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O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO SUMÁRIO SUMÁRIO PROPOSTA PEDAGÓGICA .............................................................................................................. 02 Antônio Carlos Pavão PGM 1 ENSINAR CIÊNCIAS FAZENDO CIÊNCIA ....................................................................................... 07 Antônio Carlos Pavão PGM 2 O LIVRO DIDÁTICO DE MATEMÁTICA NO ENSINO DE 1ª A 4ª SÉRIE .......................................... 14 João B. Pitombeira de Carvalho Paulo Figueiredo Lima Verônica Gitirana Mônica Mandarino PGM 3 LIVRO DIDÁTICO EM GEOGRAFIA, DO PROCESSO DE AVALIAÇÃO À SUA ESCOLHA ............ 23 Elizeu Savério Sposito PGM 4 LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA: PESQUISA, ENSINO E NOVAS UTILIZAÇÕES DESTE OBJETO CULTURAL ......................................................................................................................... 38 Margarida Maria Dias de Oliveira PGM 5 O LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA …......................................................................... 49 ROXANE ROJO O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 1.

O livro didático em questão

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Page 1: O livro didático em questão

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO

SUMÁRIOSUMÁRIO

PROPOSTA PEDAGÓGICA .............................................................................................................. 02

Antônio Carlos Pavão

PGM 1

ENSINAR CIÊNCIAS FAZENDO CIÊNCIA ....................................................................................... 07

Antônio Carlos Pavão

PGM 2

O LIVRO DIDÁTICO DE MATEMÁTICA NO ENSINO DE 1ª A 4ª SÉRIE .......................................... 14

João B. Pitombeira de CarvalhoPaulo Figueiredo LimaVerônica GitiranaMônica Mandarino

PGM 3

LIVRO DIDÁTICO EM GEOGRAFIA, DO PROCESSO DE AVALIAÇÃO À SUA ESCOLHA ............ 23Elizeu Savério Sposito

PGM 4

LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA: PESQUISA, ENSINO E NOVAS UTILIZAÇÕES DESTE OBJETO CULTURAL ......................................................................................................................... 38Margarida Maria Dias de Oliveira

PGM 5

O LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA …......................................................................... 49ROXANE ROJO

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 1.

Page 2: O livro didático em questão

PROPOSTA PEDAGÓGICAPROPOSTA PEDAGÓGICA

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO

Antonio Carlos Pavão 1

1. Conceituação e Justificativa

A série O livro didático em questão, que será apresentada no Salto para o Futuro/TV Escola,

tem como proposta geral fazer uma reflexão sobre o papel do livro didático na escola. A

temática desta série de programas deverá atender às demandas de reflexão do ensino em

diferentes áreas e etapas do ensino básico, possibilitando que professores de todo o país

revejam e construam suas práticas pedagógicas de produção e reprodução de conhecimento.

Além de uma discussão sobre o livro didático enquanto suporte de conhecimentos e de

métodos para o ensino, serão abordados outros aspectos relativos à orientação para a escolha

do livro e a utilização de materiais didáticos em geral. O fluxo do trabalho e a unidade entre

os cinco programas da série estarão baseados na interatividade e na participação ativa de

pesquisadores, professores e alunos. Relatos de experiências pedagógicas bem sucedidas

utilizando o livro didático também estarão sendo apresentados e discutidos durante os

programas. Os cinco programas da série deverão contribuir para o aperfeiçoamento na

utilização do livro didático nas escolas, especialmente em relação aos livros disponibilizados

pelo PNLD – Programa Nacional do Livro Didático do MEC.

2. Objetivos

• Discutir a história, o conteúdo e o papel do Livro Didático;

• Orientar na escolha e utilização do Livro Didático;

• Relatar experiências bem sucedidas de utilização do Livro Didático;

• Oferecer orientação pedagógica para utilização de materiais didáticos na escola.

3. Fundamentação teórica

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 2.

Page 3: O livro didático em questão

Numa pesquisa nacional sobre 50 temas estratégicos mais importantes, buscando-se medir a

percepção da sociedade com relação ao nosso futuro, os resultados indicaram, a "melhoria da

qualidade da educação básica do Brasil" como o principal anseio da população. É um anseio

de caráter inovador, que aponta para a construção de um futuro promissor para o Brasil, ao

destacar o conhecimento como o fator propulsor do desenvolvimento de um país. Sem dúvida,

a qualidade da educação básica é uma necessidade premente. Os avanços no acesso à

educação, a redução das taxas de evasão e o aumento no número de matrículas não impediram

que o Brasil ocupasse um dos últimos lugares na pesquisa mundial sobre desempenho de

estudantes do Programa Internacional de Avaliação de Alunos – PISA –, da Organização para

Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE. Melhorar a educação básica significa

definir o conhecimento como a questão central da sociedade, valorizar a escola e o professor,

aprimorar as condições de ensino e oferecer facilidades para que alunos e professores possam

se dedicar com prazer à tarefa de construção e utilização do conhecimento. E, na busca de

soluções para a melhoria do ensino básico, qual é a contribuição do livro didático?

Um bom projeto educacional exige um professor atuante, com uma prática que se apropria da

realidade como instrumento pedagógico e que utiliza os materiais didáticos disponíveis,

incluindo o livro didático, de forma apropriada e devidamente contextualizada no processo

ensino-aprendizagem. Muitas vezes o livro didático é a única referência para o trabalho do

professor, passando a assumir até mesmo o papel de currículo e de definidor das estratégias de

ensino. O livro torna-se assim um importante suporte de conhecimentos e de métodos para o

ensino, servindo como orientação para as atividades de produção e reprodução de

conhecimento. Portanto, os livros didáticos não podem veicular preconceitos e estereótipos,

nem conter informações erradas ou desatualizadas. E, evidentemente, devem respeitar a

legislação vigente, como o Estatuto da Criança e do Adolescente ou a Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional – LDB nº 9.394/96 – que preconiza como princípios do ensino a

“liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o

saber”, o “pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas”, o “respeito à liberdade e

apreço à tolerância”, a “garantia do padrão de qualidade”, a “valorização da experiência extra-

escolar” e a “vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais”. Os livros

didáticos devem favorecer o diálogo, o respeito e a convivência, possibilitando a alunos e

professores o acesso a informações corretas e necessárias ao crescimento pessoal, intelectual e

social dos atores envolvidos no processo educativo.

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 3.

Page 4: O livro didático em questão

O MEC tem procurado um aprimoramento e melhoria da qualidade dos livros didáticos

através do processo de avaliação e distribuição do PNLD – Programa Nacional do Livro

Didático. O livro didático também tem sido objeto de constante debate e pesquisa no meio

acadêmico. Como resultado se espera livros cada vez mais próximos das demandas sociais e

coerentes com as práticas educativas autônomas dos professores. Entretanto, o universo de

referências do professor e do aluno não pode esgotar-se no uso restrito do livro didático. O

livro deve contribuir para que o professor organize sua prática e fornecer sugestões de

aprofundamento das concepções pedagógicas desenvolvidas na escola. O livro deve oferecer

uma orientação para que o professor busque, de forma autônoma, outras fontes e experiências

para complementar seu trabalho. Deve garantir ao professor liberdade de escolha e espaço

para que ele possa agregar ao seu trabalho outros instrumentos. E o professor não pode se

transformar em refém do livro, imaginando encontrar ali todo o saber verdadeiro e a narrativa

ideal. Sim, pois o livro é também instrumento de transmissão de valores ideológicos e

culturais, que pretendem garantir o discurso supostamente verdadeiro dos autores. Em um

processo pouco dinâmico como o que se estabelece no sistema tradicional de ensino, cria-se

um círculo vicioso: o professor torna-se um reprodutor desses mitos e imagens errôneas e

passa, ele também, a acreditar neles. Para construir uma opinião própria e independente é

importante a leitura de textos complementares, revistas especializadas e livros disponíveis na

biblioteca da escola, da cidade, dos alunos, dos amigos, etc. Todos os livros apresentam

problemas e o professor deve estar sempre atento para trabalhar eventuais incorreções. Nesta

série do Salto para o Futuro serão discutidos esses problemas e serão identificados alguns

caminhos para superar tais dificuldades.

Também é preciso perceber que o livro é uma mercadoria do mundo editorial, sujeito às

influências sociais, econômicas, técnicas, políticas e culturais como qualquer outra

mercadoria que percorre os caminhos da produção, distribuição e consumo. Portanto, é

preciso muito cuidado na escolha do livro. É fundamental preservar a independência do

professor, para que ele possa fazer uma boa escolha do livro que será utilizado em suas aulas.

Esta série tem como proposta oferecer uma orientação ao professor para a escolha do livro

apropriado ao projeto pedagógico da escola.

Temas que serão debatidos na série O livro didático em questão, que será apresentada

no Salto para o Futuro/TV Escola de 08 a 12 de maio de 2006:

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 4.

Page 5: O livro didático em questão

PGM 1 - O livro didático de Ciências

No primeiro programa da série, será analisada e discutida a utilização do livro didático de

Ciências, como um suporte de conhecimentos e de métodos para o ensino, que serve como

orientação para as atividades de produção e de reprodução do conhecimento. Também se

procura mostrar, neste programa, a importância de “fazer ciência na escola”. Serão discutidos

estes temas, entre outros: o PNLD – Programa Nacional do Livro Didático, do MEC, o papel

do estudante-pesquisador, as Feiras de Ciências. Nos vídeos do programa, serão mostradas

experiências de sala de aula com o uso do livro e de outros materiais didáticos.

PGM 2- O livro didático de Matemática

No segundo programa, o livro de Matemática será debatido, tendo em vista que o processo de

ensino e de aprendizagem da Matemática envolve a construção de um leque variado de

competências cognitivas e requer, além disso, que se favoreça a participação ativa do aluno

nessa construção. O PNLD – Programa Nacional do Livro Didático, do MEC, as funções do

livro didático de Matemática e o papel do ensino da Matemática na formação integral do

aluno, como cidadão na sociedade atual, serão alguns dos focos do programa. Também serão

mostradas experiências de sala de aula com o uso do livro e de outros materiais didáticos.

PGM 3- O livro didático de Geografia

O terceiro programa vai colocar em discussão o livro didático de Geografia, tendo em vista os

seguintes princípios: Função do livro de Geografia; Conhecimento geográfico que se pretende

que o aluno aprenda; Conceitos e instrumentos a serem elaborados e procedimentos e atitudes

esperados do aluno; Adequação do livro ao professor e à escola. Serão comentados, também,

os critérios adotados na avaliação dos livros didáticos de Geografia no PNLD 2007. As

experiências de sala de aula com o uso do livro e de outros materiais didáticos também fazem

parte deste terceiro programa.

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 5.

Page 6: O livro didático em questão

PGM 4- O livro didático de História

No quarto programa, o livro didático de História estará em questão. Pretende-se destacar,

entre outros temas, que é fundamental que o livro didático de História lance mão de

abordagens pautadas na pluralidade de realidades sociais, econômicas e culturais, além de

contribuir para a formação cidadã do educando, para a reflexão e a construção de conceitos,

como tolerância, liberdade e democracia. Serão comentadas, também, as coleções

apresentadas pelas editoras para avaliação no PNLD 2007 e mostradas experiências de sala de

aula com os livros de História e outros materiais didáticos.

PGM 5 - O livro didático de Língua Portuguesa

O quinto e último programa da série visa discutir os modos de se relacionar, de usar e de

escolher o livro didático, expondo as características principais dos Livros de Alfabetização e

das Coleções de Língua Portuguesa que os professores de séries iniciais do Ensino

Fundamental escolhem em 2006 para adotar de 2007 a 2010. Serão analisados, entre outros

temas, o Guia de Livro Didático, como um instrumento oferecido para subsidiar a escolha dos

professores e, em especial, os Guias de Livro Didático de Língua Portuguesa e de

Alfabetização do PNLD/2007. Nos vídeos do programa, serão mostradas experiências com o

uso dos livros didáticos de Língua Portuguesa e dos dicionários.

Nota:

1- Professor no Departamento de Química Fundamental da UFPE. Membro do Comitê Técnico do Programa Nacional do Livro Didático – MEC. Diretor do Espaço Ciência, o Museu de Ciência de Pernambuco. Consultor desta série.

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 6.

Page 7: O livro didático em questão

PROGRAMA 1PROGRAMA 1

ENSINAR CIÊNCIAS FAZENDO CIÊNCIA

Antonio Carlos Pavão 1

“Quero saber quantas estrelas tem no céuQuero saber quantos peixes tem no marQuero saber quantos raios tem o sol ...”

(Da canção de João da Guabiraba e Edson Vieira, interpretada por Lia de Itamaracá, PE.)

Ensinar Ciências nas séries iniciais não é uma tarefa difícil. Ao contrário, pode ser simples e a

chave está nas mãos do professor, aproveitando aquilo que já é natural nos alunos: o desejo de

conhecer, de agir, de dialogar, de interagir, de experimentar e também de teorizar. Trata-se de

uma concepção de que ensinar Ciências é fazer ciência. Há toda uma dialética envolvida na

construção do conhecimento, e fazer ciência na escola não é, necessariamente, descobrir uma

nova lei, desenvolver uma nova teoria, propor um novo modelo ou testar uma nova fórmula.

Antes de tudo, fazer ciência na escola é utilizar procedimentos próprios da ciência como

observar, formular hipóteses, experimentar, registrar, sistematizar, analisar, criar... e

transformar o mundo.

Quando alguém passa a ser um cientista? Quando faz o doutorado? Não, porque são

conhecidos muitos cientistas que nunca obtiveram um grau de doutor ou mesmo de mestre.

Então, será que alguém se torna cientista quando publica seu primeiro trabalho científico?

Não necessariamente. Por exemplo, e as pesquisas secretas que não resultam em publicações,

não são feitas por cientistas? Faz ciência o estudante que desenvolve um trabalho de iniciação

científica na universidade? Ou que faz esse trabalho no Ensino Médio? Bem, tanto na

universidade como no Ensino Médio, o próprio CNPq (Conselho Nacional de

Desenvolvimento Científico e Tecnológico, um órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia)

já reconhece que sim, tanto que oferece bolsas para essa atividade, isto é, “paga” por esse

serviço. As bolsas do Ensino Médio são atualmente no valor de 100 reais por mês, para

milhares de estudantes no país. Mas, será que no Ensino Fundamental não se faz ciência? E na

Educação Infantil também não? Ora, os trabalhos apresentados nas inúmeras feiras de ciência

que acontecem no Brasil e no mundo mostram a rica produção científica e tecnológica de

estudantes em todas as faixas de escolaridade. E é comum ver trabalhos de alunos e

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 7.

Page 8: O livro didático em questão

professores em revistas como Ciência Hoje das Crianças e outras publicações dedicadas à

educação para a ciência, como verdadeiros exemplares de pesquisas cientificas. É ainda mais

comum ver relatos em revistas, especializadas ou não, de experiências e outras atividades

científicas bem sucedidas desenvolvidas na escola.

