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535 ARTIGOS REVISTA MAL-ESTAR E SUBJETIVIDADE / FORTALEZA / V. VI / N. 2 / P. 535 - 560 / SET. 2006 O mal-estar nas novas formas de trabalho: um estudo sobre a percepção do papel dos cooperados em uma cooperativa de trabalho autogestionário Regina Heloisa Maciel Doutora em Psicologia Experimental/Ergonomia Professora Titular do Mestrado em Psicologia da Universidade de Fortaleza - UNIFOR End.: R. Rangel Pestana, 2424. CEP:60834-250 Fortaleza CE e-mail: [email protected] Filadélfia Carvalho de Sena Mestre em Psicologia pelo Programa de Pós- Graduação de Mestrado em Psicologia da Universidade de Fortaleza Aluna do programa de Pós-Graduação do Doutorado em Educação da Universidade Federal do Ceará.

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O mal-estar nas novas formas de trabalho:um estudo sobre a percepção do papel dos

cooperados em uma cooperativa detrabalho autogestionário

Regina Heloisa MacielDoutora em Psicologia Experimental/Ergonomia

Professora Titular do Mestrado em Psicologia daUniversidade de Fortaleza - UNIFOR

End.: R. Rangel Pestana, 2424. CEP:60834-250Fortaleza CE

e-mail: [email protected]

Filadélfia Carvalho de SenaMestre em Psicologia pelo Programa de Pós-

Graduação de Mestrado em Psicologia daUniversidade de Fortaleza

Aluna do programa de Pós-Graduação doDoutorado em Educação da Universidade

Federal do Ceará.

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Iratan Bezerra de SabóiaEspecialista em Administração de Recursos

Humanos. Aluno do programa de Pós-Graduaçãodo Mestrado em Psicologia da Universidade

Federal do Ceará.

End.: R. Stênio Gomes, 421. Casa 01 Jardimdas Oliveiras. CEP: 60821-450. Fortaleza-CE.

e-mail: [email protected]

RESUMO

As cooperativas de trabalho autogestionário são associações deprofissionais com o objetivo de garantir trabalho e renda dentro deum contexto democrático, constituindo-se como espaçosalternativos na ordem sócio-política-econômica. O objetivo destainvestigação foi verificar como membros de uma cooperativa doEstado do Ceará, através de seus discursos, percebem acooperativa e seu trabalho, analisando o impacto da mudança naestrutura do trabalho de empregados para cooperados sobre asubjetividade dos trabalhadores. Foram realizadas entrevistas emgrupo e individuais, além de terem sido aplicados questionáriosabertos, em 38 cooperados de um universo de 768 de uma mesmacooperativa. Através da análise dos discursos, pode-se perceberque, apesar de terem ocorrido certas mudanças na postura eatitudes dos cooperados em relação ao seu trabalho anterior naempresa tradicional, existem ainda hábitos e expectativas ligadosao tipo de emprego anterior, não se percebendo nos discursos, emgeral, uma apropriação pelos sujeitos da sua situação de trabalho,o que resulta em um mal-estar com relação a sua atual situação detrabalho. Os sujeitos reproduzem os mesmos esquemasanteriores, aprendidos na organização de origem, e a cultura daorganização é híbrida, não possuindo características das empresastradicionais, mas também não refletindo as possibilidades de umacooperativa autogestionária. Provavelmente, isto ocorre porque o

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local reservado às cooperativas na ordem socioeconômica nãorepresenta um progresso real nas condições de trabalho dessesprofissionais, mas sim uma deterioração dessa condição.Palavras Chave: mal-estar no trabalho, cooperativas de trabalho,cultura organizacional, subjetividade e trabalho, identidade etrabalho.

ABSTRACT

Autonomous workers cooperatives are workers associations withthe aim of assure work and income in a democratic context. In thissense, they constitute alternative spaces in the social economicand politic capitalist order. The objective of this paper is to describehow the workers in one cooperative of Fortaleza, Ceará view thecooperative and their work, through the analyses of theirdiscourses. The focus is on the impact in the subjective perceptionsof the work structure and organization in the process of change frombeing traditional workers to associated workers in a cooperative.The participants were 38 professionals from a cooperative of 768workers. Focal groups, individual interviews and openquestionnaires were used to collect the information. The resultshave shown that in spite of the occurrence of some changes in theirattitudes in relation to their former work in a traditional company,there are persistent habits and expectations linked to the formercondition, besides a feeling of dissatisfaction towards thecooperative. In their discourses there is no sign of appropriation ofthe actual condition of autonomy. Their subjective processreproduces the same old pattern and the cooperative organizationalculture is hybrid, showing a mixture of a traditional firm and thepossibilities of an autonomous cooperative. This is probably due tothe place the cooperatives have in the socio-economic scene; aplace that does not reflects a real progress in the worker’s condition,but its deterioration.Key words: discontents in work, cooperatives, organizationalculture, workers subjectivity, workers identity.

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IntroduçãoNo capitalismo, o trabalho assume uma concepção

predominante de trabalho assalariado e sua organização repousasobre a cooperação subordinada, cujos fins a serem alcançados nãosão determinados pelos indivíduos e cujas riquezas, decorrentes daprodução social, são apropriadas de forma privada. A cooperaçãosubordinada é a forma fundamental do modo de produção capitalista,sendo, na sua forma mais simples, constituinte do germe de espéciesmais desenvolvidas de cooperação e que continua a existir ao ladodelas (Marx, 1989). Nesta modalidade de organização dos processosde trabalho, os trabalhadores-produtores não participam do plano detrabalho, não definem a sua jornada de trabalho e não participam daapropriação dos excedentes por eles produzidos (Braverman, 1987).

