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O ‘mea culpa’ do soldado israelita - fonoteca.cm-lisboa.ptfonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/100430... · do mundo. João Bonifácio Começou por ser uma

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Sexta-feira 30 Abril 2010www.ipsilon.pt

“Líbano”, de Samuel Maoz, chega na próxima semana às salas

O ‘mea culpa’ do soldado israelitadepois do tiro

Filomena Marona Beja Noah Baumbach Eva Gabrielsson Scout Niblett

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Ípsilon • Sexta-feira 30 Abril 2010 • 3

Está quase, quase a chegar aquele que é, “ex-aequo” com o de Flying Lotus, o regresso mais ansiado do ano: “High Violet”, o quinto longa-duração dos National – muito possivelmente os deprimidos mais gritadeiros deste nosso bom mundo. Se com “Alligator” o quinteto conquistou uma larga fatia do público indie e com “Boxer” os National começaram a estar por todo o lado, não se admirem

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Directora Bárbara ReisEditor Vasco Câmara, Inês Nadais (adjunta)Conselho editorial Isabel Coutinho, Óscar Faria, Cristina Fernandes, Vítor Belanciano Design Mark Porter, Simon Esterson, Kuchar SwaraDirectora de arte Sónia MatosDesigners Ana Carvalho, Carla Noronha, Mariana SoaresEditor de fotografi a Miguel MadeiraE-mail: [email protected]

Ficha Técnica

SumárioSamuel Maoz 6O cheiro a carne queimada na consciência de Israel

Noah Baumbach 12Regressa à grande forma, com “Greenberg”

Filomena Marona Beja 14Entra em casa da geração que fez o 25 de Abril

Eva Gabrielsson 16A viúva de Stieg Larsson tem vida própria

Scout Niblett 26Não há outra como ela

Lux 35Os artistas saem à noite

Pedro Cabrita Reis 37Foi possuído no Júlio de Matos

imprensa há um mês, alguns dos temas foram rodados ao vido em versões bem mais agressivas das que estão no disco, e, depois de a banda ter aparecido no “Jimmy Fallon Show” a tocar uma estupenda versão de “Terrible Love”, tema que abre o disco, fazendo-o explodir por todo o lado, os National trocaram as voltas a toda a gente e optaram por outro single. O Ípsilon anda a ouvir o disco há um mês e pode informar que, como de costume com os National, primeiro estranha-se depois entranha-se. As guitarras de “Alligator” voltam a espaços, mas os arranjos de “Boxer” estão ainda mais ricos. Está tudo tão grandioso que se demora três dias a conseguir gostar de uma canção que seja, três a quatro semanas a apreciar as canções ímpares do disco e pelo menos mês e meio para as pares. Favoritas até agora: “Terrible love”, “Anyone’s

ghost”, “Vanderlyle crybaby geeks” e essa magistral canção sobre o medo da paternidade, o

medo do governo, o medo de tudo, “Afraid

of everyone”. Resumindo: melhor banda do mundo. João Bonifácio

Começou por ser uma personagem a que a imaginação humana tinha acesso conduzida pelas descrições literárias de Agatha Christie. Depois chegou às rádios, ao cinema e à televisão, onde permaneceu durante cerca de duas décadas. Agora, o bigode eriçado de Poirot, detective belga que resolve crimes sem sair da sua poltrona, pode chegar aos palcos. David Suchet, o actor britânico que se notabilizou a

protagonizar a versão televisiva da excêntrica e metódica personagem, revelou ao “The Stage” que tem andado a ponderar a adaptação da série ao teatro. “Há conversações e neste momento estou a debater essa hipótese. Não com os produtores, mas comigo próprio. Há uma parte de mim que está entusiasmada”. Se tal acontecer, Suchet considera que a adaptação só fará sentido se for baseada num argumento de Christie: “Tem que ser algo em grande que valha mesmo a pena”, sublinha. A “Rainha do Crime”, que

escreveu mais de 80 livros, metade dos quais dominados pela presença de Poirot, viu vários dos seus romances adaptados ao teatro e é responsável por peças como “Black Coffee” (1930) ou “The Mousetrap”, escrita em 1952 e desde então representada ininterruptamente

em palcos londrinos. Esse tipo de longevidade é, porém, algo que Suchet não

quer para a sua interpretação

de Poirot, que ainda não tem

título nem data de arranque definidos.

Hercule Poirot da poltrona para o palco

se com “High Violet” eles atingirem o patamar com que todas as bandas sonham: servir de banda-sonora em casas de kebab rebarbadas algures no ex-império otomano. Forma de dizer: alcançar a universalidade. Para já tiveram direito a entrevista grande na “Uncut”, o que se pode considerar normal. Inesperada, talvez, é a dimensão da reportagem à volta do lançamento do disco feita no insuspeito “New York Times”: cinco páginas inteiras dedicadas

aos moços. O “NY

Times” também fez mais um favor aos cada vez mais fãs da banda: disponibilizou o disco gratuitamente durante dois dias (mas não para descarregar, apenas em modo escuta), assim antecipando a série de concertos que os National vão dar para promover o disco – que sai a 10 de Maio no Reino Unido e um dia depois nos EUA. Falar em série de concertos é ser impreciso: tudo o que se sabe, mais exactamente, é que os National são os curadores de um evento envolto em mistério, a decorrer de 11 a 15 de Maio (ou seja, por alturas do lançamento do disco) no número 13E da 4th Street em Manhattan – um espaço desocupado ao lado de uma loja de música chamada Other Music. Ainda não se sabe o que vai por lá acontecer, mas toda a operação demonstra a sageza que estes moços têm, no que toca a fazer a sua música ser ouvida: “High

Violet” foi enviado para a

David Suchet quer levar o detective para o West End, depois de o ter levado para a televisão

O novo álbum dos National sai a 10 de Maio no Reino Unido e um dia depois na América: tem tudo para ser universal

“High Violet” vai fazer dos National a maior banda do mundo

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4 • Sexta-feira 30 Abril 2010 • Ípsilon

O Royal Ballet também vai ao País das MaravilhasO Royal Ballet já não encomendava uma peça de longa-duração há 15 anos, e só por aí isto já é um acontecimento: a mais importante companhia de repertório britânica vai fazer a estreia mundial, em Fevereiro de 2011, de uma versão da “Alice no País das Maravilhas” (sim, também o Royal Ballet...) criada de raiz por Christopher Wheeldon, ex-coreógrafo residente do New York City Ballet. “Foi uma longa espera”, resume o “Evening Standard”, lembrando o longo debate sobre as prioridades da companhia que, “apesar dos seus luxuosos subsídios, tem preferido gastar milhões na reposição de clássicos do que investir em novas criações”. A verdade é que, segundo o mesmo jornal, o Royal Ballet saiu queimado da sua última encomenda, em 1995, quando pediu à americana Twyla Tharp uma peça em três actos que anunciasse o novo milénio: “Mr Wordly Wise” foi um estrondoso fracasso de bilheteira.Não admira, portanto, que Wheeldon tenha pensado duas vezes antes de aceitar o convite. Mas agora que vai, vai mesmo a fundo: “Acho que as personagens gritam por movimento. É uma história muito física, e foi isso que me atraiu. Por outras palavras, não vou transformar isto numa coisa para crianças”. O coreógrafo, de 36

anos, admite que o ballet tem dificuldades em competir com o cinema e com a televisão - “Estamos a contar histórias gastando até ao último dólar, usando até ao último efeito especial, e isso deixa muito pouco espaço à imaginação” - mas sublinha que não será por isso que a sua Alice se transformará num espectáculo com toneladas de cenários e figurinos.A produção, em parceria com o National Ballet of Canada, terá banda sonora de Jody Talbot e cenário de Bob Crowley, vencedor de sete Tonys. E é apenas uma das estreias mundiais da próxima temporada do Royal Ballet, que apresentará também novas peças do seu coreógrafo residente, Wayne McGregor, entre muitos outros.

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Este espaço vai ser seu. Que fi lme, peça de teatro, livro, exposição, disco, álbum, canção, concerto, DVD viu e gostou tanto que lhe apeteceu escrever sobre ele, concordando ou

não concordando com o que escrevemos? Envie-nos uma nota até 500 caracteres para [email protected]. E nós depois publicamos.