A escola é um microcosmo da sociedade. Queremos uma escola baseada na troca construtiva

de idéias, onde aprender tem uma dimensão lúdica, o conhecimento é desejado em vez de

imposto. As crianças são as que mais perguntam, as que mais respondem, as que mais

ouvem... Qual é a dificuldade em educá-las para utilizar uma metodologia científica de

investigação e criação? Vamos sim fazer ciência em nossas aulas! Por que o Brasil é campeão

de futebol? Porque todos jogam futebol... O menino, quando nasce, logo ganha de presente

uma bola de futebol. Então, ocorre a transformação da quantidade em qualidade: surgem os

craques. Se todos nós no Brasil investíssemos mais em ciência e em tecnologia, em saúde, em

educação, em cidadania e no bem-estar social, nossa sociedade seria diferente dessa que aí

está. Portanto, devemos ter coragem para mudar e tomar iniciativas. Que tal experimentar?

Que tal admitir que temos estudantes-cientistas?

1. O estudante-pesquisador

O rápido crescimento da ciência ocorrido nos últimos 100 anos foi acompanhado por uma

educação formal focada cada vez mais na memorização. É necessário romper com este

método e familiarizar o estudante com a pesquisa, destacando o prazer e a utilidade da

descoberta, formando cidadãos capazes de responder às necessidades do mundo atual. O

professor deve promover a investigação, a experimentação e a discussão ao invés de apenas se

preocupar em repassar conteúdos. Ensinar Ciências dessa forma passa a ser uma tarefa fácil e

prazerosa. Tem-se a favor dessa tarefa o fato de que os estudantes, especialmente as crianças,

são bons pesquisadores, são curiosos, criativos e trabalhadores. Ao se tornar consciente dessas

características e valorizá-las, o professor passa a desafiar os alunos e começa também a ser

envolvido pelas demandas e questionamentos propostos em aula. A educação em Ciências

torna-se assim empolgante, dinâmica, estimulante...

A metodologia de pesquisa para crianças baseia-se na curiosidade e na exploração ativa.

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 8.

Page 9: O livro didático em questão

Construir e oferecer respostas sim, mas sobretudo gerar a indagação e o interesse pela ciência

como fonte de prazer, de transformação da qualidade de vida e das relações entre os homens.

Promover a pesquisa facilita a vida do professor e cria condições efetivas para um bom

aprendizado. É importante propiciar situações, tanto coletivas como individuais, para

observações, questionamentos, formulação de hipóteses, experimentação, análise e registro,

estabelecendo um processo de troca professor-classe para gerar novas indagações. Deixe que

os alunos saiam da aula com uma interrogação maior do que aquela que trouxeram quando

entraram.

Não é a falta de recursos, de um laboratório ou de qualquer outra infra-estrutura física que

impede o desenvolvimento de um programa de iniciação científica na escola. Qual escola não

tem formigas? E quantas patas tem uma formiga? O que elas comem? Há outros animais na

escola? E os que vivem fora da escola? Tem mamífero entre eles? E ainda há o sol, o vento,

as plantas, as pedras do pátio... Professor, peça para que cada aluno recolha uma pedra do

pátio (pode ser uma folha de alguma planta, uma semente ou outros objetos), a observe

cuidadosamente e registre suas características (tamanho, peso, cor, ..., tudo). Depois misture

todas elas e peça que o aluno descubra qual é sua pedra. Agora, tente trocar os registros

entre os alunos e repetir a experiência de identificar as pedras. Mesmo simples, esta é uma

prática científica importante, que exercita a observação, medidas e registros, aspectos

fundamentais na pesquisa científica. Não se trata de uma receita, é apenas um exemplo de

como iniciar uma atividade científica com os recursos de que qualquer professor pode dispor.

A observação de tudo que nos cerca é sempre um bom começo, e que não tem fim. Portanto,

vamos observar, levantar hipóteses, medir, experimentar, fazer contas, ler, escrever, desenhar,

divulgar, trocar, envolver... Mas isso não significa dispensar o laboratório e os equipamentos

mais elaborados de pesquisa científica. Claro que também precisamos deles, mas podemos

começar “pobres”, descobrindo a todo instante a riqueza que nos cerca.

2. Ciência, poder e prazer

Quem detém o conhecimento detém o poder. É preciso alertar para as repercussões sociais do

conhecimento científico. Formar cientistas sim, mas o propósito educacional, antes de tudo,

deve contemplar a formação de cidadãos, indivíduos aptos a tomar decisões e estabelecer os

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 9.

Page 10: O livro didático em questão

julgamentos sociais necessários ao século 21.

As aulas de Ciências devem se tornar momentos privilegiados para se debater o impacto que o

conhecimento gera na sociedade e alertar para riscos e benefícios do progresso cientifico. Isso

significa buscar a formação dos alunos como cidadãos, de modo que possam estabelecer

julgamentos, tomar decisões e atuar criticamente frente às questões que a ciência e a

tecnologia têm colocado ao presente e, certamente, colocarão ao futuro. O aluno se tornará

mais crítico e ativo se democratizarmos o acesso ao conhecimento científico e tecnológico,

incentivando o interesse pela ciência e pelas relações entre os conceitos científicos e a vida.

A idéia de que para fazer ciência é preciso ser gênio é um mito que só atrapalha o ensino. O

cientista não é individualista, trabalha em comunidades científicas. Há muita mistificação da

ciência e do cientista, tanto na escola como na sociedade. Temas e práticas

descontextualizadas e muito distantes da realidade, do dia-a-dia dos alunos, não contribuem

para que eles tomem consciência da presença da ciência e da tecnologia na atualidade, de

como elas são produzidas e afetam a nossa sociedade.

É importante que o professor propicie aos alunos oportunidades de desenvolver ativamente as

habilidades envolvidas na atividade científica. Mas, em geral, existe uma brecha muito ampla

entre o que os professores consideram importante fazer e o que realmente fazem. Os

professores nem sempre estão, ou podem estar, em consonância com conceitos atuais do

conhecimento científico. E, então, como veicular informação correta, precisa, adequada e

atualizada? A opção de ensinar Ciências desenvolvendo atividades investigativas torna-se uma

boa solução para a aprendizagem. É o desejo de mudar a prática pedagógica, é esse

amadurecimento e esse refletir constante que garantirão que ocorram as mudanças efetivas na

prática pedagógica do ensino de Ciências do país. Nessa perspectiva, devemos começar

identificando e valorizando o conhecimento que o aluno detém sobre o que se pretende

ensinar. Assim se estabelece o debate sobre as relações entre o conhecimento popular e o

conhecimento científico, reforçando a interação da escola com as famílias e a comunidade,

enfatizando temas atuais, objetos de debate na sociedade, estabelecendo relações entre

conhecimento científico e exercício da cidadania. Isto significa reconhecer que a construção

do conhecimento é um empreendimento laborioso e que envolve diferentes pessoas e

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 10.

Page 11: O livro didático em questão

instituições, às quais se deve dar o devido crédito. Dessa forma, é possível relacionar o

conhecimento construído com aquele historicamente acumulado, reconhecendo que a

descoberta tem um ou mais autores e um contexto histórico, social e cultural.

3. O papel do livro didático

É necessário perguntar, ser curioso, investigar, descobrir, criar... É necessário transformar o

mundo! Ciência é realidade, imaginação, perseverança, trabalho, criatividade. Ciência é ação.

Os interesses dos alunos estão centrados na ação, no diálogo, na confrontação de idéias, no

trabalho em equipe, na experimentação, na reflexão conjunta, na busca de novos

questionamentos. Portanto, as aulas de Ciências devem destacar o caráter de empresa vital,

humana, fascinante, indagadora, aberta, útil e criativa que tem a atividade científica. E o livro

didático deve contribuir para isso e não ser utilizado para tornar o ensino de Ciências em

simples literatura.

O livro didático é um suporte de conhecimentos e de métodos para o ensino, e serve como

orientação para as atividades de produção e reprodução de conhecimento. Mas não podemos

nos transformar em reféns do livro, imaginando encontrar ali todo o saber verdadeiro e a

narrativa ideal. Sim, pois o livro é também instrumento de transmissão de valores ideológicos

e culturais, que pretendem garantir o discurso supostamente verdadeiro dos autores. Em um

processo pouco dinâmico como o que se estabelece no sistema tradicional de ensino de

Ciências, cria-se um círculo vicioso: o professor torna-se um reprodutor desses mitos e

imagens errôneas e passa, ele também, a acreditar neles. O resultado desse processo é que,

para os alunos, a ciência ensinada na escola acaba sendo chata, pouco útil e muito difícil.

Para construir uma opinião própria e independente, é importante a leitura de textos

complementares, revistas especializadas e livros disponíveis na biblioteca da escola, da

cidade, dos alunos, dos amigos, etc. Todos os livros apresentam problemas e o professor deve

estar sempre atento para trabalhar eventuais incorreções. Também é preciso perceber que o

livro é uma mercadoria do mundo editorial, sujeito às influências sociais, econômicas,

técnicas, políticas e culturais como qualquer outra mercadoria que percorre os caminhos da

produção, distribuição e consumo. Portanto, muito cuidado! É fundamental preservar sua

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 11.

Page 12: O livro didático em questão

independência, refletindo sobre o que é ciência e como ensinar Ciências, para que se possa

fazer uma boa escolha do livro que será utilizado em suas aulas.

4. Experimente sempre!

1. Sim, experimente! Aproveite a curiosidade, sua e de seus alunos, incentivando a exploração

ativa, o envolvimento pessoal e o uso dos sentidos. Não se preocupe se você não dispõe de

laboratório. Você vai se surpreender com sua criatividade e a de seus alunos. Valorize a

comunicação da ciência, utilizando diferentes propostas tais como seminários, teatro, painéis,

exposições, experimentos, sempre em linguagens e formatos apropriados. E principalmente,

valorize o papel do professor como um problematizador e não um simples facilitador ou

monitor de atividades.

2. Prepare, desde o início do ano letivo, uma Feira de Ciências para apresentar o resultado de

seu trabalho e de seus alunos. Proponha a integração das linguagens e interaja com seus

colegas de outras disciplinas.

Consulte http://www.ibpartners.com.br/mailmkt/programa/index.htm.

3. Exibir vídeos é sempre bom (por exemplo, utilize os vídeos e publicações do programa

“TV Escola”. Assista e grave os programas da série “Salto para o Futuro”

www.tvebrasil.com.br/salto). E use a internet também (mas cuidado com os sites de extensão

“.com”).

4. Sempre que puder, visite, com seus alunos, Centros e Museus de Ciência. São importantes

aliados dos professores na tarefa de dinamizar o ensino de ciências, uma vez que oferecem

recursos e, até mesmo, cursos e oficinas de formação (consulte www.abcmc.org.br).

5. Não deixe de usar a revista Ciência Hoje das Crianças. Esta é uma coleção preciosa.

Qualquer volume é muito bom. O MEC distribui esta coleção para as escolas.

6. Conheça o projeto de educação cientifica “Mão na massa”, no site da Academia Brasileira

de Ciências: http://www.abc.org.br/atividades/abcciencia.html

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 12.

Page 13: O livro didático em questão

Nota:

1- Professor no Departamento de Química Fundamental da UFPE. Membro do Comitê Técnico do Programa Nacional do Livro Didático – MEC. Diretor do Espaço Ciência, o Museu de Ciência de Pernambuco. Consultor desta série.

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 13.

Page 14: O livro didático em questão

PROGRAMA 2PROGRAMA 2

O LIVRO DIDÁTICO DE MATEMÁTICA NO ENSINO DE 1ª A 4ª SÉRIE

João B. Pitombeira de Carvalho 1

Paulo Figueiredo Lima 2

Verônica Gitirana 3

Mônica Mandarino

Considerações gerais

O Ministério da Educação já divulgou os resultados da avaliação pedagógica das coleções de

livros didáticos de Matemática apresentadas pelas editoras para o PNLD-2007. Os Resultados

da avaliação estão disponíveis no Guia de Livros Didáticos de 1ª a 4ª série, do PNLD. Como

nas edições anteriores, dos anos de 1997, 1998, 2000 e 2004, o presente Guia reúne resenhas

de coleções que deverão ser escolhidas pelos professores, para serem adquiridas pelo

Ministério da Educação e enviadas a todas as escolas de ensino público do país. Ao longo

desses anos, o PNLD sofreu algumas modificações, mas a escolha do livro pelo professor, no

contexto de sua escola, sempre foi mantida, porque é ele que vive a experiência da sala de

aula, com sua riqueza e seus desafios. As resenhas deste Guia visam auxiliar o professor a

conhecer as coleções de livros de Matemática disponíveis para escolha.

Na impossibilidade de acesso de todas as escolas públicas de 1ª a 4ª série aos próprios livros

didáticos aprovados no PNLD, as resenhas procuram retratar, fielmente, a estrutura e o

sumário dos conteúdos desses livros. Além disso, expressam uma avaliação de cada coleção,

feita por educadores que estão envolvidos com o ensino de 1ª a 4ª série, com base nos

critérios publicados pelo Ministério da Educação. Dessa forma, procura-se aumentar os

efeitos positivos da presença do livro didático em nossas escolas públicas; efeitos esses que

não dependem apenas de uma boa escolha do livro, mas também de um uso adequado deste

instrumento em sala de aula.

As observações que se seguem visam convidar o professor para uma reflexão que poderá

contribuir tanto para a escolha quanto para o posterior uso do livro pelo qual ele optou.

O livro didático

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 14.

Page 15: O livro didático em questão

O texto didático contribui para o processo de ensino-aprendizagem como mais um

interlocutor que passa a dialogar com o professor e com o aluno. Nesse diálogo, tal texto é

portador de uma perspectiva sobre o saber a ser estudado e sobre o modo de se conseguir

aprendê-lo mais eficazmente.

As funções mais importantes do livro didático na relação com o aluno, tomando como base

Gerard & Roegiers (1998), são:

favorecer a aquisição de conhecimentos socialmente relevantes;

propiciar o desenvolvimento de competências cognitivas, que contribuam para aumentar a

autonomia;

consolidar, ampliar, aprofundar e integrar os conhecimentos adquiridos;

auxiliar na auto avaliação da aprendizagem;

contribuir para a formação social e cultural e desenvolver a capacidade de convivência e de

exercício da cidadania.

No que diz respeito ao professor, o livro didático desempenha, entre outras, as importantes

funções de:

auxiliar no planejamento e na gestão das aulas, seja pela explanação de conteúdos

curriculares, seja pelas atividades, exercícios e trabalhos propostos;

favorecer a aquisição dos conhecimentos, assumindo o papel de texto de referência;

favorecer a formação didático-pedagógica;

auxiliar na avaliação da aprendizagem do aluno.

É preciso observar, no entanto, que as possíveis funções que um livro didático pode exercer

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 15.