As cooperativas de trabalho são definidas como aquelasassociações civis que, constituídas entre operários de umadeterminada profissão ou ofício, ou de ofícios vários de uma mesmaclasse, têm como finalidade primordial melhorar a remuneração, ascondições de trabalho e as condições pessoais de seus associados.Dispensando a intervenção de um patrão ou empresário, ascooperativas propõem-se a contratar trabalhos ou serviços públicos eparticulares, coletivamente por todos ou por grupos de alguns de seusmembros. Denomina-se cooperativa de trabalho tanto as queproduzem bens como aquelas que produzem serviços, sempre pelospróprios cooperados. Os trabalhadores são a própria mão de obra,participam ao mesmo tempo na gestão e na produção (Queiroz, 1996;Cattani, 1996; Schneider, 1999). Assim, as organizaçõescooperativas, na sua essência, podem ser consideradas comoexperiências que, além de gerar trabalho e renda, podem apontar paranovas formas de organização da produção que não explorem a forçade trabalho e de construir relações de trabalho simétricas ehorizontais.

As inúmeras experiências associativas deste tipo que vêm semultiplicando hoje, no mundo, nas áreas da produção, do consumo,dos serviços e de crédito, recebem também uma série de nomescomo economia solidária, socioeconomia, cooperativa, economiapopular solidária, associativismo e economia popular (Singer, 1996;

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Ribeiro, 2001). Este trabalho focaliza especificamente ascooperativas de trabalho, organizações onde o trabalho cooperativose organiza por oposição à cooperação subordinada, base daprodução capitalista. O trabalho cooperativo autogestionário,enquanto alternativa ao capitalismo, é uma realidade concreta naexperiência histórica dos trabalhadores.

No Brasil, estavam cadastradas nas juntas comerciais em2001 cerca de 20.579 cooperativas, representando um crescimentode 331%, quando se considera o número de cooperativas em 1991(4.666) (Silva et al, 2003). Segundo os mesmos autores, cerca de94,2% do total de cooperativas registradas eram cooperativas detrabalho.

No entanto, o atual movimento cooperativista mundial ebrasileiro tem dividido as opiniões. De um lado, há aqueles queacreditam nas suas possibilidades enquanto força transformadoradas relações de trabalho, garantindo melhorias nas condições de vidae trabalho dos cooperados (Rufino, 2003). De outro, há os teóricosque apontam as limitações do cooperativismo no atual momentohistórico-social, argumentando que enquanto preso a relaçõescontraditórias com o modo de produção capitalista, convivendo noseio do próprio sistema, pode estar servindo a objetivos espúrios (Ide,2005) e pode, no máximo, ser um horizonte orientador para asorganizações das classes trabalhadoras nas lutas contra aglobalização neoliberal.

Além disso, há cooperativas que fogem da doutrina originaldas cooperativas de trabalho, isto é, são falsas cooperativas criadaspor determinadas empresas ou empresários para servir aos seuspropósitos de barateamento e precarização do trabalho. Estas últimassão denominadas de “falsas cooperativas”, “cooperfraudes”,“cooperativas de fachada” ou ainda “coopergatos” (Ide, 2005; Lima,2004; Piccinini, 2004).

Basicamente, qualquer cooperativa de fato, para o bomdesenvolvimento de seus trabalhos, possui em sua estrutura umaAssembléia Geral, conjunto ou reunião de todos os associados, queconstitui o principal fórum de decisão da cooperativa. A igualdade dopoder de voto de cada sócio na definição dos interesses da empresarepresenta o princípio da gestão democrática do empreendimento

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cooperativista. Além disso, deve possuir uma Diretoria ou Conselhode Administração, órgão superior na administração da cooperativa,formado por cooperados eleitos pelos demais, responsável pelaexecução das propostas aprovadas pela Assembléia Geral, podendoainda indicar uma diretoria executiva, com a função de administrar odia-a-dia da cooperativa. O Conselho Fiscal é um órgão independentedentro da cooperativa; cabendo-lhe fiscalizar, em nome dos demaisassociados, a administração do patrimônio e das operações daorganização. Podem ser criados também Órgãos Auxiliares daAdministração, comitês, comissões ou núcleos, com atribuiçõesespecíficas.

O princípio de cada pessoa representar um voto na empresacooperativa faz do associado seu principal elemento. Essa gestãodemocrática significa que o dinheiro é utilizado para servir aocooperado e não é o que determina seu poder. A economiacooperativa socializa o capital quando, se concentra no “homemsócio” que, em igualdade com todos os demais, decide os rumos desua vida econômica, conforme os objetivos comuns.

O capital integralizado é o valor subscrito pelo associado aocapital da cooperativa. Ao formar ou ingressar numa cooperativa, apessoa assume uma obrigação financeira que é sua cota departicipação no negócio, intransferível a terceiros. Segundo alegislação vigente, o volume de capital, de cada sócio deve serremunerado a uma taxa anual limitada, no máximo, até 12% ao ano.Limitando os juros sobre o capital impede-se a especulaçãofinanceira, pois, na cooperativa, o capital deve ser fator de produção enão de renda financeira (Brasil, 1988; Xavier, 2005).

Em uma cooperativa autogestionária, os associados são osdonos da empresa cooperativa que, reunidos em assembléia geral,definem, pelo voto, os objetivos e funcionamento do negócio. Asdecisões tomadas nestas reuniões gerais devem ser respeitadas ecumpridas pela Diretoria e demais associados, estejam ou nãopresentes às assembléias (Drimer e Drimer, 1984; Xavier, 2005).

A participação é o objetivo e o meio para se criar e manter umacooperativa. É “objetivo” porque é com a finalidade de participar dariqueza e benefícios gerados pelo seu trabalho que as pessoas seunem nessa forma de sociedade. É “meio” porque somente através

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da efetiva participação de todos os sócios se obtém o sucesso dasmetas socioeconômicas do empreendimento (Limbemberg, 1996;Faveret Filho, 1996; Guillerm e Bourdet, 1976; Lucena, 1994; Silva etal, 2003).

