e JULIANA ARAÚJO24.

13 CARVALHO, Orlando de: Teoria Geral do Direito Civil – Relatório sobre o Programa, Conteúdo e

Métodos de Ensino, Coimbra, 1976, Pp. 45 e 46

14 CORDEIRO, António Menezes: Direito da Economia. Volume I, Lisboa, 1986, Pp. 218 ss.

15 CORDEIRO, Pedro: Desconsideração da personalidade jurídica das sociedades. Universidade

Lusíada, 2ª Edição, Lisboa, 2005

16 ABREU, Coutinho de: Da empresarialidade – as empresas no Direito. Coleção TESES, Almedina,

1996, Pp. 197 ss.

17 COSTA, Ricardo: A Sociedade por Quotas Unipessoal e o Direito Português, Almedina, 2002, Pp. 653

ss. Ou COSTA, Ricardo: Desconsiderar ou Não Desconsiderar: eis a Questão, in Boletim da Ordem dos

Advogados, Nº 30 Jan/Fev 2004, Pp. 10ss.

18 RIBEIRO, Maria de Fátima: A Tutela dos Credores das Sociedades por Quotas e a Desconsideração

da Personalidade Jurídica, Almedina, Coimbra, 2009

19 DUARTE, Diogo Pereira: Aspectos do levantamento da personalidade colectiva nas sociedades em

relação de domínio, Almedina, Lisboa, 2007

20 SERRA, Catarina: Desdramatizando o Afastamento da Personalidade Jurídica, Revista Julgar Nº

9/2009, Pp. 111-130

21 OLIVEIRA, Lamartine Correia de: A dupla crise da pessoa jurídica, São Paulo, 1979 apud

ASCENSÃO, Oliveira: Direito Comercial. Volume I, Lisboa, 1996, Pp. 418 e 419 , ASCENSÃO,

Oliveira: Teoria Geral do Direito Civil. Volume I, Lisboa 1996, Pp. 310 e 311 e ASCENSÃO, Oliveira:

Direito Comercial. Volume IV, Lisboa, 2000, Pp. 612-616

22 REQUIÃO, Rubens: Curso de Direito Comercial, 1º Volume, Ed. Saraiva, São Paulo, 2003

13

II – Terminologia

No direito Americano, tem sido usado o termo “Disregad of Corporateness”,

que, literalmente traduzido, significa desconsideração da personalidade. Já os alemães

preferiram o uso do termo “Durchgriff bei Juristicher Personem” que, por sua vez numa

tradução literal, quer dizer penetração.

De acordo com a terminologia adoptada no Brasil e difundida pela obra de

LAMARTINE CORREIA DE OLIVEIRA, tem-se vindo a popularizar em Portugal o

termo “desconsideração da personalidade colectiva”.25

Já GALVÃO TELLES26 propõe o vocábulo “superação” que, aliás, utiliza ao

longo de ambos os pareceres.

Também CATARINA SERRA27 utiliza a expressão “afastamento”.

MENEZES CORDEIRO28 levanta a questão da terminologia a adoptar:

efectivamente, os termos provenientes do direito brasileiro e americano são

deselegantes, além de que o vocábulo “desconsideração” tem uma conotação negativa29

23 SENTO-SÉ, Jairo: Desconsideração da Personalidade Jurídica, in Revista dos Mestrandos em Direito

Económico na Universidade Federal da Bahia, Volume 4/ Julho 1993/Dezembro 1995, Pp. 281 e ss.

24 ARAÚJO, Juliana Cristina: A desconsideração da Pessoa Jurídica – A Polémica sobre a necessidade

de Prova, in: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n.81, out 2010. Disponível em: http://www.ambito-

juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8484

25 Esta expressão tem sido usada entre nós maioritariamente por OLIVEIRA ASCENSÃO (ASCENSÃO,

Oliveira: Direito Comercial. Volume I, Lisboa, 1996, Pp. 418 e 419 , ASCENSÃO, Oliveira: Teoria

Geral do Direito Civil. Volume I, Lisboa 1996, Pp. 310 e 311 e ASCENSÃO, Oliveira: Direito

Comercial. Volume IV, Lisboa, 2000, Pp. 612-616).

26 TELLES, Galvão: A Venda a Descendentes e o Problema da Supereração da Personalidade Jurídica

das Sociedades, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 39 III, 1979, Pp. 513 - tratam-se de dois

pareceres que o autor elaborou no âmbito de um processo judicial e que vieram, posteriormente, a ser

publicados na ROA.

27 SERRA, Catarina: Desdramatizando o Afastamento da Personalidade Jurídica, Revista Julgar Nº

9/2009, Pp. 112 e 113

28 CORDEIRO, António Menezes: O Levantamento da Personalidade Colectiva no Direito Civil e

Comercial. Almedina, 2000, Pp. 101 ss. CORDEIRO, António Menezes: Tratado de Direito Civil

Português, Volume I, Parte Geral, Almedina, Coimbra, 2001. Pp 671 ss. e CORDEIRO, António

Menezes: Direito das Sociedades, Volume I, 3ª Edição, Almedina, Coimbra, 2012, Pp 420 ss.

29 Em sentido contrário Cfr. ABREU, Coutinho de: Curso de Direito Comercial. Volume II, Almedina,

Coimbra, 2012, Pp. 177 ss. Efectivamente, o autor considera que, em primeiro lugar, o termo

14

que inevitavelmente se reflectiria no instituto.

Refere, ainda, o autor que “penetração” provindo do direito alemão é uma expressão

que também não é elegante, pelo que não a devemos adoptar. Nestes termos, propõe o

autor o uso do vocábulo “levantamento”. Efectivamente, em termos jurídicos esta é uma

locução neutra, pelo que pode ser preenchida com qualquer significado jurídico.

Seguimos, então, no nosso trabalho, a posição de MENEZES CORDEIRO, pelo

que adoptamos o termo “levantamento da personalidade jurídica” para designar o

instituto objecto deste estudo.

III – Delimitação do Problema

Imaginem-se os seguintes casos: uma sociedade fica descapitalizada, por

conseguinte o risco da sua actuaçao transfere-se para os respectivos credores; os meios

que faltam a uma sociedade de responsabilidade limitada são supridos através de

empréstimos dos sócios que deste modo se tornam credores da sociedade; o sócio usa o

património social como se do seu património pessoal se tratasse ou vice-versa e em caso

de acção executiva movida pelos credores invoca o princípio da separação de

patrimónios; o sócio incute nos credores a ideia de que responde pessoalmente pelas

dívidas da sociedade; uma pessoa, inibida de exercer certa actividade, constitui uma

sociedade para a poder exercer através dela; um devedor da sociedade paga o valor em

dívida ao sócio único e a sociedade vem, posteriormente, pedir novo pagamento; uma

sociedade dominante toma medidas prejudiciais para os credores de uma sociedade

dominada em seu próprio benefício ou no interesse de uma outra sociedade do grupo;

uma sociedade impedida de adquirir acções próprias constitui outra sociedade da qual é

sócia única e, através dela, compra as acções …

Perante situações semelhantes a estas, mostra-se imprescindível encontrar uma

solução através da qual seja possível chegar aos sujeitos que estão por detrás da pessoa

levantamento é bastante próximo do vocábulo Anglo-Saxónico Lifting the veil e, em segundo lugar, a

expressão desconsideração não traz consigo qualquer sentido pejorativo e acrescenta que aquilo a

desconsiderar nem é pessoa humana.

15

colectiva e que actuam através dela, para que no caso concreto a justiça material não

seja abafada pela/( in)justiça formal.30

Não obstante o exposto, note-se que o legislador já encetou uma busca por

soluções que permitam combater esta problemática, através de normas legais que co-

responsabilizem os sócios por actos imputados à sociedade. Vejam-se, então, os Artigos

78 a 84, 270-F, 491, 501 e 502 do Código das Sociedades Comerciais e os artigos 11

N.º 2 e 3 e 22 do DL 248/86 de 25 de Agosto que regula o EIRL.

A questão sobre a qual se debruça o levantamento da personalidade jurídica

colectiva está relacionada com as consequências de atribuição às pessoas colectivas de

personalidade jurídica. Efectivamente, a imputação à própria sociedade de actos ilícitos

perpetrados pelos seus órgãos e a limitação da responsabilidade da sociedade ao seu

património tem levantado vários problemas que este instituto se propõe a resolver.

Foi, então, a partir desta difusão da utilização do esquema das sociedades de

capitais para fins distintos daqueles para os quais foram criados, abusando da sua

personalidade jurídica e prejudicando terceiros, que surgiu a figura do levantamento da

personalidade jurídica colectiva. Abundante na jurisprudência e discutido na doutrina

tem sido, também, o caso das sociedades unipessoais31 e dos EIRL. Efectivamente, a

existência de um só sócio, além de constituir um desvio ao Princípio da

Contratualidade, traz várias preocupações ao nível da limitação da responsabilidade e da

consequente fuga do património pessoal dos sócios à responsabilidade pelas dívidas

sociais.

Há, ainda, um problema debatido actualmente no seio da doutrina e que se

prende com a autonomização do instituto. Se por um lado há quem tenha como ponto

assente de que o levantamento já conquistou o seu lugar no ordenamento e é tido como

um instituto jurídico autónomo, por outro lado há quem considere que este não se deve

30 MELO, Afonso de: Sugestões para um Diálogo, in Tribuna da Justiça, Nº 45, Setembro/Outubro de

1988

31 Reconhecidas pelo Legislador através do DL 257/96 de 31 de Dezembro, onde se veio expressamente

dar a possibilidade ao sócio de constituir uma sociedade unipessoal por forma a limitar a sua

responsabilidade pessoal através da constituição de sociedades por quotas unipessoais. Para maiores

considerações, ver SERRA, Catarina: As Novas Sociedades Unipessoais por Quotas, in Scientia Iuridica,

TOMOS XLVI e XLVII, N.º 265/267 – Janeiro/Junho de 1997, Pp 115 e ss.

16

considerar independente uma vez que a sua aplicação é apenas uma consequência de

determinadas normas já plasmadas na legislação em vigor. Como meio-termo destas

duas posições extremistas, temos autores que perseguem um caminho mais seguro,

defendendo que realmente há casos considerados de levantamento em que não acontece

mais do que a mera aplicação das normas jurídicas em vigor. Admitem, porém, que há

situações em que para se chegar a uma solução justa terá de se seguir o pensamento

proveniente da figura do levantamento. Casos esses em que se tem de chegar à pessoa

que está por detrás da actuação societária sem que haja, no entanto, qualquer norma que

o legitime. Nestes casos, os autores vêm-se forçados a admitir que, efectivamente, para

alcançar uma solução justa e equilibrada, o instituto do levantamento da personalidade

colectiva terá de ser autonomizado para se fazer actuar.

Posto isto, cumpre exemplificar, em primeiro lugar, os autores que consideram

este um instituto autónomo:

Entende, MENEZES CORDEIRO32 que há levantamento da personalidade

jurídica colectiva quando, por força de normas ou princípios gerais, o sistema determina

que fiquem sem efeito as normas que, em situações normais, ditariam a constituição de

outra pessoa de direito. Deste modo, afasta-se a personalidade jurídica sempre que, com

recurso a uma pessoa colectiva, se pretenda contornar uma lei, violar obrigações

contratuais ou causar prejuízo a terceiros. O autor acrescenta33, ainda, que o

levantamento é tido como um instituto de enquadramento, uma vez que consegue reunir

figuras que, de outro modo, ficariam dispersas. Deste modo, o instituto consegue

aglutinar um conjunto de situações em que parece ser legítimo afastar a autonomia da

personalidade jurídica. A diferença entre todas elas, é colmatada pela boa fé, que

constitui, aqui, o elo de ligação.

JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES34, por seu turno, propõe um conceito

desenvolvido à volta da questão da instrumentalização35 da personalidade jurídica.

32 CORDEIRO, António Menezes: Direito da Economia. Volume I, Lisboa, 1986, Pp. 224

33 CORDEIRO, António Menezes: Tratado de Direito Civil Português, Volume I, Parte Geral, Almedina,

Coimbra, 2001 671-673

34 ANTUNES, José Engrácia: Os grupos de Sociedades. Almedina, 2ª Edição, Coimbra, 2002, Pp. 598 e

599

35 Sobre a questão da instrumentalização debruçou-se ORLANDO GUINÉ - GUINÉ, Orlando Dinis

Vogler: A responsabilização Solidária nas Relações de Domínio Qualificado, in Revista da Ordem dos

17

Assim, para o autor, o levantamento consiste num mecanismo de natureza

jurisprudencial que aplica uma responsabilidade agravada aos sócios que utilizem a

sociedade como um instrumento para prosseguir fins ilícitos, escondendo-se por detrás

da personalidade jurídica colectiva e fiando-se na responsabilidade limitada. Através

deste instituto, o julgador, mesmo sem ter uma norma legal que o imponha, através de

uma exigência do sistema, afasta a personalidade jurídica do ente colectivo de forma a

permitir a imputação aos sócios da responsabilidade que seria atribuída a sociedade.

Na opinião de COUTINHO DE ABREU36, o levantamento da personalidade

jurídica pode definir-se como a derrogação ou não observância da autonomia jurídico-

subjectiva e/ou patrimonial das sociedades em face dos respectivos sócios. Acrescenta,

ainda que este instituto opera recorrendo à interpretação teleológica de disposições

legais e negociais e ao abuso de direito – suportadas numa visão não absolutizadora do

princípio da separação entre a pessoa colectiva e os respectivos sócios.

OLIVEIRA ASCENSÃO37 considera que a teoria do levantamento da

personalidade jurídica colectiva opera quando houver fraude à lei, quando a

personalidade colectiva for usada para perpetrar actos ilícitos ou no caso de se tratar de

uma sociedade unipessoal em que esta seja usada para esconder quem age em seu nome

(o sócio). Este instituto tem, igualmente, legitimidade para intervir sempre que se

verifiquem situações de subcapitalização, em que a sociedade prossegue o seu objecto

com um capital manifestamente insuficiente para, no caso de ver a sua responsabilidade

ser accionada, apenas responder até ao valor que integra o seu património.