Page 16: O livro didático em questão

não se tornam realidade, caso não se leve em conta o contexto em que ele é utilizado. Noutras

palavras, as funções acima referidas são histórica e socialmente situadas e, assim, sujeitas a

limitações e contradições. Por isso, tanto na escolha quanto no uso do livro, o professor tem o

papel indispensável de observar a adequação desse instrumento didático à sua prática

pedagógica e ao seu aluno.

Além disso, o livro didático é recurso auxiliar no processo de ensino-aprendizagem. Não

pode, portanto, ocupar papel dominante neste processo. Assim, cabe ao professor manter-se

atento para que a sua autonomia pedagógica não seja comprometida. Não é demais insistir

que, apesar de toda sua importância, o livro didático não deve ser o único suporte do trabalho

pedagógico do professor. É sempre desejável buscar complementá-lo, seja para ampliar suas

informações e as atividades nele propostas ou contornar suas deficiências, seja para adequá-lo

ao grupo de alunos que o utilizam. Mais amplamente, é preciso levar em consideração as

especificidades sociais e culturais da comunidade em que o livro é utilizado, para que o seu

papel na formação integral do aluno seja mais efetivo. Estas são tarefas em que o professor é

insubstituível, entre tantas outras.

Matemática e ensino da Matemática: princípios gerais

Ao refletir sobre o mundo atual, é possível observar a presença da Matemática nas atividades

humanas das diversas culturas. As mais elementares ações cotidianas requerem competências

matemáticas, que se tornam mais complexas na medida em que as interações sociais e as

relações de produção e de troca de bens e serviços se diversificam e se intensificam. Em

sociedades como a nossa, permeadas por tecnologias de base científica e por um crescente

acúmulo e troca de informações de vários tipos, é consenso reconhecer que as competências

matemáticas tornaram-se um imperativo. As mudanças no mundo do trabalho têm sido cada

vez mais rápidas e profundas, e exigem capacidade de adaptação a novos processos de

produção e de comunicação. Um olhar sobre o passado também mostra que, em todas as

épocas, as atividades matemáticas foram uma das formas usadas pelo homem para interagir

com o mundo físico, social e cultural, em intensidade e diversidade crescentes com a evolução

da história.

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 16.

Page 17: O livro didático em questão

A Matemática pode ser concebida como uma fonte de modelos para os fenômenos nas mais

diversas áreas do saber. Tais modelos são construções abstratas que se constituem em

instrumentos para ajudar na compreensão desses fenômenos. Modelos matemáticos incluem

conceitos, relações entre conceitos, procedimentos e representações simbólicas que, num

processo contínuo, passam de instrumento na resolução de problemas a objeto próprio de

conhecimento. Não pode ser esquecido que as atividades matemáticas geraram, ao longo da

história, um corpo de saber – a Matemática –, que é um campo científico, extenso,

diversificado e em permanente evolução nos dias atuais. Um saber que não é um repertório de

conhecimentos antigos e cristalizados.

Assim, aprofundar o conhecimento sobre os modelos matemáticos fortalece a contribuição da

Matemática para outras áreas do saber. No sentido oposto, buscar questões cada vez mais

complexas nos outros campos do conhecimento promove o desenvolvimento de novos

modelos matemáticos.

Modelos matemáticos são construídos com vários graus de abrangência e de sistematização.

Nos estágios mais simples, os modelos matemáticos concebidos são associados a objetos do

mundo físico – são as chamadas figuras ou sólidos geométricos. Por exemplo, a uma certa lata

pode ser associada a figura geométrica definida abstratamente como um cilindro. Esses

modelos particulares são, quase sempre, enfeixados em teorias matemáticas gerais que se

constituem em modelos abstratos para amplas classes de fenômenos em vários outros campos

do saber. A geometria euclidiana, as estruturas algébricas, a teoria das probabilidades são

exemplos desses modelos matemáticos mais gerais.

Por outro lado, muitas vezes, parte-se de um conceito ou ente matemático e procura-se, no

mundo físico, um fenômeno ou objeto que o represente. Neste caso, tal objeto ou fenômeno é

chamado modelo concreto do ente matemático. Assim, um dado de jogar pode ser um modelo

concreto da figura geométrica definida como cubo. Outros exemplos são os denominados

materiais concretos, de uso freqüente como recurso didático no ensino da Matemática. Outra

classe significativa de modelos concretos de entes matemáticos são os desenhos, que

cumprem papel importante nas atividades em que intervêm as habilidades de visualização.

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 17.

Page 18: O livro didático em questão

Outro aspecto fundamental da Matemática é a diversidade de formas simbólicas presentes em

seu corpo de conhecimento. Língua natural, linguagem simbólica, desenhos, gráficos, tabelas,

diagramas, ícones, entre outros, desempenham papel central, tanto na representação dos

conceitos, relações e procedimentos, quanto na própria formação desses conteúdos. Por

exemplo, um mesmo número racional pode ser representado por símbolos tais como 1/2, 0,50,

50%, ou pela área de uma região plana ou, ainda, pelas expressões ‘meio’ ou ‘metade’.

Uma reflexão de outra natureza, agora voltada para a educação matemática das pessoas,

revela que, nas últimas décadas, acumulou-se um acervo considerável de conhecimento sobre

os processos de construção e aquisição dos conceitos e procedimentos matemáticos e sobre as

questões correspondentes de ensino e de aprendizagem. Nesses estudos, tem sido

consensualmente defendido que ensinar Matemática não se reduz à transmissão de

informações sobre o saber acumulado nesse campo. Muito mais amplo e complexo, o

processo de ensino e de aprendizagem da Matemática envolve a construção de um leque

variado de competências cognitivas e requer, além disso, que se favoreça a participação ativa

do aluno nessa construção. Por outro lado, convém não esquecer que as competências não se

realizam no vazio e sim por meio de saberes de diversos tipos, dos mais informais aos mais

sistematizados, estes últimos a serem construídos na escola.

Indicar um conjunto de competências matemáticas a serem construídas é sempre um terreno

difícil. Por isso, adverte-se que a relação de competências de natureza mais geral, apontada a

seguir, não esgota todas as possibilidades. Ao contrário, pode e deve ser adaptada, em função

das diversidades de cada contexto educacional. Além disso, é importante não encará-las como

independentes umas das outras. Tendo isso em conta, um conjunto de competências mais

gerais pode ser citado:

Interpretar matematicamente situações do dia-a-dia ou o relacionamento com outras

ciências.

Usar independentemente o raciocínio matemático, para a compreensão do mundo que nos

cerca.

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 18.

Page 19: O livro didático em questão

Resolver problemas, criando estratégias próprias para sua resolução, desenvolvendo a

iniciativa, a imaginação e a criatividade.

Avaliar se os resultados obtidos na solução de situações-problema são ou não razoáveis.

Estabelecer conexões entre os campos da Matemática e entre esta e as outras áreas do saber.

Raciocinar, fazer abstrações com base em situações concretas, generalizar, organizar e

representar.

Compreender e transmitir idéias matemáticas, por escrito ou oralmente, desenvolvendo a

capacidade de argumentação.

Utilizar a argumentação matemática apoiada em vários tipos de raciocínio: dedutivo,

indutivo, probabilístico, por analogia, plausível, entre outros.

Comunicar-se utilizando as diversas formas de linguagem empregadas na Matemática.

Desenvolver a sensibilidade para as relações da Matemática com as atividades estéticas e

lúdicas.

Utilizar as novas tecnologias de computação e de informação.

As competências gerais acima esboçadas desenvolvem-se de forma articulada com

competências específicas associadas aos conteúdos(5) matemáticos visados no ensino. No

Ensino Fundamental de 1ª a 4ª série, esses conteúdos têm sido agrupados em quatro grandes

blocos: números e operações; geometria; grandezas e medidas; e tratamento da informação.

Competências associadas a esses blocos são mencionadas a seguir.

As atividades matemáticas no mundo atual requerem, desde os níveis mais básicos aos mais

complexos, a capacidade de contar coleções, comparar e quantificar grandezas e realizar

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 19.

Page 20: O livro didático em questão

codificações. Ainda nesse campo, convém referir-se à necessidade de compreender os vários

significados e propriedades das operações fundamentais e ter o domínio dos seus algoritmos.

Saber utilizar-se do cálculo mental, das estimativas em contagens, medições e cálculos e da

calculadora são outras capacidades indispensáveis. Tais competências podem ser associadas à

aritmética, à álgebra e à combinatória, mas, evidentemente, não são as únicas a serem visadas.

O pensamento geométrico surge da interação espacial com os objetos e os movimentos no

mundo físico e desenvolve-se por meio das competências de localização; de visualização; de

representação; de construção de figuras geométricas. A organização e a síntese desse

conhecimento são também importantes para a construção do pensamento geométrico.

Os conceitos fundamentais de grandezas e medidas estão presentes em todas as práticas

sociais. Saber usá-los, com compreensão, nessas situações é uma competência matemática

básica.

Associadas ao campo do tratamento da informação, bloco que inclui estatística, probabilidade

e combinatória, são cada vez mais relevantes as questões relativas a dados da realidade física

ou social, que precisam ser coletados, selecionados, organizados, apresentados e interpretados

criticamente. Fazer inferências com base em informações qualitativas ou dados numéricos e

saber lidar com o conceito de chance também são competências importantes.

Em geral, o ensino de Matemática por competências vem associado a outros princípios

metodológicos. Entre estes, destaca-se o que preconiza o estabelecimento de diversos tipos de

articulações. Uma delas é a articulação entre os diferentes blocos de conteúdos mencionados

anteriormente. É consensual entre os educadores que, ao se ensinar Matemática, os conteúdos

não sejam isolados em blocos estanques e auto-suficientes. Uma segunda articulação que se

faz necessário estabelecer é entre os vários enfoques na abordagem de um mesmo conteúdo.

Ainda uma outra, também importante, é a que se deve buscar entre as diversas representações

de um mesmo conteúdo.

Tem sido defendido pelos educadores matemáticos que os conceitos relevantes para a

formação matemática atual devam ser abordados desde o início da formação escolar. Isso

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 20.

Page 21: O livro didático em questão

valeria mesmo para conceitos que podem atingir níveis elevados de complexidade, tais como

o de número racional, probabilidade, semelhança, simetria, entre muitos outros. Tal ponto de

vista apóia-se na concepção de que a construção de um conceito pelas pessoas processa-se no

decorrer de um longo período, de estágios mais intuitivos aos mais sistematizados. Além

disso, um conceito nunca é isolado, mas se integra a um conjunto de outros conceitos por

meio de relações, das mais simples às mais complexas. Dessa maneira, não se deveria esperar

que a aprendizagem dos conceitos e procedimentos se realize de forma completa e num

período curto de tempo. Por isso, ela é mais efetiva quando os conteúdos são revisitados, de

forma progressivamente ampliada e aprofundada, durante todo o percurso escolar. É preciso,

então, que esses vários momentos sejam bem articulados, em especial, evitando-se a

fragmentação ou as retomadas repetitivas.

Com o objetivo de favorecer a atribuição de significados aos conteúdos matemáticos, dois

princípios têm assumido particular destaque no ensino atual: o da contextualização e o da

interdisciplinaridade. O primeiro deles estabelece a necessidade de o ensino da Matemática

estar articulado com as várias práticas e necessidades sociais, enquanto o segundo defende um

ensino aberto para as inter-relações entre a Matemática e outras áreas do saber científico ou

tecnológico. Em ambos os casos, há harmonia desses princípios com a concepção de

Matemática exposta neste texto. No entanto, não se pode esquecer que as conexões internas

entre os conteúdos matemáticos são, também, formas de atribuição de significados a esses

conteúdos. Além disso, convém observar que as contextualizações artificiais, em que a

situação apresentada é apenas um pretexto para a obtenção de dados numéricos usados em

operações matemáticas, são ineficazes. Também não são desejáveis as contextualizações

pretensamente baseadas no cotidiano, mas com aspectos totalmente irreais.

Outro rumo de reflexão é o que indaga sobre o papel do ensino da Matemática na formação

integral do aluno como cidadão da sociedade atual, na qual a convivência é cada vez mais

complexa e marcada por graves tensões sociais, produzidas e mantidas por persistentes

desigualdades no acesso a bens e serviços e às esferas de decisão política. O ensino de

Matemática, igualmente, pode contribuir bastante para a formação de cidadãos críticos e

responsáveis. Nesse sentido, em primeiro lugar, é preciso defender um ensino que considere o

aluno como sujeito ativo de seu processo de aprendizagem; que reconheça nele seus

conhecimentos prévios e extra-escolares; que incentive sua autonomia e sua interação com os

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 21.

Page 22: O livro didático em questão

colegas. Em segundo lugar, esse ensino deve procurar desenvolver competências matemáticas

que contribuam mais diretamente para auxiliar o aluno a compreender questões sociais

vinculadas, num primeiro momento, à sua comunidade e, progressivamente, à sociedade mais

ampla.

Bibliografia

BRASIL. MEC. SEF (2003). Guia de livros didáticos — 1a a 4a séries. Brasília, MEC/SEF, Vol. 2.

BRASIL. MEC. SEF (1997). Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília, MEC/SEF, Matemática: Primeiro e segundo ciclos do Ensino Fundamental.

BRASIL. MEC. SEF (1998). Parâmetros Curriculares Nacionais.Brasília, MEC/SEF, Matemática: Terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental.

GÉRARD, François-Marie & ROEGIERS, Xavier (1998). Conceber e avaliar manuais escolares. Porto, Porto Ed. (Ciências da Educação, 30)

NATIONAL COUNCIL OF TEACHERS OF MATHEMATICS. NCTM. Principles and Standards for School Mathematics, Reston, VA, USA, 2000.

Notas:

1- Professor da PUC –RJ.

2- Professor do Departamento de Matemática da Universidade Federal de Pernambuco.

3- Vice-diretora e professora do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco.

4- Professora do Departamento de Educação da UNI-RIO.

5- A expressão ‘conteúdo matemático’ é adotada no presente texto com o significado de: conceitos, relações entre conceitos, procedimentos e algoritmos matemáticos.

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 22.

Page 23: O livro didático em questão

PROGRAMA 3PROGRAMA 3

LIVRO DIDÁTICO EM GEOGRAFIA. DO PROCESSO DE AVALIAÇÃO

À SUA ESCOLHA

Elizeu Savério Sposito 1

Neste texto vamos apresentar, a partir da tensão entre os sujeitos e os elementos envolvidos

na escolha do livro didático (aluno, professor e escola), os processos e os resultados da

avaliação em toda sua complexidade, para que o professor de Geografia tenha, em mãos, um

documento que o auxilie a compreender como é possível, nos processos de ensino e

aprendizagem, trabalhar com o livro didático como um instrumento útil e adequado à sua

prática pedagógica.