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“Craneway Event” documenta um dos últimos trabalhos de Cunningham, uma das fi guras mais marcantes da história da dança contemporânea

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Tacita Dean recorda Merce CunninghamEm Novembro de 2008, a artista visual britânica Tacita Dean passou três dias a filmar os ensaios de uma companhia de dança numa fábrica da Ford em Richmond, na Califórnia, um edifício dos anos 30 com vista para os navios e os pelicanos de passagem pelo Pacífico. À frente dessa companhia estava um homem de 89 anos, Merce Cunningham, uma das figuras mais seminais da história da dança contemporânea. Meses depois, quando Cunningham morreu, a 26 de Julho de 2009, Tacita Dean tinha nas mãos as últimas imagens do coreógrafo. O filme que delas resultou, “Craneway Event”, vai finalmente poder ser visto a partir de 13 de Maio, em Londres, na Frith Street Gallery. É um registo de 108 minutos que nos permite agora ver Merce Cunningham numa cadeira de rodas, a trabalhar (e às vezes a adormecer) com os seus bailarinos ao longo de três tardes parecidas com

tantas outras, mas também “o documento de uma prática celebrada, de um homem lendário em acção, e de um momento que agora se perdeu para sempre no tempo”, assinala a galeria.Tacita Dean já estava a montar o filme quando soube que Merce Cunningham tinha morrido: “Instalou-me imediatamente numa ausência que eu inicialmente preenchi vendo registos de Merce a dançar na sua juventude, ou a tagarelar em entrevistas. Quando voltei ao filme, percebi que estava na posição verdadeiramente única de poder continuar a trabalhar com ele e de criar uma coisa nova, não só sobre ele mas com ele”. A alegria de Cunningham nos ensaios tornou-se “uma espécie de musa”, uma força motriz: “Comecei a achar que o Merce tinha disposto os componentes que fariam o filme - o edifício, os bailarinos, a luz, os navios e os pássaros, porque sabia que eles não iriam falhar na sua ausência”.

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Sam Mendes vai encenar o “Rei Lear”

É só lá para 2012, mas o “Rei Lear” vai voltar ao National Theatre, em Londres. O clássico texto de William Shakespeare terá dois encenadores: o cineasta (e encenador) Sam Mendes e o actor Simon Russell Beale.“Andamos a falar com Simon Russell Beale e Sam Mendes sobre a produção há já algum tempo. Ainda não há detalhes e datas confirmadas, mas parece bem para 2012”, disse Lucinda Morrison, porta-voz do National Theatre ao “Guardian”. A Royal Shakespeare Company está a planear um festival mundial shakespeariano para essa Primavera, aproveitando a boleia dos Jogos Olímpicos de Londres. A nova produção será o regresso da dupla ao palco onde Mendes encenou “Otelo”, com Russell Beale no papel de Iago, em 1998. Os dois trabalham juntos há quase 20 anos e têm ganhado vários prémios pelos seus trabalhos. Russell Beale já interpretou quase todos os grandes papéis de Shakespeare. Sam Mendes tem trabalhado muito em Hollywood desde 1999, ano em que realizou o filme “Beleza Americana”, vencedor de cinco Oscars. Agora, deveria realizar o 23º filme da saga James Bond, mas, devido à brutal dívida acumulada, a MGM suspendeu indefinidamente essa produção. O cineasta e realizador também tem sido falado como possível candidato à realização de uma prequela de “O Feiticeiro de Oz”, com Robert Downey Jr., mas nenhum destes projectos parece, pelo menos para já, tão seguro como o bom velho “Rei Lear” do bom velho National Theatre.

David LaChapelle era o “cheerleader” do “star-system” contemporâneo, mas agora decidiu que a fotografia também pode ser uma arma, e apontou-a à cabeça do neo-colonialismo. Há ouro e armas (também podia haver diamantes, mas ele ainda não chegou a Angola) em “The

O novo 007 já era e a prequela de “0 Feiticeiro de Oz” ainda é só rumor, mas Sam Mendes terá sempre o teatro

Rape of Africa”, que chegou esta semana à galeria Robilant+Voena, em Londres. “Vivemos num tempo muito precário, com devastação ambiental, instabilidade económica, guerras religiosas e um consumo excessivo num cenário global de pobreza extrema. Sempre usei a fotografia como meio para tentar compreender o mundo e o paradoxo que é a minha vida”, explica o artista.

A nova exposição de LaChappelle inclui também uma série de trabalhos que o fotógrafo produziu para o Dia da Terra e cuja venda reverterá a favor da preservação da Floresta Amazónica. “The Rape of Africa”, o centro de mesa, é um “remake” de uma obra de Boticelli, “Vénus e Marte”, em que Naomi Campbell aparece como uma princesa africana reclinada contra um cenário de destruição, indiferente aos miúdos de guerra e às suas metralhadoras. Chocante? “Vivemos num mundo que já não se choca com nada”. As fotografias de LaChapelle continuam a ser espampanantes, mas agora “[ele] chega à verdade, e a verdade é feia”, escreve Colin Wiggins, curador da National Gallery, no catálogo.

David LaChapelle, agora a sério

“Vivemos num mundo que já não se choca com nada”, diz o fotógrafo

Christopher Wheeldon foi o coreógrafo escolhido para quebrar o jejum de encomendas do Royal Ballet

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Apoio:

EXPOSIÇÃO

OS ARQUIVOS DE BERGMANFotografias de Rodagem A Fnac, em parceria com a Taschen, expõe 18 momentos da vida de Ingmar Bergman (1918 - 2007), cineasta, escritor e dramaturgo sueco.

21.04. - 21.06.2010 FNAC VASCO DA GAMA

APRESENTAÇÃO

ALICE VIEIRALeituras ao vivoTendo publicado recentemente ”Meia Hora Para Mudar a Minha Vida”, Alice Vieira vem contar algumas das histórias que fazem parte da sua obra.

APRESENTAÇÃO

ANGELINA VIDALpor Mário de Campos VidalMário de Campos Vidal apresenta na Fnac o pensamento e a obra de Angelina Vidal, jornalista activista, republicana, socialista, e feminista do século XIX e início do século XX.

AO VIVO

MAZGANISong of DistanceDepois de um ano de 2009 repleto de actividade, Mazgani lança agora o seu segundo álbum, Song of Distance, que apresenta ao vivo na Fnac.

APRESENTAÇÃO

FESTA DO CINEMA ITALIANO 8 1/2A Fnac, em parceria com a Festa do Cinema Italiano 8 1/2, apresenta, entre 4 e 12 de Maio, um ciclo de cinema com alguns dos filmes exibidos em edições anteriores.

30.04. 18H30 FNAC STA. CATARINA02.05. 17H00 FNAC VASCO DA GAMA05.05. 21H00 FNAC CASCAISHOPPING

entrada livreAGENDA CULTURAL FNACentrada livre

APRESENTAÇÃO AO VIVO LANÇAMENTO EXPOSIÇÃO

Consulte todos os eventos da Agenda,assim como outros conteúdos culturais Fnac em

07.05. 18H30 FNAC GUIMARÃESHOPPING09.05. 17H00 FNAC ALMADA

04 - 12.05. 21H30 FNAC ALMADA

02.05. 17H00 FNAC CASCAISHOPPING

01.05. 11H00 FNAC COLOMBO

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6 • Sexta-feira 30 Abril 2010 • Ípsilon

Só 20 anos depois é que o israelita Sa-muel Maoz deixou de sentir o cheiro a carne queimada. E só então conse-guiu contar a história de Schmulik (di-minutivo de Samuel, ele próprio), e de Herzl, de Yigal e de Assi, quando ti-nham 20 anos e estiveram, os quatro, dentro de um tanque na Guerra do Líbano. 6 de Junho de 1982. Imobiliza-dos, perdidos, numa aldeia libanesa.

Entre a experiência de catarse e o exercício de “género” – ou seja, entre a proximidade dolorosa e a capacida-

de de manter a distância que lhe per-mita ser “filme de guerra” –, “Líbano” mete o espectador num tanque du-rante hora e meia.

Entrevista (por telefone) com um homem de 48 anos fragilizado por uma gripe e fortalecido pelo cinema (mas que não esquece: a guerra é o primeiro pensamento do dia e o últi-mo da noite). Conversa sobre a socie-dade israelita, sobre o exército mais poderoso do Médio Oriente, sobre a culpa depois do gatilho...

“Claro que fazer o filme foi a forma – não sei se é a expressão correcta – de me perdoar. Claro que tenho respon-sabilidades. Vê-se nas primeiras se-quências de ‘Líbano’, na plantação de bananas, que quando se pressiona um gatilho é-se sempre aquele que executa...”

Dificilmente não se sentirá o cheiro a carne queimada na sala de cinema, onde “Líbano” estreia dia 6 de Maio.Depois de se ver “Líbano”,

percebe-se uma deslocação no título: tem menos a ver com uma recriação de um acontecimento, uma guerra, do que com uma abstracção, a guerra. E como o “Apocalypse Now” do filme de Francis Coppola, há uma certa ressonância mítica em “Líbano”...Os títulos colocam os filmes num de-terminado sítio. E, sim, este título refere-se a algo de muito mais global. “Líbano” não se refere a uma guerra

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aos 48 anos, deixou de sentir o cheiro a carne queimada. O e

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Ípsilon • Sexta-feira 30 Abril 2010 • 7

- se entre uma necessária distância e a dolorosa proximidade. É a Samuel Maoz. Que tinha 20 anos na Guerra do Líbano. Só agora, O espectador de “Líbano” não se livrará do odor. Vasco Câmara*

ar à paz. Menos matar”

ou a um país. Refere-se à “geração Líbano”, a nós, soldados israelitas, que estivemos na guerra do Líbano. Talvez porque, sei lá, estamos todos um bocado fodidos da cabeça. É uma expressão que se ouve em Israel, “a geração Líbano”, é algo de muito lo-cal.Porquê tanto tempo para chegar a este filme? O que é que foi mais determinante: questões de produção ou o “timing” da sua catarse?

