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O livro de almas

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Por quase toda a sua vida, Jox viveu em um hospital psiquiátrico, com problemas que ninguém nunca conseguiu diagnosticar com clareza. Tudo muda quando ele retorna para a casa dos seus pais e tenta se readaptar ao mundo. No entanto, o que ele achava ser a chave para a compreensão de seu passado parece ser o princípio de um abismo ainda mais profundo. Enquanto isso, três pessoas com dons paranormais são obrigadas a enfrentar os seus maiores medos, voltando à realidade que sempre tentaram esconder: o juramento de uma antiga aliança, que os poderia levar à morte. Por trás da vida de todas essas pessoas existe uma conexão, um enigma que os une pela amizade e pelo terror.

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Igor Quadros

São Paulo, 2013

COLEÇÃO NOVOS TALENTOS DA LITERATURA BRASILEIRA

O LivrO de ALmAs

Os dois herdeiros

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Copyright © 2013 by Igor Quadros

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (Decreto Legislativo no- 54, de 1995)

Quadros, IgorO livro de almas: os dois herdeiros / Igor Quadros – Barueri, SP : Novo Século Editora, 2013. – (Coleção novos talentos da literatura brasileira)

1. Ficção brasileira I. Título. II. Série.

13-09562 cdd-869.93

Índices para catálogo sistemático:1. Ficção : Literatura brasileira 869.93

2013IMPRESSO NO BRASIL

PRINTED IN BRAZILDIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO

À NOVO SÉCULO EDITORA LTDA.CEA – Centro Empresarial Araguaia II

Alameda Araguaia, 2190 – 11o- andarBloco A – Conjunto 1111

CEP 06455-000 – Alphaville Industrial – SPTel. (11) 3699-7107 – Fax (11) 3699-7323

[email protected]

Coordenação Editorial Letícia Teófilo Diagramação Edivane Andrade de Matos/Efanet Design Capa Monalisa Morato Preparação Fernanda Guerriero Revisão Patrícia Murari

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

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dedicAtóriA

Para minha família, os verdadeiros predestinados.

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Prólogo ........................................................................... 9 1. Caos na ordem ..................................................... 13 2. De doidos para loucos ........................................ 23 3. As fugas do alquimista ........................................ 37 4. A batalha das cidades .......................................... 53 5. Jox, o garoto-propaganda ................................... 65 6. A bela e as feras ................................................... 83 7. Entre o anjo e o demônio ................................... 97 8. Feche os olhos para acordar .............................113 9. A luz no fim do túnel ........................................13510. Convidados inesperados ..................................15111. A cúpula ..............................................................16712. Conselho de cermos ..........................................18113. A interseção .......................................................19114. Último arcanjo ...................................................20315. A herança de Acrox ...........................................21316. A despedida ........................................................229

sumáriO

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O ÚLTIMO DESCENDENTE da família Saer completara seis anos e, embora tivesse ganhado uma das melhores festas que a pequena cidade onde morava vira, a sua presença nem sem-pre fora motivo de alegria entre seus parentes. Por vários anos seus pais evitaram ter um herdeiro, pois consideravam que as responsabilidades durante a criação de um filho atrapalhariam suas vidas.

A festa reuniu quase todos os parentes da família, até mesmo aqueles que os anfitriões só conheciam por fotografias; também marcaram presença vários amigos, amigos de amigos e amigos de amigos de amigos. Não havia espaço para mais nin-guém na residência. O garotinho, que identificava unicamente seus pais, mal tinha tempo de se divertir com a quantidade de gente que o mimava.

A maioria dos que estavam ali, contudo, não fora à festa simplesmente para bajular o caçula dos Saer. A família anfitriã era uma das mais influentes da cidade e comparecer a um even-to dela — melhor ainda, ganhar sua atenção — era o mais im-portante para obter certos benefícios (e isso atraiu tipos muito

PróLOgO

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estranhos ao evento). Porém, uma pessoa em especial, do outro lado da sala, chamou a atenção do aniversariante: um sujeito, vestido de forma singular, trajava um sobretudo preto e uma cartola que cobria metade do seu rosto, dando ao garoto a im-pressão de estar diante de um mágico.

O homem caminhava em direção ao aniversariante e, curioso, embora o lugar estivesse lotado, andava tranquilamen-te como se as pessoas dessem espaço para que ele passasse.

— Você ainda não recebeu o meu presente — disse.Como havia ganhado dezenas de brinquedos e roupas, o

garoto achou que tinha sido bem recompensado por se tornar mais velho. Entretanto, no decorrer da festa e após todos os agrados entregues, tudo parecia tedioso e o convite para ganhar mais um presente foi suficiente para animá-lo novamente.