O livro didático, o professor, o aluno e a escola

Trabalhar com o livro didático é uma tarefa que envolve vários sujeitos e aspectos. O livro é

um instrumento de trabalho que tem papel relevante na sociedade atual, que podemos chamar

de sociedade letrada, porque contém o conhecimento que conforma o temário da Geografia e

pode ser utilizado em sala de aula e em casa, pelo aluno ou pelo professor. É esse instrumento

de trabalho que foi avaliado no PNLD 2007 e que comparece no Guia do Livro Didático, que

será utilizado pelos professores para que eles escolham a coleção ou o livro de destinação

regional mais adequado para seu trabalho pedagógico.

O livro didático deve ser compreendido como elemento de intermediação nos processos de

ensino e aprendizagem, como produto comercializado que contém o conhecimento para a

formação do aluno, como produto que precisa ter qualidade em termos de conteúdo,

formatação e durabilidade, e como objeto de compra, pelo Governo Federal, para ser

distribuído para escolas em todo o Brasil. É com essa caracterização conceitual que o livro

didático carrega as determinações de uma política pública muito importante para a educação

fundamental brasileira porque incorpora, direta e indiretamente, a tensão entre vários sujeitos

nela envolvidos.

Os sujeitos fundamentais são o professor e o aluno. A eles se somam outros sujeitos que

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 23.

Page 24: O livro didático em questão

exercem papel importante nesses processos, que são a escola e o livro didático. Esses sujeitos

não podem ser compreendidos isoladamente, separados um do outro. É no contexto escolar

que os processos de ensino e aprendizagem são realizados, porque esse contexto é o lugar

privilegiado para esse fim. Portanto, é por causa de sua importância capital para o Ensino

Fundamental no Brasil que o livro didático tem, nas duas últimas décadas, mudado suas

características, devido aos processos de avaliação, melhorando sua qualidade em todos os

sentidos: metodológico, textual e cartográfico. Isso é fruto, enfim, de uma política pública que

se refere à leitura e à avaliação dos livros didáticos de Geografia, que foi se consolidando, ao

longo do tempo, por meio dos critérios adotados e pela qualidade das resenhas apresentadas

ao professor no Guia do Livro Didático.

Finalmente, o livro didático, como meio para acessar o mundo letrado da Geografia, deve:

• Conter o conhecimento geográfico que se pretende levar o aluno a aprender;

• Estar adequado ao aluno a que se destina o conhecimento, ao professor, que vai ter um

instrumento pedagógico à sua disposição em sala de aula, e à escola, com suas características

de estrutura, currículo e condições de trabalho.

Para ser adequado ao aluno, o livro didático deve apresentar os conteúdos e atividades

partindo de idéias, noções e experiências que ele já possui, apreendidas através do senso

comum no cotidiano vivido, respeitando sua fase cognitiva. Além disso, o livro deve

apresentar estratégias de integração dos conhecimentos geográficos e das experiências que os

alunos possam deter em relação aos novos conceitos elaborados. Por outro lado, os livros

também devem contribuir no desenvolvimento progressivo da autonomia do aluno nos

estudos, com uma abordagem em que ele seja tratado como sujeito ativo nos processos de

ensino e de aprendizagem. Devem, ainda, estimular sua curiosidade para o aprendizado

sistemático (científico), desenvolvendo, para esse fim, processos cognitivos básicos e níveis

sucessivos de abstração.

O livro didático precisa, também, adequar-se ao professor, apresentando as informações

científicas corretamente, com qualidade e atuais. Os conceitos apresentados devem ser

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 24.

Page 25: O livro didático em questão

formulados e manipulados de maneira correta, porque isso irá permitir conquistas em

pesquisas de aprendizagem, de forma que o professor tenha papel ativo e crítico em relação às

propostas pedagógicas apresentadas. O livro poderá contribuir, também, para a avaliação da

aprendizagem.

Ao se constituir como sujeito ativo, o professor precisa ultrapassar o papel de transmissor de

conhecimento que ele exerce, na sala de aula, tendo a capacidade de criar, de decidir e de

produzir conhecimento, elaborando análises sobre a realidade e, exercendo, assim, o seu papel

como intelectual, transformando o livro didático em instrumento pedagógico e não em

instrumento absoluto na sua prática pedagógica.

O terceiro sujeito envolvido no processo de avaliação é a escola. Para se adequar a ela, o livro

didático deve ser compatível com o seu projeto pedagógico, com o currículo proposto, com a

estrutura e recursos existentes, e com as condições de trabalho da escola. Finalmente, o livro

deve possibilitar a articulação com outras áreas do conhecimento.

Adequar-se à escola é uma das tarefas mais difíceis de se realizar, claramente, nos livros

didáticos, por causa da disparidade de condições existente no Brasil. A diversidade regional e

a desigualdade socioeconômica dificultam as condições de ensino. Para superar essa

complexidade geográfica, vários autores optaram por definir recortes específicos para

trabalhar o conteúdo geográfico. Há coleções, por exemplo, que fizeram o recorte

privilegiando os aspectos culturais da sociedade, tomando-os como referência que se repete e

se aprofunda da 1ª. para a 4ª. série do Ensino Fundamental. Há uma coleção, por outro lado,

cujo recorte mais evidente é feito pela abordagem das transformações tecnológicas para a

leitura do espaço geográfico.

Um último exemplo é dado por coleções que, para enfatizar a gênese e os princípios que

regem a dinâmica do processo de transformação das variáveis naturais e sociais que se

articulam na realidade contemporânea, privilegiaram os aspectos socioambientais para a

leitura do espaço geográfico.

Enfim, é na busca de soluções inovadoras para a apresentação do conhecimento geográfico

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 25.

Page 26: O livro didático em questão

que as coleções e os livros de destinação regional se diferenciaram no processo de avaliação.

Como foi feita a avaliação dos livros didáticos

No Documento de Área de Geografia apresentado no Guia do Livro Didático PNLD 2007,

lançado pelo MEC em março de 2006, há os princípios gerais que caracterizam essa

disciplina. Vejamos como esses princípios estão expostos no guia:

A Geografia é uma ciência que estuda os fenômenos da natureza e da sociedade e sua distribuição espacial. O objetivo da Geografia é compreender a dinâmica espacial que se desenvolve diacronicamente (evolução ao longo do tempo) e sincronicamente (ao mesmo tempo), produzindo, reproduzindo e transformando o espaço geográfico nas escalas local, regional, nacional e mundial. Esse objetivo deve ser alcançado a partir de um corpo de conhecimentos baseados em conceitos, como os de natureza, paisagem, território, região, lugar, tempo, espaço, cultura, sociedade e poder.

No que se refere à linguagem cartográfica, afirma-se que

(...) a Cartografia é indispensável ao ensino da Geografia porque possibilita ao aluno entender a distribuição, na superfície terrestre, dos fenômenos sociais e naturais e de suas relações, por meio de diferentes formas de representação. Ao mesmo tempo, a Cartografia permite ao estudante apropriar-se de uma técnica indispensável para desenvolver habilidades de representar e interpretar o espaço geográfico. Por tudo isso, é importante que o livro didático incorpore essa linguagem.

Outro aspecto salientado foi a interdisciplinaridade, que deve ser privilegiada a fim de

proporcionar a compreensão integrada dos fenômenos naturais e sociais e a interlocução

com outras disciplinas.

O livro, como material didático de utilização constante no Ensino Fundamental, precisa

incorporar, coerentemente, as discussões e inovações na área de Geografia e estar atualizado

em relação aos avanços teórico-metodológicos aceitos pela comunidade científica e

concernentes à corrente de pensamento geográfico adotada, respeitando-se, no entanto, as

opções do(s) autor(es) pelas diferentes correntes.

Partindo-se do pressuposto de que

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 26.

Page 27: O livro didático em questão

(...) um livro didático de Geografia deve, primeiro, preparar o aluno para atuar num mundo complexo, localizar-se nele, decodificá-lo, compreender seu sentido e significado; e, segundo, desenvolver seu espírito crítico, que implica no desenvolvimento da capacidade de problematizar a realidade, de propor soluções e de reconhecer a sua complexidade,

lembramos que

(...) o ensino de Geografia tem como objetivo atender às exigências do mundo contemporâneo, que pressupõe a articulação entre as instâncias sociais, econômicas, políticas e culturais. É necessário que o aluno compreenda seu ambiente imediato, assim como as escalas espaciais mais amplas (regional, nacional e internacional) e possa refletir sobre seu cotidiano, articulado a essas escalas.

Para que o ensino se desenvolva coerentemente,

(...) é necessário integrar o conhecimento do aluno na aquisição de novos conhecimentos, respeitando as suas possibilidades de elaboração do pensamento em cada faixa etária. Deve-se partir das experiências que os alunos já possuem como senso comum para, nos processos de ensino e aprendizagem, desenvolvê-las como conhecimento sistematizado nas várias escalas espaciais.

Finalmente,

(...) e de acordo com a maturidade dos alunos, devem ser estimulados os processos cognitivos como observação, identificação, comparação, compreensão, memorização, interpretação, análise, criatividade, síntese, problematização e criticidade, para formar um indivíduo com capacidade de resolver problemas, enfrentar situações complexas e expor suas idéias.

Esses princípios gerais estão mais detalhados nos parágrafos seguintes, nos quais vão ser

abordados vários aspectos do livro didático, do processo e dos resultados de avaliação do

PNLD 2007.

Começamos pela avaliação que, como processo coletivo, é resultado da convergência de

princípios, visões e interesses dos avaliadores, dos autores dos livros e das diretrizes

estabelecidas pelo MEC. Os princípios foram os seguintes:

• Função do livro de Geografia;

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 27.

Page 28: O livro didático em questão

• Conhecimento geográfico que se pretende que o aluno aprenda;

• Conceitos e instrumentos a serem elaborados, e procedimentos e atitudes esperados do

aluno;

• Adequação do livro ao professor e à escola.

O processo de avaliação foi norteado por critérios delineadores que se encaixam em três

blocos:

• Coerência teórico-metodológica;

• Presença de erros conceituais ou de informação;

• Presença de preconceito ou indução a ele.

Os critérios utilizados para a avaliação são relevantes e precisam ser conhecidos pelo

professor antes que ele faça a escolha da coleção ou livro de destinação regional que pretende

utilizar em seu trabalho pedagógico. Assim, os livros didáticos:

• Não podem expressar preconceitos, formas de discriminação ou doutrinação religiosa e

política;

• Não podem conter erros ou induzir a erros;

• Não podem ser desatualizados;

• Devem expressar coerência metodológica.

Constatar esse problema colocou em pauta a necessidade de se definir o que se pode

considerar como um livro didático de qualidade. Para isso, alguns princípios básicos, comuns

a todas as disciplinas do Ensino Fundamental, foram estabelecidos para que se tivessem

parâmetros de comparação.

Os princípios definidos, quanto à linguagem, foram:

• Apresentar linguagem clara, precisa e adequada ao estágio de desenvolvimento cognitivo

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 28.

Page 29: O livro didático em questão

médio dos alunos à série a que se destina o livro, e que contribua para ampliação do

vocabulário de termos específicos da Geografia, que podem ser identificados como aqueles

aceitos pela comunidade geográfica;

• Apresentar atividades e ilustrações que ajudem a compreender o texto;

• Ser inovador: capaz de romper com as abordagens consideradas tradicionais.

Por outro lado, o livro também deve conter o conhecimento geográfico por meio do qual se

pretende levar o aluno a melhor conhecer a sua realidade, porque a função dos conteúdos

fundamentais da Geografia é a de levar o aluno a compreender, de forma ampla, essa

realidade, possibilitando que nela interfira de maneira mais consciente e propositiva,

valorizando seus diferentes componentes e mantendo o equilíbrio dinâmico da interação

estabelecida.

Em resumo, ao utilizar o livro didático, espera-se que o aluno possa elaborar e trabalhar com

conceitos específicos da Geografia, como espaço, paisagem lugar, território, região,

sociedade, natureza, cultura, poder, e, por outro lado, apropriar-se e utilizar-se da linguagem

cartográfica como instrumento para compreender a distribuição dos fenômenos, representar e

interpretar o espaço geográfico.

Outro princípio básico foi a concepção de que o objeto do conhecimento geográfico é o

espaço geográfico, avaliado como convergência interativa de variáveis da natureza e

sociedade, nas diversas escalas hierárquicas da realidade (local, regional, nacional, mundial),

sendo cada recorte apreendido como totalidade.

Além do mais, é objetivo da ciência geográfica compreender os princípios da dinâmica que

regem a organização de múltiplas variáveis (fenômenos, elementos) que convergem e

interagem na definição da realidade contemporânea (espacialidade), assim como da gênese e

transformação da combinação dessas variáveis reveladas no espaço (temporalidade). Por isso,

o aluno deve compreender a espacialidade e temporalidade dessas múltiplas dimensões

(totalidades) do complexo sistema que compõe a realidade vivida, assim como da articulação

existente entre suas diversas escalas.

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 29.

Page 30: O livro didático em questão

Outra característica importante para um livro didático de qualidade é que se espera que o livro

ofereça, em sua estruturação final, a possibilidade de se elaborar e trabalhar com conceitos

específicos da Geografia, tais como espaço, paisagem lugar, território, região, sociedade,

natureza, cultura e poder, e também, apropriar-se e utilizar-se da linguagem cartográfica como

instrumento para compreender a distribuição dos fenômenos, representar e interpretar o

espaço geográfico.

Uma vez qualificado, o livro poderá propor que o aluno tenha participação propositiva e

reativa diante de questões socioambientais, pois os conhecimentos geográficos devem auxiliar

o aluno a reagir criativamente e atuar diante das exigências de um mundo contemporâneo

complexo, e estimulá-lo a incorporar atitudes de cidadania, ética e tolerância no convívio

social, sem expressar preconceito ou discriminação, e de valorizar a biodiversidade e a

sociodiversidade, procurando manter o equilíbrio dinâmico dos sistemas que compõem a

realidade social e natural.

Quanto à adequação do livro didático de Geografia ao aluno, alguns aspectos devem ser

considerados. Em primeiro lugar, os conteúdos e atividades trabalhados no livro devem partir

de idéias, noções e experiências que ele já possui, apreendidas através do senso comum no

cotidiano vivido, respeitando-se sua fase cognitiva. Além disso, o livro deve apresentar

estratégias de integração de tais conhecimentos e experiências aos novos conceitos

elaborados, para que possa contribuir no desenvolvimento progressivo da autonomia do aluno

nos estudos, com uma abordagem em que o mesmo seja tratado como sujeito ativo nos

processos de ensino e de aprendizagem.

Para que o livro esteja adequado ao professor, ele deve conter informações científicas

corretas, de qualidade e atuais. Os conceitos apresentados, por sua vez, devem ser formulados

e manipulados corretamente. Por isso, o livro deve permitir conquistas em pesquisas de

aprendizagem (isto é, deve ser inovador); permitir que o professor tenha papel ativo e crítico

em relação às propostas pedagógicas apresentadas e contribuir para a avaliação da

aprendizagem a que se propõe.

Quanto ao seu escopo, o livro deve, finalmente, ser adequado à escola, isto é, deve ser

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 30.