A primeira vez que tentei fazer este filme foi em 1988, quando acabei o curso de cinema na universidade. Mas ao fim de uma ou duas páginas de escrita do argumento, não parava de sentir o cheiro, o cheiro a carne quei-mada. Lembro-me que era tão forte que recuei. Não só porque tivesse me-do – claro que, de certa forma, tinha medo –, mas sobretudo porque per-cebi que não podia fazer um filme só porque tinha estado lá. Tinha que ser um realizador, alguém que aprovei-

tasse as suas memórias, a sua dor, as processasse, mesmo que de forma fria, em direcção a um filme que ca-minhasse por si próprio. No estado em que me encontrava, o filme ia ser uma confusão total. O cheiro era uma espécie de sinal: enquanto sentisse o cheio a carne queimada não estava preparado para fazer esse filme.

O outro aspecto tem a ver com a minha geração, a tal “geração Líba-no”, que é uma geração do meio. Os nossos pais, os nossos professores,

“Claro que tenho responsabilidades. Quando se pressiona um gatilho é-se sempre aquele que executa...”

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8 • Sexta-feira 30 Abril 2010 • Ípsilon

eles vieram da Europa, dos campos [de concentração] alemães. Lembro-me da minha professora com o nú-mero [de prisioneira do campo] tatu-ado no braço a gritar, na aula, que tínhamos de lutar, e morrer se fosse necessário, pelo nosso país porque toda a gente nos queria exterminar. Mas nós éramos rapazes normais, nascidos em Israel, que aos 18 anos só pensavam em raparigas e nas praias de Telavive. Estávamos a ser submetidos, de certa maneira, a uma lavagem ao cérebro. Voltar da guerra com duas mãos e dez dedos, sem mar-cas de queimadura na pele, e come-çarmos a queixar-nos de problemas dentro da cabeça, isso era imperdo-ável. Diziam-nos: “Têm mas é de agra-decer o facto de estarem vivos; nós estivemos nos campos [de concentra-ção].” Lembro-me de odiar os campos deles, eles estavam sempre a usá-los... Não sentíamos que tínhamos legiti-midade para nos queixar.

O ponto de viragem foi 2006, du-rante a segunda Guerra do Líbano [iniciada a 12 de Julho, quando guer-rilheiros do Hezbollah raptaram dois soldados israelitas e mataram sete, numa incursão fronteiriça, o que le-vou Israel a bombardear o “País do Cedro” durante 34 dias]. Sentava-me em frente da televisão, a ver os “rea-lity-shows”. Sem falar. Mas comecei a ver os nossos filhos a lidarem outra vez com o mesmo “Líbano”. Feliz-mente que tenho filhas, mas os filhos dos meus amigos iam para a guerra morrer. Foi um sinal para mim: senti que não se tratava tanto dos meus problemas, das minhas necessidades, da minha dor; percebi que ia conse-

guir encontrar uma forma de fazer algo para, sem a ambição ingénua de acabar com a guerra, dar um passo. Talvez conseguisse salvar vidas. Aprendi uma coisa: quando as coisas nos dizem respeito, podemos sofrer em silêncio. Mas quando implicam os nossos filhos, é totalmente diferen-te.Ou seja: sendo um filme pessoal, no sentido de que nasceu de

uma catarse, é um filme, e um filme de género, o “filme de guerra”, que tem os seus códigos; o que implicou distância, dirigir actores, técnicos...Exactamente. Por isso, quando sentia o cheiro a carne queimada achava que

estava demasiado envolvido, não es-tava pronto a processar as minhas emoções.

É claro que o processo para aqui chegar foi terapêutico. Se calhar foi o melhor tratamento que consegui. Sem planear isso.E nesse processo viu filmes de guerra, como um escudo, para encontrar a distância do cinema?Claro. Embora estes 25 anos tenham sido escudo suficiente [risos]. Quando me impus a mim próprio que tinha de fazer este filme, que talvez assim conseguisse mudar a opinião de al-guém, de um pai ou uma mãe, senti também que era uma hipótese de emendar os meus erros. Espero que isto não seja patético: tive a oportu-nidade de fazer o oposto daquilo que tinha feito [na guerra].

Durante a rodagem de alguns dos planos, falava com os actores, gritava com eles, puxava por eles até ao limi-te quando achava que a cena se esta-va a perder... mas depois do “corta” conseguia controlar-me, a coisa aca-bava. Aprendi a fazer isso.Que filmes viu?Não vi “Apocalypse Now” antes de fazer o filme porque o fui vendo de dois em dois anos. É uma grande in-fluência, mas é claro que dizer isso não é original. A primeira vez que vi o filme era ainda aluno da escola de cinema, e lembro-me que imediata-mente começámos a falar sobre ele. Um colega meu disse que o que tinha sido marcante era o facto de pensar que ia ver um filme de guerra, mas que a guerra se revelava uma coisa totalmente diferente. Isso foi exacta-

“Voltar da guerra com duas mãos e dez dedos, sem queimaduras na pele, e começarmos a queixar-nos de problemas na cabeça, era imperdoável. Diziam-nos: ‘Têm é de agradecer o facto de estarem vivos; nós estivemos nos campos [de concentração]’.Lembro-me de odiar os campos deles... Não sentíamos que tínhamos legitimidade para nos queixar”

Samuel Maoz, hoje; Schmulik, no filme; e aos 20 anos, na guerra

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Ípsilon • Sexta-feira 30 Abril 2010 • 9

mente a guerra que experimentei, a loucura, o caos...

Houve outros filmes que vi, sem influência directa: “O Caçador” [Mi-chael Cimino], “A Barreira Invisível” [Terence Mallick], “Vai e Vê” [Elem Klimov].Qual a reacção em Israel a “Líbano”, que filma do lado da vulnerabilidade daquele que é tido como o mais poderoso exército do Médio Oriente?Depois da guerra de 2006 [que cau-sou mais de mil mortos, a maioria li-baneses, e quase um milhão de des-locados – entre os quais 300 mil a 500 mil israelitas – sem que Israel conse-guisse forçar a rendição do Hezbollah] toda a gente ficou a perceber que o Exército israelita não é aquilo que se pensa que é. As reacções foram mais positivas do que negativas. Se tentar

analisar isso, direi que quanto mais nova é a audiência mais positiva é a reacção; quanto mais velha, mais negativa.

Há aqui três gerações. Não posso julgar as pessoas que vieram para Israel da Europa, terão legitimidade para sentir que toda a gente nos quer ex-terminar. Depois há a minha, a do meio. E a geração mais nova, que é a geração global,

do Google, do iPhone. E é as-sim que se faz o discurso sobre

História: quando a geração dos

meus pais lutava, só atingia glória e vitórias; a minha já foi assim-assim; e quando a geração mais nova foi para a guerra, em 2006, a motivação era baixa. E foi o que se viu.O soldado israelita pode questionar as razões pelas quais vai para a guerra?Há uma diferença enorme entre o meu tempo, anos 70, e agora. Ir para o Exército é uma obrigação legal... Mas uma coisa é não querer fazer a guerra, outra não querer ir para o Exército. Pode-se ir para o Exército e não ir para a guerra: se se alega razões médicas, por exemplo, fica-se a assi-nar papéis. Mas no meu tempo isso nem era uma opção. Era o mesmo que dizer que não se queria ir para a es-cola. Tornávamo-nos párias. E seria como andar com essa marca escan-carada na testa.A personagem do falangista no filme é o repositório do Mal – até a escolha do actor acentua isso. Os soldados israelitas são figuras de uma certa inocência. São manipulados. Isso é a sua visão do envolvimento de Israel nessa guerra? Isso não é retirar a responsabilidade do seu país?Isto é apenas um sentimento pessoal a partir de um ponto de vista pessoal. É o que um ponto de vista pessoal pode dizer sobre uma verdade histó-rica. Para mim, os falangistas eram o diabo encarnado. Houve coisas que

vi, que eles fizeram, das quais ainda me é difícil falar. Nem se imagina. Por exemplo, quando estava em Beirute, no aeroporto, amarravam os prisio-neiros entre dois carros e matavam-nos assim [no filme é assim que um falangista ameaça um prisioneiro sí-rio].