— Vamos pegar o seu presente — convidou e levou o me-nino até o jardim sem que ninguém notasse.

Bem ornamentado, o jardim assumia um aspecto triste na-quela noite, muito por conta da pouca iluminação que provo-cava estranhas sombras. Os dois caminharam até o miniparque de diversões, uma área construída pelos Saer para seu filho. Sentaram-se em um brinquedo e então o menino, muito ansio-so, perguntou pelo presente.

— Seu presente é diferente de qualquer outro que você já tenha recebido — explicou, mas sem olhar para o garoto. — É algo que usará por toda a sua vida e fará de você alguém muito especial.

— Puxa, deve ter sido muito caro.— O valor é incalculável.— Por que quer dar ele pra mim então?— Porque está destinado a você e ninguém fará melhor uso.

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O garoto não se aguentava mais de curiosidade. Olhava por todos os cantos, mas não encontrava nada que pudesse ser esse fantástico presente.

— Onde ele está?— Na verdade, eu entreguei a você no momento em que

me viu — sorriu. O pequeno, confuso, tentou olhar para o rosto do homem,

mas este rapidamente virou-se de lado.— Eu sei, eu sei. Não se preocupe, logo você verá o meu

presente.O homem então se levantou e colocou as mãos sobre a ca-

beça do garoto, dizendo:— Será melhor que esqueça a nossa conversa. Mas nos en-

contraremos novamente, disso tenho certeza. Até mais!Quando o estranho sujeito ergueu as mãos, escutou-se um

grito vindo da casa. A Sra. Saer, que avistou seu filho sozinho sentado no escuro jardim, correu até ele e o abraçou pergun-tando o que fazia naquele lugar. O garoto lembrava-se de ter conversado com alguém, mas não soube dizer ao certo para sua mãe com quem ou o quê.

O tempo foi deixando a conversa cada vez mais vaga na ca-beça do menino até que um dia ele se esqueceu completamente daquela ocasião. Mas o presente, de fato, nunca fora esquecido. Era como o sujeito havia dito: único (mas não se podia dizer que realmente era um presente; abrira os olhos do menino para sempre).

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JÁ FAZIA CINCO horas desde que o último carro havia passa-do por aquela cidade. A monotonia do lugar era exatamente a mesma de todos os dias: sem muito movimento de veículos e pessoas, as luzes das casas sempre apagadas e um silêncio ab-soluto. Todos dizem que os moradores de lá se assemelhavam a robôs, pois aparentavam estabelecer uma relação de incomuni-cabilidade com o resto do mundo.

O estado de Santa Glória praticamente abandonara as três cidades mais longínquas da sua região — Rover, Monese e Lita —, as quais compunham a única ilha do território. Talvez pelo fato de serem as mais afastadas das demais ou talvez por serem muito próximas umas das outras, as três criaram certa antipatia cínica, desmascaradas nos momentos em que pare-ciam querer entrar em conflito. Rover, a cidade das pessoas--robô, procurava estreitar o mínimo possível as relações com as localidades vizinhas (e isso muito contribuiu para que fosse conhecida como um lugar recluso).

Na maior parte do ano a temperatura e a umidade eram elevadíssimas, o que tornava o clima da região insuportável.

cAPítuLO 1

cAOs nA Ordem

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Por esse motivo, em todas as casas havia ar-condicionado. Os pertences dos moradores eram estranhamente parecidos na co-loração e tanto as casas como os carros, e até mesmo as flores gigantes que brotavam nos simétricos jardins, possuíam cor predominantemente branca. Por essa razão, o lugar ganhara o apelido das cidades vizinhas de “Polo Norte Queimado” — um nome bobo, mas o suficiente para apimentar a rivalidade local.

Eram mais de vinte e três horas, mas o céu estava tão claro que parecia nem ter passado das sete da noite. Tudo compatível com a rotina entediante da cidade; todas as pessoas dormiam, como de costume, antes das cinco horas, exceto pela maior e mais luxuosa mansão localizada exatamente no meio da rua Medro, de onde era possível ver as únicas luzes acesas naque-la altura do noite. Isso se devia à primeira reunião do Movi-mento Organizado Revolucionário Trabalhista Institucionalista (M.O.R.T.I.), cujos integrantes eram apenas três — sendo que nenhum deles fora capaz de explicar o significado dessa sigla. Apesar de o tal movimento ser mais uma brincadeira do que realmente um conjunto de ideias revolucionárias, os participan-tes empenharam-se ao máximo a fim de colocar a mansão em perfeito estado para as reuniões. Todos os três se esforçavam para ser conhecidos como donos de algo sério. O mais velho do grupo, Greger, era presidente e organizador do “ideário”, e sabia exatamente a personalidade de cada um dos seus amigos.