Page 31: O livro didático em questão

compatível com o projeto pedagógico, o currículo proposto, a estrutura e os recursos

existentes e as condições de trabalho referentes aos professores e aos funcionários, além de

possibilitar a articulação com outras áreas do conhecimento.

Outro aspecto considerado no processo de avaliação foi a composição da equipe de avaliação.

Para tanto, alguns critérios foram adotados.

Um primeiro critério foi a preocupação em compor com pessoas que pudessem desenvolver as

atividades do processo de avaliação articuladamente com profissionais que estejam

trabalhando com o Ensino Fundamental, seja na universidade, seja na rede oficial de ensino

ou em órgãos públicos responsáveis pelo Ensino Fundamental.

Foi necessário, também, incorporar profissionais com experiência comprovada em processos

de avaliação anteriores relacionados aos PNLD anteriores. Finalmente, foi preciso articular

profissionais formados nas diferentes especialidades da área de Geografia, desde que sejam

preocupados com as duas grandes áreas de Geografia, ou seja, Geografia Física e Geografia

Humana. Foram incorporados, também, profissionais ligados ao ensino de Geografia.

Os resultados do PNLD 2007

As coleções

No PNLD 2007, foram avaliadas trinta e três coleções. Entre as coleções avaliadas, apenas

duas delas (6,0% do total) não foram selecionadas. Entre as razões de suas exclusões, foi

constatado que uma delas apresenta problemas como doutrinação político-ideológica, lacunas

conceituais e erros de informação, e a outra não tem coerência entre os conteúdos

apresentados e a proposta teórico-metodológica exposta no manual do professor. Por essas

razões, incidiram nos critérios eliminatórios.

Tomando-se por base a ficha de avaliação utilizada para a análise das coleções e dos livros de

destinação regional, os quesitos eliminatórios e classificatórios receberam uma nota cujos

componentes tiveram pesos diferenciados, o que permitiu verificar que há variações entre

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 31.

Page 32: O livro didático em questão

todos os quesitos. Isso dá uma definição, no final do processo, dos aspectos qualitativos de

cada coleção em comparação com o conjunto das obras avaliadas.

Olhando para o conjunto, como se pode verificar no Gráfico 1, pudemos verificar que oito

coleções (25,8%) formam um primeiro grupo, com excelência em sua qualidade, por vários

motivos: têm coerência metodológica entre o manual do professor e a forma de exposição dos

conteúdos, não têm erros conceituais ou indução a erros e apresentam equilíbrio entre os

diferentes aspectos estruturais. Nove coleções (29,0%) formam um grupo intermediário.

Nesse grupo, há coleções com grande incidência dos aspectos ambientais, outras com

preocupações sociais e outras, ainda, privilegiando a linguagem cartográfica.

As demais coleções (48,4 % do total) tiveram avaliação com restrições porque apresentam

limitações em aspectos classificatórios, como estímulo à interdisciplinaridade ou os aspectos

culturais.

A caracterização das coleções foi feita segundo sua estruturação interna, considerando-se os

principais temas que apareceram nos seus conteúdos e a adequação do que foi apresentado no

manual do professor, como proposta pedagógica, e o que é desenvolvido na obra.

Em onze coleções (35,0%) predominam conteúdos sobre os aspectos sociais, em dez coleções

há muita preocupação com a representação cartográfica e em nove delas as relações

topológicas, os aspectos culturais e a articulação sociedade-natureza comparecem com maior

intensidade.

Do conjunto das coleções, apenas seis delas se adequaram a todos os critérios de avaliação,

expressando qualidade, coerência e boa estruturação dos volumes entre si e dos volumes

individualmente.

Por isso, no que se refere à estruturação das coleções (Gráfico 2), as melhores são inovadoras

nos aspectos de desenvolvimento das atividades, da metodologia de ensino e de

aprendizagem, do manual do professor e da organização dos conteúdos. As outras coleções

não se destacaram como inovadoras, mas são adequadas ou regulares nesse tipo de avaliação.

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 32.

Page 33: O livro didático em questão

Gráfico 1 – Aspectos gerais das coleções – PNLD 2007

Gráfico 2 – Caracterização das coleções – PNLD 2007

Os livros de destinação regional

No PNLD 2007, trinta e dois livros de destinação regional foram submetidos à avaliação, dos

quais vinte e um (66,0%) foram selecionados e onze (34,0%) foram excluídos.

Os vinte e um livros selecionados têm suas principais características explicadas nas resenhas

do Guia do Livro Didático e, da mesma forma que as coleções, ali estão descritas suas

possibilidades de uso e limitações, permitindo que o professor faça uma escolha consciente

voltada para o interesse dos processos de ensino e de aprendizagem.

Assim como para as coleções, tomando-se por base a ficha de avaliação, os quesitos

eliminatórios e classificatórios receberam ponderações diferentes definidas por pesos

diferenciados, o que permitiu verificar as variações entre eles.

O resultado da avaliação aponta que seis livros (28,6% dos selecionados) destacam-se por

apresentar adequação e regularidade nos principais aspectos avaliados. Um outro grupo,

formado por três livros (14,3%), é considerado intermediário, porque os livros são suficientes

em alguns aspectos, como relações projetivas, socioambientais ou representação cartográfica,

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 33.

Page 34: O livro didático em questão

e apresentam limitações em outros, como interdisciplinaridade, aspectos políticos e

representação cartográfica. Os demais livros selecionados (57,1%) têm limitações para seu

uso em sala de aula porque não atenderam a vários critérios classificatórios (ver Gráfico 3).

Os livros regionais têm uma diferenciação básica em relação às coleções. Enquanto estas têm

que apresentar coerência entre os volumes entre si e internamente a eles, os livros regionais,

por seu próprio papel nos processos de ensino e aprendizagem, apresentam-se

individualizados e especificados para uma série (geralmente a 3ª. série, mas alguns são

indicados para a 4ª. série), podendo se articular com uma coleção para sua utilização

pedagógica. No entanto, o manual do professor e a articulação teórico-metodológica dos

conteúdos são os aspectos mais deficientes no conjunto apresentado. Por outro lado, a maioria

dos livros (14 ou 66,6%) apresenta projetos gráficos adequados e desenvolvimento das

atividades como segunda característica suficiente para sua utilização (ver Gráfico 4).

Gráfico 3 – Aspectos gerais dos livros de destinação regional – PNLD 2007

Gráfico 4 – Caracterização dos livros de destinação regional – PNLD 2007

Como fazer a escolha do livro didático

O livro didático deverá ser escolhido pelo professor para que seu trabalho tenha a garantia da

qualidade do material que ele irá utilizar tanto em sala de aula quanto em atividades extra-

classe. Para isso, ele deverá se basear nas resenhas apresentadas no Guia do Livro Didático do

PNLD 2007. As resenhas, baseadas nos critérios de avaliação definidos previamente e na

exposição das características de cada uma das obras (sejam elas coleções ou livros de

destinação regional), são o documento básico para que o professor possa conhecer o material

que vai escolher para seu trabalho pedagógico. Considerando-se o caráter geral das resenhas,

elas atendem aos objetivos a que se destinam, visto que: a) apresentam as características

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 34.

Page 35: O livro didático em questão

principais de cada coleção; b) contêm informações referentes aos seus problemas; c) estão

redigidas numa linguagem acessível à maior parte dos professores da rede de Ensino

Fundamental. No entanto, a escolha pode ser mais criteriosa, como já foi verificado junto aos

professores, se a resenha for confrontada com os próprios livros.

As resenhas são divididas em quatro itens. No primeiro deles (Conhecendo), são apresentadas

as características de cada obra. No item Avaliando, as características são analisadas e

avaliadas, demonstrando-se suas qualidades ou limitações nos recortes estabelecidos e na sua

estruturação interna.

A avaliação dos livros foi feita de acordo com seus aspectos teórico-metodológicos, que

podem ser arrolados da seguinte maneira:

• Coerência entre as opções metodológicas do manual do professor e o conteúdo do livro;

• Adequação ao nível de desenvolvimento cognitivo dos alunos, tanto no que concerne à

estruturação interna dos livros de uma coleção quanto à estruturação do conteúdo entre os

livros, de acordo com o princípio da complexidade crescente.

• Coerência entre objetivos, conteúdos, atividades e exercícios.

• Estímulo a vários processos cognitivos básicos sem privilegiamento de um em detrimento de

outro.

• Conceitos apresentados corretamente, estabelecendo-se a inter-relação dos elementos

constituintes da natureza e da sociedade.

A esses critérios, que foram considerados eliminatórios, somaram-se outros, de caráter

classificatório:

• Passagem do senso comum para o nível científico.

• Isenção de lacunas.

• Distribuição e articulação dos conteúdos adequadas à proposta teórico-metodológica da

coleção ou do livro de destinação regional.

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 35.

Page 36: O livro didático em questão

• Inovações e renovações em Geografia (articulação entre atualização do conteúdo e realidade

contemporânea).

• Ausência de estereótipos e regionalismos.

• Trabalho com diferentes escalas geográficas.

Nesse item, poderá ser verificado se o manual, como parte integrante da coleção ou do livro

de destinação regional, está estruturado adequadamente e favorece um trabalho pedagógico de

qualidade. Para isso, no processo de escolha poderá ser verificado se no manual estão claras

as orientações que explicitem os pressupostos teórico-metodológicos, os objetivos das

atividades propostas e se elas não se referem apenas à reprodução dos exercícios

apresentados, e se o manual oferece informações adicionais ao livro do aluno, bibliografia

diversificada, sugestões de leituras, orientação para a articulação de conteúdos tanto de

Geografia quanto com outras áreas do conhecimento, avaliação da aprendizagem, sugestões

de atividades e leituras para os alunos.

No meio do item Avaliando, na terceira página de cada resenha, há um “olho” com a síntese

das principais características da obra, que se trata de um resumo daquilo que aparece no item

Conhecendo. A resenha é completada com o boxe Em sala de aula, no qual são apresentadas

as propostas para que o livro seja bem utilizado, tanto em seus aspectos positivos quanto para

superar as possíveis deficiências detectadas.

Para concluir, acreditamos que levando em consideração esses aspectos apresentados, o

professor poderá escolher a coleção ou o livro de destinação regional que irá utilizar no seu

trabalho de 1ª. a 4ª. série, como elemento importante para seu trabalho em sala de aula.

Bibliografia consultada

BRASIL. SECRETARIA DA EDUCAÇÃO BÁSICA. Introdução. In: Guia do Livro Didático 2007: séries: anos iniciais do ensino fundamental. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria da Educação Básica, 2006, p. 7-26. http://www.fnde.gov.br.

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 36.

Page 37: O livro didático em questão

CALLAI, Helena Copetti. O ensino da Geografia e a nova realidade. Boletim Gaúcho de Geografia, n. 24, 1998, p. 67-72.

CAVALCANTI, Lana de Souza. Geografia e práticas de ensino. Goiânia: Alternativa, 2002.

SPOSITO, Eliseu S. A escola e o ensino de Geografia. Elementos para discussão. Revista Faz Ciência. Francisco Beltrão: FACIBEL, 1997, n. 1, p. 9-18.

SPOSITO, Eliseu S. Geografia e Filosofia. Contribuição para o ensino do pensamento geográfico. São Paulo: UNESP, 2004.

Nota:

1- Professor da UNESP - Universidade Estadual Paulista-Campus de Presidente Prudente. Pesquisador do CNPq.

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 37.

Page 38: O livro didático em questão

PROGRAMA 4PROGRAMA 4

LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA: PESQUISA, ENSINO E NOVAS UTILIZAÇÕES DESTE OBJETO CULTURAL

Margarida Maria Dias de Oliveira 1

1. A escola na dianteira da academia: as pesquisas sobre livro didático de História

No Brasil, após a redemocratização, iniciada no final da década de 70 do século XX, realizou-

se uma série de trabalhos que atribuíam ao livro didático diversos problemas, e isto atingia

diretamente a qualidade da educação.

Estes trabalhos estavam corretos e cumpriram um papel fundamental. As avaliações

sistemáticas e cada vez mais aperfeiçoadas, empreendidas pelo Ministério da Educação por

meio das Universidades, vêm, desde meados da década de 90 do século XX, garantindo que

cheguem às escolas livros sem erros ou falhas na sua editoração.

As primeiras pesquisas sobre a utilização dos livros didáticos – ainda no final da década de 70

do século XX – são frutos de experiências ditas “alternativas” em sala de aula. Relatam

experiências de ensino com fontes primárias, com músicas, com teatro, com filmes/vídeos,

com estudos do meio, com fichas de leitura, com produção de textos, entre outras.

Posteriormente, com o desenvolvimento das pesquisas, concentradas nos programas de pós-

graduação em educação, temos um outro quadro. Inicialmente se concentraram na

externalidade da sala de aula: leis, currículos, livros didáticos. Só atualmente vêm

caminhando para a internalidade da sala de aula, isto é, os temas anteriormente citados

continuam sendo analisados, mas nas suas inter-relações com o que se faz dentro da escola e

da sala de aula. Como são interpretados esses elementos formais da educação pelos seus

agentes sociais?

Num primeiro momento, os trabalhos sobre livros didáticos de História centraram-se nas

denúncias de uma “ideologia dominante” contida nestes, da ausência de determinados temas

nos mesmos, ou até de tratamentos errados de alguns temas ou fatos pelos autores de livros

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 38.

Page 39: O livro didático em questão

didáticos. Foram importantíssimos, pois mapearam um elemento que se tornou indispensável

nas escolas. Hoje, porém, são necessários novos enfoques: a formação inicial dos professores

e a relação autores/editoras/indústria cultural podem ser assinaladas como uma amostra desses

novos caminhos.

É extremamente importante que se estimulem novos caminhos para a pesquisa do livro

didático. Convênios entre agências de fomento e o Ministério da Educação, no sentido de

abrir possibilidades de financiamentos de pesquisas sobre livros didáticos, seriam

fundamentais para produção de novos conhecimentos.

O valor do livro didático engloba aspectos pedagógicos, econômicos, políticos e culturais.

Portanto, pesquisas deveriam observá-los. Além disso, seria útil encontrar instrumentos

de pesquisa confiáveis para avaliar a eficiência e a eficácia deles.

As pesquisas que estão buscando a internalidade das salas de aula têm, de certa forma,

comparado os diversos modos de aprendizado, o que é muito significante e deveria ser mais

desenvolvido.

Contudo, apesar das variadas possibilidades, o aspecto mais estudado é a importância

político-ideológica dos livros didáticos, por isso afirmamos que, nesse caso, a escola se coloca

como vanguarda em relação às universidades visto que, por meio da vivência em suas salas de

aulas, tem experiências para muito além da “denúncia” das faltas, erros e/ou ideologias do

livro didático de História.