Quanto à responsabilidade indivi-dual, à minha, claro que fazer o filme foi a forma – não sei se é a expressão correcta – de me perdoar. Claro que tenho responsabilidades. Vê-se nas primeiras sequências de “Líbano”, na plantação de bananas, que quando se pressiona um gatilho é-se sempre aquele que executa... Mas fui o último nessa cadeia de morte. E há uma gran-de diferença entre sentir que não ti-vemos escolha e sentir que somos culpados, responsáveis. Isso é algo que não me abandonará. É sempre o primeiro pensamento da manhã e o último da noite.Falou do cheiro a carne queimada... no ano passado, espectadores do Festival de Veneza, onde o filme se estreou, disseram ter sentido cheiro, cheiro a queimado, enquanto viam o filme. Como trabalhou o “huis clos” de “Líbano”? Como é que mergulhou os actores nisso?Tem-se a sensação de que se está den-tro de um tanque... mas se se vir bem, plano a plano, temos “close-ups”

“Quando me impus a mim próprio que tinha de fazer este filme, que talvez assim conseguisse mudar a opinião de alguém, de um pai ou uma mãe, senti também que era uma hipótese de emendar os meus erros. Espero que isto não seja patético: tive a oportunidade de fazer o oposto daquilo que tinha feito [na guerra]”

Na rodagem, o cenário que simula o interior do tanque

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dos actores, nem sequer há um pla-no em que se vê um tanque.

Comecei a trabalhar com os actores dois meses antes da rodagem. Vou dar um exemplo: a primeira coisa foi ex-plicar-lhes como era estar dentro de um tanque, mas em vez de lhes falar, e eles certamente iriam compreender, fechei toda a gente num contentor durante três horas. Deixei que eles experimentassem. E ao fim de três horas, a nossa energia está de tal for-ma em baixo... sempre à espera que alguém abra a porta. Eles não foram capazes sequer de falar quando saí-ram. Criei para eles experiências... Não é algo sobre o qual se possa falar. É preciso levar os actores a um ponto em que eles... sintam. É preciso mais do que palavras. A rodagem foi tecni-camente difícil, mas os actores esta-vam prontos. Estávamos todos.Israel acaba de completar o seu 62.º aniversário. No diário hebraico “Ha’aretz”, o colunista Bradley Burston escreveu que a ocupação “é o pior inimigo de Israel”. O Irão, o Hamas o Hezbollah “querem que Israel deixe de existir, mas o governo tem instrumentos para os combater”. Contra a ocupação, porém, o governo de Benjamin Netanyahu, determinado em manter os colonatos judaicos nos territórios palestinianos, “é impotente”. Concorda?Não li esse artigo, mas daquilo que me diz não posso concordar total-mente, por causa do Irão. Esse é o inimigo mais perigoso. E não perece-bo porque é que o Ocidente ainda não percebeu isso.

A ocupação, claro, é um inimigo de Israel. Devemos deixar a coisa... Para firmarmos acordos de paz não preci-samos de nos tornar amigos. Se espe-rarmos para sermos amigos, isso vai demorar uns 100 anos, são precisas gerações.

Mais de metade da população de Israel quer acabar com este pro- blema e

ter uma vida normal. Mas, no fundo, a paz acabará por acontecer menos por razões humanitárias do que por razões capitalistas. Há dias, um jornal israelita publicou um artigo em que dizia que cada cidadão israelita paga uma percentagem da electricidade da Faixa de Gaza. Isso causou um bur-burinho por aqui. Mas vale tudo para chegar à paz. Menos matar.O que vai acontecer a seguir ao realizador Samuel Maoz?É o que tenho pensado nos últimos sete meses. Não há dúvidas de que estou cheio de paixão e esfomeado [para filmar]. E as oportunidades ago-ra serão grandes. Mas continuarei os meus projectos e à minha maneira. Porque, é claro, neste último ano Hollywood tentou aliciar-me. É uma tentação, mas continuarei os meus projectos. Tenho a sorte de neste mo-mento conseguir facilmente arranjar dinheiro.

Tenho dois projectos: um tem ain-da a ver com a guerra, mas com os efeitos secundários da guerra. O outro é uma comédia negra.

*com Margarida Santos Lopes

A guerra de Samuel Maoz não começou no Líbano às 3h da madrugada de 6 de Junho de 1982. Começou em 1977 com um “terramoto” político em Israel: a vitória do partido Likud nas eleições que fi zeram de Menachem Begin primeiro-ministro, pondo fi m a mais de quatro décadas de hegemonia trabalhista (antes e depois da criação do Estado).

Com a ascensão da direita, um nova política foi posta em marcha. Para o anterior chefe do Governo, Yitzhak Rabin, do Labour, um Líbano fraco, com cristãos a combater muçulmanos e palestinianos, reduzia a ameaça na fronteira Norte de Israel. Begin era mais ambicioso. Pretendia unir as milícias cristãs – e, em particular, a mais poderosa delas, Kataeb (Falange) – numa força paramilitar que permitisse “erradicar a OLP”, de Yasser Arafat, apresentada no programa político do Likud como “organização de assassinos”.

Não será por acaso que o fi lme de “Shmulik”, diminutivo de Samuel Maoz e da personagem autobiográfi ca, inclui um miliciano falangista e um prisioneiro sírio. Eles fazem parte desta guerra em que os feridos têm nome de código de “fl ores” e os mortos são “anjos”. A guerra que fez nascer na antiga Praça dos Reis, em Telavive, o movimento Peace Now. A guerra que abriu caminho aos massacres de Sabra e Chatila. A guerra que inspirou a primeira Intifada na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, em 1987.

Esta guerra, a que vemos através do periscópio do tanque de “Shmulik”, começou assim.

Outro 11 de MarçoConfortado com as negociações de paz em curso com o Egipto de Anwar el-Sadat, Menachem Begin obrigou a OLP a adoptar uma posição defensiva em todas as frentes. Em 1978, Arafat ofereceu-lhe a oportunidade para a primeira invasão terrestre do Líbano: na manhã de 11 de Março, um grupo de 11 comandos da Fatah, a maior facção da OLP, comandado por uma mulher, iludiu os radares devido ao mau tempo e desembarcou numa praia a Sul do porto israelita de Haifa. Cada um deles estava

munido de metralhadoras, granadas e dinamite. Avançaram três quilómetros até à principal auto-estrada para Telavive e sequestraram um autocarro com 63 passageiros a bordo.

A polícia, o exército e a guarda fronteiriça moveram uma perseguição aos atacantes, que disparavam pelas janelas e fi zeram explodir granadas no interior do autocarro. Quando tudo terminou, contaram-se 46 mortos – 37 israelitas e nove palestinianos – e quase 80 feridos.

O que fi cou conhecido como “massacre na estrada costeira” foi o mais devastador ataque palestiniano desferido a partir do Líbano até então. A 14 de Março, os israelitas lançaram a “Operação Pedra da Sabedoria”, envolvendo 28 mil homens. Bombardearam bases da guerrilha e campos de refugiados no Sul do Líbano e em Beirute. Uma semana depois, declarado um cessar-fogo, tinham sido mortos 200 combatentes da OLP, 20 soldados israelitas e cerca de mil civis palestinianos e libaneses. Mais de dez aldeias foram arrasadas e 6000 casas destruídas; centenas de milhares de pessoas fi caram sem lar e tornaram-se exiladas no seu próprio país. Estas estimativas são da Cruz Vermelha Internacional.

A 19 de Março, o Conselho de Segurança apelou à retirada israelita e criou uma Força Interina das Nações Unidas no Líbano (UNIFIL), para servir de “tampão”. No entanto, nem a presença destes “capacetes azuis”, nem a “zona de segurança” na fronteira, entregue por Israel à milícia cristã Exército do Sul do Líbano, antes de retirar os seus soldados em 1978, impediu que os guerrilheiros palestinianos continuassem a atacar povoações na Galileia com “rockets” Katyusha.