Seguem-se as posições ditas “intermédias” em que, apesar de não considerarem

o instituto como autónomo, admitem a necessidade da sua aplicação em determinados

casos perante certas circunstâncias:

Advogados, N.º 66, 2006, Pp. 313 a 315. – O autor, defende que instrumentalizar significa colocar uma

coisa ao serviço da outra através de uma instrumentalização para lá do razoável. E o que se deverá

entender por instrumentalização para lá do razoável? Devemos, pois, colocar-nos no lugar de um gestor

criterioso e aferir se determinada actuaçao será admissível face a uma ponderação entre factores como a

vantagem que o negócio terá para a sociedade e o nível de instrumentalização a que ela está submetida.

36ABREU, Coutinho de: Curso de Direito Comercial. Volume II, Almedina, Coimbra, 2012, Pp. 176 e ss.

37 ASCENSÃO, Oliveira: Teoria Geral do Direito Civil. Volume I, Lisboa 1996, Pp. 310 e 311

18

Para PEDRO CORDEIRO38, o levantamento da personalidade jurídica colectiva

deve ser entendido em dois níveis: em primeiro lugar, encontramos um nível mais

amplo onde se encontram todos os casos de violação do princípio da separação entre a

pessoa colectiva e respectivos sócios. Posteriormente, deparamo-nos com um nível mais

restrito onde se enquadram os casos a ser solucionados pelo levantamento enquanto

instituto jurídico autónomo, sem qualquer norma que imponha os seus efeitos. Casos em

que houve um abuso e que se sente necessidade de impor determinadas consequências.

Este autor sustenta que, o instituto ganha autonomia quando se fala que o sócio levou a

cabo um “abuso de instituto”. Cumpre esclarecer do que se trata. PEDRO CORDEIRO

defende, pois, que aos institutos jurídicos cumpre um papel autónomo a par do princípio

da proteção da confiança, através da atribuição de direitos subjectivos. São estes

princípios que se completam e se podem opor numa relação de tensão em que nenhum

deles pode ser limitado. Assim, temos que, a proibição do abuso deve ser alargada a

estes dois grupos de princípios surgindo, assim, ao lado do abuso de direito o abuso de

instituto como restrição à liberdade de actuação. Deste modo, os limites de um

determinado comportamento têm de ser aferidos em função do objectivo do instituto

jurídico em questão. Há, então, abuso de instituto quando as sociedades sejam utilizadas

para prosseguir fins contrários àqueles que o ordenamento jurídico pensou ao criar

aquele instituto. Posto isto, e tendo em conta que as sociedades desempenham

determinadas funções no ordenamento jurídico, podemos dizer que há abuso de instituto

sempre que houver desfuncionalização da sociedade. O autor conclui, então, que o

levantamento só surge como instituto autónomo nos casos de responsabilidade, sendo

que no âmbito dos outros grupos de casos, a solução para resolver a questão pode ser

encontrada em normas jurídicas.

O instituto opera como uma excepção à responsabilidade limitada nos casos em

que a lei faz funcionar esse desvio (são disso exemplos os artigos 84 N.º 1 ou 83 do

Código das Sociedades Comerciais). Para além destas expressões legais, a figura surge,

também, através de construções doutrinais e jurisprudenciais para que os sócios sejam

responsabilizados a título pessoal por certos actos por eles praticados em nome da

38 CORDEIRO, Pedro: Desconsideração da personalidade jurídica das sociedades. Universidade

Lusíada, 2ª Edição, Lisboa, 2005, Pp. 55 e ss.

19

sociedade. É esta, pois, a posição de fendida por PEREIRA DE ALMEIDA39. Continua,

o autor, dizendo que esta figura procura atingir situações de abuso que não cabem nas

previsões expressamente previstas pelo legislador.

TRIUNFANTE40 tem algumas dúvidas quanto à aplicabilidade do instituto,

considerando não ser este o melhor expediente para resolver o problema. De facto, há

um denominador comum: os sócios da sociedade aproveitam-se da separação

patrimonial e da responsabilidade limitada para praticar actos ilícitos (que prejudicam

terceiros, maioritariamente devedores) que são, desde modo, imputados à sociedade. O

autor, nestes termos, considera exagerado o recurso ao levantamento uma vez que a

sociedade nunca deixará de ser responsável. Acrescenta, ainda, que fazer os sócios

responder por actos praticados em nome da sociedade não contende com a sua

personalidade41. Nestes termos, defende que grande parte dos casos que este instituto

procura resolver não exige um remédio tão poderoso nem com consequências tão

onerosas. A sociedade deve, porém, manter a sua personalidade jurídica intacta uma vez

que se torna suficiente impor ao sócio a responsabilidade pessoal. Assim, o seu

património vai ser afectado pelos prejuízos causados a terceiros. TRIUNFANTE admite,

ainda, que hipóteses há em que se torna efectivamente necessário levantar a

personalidade, o que se verifica quando o problema reside na confusão entre a pessoa do

sócio e a sociedade (e não necessariamente nos patrimónios) e quando os interesses por

detrás da actuação da sociedade são de um terceiro e não do sócio, necessário se torna

desconsiderar a personalidade jurídica para se chegar ao verdadeiro “agente” na esfera

jurídica do qual a responsabilidade por tais actos seja imputada42.

O autor termina por dizer que se o legislador teve o cuidado de prever situações

39 ALMEIDA, Pereira de: Sociedades Comerciais e Valores Mobiliários, Coimbra Editora, 5ª Edição,

Coimbra, 2008, Pp. 51-56

40 TRIUNFANTE, Luís e outros: Desconsideração da Personalidade Jurídica – Sinopse Doutrinária e

Jurisprudencial, in Revista Julgar, Nº 9/2009, Pp.132-134

41 Veja-se que no regime consagrado para os sócios da sociedade em nome colectivo e para os sócios comanditados das sociedades em comandita impõe uma responsabilidade ilimitada. 42 Exemplo paradigmático que ilustra esta questão é aquele em que as sociedades se encontrem em

situações de domínio ou de grupo como empregador são solidariamente responsáveis por todos os

créditos laborais, sendo indiferente que o empregador seja a sociedade dominante ou subordinada – a

responsabilidade é igual. Esta norma é compreensível se considerarmos que, dentro de um grupo de

sociedades, prosseguem-se os interesses comuns sendo que, por vezes, prejudica-se uma das sociedades

em prol dos interesses do grupo. Esta assunpção de responsabilidade solidária vem, pois, contrariar a

ideia de personalidade colectiva, resultando, claramente, na ideia do levantamento.

20

concretas de abusos e definir as respectivas consequências43, quer dizer que se deve

optar pela restrição do âmbito de aplicação do instituto. Assim, sempre que, perante um

caso concreto, este seja subsumível numa determinada norma, se deve preferir a sua

aplicação na vez da aplicação do instituto do levantamento. Entende, então, uma

delimitação negativa do âmbito de aplicação do levantamento.

Por fim, chega a hipótese dos que negam a autonomização do instituto. Destaca-

se JAN WILHELM principal defensor das teorias negativistas (a que voltaremos

adiante). O autor recusa, então, a autonomia do instituto uma vez que este lidaria com

proposições muito vagas, o que levaria a uma grande insegurança jurídica.

IV – A Personalidade Jurídica Colectiva

“As sociedades gozam de personalidade jurídica e

existem como tais a partir da data do registo definitivo

do contrato pelo qual se constituem, sem prejuízo do

disposto quanto à constituição de sociedades por fusão,

cisão ou transformação de outras.” 44

Uma vez celebrado e registado o contrato de sociedade, as sociedades adquirem

personalidade jurídica.

As pessoas colectivas são colectividades de pessoas ou complexos patrimoniais

organizados em função de um interesse comum a que a ordem jurídica atribuiu a

qualidade de sujeitos de direitos através da personalidade jurídica colectiva. A pessoa

colectiva, mediante a atribuição de personalidade jurídica, transforma-se num sujeito de

direito autónomo relativamente ao(s) seu(s) sócio(s).

O vocábulo “pessoa colectiva”, cumpre acrescentar, abrange as associações –

colectividades de pessoas que não têm por escopo o lucro económico dos associados;

fundações – complexos patrimoniais afectados por uma liberalidade à prossecução de

uma finalidade estabelecida pelo fundador ou em harmonia com a sua vontade;

sociedades – conjunto de pessoas que contribuem com bens ou serviços para o exercício

43 Cfr. Artigos 58 N.º 1b), 84, 270 F N.º 4, 501, 502, 503 N.º 4, 508 do CSC e 378 do Código do

Trabalho. 44 Artigo 5º do Código das Sociedades Comerciais

21

de uma actividade económica dirigida à obtenção de lucros e à posterior divisão pelos

sócios. 45

Quanto à sua natureza, a pessoa colectiva deriva da necessidade de criação de

um ente ao qual pudessem ser imputados direitos e deveres afectos à prossecução de

interesses comuns e duradouros. Têm surgido, neste âmbito, várias teorias, entre as

quais se destaca a teoria ficcionista de SAVIGNY que defende que a personalidade

colectiva seria uma “fictio iuris”. Ao atribuir personalidade colectiva, a lei estaria a

ficcionar que as pessoas colectivas se tratavam de pessoas singulares. Defende, então, o

autor, que as pessoas colectivas são todos os sujeitos de relações jurídicas a que não

corresponda uma pessoa natural, mas que são tratados como tal através de uma ficção

jurídica.

Por outro lado, temos a teoria organicista ou realista, propugnada por OTTO

VON GIERKE46, que via as pessoas colectivas como entes sociais que existem na

realidade paralelamente às pessoas singulares, no entanto aparecem como pessoas

colectivas.

Não se poderão admitir, no entanto nem a teoria realista nem a organicista.

Senão vejamos, para atribuir-se personalidade colectiva o direito não precisa de fingir

que está perante uma pessoa singular uma vez que o conceito de personalidade jurídica

(tanto singular como colectiva) é uma criação jurídica. Diferenças há na atribuição de

personalidade jurídica a uma pessoa singular ou a uma pessoa colectiva, veja-se, por

exemplo, o carácter instrumental da personalidade jurídica colectiva, por oposição ao

carácter final da personalidade jurídica singular. Não pode ser aceite, também, a teoria

organicista uma vez que esta se baseia na ideia de que é necessário construir um

organismo sociológico para se lhe poder fazer a atribuição de personalidade jurídica.

Torna-se, pois, desnecessária esta construção, uma vez que a personalidade jurídica é

uma realidade do mundo do direito.

HANS KELSEN avançou, ainda, com a teoria do normativismo formalista que

parte do princípio de que a personalidade colectiva é um regime consagrado para

pessoas naturais. É, pois, aqui que reside o erro desta teoria.

45 Artigo 157 do Código Civil 46 Esta teoria é, também, seguida por LARENZ e por LAMARTINE CORREIA DE OLVEIRA.

22

Entre nós, ORLANDO CARVALHO47, é defensor da teoria da personificação.

Para esta teoria, os direitos atribuídos à pessoa colectiva através da personalidade

jurídica, são direitos que se encontram vinculados à prossecução de um determinado

fim.

Não obstante as teorias aqui apresentadas, temos que, COUTINHO DE ABREU

defende que domina hoje na nossa doutrina a compreensão técnico-jurídica da pessoa

colectiva. Esta compreensão, produto da técnica jurídica, apresenta-nos a personalidade

colectiva como expediente utilizável por várias organizações através da qual lhes é

atribuída a qualidade de sujeitos de direito, de autónomos centros de imputação de

direitos e deveres.48 Por outro lado, temos PEDRO PAIS VASCONCELOS49, o autor

defende que na doutrina é dominante a teoria do realismo analógico. Efectivamente,

ambas as teorias têm e comum a compreensão de que a personalidade colectiva é uma

realidade jurídica. A divergência entre elas centra-se na questão de saber se esta

produção normativa tem necessariamente de ter um determinado elemento ontológico

que lhe sirva de referência. A doutrina portuguesa tem evoluído no sentido da tese mais

normativista, defendida por COUTINHO DE ABREU e seguida também por

MENEZES CORDEIRO. De facto é a que, entre nós, parece mais acertada.

A atribuição de personalidade jurídica às pessoas colectivas tem, pois, efeitos50.

Dentre eles destaca-se o da uma autonomia patrimonial, a pessoa colectiva é dotada de

um património autónomo relativamente ao dos seus sócios. É este, talvez, o aspecto

fulcral do regime da personalidade colectiva e o que gera, também, grandes problemas

provenientes do desrespeito por parte dos sócios por esta autonomia patrimonial.51

Autonomia patrimonial, acrescente-se, significa a existência de um regime especial de

responsabilidade por dívidas, ou seja, a afectação de um conjunto de bens considerados

autónomos e que responderão por determinadas dívidas.

A autonomia patrimonial existe sempre na personalidade colectiva, uma vez que essa

47 CARVALHO, Orlando de: Teoria Geral do Direito Civil – Relatório sobre o Programa, Conteúdo e

Métodos de Ensino, Coimbra, 1976, Pp. 45-46

48 ABREU, Coutinho de: Curso de Direito Comercial. Volume II, Almedina, Coimbra, 2012, Pp. 164 e

ss.,

49 , Pedro Pais de: Teoria Geral do Direito Civil, 2ª Edição, Almedina, Coimbra, 2003, Pp. 133 50 A Personalidade Colectiva gera, então, autonomia patrimonial, nome (firma ou denominação de

determinada pessoa colectiva), sede, órgãos, capacidade de gozo e de exercício de direitos. 51 Senão pense-se no exemplo da confusão de esferas patrimoniais, caso que abordaremos mais adiante

neste trabalho.

23

massa patrimonial não se confunde com aquela das pessoas singulares que a integram

(os sócios). Pode, no entanto, haver autonomia patrimonial sem haver personalidade

colectiva52.

Temos, então, que os conceitos de autonomia patrimonial e personalidade

colectiva não são idênticos nem podem ser confundidos. Assim, por um lado o conceito

de autonomia patrimonial é passível de significar um comportamento imputado a uma

massa de bens quando há responsabilidade pelas dívidas na sua administração ou

exploração. Por outro lado, também assume o significado de ser responsável pelas

dívidas ainda não relacionadas com o fim social e a irresponsabilidade pelas dívidas de

qualquer outro património.