Uma questão que se relaciona à mudança de postura dotrabalhador para cooperado tem a ver com a apropriação/expropriação do conceito de cooperativa por parte dos cooperados, eos símbolos a ele ligados. Dejours (1996) afirma que as patologias decunho psicológico têm tido uma ênfase cada vez maior no mundo dotrabalho na contemporaneidade, estresse, estafa mental, burnout,entre outros; vêm tomando conta do cenário da saúde no trabalho.Esse fenômeno é apontado pelo autor como resposta a uma faltacada vez maior de simbolização da atividade produtora, ou seja, daatividade de transformar a natureza em materiais de valor utilitário oude mercado, o que se relaciona principalmente com a organização dotrabalho subordinado e os modelos de gestão. As cooperativasautogestionárias poderiam vir a se constituir em um contraponto aessa situação. Nesse sentido, Sato (1999) considera o processo deconstrução de cooperativas como uma interação que envolvedimensões simbólicas e materiais, de ordem política, econômica epsicossocial, modificando a relação do trabalhador com seu trabalho.

Para se avaliar o funcionamento e a transformação dotrabalhador de uma cooperativa, um aspecto importante a serobservado é como ocorre a participação de seus associados. Oenvolvimento do cooperado deve ir além da utilização dos serviçosoferecidos e de sua freqüência em reuniões e assembléias e seconsubstanciar nos sentimentos e relações que ele mantém com seutrabalho e com a cooperativa.

As organizações cooperativas, portanto, suscitam questõessobre a relação entre trabalho, autogestão e empreendedorismo(Rech, 1995). A principal delas tem a ver com o aspectosocioeconômico dessas associações, se elas realmente propiciamavanços na direção da maior democratização do trabalho, pelaautogestão e posse coletiva dos meios de produção, superandoassim a subordinação ao capital (Lima, 2004; Lins, 2001), e se essasuperação é percebida pelos cooperados.

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O objetivo deste trabalho é refletir sobre a relação entre otrabalho cooperativo e a concepção que o trabalhador construiu, aolongo do tempo, do seu papel na cooperativa. Pretendeu-se verificar,por meio dos discursos dos cooperados, como eles percebem acooperativa e seu trabalho. Foi analisado, especificamente, o impactoda mudança na estrutura do trabalho de empregados para cooperadossobre a percepção de seus papéis como trabalhadores e, ao mesmotempo, gerentes do negócio, principalmente no que diz respeito àsrelações de poder.

A importância dessa reflexão e análise consiste em percebero fio condutor das mudanças ocorridas nas relações de trabalho everificar se houve mudanças equivalentes no interior dos sujeitos. Emoutras palavras, identificar se os antigos empregados de umaempresa estatal, hoje trabalhando em uma cooperativa, conseguiramformar uma nova cultura no seio da cooperativa ou se eles ainda sesentem como “empregados”, sujeitos ao comando de outros,reproduzindo as mesmas relações de poder e a cultura daorganização de onde vieram.

Método

Local do estudo e população estudada

A pesquisa foi realizada em uma empresa cooperativaautogestionária no Ceará que tem quatro anos de fundação, da qualparticipam trabalhadores com diferentes funções e formações. Aempresa é regida pelos valores e princípios do cooperativismo e temcomo ramo de atividade econômica a venda dos serviçosprofissionais dos cooperados, trabalhadores oriundos, na sua maioria,de uma única empresa privatizada. Trata-se de uma cooperativa quepresta serviços à empresa de energia elétrica da cidade de Fortaleza.A cooperativa conta hoje com cerca de 768 associados, entreprofissionais especialistas, agentes administrativos e engenheiros.Destes, 38 participaram desta pesquisa.

Foram realizados grupos focais com 16 dos 38 cooperados,divididos em dois grupos. Os grupos foram formados por pessoas

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com diferentes idades e classes sociais, tendo níveis de instrução doensino fundamental ao superior completo. Os participantes eramtodos homens, dado o tipo de trabalho da cooperativa, com idadesvariando de 18 a 50 anos.

Com cada grupo de oito participantes foram realizados trêsencontros em diferentes ocasiões, cada um com a duraçãoaproximada de duas horas. Apenas um dos participantes faltou a doisdos encontros.

Os encontros foram realizados em uma sala que, nacooperativa, é utilizada para reuniões, um ambiente bastanteagradável. Todos os encontros foram gravados e foram feitasalgumas anotações, observando-se o estado físico e emocional docooperado naquele momento.

Inicialmente, foram apresentados ao grupo um esboço daagenda dos encontros e um cronograma, com um tema definido paracada encontro. Os temas propostos para as discussões foram:

1. Concepção do papel de ser dono, autogestor,empreendedor: qual o entendimento, percepção, que se tem dessespapéis?

2. A partir da sua experiência na cooperativa, qual a suapercepção de cooperativismo?

3. Com sua vinda para a cooperativa, quais suasexpectativas? Para você, o que impede a construção dessa novaforma de pensar as relações de trabalho?

Foi solicitado aos participantes que preenchessem uma fichaem que eles deveriam informar a idade, o sexo, a profissão, o tempona função e na cooperativa.

O primeiro encontro prosseguiu com uma breve dinâmica deapresentação do grupo e do pesquisador. Em seguida, o pesquisadoresclareceu que a discussão seria de caráter informal, na tentativa detornar o clima da reunião mais descontraído, espontâneo eparticipativo.

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Questionários e entrevistas

Alguns cooperados, notando a organização dos encontrosdentro da cooperativa, perguntaram se também podiam participar.Para não perturbar o andamento dos grupos focais, a essescooperados foi fornecido um questionário, mantendo os mesmostemas de discussão apresentados aos grupos. Foram distribuídos 22questionários.

Dezoito participantes receberam o questionário e odevolveram preenchido no dia seguinte. Preencheram também a fichacom seus dados pessoais. Os outros quatro preferiram que suasrespostas fossem gravadas, afirmando que falando eram melhoresque escrevendo.

