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O LIVRO PERVERSO DA MINHA MENTE
(-MUNGENAI AAAA GLAPHARI-)
O LIVRO PERVERSO DA MINHA MENTE
(-MUNGENAI AAAA GLAPHARI-)
Vilson André Moreira Gonçalves
Ilustração de capa: Merlin, de Howard Pyle
2014
Prólogo
Quando um jovem, após ser aprovado em todos os testes, é aceito como iniciado na
Ordem dos Arcanos, ele se compromete a escrever dois livros, e somente após concluir ambos
os manuscritos, e ser reconhecido como apto pelos arcanos superiores, é que ele pode receber
o título de mago, feiticeiro, oráculo, ilusionista ou necromante.
O primeiro manuscrito que o iniciado deve escrever é o Livro Ideal da Minha Alma.
Neste livro são escritos todos os feitiços, poções e invocações que o iniciado se propõe a
aprender, criar ou aprimorar.
O segundo, chamado Livro Perverso da Minha Mente, é onde o iniciado tem a chance e
o dever de ser honesto, relatando todas as suas reais experiências de aprendizado, incluindo os
mais absurdos surtos de ignorância, fundamentais a qualquer processo de aprendizado.
O teste
Uma semana depois de ter abandonado sua aldeia para começar uma nova vida, o
iniciado finalmente recebeu do mago o manto branco, a coroa de ramos de visco e a bolsa de
iniciado.
“Há pelo menos outros duzentos adolescentes em Tandrum praticamente iguais a você”,
disse o mago. “Sem contar aqueles nos reinos próximos. Mas só você tem o necessário para
aprender comigo. Digo, que outro jovem teria conseguido conjurar um frango assado a partir
de dois pombos e uma víbora?”
“Na verdade, mestre”, disse o iniciado, “Só consegui conjurar as coxas e as asinhas. E sem
tempero, mestre.”
“Ainda assim”, respondeu o mago, “é bem mais do que maioria dos rapazes consegue
hoje em dia.”
O sinal
"Com este glifo marco teu destino", disse o mago, traçando um sinal arcano na testa do
iniciado.
"O que ele significa?", perguntou o iniciado.
"Traga-me uma pizza", respondeu o mago.
Da natureza dos arcanos
"Um mago é alguém que domina forças da Terra e além", explicou o mago. "Um
feiticeiro ou alquimista meramente manipula e sintetiza as matérias terrenas. Os oráculos são
adivinhos, capazes de ler a verdade e o futuro usando objetos comuns como lentes. Nada direi
dos ilusionistas."
"E os necromantes, mestre?", perguntou o iniciado.
"A menos compreendida das classes arcanas...", respondeu. "Um necromante é um
homem com um pentagrama no pescoço que precisa muito de um abraço."
Nada antes visto
"O rei me mandou usar minha magia para construir um castelo como nunca visto
antes", disse o mago. "Então construí um castelo feito inteiramente de torrones."
Ouro
"Meu mestre era conhecido como Roderik, o Dourado", disse o mago.
"Em razão de seus poderes gloriosos, mestre?", perguntou o iniciado.
"Não", retrucou o mago. "É que ele gostava de passar auripigmento no corpo e assustar
as pessoas na rua, dizendo: "Olhem, olhem, sou um caramelo falante.""
O Kraken
"Só existe uma coisa pior do que o Kraken", disse o mago.
"O que, mestre?", perguntou o iniciado.
"O babaca que insiste em ficar dizendo: "Libertem o Kraken!""
De volta à vida
"Tudo começou quando Roderik tentou devolver um pássaro à vida utilizando calor",
explicou o mago. "Foi assim que ele inventou a coxinha."
Da ira
"Retorne para o inferno fumegante de onde saiu, besta diabólica", disse o mago,
enquanto tentava fechar a tampa do tupperware com as sobras do jantar.
Do elixir
"Para produzir um elixir que prolonga consideravelmente a vida", disse o mago, "é
fundamental acrescentar à mistura uma bela dose de muco natal da blêmia fulgurosa. A ironia
disso é que cutucar o nariz de uma blêmia fulgurosa pode deixá-la muito contrariada, e isso
pode reduzir consideravelmente a sua vida."