Já a ideia de personalidade jurídica exige a insensibilidade da massa dos bens

autónomos às dívidas contraídas por outro sujeito , mesmo que se lhe juntem outros

patrimónios (e.g., no âmbito de uma fiança), o primeiro não perderá a sua personalidade

jurídica.53

Ainda no âmbito da autonomia patrimonial da sociedade, emergem duas

questões que cumpre resolver: em primeiro lugar, qual a posição dos sócios perante os

credores sociais e, em segundo, a possibilidade de responsabilização do património

social pelas obrigações dos sócios. Quanto à responsabilidade dos sócios perante os

credores, temos que dizer que há sociedades em que a responsabilidade dos sócios é

ilimitada, respondendo estes solidariamente para com os credores sociais (nas

sociedades em nome colectivo, todos os sócios são de responsabilidade ilimitada, nas

sociedades em comandita, os sócios comanditados também têm esse tipo de

responsabilidade). Nas sociedades por quotas e anónima, contudo, a responsabilidade

dos sócios e limitada, pelo que, para satisfazer os seus créditos, os credores apenas

dispõem do património social.

Quanto à segunda questão colocada, cumpre esclarecer que os credores pessoais dos

sócios não podem chamar à responsabilidade o património social. Assim explica

FERRER CORREIA dizendo que, o conceito de autonomia patrimonial implica uma tal

52 Pode alcançar-se esta autonomia patrimonial de forma negocial através da associação sem

personalidade jurídica (artigo 602 do código civil) ou i caso da herança jacente (artigo 2097 do código

Civil.) 53 Posição defendida por CORREIA, A. Ferrer: Lições de Direito Comercial, Ed. Lex, Coimbra, 1994,

Pp.256 ss.

24

separação que os bens separados são insensíveis às dívidas contraídas para um fim

diferente daquele a que se encontram adstritos. O autor acrescenta ainda, que

relativamente às sociedades civis, o código civil (Artigo 999 N.º 1) predispõe que um

credor particular do socio pode apenas executar o direito desse socio aos lucros e à

quota de liquidação. No que toca às sociedades comerciais, a lei nada diz. Assim, seria

incompreensível que às sociedades comerciais se desse uma autonomia jurídica menor

do que às sociedades civis. Entende, posto isto, o autor, que os credores particulares dos

sócios não têm qualquer direito à execução do património social, enunciando, ainda,

aquele a que chama de Princípio da Insensibilidade dos bens sociais às obrigações dos

sócio 54 . Todo o exposto é, ainda, reforçado pela ratio do disposto no artigo 1000º do

Código Civil55.

Hoje em dia, a natureza da pessoa colectiva tem sido novamente alvo de

discórdia na doutrina. Efectivamente, a pessoa colectiva, a partir do racionalismo, tem

sido absolutizada. Vários autores têm mostrado essa absolutização.56

Entende-se, pois, que a personalidade jurídica enquanto conceito expressivo da

autónoma subjectividade da pessoa colectiva (é ela, pois, que marca a distinção entre a

esfera jurídica da pessoa colectiva e as restantes) não deve ser absolutizada uma vez que

o que ela possibilita pode ser possibilitado por outas técnicas jurídicas.

Deve, então, a partir daqui concluir-se pela relativização da personalidade

jurídica? Deverá entender-se que a sua utilidade está subvalorizada? COUTINHO DE

ABREU57 considera que não. O autor admite, porém, a fraca função normativa do

instituto, efectivamente a disciplina específica das pessoas colectivas decorre da lei, não

sendo deduzível do conceito de pessoa jurídica. Não obstante, ele reconhece que a

54 CORREIA, A. Ferrer: Lições de Direito Comercial, Ed. Lex, Coimbra, 1994 Pp. 256 ss, e ainda

CORREIA, A. Ferrer: A autonomia patrimonial como pressuposto da personalidade jurídica, in Revista

de Legislação e Jurisprudência, Ano 115, Junho/Julho, 1982, Pp. 44 e 45.

55 ARTIGO 1000.º - Não é admitida compensação entre aquilo que um terceiro deve à sociedade e o

crédito dele sobre algum dos sócios, nem entre o que a sociedade deve a terceiro e o crédito que sobre

este tenha algum dos sócios. 56 “ A personalidade jurídica é algo de absoluto, em si insusceptível de medida, de qualificação (…). Ou

se tem aquela possibilidade ou não se tem, ou se é pessoa jurídica ou não se é (…)” TEIXEIRA, A. BRAZ, Princípios de direito fiscal,3ª Ed., Almedina, Coimbra, 1985, Pp. 179 apud ABREU, Coutinho de: Curso

de Direito Comercial. Volume II, Almedina, Coimbra, 2012, Pp. 170 e 171.

57 ABREU, Coutinho de: Da empresarialidade – as empresas no Direito. Coleção TESES, Almedina,

1996, Pp. 203

25

expressão pessoa colectiva tem uma importante função, não só ao nível ideológico, mas

também lhe vê uma importância semântica já que a sua utilização dispensa a

enumeração das múltiplas espécies de pessoas colectivas.

V – As Teorias do Levantamento da Personalidade Jurídica Colectiva

Várias têm sido as teses apontadas para legitimar o instituto do levantamento da

personalidade jurídica colectiva. Iremos, aqui, apontar 4 dessas teses.

a) Teoria Subjectivista – Esta é a tese defendida por SERICK. O autor alemão

entende que a personalidade jurídica colectiva deve ser afastada sempre que

se verifique um abuso da sua forma jurídica com o objectivo de prosseguir

fins ilícitos. A ilicitude desses fins seria aferida casuisticamente, de acordo

com a intenção consciente do agente. Nestes termos, partindo de uma visão

unitária da pessoa colectiva (para assim se poder aplicar este instituto a

qualquer forma societária), o levantamento da personalidade jurídica é

admitido sempre que haja abuso de direito.

De notar, ainda, a grande ousadia do autor ao apresentar esta teoria, já

que se vivia uma altura em que a pessoa jurídica era absolutizada no seio da

doutrina e jurisprudência.

A teoria de SERICK não tem, no entanto, vingado entre a doutrina. São-lhe

apontadas várias críticas, entre as quais a de que a ilicitude da utilização

abusiva da sociedade gera culpa, o que faz com que o caso se possa subsumir

ao instituto da responsabilidade civil, não se mostrando necessário o recurso

ao levantamento. A doutrina realça, ainda, a questão da grande

subjectividade levantada pelo pressuposto da intenção consciente do agente

em usar a sociedade de modo ilícito. Este elemento iria desencadear grandes

dificuldades ao nível da produção de prova.

Há, ainda, quem diga que, esta teoria peca pelo exagero de considerar

abusiva a actuação da pessoa colectiva fora dos limites da sua função.58

58 Crítica apontada por CORDEIRO, António Menezes: O Levantamento da Personalidade Colectiva no

Direito Civil e Comercial. Almedina, 2000, Pp. 108-111

26

PEDRO CORDEIRO59acrescenta, ainda, a ponderação do princípio da

segurança jurídica que necessita de ser tido em conta, sob pena de se

frustrarem as legítimas expectativas dos sócios; crítica o facto de o autor não

ter feito uma distinção consoante os vários tipos de sociedade, aponta, então,

como falha a utilização de uma visão unitária da pessoa colectiva; e,

finalmente, aponta que não foi mostrada, na enunciação da teoria, a cabal

necessidade de criação de um novo instituo jurídico.

b) Teoria Objectivista – Esta teoria tive como ponto de partida a rejeição da

teoria subjectiva (o que se recusava, concretamente, daquela teoria era a

utilização de elementos subjectivos para se chegar ao levantamento). Partiu-

se de um acórdão do BGH60 que diz que perante um abuso intencional da

personalidade jurídica colectiva, a consequência será a do afastamento da sua

autonomia. Então, segundo esta teoria, estarão reunidos os pressupostos para

afastar a autonomia da personalidade jurídica quando a pessoa colectiva seja

usada de forma distinta daquela para que foi constituída, sempre que houver

abuso institucional (sem que nunca o factor de ponderação da intenção do

agente esteja presente).

PEDRO CORDEIRO61 volta, nesta teoria, a apontar a questão da falta de

fundamentação para criar este novo instituto.

c) Teoria da aplicação de normas – Teoria apresentada por MULLER-

FREIENFELS62 com o objectivo de, essencialmente, ser uma alternativa à

visão propugnada por SERICK. O autor defende, então, que o levantamento

da personalidade jurídica coletiva reconduzir-se-ia à mera aplicação de

normas jurídicas, ou seja, considerar-se-ia haver levantamento sempre que,

por via do seu escopo, uma determinada norma jurídica que fosse aplicável

ao caso concreto impusesse a não verificação da separação de patrimónios.

59 CORDEIRO, Pedro: Desconsideração da personalidade jurídica das sociedades. Universidade

Lusíada, 2ª Edição, Lisboa, 2005 Pp. 30-32

60 BGH 30-Jan.-1956 61 Ver nota Nº 53 62 MULLER-FREIENFELS, Zur lehere von sogenannten “durchgriff” bei juristichen personen in

provatrecht apud CORDEIRO, António Menezes: Tratado de Direito Civil Português, Volume I, Parte

Geral, Almedina, Coimbra, 2001 Pp. 694 e 695

27

MENEZES CORDEIRO63 nega, à partida, esta concepção, advertindo para o

facto de a teoria fazer esquecer que a personalidade colectiva é dotada de

valores próprios e não apenas um mero jogo de normas.

d) Teorias negativistas – Largamente difundidas por JAN WILHELM. Estas

negam a autonomia do levantamento da personalidade enquanto instituto

jurídico autónomo uma vez que, se se admitisse a sua autonomia, este

conduziria a uma grande insegurança jurídica já que iriam lidar com

proposições vagas.

VI – Grupos de Casos

Por uma questão de sistematização de conteúdos, os autores optaram por

individualizar grupos de casos dentro da temática do instituto. Assim, várias foram as

propostas de divisão. Comecemos por enunciar algumas delas:

COUTINHO DE ABREU,64 distingue dois grupos de casos: por um lado, casos

de imputação, que abarcam as hipóteses em que certos comportamentos, conhecimento

ou qualidades dos sócios são imputados à sociedade e vice-versa. Podemos dar, neste

caso, um exemplo com que a nossa jurisprudência já se confrontou várias vezes em que

alguém, obrigado por uma cláusula limitativa da concorrência (e.g. proveniente de um

contrato de trespasse), passou a concorrer através de uma sociedade da qual era sócio. 65

Por outro lado, individualiza casos de responsabilidade. Aqui enquadram-se as

hipóteses em que a regra da responsabilidade limitada é derrogada devido à verificação

de várias situações, nomeadamente mistura de esferas (pessoais e patrimoniais),

subcapitalização e domínio qualificado.

63 CORDEIRO, António Menezes: Tratado de Direito Civil Português, Volume I, Parte Geral, Almedina,

Coimbra, 2001 Pp. 695

64 ABREU, Coutinho de: Curso de Direito Comercial. Volume II, Almedina, Coimbra, 2012, Pp. 178 –

184 - O autor segue os entendimentos dos autores alemães WIEDMANN, LUTTER e RAISER,

adaptando-os ao ordenamento jurídico português.

65 Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 52/1919, Pp. 204 e ss.

28

MENEZES CORDEIRO66 individualiza: confusão de esferas jurídicas (que

ocorre quando não esteja clara a separação entre o património da sociedade e o do sócio

– note-se aqui o exemplo paradigmático das sociedades unipessoais, assunto a que

voltaremos adiante); subcapitalização (quando a sociedade seja constituída com um

capital manifestamente insuficiente, tendo em conta o seu objecto); atentado a terceiros

(verifica-se quando a personalidade colectiva seja ilicitamente usada para prejudicar

terceiros) e abuso da personalidade colectiva (traduz-se em situações de abuso do direito

ou de exercício inadmissível de posições jurídicas, que os sócios ou terceiros pratiquem

para prejudicar a pessoa colectiva) e, por fim, as relações de domínio qualificadas (que

se dividem em duas vertentes: de um lado a responsabilização de sócios e do outro a

responsabilização de outras sociedades do grupo).

PEDRO CORDEIRO67, separa os casos de mistura de patrimónios, por um lado,

e subcapitalização, por outro. Para o autor, há subcapitalização quando o volume de

negócios da sociedade e o seu capital próprio são desproporcionais. Já por mistura de

patrimónios ele entende ser a mistura de sujeitos (e.g. os mesmos membros da

administração em duas sociedades diferentes), por um lado, e a mistura de patrimónios,

por outro.

PEDRO PAIS VASCONCELOS68, por outro lado, individualiza: imputação

subjectiva de conhecimentos, qualidades ou comportamentos juridicamente relevantes

(onde são imputados à sociedade o conhecimento ou consciência do sócio) e imputação

de responsabilidade contratual (onde a responsabilidade patrimonial da sociedade é

imputada ao sócio ou vice-versa, com o objectivo de evitar a frustração de créditos

quando o património do verdadeiro devedor se revelar insuficiente).

Para o nosso trabalho, optaremos por seguir a divisão proposta por MENEZES

CORDEIRO uma vez que, no nosso ponto de vista, individualiza os casos mais

recorrentes na nossa jurisprudência, aglutinando-os através de características que os

mesmos têm em comum. É este, ainda, o autor que propõe um maior número de grupos

66 CORDEIRO, António Menezes: O Levantamento da Personalidade Colectiva no Direito Civil e

Comercial. Almedina, 2000, Pp. 121

67 CORDEIRO, Pedro: Desconsideração da personalidade jurídica das sociedades. Universidade

Lusíada, 2ª Edição, Lisboa, 2005, Pp. 134 e 135

68 VASCONCELOS, Pedro Pais de: Teoria Geral do Direito Civil, 2ª Edição, Almedina, Coimbra, 2003,

Pp. 182

29

de casos o que, para nós, constitui uma mais-valia já que, quantos menos grupos forem

usados, maior será a generalização e, neste assunto em causa, e tendo em conta que as

matérias aqui convocadas são tão díspares, generalizar apenas contribuirá para

prejudicar uma análise mais rigorosa. Nestes termos, optaremos por individualizar 4

grupos: Confusão de esferas jurídicas, subcapitalização, atentado a terceiros e abuso da

personalidade colectiva, relações de domínio qualificadas. Posto isto, analisaremos, de

seguida, cada um dos grupos de casos propostos:

A) Confusão de Esferas Jurídicas

Verifica-se uma situação de confusão de esferas sempre que, por

inobservância das regras societárias ou por decorrências objectivas, não

fique clara a separação entre os patrimónios da sociedade e sócios.69 É esta

a concepção de MENEZES CORDEIRO.