Há, por isso, um leque de possibilidades aberto para futuras pesquisas. A gama de

representações sobre o livro didático é uma delas, inclusive lembrando que, se para o

estudante ele é um início, para o professor é a condensação e o tratamento didático de um

conhecimento. Sua utilização em sala – por professores e alunos – também é um caminho que

precisa ser mais bem compreendido.

2. Concepção de livro e materiais didáticos

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 39.

Page 40: O livro didático em questão

Estamos entendendo como livro didático “um material impresso, estruturado, destinado ou

adequado a ser utilizado num processo de aprendizagem ou formação”(2). Deve-se levar em

conta a complexidade desse objeto, porque o livro didático não é “apenas” um livro,

tampouco o é no sentido mais usual do termo, para ser lido, da primeira à última página. O

livro didático precisa ser entendido como parte da história cultural da nossa civilização e

como objeto que deve ser usado numa situação de ensino e aprendizagem e, nessa relação, há

vários sujeitos: o(s) autor(es), editor, trabalhadores, e, sobretudo, professores e alunos.

Esse objeto tem significados diferenciados para cada um desses sujeitos e, como já assinalado

em uma pesquisa(3), pode, inclusive, ser referência de status em algumas ocasiões.

O livro didático é um instrumento que precisa ser mais bem utilizado pelo professor. O que

estamos entendendo como melhor utilização é a exploração mais adequada das suas

potencialidades.

Por exemplo, iniciar o trabalho com os alunos sobre um conteúdo pelas imagens contidas

no livro didático e não pelo texto. Muitas vezes, o professor, preocupadíssimo em

cumprir o programa e entendendo que sua missão é “expor uma matéria” vista

conforme o que está no livro, deixa de utilizar um potencial importantíssimo do material

didático, inclusive, levando em consideração que nossa cultura é muito visual e que os

alunos têm seus olhares direcionados para as imagens(4).

Outros instrumentos apresentados ou sugeridos nos livros didáticos também podem ser mais

bem utilizados. No caso dos específicos de História: documentos transcritos como leituras

complementares ao final de capítulos, mapas históricos e tarefas a serem desenvolvidas que,

muitas vezes, não são de fixação de informações, mas de pesquisa, incentivadoras de debates

e que também poderiam ser motivadoras iniciais de novos conteúdos. Sugestões de filmes,

séries televisivas, histórias em quadrinhos, charges, ou seja, recursos que têm a imagem como

veículo fundamental, necessitam de novos aportes informacionais para que sejam,

adequadamente, trabalhados pelo professor.

Sobre todas essas questões, poderiam incidir os programas de formação continuada nos quais

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 40.

Page 41: O livro didático em questão

o foco seria: contribuir para um exercício docente que atingisse melhor seus objetivos, que,

servindo-se do material didático mais utilizado, mais acessível – porque fornecido pelo

Estado – garantisse a professores e alunos resultados mais satisfatórios.

Como já ressaltado em documento do próprio Ministério da Educação(5), há a necessidade de

prover as escolas de outros materiais didáticos, além do livro. Atlas históricos, cd-rom

específicos para a área, coletâneas de documentos históricos, os chamados livros

paradidáticos que tratam de temas ou de aspectos de conteúdos históricos e jogos(6) são

fundamentais para o ensino.

3. A importância da escolha dos livros didáticos

Nenhum profissional deseja que tenhamos um único tipo de livro didático – o que se defende

é a qualidade na diversidade.

No processo de escolha dos livros didáticos, é importante que sejam observados todos os

aspectos enumerados nas resenhas do Guia do PNLD 2007, afinal, o livro não se restringe ao

texto. A partir da leitura atenta das resenhas que estão à disposição no Guia do PNLD 2007

será possível a escolha do livro coerente com o projeto político-pedagógico da escola, com a

realidade na qual a escola se insere, com as concepções de sociedade, educação e história.

A avaliação destas obras foi feita por profissionais que conhecem o Ensino Fundamental

e refletem sobre ele. Outra avaliação será realizada por professores e alunos e o objetivo

é sempre a formação de cidadãos que pensem historicamente e, com isso, também,

conquistem sua cidadania plena e ajudem a construir uma sociedade cada dia mais

democrática.

Além da informação profissional necessária, tempo e instrumentos são fundamentais para essa

escolha. O Guia do PNLD tem sido um desses instrumentos, é preciso que o professor

assuma-se como sujeito avaliador – o mais importante – porque sua avaliação é feita a partir

das informações fornecidas pela realidade de trabalho.

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 41.

Page 42: O livro didático em questão

3.1. Uma breve caracterização das Coleções presentes no Guia do PNLD 2007

As coleções e livros didáticos regionais foram avaliados no sentido de atender às necessidades

de professores e alunos, possibilitando-lhes trabalhar conteúdos com propriedade, evitando

veicular, construir e/ou reproduzir noções preconceituosas e informações errôneas. Faz-se

premente frisar que o conhecimento histórico obedece a critérios e procedimentos inerentes à

disciplina História – portanto, estes são aspectos que devem estar explicitados nas obras.

É fundamental que os livros didáticos lancem mão de abordagens pautadas na pluralidade de

realidades sociais, econômicas e culturais, além de contribuir para a formação cidadã do

educando, para a reflexão e a construção de conceitos, como tolerância, liberdade e

democracia.

Podemos perceber que 97% dos livros incorporam renovações nas áreas de História e de

Pedagogia, problematizando presente-passado e possibilitando ao aluno a percepção da

construção do conhecimento histórico. Trabalham organizando o conteúdo por eixos

temáticos, por temas-conceituais ou temáticas escolhidas. Percebemos, também que, em geral,

os livros destinados às primeiras e segundas séries são mais de acordo com as inovações

pedagógicas e históricas. Isto não se mantém para os livros de terceira e quarta séries, que

trabalham mais numa linha tradicional, baseados em textos e perguntas.

Há 16 coleções que apresentam e relacionam as fontes com a construção do conhecimento

histórico; há quatro em que um capítulo ou parte de um dos volumes trabalha vultos e fatos, e

há 10 obras que apresentam fontes, porém não as relacionam com a produção histórica.

Em relação à concepção pedagógica, apenas uma coleção completa foi caracterizada

como tradicional, tendo as demais incorporado parcial ou totalmente as renovações da

área. No entanto, oito ainda trazem, como principal atividade da obra, exercícios do tipo

pergunta-resposta, “velhos questionários” dos pontos de História, em que a capacidade

requerida era decorar.

Quase todas as coleções trabalham os conteúdos no sentido de desenvolver a formação da

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 42.

Page 43: O livro didático em questão

cidadania e atualizaram-se em relação aos novos temas hoje em discussão. Há o cuidado para

que as coleções dialoguem com o professor através do Manual do Professor, ou similar,

transformando-o em auxiliar na prática pedagógica. Contudo, nem todas apresentam e

discutem as concepções pedagógicas e históricas adotadas na elaboração da obra, ou sugerem

textos complementares para a atualização docente.

De forma geral, as coleções apresentam-se com visual agradável e adequado ao nível de

ensino a que se destinam. Percebemos que os problemas de revisão são os que requerem

maior cuidado por parte das editoras.

Podemos afirmar que ao menos dois terços das coleções tratam da diversidade das fontes

históricas, utilizando vários documentos de natureza diferente, como certidão de nascimento,

carteira de identidade, carteira de vacinação, carteira de estudante, título de eleitor, jornais de

época, publicidades, anúncios, fotografias, pinturas (reprodução), entrevistas, músicas, plantas

de cidades, cartografia de outras épocas e atuais, bem como chamam atenção para outras

fontes materiais, como brinquedos, roupas, comidas, objetos de uso diário de outros tempos,

permitindo ao aluno a percepção da metodologia histórica e da construção do conhecimento

histórico.

3. 2. Uma breve caracterização dos Livros Didáticos Regionais presentes no Guia do PNLD

2007

São classificados como Livros Didáticos Regionais aqueles que pretendem trabalhar com a

História delimitando um recorte espacial, podendo ser uma capital ou um estado do país.

Normalmente, são destinados à 3ª ou à 4ª série do Ensino Fundamental. São 27 obras para a

escolha das escolas, e dentre elas, 13 ainda propõem a organização dos conteúdos na

periodização tradicional da História: períodos colonial, imperial e republicano brasileiro. Oito

livros organizaram-se por temáticas que orientam os conteúdos propostos, quatro propõem

trabalhar com a chamada História Integrada, relacionando pontos da História Geral com a do

Brasil e a Regional. Somente duas utilizaram o recurso literário ficcional para conduzir a

estrutura da obra.

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 43.

Page 44: O livro didático em questão

Os conteúdos com ênfase político-institucional ainda predominam nos Livros Regionais

(12). Mas encontramos obras que se alinham às renovações da área de História

trabalhando com o cotidiano e a cultura material, ou com questões sociais. Temos

também um grupo significativo (7) que dá ênfase aos ciclos econômicos.

Temos nove Livros Regionais que priorizam os personagens ilustres e fatos político-

institucionais em suas abordagens históricas. Apenas cinco apresentam e relacionam fontes

com a construção do conhecimento histórico, e a maioria (13) não trabalha com heróis e fatos

encadeados, mas, quando apresentam fontes, não as relacionam com a produção histórica.

Quanto aos princípios pedagógicos, encontramos 10 obras caracterizadas como tradicionais e

17 como inovadoras. A maioria busca desenvolver capacidades e habilidades básicas através

de propostas didáticas diversificadas e criativas, fugindo dos tradicionais questionários.

Porém, temos oito livros que se apóiam predominantemente em exercícios do tipo pergunta-

resposta.

Identificamos somente uma obra que não se preocupa com a formação para a cidadania, em

sua proposta de trabalho. Grande parte do Manual do Professor (ou similar) que acompanha o

Livro Regional auxilia o trabalho docente, indicando sugestões de leituras complementares,

discutindo a proposta pedagógica adotada. Porém, ainda temos um número significativo (12)

de Manuais que apresentam partes sucintas, incompletas ou deixam de abordar elementos

importantes para a prática pedagógica, tornando-se, assim, insuficientes para auxiliar o

professor na utilização do livro em sala de aula.

Dos Livros Regionais, quase todos (24), são agradáveis visualmente, apresentando belas

imagens, bem coloridos e, às vezes, organizados com ícones. São apenas três do total que

apresentam algum problema no conjunto gráfico. Já em relação à revisão, encontramos 13

obras apontadas com problemas nesta área, como ausência de informações sobre as imagens

utilizadas, fontes, bibliografia; ou dados equivocados em legendas, datas, ortografia ou

digitação.

3. 3. Cuidados que o professor deve ter no processo de escolha

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 44.

Page 45: O livro didático em questão

É fundamental que o professor examine se a coleção ou o livro regional a ser escolhido é

adequado para suprir as exigências de seu universo escolar e se poderá ser adaptado à situação

concreta dos alunos da escola. Alguns pontos que o professor deve verificar são centrais:

• Se a coleção é adequada ao projeto pedagógico da escola;

• Se a linguagem e as referências são mais adequadas para alunos de cidade grande, de porte

médio ou pequeno; de regiões urbanas ou rurais;

• Se há grande complexidade de textos ou de atividades, o que supõe mais atenção do

professor ao conduzir suas práticas docentes.

4. Por ações que potencializem o livro didático

Há necessidades de ações junto à formação inicial e continuada dos professores e

também no fornecimento de subsídios informacionais e didáticos aos professores.

No que concerne à formação continuada de professores, por exemplo, seria fundamental o

incentivo à criação de Cursos de Especialização em parceria com as Secretarias de Educação

e com as Instituições Federais de Ensino Superior que tenham como objeto das disciplinas as

potencialidades de trabalhos presentes nos livros didáticos. Isso faria com que os professores

do Ensino Fundamental e do Ensino Médio participassem ativamente da discussão do livro

didático, proporcionando não só a troca de informações (experiências vivenciadas em sala de

aula e análises produzidas sobre os livros didáticos) como a reflexão para novas abordagens e

utilizações desse objeto, além de contribuir para a autonomia deles na avaliação dos livros

didáticos. Também sugerimos:

• Incentivar a criação de Bibliotecas Didáticas, que poderiam subsidiar programas de extensão

que tenham como base o livro didático de História.

• Incentivar a criação de sites/bancos de dados que fornecessem informações sobre imagens

mais utilizadas nos livros didáticos (se é foto, pintura, gravura, estatuária, monumento; sua

localização, datação, autor, o porquê da utilização dessa imagem etc.), outras imagens – não

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 45.

Page 46: O livro didático em questão

tão utilizadas – relativas aos mesmos temas, para que pudessem ser exploradas em sala de

aula.

• Numa articulação efetiva com o Programa Nacional Biblioteca na Escola, viabilizar uma

publicação e programas nas Tevês e Rádios Educativas que articulassem os livros de

Literatura e História, incentivando o trabalho interdisciplinar e a ampliação do conceito de

livro didático para professores e alunos.

• Incentivo ao registro de experiências vivenciadas em sala de aula, tendo o livro didático

como centro do processo, tanto por professores quanto por alunos.

• Incentivos a projetos que proporcionem ao professor olhar para sua sociedade como fonte

inesgotável de recursos e materiais didáticos como museus, praças, jornais, roupas, objetos

etc.

4. 1. Uma experiência(7)

O quadro “Independência ou Morte!”(8), de autoria do pintor Pedro Américo, tem sido

utilizado como imagem do processo de Independência política do Brasil na maioria dos

livros didáticos. Convidamos os professores a iniciarem este tema na sala de aula pelas

imagens presentes no livro didático que está sendo utilizado.

Seria de extrema importância ler o texto de autoria do pintor Pedro Américo intitulado

“A pintura”(9) e ver as justificativas do mesmo para os “erros” que vêm sendo

apontados na obra, desde sua apresentação ao público. A partir deste texto, o professor

pode organizar, inclusive, a apresentação de trechos do mesmo em que o autor explica o

porquê das suas escolhas. É interessante, inclusive, para fazer uma comparação com as

escolhas feitas pelos profissionais de História (pesquisador ou professor): porque

trabalhar determinados temas e não outros, como tratá-los etc.

Há ainda a possibilidade de outras interpretações do fato representado(10) ou, até

mesmo, de re-leituras da obra(11). Sugere-se, também, a “desconstrução” da obra,

recortando-a em quadrados, fazendo uma espécie de quebra-cabeças e analisando

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 46.

Page 47: O livro didático em questão

quadro por quadro.

Ilustração 1: Anexo 1

Ilustração 2: Anexo 2

Ilustração 3: Anexo 3

3- Para entender a variedade de relações e representações sociais sobre esse objeto ver a

citação a seguir como exemplo: “Para parcelas de alunos oriundos das camadas populares, a

posse do livro associa-se a status, embora represente um ônus em seu parco orçamento como

exemplifica a argumentação de um aluno em reação à proposta da professora em não adotar

livro em um curso da periferia de São Paulo, valorizando a segurança que este material

oferecia quando das ‘batidas’ de policiais em ônibus ou ruas. A posse do livro garantia uma

certa situação social privilegiada, a possibilidade de um tratamento diferenciado pelas

autoridades policiais”. In: BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Livro didático e

conhecimento histórico: uma história do saber escolar. São Paulo: DH/FAFICH/USP, 1993.