ResultadosAs entrevistas com os grupos focais foram gravadas e

transcritas, bem como as entrevistas individuais. As transcriçõesforam analisadas juntamente com os questionários respondidos peloscooperados. As principais idéias foram enquadradas dentro de umasérie de categorias que descreveremos a seguir. Desenvolveram-seas idéias centrais, como proposto por Lefèvre F., Lefèvre M. e Teixeira(2000). Após a transcrição e análise, foram feitas várias leituras domaterial obtido e as fitas foram ouvidas várias vezes paraconfirmarem as categorias da análise. Os questionários e entrevistasforam analisados da mesma forma.

Na análise das idéias centrais procurou-se especificar suarelação com as categorias normalmente propostas nos estudossobre a cultura organizacional (Fleury & Fischer, 1996),especificamente as relações de poder e as concepções sobreliderança e sobre o papel dos trabalhadores cooperados. Ao final daanálise, foi construído o “Discurso do Sujeito Coletivo” (DSC),mostrando as principais idéias e sentimentos dos cooperados na suarelação com o trabalho.

Duas categorias principais emergiram dos discursoscolhidos: a primeira tem a ver com a relação dos cooperados com osganhos e benefícios oriundos do trabalho, e a segunda, com as

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relações entre os profissionais em diferentes posições na estruturada cooperativa, aqui denominados de aspectos psicossoais. Alémdisso, parece não haver um discurso único, mas três posturasdistintas: a dos cooperados em posições de direção ou coordenaçãodos serviços; a dos cooperados que não são oriundos da estatal e,finalmente, os que anteriormente eram empregados da empresaestatal.

Direitos, benefícios e salários: repetições do modelo tradicional

A cooperativa de trabalho, na visão do cooperado ex-estatal,não consegue manter os benefícios que eram fornecidos aostrabalhadores na empresa de onde vieram. Assim, os cooperados,incluindo os dirigentes, mas em menor escala, sentem a falta dessesbenefícios e não conseguem canalizar esforços coletivos parasubstituí-los por uma forma adequada à cooperativa. Desejam osmesmos direitos que tinham na empresa estatal, sem se darem contade que a realidade de trabalho na cooperativa é outra. A mudança daempresa estatal para a cooperativa é praticamente ignorada, levandoo trabalhador a reclamar “melhores salários” e “benefícios médicos eodontológicos”, entre outros.

Para os que não vieram da estatal, no entanto, as condiçõessão vistas de maneira diferente. Consideram as condições de trabalhoda cooperativa melhores que sua condição anterior nas empresastradicionais de prestação de serviços, mas queixam-se dos colegasex-estatal que querem “manter os privilégios” que tinham na estatal.

Piccinnini (2004), nas entrevistas com dirigentes decooperativas de Porto Alegre, encontrou que as cooperativas tentamoferecer aos cooperados algum tipo de benefício tais como planos desaúde, mas a definição do tipo e qualidade do benefício, dependemdas condições da cooperativa e nem sempre atendem àsexpectativas dos cooperados. Isto, é claro, se relaciona ao fato de ascooperativas, na atual ordem socioeconômica, serem, acima de tudo,uma alternativa do capital para a diminuição dos custos do trabalho.Os ganhos da cooperativa nem sempre comportam os benefíciosalmejados pelos trabalhadores.

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Quanto aos “salários”, os cooperados mais antigos e maiscomprometidos com a cooperativa, bem como os que ocupam oscargos de diretoria tentam incutir nos cooperados a noção de queseus ganhos são o resultado do que eles produzem e que isso nãodeve ser denominado de salário, mas sim “resultado do trabalho”.Contudo, os cooperados agem em relação aos ganhos como sefossem verdadeiros “salários”, inclusive utilizando o termoconstantemente. Queixam-se do “salário”, pois este, sem dúvida, nãose compara ao percebido na empresa estatal. Já os cooperados quenão são oriundos da estatal, admitem ter melhorado seu nível“salarial” e se sentem satisfeitos com isso.

Cacciamali e Brito (2002) ressaltam que, nos contratosterceirizados pelas grandes empresas, a mão-de-obra contratadapode estar sujeita às mesmas situações dos empregadoscontratados diretamente pela empresa, apresentando, contudo, maiorinsegurança na manutenção de seu contrato de trabalho e, em geral,condições de trabalho inferiores àquelas deliberadas para ostrabalhadores contratados diretamente. Os autores citam comoexemplo especificamente a contratação sob a forma de cooperativade trabalho. Assim, os cooperados ex-estatal se sentem expropriadosde seus ganhos e benefícios, enquanto os outros comparam suasituação atual com os empregos em outras empresas, em que o nívelde precarização do trabalho é provavelmente igual ou maior do que aque encontraram na cooperativa.

Chefes e subordinados: aspectos psicossociais

O modelo de gestão preconizado pelo sistema taylorista/fordista deveria ser o pivô da mudança de um trabalho subordinadopara o autogestionário, transformando trabalhadores em cooperados.No entanto, os cooperados não demonstram uma mudançasignificativa em relação a suas atitudes para com as lideranças.Percebem os coordenadores não como companheiros de trabalho,mas como “chefes”. Isto é, continuam a ver na figura do coordenadoro “chefe que manda e determina o que se deve fazer”. Os cooperadosnão se colocam em uma postura de igualdade com oscoordenadores, sentem-se como subordinados. Por outro lado, o

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coordenador, quando assume a função, passa a se relacionar maiscom a diretoria e a manter “uma certa distância” em relação aoscompanheiros. Os cooperados apontam os dirigentes ecoordenadores como detentores de privilégios e de melhores ganhos.