A “luz amarela” dos EUAEm 1981, o ministro israelita da Defesa, Ariel Sharon, começou a delinear planos de nova invasão, alegando que um cessar-fogo negociado pelo emissário norte-americano Philip Habib estava a “servir de cobertura” aos guerrilheiros para expandirem as suas forças e lançarem ataques. A ONU – e os EUA – não

A invasão do Líbano de 1982 foi a guerra mais impopular perversos: com ela nasceu um movimento pacifi sta em T

Shmulik

Israel quer acabar comeste pro- blemmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmma aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa e

O tanque de Sh

“Quando a geração dos meus pais lutava, só atingia glória e vitórias; a minha já foi assim-assim; e quando a geração mais nova foi para a guerra, em 2006, a motivação era baixa”

Da esquerda para a direita: o ministro da Defesa Ariel Sharon visita as tropas israelitas estacionadas no Líbano, Yasser Arafat, o líder da OLP, inspecciona os danos causados pelas bombas em Beirute e mulheres palestinianas choram as centenas de mortos dos massacres de Sabra e Chatila

Bombardea-mentos israe-litas no Sul do Líbano, em Junho de 1982: Yasser Arafat não imagina-va que, logo a seguir, Israel se atreveria a avançar para Beirute

“Apocalypse Now” (à esquerda): uma influência assumida de “Líbano”

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a UNIFIL nada fi zesse para travar o início da “Operação Paz para a Galileia” no Sul do Líbano, região conhecida como “Fatahlândia”, onde a OLP tinha 6000 de um total de 15 mil combatentes profi ssionais, além de voluntários. A 6 de Junho, Sharon fez avançar as tropas israelitas não só por terra, mas também por mar e pelo ar. Na madrugada de 7 de Junho, tinha atingido os seus “limitados objectivos”: silenciar as armas palestinianas e evitar um confronto com os sírios, que desde o início da guerra civil libanesa (1976) já tinham quase 30 mil soldados no país vizinho.

Um a um, foram caindo os bastiões mais importantes da guerrilha, como o castelo de Beaufort (episódio que inspirou outro fi lme israelita, dirigido por Joseph Cedar) e os campos de refugiados de Rashidiya e Ein el-Hilweh. No dia 9, os sírios viram destruídas 17 baterias de mísseis e 29 caças, no Vale de Bekaa.

No dia 13, Pierre e Bashir Gemayel, o pai fundador e o fi lho herdeiro da milícia falangista criada em 1936 e inspirada no modelo nazi (os seus elementos faziam saudações de braço no ar, usavam capacetes coloniais, camisas e gravatas caqui), juntaram-se aos generais israelitas para celebrar a chegada de Sharon aos subúrbios de Beirute. A capital libanesa seria, porém, um osso duro de roer. Uns dez mil guerrilheiros palestinianos, milicianos libaneses e o que restava do contingente sírio resistiram a um apertado cerco.

Sharon queria que os Gemayel conquistassem Beirute Ocidental, mas os falangistas recusaram. Os israelitas tiveram de fazer o

trabalho sujo, bombardeando incessantemente o sector muçulmano da cidade, deixando os habitantes sem água, luz e alimentos, e aterrorizando-os com explosões de carros armadilhados.

Fácil de comer, difícil de digerirOs EUA voltaram a enviar o seu emissário Pulip Habib, para negociar tréguas mas também uma retirada dos guerrilheiros palestinianos e dos soldados sírios. Em Israel, a pressão política aumentou sobre Begin e Sharon,

cada vez mais duramente forçados a responder pelos cerca de 19 mil mortos (700 deles israelitas) e mais de 30 mil feridos da “Operação Paz para a Galileia”.

A 1 de Agosto, o Governo israelita aceitou um cessar-fogo na condição de, à mínima violação, poder atacar. Ainda a reunião não tinha acabado e já o aeroporto de Beirute estava a ser bombardeado. No dia 4, Sharon ordenou uma ofensiva total para matar Arafat na autoproclamada “República Fakhani”, o bairro onde funcionava o seu quartel-general, e não hesitou em arrasar edifícios com bombas de vácuo, numa tentativa vã de matar o inimigo.

Perante um ultimato israelita para se render “em 24 horas”, e aconselhado por destacadas fi guras libanesas a “partir com honra”, o chefe da OLP aceitou dispersar os seus 10 mil guerrilheiros por oito países árabes. Os primeiros partiram no dia 20. Ele, a quem o seu povo chamava afectuosamente “Al-Kitiyar” (O Velhote), fez questão de ser o último a sair da “watan al-badeel”, pátria substituta, no dia 30.

Este homem, que durante o cerco de Beirute trocara o inseparável “kaffi yeh” por um boné dos generais alemães, não podia aceitar uma derrota humilhante. Para Arafat, a resistência tinha sido “heróica, histórica, sangrenta, gloriosa”. Os palestinianos tinham arrastado Israel para o atoleiro libanês, uma ocupação que viria a revelar-se mais insuportável (terminou em 2000) do que a da Cisjordânia e Gaza; e o mundo viu como os israelitas bombardeavam indiscriminadamente civis para exibir a sua superioridade militar.

Uma superioridade, alguns dirão invencibilidade, que Samuel Maoz questiona, quando nos mostra quatro soldados vulneráveis, perturbados com as ordens para disparar a matar, sensíveis ao sofrimento do inimigo (sírio), traídos pelo aliado (falangista).

Os mesmos aliados falangistas que, durante três dias e três noites, em Setembro de 1982, banharam de sangue os campos de refugiados de Sabra e Chatila: 1500 mortos, segundo os palestinianos; entre 700 e 800 mortos, segundo uma comissão de inquérito israelita, que forçou a demissão de “Arik”.

Os massacres “vingaram” o assassínio do entretanto eleito Presidente Bashir Gemayel. A sua morte, num brutal atentado bombista ordenado pela Síria de Hafez al-Assad, inviabilizou o sonho de Sharon e Begin de ver o Líbano tornar-se no segundo país árabe a assinar a paz com Israel.

O Líbano, dizia Gemayel, “é fácil de comer, mas difícil de digerir”.

Os palestinianos tinham arrastado Israel para o atoleiro libanês, uma ocupação que viria a revelar-se mais insuportável (terminou em 2000) do que a da Cisjordânia e Gaza; e o mundo viu como os israelitas bombardeavam indiscriminadamente civis para exibir a sua superioridade militar

r de Israel. Planeada por Ariel Sharon para destruir a OLP, falhou os objectivos e teve dois efeitos m Telavive e uma Intifada na Palestina. A guerra que vemos através do periscópio do tanque de k começou assim... Margarida Santos Lopes

Shmulik na guerra de Arik

corroboraram essas alegações.O general “Arik”, encorajado

pelos seus contactos em Beirute com Bashir Gemayel, o implacável líder da Falange que não hesitara em matar, ao estilo da máfi a, os rivais cristãos que se opunham a uma aliança com Israel, elaborou uma “pequena” e uma “grande” versão da “Operação Pinhal”. A mais modesta previa um avanço das tropas israelitas até Sídon, no Sul do Líbano. A mais ambiciosa incluía uma progressão até à auto-estrada Beirute-Damasco.

Em 25 de Maio, num frente-a-frente com William Haig, secretário de Estado do Presidente Ronald Reagan, em Washington, Sharon pediu “luz verde” para invadir o “País do Cedro” e destruir a OLP. O anfi trião, embora inimigo visceral da organização palestiniana, terá acendido uma “luz amarela”. O bastante para o visitante regressar a Israel confi ante de que os EUA não travariam os seus planos.

Só faltava um pretexto. E ele chegou, ofi cialmente, a 3 de Junho de 1982, quando um atirador palestiniano, do grupo de Abu Nidal, disparou sobre o embaixador de Israel em Londres, Shlomo Argov, deixando-o

gravemente ferido. Para “falcões”, como Sharon, não havia diferença entre Abu Nidal e Yasser Arafat, apesar de o primeiro ter sido banido da Fatah, por ter tentado assassinar o segundo. O chefe de Estado-Maior das Forças Armadas de Israel, Rafael Eitan, confessou: “Ergui uma máquina militar no valor de biliões de dólares. Tenho de a usar.”

Na mesma noite de 3 de Junho de 1982 em que o embaixador Shlomo Argov quase foi morto em Londres, a polícia britânica responsabilizou os serviços secretos iraquianos e ilibou a OLP de envolvimento no atentado. Indiferente, Begin ordenou um castigo imediato, com raides aéreos a alvos palestinianos. Só informou o seu Governo na manhã seguinte, numa reunião de emergência. À tarde, a OLP ripostou com tiros de metralhadora e morteiros contra a Galileia.

A 5 de Junho, numa outra reunião na casa de Begin em Jerusalém, foi aprovada uma incursão de 40 quilómetros no Sul do Líbano, para destruir os arsenais da OLP. Sharon afi ançou: “A operação durará apenas 24 horas” e “Beirute está fora de questão”. Nem uma nem outra promessa foram cumpridas.

Em 6 de Junho de 1982, o “Napoleão do Médio Oriente” entrou no Líbano com 80 mil soldados em 1240 carros de combate e mais de 1500 outros veículos blindados – um deles era o tanque de “Shmulik”. Nem nos seus piores pesadelos Arafat imaginava que Sharon fosse cercar Beirute.

Sharon na “Fatahlândia”Arafat não esperava também que

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12 • Sexta-feira 30 Abril 2010 • Ípsilon

“Na vida real, os momentos impor-tantes raramente se anunciam, rara-mente se chegam ao pé de nós a dizer ‘agarra isto’, ‘faz isto’, ‘as coisas vão melhorar’. As coisas não costumam acontecer assim. O que me interessa são as transições nas vidas das pesso-as. Quando comecei a escrever ‘Gre-enberg’ e me perguntavam no que é que estava a trabalhar, respondia que estava a escrever sobre uma pessoa que atravessa uma crise mas não sabe que a está a atravessar.”