De facto, quando os comportamentos do sócio vão no sentido de dispor

do património da sociedade como se coisa própria se tratasse, nomeadamente

através do pagamento de débitos sociais com contas pessoais, se o recurso às

contas da sociedade para satisfazer interesses pessoais é recorrente, se o

sócio celebra negócios jurídicos relacionados com bens pessoais em nome da

sociedade … temos que todas estas situações se nos afiguram como casos

legítimos de levantamento da personalidade jurídica colectiva.70

Defende FERRER CORREIA71, e bem, a nosso ver, que a sociedade

unipessoal e o sócio único constituem distintas pessoas jurídicas: uma coisa é

a esfera dos direitos e deveres do sócio, outra diferente é os direitos e

deveres da sociedade. O sócio, ao agir como órgão da sociedade, não adquire

para si mesmo quaisquer direitos nem tem de responder por obrigações

próprias da sociedade. Há que ter, não obstante, cautelas quanto ao equilíbrio

entre os interesses dos credores e o peso do princípio da separação de

69 CORDEIRO, António Menezes: Tratado de Direito Civil Português, Volume I, Parte Geral, Almedina,

Coimbra, 2001, Pp. 116

70 Veja-se este e outros exemplos - COSTA, Ricardo: Desconsiderar ou Não Desconsiderar: eis a

Questão, in Boletim da Ordem dos Advogados, Nº 30 Jan/Fev 2004, Pp. 10 e 11

71 CORREIA, A. Ferrer: Sociedades Fictícias e Unipessoais. Coimbra, 1948, Pp. 322 e 323.

30

patrimónios. Cumpre, assim, chegar a um ponto óptimo em que se consigam

contrabalançar os vários interesses em causa.

Tem vindo a individualizar-se, neste contexto, o caso paradigmático das

sociedades unipessoais.72 Efectivamente, a unipessoalidade é um mecanismo

propício e convidativo a este tipo de confusões. Uma vez que apenas há um

sócio este facilmente poderá confundir créditos e débitos próprios com o da

sociedade, e vice-versa (intencionalmente ou não).

O legislador resolveu intervir nesta matéria através do artigo 270 – F do

CSC.73 Assim, para não correr o risco do uso indiscriminado da figura do

levantamento da personalidade jurídica colectiva sempre que o intérprete se

deparasse com uma hipótese de unipessoalidade, e, igualmente, para

neutralizar o receio face à possibilidade de a sociedade unipessoal constituir

uma fonte de abusos e fraudes que iriam inevitavelmente colocar em risco a

posição jurídica de terceiros que com ela tivessem relações jurídicas, o

legislador resolveu criar uma figura que servisse para regular as condições de

celebração de negócios jurídicos entre o sócio único e a respectiva sociedade

por quotas unipessoal. Nestes termos, o artigo 270 – F exige que o negócio

seja materialmente compatível com o objecto prosseguido pela sociedade;

em termos formais, o preceito legal manda que seja o negócio celebrado sob

a forma escrita e o mesmo publicitado no relatório de gestão e nos

documentos de prestação de contas (sendo que tais documentos são passíveis

de consulta por parte de qualquer interessado, na sede social). Caso os

requisitos enunciados não sejam tidos em consideração na celebração do

72 Na Alemanha, enquanto o esquema das sociedades unipessoais não foi admitido, esta situação de

confusões de esferas no âmbito de situações de unipessoalidade, foram sendo resolvidas através do

instituto do levantamento da personalidade jurídica colectiva. A título de exemplo temos vários acórdãos,

e.g. BGH 8-Jul.-1957; BGH 13-Nov.-1973; BGH 12-Nov.-1975. CORDEIRO, António Menezes:

Tratado de Direito Civil Português, Volume I, Parte Geral, Almedina, Coimbra, 2001, Pp. 682 e 683.

73 Artigo 270.º - F (Contrato do sócio com a sociedade unipessoal)

1. Os negócios jurídicos celebrados entre o sócio único e a sociedade devem servir a prossecução do

objecto da sociedade e a respectiva autorização tem de constar da escritura de constituição da sociedade

ou da escritura de alteração do contrato de sociedade ou da de aumento do capital social.

2. Os negócios jurídicos entre o sócio único e a sociedade obedecem à forma legalmente prescrita e, em

todos os casos, devem observar a forma escrita.

3. Os documentos de que constam os negócios jurídicos celebrados pelo sócio único e a sociedade devem

ser patenteados conjuntamente com o relatório de gestão e os documentos de prestação de contas;

qualquer interessado pode, a todo o tempo, consultá-los na sede da sociedade.

4. A violação do disposto nos números anteriores implica a nulidade dos negócios jurídicos celebrados e

responsabiliza ilimitadamente o sócio.

31

negócio, este será nulo. Na opinião de MARIA DE FÁTIMA RIBEIRO74, o

N.º 4 deste artigo vai longe demais. A autora explica que a tutela pode ser

satisfatória para ambas as partes através da responsabilização do património

do sócio a título subsidiário, caso a sociedade não tivesse meios suficientes

para ressarcir o credor. Mesmo interpretando o preceito de forma a extrair

que o que se pretende com ele é responsabilizar o património do sócio,

fazendo funcionar a figura do levantamento, MARIA DE FÁTIMA

RIBEIRO continua a dizer que o preceito é manifestamente exagerado já que

mesmo para fazer actuar o levantamento se torna imprescindível um dano à

sociedade, dano esse que o preceito legislativo em causa não exige.

Já COUTINHO DE ABREU75 considera que o legislador, com este

preceito, quis impor um determinado grau de transparência nos negócios

celebrados entre o sócio e a sociedade, com o objectivo de proteger a posição

jurídica de terceiros.

Uma questão pertinente cumpre, neste ponto, colocar: Será, então, este

artigo 270 – F do CSC uma manifestação do levantamento da personalidade

colectiva ex lege?

RICARDO COSTA76 responde afirmativamente, e bem, a nosso ver,

acrescentando, ainda, que se pode fazer uma extensão teleológica deste

preceito de forma a legitimar o instituto do levantamento da personalidade

jurídica colectiva em todos os casos em que o sócio tenha uma conduta que

leve à confusão entre o seu património pessoal e o da sociedade. De facto, o

artigo transporta consigo a ratio do instituto do levantamento da

personalidade colectiva – afastar a personalidade da sociedade, perante um

comportamento abusivo por parte dos sócios, para que o património pessoal

destes responda perante as dívidas criadas por essa actuação. Apesar dos

74 RIBEIRO, Maria de Fátima: O Âmbito de Aplicação do Artigo 270 – F N.º 4 do CSC e a

Responsabilidade Ilimitada do Sócio Único, Direito das Sociedades em Revista, Ano 1, Volume 2,

Outubro 2009, Pp. 235

75 ABREU, Coutinho de: Da empresarialidade – as empresas no Direito. Coleção TESES, Almedina,

1996, Pp. 200 e 201

76 COSTA, Ricardo: Unipessoalidade Societária. IDET – Miscelâneas, Nº 1, Almedina, Coimbra 2003,

Pp. 139 e 140

32

argumentos contra77, entendemos ser, pois, uma tentativa do legislador

introduzir expressamente esta possibilidade no ordenamento jurídico, e, por

isso, ser esta uma manifestação do instituto.

PEDRO CORDEIRO78, faz, ainda, uma distinção entre mistura de

sujeitos de responsabilidade e mistura de massas patrimoniais. Mistura de

sujeitos de responsabilidade verifica-se, no entender do autor, através da

existência de uma unidade de posse das quotas ou da entidade dos membros

da administração de duas ou mais sociedades, do desrespeito pelas

formalidades societárias e, ainda, na localização no mesmo endereço das

sedes de várias sociedades de responsabilidade limitada com firmas e ramos

de actividade semelhantes. Cada uma destas situações torna-se, pois, passível

de criar prejuízos a terceiros, nomeadamente credores sociais. Os sócios que

pretenderem preservar a autonomia patrimonial e consequente

responsabilidade limitada devem, pois, propugnar pelo respeito à separação

de patrimónios, não adoptanto quaisquer condutas conducentes a que hajam

dúvidas sobre essa independência. Já por mistura de massas patrimoniais, o

autor refere-se a situações em que o próprio património do sócio e da

sociedade são insusceptíveis de distinguir, assim, perante os credores, os

sócios não podem invocar a propriedade de bens que eles próprios

consideram ora seus, ora da sociedade. Uma situação destas gera, como é

claramente perceptível, responsabilidade ilimitada.

Ainda no âmbito da separação de patrimónios, faremos ainda uma breve

referência à responsabilidade do património por dívidas do EIRL. Nestes

termos, se o titular não respeitar o princípio da separação patrimonial, faz

todo o seu património responder pelas dívidas. É este, pois, o preceituado

77 Autores há que defendem que o instituto do levantamento é aplicável apenas subsidiariamente e, uma

vez que existe esta norma, não será de aplicar o levantamento. Refutamos o argumento apenas através de

um pequeno apontamento: trata-se de saber se se entende ser esta uma manifestação daquele instituto e

não se ele é aplicável a um caso igualmente subsumível na norma em questão. Sendo o instituto de

aplicação subsidiária e havendo uma norma que se subsuma ao caso concreto, não será de aplicar o

instituto. Porém, é inegável que a norma é uma manifestação do levantamento da personalidade jurídica

colectiva, basta para isso atentar às finalidades e pressupostos de ambos. 78 CORDEIRO, Pedro: Desconsideração da personalidade jurídica das sociedades. Universidade

Lusíada, 2ª Edição, Lisboa, 2005, Pp. 70 e 71

33

pelos N.º 2 e 3 do artigo 11 do DL 248/86 de 25 de Agosto.79 Acrescente-se,

ainda, a responsabilidade ilimitada do sócio pelas dívidas fiscais, imposta

pelo artigo 25º do DL 398/98 de 17 de Dezembro (Lei Geral Tributária).

B) Subcapitalização

Para efeitos de levantamento da personalidade jurídica colectiva, há

subcapitalização quando uma sociedade for constituída com capital

insuficiente, sendo que, a insuficiência de capital é aferida em função do

objecto e do volume de negócios da sociedade. A sociedade encontra-se,

assim, desprovida de recursos patrimoniais necessários à concretização do

fim social e respectiva actividade, sem que essa carência possa ser suprida

através de empréstimos ou aumentos de capital.

O Código das Sociedades Comerciais elenca, ainda, nos artigos 243 a

245 um conjunto de hipóteses em que a subcapitalização se pode verificar.

São as hipóteses que não se enquadram nestes artigos que iremos abordar de

seguida.

Há que fazer uma distinção entre subcapitalização nominal e material.

Assim, a primeira significa que a sociedade tem capital insuficiente para

prosseguir o seu objecto, mas pode recorrer a capitais externos. Já na

subcapitalização material, a sociedade revela insuficiência de fundos quer

próprios quer alheios. Só esta última é relevante para o levantamento. Pode

ser, também, uma subcapitalização originária ou superveniente, consoante se

verifique no momento da constituição da sociedade ou posteriormente.

79 Artigo 11.º (Responsabilidade pelas Dívidas do Estabelecimento Individual de Responsabilidade

Limitada)

1 - Pelas dívidas resultantes de actividades compreendidas no objecto do estabelecimento individual de

responsabilidade limitada respondem apenas os bens a este afectados.

2 - No entanto, em caso de falência do titular por causa relacionada com a actividade exercida naquele

estabelecimento, o falido responde com todo o seu património pelas dívidas contraídas nesse exercício,

contanto que se prove que o princípio da separação patrimonial não foi devidamente observado na gestão

do estabelecimento.

3 - No caso previsto no número anterior, a responsabilidade aí cominada recai sobre todo aquele que,

tendo exercido anteriormente a administração do estabelecimento individual de responsabilidade limitada,

haja transgredido nessa administração o princípio da separação de patrimónios. Se forem vários os

obrigados, respondem solidariamente

34

Não se pode, no entanto, levantar a personalidade jurídica de uma

sociedade só porque ela está subcapitalizada. Há, pois, que ponderar vários

critérios que, a serem preenchidos, conduzirão posteriormente ao

levantamento. Assim, entram nesta ponderação critérios como o objectivo

de, com a subcapitalização, prejudicar os credores da sociedade (uma vez

que a sociedade é de responsabilidade limitada e está dotada de um

património reduzido, assim que ele for excutido, as restantes dívidas ficarão

por pagar); falências geradas por não observância das regras aplicáveis;

Culpa in Contrahendo80; responsabilidade delitual por não apresentar a

sociedade à insolvência quando assim estava obrigado81.

Posição esta reforçada por CASSIANO DOS SANTOS82, ao afirmar que

quando se lidam com sociedades de responsabilidade limitada há um risco

acrescido, não se pode contar que após excutir o património social, o

património do sócio se lhe irá seguir, terá de haver um forte fundamento para

o fazer.

O instituto do levantamento tem sido a resposta dada para os casos de

subcapitalização em que propositadamente os sócios não dotam a sociedade

do capital necessário para prosseguir o seu fim, prejudicando os seus

credores. TRIUNFANTE83 acrescenta que não é qualquer tipo de

subcapitalização que gera este tipo de situações. Efectivamente, o direito

societário não demonstra uma especial preocupação com este tema, uma vez

que não estabelece qualquer obrigação de capitalização inicial adequada. Se

for manifesto que a subcapitalização foi provocada para prejudicar os

80 A responsabilidade pré-contratual (culpa in contrahendo), prevista no n.º 1 do art. 227º do Código

Civil, assenta no conceito de boa fé e tem lugar quando, na fase preparatória de um contrato, as partes, ou

alguma delas, não observam certos deveres de actuação (e.g., deveres de protecção, de informação, de

lealdade).

Assim, o instituto da culpa in contrahendo significa que a autonomia privada é conferida dentro de certos

limites e assumindo primordial relevância os deveres de informação e de esclarecimento, respeitantes,

antes de mais, ao clausulado contratual pretendido, e, particularmente, quando estamos perante sujeitos

com poder contratual desequilibrado, onde há uma parte que detém a posição negocial mais forte, que lhe

permite impor à contraparte, mais inexperiente ou menos esclarecida, cláusulas de que esta, por força

dessa sua debilidade contratual, não logra colher o verdadeiro significado ou de que, pela mesma razão,

nem sequer toma conhecimento. A aplicação da culpa in contrahendo exige a verificação cumulativa dos

requisitos da responsabilidade civil, 81 Artigo 18º e ss. Do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas 82 SANTOS, Filipe Cassiano dos: A Sociedade Unipessoal por Quotas, Coimbra Editora, 2009, Pp. 54 e

55.