Os discursos mostram que o significado refletido nas relaçõescoordenador-cooperado é apenas uma repetição da que ocorre nosmodelos tradicionais, não havendo, portanto, uma superação. Asmesmas “distâncias de poder”, características das empresastradicionais e causadores de sofrimento (Fleury & Fischer, 1996), semantêm na cooperativa.

As atitudes em relação à diretoria não se diferenciam das quenormalmente ocorrem nas empresas em geral. A diretoria é criticadae responsabilizada pelas mazelas que ocorrem com os cooperados.Os cooperados a responsabilizam por qualquer eventualidade quevenha a ocorrer no curso de suas atividades, o que denota, por partedos cooperados não dirigentes, uma “postura de expectador” narelação. Os cooperados não se sentem responsáveis pelo própriotrabalho e não tomam iniciativas, mantendo uma postura depassividade em relação à situação de trabalho. No momento em queos coordenadores tentam compartilhar as responsabilidades dotrabalho, os cooperados se negam a fazê-lo, sempre “esperando” quealguém tome a iniciativa e se responsabilize por ele. Isto reflete, emparte, a própria postura dos coordenadores, que ao assumirem oposto passam a repetir as atitudes de um “chefe” na empresatradicional.

Na percepção do cooperado, há dentro da cooperativa umanítida divisão entre os que pensam e os que fazem o trabalho, bemaos moldes do modelo tradicional taylorista/fordista (Antunes, 1998).Inclusive, os ganhos de cada profissional se diferenciam de acordocom essa fórmula. Na distribuição dos ganhos relacionados aosdiferentes contratos feitos pela cooperativa, os que planejam otrabalho sempre aparecem com maiores vantagens do que os“operários”. Essa situação é contestada, mas não é modificada,causando as mesmas insatisfações que ocorrem em uma empresatradicional.

As idéias contidas nos discursos estão em contradição, aomenos na cooperativa pesquisada, ao afirmado por Ruffino (2003),

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que analisou três cooperativas de trabalhadores e concluiu que houveuma melhora, em comparação com os modelos tradicionais degestão do trabalho, na contribuição e participação dos membros dascooperativas. Essa melhora, no entanto, é percebida por algunsdirigentes, reforçando, portanto, a idéia de repetição dos modelostradicionais de gestão e mostrando a existência de conflitos internos,similares aos existentes nas empresas tradicionais.

Sato (1999), discutindo o processo de formação de gruposcooperados, afirma que o processo não passa apenas por aspectostécnicos formais, mas por processos de negociação entre osmembros do grupo que colocam no contexto as expressões dediferentes sujeitos, ou diferentes subjetividades. Pontua que emcontextos de “poder e controle assimétricos - tanto material comosimbólico –”, pode acontecer a não explicitação de conflitos, pois “opoder do outro pode implicar na exclusão daquele que detém menorpoder e controle” e que isso pode levar a comportamentos de evitaçãoe silêncio, às vezes interpretados como consentimento, mas que é ooposto disso, “onde papéis sociais já desempenhados anteriormente- de empregado, de subordinado e de chefe - acabam por dificultar aconstrução e o exercício da comunicação.” Ainda segundo a autora, odesafio das cooperativas de trabalho é

(...) criar um novo modo de relacionar-se, de ver o trabalhoe a vida, que opere através de uma outra racionalidade,que não a instrumental, a partir das pessoas que somos,das experiências de vida que temos e da sociedade ondevivemos, tendo, ainda que não como objetivo único eprioritário, a busca de condições materiais desobrevivência.

Apesar de não terem uma idéia clara de seu papel na estruturada cooperativa e de se ressentirem com os dispositivos inerentes aotipo de remuneração recebida, as expectativas dos participantes dapesquisa são positivas e estão mescladas por idealizações, desejose vontade de mudança. De uma certa forma, a cooperativa épercebida como este espaço para mudanças e como uma situaçãoque permite a viabilização de projetos pessoais e coletivos numcontínuo processo de superação de crises.

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Essas considerações podem ser claramente percebidas nodiscurso do sujeito coletivo construído a partir das verbalizações dosparticipantes.

Discurso do Sujeito Coletivo do Cooperado Ex-EstatalChegar aqui não foi uma escolha. Eu fazia parte de um grupo

de eletricistas, leituristas que diante da privatização da empresa teveque aceitar o PDV (pedido demissão voluntária). Era um grupo dehomens com faixa de idade avançada, ia ser difícil encontraremprego, com certeza não íamos ser aproveitados e, mesmo sendoaproveitados, íamos passar a ter salários bem inferiores, o jeito eraconstruir algo que fosse nosso, que aproveitasse a mão de obra detantos pais de família. Na verdade, vim por não ter outra opção, pornão ter coragem de sair atrás de emprego com essa idade.

Claro que outros chegaram porque, queriam trabalhar, maseles reclamam do quanto o ex-estatal esta mal acostumado, quer terprivilégios, se acha no direito de escolher serviço. Sei que acooperativa é nossa, que não se preocupa com o lucro. Em nossasconversas, é comum a idéia de que tudo que é arrecadado é para serdistribuído entre os cooperados: um bom salário; dinheiro no bolso;temos de garantir um bom serviço médico/odontológico; não precisotrabalhar de domingo a domingo tirando serviço. O que não entendo éporque o tomador de serviço, a [empresa ex- estatal], é que nos dizcomo trabalhar e como organizar nosso trabalho interno e de campo eporque tudo que acontece aqui o cooperado vai reclamar na ex-estatal, ela fica sabendo de tudo que acontece aqui. Temos que dizerpara ela que ela não manda mais em nós.

Nós ainda não temos consciência de que não somos mais ex-estatal pelo fato de nós ainda pensarmos que lá a coisa era fácil,trabalho pouco, muitas garantias e gratificações, bom salário. Porquerer que a cooperativa garanta serviços de oficina, de combustível,porque senão não vai trabalhar. Tem um cooperado, entre outros quetrabalham comigo, ex-estatal, diz que a Cooperativa tem que garantiros serviços de oficina, de combustível porque senão, não vaitrabalhar, eu digo: - companheiro, você já recebe um bom percentualpara manter o seu carro em perfeitas condições de trabalho, quando

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você agrega o seu carro na empresa, você já tem essa garantia, nãotem porque você estar falando isso.