A pessoa em crise, esclareça-se já, não é Noah Baumbach, 41 anos, rea-lizador, argumentista e actor nova-iorquino, cúmplice de Wes Anderson

(com quem escreveu “Um Peixe Fora de Água”, 2004, e “Fantástico Sr. Fox”, 2009), autor do aclamado “A Lula e a Baleia” (2005), marido da actriz Jennifer Jason Leigh, sósia de Adrian Brody. Baumbach pode ser um entrevistado tentativo, com respostas pára-arranca enquanto procura a ma-neira certa de explicar o que tem na cabeça, mas sabe o que está a fazer e o que quer dizer.

A pessoa em crise é Roger Green-berg, a personagem do novo filme de Baumbach, “Greenberg”, esta sema-na nas salas portuguesas. Greenberg é interpretado por um Ben Stiller im-pecável, escolhido por ser “alguém

capaz de viver e habitar o papel mas também alguém que soubesse quan-do estava a ser engraçado sem o que-rer ser a todo o custo”.

A imagem de marca picuinhas e neurótica do actor assenta que nem uma luva à personalidade abrasiva da personagem (embora originalmente Baumbach a tivesse concebido “dez anos mais nova”), porque Roger Gre-enberg é um chato. Um daqueles tipos ressabiados que acha que todos lhe devem e ninguém lhe paga, que pas-sa o tempo a enviar cartas de recla-mações a empresas por picuinhices, que procura recuperar o seu momen-to de glória em que a sua banda rock

O chato, a cidade e a litCinco anos depois de “A Lula e a Baleia”, Noah Baumbach regressa à grande forma com “

chato à procura de si próprio numa Los Angeles herdada do cinema americano dos anos 1970. Oexplica-se, numa conversa durante o Festival de Berlim. Jorge Mourinha, em Berlim

Cin

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A imagem de marca picuinhas e neurótica de Ben Stiller assenta que nem uma luva à personalidade abrasiva da personagem

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quase atingiu o estrelato... e que ele próprio sabotou.

Agora, anos mais tarde, Roger re-gressa a Los Angeles para passar al-gum tempo em casa do irmão en-quanto este está fora, para reatar relações com o pessoal do seu passa-do (que não é certo que ainda queira saber dele...). E “Greenberg” é sobre esse regresso e o modo como o chato se recusa a aceitar quem é – até já não ter outra hipótese.

VariaçõesBaumbach explica: “Interesso-me ge-ralmente por personagens que têm uma ideia de si próprias, ou uma ideia de como gostariam de ser vistas pelos outros, que contrasta com quem elas são realmente, e pela luta que isso leva as pessoas a atravessar. É um dos temas principais de ‘Greenberg’: acei-tarmo-nos tal como somos, compre-ender que é bom sermos quem somos em vez da pessoa que tínhamos pla-neado ou que queríamos ser. Conhe-ço muitas pessoas que se sentem frus-tradas, que em vez de dizerem que se sentem infelizes porque não têm su-cesso, não são famosas ou não têm dinheiro, dizem que não têm nada disso porque não querem, porque não estão interessadas nessas coisas. É um modo de assumirem que falha-ram na vida. No caso do Greenberg, não é tanto uma questão de falhanço, é mais o facto dos objectivos que ele estabeleceu como sucesso serem ir-realistas ou nem existirem. Ele não tem confiança suficiente para dizer que é carpinteiro, porque não dá va-lor a isso ou acha que os outros não darão valor a isso.”

Greenberg vem a Los Angeles “não fazer nada durante algum tempo”. É um piscar de olhos ao mestre francês Eric Rohmer, falecido em Janeiro, já depois do filme estar terminado. “É um pequeno empréstimo da ‘Colec-cionadora’ [1967], porque a persona-gem desse filme, quando vai de férias, diz que ‘vai tentar não fazer nada’, embora seja uma situação diferente. Mas por estar tão interessado no mo-do como somos quem somos é que gosto tanto dos filmes do Rohmer. Não os soube apreciar quando era mais novo, mas há coisa de dez anos, um festival de cinema em Nova Iorque fez uma retrospectiva da sua obra, fui ver um e não consegui parar [risos]. Todos os seus filmes são variações sobre um mesmo tema, mas é um te-ma que nunca se esgota.”

A propósito de “variações sobre um tema”, Baumbach cita a litera-tura contemporânea americana como uma das fortes influências de “Greenberg”.

“Quando comecei a escrever, pensei muito num determina-do tipo de romances america-nos, de gente como Philip Roth, Saul Bellow ou John Updike. São sempre livros sobre personagens masculinas

que atravessam momentos de crise nas suas vidas... Esses livros são um género em si na ficção americana, geralmente até usam o nome das per-sonagens no título: ‘O Complexo de Portnoy’, os livros de Zuckerman do Philip Roth, o Coelho de John Updike, se formos mais atrás o ‘Babbitt’ de Sinclair Lewis... Procurei encontrar uma forma puramente cinematográ-fica de contar uma história dessas. E também queria usar o nome da per-sonagem como título, porque é uma personagem que está a lutar com a identidade. O Greenberg nem sequer assume a sua identidade judia, diz que é meio-judeu e por isso não pode assumi-la a cem por cento...”

Essa questão de identidade prolon-ga-se às outras personagens – sobre-tudo Florence, a assistente-governan-ta do irmão de Greenberg com quem

ele se envolve num pe-culiar romance, ou-

tra pessoa que está também à

procura de si mesma. Flo-rence é in-terpretada por Greta Gerwig, mu-sa do movi-mento ul-

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“Interesso-me por personagens que têm uma ideia de si próprias, ou uma ideia de como gostariam de ser vistas pelos outros, que contrasta com quem elas são realmente” Noah Baumbach

tra-indie semi-improvisado america-no “mumblecore”, aqui na sua estreia numa produção de “primeira divi-são” - e uma estreia brilhante. O re-alizador conhecia-a desses pequenos filmes que diz inspirá-lo: “Sempre achei que a Greta tinha algo de espe-cial, mas todos os filmes que ela tinha feito eram maioritariamente impro-visados e não tinha certeza se ela se-ria capaz de o reproduzir com diálo-go escrito, porque eu não improviso de todo. Convidei-a para fazer uma audição e ela foi imediatamente tão boa que quase desejei poder começar a rodar naquele mesmo instante.”

Paisagens urbanasMas a verdadeira outra grande perso-nagem do filme é uma cidade: Los Angeles, filmada nos tons quentes e queimados do novo cinema america-no dos anos 1970 por mestre Harris Savides (cúmplice regular de Gus van Sant ou David Fincher) — ou, como Baumbach diz entre risos, “quase co-mo se estivéssemos a rodar um filme do Terrence Malick, como um sítio grandioso e gigante, mas de um modo que me fosse pessoal”.

Para o realizador, nova-iorquino de gema, “Greenberg” é o seu “filme de Los Angeles”, tal como “A Lula e a Baleia” era um “filme de Brooklyn”. “Em ambos os filmes, escolhi sítios que conheço e em relação aos quais tenho sentimentos muito específicos – ruas por onde passo, restaurantes

onde costumo ir. A Jennifer [ Jason Leigh, esposa, igualmente produto-ra do filme] é de Los Angeles e foi com ela que comecei a ver a cidade de um modo diferente das minhas visitas profissionais. Quis pôr no écrã o modo como estes sítios são pessoais para mim.”

E esse modo tem tanto de crítico como de apaixonado. Crítico, porque “Los Angeles é um sítio onde muita coisa está a acontecer à nossa volta sem que façamos parte disso, porque toda a gente guia, toda a gente passa o tempo no carro e vê o mundo a par-tir do seu mundinho – e o próprio Greenberg faz isso sem saber guiar.” Apaixonado, porque “tem havido grandes filmes sobre Los Angeles que admiro – ‘O Imenso Adeus’ [1973] do Robert Altman, ‘Bob & Carol & Ted & Alice’ [1969] ou ‘Blume in Love’ [1973] do Paul Mazursky, ‘Shampoo’ [1975] do Hal Ashby... Quis fazer a minha versão desses filmes, usar Los Angeles como eles o fizeram nesses filmes, apresentá-la como uma cida-de verdadeira e não como um sítio de cinema... No John Cassavetes, por exemplo, a cidade é uma parte tão grande da intensidade das relações e das personagens em muitos dos seus filmes, como “Uma Mulher sob Influência” [1974]. E isso é algo que eu senti que queria tentar, à minha maneira.”