(Tese de Doutorado). p. 2.

4- A diversidade de abordagens sobre essas questões é representada por uma significativa e

estimulante bibliografia. KOSSOY, Boris. Fotografia & História. 2. ed. rev. São Paulo: Ateliê

Editorial, 2001; JOLY, Martine. Introdução à analise da imagem. Campinas, SP: Papirus, 1996

(Coleção Ofício de Arte e Forma); VOVELLE, Michel. Imagens e Imaginário da História.

Fantasmas e certezas nas mentalidades desde a Idade Média até o século XX. São Paulo:

Editora Ática, 1997; KOSSOY, Boris. Realidades e Ficções na Trama Fotografia. São Paulo:

Ateliê Editorial, 2002; BURKE, Peter. Testemunha ocular. História e Imagem. Bauru, SP:

EDUSC, 2004; MANGUEL, Alberto. Lendo Imagens: uma história de amor e ódio. São

Paulo: Companhia das Letras, 2001; DUARTE, Rosália. Cinema & Educação. Belo

Horizonte: Autêntica, 2002; FISCHER, Rosa Maria Bueno. Televisão & Educação. 2. ed Belo

Horizonte: Autêntica, 2003; VANOYE, Francis. Ensaio sobre a análise fílmica. Campinas, SP:

Papirus, 1994. (Coleção Ofício de Arte e Forma).

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 47.

Page 48: O livro didático em questão

5- BATISTA, Antônio Augusto Gomes. Recomendações para uma política pública de livros

didáticos. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Fundamental, 2002.

6- Há uma empresa que vem trabalhando no resgate de jogos de outras épocas históricas e de

outras sociedades como forma de demonstrar que informações e valores contidos nesses jogos

são representativos da visão de mundo daqueles povos. Para maiores informações, visitar o

site www.origem.com.br.

7- Oficina “Uso e abuso do livro didático de História” organizada por Margarida Maria Dias

de Oliveira, João Maurício Gomes Neto e Wesley Garcia Ribeiro Silva, em novembro de

2005.

8- Independência ou Morte! Pedro Américo, 7,60x 4,15 m. Museu Paulista – USP. Fotografia

de José Rosael.

9- Publicado em: OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles e MATTOS, Cláudia Valladão de.

(orgs.) O Brado do Ipiranga. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Museu

Paulista da Universidade de São Paulo, 1999. (Anexo 1)

10- Ver anexo. Imagem também muito presente nos livros didáticos. Proclamação da

Independência. François-Rene Moreaux, 2,44 x 3,83 m, 1844. Museu Imperial de Petrópolis.

Fotografia de Rômulo Fialdini. (Anexo 2)

11- Ver anexo. SOUSA, Maurício de. História em quadrões. São Paulo: Globo, 2002. (Anexo

3)

Notas:

1- Professora do Departamento de História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN.

2- OLIVEIRA, João Batista Araújo et alli. A política do livro didático. São Paulo: Summus; Campinas: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1984.

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 48.

Page 49: O livro didático em questão

PROGRAMA 5PROGRAMA 5

O LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA

Modos de usar, modos de escolher (PNLD/2007)

Roxane Rojo 1

O que dá a um livro o seu caráter e qualidade didático-pedagógicos é, mais que uma forma

própria de organização interna, o tipo de uso que se faz dele; e os bons resultados também

dependem diretamente desse uso. Logo, convém não esquecer: um livro, entendido como

objeto, é apenas um livro. [...] Podemos exigir — e obter — bastante de um livro, desde que

conheçamos bem nossas necessidades e sejamos capazes de entender os limites do LD e ir

além deles (Guia do Livro Didático 2007, Volume de Apresentação, SEB/MEC).

Este texto apresenta, inicialmente, uma breve discussão dos modos de se relacionar, de usar e

de escolher o livro didático, passando, a seguir, à exposição das características principais dos

Livros de Alfabetização e das Coleções de Língua Portuguesa que os professores de séries

iniciais do Ensino Fundamental escolhem em 2006 para adotar de 2007 a 2010. Como o Guia

é um instrumento oferecido para subsidiar a escolha dos professores, também se dedica

alguma atenção à forma como os Guias de Livro Didático de Língua Portuguesa e de

Alfabetização estão organizados para esta escolha no PNLD/2007.

Mikhail Bakhtin, em um texto de 1934, já dizia que o ensino das disciplinas verbais tinha

duas maneiras de lidar com as palavras dos outros (dos textos, das regras, dos exemplos, do

livro didático): de cor e com suas próprias palavras. Tanto um aluno como um professor

podem trazer os textos e exercícios de um livro didático de cor, isto é, como textos que devem

ser respeitados, repetidos, assimilados sem crítica ou alteração, porque representantes de uma

palavra de autor e de autoridade (da ciência), como também podem dialogar com esses textos

e exercícios com suas próprias palavras, selecionando trechos de interesse, ampliando leituras

e colocando-os em diálogo com outros textos, replicando a eles, concordando, discordando,

questionando. Neste segundo caso, os textos serão capazes de ter alguma persuasão interna

para este aluno ou professor, serão capazes de fazer sentido.

Mais de setenta anos se passaram desde a época em que Bakhtin escreveu esse texto, mas,

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 49.

Page 50: O livro didático em questão

ainda hoje, a questão da autonomia dos sujeitos frente aos textos, dos professores frente ao

livro didático, continua sendo colocada e debatida. Em minha opinião, o professor não perde,

automaticamente, a autonomia pela mera presença do livro didático em sala de aula, mas, se a

perde, perde porque não se coloca em diálogo com o livro, subordinando-o a seus projetos de

ensino. O livro didático, em sala de aula, nada mais é que um dispositivo de ensino, um

instrumento através do qual o professor e seus alunos passam a dispor de um conjunto de

textos e exercícios com base nos quais a aula, o ensino e o aprendizado podem prosseguir,

sem que haja perda importante de tempo com ditados e cópias da lousa. Do ponto de vista dos

alunos, ele é mais que isso: é, sim, o material que lhes permitirá acompanhar e registrar as

aulas, mas é também o texto que lhes permitirá estudar em casa com autonomia e recordar o

que foi feito antes na escola e, para muitos, será dos poucos materiais escritos, base de

práticas letradas, que terão em casa.

Não só o uso do livro em aula, mas a própria escolha do livro que acompanhará alunos e

professores por três anos, é um momento fundante de diálogo do professor – baseado em suas

intenções e métodos de ensino, seu projeto – com o(s) autor(es) do projeto didático

concretizado no livro.

Em uma série de programas do Salto para o Futuro, em 2005, dedicada aos Materiais

Didáticos – Escolha e uso(2), em meu texto, aponto pelo menos três modos de usar o livro em

sala de aula: como arquivo de textos (ou exercícios) que o professor seleciona para compor

sua aula ou como um projeto de ensino do(s) autor(es) que pode ou substituir o projeto de

ensino docente – caso em que o professor perde autonomia e consome o livro “de fio a pavio”

– ou pode apoiá-lo em seu projeto de ensino, caso em que o professor o utiliza de maneira

flexível e subordinada a seu próprio projeto, mas não de maneira aleatória.

Também a escolha do livro estará ligada a esses (e outros) modos de usar. Exemplifico: se os

professores da escola pautam coletivamente o plano de escola em projetos temáticos ou de

ação e o cerne do plano de ensino do professor incorpora projetos é interessante que este

professor escolha livros que, de alguma maneira, incorporem princípios da pedagogia de

projetos.

Assim, o momento da escolha do livro faz parte do início, da inauguração de um projeto de

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 50.

Page 51: O livro didático em questão

ensino de mais longa duração, no qual vários professores interferirão, e deve, portanto, ser

vivido pelo diálogo coletivo dos professores interessados. O momento da escolha do livro faz

parte da composição de um cenário, de uma arrumação da sala de aula e da escola para

receber seus protagonistas mais importantes: seus alunos. Assim como, ao receber uma visita

querida, arrumamos nossa casa e nossa refeição de acordo com o perfil e as necessidades de

nossos amigos, assim também compor o cenário da escola com textos, livros e materiais que

estejam de acordo com o perfil e as necessidades dos alunos que vamos receber é parte

fundamental do planejamento do ensino. Por isso, nesse momento, o professor deve dispor de

tempo, condições e orientações suficientes para que possa fazer a escolha de comum acordo

com os colegas interessados e de maneira ponderada e responsável.

Na disciplina de Língua Portuguesa – incluindo a Alfabetização –, embora haja um certo

consenso atualmente sobre o que e como ensinar, os livros disponíveis para escolha

apresentam perfis didáticos diferenciados dos quais os professores devem ter conhecimento

para poder fazer sua escolha com autonomia e levando em conta seus próprios projetos de

ensino. Assim, os livros oferecidos vão ter algumas características comuns que comentaremos

mais adiante, mas também têm projetos próprios, que devem ser compatíveis com o do

professor.

Por isso, de maneira a subsidiar melhor a escolha do livro no PNLD/2007, foram feitas

algumas modificações no Guia do Livro Didático de Língua Portuguesa e no de

Alfabetização. Ao invés de qualificar as avaliações e descrições dos livros e coleções de

maneira valorativa e classificatória, como era anteriormente feito, por meio de índices (como

as estrelas) ou de classificações de qualidade (como as menções RD, REC, RR) (3), como os

livros e coleções deste PNLD apresentam perfis algo diferenciados, foi possível organizar o

Guia a partir desses perfis.

Logo, o Guia do Livro Didático de Língua Portuguesa e o Guia do Livro Didático de

Alfabetização, neste PNLD/2007, apresentam as resenhas das obras a serem escolhidas de

uma maneira um pouco diferente da costumeira.

Na Introdução, os dois Guias apresentam os princípios e critérios que regeram a avaliação das

obras – já bastante conhecidos dos professores e configurados na reprodução das Fichas de

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 51.

Page 52: O livro didático em questão

Avaliação, ao final dos Guias –, seguidas da discussão sobre o que as obras oferecidas à

escolha têm em comum e de seus diferenciais. Foi possível detectar perfis didáticos e formas

de organização diversificados tanto para as obras de alfabetização como para as de ensino de

língua, embora haja, é claro, perfis e formas de organização majoritários.

As Resenhas do corpo do Guia aparecem, nesta edição, organizadas em Blocos por perfil

didático das obras resenhadas. As características de cada Bloco vêm explicitadas na

Introdução de cada Bloco, seguidas de Quadros-Síntese das metodologias de ensino adotadas

por cada coleção ou livro de alfabetização para os componentes de ensino da disciplina.

Nesses Quadros, o professor poderá visualizar, em tabelas sombreadas, as principais

características metodológicas de cada obra, o que poderá possibilitar-lhe a seleção das obras

que mais lhe interessam para dirigir a leitura das resenhas, sem que tenha de lê-las todas

antes.

As Resenhas encontram-se divididas em duas partes – Conhecendo e Avaliando (a obra). Em

Conhecendo, descreve-se brevemente a forma de organização e composição da obra e, em

Avaliando, expõe-se a avaliação de cada um dos componentes de ensino, de acordo com os

princípios e critérios da avaliação. Buscamos também, na diagramação, apresentar a avaliação

das obras de maneira a permitir tanto uma leitura rápida como um aprofundamento nos

detalhes. Há o texto completo da avaliação, que apresenta uma exposição mais detalhada de

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 52.

Page 53: O livro didático em questão

suas características e abordagens, dividida em tópicos que aparecem em negrito no texto,

vindo antes as características mais relevantes de cada obra. Mas há também um “olho” da

Resenha, no centro da 1ª página de Avaliando, que sintetiza essas características principais e o

já conhecido boxe Em sala de aula, que busca concretizar sinteticamente o possível

funcionamento dessas características em aula.

Conforme é de conhecimento dos professores, são mostradas no Guia, para escolha, as

coleções e livros de alfabetização que foram aprovados, isto é, que não incidem nos critérios

eliminatórios, apresentando correção de conceitos e informações básicas, coerência e

adequação metodológicas e obedecendo a preceitos éticos. Essas coleções e livros são então

analisados, nas Resenhas, segundo os critérios classificatórios(4), relativos a cada um dos

componentes de ensino de:

• Alfabetização: o processo de alfabetização, a natureza do material textual, leitura, produção

de textos, conhecimentos lingüísticos, trabalho com a linguagem oral, manual do professor e

aspectos gráfico-editoriais;

• Língua Portuguesa: a natureza do material textual, leitura, produção de textos,

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 53.

Page 54: O livro didático em questão

conhecimentos lingüísticos, trabalho com a linguagem oral, manual do professor e aspectos

gráfico-editoriais.

Como disse acima, as obras de Alfabetização e de Língua Portuguesa para as séries iniciais

que os professores estão escolhendo no PNLD/2007(5) apresentam algumas características

didáticas e organizacionais comuns, mas também perfis diversificados. Passo a comentar

essas semelhanças e diferenças em cada um dos Guias.

Guia de Alfabetização 2007

De uma maneira geral, os livros de alfabetização recomendados têm um perfil que pode ser

caracterizado por dois eixos: o primeiro, referente à lógica de organização da estrutura das

obras; o segundo, referente à abordagem metodológica adotada para a apropriação do sistema

de escrita alfabético-ortográfico e as práticas de letramento.

Do ponto de vista das formas de organização, os Livros Didáticos de Alfabetização continuam

evidenciando certa uniformização, já constatada em avaliações anteriores. Prevalece o critério

de estruturação por unidades temáticas, nas quais alguns temas recorrentes e pertinentes aos

interesses infantis são tomados como núcleo para a exploração de atividades relacionadas aos

conteúdos do ensino da língua escrita (para alfabetização e/ou letramento), bem como para

exploração de atividades complementares ou extraclasse. A esse critério dominante, seguem-

se outras lógicas de organização: por gêneros/tipos de textos; por eixos ou componentes de

ensino-aprendizagem da língua (leitura, produção de textos, oralidade e outros); por textos

avulsos seguidos de atividades diversas (ou seja, não regulados por um critério específico);

por projetos temáticos, seguidos de oficinas sobre conteúdos da área. Alguns desses critérios

são combinados em certas obras, ora por divisão de suas partes, ora por tratamento

simultâneo, como no caso da conciliação entre unidades temáticas e gêneros de textos ou,

ainda, por eixos/componentes de ensino-aprendizagem.

No que tange à abordagem metodológica adotada para o ensino dos diferentes componentes

da alfabetização e do letramento, foram identificadas semelhanças e diferenças entre as

diversas obras apresentadas para a escolha do professor.

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 54.

Page 55: O livro didático em questão

As semelhanças se referem aos seguintes aspectos:

• a qualidade da seleção textual apresentada;

• a abordagem adotada para o desenvolvimento da linguagem oral.