Não vejo diferença entre os chefes da ex-estatal com ocoordenador daqui, os de lá eram e são melhores. Aqui gritam,esbravejam, não têm modos ao se dirigir ao cooperado trabalhador,querem ser ouvidos e temos que obedecer. Aqui o L., mesmo semser o presidente, é o dono, é quem manda mais, toda a diretoria,conselhos baixam a cabeça para ele.

Não sei o que passa na cabeça do cooperado. Quando ele éapenas leiturista, eletricista e passa a ser coordenador de serviços,passa a ter um cargo, ocupar um lugar de chefe, não é mais omesmo. Ele é um cooperado como qualquer outro, mas a partir domomento em que passa a ter um cargo na cooperativa, não é mais omesmo para os cooperados. Se houve eleição, ele se candidatou,venceu e assume o cargo de coordenação por um período nacooperativa, no dia seguinte as pessoas já não o olham como no diaanterior. Por ele estar lá em outro local e, é claro, estar lácomandando, assume certas responsabilidades, que não tinhaantigamente, as pessoas não entendem. E ainda dizem: - olha,bastou ser coordenador, agora já está diferente. Essa é uma relaçãoque tem que ser trabalhada. Não conheço, ainda, nenhum cooperadoque tenha se tornado coordenador, que tenha continuado o mesmo,eu sou uma pessoa que bate muito sobre isso e estou com medo depegar esse mal.

Não há por parte dos coordenadores o escutar o cooperado.Muitas vezes determinam, dizem como fazer. Vou dar um exemplo.Certa vez, eu estava aqui no horário da tarde e o meu chefe disse: -tenho uma coisa para lhe dizer, mas só vou dizer amanhã, quandovocê vier pegar o serviço. Mas eu vou levar o serviço agora. Entãodiz logo. Não, você vai vir amanhã, pega o seu serviço, aí eu te digo.Como? Vai ser preciso eu gastar dinheiro com o transporte, pra vocême falar e eu pegar o serviço. Isso é brincadeira. Não é brincadeira,ninguém vai levar serviço hoje. Achei isso abuso de poder.

Uma vez, cheguei para conversar, pedir explicação, deixar osacontecimentos, as coisas claras, pedir informações, buscandorespostas para algumas coisas e o que um dos diretores me disse: -Cara, pra que tantas perguntas, deixa que a diretoria resolve isso,

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fiquei frustrado. Eu trabalho, produzo, faço bem o meu trabalho, queroque a cooperativa cresça e eu não faço nada para mudar e ninguémfaz nada.

Acho também que um grande problema para a cooperativa éo de estar sempre convivendo com o limite de endividamento.Qualquer coisa que aconteça, que extrapola aquele limite, fica-sedesesperado para arranjar recurso de onde não tem. Acho fatordecisivo a gente ter um capital de giro para esses momentosturbulentos, para assim sanear e continuar em frente. Atualmente,nosso maior problema está nas decisões políticas de pagar a folha dealgumas coordenações, quando esta ultrapassa o percentualpermitido. Essa decisão política da diretoria de pagar fez o problemacomplicar. As APS (Apontamento de Produção e Serviço) pagas pelaempresa contratante foram de valor menor do que o valor a ser pagoao cooperado. A folha de pagamento foi muito maior.

Quando a contratante paralisa as equipes no campo porestarem com os EPI’s e EPC’s em péssimas condições de uso,canso de ouvir os cooperados dizerem: - a multa a ser paga não éculpa minha, cadê a diretoria que não vem ver se o nosso materialestá em boa condição de uso e trabalho. Vejo nesses cooperados umtotal descompromisso, querendo se isentar da responsabilidade peloseu trabalho.

Estamos sempre esperando que alguém assuma aresponsabilidade que é de todos, porque é que têm alguns quemandam tanto e outros só obedecem? É difícil compreender osistema cooperativo. Não entendo muito, em alguns momentos soudono, em outro sou o empregado que apenas cumpre ordem e realizatarefas, não cabe a mim decidir seus rumos.

Na nossa cooperativa, a grande mudança tem que acontecerna cabeça do cooperado, porque geralmente dizem assim: acooperativa tem que mudar, mas todo mundo só pensa que são osdiretores, coordenadores, não pensam que a cooperativa é um todo,fica difícil mudar a cooperativa assim, temos que mudar nossamaneira de ser e pensar, começando por não culpar somente adiretoria ou coordenações por irresponsabilidades pessoais,nãoposso dizer que culpa dá multa, é de A ou B, quando ela é minha.

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Existe entre nós uma divisão de ganhos que eu nãocompreendo, quem mais trabalha é que menos ganha, ralo o mêsinteiro, pego serviço de quem não quer fazer o serviço, mesmo assimmeu salário não melhora, já tenho mais de dois anos na cooperativa enunca houve um aumento. E o pior é não receber no dia certo, trabalhoo mês inteiro, entro no outro e não recebo o meu salário, foi o meusuor, a minha luta, eu mereço o meu salário. Não é fácil. Não podemosnegar que para alguns o salário daqui é bom, o ruim é não ter um diacerto para receber e assim organizar a vida da gente. Já pensei emsair daqui, minha produção é baixa e meu salário uma miséria e aindanão sai no dia. Devo aluguel, luz já foi cortada, o que ganho não dá. Sóos cooperados que assumem coordenações, cargos de diretoria,têm uma significativa melhora quanto aos ganhos, para eles acooperativa significa uma melhora considerável.