— Calem-se! — vociferou o líder.— Calma, Greger, nós-nós estamos só discutindo assun-

tos-assuntos da reunião.Greger não comentou a resposta do mais gordo, pois sa-

bia que Bolônio repetia palavras quando estava nervoso. Neste caso, o nervosismo ocorreu pelo fato de ter que discutir com o

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líder do grupo, alguém que ele acreditava ter grande importân-cia social.

— Antes de tudo — começou Greger —, vamos eliminar qualquer possibilidade de os obstáculos atrapalharem os planos do M.O.R.T.I.

— Que obstáculos?! — perguntou Juliana, intrigada.— Bronos — respondeu Greger com um ar assustador.— Bronos-Bronos-Bronos — falou Bolônio, repetindo

as palavras pelo medo que sentia ao pronunciar aquele nome. — Mas ele é grande-grande, forte-forte e bate na gente-gente.

— Sim! — esbravejou o presidente, demonstrando toda a sua autoridade ao esmurrar uma mesinha à sua frente. — Chega de ficar obedecendo às ordens do cavalo bípede. Nós temos que colocá-lo longe das nossas ideias. Vamos deixá-lo em seu lugar: no pasto, comendo capim!

Dentre os três, Bronos era a personificação da maldade. Sempre que podia, o brutamontes e orgulho da cidade des-truía qualquer diversão dos menores. Por se julgar o ser mais perfeito do mundo, fora obrigado, pela natureza, a mandar e a maltratar a todos. Desde o seu nascimento, fora tratado como o todo-poderoso da localidade, principalmente pelos seus pais, os ricos Frankbasters, que passaram a ele toda a confiança de que qualquer besteira que fizesse não seria problema algum, pois poderiam consertar.

— Silêncio... — sussurrou Juliana. — Vocês estão falan-do alto demais, estou até ouvindo passos lá embaixo. Se conti- nuarem assim, logo eles vão nos descobrir. Lembrem-se de que somos uma sociedade secreta.

Obviamente ela estava certa: o senhor e a senhora Re-chonchudo imaginavam apenas que o seu tão pequenino filho

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Bolônio tinha convidado colegas para dormir em sua casa, com o único objetivo de terminarem um trabalho do colégio.

O homem de maior poder aquisitivo de Rover, Ronchudo Rechonchudo, e sua esposa eram pessoas tão generosas e hu-mildes quanto pesadas, ambos donos da Cyber Futuro, uma grande empresa da cidade que trabalhava com produtos ele-trônicos, concorrentes diretos da EletroGiga dos Frankbasters. Talvez essa seria a razão do ódio que Bronos sentia de Bolônio e a implicância generalizada que Malastrino Frankbaster, pai de Bronos, tinha contra todos os Rechonchudos.

Naquele horário da noite, era perfeitamente normal a se-nhora Almona estranhar ouvir barulhos vindos do sótão de sua casa, como passos e conversas, já que, imaginava, seu filho esta-va no quarto ao lado e seus amigos, no quarto de hóspedes logo à frente. Todos dormindo.

— Ronchu, Ronchu!!! — gritou. — Ronchu, meu amor — repetia compulsivamente.

— Iiimm rida... — respondeu Ronchudo, tentando pro-nunciar alguma palavra.

— Olha, Ronchu... — começou a falar misturando choro com palavras. — Eu acho... que eles estão aqui...

— Quem, mulher?— Aqueles maníacos que vimos na TV, lembra? Eles es-

tão aqui... vieram nos apalpar... Huuuaaa Haeu Huuu — chorou histericamente.

— Se acalme, querida — consolou-a ainda tonto pelo sono e atordoado por tantas informações de aflição de uma só vez. — Ligue imediatamente para a polícia. Vou pegar a arma e segurar esses malditos!

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Embaixo de uma lajota falsa escondida atrás de um guarda--roupa antigo, encontrava-se a espingarda da família, quase uma relíquia. Aquele objeto havia sido usado pela última vez fazia trinta e cinco anos, quando o avô de Bolônio quase tirara a vida do filho tentando matar um rato. Desde então, a arma fora lacra-da e escondida para que não acontecesse mais nenhum acidente.

Ronchudo tirou de uma gaveta duas balas velhas, tremu-lamente carregou a arma, abriu a porta do quarto e começou a andar o mais silenciosamente que suas sandálias permitiam. Antes de seguir pelo corredor até a escada, deu uma olhada para sua esposa como se dissesse para ela se cuidar. Almona estava tão desesperada que não conseguia esboçar nenhuma reação ou emitir palavra de retribuição para o marido.