83 TRIUNFANTE, Luís e outros: Desconsideração da Personalidade Jurídica – Sinopse Doutrinária e

Jurisprudencial, in Revista Julgar, Nº 9/2009, Pp. 135

35

credores, o autor defende que deve o direito intervir, mas que não é

imperativo que se levante a personalidade jurídica colectiva, bastando, para

isso, fazer responder o património dos sócios pelas dívidas da sociedade

relacionadas com a subcapitalização84.

Há quem considere que o recurso ao levantamento em caso de

subcapitalização se trata de um instrumento obsoleto uma vez que a sua

aplicação está reduzida a um pequeno número de casos já que, em primeiro

lugar, e se subsumir ao caso concreto, se aplicam os institutos da

responsabilidade civil dou da culpa in Contrahendo, só se aplicando em

ultima ratio o levantamento em casos de subcapitalização. MENEZES

CORDEIRO85 defende a permanência deste expediente dizendo que ainda há

margem para a sua aplicação no nosso direito societário.

Como se pode impedir que se verifique esta situação de subcapitalização,

é a questão que se segue. Para além das contribuições mínimas para o capital

social exigidas por lei, são ainda estabelecidos um conjunto de preceitos

destinados a fixar o capital, impedindo que os sócios se sirvam desse

montante.

C) Atentado a Terceiros e Abuso da Personalidade Colectiva

O atentado a terceiros verifica-se quando a personalidade jurídica

colectiva é usada de forma ilícita ou de modo abusivo com o propósito de

prejudicar terceiros. Para além do requisito dos danos a terceiros, torna-se

necessário uma utilização contrária a normas ou princípios gerais de direito e

éticos na área negocial. O comportamento que origina tais medidas

caracteriza-se, essencialmente, pelo atentado à confiança legítima (de

terceiros).

Paradigmático, e recorrente, é o exemplo do recurso a “testas de ferro”,

que, em termos gerais, é a pessoa através da qual o negócio é realizado sem,

no entanto, ser o verdadeiro interessado na sua celebração. Subsumível neste

84 ALMEIDA, Pereira de: Sociedades Comerciais e Valores Mobiliários, Coimbra Editora, 5ª Edição,

Coimbra, 2008, Pp. 51 e ss.

85 CORDEIRO, António Menezes: O Levantamento da Personalidade Colectiva no Direito Civil e

Comercial. Almedina, 2000, Pp. 121

36

ponto é a hipótese de o sócio (ou um dos sócios) celebrar um negócio do seu

interesse pessoal através da sociedade.

O comportamento que suscita, neste grupo de casos, o levantamento da

personalidade jurídica colectiva passará por um atentado contra a legítima

confiança ou pela violação da regra da primazia da materialidade subjacente.

Note-se que, nestes casos, a legitimação da aplicação do levantamento não

passará por normas ou princípios societários, bastará, aqui, o recurso a

elementos civilísticos como a boa fé ou os bons costumes.

D) Relações de Domínio Qualificadas

Para caracterizar a relação de domínio entre sociedades comerciais, há

que partir da noção que nos é dada pelo CSC no seu artigo 486.86 Assim, temos

como elementos essenciais da noção a necessidade de uma sociedade dominante

e outra dependente. O legislador, para auxiliar na tarefa de concretização do

nível de influência que implique esta situação de dependência, elencou, no N.º 2

uma série de situações que funcionam como presunções de uma relação de

domínio

A separação de patrimónios entre a sociedade dominante e os seus

“holders”, as distintas personalidades jurídicas e a limitação da responsabilidade

têm sido usadas com objectivos ilícitos. A sociedade que foi criada para servir

de instrumento para actividades económicas e comerciais converte-se, não raras

as vezes, num instrumento para fins ilícitos no exclusivo interesse da sociedade

dominante. Perante este abuso das sociedades dominantes sobre as dominadas,

necessário se torna intervir.

86 Artigo 486.º (Sociedades em relação de domínio)

1. Considera-se que duas sociedades estão em relação de domínio quando uma delas, dita dominante,

pode exercer, directamente ou por sociedades ou pessoas que preencham os requisitos indicados no artigo

483.º, n.º 2, sobre a outra, dita dependente, uma influência dominante.

2. Presume-se que uma sociedade é dependente de uma outra se esta, directa ou indirectamente:

a) Detém uma participação majoritária no capital;

b) Dispõe de mais de metade dos votos;

c) Tem a possibilidade de designar mais de metade dos membros do órgão de administração ou do órgão

de fiscalização.

3. Sempre que a lei imponha a publicação ou declaração de participações, deve ser mencionado, tanto

pela sociedade presumivelmente dominante, como pela sociedade presumivelmente dependente, se se

verifica alguma das situações referidas nas alíneas do n.º 2 deste artigo.

37

A regulação jurídica em Portugal dos grupos de sociedades assenta numa

separação entre grupos de direito, em que a sociedade-mãe é titular de um poder

legal de direcção sobre as sociedades filhas e pode ser exercido em detrimento

dos interesses próprios desta, e grupos de facto nos quais a sociedade mãe é

titular de uma mera influência dominante cujo exercício vive balizado pelo

primado do interesse social próprio dessas mesmas sociedades. Surgiu

recentemente, ainda, a figura do grupo de facto qualificado que representa uma

modalidade hibrida de organização empresarial plurissocietária, e consubstancia-

se naqueles agrupamentos de sociedades comerciais que, não tendo sido criados

e organizados com base num dos instrumentos legais, se encontram submetidos

a uma direcção económica unitária e centralizada, nos quais a sociedade

dominante exerce um controlo de tal modo abrangente e permanente sobre a

administração da sociedade dependente que o interesse social desta surge

prejudicado. O surgimento deste grupo hibrido faz surgir uma importante

questão que reside numa aplicação analógica, a estes novos grupos, das normas

que regem os grupos de direito (em especial os Artigos 501 e 502 do CSC)87.

No seio dos grupos de sociedades, levantar a personalidade jurídica

colectiva equivale em distribuir a responsabilidade através de critérios distintos

daqueles que resultariam de uma personalidade colectiva dita normal. Assim,

neste campo, há preceitos legais que distribuem a responsabilidade de forma

diferente de modo a que seja possível surpreender a realidade material

subjacente a determinada situação. Desde logo, os artigos 491 e 501 do Código

das Sociedades Comerciais88. Nestes termos, quando uma sociedade dominar

outra, por contrato de subordinação ou de domínio total (por remisssão do artigo

491 do CSC) – e, por analogia, aos grupos de facto qualificados - a sociedade

directora ou dominante responde pelas dívidas da subordinada ou dominada, seja

87 Para maiores desenvolvimentos nesta matéria, ver ANTUNES, José Engrácia: Os grupos de

Sociedades. Almedina, 2ª Edição, Coimbra, 2002, Pp. 597-601

88 Artigo 491.º (Remissão)

Aos grupos constituídos por domínio total aplicam-se as disposições dos artigos 501.º a 504.º e as que por

força destes forem aplicáveis.

Artigo 501.º (Responsabilidade para com os credores da sociedade subordinada)

1. A sociedade directora é responsável pelas obrigações da sociedade subordinada, constituídas antes ou

depois da celebração do contrato de subordinação, até ao termo deste.

2. A responsabilidade da sociedade directora não pode ser exigida antes de decorridos 30 dias sobre a

constituição em mora da sociedade subordinada.

3. Não pode mover-se execução contra a sociedade directora com base em título exequível contra a

sociedade subordinada.

38

qual for a sua fonte. O legislador entende que neste tipo de situações, são

relegados para segundo plano os valores que impõem a total separação de

patrimónios, pondo-se, então, a descoberto a sociedade que está por detrás da

dominada. Esta actuação legitima-se devido à violação do dever de lealdade

imposto pelo princípio do da boa fé.

As consequências decorrentes do levantamento da personalidade jurídica

no seio dos grupos de sociedades, passam, então, por:

a) A sociedade dominante dá instruções dominada sobre os parâmetros que

devem reger a sua administração;

b) A sociedade dominante, mediante determinadas condições e responsável

pelas dívidas da sociedade dominada;

c) A sociedade dominada pode pedir à dominante que cubra as suas perdas.

Do exposto não quer dizer que a separação entre a sociedade dominante e

a dominada tenha desaparecido, mas, que o princípio da separação seja afastado

mediante uma utilização abusiva por parte da sociedade dominante sobre a

dominada.

Há, no entanto, situações perante os quais a sociedade dominante se pode

recusar a responder, temos, assim, duas situações: a primeira acontece sempre

que, no âmbito de um processo de execução, no título apenas conste o nome da

sociedade dominada (Artigo 503 N.º 1 do CSC); a segunda consubstancia-se no

facto de a responsabilidade pelas perdas da sociedade dominada só pode ser

exigida depois do final da relação de domínio, caso contrário, a sociedade

dominada pode recusar-se a pagar (Artigo 502 N.º 2 do CSC).

Impõe-se, neste momento, a questão de saber se é prudente considerar o

artigo 501 do CSC como um meio de levantamento da personalidade jurídica

colectiva ex lege. MENEZES CORDEIRO89 considera que o instituto do

levantamento consiste no afastamento de um ente colectivo personalizado de

modo a perceber a realidade material subjacente, com a particularidade de não

haver uma norma expressa, mas aplicando-se por exigência do sistema. Posto

89 CORDEIRO, António Menezes: O Levantamento da Personalidade Colectiva no Direito Civil e

Comercial. Almedina, 2000, Pp. 100-108, posição também seguida por TERRÍVEL, Rita: O

Levantamento da Personalidade Colectiva nos Grupos, Revista Direito das Sociedades, Nº 4/2012, Pp.

991 e 992 e por CORDEIRO, Pedro: Desconsideração da personalidade jurídica das sociedades.

Universidade Lusíada, Lisboa, 2005, Pp. 74, ao dizer que o levantamento apenas deve ser reconhecida

enquanto instituto autónomo de os problemas a que ela pretende dar resposta não puderem ser resolvidos

através da mera aplicação de normas.

39

isto, o autor considera que o artigo supra citado não consubstancia uma

aplicação do instituto, uma vez que existe uma norma expressa a impor as

mesmas consequências.

Por outro lado, PEDRO PAIS DE VASCONCELOS90, segue um

entendimento diferente, afirmando que o levantamento pode resultar de regimes

jurídicos estatuídos na lei, denominando-se de desconsideração legal, exemplo

disso é o artigo 501.

Posição diferente, nesta questão, assume ANA ANDRADE91, recusando

a ideia de que o artigo 501 do CSC tem subjacente a ideia de levantamento da

personalidade jurídica colectiva. Senão vejamos, para haver levantamento da

personalidade jurídica necessário é haver uma conduta ilícita e abusiva por parte

do sócio que causa prejuízos a terceiros. No caso do artigo 501, a autora defende

que a limitação imposta se deve apenas a considerações que estão relacionadas

com o domínio exercido pela sociedade mãe, pela instrumentalização operada

em função dessa relação e não porque houve uma conduta abusiva ou ilícita.

De facto, o artigo 270-F N.º 4 ou o 84 do CSC são enquadráveis na doutrina do

levantamento uma vez que é pressuposto da sua aplicação um comportamento

abusivo, o que não é o caso do artigo 501.

Somos em seguir a posição defendida por ANA ANDRADE. De facto,

não conseguimos extrair do preceito legislativo a ideia de abuso, de conduta

ilícita e repreensível de que necessitamos para aplicar o levantamento da

personalidade jurídica colectiva. Assim, sempre que se nos deparar um caso em

que, perante uma relação de domínio um credor da sociedade dominada venha

pedir à sociedade dominante para assumir a dívida, seremos em aplicar o artigo

501 do CSC, não fazendo, porém, sentido falar em levantamento da

personalidade92. Deve-se partir para a aplicação da figura do levantamento no

âmbito de uma relação de grupo quando se verifique um abuso, quando haja

uma instrumentalização tal por parte da sociedade dominante que causa graves

prejuízos à sociedade dominada, prejuízos esses que vão para além daqueles

90 VASCONCELOS, Pedro Pais de: Teoria Geral do Direito Civil, 2ª Edição, Almedina, Coimbra, 2003,

Pp. 183

91 ANDRADE, Ana Rita Gomes de: A Responsabilidade da Sociedade Totalmente Dominante, Almedina,

Dezembro, 2009, Pp. 99 a 101.

92 Não basta falar-se em relação de grupo para que soe o alarme da figura do levantamento. A relação de

domínio grupal não é uma relação patológica.

40

aceitáveis no contexto de uma relação semelhante; quando a instrumentalização

for “para lá do razoável”93

Uma situação que tem sido recorrente na jurisprudência, e que importa

ainda referir, é aquela em que, num grupo de empresas a sociedade empregadora

dominada é extinta, no entanto a actividade desta sociedade extinta passou a ser

exercida pela sociedade dominante. O que acontece, neste casos, com os

contratos de trabalho que a sociedade extinta mantinha? Pode dizer-se que

caducam com a extinção da sociedade, porém, COUTINHO de ABREU94 não

concorda: casos como este devem, pois, segundo o autor, configurar uma fraude

à lei, considerando que a extinção da sociedade serve para contornar o ilícito da

proibição legal dos despedimentos. Por conseguinte, os trabalhadores

ilicitamente despedidos a optar por uma indemnização ou pela reintegração na

sociedade dominante.

93 GUINÉ, Orlando Dinis Vogler: A responsabilização Solidária nas Relações de Domínio Qualificado,

in Revista da Ordem dos Advogados, N.º 66, 2006, Pp. 313

94 ABREU, Coutinho de: Grupos de Sociedades e Direito do Trabalho, in Boletim da Faculdade de

Direito da Universidade de Coimbra, Ano 1990, Volume 66, Pp. 144 e ss.

41

II PARTE

42

VIII – A Aplicação do Instituto em Portugal – Análise Jurisprudencial

O instituto do levantamento foi acolhido em Portugal por via doutrinária e

universitária, dispondo já de uma larga aplicação jurisprudencial.