Ver crítica de filmes págs. 42 e segs

Baumbach cita a literatura americana, Philip Roth ou John Updike, e o cinema de Eric Rohmer como inspirações para o seu filme

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14 • Sexta-feira 30 Abril 2010 • Ípsilon

É uma casa portuguesa com certeza, a de Filomena Marona Beja. Uma pe-quena moradia nos arredores de Lis-boa, com couvinha e dois limoeiros a reluzir no quintal delimitado por um gradeamento “para que os cães não estraguem tudo”.

Uma trepadeira enrola-se pela gra-de como o passado, o presente e o futuro se enrolam em “Bute Daí, Zé!”, o primeiro romance da autora desde que venceu o Grande Prémio de Ro-mance e Novela da Associação Portu-guesa de Escritores, com “A Cova do Lagarto”, em 2007.

Autora de uma muito escassa obra, começou a editar tarde “por causa dos miúdos”, dos filhos. “Escrever sempre escrevi, mas escrever a sério, editar, para isso era preciso que a miudagem fosse à sua vida”, diz-nos, com o seu humor cheio de bonomia, na sala em que nos recebe.

Há um móvel pesado na parede oposta à da entrada, ladeado por dois aparadores em madeira antiga, envi-draçados, com fechaduras trabalha-das. Lá dentro estão os copos e as loiças mais requintadas. A encimar o aparador mais baixo há uma terri-na.

Ela serve-nos um café que pousa na mesa ao centro, com uma toalha de renda a cair dos lados e dois pratos de prata com fruta. É uma casa por-tuguesa com certeza, como também Marona Beja é portuguesa com cer-teza e das antigas. Por exemplo, diz “lingüeta” em vez de “lingueta”. Para ela ainda existem tremas, o passado ainda não acabou e os seus romances também são assim (e portugueses com certeza).

Mas se a simples menção de “por-tuguês” e “passado” vos levar a pen-sar em nostalgias de um tempo em que tudo era certo, medido, pesado e etiquetado, esqueçam: “Bute Daí, Zé!” faz quase o oposto: não é uma elegia à geração que planeou o 25 de Abril, mas está cheio de simpatia pa-ra com as gentes que sonharam mui-tos 25 de Abril.

O romance acompanha um grupo de proto-ideólogos que planeia fazer

jornais de intervenção, decide ocupar a casa das Palmeiras (em Lisboa, on-de quase todo o romance se passa), decide ir conhecer o “país real”, de-serta do exército, enrola-se entre len-çóis enquanto os maridos estão na Guiné, entre outras pequenas coi-sas.

Há um olhar de preciosa observa-ção sobre o quotidiano, e vamos sa-bendo deste grupo ao longo do que presumimos ser três décadas – não há indicações temporais óbvias, apenas pequenos acontecimentos que indi-ciam quanto tempo passou.

Da mesma forma Marona Beja, 66 anos, nunca nos diz qual a ascensão social das personagens, somos nós que temos de o descobrir numa frase, num gesto. E no fim cada um vai à sua vida e um deles foi à sua morte – que foi real, aconteceu.

Mas independentemente de se te-rem mantido ou não fiéis ao socialis-mo, as personagens são sempre agra-ciadas por uma certa candura no olhar da autora, e por um magnífico humor discreto.

Uma obsessiva com humorO humor, diz Marona Beja, é-lhe im-portante. “Eu geralmente não discu-to”, diz, sempre de olhar alerta. Ao primeiro contacto percebe-se que es-tamos perante uma observadora nata. “Há trinta anos discutia. Tinha trinta anos de idade e as coisas feriam mui-to mais. Tinha de se tomar atitudes que pesavam – porque achávamos que íamos mudar o mundo. Não é que não fosse bem disposta, mas era menos calada”.

Sexagenária, conhece bem a gera-ção que descreve em “Bute Daí, Zé!”. São um pouco mais novos que ela, mas ela nunca lhes perdeu o rasto e desde que eles começaram a movi-mentar-se de forma vagamente polí-tica, foi-lhes sempre deitando o olho.

Como sexagenária ganhou também direito a olhar para o país com distân-cia e dizer: “Somos pobrezinhos e temos muita história. Somos como aquelas famílias antigas arruinadas

com uns penachos a fazer de conta que está tudo bem. O que nos impede de nos olharmos com sentido críti-co”.

E sendo sexagenária, viveu uma época em que “a maneira de dizer as coisas era por sinais”, em que “se amuava em vez de sorrir”, em que “não se exteriorizava, excepto num círculo de muita confiança”. Podemos dizer que trinta anos depois essa vi-gilância é transposta para a estrutura do livro, em que o narrador afirma muito pouco acerca daquelas pessoas, apenas oferece sinais.

Mas para que o livro fosse eficaz era preciso retratar uma época com pre-cisão, sabendo tudo o que aconteceu e filtrando a informação essencial, de modo “a não maçar o leitor”, porque, ao fim e ao cabo, ela não está “a dar aulas de história”.

E aí entra a ex-profissão de Marona Beja: durante muito anos foi uma es-pécie de técnica de documentação científica.

“Comecei no Ministério das Obras Públicas em 1970”. Estava no depar-tamento de Arquitectura e Constru-ção Escolar e cabia-lhe “procurar as soluções com provas dadas na maté-ria de modo a serem aplicadas no que se ia fazer”: “dos materiais de cons-trução à melhor forma de fazer orça-mentos” ela recolhia dados e molda-va-os sob a forma de guias para o resto do país seguir. Na altura, aquilo era “um mundo a que os arquitectos não acediam nem queriam saber”.

Organizou a biblioteca do departa-mento, especializada em soluções de engenharia, qualquer coisa como “se-te mil volumes de soluções”. “Metade da minha carreira foi organizar regis-tos e fazer trabalhos sobre isso”, con-ta.

Esse trabalho não foi em vão: hoje serve-lhe na escrita dos romances. “Não há pior do que não saber sobre o que se vai escrever. Eu tenho de me informar o mais possível, de saber tudo o que for possível sobre o que quero escrever, de modo a decidir o que é ou não fundamental para a his-tória”.

Faz “sempre trabalho de recolha”: “É do que mais gosto, informar-me”. Para “Bute Daí, Zé!” leu “os jornais todos do século XX” de uma ponta a

“Somos como aquelas famílias antigas arruinadas com uns penachos a fazer de conta que está tudo bem. O que nos impede de nos olharmos com sentido crítico”

A revolução faz-se aos sessenta

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Retrato de um grupo de rapaziada antes e depois do 25 de Abril. “Bute Daí, Zé!”, de Filomena Marona Beja,

está cheio de burgueses que se tornam proletários, humor

e tragédia. João Bonifácio

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Ípsilon • Sexta-feira 30 Abril 2010 • 15

Liv

ros outra “várias vezes”. Aliás, na maior

parte dos casos, “já os tinha lido”. “Passo a vida em hemerotecas. Dá-me imenso gozo. Venho de lá muito feliz”, diz, no seu habitual humor mínimo.

Para que se perceba o cuidado com o detalhe que se impõe a si mesma, conta que aquando da escrita de “A Cova do Lagarto”, que tem como per-sonagem Duarte Pacheco, convenceu a Escola Militar Naval a deixarem-na inscrever-se num curso sobre Duarte Pacheco, mesmo sendo um curso ape-nas para os membros da Escola.

“Fui ensinada a gostar de História”, diz, antes de pôr os pontos nos is: “Mas não faço romances históricos. O que lhe interessa, deixa claro, “é saber que o que se passa hoje veio de algum lado”.

O estado das coisasPor estranho que pareça, o que espo-letou um romance que acompanha uma geração durante três décadas não foi uma recordação do passado ou qualquer forma de nostalgia.

“Foi a situação em que estamos: o pós-hormonas que nos deixou narco-tizados”, lança, consciente da força da frase.

“O livro é isto e o Zé é cada um de nós”, diz, mesmo sabendo que o Zé do seu livro existiu e chamava-se mes-mo Zé.

O caso do Zé, personagem central do romance que é tão central quanto mais meia-dúzia delas, aconteceu a muito boa gente na época: “Era filho

de um comerciante de hortaliças e não queria ser comerciante de horta-liças. Por isso recusou ir para a Esco-la Comercial e foi procurar trabalho numa fábrica em Mem Martins”.

Filomena conhecia “uma senhora que trabalhava lá e que conhecia o Zé”. Achou-o “paradigmático dessa época”. “Ele tinha pouca instrução, mas fazia teatro, era generoso, e es-tava cheio de convicções. Era muito convincente a levantar a voz e isso tornou-o marcado pelos skins”.

Como o Zé as outras personagens do livro passam o pré-25 de Abril sem saber bem para onde ir, mas a não ir para onde os pais queriam que fossem – mesmo que no fim alguns acabem tão burgueses quanto eram à parti-da.