Na verdade, Ronchudo sentia medo dos tais maníacos, mas o que realmente o fazia hesitar era a possibilidade de o que estava fazendo barulho e dando passos no seu sótão fossem fan-tasmas, o seu maior temor.

À medida que subia as escadas, mais preocupado ficava, pois pensava em inúmeras histórias sobre pessoas que tiveram contatos com entidades sobrenaturais (e, na maioria das vezes, esses relatos não tinham um final feliz).

Encontrava-se completamente encharcado quando chegou em frente à rústica porta que dava acesso ao sótão, mesmo tendo percorrido apenas alguns metros. Apertou forte e decididamen-te a maçaneta, mas seu coração amiudou-se de tal maneira que perdeu todas as forças, tornando-se incapaz de abri-la.

Bolônio e seus amigos ouviram os passos escandalosos nos degraus metálicos da escada, embora Ronchudo se concen-trasse ao máximo para que não fosse notado. Greger e Juliana esconderam-se rapidamente atrás de um grande baú repleto de

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teia de aranha, aumentando o desespero de Bolônio, que não encontrara algo que pudesse cobrir todo o seu enorme corpo. O garoto, então, correu de um lado para o outro em busca de abrigo, até que acabou caindo no meio de uns entulhos de sua mãe, arranhando todo o rosto.

O barulho da queda foi estrondoso e tanto os meninos quanto Ronchudo ficaram muito tensos. Nenhum deles conse-guia piscar ou olhar para qualquer coisa que não fosse aquela porta.

Após um longo e tenebroso minuto, o senhor Rechonchu-do finalmente tomou coragem, rodou a maçaneta da porta e... Um som ensurdecedor invadiu a abstenção voluntária de ruídos de todos — não só da casa, mas de toda a rua —, obrigando vá-rias pessoas a romper seu entediante hábito: acenderam as luzes de casa para verificar o motivo daquele caos.

Ronchudo ficara estirado no chão depois de ter rolado a escada após o susto que levou. Demorou alguns segundos para poder se pôr de pé; depois, correu para o final do corredor onde havia uma pequena janela arredondada, um pouco maior que a sua cabeça. Teve de ficar sob as pontas dos pés para tentar alcançá-la, depois esticou o pescoço e grudou os olhos no vidro.

O estranho estrondo não tardou a repetir. Ronchudo con-seguiu avistar dois carros entrarem na rua Medro em alta ve-locidade. O veículo que vinha na frente era um modelo antigo, com um dos faróis, a traseira e a porta do carona destruídos. Dentro dele havia uma mulher cuja aparência era de alguém que não dormia havia duas semanas e que, se não corresse, não dormiria nunca mais. Logo atrás dela vinha um carro tão mo-derno que até mesmo Ronchudo não poderia comprá-lo sem se endividar. Imposível visualizar quem o conduzia por conta da

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escura película, mas dava para perceber que em pouco tempo alcançaria o outro carro por conta da velocidade.

Greger e seus amigos, que também observavam aquela cena hipnotizados, perceberam que a consequência do verda-deiro responsável pelo barulho estava no chão: no meio da rua, em frente à casa deles e esfumaçando nas bordas, estava um bu-raco tão grande que caberia uma limusine dentro.

A mulher dentro do carro antigo tinha os cabelos arre-piados por cima da face e seus brilhantes olhos verdes revela-vam um rosto que fora bonito, mas os hematomas, arranhões e olheiras haviam-no destruído. Ela era ruiva, exceto pelas raízes pretas que se destacavam na emaranhada cabeleira vermelha. A ânsia por fugir do carro que a perseguia e as sequelas registradas explicitamente no seu estado físico e mental a impossibilitaram de prestar atenção no buraco, tudo isso somado à velocidade com que vinha. O veículo deu quatro capotadas antes de des-montar-se no chão e explodir.

Todos os moradores da rua ficaram boquiabertos, mas não pelo incrível acidente, muito menos pelo estranho grupo que saiu do outro carro. Vestidos com sobretudos pretos, chamavam atenção por conta de seus olhos vermelhos e de um símbolo prateado no peito que ninguém nunca tinha visto antes. Contu-do, o que de fato assombrou a todos foi que, enquanto o carro antigo girava a cinco metros de altura, a mulher que o dirigia saltou e permaneceu no ar. Ela flutuava.

A maioria dos espectadores daquela cena se trancou em sua casa, desligou as luzes e se escondeu onde pôde o mais rápi-do possível, enquanto os mais corajosos continuaram olhando, estupefatos. Pareciam ter sido grudados ao solo.