O que se vê muito por aqui é a desigualdade, o cara que entroujunto com a gente, sem ter onde cair morto, 3 ou 4 meses depois queassumiu coordenação já tem carro, já aluga carro para a cooperativa,tem casa de praia etc. Isso é estranho, mas é o que estamos vendo.Pena é que ninguém vê o contra-cheque desses coordenadores, anossa produção é exposta, todos vêm, mas o que coordenações ediretoria recebem, isso não é do conhecimento de todos.

Critica-se muito o coordenador técnico por ele receber o queele recebe, mas nenhum de nós tem a coragem de falar isso para ele.Quando ele, em assembléia, fez todo mundo achar que os ganhosdele estavam corretos, nenhum de nós levantou a voz e disse que nãoaceitava isso. Agora está aí ganhando os tubos de dinheiro e todomundo tem medo devido à forma como ele fala com a gente, aosberros, e só estamos manifestando isso porque quem está ouvindo éuma amiga nossa, se não fosse a gente não tinha essa coragem não.

Não adianta, quem tem cabeça para pensar aqui é ocoordenador técnico, ele determina o que fazer, como fazer e quemvai fazer, os outros só obedecem e se submetem aos seus mandos edesmando. É, companheiro, o problema está na diretoria que deu aocoordenador técnico muito poder, agora ninguém consegue cortar asasas dele, não serei eu a fazer isso.

Numa reunião ouvi o pessoal da Universidade falando sobreisso, mas não me pergunte, pois é coisa que eu não entendo. Sei que

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tenho que trabalhar muito, mas muito mesmo, para garantir o meusalário e o dos outros.

O que se vê faz qualquer um desanimar, não há comomelhorar, as melhoras só chegam para alguns. Eu pensava que aquifosse diferente, de todos os lugares que eu tinha passado enquantoceletista, lá é normal enriquecer o patrão: na hora de trabalhar dividetarefa, na hora de dividir lucro, isso nunca foi posto em prática. Não háuma preocupação com as pessoas, como estão, se são e estão bem,os coordenadores não sabem tratar os cooperados, não sabemdialogar, muitos mandos e desmandos, isso não deve ser otratamento com o cooperado, é o nosso trabalho de campo quesustenta tudo isso. O que vem causando muita incerteza, insegurançaé a falta de clareza, porque estamos nessa situação tão difícil, ondeestá a tão prometida gestão participativa, porque as informações sóchegam a um nível de cooperados, porque os cooperados do camponão recebem as mesmas informações. Estou insatisfeito com essapolítica que a cooperativa encontrou de fazer as coisas, porque nãose conversa ou ouve o cooperado.

Considerações finaisEste trabalho procurou compreender como os trabalhadores

cooperados percebem a cooperativa e seu trabalho dentro dela. Osgrupos focais, entrevistas e questionários mostraram um conjunto dedimensões importantes a serem levadas em consideração emqualquer projeto de cooperativa com relação à postura doscooperados e sua compreensão do trabalho autogestionário.Colocam também em questão a validade do modelo na perspectivade uma mudança real, positiva, nas condições de trabalho e de vidados cooperados.

É importante ressaltar que a cooperativa analisada éconsiderada na região como um modelo de cooperativa, não seconstituindo em uma cooperativa “de fachada”, uma vez que sãocumpridas todas as exigências legais para este tipo de associação eque grande parte de seus membros, pelo menos os fundadores,afirmam que o cerne da cooperativa é, de fato, os princípiosautogestionários.

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No entanto, a análise dos discursos mostrou que a atitudegeral dos cooperados ainda é bastante passiva e pouco efetiva nasdecisões, pois participam muito pouco e acreditam que esse é o seupapel, procurando se envolver apenas o suficiente para a realizaçãodo seu trabalho. Essa postura é coerente com a atitude que, em geral,os trabalhadores demonstram nas organizações tradicionais. Poroutro lado, nota-se também que os cooperados que possuemexperiências anteriores em organizações sociais ou trabalhoscoletivos tendem a ter seu desempenho potencializado dentro dagestão da cooperativa e no seu próprio trabalho.

Em relação às lideranças, pode-se perceber que elasapresentam dificuldades quanto às relações interpessoais e à formade gestão democrática, características inerentes ao trabalho emcooperativa. As lideranças atuais da cooperativa em estudo nãoparecem possuir o perfil necessário aos líderes da associação. Adiretoria e seus técnicos, indicados com base apenas no estilocarismático, não sabem ou não querem ouvir os cooperados, agemcomo se fossem os reais “donos” da empresa.

Por outro lado, os cooperados delegam aos líderes informaise formais o poder de decisão que só caberia à assembléia, ou seja, aeles mesmos, e tendem a reclamar das decisões tomadas,mostrando um distanciamento do poder e repetindo a atitude que ostrabalhadores normalmente demonstram nas organizaçõestradicionais.

Os cooperados estudados aqui trouxeram para a cooperativasua história de vida pessoal dentro da organização de onde seoriginou a cooperativa. Este fato determina, por exemplo, a forma derelacionamento interno: são relações embrutecidas com poucorespeito para com os outros associados/trabalhadores, colegas dacooperativa. A auto-estima dos associados é, em geral, baixa, o quedificulta o processo de apropriação da idéia de ser cooperado e dono.O foco dos cooperados ainda está no ganho individual, não havendouma visão compartilhada das vantagens do trabalho coletivo. Emalguns casos, os cooperados querem obter os privilégios que tinhamna organização original e repetem as atitudes que tinham naquelaorganização.

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A discussão levantada por este trabalho pode ser resumidaem duas questões interrelacionadas. A primeira diz respeito àindagação sobre o objetivo do trabalho cooperativo no atual momentoeconômico do país, se é apenas uma alternativa ao desemprego,como apontado por Singer (2000) e Lins (2004), ou se traz em suaessência a perspectiva de transformação do modo de pensar otrabalho, da construção de uma nova cultura nas relações de trabalho.Esta última questão se refere à reflexão de que a existência decooperativas, mesmo as verdadeiras, não garante as transformaçõesindividuais e sociais necessárias para uma real modificação nasrelações de trabalho.