O Mago faz o rei
Ao entrar no laboratório, o mago deparou-se com vários protótipos de homúnculos
engatinhando pelo chão, potes de órgãos e perucas. Em um canto, o iniciado costurava
roupinhas douradas.
"Sabe", disse o mago, "quando eu lhe disse que os membros da Ordem têm o poder de
"fazer" reis, eu não estava falando literalmente."
O Decreto Maldito de Ulfstar
"O Alto Rei lançou um novo decreto, banido magos, feiticeiros e necromantes de
Tandrum e imediações", disse o mago. "A princípio a Ordem pretendia se vingar com uma
maldição de gafanhotos e nuvens de sangue, mas meu advogado nos convenceu de que
podemos ganhar uma grana preta processando a casa real por agir contra a liberdade de culto."
"Mas, mestre, a Ordem é uma instituição acadêmica, não religiosa", disse o iniciado.
"Sem problemas. Se não colar, vamos acionar o rei por assédio moral."
MTOCDR
"Sua real majestade, o magnífico Ulfstar, em sua nobilíssima benevolência, concordou em
revogar a carta de banimento", disse o arauto do rei, "desde que a Ordem dos Arcanos
concorde em acatar um novo tributo sobre o comprimento das barbas e a altura dos chapéus."
Primeiro os arcanos trocaram olhares; depois transformaram o arauto em um
ornitorrinco cor de rosa.
Mudança de carreira
"Tornei-me alquimista depois de passar doze anos trabalhando com exorcismos e
destrancamentos", disse o mago. "Finalmente, optei por mudar de ramo e me associei à
Ordem."
"E quando soube que era hora de abandonar o velho ofício, mestre?", perguntou o
iniciado.
"Depois que passei duas horas tentando exorcizar o poodle de um estranho, sem
perceber que o animal era na verdade um carcaju coberto de algodão doce."
Roderik, O Dourado
"Roderik, o Dourado era tão louco", disse mago, "que, certa vez, soltou um bando de
pardais com aroma artificial de gorgonzola sobre uma aldeia, só porque o garçom errou o seu
pedido."
Sob controle
"Então eu dominei o espírito do maligno dragão de treze cabeças de Gellemothay, e o
aprisionei neste artefato arcano", disse o mago, em tom solene.
"E como se chama o artefato?", perguntou o iniciado, com um brilho de emoção nos
olhos.
"Isqueiro", respondeu o mago.
Oráculo
"Grande Oráculo!", clamou o mago, "Revelai-me o desfecho da batalha que se aproxima."
"Boa tarde", disse a pitonisa. "A deidade responsável por este departamento encontra-se
ocupada no momento e não pode receber novas chamadas. Deseja saber mais a respeito de
nossos outros produtos?"
A transmutação
"Há seculos nossa ordem busca formas de converter matéria básica em ouro", disse o
mago ao iniciado. "Infelizmente ainda não conseguimos atingir nosso objetivo principal, mas, no
meio do caminho, descobrimos o velcro, o ovomaltine e o silicone."
Sordidez
"Os Agriões de Methven são o povo mais bárbaro sobre a Terra, e seu rito festivo é a
prática mais sórdida conhecida pelo homem", disse o mago.
"Canibalismo?", perguntou o iniciado. "Sacrifícios de sangue?". Ele engoliu em seco. "...
Necromancia?"
"Não, não... Muito pior. Dois homens revestidos de flanela sobem em um tablado e
cantam, acompanhados por um instrumento de cordas; mas o que eles cantam não é música, e
sim uma sucessão de gemidos sacrílegos invocando espíritos de quadrúpedes relinchantes.
Todos os bárbaros reunidos vibram e se contorcem com esta diabrura. O nome desta malévola
egrégora é Baile."
A loja
"Eu tenho uma reclamação a fazer", disse o mago.
"Sim?", questionou o vendedor de artigos mágicos, atrás de seu solene balcão.
"Qual é só, meu chapa? Trinta espécies de aranhas, quinze tipos de morcego em
conserva, mandrágoras diversas e dente de dragão, tudo fresquinho e variado, e só um sabor de
bolinho de caneca? Que gafe."