Quanto à qualidade dos textos selecionados para a composição das obras, verifica-se uma

melhoria significativa desses repertórios em relação a avaliações anteriores. Os livros

Recomendados neste Guia apresentam, de maneira geral, uma seleção textual caracterizada

pela presença de textos significativos, de diferentes tipos e gêneros, que favorecem a reflexão

sobre os vários contextos de circulação da escrita e sobre as relações entre a fala e a escrita

(parlendas, cantigas, adivinhas, trava-línguas, por exemplo). As obras também se preocupam

com o tamanho dos textos, apresentando desafios diferenciados para o trabalho com alunos

que se encontram em diferentes fases do domínio da leitura.

Deve-se registrar, entretanto, que ainda é pouco significativa, na maioria das obras, a presença

de textos que possibilitem um trabalho mais consistente sobre diferenças entre os falares do

Brasil e entre contextos sociais e culturais diversificados, buscando superar visões

estigmatizadas em nossa sociedade.

Quanto à abordagem adotada para o desenvolvimento da linguagem oral, também se

constatam convergências nas propostas. Prevalecem as atividades de uso da linguagem oral

em sala de aula, para que os alunos manifestem seu ponto de vista sobre determinado texto ou

assunto para toda a turma ou para pequenos grupos de trabalho, realizem entrevistas ou

recontem histórias lidas. Dessa forma, nenhum dos livros se diferenciou dos demais quanto à

pouca atenção dada à reflexão sobre as características e os usos que são feitos de textos orais

produzidos em diferentes espaços sociais. Como lacuna comum, observa-se que mesmo as

obras que possibilitam o uso da linguagem em sala de aula restringem sua exploração ao

contexto escolar.

Uma vez explicitadas as semelhanças mais gerais entre as obras avaliadas, cabe assinalar

distinções existentes entre elas. Essas diferenças tornam-se evidentes, ao se considerar os

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 55.

Page 56: O livro didático em questão

princípios metodológicos constitutivos das abordagens de ensino presentes nas obras

avaliadas.

A análise desenvolvida levou à identificação dos seguintes princípios metodológicos no

conjunto dos livros avaliados:

1) a busca de reflexão sobre o objeto de ensino, por meio de atividades de análise e de

comparação de diferenças ou semelhanças entre diversos aspectos desse objeto;

2) a busca de contextualização das atividades de ensino em uma situação de uso específica,

que prevê finalidades específicas, interlocutores reais, suportes e contextos de circulação para

os produtos, ainda que esses sejam da esfera escolar;

3) a aposta na vivência, no “aprender fazendo”, caso em que se propõem atividades escolares

que não são seguidas nem de transmissão de conhecimento nem de reflexão para a construção

desse conhecimento sobre o objeto de ensino;

4) a transmissão de conhecimentos que, posteriormente, serão aplicados (ou repetidos) pelos

alunos em atividades propostas.

No entanto, em geral, não se pode qualificar um livro de alfabetização apenas como modelo

de práticas “reflexivas” ou “transmissivas” como um todo. Nesse sentido, é comum que um

Livro Didático oriente-se por princípios metodológicos diferenciados na abordagem do

sistema de escrita, da leitura ou da produção textual. Por exemplo, é possível um livro de

alfabetização que adote uma abordagem transmissiva para o estudo do sistema de escrita e

proponha um trabalho contextualizado e reflexivo em leitura e produção de textos.

A adoção, a combinação ou ênfase dada a esses princípios metodológicos e sua tradução nas

propostas de atividades resultam em modelos de trabalho diferenciados para o ensino da

escrita e da leitura nos livros de alfabetização avaliados. Para subsidiar os professores no

momento da escolha dos livros, elaboramos, como vimos, quadros que sintetizam os

princípios orientadores da abordagem adotada: Vivência, Transmissão, Contextualização,

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 56.

Page 57: O livro didático em questão

Reflexão. Esses quadros, exibidos no início de cada Bloco de Resenhas do Guia, buscam

expressar visualmente esses princípios, mapeando as metodologias adotadas para os objetos

de ensino – sistema de escrita, leitura e produção de textos.

Nesses quadros, indica-se, ainda, a estrutura organizacional de cada obra (unidades temáticas,

textos avulsos e projetos temáticos).

Além disso, o equilíbrio da atenção dada nas obras aos diversos objetos da alfabetização e do

letramento – estudo do sistema de escrita e leitura e produção de textos – é variável. Algumas,

tratam equilibradamente esses componentes; outras dão mais atenção a um ou outro deles.

Em função dessas diferenças, as obras foram agrupadas em três blocos no Guia de

Alfabetização 2007:

• Bloco 1 - Livros que abordam de forma desigual os diferentes componentes da alfabetização

e do letramento (21 livros);

• Bloco 2 - Livros que abordam de forma equilibrada os diferentes componentes da

alfabetização e do letramento (16 livros);

• Bloco 3 - Livros que privilegiam a abordagem da apropriação do sistema de escrita (10

livros).

A avaliação do grau de qualidade da abordagem dos componentes de ensino e do enfoque

teórico-metodológico desses livros é também diferenciada e o professor deverá recorrer à

resenha para ter informações mais detalhadas sobre cada obra.

Guia de Língua Portuguesa – Séries iniciais 2007

Também nas coleções de Língua Portuguesa pudemos detectar a metodologia adotada para os

principais objetos de ensino da disciplina. Quatro abordagens metodológicas são recorrentes

nas obras:

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 57.

Page 58: O livro didático em questão

• Vivência – a obra aposta no “aprender fazendo”, caso em que se propõem atividades ou

procedimentos, sem que esses sejam precedidos por transmissão de conhecimento ou seguidos

de reflexão para a construção de conhecimento sobre o objeto de ensino;

• Uso situado – diferentemente da vivência, as propostas de uso situado não são

exclusivamente baseadas nas rotinas da prática escolar sedimentada, mas buscam

contextualizar as atividades de ensino em uma situação de uso específica, que prevê

finalidades específicas, interlocutores reais, suportes e contextos de circulação para os

produtos, ainda que esses estejam também dentro da esfera escolar (um exemplo seriam os

projetos temáticos);

• Transmissão – a obra adota uma perspectiva dedutiva de ensino, buscando transmitir

conhecimentos (definições, explicações) que, posteriormente, serão aplicados (ou repetidos)

pelos alunos em atividades propostas;

• Construção/reflexão – a obra adota uma perspectiva indutiva de ensino, buscando

possibilitar, nas atividades propostas, a reflexão sobre o objeto, para propiciar a construção de

conhecimento, que, posteriormente, será ou não sistematizado. Propicia, portanto,

inicialmente, atividades de análise e de comparação por diferenças ou semelhanças de

diversos objetos, para somente mais adiante concluir sobre um funcionamento lingüístico,

uma regra ou um uso da linguagem.

No entanto, em geral, não se pode qualificar uma obra como “construtivista” ou

“transmissiva” como um todo. Isso ocorre porque a disciplina de Língua Portuguesa, desde

seu surgimento como tal no século XIX, veio historicamente “disciplinarizando” seus objetos

de ensino com base em um “tripé” (o trivium) – gramática; fala e escrita (retórica); e leitura

literária (poética). Cada um desses campos foi constituindo e sedimentando práticas didáticas

próprias e específicas ao longo da história da disciplina. Neste sentido, é comum que uma

metodologia de ensino se apresente mais ligada a um campo do ensino que a outro. Por

exemplo, a abordagem transmissiva ainda se faz bastante presente no ensino de gramática e as

propostas de uso situado estão mais freqüentemente ligadas ao campo da produção de textos

(escritos ou orais). Assim, no conjunto de obras que se oferecem à escolha dos professores

neste PNLD/2007, podemos verificar que:

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 58.

Page 59: O livro didático em questão

• Para as atividades de leitura e produção de textos escritos, os livros adotam, em geral, uma

mesma metodologia de ensino. Para a abordagem dos conhecimentos lingüísticos, muitas

vezes as metodologias adotadas variam segundo o objeto de ensino. Foi comum a situação em

que, embora as classes de palavras e suas relações na frase (morfossintaxe) fossem tratadas de

maneira transmissiva, a ortografia – em seção própria – e os aspectos textuais e discursivos,

ao longo das atividades de estudo do texto, eram tratados de maneira reflexiva. Por essa razão,

optamos por desmembrar a análise metodológica dos conhecimentos lingüísticos em três

objetos: gramática, ortografia e análise textual.

• Ainda no que se refere ao ensino de gramática, as obras, neste PNLD/2007, tratam esse

objeto de ensino de maneira um pouco diferente da tradição. Mais da metade das coleções

(58%) trata da gramática aplicada ao texto, deixando de lado uma abordagem sistemática dos

conceitos e muitas vezes não trabalhando com classes de palavras num sentido tradicional

(morfologia), mas preferindo enfocar aqueles funcionamentos essenciais da língua escrita para

a produção de textos (concordância, coesão, discurso direto e indireto, pontuação,

paragrafação etc.). A abordagem mais ligada à tradição do ensino gramatical – classificatório

e sistemático – ficou restrita a 37% dessas obras. Duas coleções (5%) não consideram os

conhecimentos lingüísticos. Cabe também observar, nesse tópico, a presença consistente da

ortografia em 88% das obras.

• Como a linguagem oral foi tratada de maneira bastante irregular nas coleções, não foi

possível detectar uma metodologia clara de abordagem desse objeto de ensino nas obras. O

máximo que se pode dizer é que a maioria delas aposta na “vivência” da oralidade, isto é,

propõe inúmeras atividades que visam ao uso da linguagem oral em sala de aula, mas não

tomam a linguagem oral em si como objeto de ensino ou de reflexão. Nas obras que o fazem,

as metodologias de ensino variam: ora a obra apresenta de maneira transmissiva as

características de um gênero oral, formal e público, como no caso do debate; ora solicita,

numa perspectiva de se aprender fazendo, que os alunos produzam um jornal falado, por

exemplo.

• Por fim, deve-se notar que os projetos temáticos, na medida em que definem como meta, em

geral, produtos específicos, acabam por adotar a metodologia em que os usos situados da

linguagem – na leitura e nas produções orais e escritas – fazem-se presentes.

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 59.

Page 60: O livro didático em questão

Por outro lado, as obras recomendadas que estão sendo oferecidas à escolha dos professores

no Guia têm perfis diferenciados e a principal diferença, de ordem metodológica, encontra-se

refletida também na lógica de organização das obras: modular por eixos ou componentes de

ensino (eixo/componente do uso – compreensão e produção de textos – e eixo/componente da

reflexão sobre a língua), em torno de projetos temáticos, por unidades temáticas (estruturadas

por temas ou por temas e gêneros/tipos de texto) ou dependente de textos. A organização por

temas – por unidades temáticas (25 coleções) ou em torno de projetos temáticos (5 coleções) –

ainda é majoritária e está presente, de uma ou de outra maneira, em 81% das coleções

recomendadas (30 coleções).

A avaliação do grau de qualidade da abordagem dos componentes de ensino e do enfoque

teórico-metodológico dessas coleções é também aqui diferenciada e o professor deverá

recorrer à resenha para ter uma idéia mais clara de cada obra. No entanto, os Quadros que se

apresentam em cada Bloco buscam expressar visualmente alguns desses resultados, mapeando

as metodologias adotadas para os principais objetos de ensino da disciplina – gramática,

ortografia, análise textual, leitura e produção de textos. O Guia de Língua Portuguesa foi

dividido nos seguintes Blocos:

• Bloco 1 - Coleções organizadas por unidades temáticas (13 coleções).

• Bloco 2 - Coleções organizadas por unidades temáticas sensíveis a gênero/tipo de texto (12

coleções).

• Bloco 3 - Coleções que apresentam projetos temáticos (5 coleções).

• Bloco 4 - Coleções organizadas com base em textos (4 coleções).

• Bloco 5 - Coleções modulares, organizadas por eixos de ensino (3 coleções).

Uma última palavra – Ensino Fundamental de 9 anos

É importante lembrar, aos sistemas de ensino que adotaram o Ensino Fundamental de 9 anos,

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 60.

Page 61: O livro didático em questão

que o ingresso antecipado para os seis anos de idade dos alunos não visou à alfabetização

precoce, mas à oportunidade mais democrática de vivências de situações e de práticas de

letramento na escola que são muito desigualmente distribuídas na sociedade. Por isso, não é o

caso de se escolher livros de alfabetização para os 6 anos e livros de 1ª série para os 7 anos,

antecipando-se assim a alfabetização. Ao contrário, para as turmas de 6 anos, um elemento

importante do trabalho de alfabetização se refere à qualidade e à diversidade do material

escrito que é disponibilizado no contexto escolar, ou seja, na criação e na manutenção, pelo

professor, de um ambiente alfabetizador. Ambiente alfabetizador é um contexto de cultura

escrita propiciado pela organização da sala de aula e da escola, que oferece oportunidades de

interação dos alunos com diferentes tipos e usos de textos em práticas sociais ou de

letramento (Preparando a Escola e a Sala de Aula - Orientações para a organização do Ciclo

Inicial de Alfabetização, Caderno 3, CEALE/UFMG/SEE-MG).

Referências bibliográficas

Bakhtin, M. (1934-35) O discurso no romance. In: _____ (1975) Questões de literatura e estética – A teoria do romance, pp. 71-210. SP: EdUNESP/Hucitec.

Brasil (SEB/MEC) (2006) Guia do Livro Didático 2007 – Apresentação. DF: SEB/MEC. http://www.fnde.gov.br

_____ (2006) Guia do Livro Didático 2007 – Alfabetização. DF: SEB/MEC. http://www.fnde.gov.br

_____ (2006) Guia do Livro Didático 2007 – Língua Portuguesa, Séries iniciais. DF: SEB/MEC. http://www.fnde.gov.br

SEE-MG (2005) Preparando a Escola e a Sala de Aula - Orientações para a organização do Ciclo Inicial de Alfabetização, Caderno 3. BH: CEALE/UFMG/SEE_MG. http://www.fae.ufmg.br/Ceale

Notas:

1- Professora de Pós-graduação em Lingüística Aplicada e Estudos da Linguagem da PUC-SP. Pesquisadora do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita – CEALE/UFMG e do CNPq.

2- Seria interessante que o professor lesse os textos desta série, que podem ser encontrados em: www.tvebrasil.com.br/salto , no ícone Boletins.

3- O que era feito devido ao perfil muito semelhante das obras apresentadas à avaliação.

4- Para maior clareza sobre os critérios classificatórios e eliminatórios e os princípios

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 61.

Page 62: O livro didático em questão

que os regem, ver as Introduções dos Guias e as Fichas de Avaliação anexadas ao final dos Guias, que podem também, eventualmente, alimentar a reflexão dos professores durante a escolha das obras.

5- Vale lembrar que as escolas estão também recebendo kits de dicionários, diversificados por nível de ensino, para compor o acervo bibliográfico da sala de aula.

O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO 62.