No caso da cooperativa em questão, é evidente, pelo discursode alguns trabalhadores, que a cooperativa é apenas uma alternativaao desemprego e que, se pudessem, voltariam a trabalhar naempresa estatal original. Esta fala vem geralmente acompanhada daidéia de perda de benefícios e direitos, bem como rebaixamentosalarial e insegurança. Assim, a resposta à primeira indagação é a deque, embora os princípios gerais da cooperativa sejam realmente ostradicionais, para os cooperados ela é, na maior parte das vezes, umaalternativa ao desemprego e pouco mais que isso.

Pelos discursos, pode-se notar que não há de fato aconstrução de uma alternativa ao modo de produção capitalista noque concerne à percepção de seu papel social. Na verdade, otrabalhador não se transforma, apenas repete os comportamentos eatitudes aprendidas e vivenciadas no sistema capitalista de trabalho,e não poderia ser diferente. Como discute Lins (2001), ascooperativas são o reflexo do aprofundamento da deterioração dascondições de trabalho e é dessa maneira que o cooperado percebesua situação e não como uma alternativa de trabalho e modelo deprodução.

Para que haja uma mudança nas relações de trabalho e nascondições de vida dos cooperados, são necessários mecanismos deorganização das atividades produtivas e mudanças sociais queultrapassem as experiências de organização do trabalho cooperativo,uma vez que essa organização está presa às relações com omercado e à regulamentação das cooperativas feita pelo aparelhojurídico do Estado.

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Essa transformação é ainda pouco provável, uma vez que nacooperativa prevalecem os modelos de gestão capitalista, emespecial o modelo taylorista, com a separação entre trabalho manuale trabalho intelectual, a fragmentação da produção e a conseqüenteperda do controle sobre o processo de trabalho, separando-se assima produção da gestão, a economia da política, a política da técnica.

Na prática, a igualdade de condições em que se colocam osassociados para gerir a empresa, no início, vai, aos poucos, dandolugar à diferenciação entre técnicos e operários, entre os queadministram e os que executam. Além do mais, o discurso sobre apropriedade dos meios de produção e a gestão democrática nãocoincidem com a subordinação que a empresa acaba adotando pararesponder aos contratos firmados, para procurar novos contratos oupara substituí-los, buscando amparar as necessidades financeiras dacooperativa e dos cooperados. Isto acaba por impor um horário detrabalho rígido ou algo semelhante, no mesmo modelo da empresatradicional e uma diferença salarial marcante entre os queadministram e os que executam. São os que pensam, de fato, os quedominam as assembléias gerais, porque os que incorporaram acaracterização de “ignorantes” (operários) não falam para nãoconfirmar o papel que lhes foi delegado nessa cultura híbrida, comobem pontua Sato (1999). Os “operários”, os menos escolarizados eligados diretamente à produção, ao serem interpelados sobre asdiferenças salariais, são capazes de justificá-las pela “competência”:os que administram devem ter vantagens salariais. Um ponto positivo,no entanto, é que nem todos percebem as diferenças de ganhos como“naturais”, expondo claramente suas insatisfações em relação àdivisão dos lucros.

A cultura, enquanto fonte de transformação do pensar, não semanifesta de forma imediata, mas é resultante da própria históriapessoal do associado e do modo pelo qual a cooperativa foi formada.Os fatores socioculturais externos influenciam de forma direta asrelações e a formação autogestionária, impedindo que a participaçãoe a autogestão real ocorram.

De maneira geral, não se nota uma apropriação real, peloscooperados, da natureza de uma organização de trabalhocooperativista, que tem como principais pilares uma nova cultura, a

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autogestão e a idéia de ser dono. Este processo de apropriaçãorequer uma transição de cultura, necessitando de indivíduos críticos eautônomos, indivíduos que precisam sentir que há de fato umamudança social em curso. A falta de apropriação e a manutenção dospadrões de trabalho formal dentro de uma organizaçãoautogestionada criam incompatibilidades nos cooperados que sãovividas na forma de mal-estar, expresso pela insatisfação, as críticasveladas, a delegação de responsabilidade por ganho menor, etc.

Em síntese, podemos perceber claramente a dificuldade doscooperados em romper com o modelo de trabalho a que estavamsubmetidos. Desta forma, a própria estrutura da cooperativa encontradificuldades para se estabelecer de uma forma consistente esatisfatória às expectativas destes cooperados; não apenas emtermos de ganhos financeiros, mas de apropriação da condição deprodutor e gestor de seu trabalho.

Uma alternativa para o problema é a criação de mecanismospara uma capacitação ao modelo cooperativo. Esta ação deveria nãosomente instrumentalizar administrativamente e legalmente os novoscooperados, mas, principalmente, buscar uma mudança deposicionamento frente a esse novo tipo de empreendimento. Essamudança se expressaria, de maneira central, na apropriação domodelo cooperativo em contra-parte ao modelo vigente. Ospesquisadores da área da Psicologia do Trabalho, principalmente osque estudam a precarização do trabalho e novas alternativas para ossujeitos inseridos na cadeia produtiva, tem, com a perspectiva dedesenvolver pesquisas desta natureza, um campo amplo na interfaceda Psicologia com a Educação como movimento teórico paradesenvolvimento de instrumentos que possam auxiliar nessaapropriação dos novos cooperados e seu reposicionamento na vidacomunitária. Mesmo cientes de que romper com a estrutura demercado já estabelecida e com as relações de trabalho nacontemporaneidade é um trabalho demasiadamente amplo para seralcançado em um só estudo ou intervenção, iniciativas dessanatureza poderiam minimizar o impacto da passagem de um modelode trabalho tradicional para um modelo cooperado, amenizando omal-estar causado pela não apropriação desse novo conceitoprodutivo.

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