Apesar de ter começado por ser uma aplicação cautelosa, na última década a

jurisprudência tem-se referido expressamente a este instituto, de modo particular em

tentativas de responsabilizar os sócios em situações nas quais todos os outros

mecanismos falhem.

Procederemos, de seguida, a uma tipificação de casos levantados na nossa

jurisprudência a propósito do levantamento da personalidade colectiva, nomeadamente

nas sociedades de capitais. Tendo em conta os aspectos em que se desdobra o regime da

personalidade colectiva nas sociedades comerciais, e levando em consideração que os

casos tanto dizem respeito ao aspecto pessoal ou patrimonial do princípio da separação.

Analisaremos, de seguida, a evolução da jurisprudência, tendo em conta a sua

posição, desde a relutância na sua aplicação até à sua aplicação mais ou menos

consensual entre nós.

Interessa, pois, passar em revista alguns dos casos mais paradigmáticos que

implicaram a aplicação do instituto, operando problemas que ela implica. Esta análise,

vai ser, pois, separada por vários temas, de forma a aglutinar casos com semelhanças

entre si, de modo a que melhor se compreenda a evolução na aplicação do instituto.

a) Atentado a Terceiros

Inserem-se nesta temática todos os casos em que a sociedade é

instrumentalizada, praticando actos que irão prejudicar terceiros, nomeadamente

credores ou a máquina fiscal.

Assim, pronunciou-se o STJ em 200195 numa questão em que os sócios de uma

sociedade por quotas dissipavam os créditos da mesma em negócios pessoais, chgando

até à simulação de um contrato de empreitada com o objectivo de fugir ao fisco,

iludindo os serviços de inspecção tributária. O património da sociedade era, ainda,

colocado ao seu dispor, nomeadamente através de transferências para a própria esfera

patrimonial dos respectivos sócios.

95 STJ 27-11-2001 Processo N.º 02P1076 Relator: Pires Salpico

43

No acórdão recorrido, a relação entende tratar-se de uma situação de

levantamento da personalidade jurídica colectiva uma vez que os sócios tiveram “um

comportamento abusivo e violador dos mais elementares princípios que devem presidir

à constituição e gestão de uma qualquer sociedade”.

Já o supremo entende que esta questão não é subsumível no instituto já que este

“mais não é do que uma importação forçada de construções doutrinarias estranhas ao

nosso sistema jurídico”, não reconhecendo, deste modo, a aplicação do levantamento da

personalidade jurídica colectiva, no nosso ordenamento jurídico.

Posteriormente, em 2002, o Supremo vê-se confrontado com uma situação

semelhante 96:

Uma sociedade por quotas, no âmbito de um processo judicial em que era

devedora, fez uma transação homologada pelo juiz através de um dos sócios gerentes,

que a representava. A contraparte, credora, moveu contra ela uma execução, cujo título

executivo era a sentença (transação homologada). A sociedade veio deduzir embargos

de executado, alegando que a exequente não era detentora de título executivo bastante já

que constava do pacto social da executada que esta apenas se obrigava com a assinatura

dos dois sócios gerentes.

Invocou-se, aqui, um venire contra factum proprium uma vez que se à data da

transação o sócio sabia que apenas a sua assinatura não obrigaria a sociedade agora não

podia vir alegar que a transação não era válida. É, também, trazida a juízo a questão do

levantamento da personalidade jurídica colectiva, através do abuso de direito e do

exercício inadmissível de posições jurídicas verificado pelo comportamento do sócio

que representou a sociedade, afirmando-se que quando este comportamento é tido pelos

sócios através da sociedade com o intuito de prejudicar terceiros, possível se torna

levantar a personalidade jurídica. No entanto, o Tribunal entendeu não ter provas

suficientes para suportar tal decisão, pelo que optou por negar a revista.

Já se torna, aqui, notória uma mudança de posição relativamente ao acórdão

referido anteriormente, uma vez que se admite a aplicação do instituto, este não é

aplicado apenas porque faltam elementos probatórios no processo.

Houve, não obstante, um voto de vencido em que se alega que os exequentes se

afiguram como terceiros de boa fé, pois não sabiam nem deviam saber que a sociedade

96 STJ 15-10-2002 Processo N.º 02A2216 Relator: Pinto Monteiro

44

executada só se obrigava com a assinatura de ambos os sócios gerentes, pelo que

considera a revista.

Em 2005, num acórdão proferido pelo STJ97, veio à discussão uma temática que

é várias vezes discutida em juízo, uma vez que já se tornou numa prática recorrente em

determinadas empresas. Trata-se, pois, do caso em que trabalhadores a termo certo,

perante a resolução do contrato, vêm reclamar os créditos salariais, alegando ainda que,

estando o contrato de trabalho celebrado com uma sociedade, efectivamente exerciam

funções noutra, admitindo a existência de uma relação de grupo entre elas e, a partir daí,

demandavam igualmente a sociedade dita “dominante” uma vez que, aplicando-se o

regime do levantamento da personalidade jurídica colectiva, esta também seria

responsável.

O tribunal de primeira instância dá razão aos AA. Já a relação entende de

maneira diferente. Admitindo que, de facto, o instituto do levantamento é aceite no

nosso ordenamento jurídico, considera que não é de aplicar ao caso. Não existe má fé na

actuaçao das RR. O que existe entre elas é aquilo que o tribunal qualifica como

subcontratação: “a operação através da qual uma empresa confia a outra a tarefa de

executar para si, de acordo com um caderno de encargos ou requisitos pré-estabelecidos,

uma parte ou a totalidade dos actos de produção de bens ou determinadas operações

específicas, de que aquela conserva a responsabilidade final” 98

Nestes termos, o tribunal rejeita aplicação do instituto do levantamento, uma vez

que não considera a existência de uma relação grupal, nem de má fé por parte das

sociedades RR. Decide, então, pela procedência do recurso e consequente revogação da

sentença recorrida.

Ainda em 200599, veio o Tribunal da Relação de Lisboa admitir a existência do

instituto no ordenamento jurídico, usando-o inclusivamente, como chave na resolução

do litígio: Tratava-se de uma acção declarativa em que uma credora de uma

determinada sociedade demanda esta, uma outra sociedade e uma pessoa singular para o

pagamento de uma dívida emergente de um contrato de prestação de serviços celebrado

com a primeira sociedade. Justifica a demanda da segunda sociedade e da pessoa

singular com o instituto do levantamento da personalidade jurídica, uma vez que

97 TRP 24-01-2005 Processo N.º 0411080 Relator: Domingos Morais

98 MARQUES, Maria Manuel Leitão, Subcontratação e Autonomia Empresarial, Porto, Edições

Afrontamento, 1992, Pp. 65 apud Acórdão TRP 24-01-2005 99 TRL 03-03-2005 Processo N.º 1119/2005-6 Relator: Gil Roque

45

considera que a 1ª Ré, a pessoa singular, as utiliza de forma fraudulenta, de má fé com o

propósito de prejudicar terceiros, nomeadamente a os credores e a máquina fiscal.

De facto, é dado como provado que a primeira ré se serviu de duas sociedades

descapitalizadas cujos bens que usavam eram locados, celebrou negócios de largos

milhares de euros em nome das sociedades que apenas eram benéficos a si mesma,

pessoa singular. Mesmo não sendo sócia das sociedades, actuava em nome delas através

de procurações. A 1ª ré servia-se ainda de offshores e ficcionava igualmente um gerente

para as sociedades, o chamado “homem de palha” ou “testa de ferro”, que era o marido

da sua empregada.

O tribunal decide, então, que: “ Em face dos fundamentos que se referiram e que

justificam plenamente o recurso ao

instituto da desconsideração da personalidade jurídica das Sociedades Comerciais, bem

como à já abundante doutrina estrangeira sobre esta questão, e também embora com

alguma timidez a nacional, o legislador português ainda não acolheu o instituto de

forma directa, o que a nosso ver poria fim a muitas irregularidades e injustiças a que se

vem assistindo”. Sendo assim, a 1ª Ré é considerada responsável pela dívida, bem como

as sociedades comercias 2ª e 3ª Ré, a título de responsabilidade subsidiaria, nos termos

do instituto do levantamento da personalidade jurídica colectiva.

Vem o STJ, em 2008100, proferir um acórdão no mínimo controverso. Notório se

torna que já é pacífica a aplicação do instituto, que, aliás, é utilizado para resolver o

caso, mas, a nosso ver, com o devido respeito ao Supremo Tribunal de Justiça,

erradamente. Senão vejamos:

Uma sociedade por quotas celebrou com outra dois contratos promessa de

compra e venda de terrenos, tendo recebido o pagamento por um deles e o sinal pelo

outro, montante esse que os sócios integraram no seu património pessoal. Os réus –

vendedores, posteriormente dissolveram a sociedade declarando que dela não subsistiam

quaisquer bens a partilhar ou passivo. Quando a A. se preparava para celebrar

promessas de compra e venda desses terrenos (com terceiros), deparou-se com o facto

de os terrenos não serem propriedade da sociedade que lhos prometera vender, mas dos

sócios e de um terceiro.

100 STJ 16-10-2008 Processo N.º 07B4533 Relator: Pires da Rosa

46

Ficou assente que a sociedade ré prometera vender algo que não lhe pertencia e

que os seus sócios tiveram um enriquecimento. Assim, através de um “artifício

fraudulento, ilícito, violador das regras da boa fé”, os réus receberam para si o que a

sociedade autora confiava estar a entregar à sociedade ré.

O tribunal decide, então, que se deve levantar o véu da personalidade jurídica

colectiva, para repor a justiça ao caso, para que quem recebeu e não devia receber,

entregue aquilo com que ilicitamente se locupletou.

Criticamos este acórdão uma vez que somos em entender que ao caso não seja

de aplicar o instituto do levantamento da personalidade jurídica colectiva. Não obstante

ser aqui usada uma sociedade para, através de uma actuaçao fraudulenta, ilícita, de má

fé e totalmente contra os objectivos legalmente previstos para esta, se causar prejuízo a

terceiros, cremos que a justiça do caso pode ser reposta através de um instituto menos

oneroso (para a personalidade jurídica colectiva), que é o do enriquecimento sem causa.

Apesar da natureza subsidiária de ambos os institutos, cremos que necessário

não se tornará sacrificar a personalidade jurídica da sociedade, uma vez que a justiça

material se alcançará se o montante indevidamente recebido pelos réus for restituído,

objectivo esse que se alcançará com a aplicação do instituto do enriquecimento sem

causa, tal como dispõe o artigo 473º do Código Civil.

Voltando à temática da reclamação de créditos salariais, concluiremos este ponto

apresentando uma sucessão de acórdãos, todos proferidos entre 2012 e 2013, em que se

opta por levantar o véu da personalidade, julgando as acções procedentes, uma vez que

é comum em todas elas o uso fraudulento da personalidade jurídica para atingir

negativamente a esfera jurídica dos trabalhadores, impedindo-os de adquirir os direitos

que lhes assistiria se os respectivos contratos de trabalho fossem convertidos em

contratos de trabalho sem termo. Esta tomada de posição denota, não só uma aceitação

por parte da jurisprudência do instituto, como também a necessidade de proteger o

trabalhador, que se afigura como a parte mais fraca da relação contratual, contra os

abusos operados pela sociedade empregadora. Atentemos:

O Acórdão do STJ de 28-11-2012,101 trata uma sucessão de contratos de trabalho

a termo certo com uma e posteriormente com outra sociedade, de modo a evitar a

101 STJ 28-11-2012 Processo N.º 229/08.3TTBGC.P1.S1 Relator: Pinto Hespanhol

47

transformação do contrato em termo incerto. Deste modo, o empregador sempre usufrui

dos benefícios que lhe traz o trabalhador, impedindo-o de ter a segurança que um

contrato sem termo lhe daria. Ficou, então, demonstrando que as sociedades fizeram

uma utilização abusiva da personalidade jurídica com o objectivo de prejudicar o

trabalhador nos direitos que lhe assistiriam caso o seu contrato se convertesse em

contrato de trabalho sem termo. Assim, considerou-se ser o despedimento ilícito.

É neste sentido, também, o Acórdão do STJ de 19-02-2013102: O A. celebrou um

contrato de trabalho a termo certo com a primeira ré, que se renovou duas vezes após as

quais foi resolvido. Voltou a celebrar um novo contrato a termo certo, desta vez com

outra sociedade, a segunda ré, para desempenhar as mesmas funções em termos

semelhantes ao primeiro contrato. Este veio a renovar-se por duas vezes, findas as quais

foi resolvido por parte da entidade empregadora. Celebrou, novamente, um contrato de

trabalho a termo certo, que se renovou novamente duas vezes por iguais e sucessivos

períodos de tempo, findos os quais foi resolvido pela terceira ré.

O autor vem alegar que enquanto esteve ao serviço das três RR. sempre recebeu

ordens e instruções da mesma pessoa, sempre conduziu a mesma viatura e em trajectos

semelhantes, em todos os bilhetes que vendeu ao longo dos 7 anos de serviço vinha o

nome da mesma sociedade, a primeira ré.

O tribunal considera ser esta questão semelhante aquela decidida por aquele

mesmo tribunal no acórdão de 28 de Novembro de 2012 (acima referido), em que se

decidiu haver um atentado a direitos de terceiros que justifica o levantamento da

personalidade colectiva. “Justifica-se adoptar uma solução que conduza à chamada

desconsideração da personalidade (…) por forma a garantir que o trabalhador não fique

prejudicado” o que acontece sempre que “se verifique uma utilização abusiva da

personalização autónoma de cada sociedade”.

O tribunal conclui, então, que existem indícios que revelam uma intencional

fraude à lei uma vez que há um aproveitamento da autonomia jurídica de cada uma das

sociedades instrumentalizadas de forma a impedir que o contrato de trabalho se converta

em contrato de trabalho por tempo indeterminado, afastando-se, consequentemente, os

direitos daí decorrentes para o trabalhador bem como impedir que se identifique o

102 STJ 19-02-2013 Processo N.º 73/08.8TTBGC.P1.S1 Relator: Pinto Hespanhol

48

verdadeiro empregador, desta forma ele beneficia do trabalho do trabalhador sem ter de

se responsabilizar pelos direitos que a ele assistem.

Por fim, temos o último acórdão que importa referir, nesta temática: o Tribunal

da Relação de Coimbra103, depara-se com uma acção em que a A. vem pedir créditos

salariais mas demanda a sociedade com a qual celebrou o contrato de trabalho e ainda

uma outra, alegando que esta segunda foi constituída para dissipar o património da

primeira, de forma a descapitalizá-la para ela não ter de responder pelas suas dívidas.