Joaninhas
"Você é um péssimo aluno", disse o mago ao iniciado, enquanto virava uma bandeja de
alcachofras sobre sua cabeça. "Eu não confiaria em você nem para criar uma poção repelente
de joaninhas!"
Homus
"Pouca gente sabe disso", disso o mago, "mas Roderik, o Dourado, era vegetariano. Por
isso que ele criou um rebanho de touros feitos de pasta de grão de bico. Infelizmente, os touros
se reproduziram além do previsto e se espalharam por Gellemothay. Ainda não encontramos
uma forma de combater essa peste. Especialmente porque, com exceção de Roderik, não há
muita gente que goste de homus."
Às portas do Salão da Comilança
Um homem da casa parou o mago e o iniciado diante das portas do salão.
"Homem nenhum pode entrar armado no Salão da Comilança do rei Ulfdan Dente
Verde."
"Ulfdan Dente Verde?", perguntou o mago. "O que houve com Ulfstar, O Magnífico?"
"O rei está morto. Longa vida ao rei", disse o guarda. "Ulfstar teve um probleminha na
garganta."
"Uma inflamação?", perguntou o iniciado.
"Não", disse o guarda. "Uma espada."
Oximoro
"Pouco importa quem é o rei", disse o guarda aos arcanos que aguardavam no portal.
"Ninguém porta armas no Salão da Comilança".
"E os homens da casa", disse o mago, "não andam armados?"
"Sim", retrucou o guarda, "mas só para garantir que ninguém porte armas."
MTOCDR II
"Parem de me enrolar, bruxos!", expeliu o guarda, já furioso com os visitantes. "Se
desejam mesmo falar com o rei, devem deixar as armas na porta. Caso contrário, não podem
entrar no Salão da Comilança do rei Ulfdan Dente Verde."
"De que armas está falando?", perguntou o mago.
"Entregue-me o cajado, o chapéu e o amuleto. E esvaziem as bolsas!"
Eles fizeram conforme fora pedido. Mas o mago insistiu em continuar segurando um
sapo alaranjado.
"Todo o conteúdo das bolsas deve ser deixado", disse o guarda. "Entregue-me o sapo,
bruxo."
"Está bem, está bem", disse o mago, depositando o sapo na mão do guarda. Com uma
explosão de fumaça púrpura, o guarda se transformou em um ornitorrinco cor de rosa.
"Este truque está começando a ficar velho, mestre", comentou o iniciado.
"Não, meu caro", disse o mago. "É um clássico. E clássicos jamais envelhecem."
Do amor entre os Agriões
“Os Agriões de Methven compõem muitas canções de amor”, disse o mago. “É uma pena
que eles cantem como um texugo com a cauda presa em uma dobradiça.”
Respeito
“Lembre-se, garoto”, disse o mago ao iniciado, enquanto caminhavam pelo longo
corredor que levava às entranhas do Salão da Comilança do rei Ulfdan Dente Verde. “Você deve
ser ainda mais respeitoso do que seria se fosse um porqueiro ou um agiota, pois os reis e seus
guerreiros se ressentem da Ordem.”
“Tanto assim, mestre?”, perguntou o iniciado.
“Sei que isso será difícil, considerando que você cresceu em uma pocilga, mas suponha
que você foi educado desde o berço para governar um povo, ouvindo sempre de seus tutores
que cada alma sobre a terra deve amá-lo e obedecê-lo. Então, um dia você descobre que um
velho louco como Roderik, o Dourado, pode entrar em seu salão e transformar seu trono em
um trasgo furioso – com você ainda sentado nele. Isso certamente arruinaria o seu dia, não
concorda?”
Claras diferenças
“Quanto tempo levarei para me tornar um druida?”, perguntou o jovem iniciado.
“Jamais nos confunda com druidas!”, retrucou o mago enfurecido. “O que os arcanos
fazem é ciência, não um joguinho patético de faz de conta em que se fica dançando ao luar e
conversando com as árvores a troco de bons augúrios. Temos parâmetros! Agora pare de
procrastinar e termine de logo de fatiar esses brotos. Se não os acrescentarmos logo à mistura,
a poção para criar asas nos pés não vai funcionar.”