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A mulher que se salvou da morte parecia mais amedron- tada que os moradores, pois estava, mesmo levitando, toda en-colhida como se alguma coisa fosse atingi-la.

A estranha que saíra por último do carro moderno era a única que permanecia fria diante do ocorrido. O olhar pene-trante daquele ser encarava, desafiadoramente, a angustiante face de sofrimento da mulher que flutuava sobre todos; os olhos não eram vermelhos como dos demais, mas possuíam o mesmo efeito tétrico. O receio dava à estranha mulher satisfação, de-monstrada sutilmente em um começo de sorriso quase invisível nos lábios tortos, combinando em perfeita sincronia com seu perfil fantasmagórico.

— Mate-me logo! — disse a mulher que flutuava, fechando os olhos com muita força a ponto de lacrimejar.

— Ainda não — negou a outra, revelando uma voz tão pa-vorosa quanto sua aparência.

— Acabe logo com isso. Não veio com o objetivo de me impedir?

— Sim, mas aprecio qualquer forma de sofrimento huma-no. Não pretendo acabar tão rápido com esse momento.

Por conta da aflitiva situação em que se encontravam, os moradores da rua não conseguiam emitir um único ruído, permitindo que o diálogo entre as duas mulheres ficasse bem audível.

— Se a sua intenção é me matar para impedir que salvemos o libertador, está muito enganada. — Subitamente, aquela mu-lher passou a falar com mais veemência. — Não sei como você conseguiu encontrar o lugar certo, mas existem muitos outros iguais a mim, nascidos com o único objetivo de fazer o que eu não consegui realizar.

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A outra deu uma gargalhada tão tenebrosa e sarcástica que já bastaria para causar uma grande sensação de angústia.

— Ah, sim? Conheci umas pessoas assim como você. Ti-nham essa mesma sensação: outro melhor viria para me impe-dir. Chamavam-se predestinados — sorriu.

Como se seu estômago tivesse passado da calorosa tem-peratura de Rover para vinte graus negativos em menos de um segundo, a mulher aproximava-se do chão gradativamente, contrária à sua vontade. Então, falou estarrecida:

— Você só pode estar blefando. É impossível que possa ter descoberto a nossa localização!

— Vocês são tão patéticos que não conseguem enxergar a verdade diante de seus olhos. Não vim atrás do libertador, vim atrás de você.

Sem entender exatamente o que estava acontecendo, reno-vou suas esperanças, agarrando-se em um fato:

— Não tem importância se você conseguiu achar alguns de nós. Com o tempo que tem, jamais conseguirá eliminar todos os predestinados. Somos muitos.

— Para ser exata, existiam trinta e cinco de vocês. Mas, no momento, permanecem vivos apenas sete miseráveis. Um nú-mero tão instável que agora mesmo cairá para seis.

Demonstrando mais coragem que a maioria dos adultos, os garotos acotovelavam-se para assistir ao desenvolvimento da trama. Greger e seus amigos achavam que se tratava de algum espetáculo de teatro ou circo sendo divulgado ali na rua deles.

Ronchudo só conseguiu entender o que aconteceu depois de uns minutos. Tinha a convicção de que estava acontecendo um estranho fenômeno nos postes de luz, mas só conseguiu rela-cionar isso com aquelas duas mulheres quando um forte tremor

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balançou toda a estrutura de sua casa, dando a impressão de que ela iria desabar.

— O que você não compreende é que não importa o que façam, não irão impedir a libertação. Nós somos vocês — disse a mulher que estava no chão. Seu olho direito afunilou-se à medida que a íris escondeu-se por trás das pálpebras e a parte branca do globo ocular ficou exposta. Aquilo deu a ela uma ex-pressão ainda mais medonha.

Naquele instante, algo intrigante passou a ocorrer. Uma onda invadiu o corpo de Ronchudo, transmitindo uma sensa-ção que ele jamais iria querer sentir. Todos os vasos sanguíneos da sua cabeça inflaram com tamanha rapidez e ele via iminente a possibilidade de ela explodir. Sentiu a espingarda em sua mão aumentar de peso inexplicavelmente; em pouco tempo, ela pa-recia pesar cem quilos, obrigando-o a soltá-la.

Em seguida se sucedeu a cena mais terrível daquela noite, a qual deixou um rastro de terror na calorosa cidade de Rover, com restos humanos e um grito de dor mais estridente já ouvido pelo senhor Rechonchudo. Fato que reaparecia dali em diante em sua mente a cada vez que colocasse sua cabeça em um tra-vesseiro.

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