Invoca para isso o instituto do levantamento da personalidade jurídica colectiva.

O Tribunal considera o seguinte: “Todavia e no caso vertente, deu-se como

provado que essa nova sociedade “adquiriu, na data da sua constituição, o

estabelecimento, sito na ..., constituído por todos bens, equipamentos e trabalhadores

que a integravam e que, até àquela data eram propriedade da R. “ B..., Lda.”, visando,

através da constituição de uma nova sociedade, diminuir o património da R. “ B...,

Lda.””, pretendendo os sócios da R., através da criação dessa nova sociedade (que, no

fundo, veio suceder integralmente à R., apenas ficcionando os sóciosda R. que se trata

de uma nova sociedade, distinta da R.), evitar o pagamento dos créditos das AA.”

Denota-se, pois, um manifesto abuso de direito e instrumentalização da

sociedade com o objectivo de lesar direitos de terceiros, pelo que o Tribunal entende ser

de levantar o véu da personalidade jurídica colectiva e fazer responder a segunda

sociedade pelos créditos salariais reclamados.

b) Fraude à Lei ou ao Contrato

Verifica-se uma situação de fraude à lei ou ao contrato quando, através de uma

sociedade, os sócios praticam actos com o objectivo de contornar proibições legais ou

violar obrigações provenientes de contratos. Vejamos alguns exemplos:

Uma questão que tem sido recorrente nos tribunais, que se prende com a alegada

violação do artigo 877º N.º 1 do Código Civil, que proíbe a venda entre pais e filhos

sem o consentimento dos restantes filhos, atentemos:

103 TRC 03-07-2013 Processo N.º 943/10.8TTLRA.C1 Relator: Felizardo Paiva

49

O Supremo, no seu acórdão de 06-01-1976104 Trata uma questão relativa a uma

transmissão de bens feita pelo pai a uma sociedade da qual são sócios alguns dos seus

filhos. Os outros filhos, vêm propor uma acção de anulação da venda, uma vez que os

filhos é que iriam beneficiar desta venda e a mesma foi feita por um preço muito abaixo

do valor de mercado do móvel alienado. Após uma exaustiva discussão, e contando com

dois doutos pareceres105, o Tribunal considerou que não seria de subsumir esta questão

no artigo 877º do Código Civil, daí não levantar a autonomia jurídica e patrimonial da

pessoa colectiva.

Em 2004, na Relação de Lisboa106 viria a surgir, novamente, sobre esta temática,

desta feita com um processo que se debruçava sobre uma transmissão de um imóvel

feita pela Mãe para a sociedade da qual são sócios 2 dos seus 3 filhos. A venda foi feita

por um valor manifestamente inferior ao valor de mercado do imóvel e o filho não sócio

vem pedir a anulação da venda, com fundamento na violação da proibição do artigo 877

N.º 1 do Código Civil e na simulação no negócio de compra e venda (o objectivo era

vender aos filhos, tendo-se vendido à sociedade para iludir a lei).

O tribunal de comarca, declarou a acção improdecente, tendo o A. recorrido para

a relação. Aqui o tribunal, apesar de admitir a existência do instituto do levantamento da

personalidade jurídica no ordenamento jurídico, não é em aplica-lo uma vez que não é

notória na conduta dos réus a o abuso ou a má fé, requisito essencial para a aplicação do

instituto, não obstante o prédio ter sido vendido por um preço manifestamente inferior

ao valor de mercado. Julga, então, o recurso improcedente.

Outra situação que consubstancia uma hipótese de fraude ao contrato é aquela

decidida pelo acórdão do STJ de 10-01-2012107 em que B faz uma escritura de compra

e venda de um imóvel através de uma sociedade da qual é socio maioritário, de modo a

impedir que o imóvel entrasse na sua esfera patrimonial o que iria despoletar a execução

específica por parte da Autora que anos antes havia celebrado um contrato promessa

sobre aquele imóvel com B. O tribunal, admitindo a existência do instituto do

104 STJ 06-01-1976 Processo N.º 065484, Relator: Acácio Carvalho

105 Pareceres esses publicados posteriormente: TELLES, Galvão: A Venda a Descendentes e o Problema

da Supereração da Personalidade Jurídica das Sociedades, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 39

III, 1979, Pp. 513 a 562

106 TRL 22-01-2004 Processo N.º 9061/2003-2 Relator: Azaguy Martins

107 STJ 10-01-2012 – Processo N.º 434/1999.L1.S1 Relator: Salazar Casanova

50

levantamento da personalidade jurídica colectiva, aplica-o uma vez que é clara, aqui, a

intenção de B de fugir à execução específica do contrato promessa celebrado.

c) Confusão de esferas

Incluem-se neste grupo, todos aqueles casos em que não se consegue

distinguir quem praticou o acto: se a sociedade ou o sócio.

No acórdão do STJ – 20-02-2001108 discutiu-se um caso relativo a um acidente

de viação, em que se alegava que o autor sofreu danos em consequência do acidente

causado por culpa de alguém que conduzia um veículo pertencente a outra pessoa e que,

por sua vez, actuava por conta de uma sociedade. Assim, foi alegado que o condutor era

sócio gerente da sociedade ao qual pertencia o veículo. O condutor defendia-se dizendo

que não lhe podia ser imputada a culpa, tendo em conta a separação entre a sua própria

personalidade jurídica singular e a personalidade jurídica da pessoa colectiva da qual era

sócio. Não podia ele, por ser sócio, ser responsabilizado.

O tribunal considerou, então:

“A concluir-se por uma análise puramente formal que o réu não responde a título

de pessoa singular, isentar-se-iam de eventual responsabilidade, sem mais, todos os

intervenientes, quando é certo que a obra existiu e alguém era necessariamente

responsável pela mesma.” Porém, deve considerar-se que um “ direito justo significa

também uma atenção activa à "confusão" por vezes estabelecida entre a pessoa singular

dos sócios e a Sociedade em si.”. Opta, entao, por levantar a personalidade jurídica e

responsabilizar o sócio pelos danos provenientes do referido acidente de viação.

Posteriormente, em 2002, o Supremo Tribunal de Justiça109 deparou-se com

um litígio no qual a autora é uma sociedade anónima que se dedica à emissão

radiofónica, C é uma sociedade comercial que se dedica a produção de programas de

radiodifusão e exploração e produção publicitária em qualquer meio ou suporte. C

celebrou com a Autora um contrato de gestão de espaço publicitário segundo o qual C e

108 STJ – 20-02-2001 Processo N.º 00A3621, Relator: Pinto Monteiro

109 STJ 01-10-2002 – Processo N.º 02A1978 – Relator: Pinto Monteiro

51

outra empresa do mesmo grupo D concediam à autora a exploração do espaço

publicitário relativo à difusão do produto radiofónico conhecido por E. A ré – B,

dedica-se à venda de mobiliário de escritório. O valor do contrato foi acordado em

pagar em prestações. Em Abril de 96, C, por ordem expressa de B, suspendeu a emissão

de publicidade, tendo retomado em maio de 96. No fim de Maio de 96, a ré suspendeu a

emissao de publicidade. A Ré apenas pagou 3 prestaçoes respeitantes ao acordo de

pagamento celebrado. Levanta-se a questão da confusão de esferas entre as sociedades

intervenientes, uma vez que tanto C como D fazem parte do grupo de B.

O Tribunal entende que quando a personalidade colectiva é usada de modo

ilícito ou abusivo, com o intuito de prejudicar terceiros, havendo uma utilização

contrária a normas ou princípios gerais, se pode levantar a personalidade colectiva.

Neste caso, no entanto, o tribunal considera não haver factualidade bastante para

proceder a esta operação, pelo que decide que a autora recorrente não responde pelos

prejuízos apurados.

Parece-nos ser de incluir aqui, ainda, todos aqueles casos em que, no âmbito de

um contrato de arrendamento de um determinado imóvel onde funciona uma sociedade,

não se sabe muito bem na esfera de quem se deve imputar o lado passivo da posição

contratual: se na esfera da sociedade se na dos sócios (ou sócio único). É uma situação

com um número bastante elevado de casos na nossa jurisprudência:

Em 2004, o Supremo110 deparou-se com uma acção de despejo com fundamento

na cessão da posição contratual sem a autorização do senhorio. Para se defendere, os

RR. invocam o levantamento uma vez que os sócios de ambas as sociedades são os

mesmos.

O tribunal decidiu não levantar o véu da personalidade jurídica colectiva já que

não se verificou uma instrumentalização da sociedade para prejudicar terceiros. Pelo

que a acção é julgada procedente e revogado o acórdão recorrido.

Já em 2007, o Supremo111 é confrontado, novamente, com esta problemática.

Uma acção de despejo movida com fundamento da cessão da posição contratual de

arrendatário, de uma sociedade para outra, sem o conhecimento do senhorio.

Efectivamente, o contrato de arrendamento celebrou-se com a sociedade com vista à

110 STJ 28-09-2004 Processo N.º04A2444 Relator: Azevedo Ramos

111 STJ 26-06-2007 Processo N.º 07A1274 Relator: Afonso Correia

52

exploração de uma unidade hoteleira, mas os sócios venderam as respectivas quotas e

formaram outra sociedade com o mesmo objecto, tendo começado a desenvolver a sua

actividade no prédio locado.

O tribunal reconhece a existência do instituto no ordenamento jurídico, no

entanto não é em aplica-lo ao caso uma vez que não é manifesto o abuso de direito ou a

má fé, nem são visíveis sinais de fraude. Temos que se verifica uma decisão semelhante

ao acórdão referido anteriormente, o Tribunal não é em aplicar o instituto uma vez que

falham os pressupostos da sua aplicação, neste caso o abuso de direito e a má fé.

Em 2011, no acórdão do STJ de 24-05-2011112, surge, novamente, uma acção de

despejo com fundamento na falta de consentimento da transmissão da posição de

arrendatário sem conhecimento do senhorio. O prédio em questão foi dado de

arrendamento aos sócios a título pessoal e eles fizeram lá funcionar a sua sociedade

comercial cujo objecto era a exploração de um cefé/cervejaria.

Invoca-se o instituto do levantamento da personalidade jurídica colectiva, uma

vez que o tribunal considera o seguinte: “ Os réus são sócios e gerentes da sociedade,

trabalham juntamente com as esposas ali todos os dias, fazem as compras e decidem os

produtos a comercializar (…) recebem o preço pago, fazem os pagamentos e dividem os

lucros.” E continua dizendo que: “ Ainda que muito da sua actuação possa ter lugar

enquanto sócios da sociedade, não pode deixar de se considerar que tem vindo a existir,

ao longo de muitos anos, uma situação de indistinção, no plano prático, entre eles e ela.

No fundo existe uma realidade que é única e é o direito, ao incidir nela, que cria a

dicotomia entre a actuação das pessoas singulares e da pessoa colectiva.

Estas situações abrem caminho ao recurso à

figura da desconsideração da personalidade colectiva. “

Apesar do exposto, decide não aplicar este instituto já que se o fizesse iriam

restar muitas duvidas relativamente a quem iria ocupar o lado passivo naquela relação

contratual , questão que, sendo decidido que seria a sociedade a parte passiva da relação

contratual estabelecida, iria trazer novas realidades que não seriam alheias ao senhorio

mas nas quais este não poderia intervir: é concedida à sociedade comercial a

possibilidade de admitir novos sócios ou mudar o tipo social.

112 STJ 24-05-2011 Processo N.º 475/04.9TBLLE.E1.S1 Relator: João Bernardo

53

d) Subcapitalização

É exemplo de subcapitalização o já referido acórdão do Tribunal da Relação de

Lisboa113 em que se refere que a Ré se servia de sociedades descapitalizadas cujos bens

“visíveis” eram todos locados, para, deste modo, se escusar à responsabilidade por

eventuais dívidas que surgissem. Nestes termos, e uma vez que a responsabilidade das

sociedades era limitada, estas não tinham qualquer património, os credores não viam as

suas dívidas ressarcidas.

Vem, então, o tribunal, aplicar o instituto do levantamento da personalidade

jurídica colectiva, de modo a que a Ré responda pelas dívidas contraídas.

e) Abuso de Controlo

Inserem-se, aqui, situações em que o sócio, ou vários, usam a sua posição para

tirar para si proveitos, em detrimento da sociedade, nomeadamente através da

dissipação de dividendos sociais para contas próprias.

Ilustrativo, nesta situação é o acórdão do Supremo - STJ – 23-5-2002114, em que

a referência ao instituto se faz meramente para se dizer que no nosso Direito é negada a

sua aplicação, uma vez que a aplicação deste instituto revelar-se-ia violadora das

normas atribuidoras de personalidade colectiva. Trata-se de um caso em que havia uma

acção de responsabilidade proposta por um socio minoritário de uma sociedade,

alegando que o sócio maioritário havia feito um trespasse de estabelecimento para uma

outra sociedade de que ele também era sócio maioritário. Note-se, ainda, que o trespasse

foi feito por menos de metade do valor de mercado. Considera, então, o sócio

minoritário, ter sido prejudicado por aquele negócio.

Outro acórdão que representa esta situação é o do STJ de 03-02-2009115. Aqui, o

gerente da sociedade vendeu um terreno, da qual ela era proprietária, a uma sociedade

com sede em Marrocos, à qual estava associado, por um valor bastante inferior ao valor

113 TRL 03-03-2005 Processo N.º 1119/2005-6 Relator: Gil Roque 114 STJ 23-5-2002 Processo N.º 02B1152 Relator: Abel Freire

115 STJ 03-02-2009, Processo N.º 08A3991, Relator: Paulo Sá

54

de mercado, causando com isso graves prejuízos à sociedade. A autora pede uma

indemnização por responsabilidade civil, com base no artigo 77 N.º 1 do CSC.

Invoca-se, aqui, o instituto do levantamento da personalidade jurídica, mas o

tribunal considera que no caso não há motivos para isso, uma vez que o artigo 77º

satisfaz o propósito da acçao, e o instituto é de natureza subsidiária.

O tribunal a quo confirmou a sentença da relação, pelo que, o gerente foi

condenado a pagar uma indemnização 922 mil euros, acrescidos de juros de mora.

Temos, então, que apesar de ser reconhecido o instituto no nosso ordenamento

jurídico a sua aplicação é afastada em virtude do seu carácter subsidiário.

f) Grupos de Sociedades

Inserimos, neste âmbito, todas aquelas situações em que no âmbito de uma

relação de domínio grupal se levantam dúvidas acerca da efectiva titularidade de

direitos e obrigações, da responsabilidade por dívidas, ou da prática de determinados

actos jurídicos.

Assim, no acórdão do STJ de 16-04-2002116 é levantada a questão relativa a

um arresto ilegal, promovido pela ré, a um navio propriedade da Autora. Pede-se uma

indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.

A ré alega que a C, sua devedora, faz parte do mesmo grupo económico da A e

que esta, inclusivamente lhe pagou certas quantias que a C lhe devia. Invoca o instituto

do levantamento da personalidade jurídica colectiva.

O tribunal decide dizendo que não foi feita prova suficiente de que as sociedades

fazem parte do mesmo grupo económico e conclui dizendo que o arresto feito ao barco

da A. foi uma manobra arriscada, imprudente e censurável, o que resulta num juízo de

culpabilidade, pelo que condena o Réu no pedido.

116 STJ 16-04-2002 Processo N.º 02A530 Relator: Ribeiro Coelho

55

Apresentamos, agora, uma situação em que é derrogada a aplicação do

levantamento em virtude da sua natureza subsidiária, já que, ao caso, é aplicável uma

norma jurídica:

Trata-se de uma acção117 proposta por um credor da sociedade dominada em que

pede a condenação solidária das rés – sociedades dominante e dominada, ao pagamento

do montante em dívida acrescido de juros moratórios à taxa legal até integral e efectivo

pagamento. O tribunal considera a acção procedente, no entanto e fazendo uma análise

ao regime do levantamento da personalidade jurídica, entende que é de condenar ao

pagamento solidário não por aplicação do instituto mas por via de uma imposição legal,

através do preceituado no artigo 501 N.º 1 e 2.

Nesta situação, o Supremo118 deparou-se com um caso em que um trabalhador,

vinculado a uma obrigação de não concorrência, passa a trabalhar numa empresa

dominante de uma outra que concorre directamente com o A., empresa perante a qual o

réu tem essa obrigação.

O tribunal considera que o autor tem razão e que o novo emprego do réu viola a

obrigação de não concorrer, baseando a sua argumentação no instituto do levantamento

da personalidade jurídica colectiva, uma vez que, levantando o véu societário consegue-

se depreender que o Réu efectivamente concorre com a sociedade autor, prejudicando-a.

O Supremo entende, então, ser de julgar procedente a acção e confirma o acórdão

recorrido.

De seguida, iremos ilustrar aqueles casos, repetitivos na nossa jurisprudência,

em que se verifica um despedimento fundado em extinção do posto de trabalho e, ao

mesmo tempo, numa outra empresa do grupo, são criados postos de trabalho para aquela

categoria profissional. Tem-se entendido, assim, poder este tipo de casos constituir um

mecanismo para contornar as imposições legais relativas ao despedimento, de forma a

despedir trabalhadores mais facilmente. Atentemos:

119A, trabalhador com contrato de trabalho com a empresa B vinha a prestar

serviço à empresa C sob a autoridade e direcçao desta. A empresa B cessou o contrato

117 STJ 31-05-2005 Processo N.º 05ª1413 Relator: Fernandes Magalhães 118 STJ 07-02-2007 – Processo N.º 06S3205 – Relator: Fernandes Cadilha

119 STJ 10-01-2007 – Processo N.º 06S2700 – Relator: Pinto Hespanhol

56

de trabalho com o A com fundamento na extinção do posto de trabalho.

A quer que seja reconhecido que o seu contrato de trabalho estava celebrado

com a empresa C, através da utilização do instituto do levantamento da personalidade

jurídica colectiva da empresa A e, assim, declarar o seu despedimento ilícito.

O tribunal aceita a pretensão do autor uma vez que foi produzida a prova de que

as sociedades tiveram uma conduta ilícita ou abuso de direito, uma instrumentalização

da empresa A para permitir à B beneficiar da actividade do trabalhador sem estar

adstrito às obrigações emergentes de um contrato de trabalho.

Um outro caso é aquele discutido no STJ em 09-09-2009120. Trata-se de uma

situação de despedimento ilícito de um trabalhador com fundamento em extinção do

posto de trabalho. O autor, trabalhador, alega que foram criados dois postos de trabalho

para a sua categoria profissional em Itália não lhe tendo sido dada a hipótese de optar

por se deslocar.

O Supremo negou a revista uma vez que não havia prova para fundamentar o

alegado por A e, também, porque a administração interna das empresas é uma matéria

sobre a qual os tribunais têm pouco por onde sindicar.

g) Dificuldades Probatórias

Neste ponto, iremos exemplificar acórdãos nos quais as hipóteses apresentadas

encontrariam solução na aplicação do instituto do levantamento da personalidade

jurídica colectiva, mas que, no entanto, não viram essa aplicação ser feita por manifesta

falta de provas de que se verificariam os requisitos que a doutrina impõe

(nomeadamente má fé, abuso de direito, intenção de prejudicar terceiros).

Assim, o acórdão da Relação do Porto121, o Tribunal é em entender que

“Também o conceito de desconsideração da personalidade jurídica da sociedade não

tem lugar, pelas razões apontadas na sentença recorrida, já que não está provado, nem

sequer alegado:

120 STJ 09-09-2009 – Processo N.º 08S4021 – Relator: Sousa Grandão 121 TRP 25-06-2012 Processo N.º595/10.0TTBCL.P1

57

a) ter existido uma manifesta utilização abusiva da autonomia da ré;

b) ter existido qualquer intenção clara de utilizar uma aparência de pessoa colectiva para

impedir a satisfação patrimonial, ou outras, do trabalhado/Autor (…)”

Exemplos semelhantes a estes, podemos ainda encontrar em vários outros

acórdãos122, sendo que, por falta de elementos de prova – quer porque as partes não

diligenciaram a sua apresentação ou careciam de prova idónea nesse sentido – o

instituto do levantamento não foi aplicado aos vários casos trazidos a juízo.

122 TRP 13-06-2005 Processo N.º 0540646 Relator: Ferreira da Costa

STJ 01-10-2002 – Processo N.º 02A1978 – Relator: Pinto Monteiro

STJ 16-04-2002 Processo N.º 02A530 Relator: Ribeiro Coelho

58

Conclusões:

I - O levantamento da personalidade jurídica colectiva afigura-se como um mecanismo

através do qual, perante uma actuaçao fraudulenta, abusiva e de má fé por parte de uma

sociedade e respectivos sócios, se afasta o princípio da separação de patrimónios, pondo

a descoberto o património do(s) sócio(s) que se tornará responsável pelos prejuízos

causados em virtude dessa actuaçao. Tem, assim, como objectivo primordial a

responsabilização do património de quem instrumentalizou a sociedade para conseguir

proveitos para si ou prosseguir actuações não coincidentes com aquelas para as quais a

sociedade foi criada.

II – O instituto é fruto de construções doutrinárias que surgiram a partir da necessidade

de solucionar questões concretas que chegavam aos tribunais, nos Estados Unidos, em

Inglaterra e, posteriormente, na Alemanha.

III – Terá sido, então, acolhido, entre nós, por via doutrinal e universitária, tendo sido

abordado nos seus escritos, em primeiro lugar, por FERRER CORREIA123.

IV – Com a crescente utilização de sociedades de capitais em detrimento das sociedades

em nome colectivo e em comandita (em que a responsabilidade dos sócios não é

limitada), torna necessária a criação de meios de controlo para evitar os sucessivos

prejuízos para com os credores. Uma vez que com a limitação da responsabilidade dos

sócios, as garantias de pagamento dos credores vêem-se limitadas ao património social,

património esse que nem sempre se mostra suficiente para satisfazer as obrigações das

sociedades. Mostra-se, então, imperativo trazer para o nosso ordenamento jurídico este

meio, de modo a evitar sucessivos abusos perpetrados pelos sócios aos credores sociais,

trabalhadores etc.

V - Apoiando-se em pressupostos como o abuso de direito, a má fé, a

instrumentalização da personalidade jurídica com o objectivo de prejudicar terceiros, a

confusão de esferas entre a sociedade e respectivos sócios, o instituto vem sendo

reconhecido pela doutrina e estabelecida a sua forma de aplicação bem como os

respectivos fundamentos.

123 CORREIA, A. Ferrer: Sociedades Fictícias e Unipessoais. Coimbra, 1948, Pp. 321ss.

59

VI – Perante casos de confusão de esferas, subcapitalização, utilização de uma

sociedade de um grupo em benefício de outra (muito além daquilo que é aceitável

dentro de um grupo de sociedades), abuso de direito, é cogitável a aplicação do instituto

como forma de repor a justiça ao caso.

VII – Reconhecido o seu carácter subsidiário, temos então que apenas será de aplicar o

instituto quando o sistema jurídico não tiver nenhuma norma plasmada em que seja

possível buscar uma solução adequada. Assim, quando normas houver a aplicar, afasta-

se o levantamento.

VIII – Relativamente à aplicação pela jurisprudência do instituto, tem-se verificado

uma aceitação crescente do mesmo. Desde a sua recusa124 com fundamento na violação

da personalidade jurídica colectiva ou no argumento da não aceitação por parte do

ordenamento jurídico, até àqueles casos que o tribunal resolve exclusivamente com base

no instituto, solucionando, deste modo, os mesmos125.

IX – Uma dificuldade com a qual se tem deparado a jurisprudência ao longo dos anos

tem sido a da prova. Efectivamente, afigura-se sempre de grande dificuldade provar o

abuso de direito, a má fé e até o intuito de prejudicar terceiros. Sendo estes pressupostos

de aplicação do instituto, não têm sido raros os casos em que o litígio não pôde ser

decidido por lacunas probatórias.126

X – Perante o exposto, e tendo em consideração todas as vantagens do instituto já

enunciadas e demonstradas através da exposição jurisprudencial, bem como dos perigos

inerentes a uma aplicação indiscriminada do mesmo, temos que este carece de uma

maior atenção por parte do legislador. Não obstante todos os cuidados que se devem de

ter para proteger a personalidade jurídica colectiva, cremos que deve ser criada uma

regra geral em direito societário que inclua os casos e os pressupostos de aplicação deste

instituto. Torna-se, igualmente, um instrumento que irá assegurar uma maior segurança

124 Por exemplo, patente no acórdão - STJ 23-5-2002 Processo N.º 02B1152 Relator: Abel Freire 125 STJ 19-02-2013 Processo N.º 73/08.8TTBGC.P1.S1

STJ 28-11-2012 Processo N.º 229/08.3TTBGC.P1.S1 Relator: Pinto Hespanhol

TRL 03-03-2005 Processo N.º 1119/2005-6 Relator: Gil Roque

STJ 10-01-2007 – Processo N.º 06S2700 – Relator: Pinto Hespanhol

STJ 12-05-2011 Processo N.º280/07.0TBGVA.C1.S1 Relator: João Bernardo

126 Veja-se, a este propósito, o nosso ponto VIII g)

60

jurídica, protegendo as expectativas dos destinatários deste regime, já que irá tornar

mais adequada a realidade legislativa ao sistema jurídico vigente. 127

127 Seguimos, neste ponto, o entendimento de PEDRO CORDEIRO - CORDEIRO, Pedro:

Desconsideração da personalidade jurídica das sociedades. Universidade Lusíada, 2ª Edição, Lisboa,

2005, Pp.111

61

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70

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TRP – 25-10-2005 Processo N.º 0524260

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TRP – 13-6-2005 Processo N.º 0540646

TRP – 24-9-2009 Processo N.º 0847864

TRP – 25-6-2012 Processo N.º 595/10.0TBCL.P1

TRP – 25-3-2010 Processo N.º 398/07.1TBPRD.P1

TRP - 22-6-2009 Processo N.º 1201/09.1TBMAI.P1

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TRC – 2-2-2010 Processo N.º 171/07.5TBOBR-C.C1

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TRC – 8-3-2006 Processo N.º 3013/05

TRC – 7-9-2010 Processo N.º 213/10.7T2AVR-A.C1

TRC – 7-2-2012 Processo N.º 975/10.1T2AGD-A.C1

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TRC – 6-3-2012 Processo N.º 1350/10.3TBGRD-F.C1

TRC – 5-5-2009 Processo N.º 2577/05.5 TBPMS-CM.C1

TRC – 4-6-2002 Processo N.º 59/02

- Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora

TRE – 24-5-2007 Processo N.º 291/06-2

- Acórdãos -do Tribunal da Relação de Guimarães

TRG – 17-11-2001 Processo N.º 798/08.8TBEPS.G1

TRG – 30-6-2001 Processo N.º 599/10.3TMBRG-C.G1

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Jurisprudência Estrangeira

Bank of the United States v. Deveaux, 9 U.S. 5 Cranch 61 61 (1809), Disponível em

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72

Índice

Siglas e Abreviaturas ........................................................................................................ 5

Introdução ......................................................................................................................... 6

I PARTE ........................................................................................................................... 8

I – Enquadramento Histórico ........................................................................................ 9

II – Terminologia ........................................................................................................ 13

III – Delimitação do Problema .................................................................................... 14

IV – A Personalidade Jurídica Colectiva .................................................................... 20

V – As Teorias do Levantamento da Personalidade Jurídica Colectiva ..................... 25

VI – Grupos de Casos ................................................................................................. 27

A) Confusão de Esferas Jurídicas ...................................................................... 29

B) Subcapitalização ........................................................................................... 33

C) Atentado a Terceiros e Abuso da Personalidade Colectiva.......................... 35

D) Relações de Domínio Qualificadas .............................................................. 36

II PARTE ........................................................................................................................ 41

VIII – A Aplicação do Instituto em Portugal – Análise Jurisprudencial .................... 42

a) Atentado a Terceiros ........................................................................................ 42

b) Fraude à Lei ou ao Contrato ............................................................................ 48

c) Confusão de esferas ......................................................................................... 50

d) Subcapitalização .............................................................................................. 53

e) Abuso de Controlo ........................................................................................... 53

f) Grupos de Sociedades ...................................................................................... 54

g) Dificuldades Probatórias .................................................................................. 56

Conclusão: ...................................................................................................................... 58

Bibliografia: .................................................................................................................... 61