“Houve uma grande faixa dessa gente que se proletarizou porque pen-sava que era no meio operário que podia levar avante as suas ideias po-líticas”. Uma pausa e... “E houve uns tantos que se mantiveram na sai”.

Nisso o livro tem o mérito de mos-trar como já antes do 25 de Abril a mistura inter-classista era maior em Portugal do que hoje supomos. (Tal-vez só “A Noite e o Riso”, de Bragança e “A Explicação dos Pássaros”, de Lo-bo Antunes, o mostrem tão bem, mes-mo que nestes casos o propósito não seja tão explícito. Perguntamos-lhe se esta geração era mais misturada do que a que surge em “Alexandra Al-pha” de Cardoso Pires: “Isso era bur-guesia caviar. E menos sincera”.)

Uma boa parte do que surge no li-vro vem da experiência pessoal de Marona Beja ou do que ela observou mesmo à sua frente.

Duas das personagens femininas partem à descoberta do “país real”. E ela, não tendo partido à descoberta do país real, também deu os seus pas-seios. “Nunca achei que a província era a melhor coisa do mundo, mas íamos de mochila às costas e a beber do cantil. Queríamos saber o que era aquela realidade”.

A realidade, conta-a em forma de graça. Uma das vezes que foi para o interior, uma velhinha interpelou-a e perguntou-lhe o que andava por ali a fazer. Filomena explicou que estava de férias e queria conhecer a zona. A velhinha respondeu-lhe: “Quanto me haveriam de dar para de férias andar a pé por estes caminhos do Demo”.

Belmira, a operário do livro, é uma de muitas Belmiras que Marona Beja conheceu. “Cresci em frente às fábri-cas de borracha. Vi-a como aquelas mulheres trabalhavam sábado todo o dia. Vi-a como um chicharro lhes dava para a semana toda. Quando as fábricas fecharam, isso foi muito sé-rio”.

Toda essa gente, no livro, encontra-se no café Sanzala para congeminar – o café existiu, mas o que importava para o romance, diz Marona Beja, era que o nome do café fosse africano porque naquela altura, como qual-quer português com menos de 40 anos saberá, “havia imensos cafés com nomes africanos, isto enquanto havia uma guerra colonial em mar-cha”. Anos a fio o grupo procura ou-tro local para as suas actividades e encontra-o numa casa, a casa das Pal-meiras, que ocupa – pormenor real. A passagem em que os herdeiros da casa, já filhos de filhos de filhos dos primeiros proprietários e espalhados

por muitos países, se tentam livrar da casa e lá legitimam a situação só para não se chatearem, é hilariantemente portuguesa.

“Conheço muito bem a casa das Palmeiras. Vi-a por dentro antes das obras, conheço o espaço, a solução das canalizações, etc”.

E no entanto, o livro perde pouco tempo com descrições do que quer que seja, Marona gosta de definir o que tem a definir com duas pincela-das, como o bom velho Tolstoi.

“Há descrições”, contrapõe. “O que não há é adjectivos”. “Os adjectivos são juízos de valor. Não melhoram a escrita”.

Não é só adjectivos que não há. Também não há psicologia das per-sonagens. “Psicologizar era uma coi-sa de um tipo de romance que eu acho que já passou. Porque é que te-mos de ir impor uma ordem à cabeça das personagens? Se escrevermos o que elas fazem, quais as suas inten-ções e quais as consequências dos seus actos, está tudo lá”. Até porque “as personagens são tramadas. Nem sequer consigo pô-las a pensar como eu”, diz, e parece-nos ver um ponto de exclamação no fim da frase.

Para rematar atira: “Já não se pode escrever romances como no século XIX” – e há algo de bonito nisto de ver que uma mulher de 60 anos arrisca mais à medida que o tempo passa.

Falamos de questões técnicas, do esforço a que ela obriga o leitor com as suas mudanças temporais, e Maro-na faz de conta que não se interessa muito por estas questões. Desmerece-as com um comentário assassino: “Isto não é o pronto-a-ler”.

Ela tem razão. Não é o pronto-a-ler. Há demasiada vida ali para isso. É, talvez, o pronto-a-viver.

Ver crítica de livros págs. 51 e segs

“Metade da minha carreira foi organizar registos”; esse trabalho não foi em vão: hoje serve-lhe na escrita dos romances RUFUS

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“Os livros de Stieg La a tragédia da minh

Eva Gabrielsson viveu 32 anos com Stieg Larsson mas não a subir as escadas, longe de imaginar o sucesso gigantesco

Em entrevista ao Ípsilon, a mulher que o viu escrever mudou a vida dela, para o bem e para o mal. Isabel

Passaram quase seis anos desde a morte do jornalista e escritor sueco Stieg Larsson, autor da série Millennium, e aquela que foi a sua companheira por 32 anos, Eva Gabrielsson, continua a lutar por aquilo que perdeu.

Conheceu Stieg em 1972 e não se largaram mais.

Nunca se casaram por-que ele recebia frequen-temente ameaças de morte de grupos de

extrema-direita por causa do seu trabalho como jorna-

lista na revista “Expo”. Quando morreu com um ataque cardíaco,

com 50 anos, ao subir as escadas num dia em que o elevador estava avaria-do, Eva não teve direito a nada. O pai e o irmão de Larsson eram os únicos herdeiros à luz da lei sueca, que al-guns consideram obsoleta e que Eva quer mudar. Agora vai publicar dois livros: um na Suécia, já este mês, so-bre outros casos como o seu, e outro, a sair em França no Outono, sobre o que viveu depois da morte de Stieg Larsson.Como descreveria Stieg Larsson?

Era um homem muito inteligente e extremamente divertido, mes-

mo quando escrevia sobre assuntos sérios, como a

extrema-direita. Era gene-roso, atencioso e dispo-

nível, e muito popular entre homens e mu-

lheres. Um “natural born leader”.

O que sentiu quando viu o primeiro volume da série Millennium, já depois da morte de Stieg? Fiquei em estado de choque. Não sa-bia quando ia ser publicado, ninguém me informou. Vi um monte de livros expostos e tive de sair dali. Não aguen-tei. Aconteceu-me o mesmo nos Ve-rões seguintes; via os novos volumes à distância e reconhecia-os. Era como se estivesse a ver uma cobra. Uma re-vista francesa quis tirar-me uma foto-grafia a segurar nos livros e eu disse que não conseguia. São o símbolo da tragédia da minha vida.Diz que em Espanha, em Itália e em França se discute o sentido de Millennium mas na Suécia não. Porquê?Não se interessam por debater a situ-ação da mulher, a situação da impren-sa, a corrupção e a maneira como as empresas se comportam. O natural era que isso fosse discutido: está tão presente nos livros. Mas não levou a nenhum debate na Suécia. Só falavam de Stieg. Queriam saber quantos ci-garros fumava, se punha leite no café, quantas horas dormia. Ninguém que-ria saber do que era importante. Fi-quei muito surpreendida por Espanha se mostrar tão atenta. Há um profes-sor de jornalismo em Barcelona que vai usar os livros nas aulas para mos-trar como os media devem trabalhar e o Observatório Espanhol contra a Violência Doméstica e de Género atribuiu-lhe um prémio póstumo. Se calhar é mais fácil ver as coisas de fo-ra. Quando acontece connosco passa a ser normal.Stieg Larsson preocupava-se mais com os temas do que com as personagens?Os temas surgiram primeiro. Temas sociais: as mulheres, a violência, a corrupção, os juízes, o que os políti-cos podem fazer. O poder que a polí-tica dá mas também o poder dos in-divíduos para mudarem as circuns-tâncias da sua e de outras vidas. Há muita esperança também.Ter assistido a uma violação quando era novo foi marcante para a luta de Stieg pelos direitos das mulheres?Sou a única pessoa a quem Stieg con-tou isso: queria mostrar-me porque era tão empenhado contra a discrimi-nação e a violência sobre as mulheres. Foi essa força interior que fez com que fosse tão persuasivo nesta luta. Não se tratava de uma agenda políti-ca, era uma coisa pessoal.Para criar Lisbeth Salander, ele inspirou-se nas personagens de Astrid Lindgren?

Sim, na Pipi das Meias Altas, que é uma miúda. Mas o que aconteceria se fosse uma jovem mulher? O que pen-saríamos dela? Continuaríamos a gos-tar dela? É um ponto de partida. Mas a Lisbeth Salander não é a Pipi das Meias Altas. A Pipi não é um “role mo-del” para Lisbeth. Foi só o clique.Lisbeth atrai pessoas por todo o mundo. Por que razão?É honesta. Rege-se por princípios fir-mes e luta por eles. Fá-lo contra po-deres, contra a polícia e contra os psiquiatras. Contra o tutor, contra o pai, contra toda a gente. É o “under-dog” e não desiste. Parece que é disso que as pessoas estão à procura: de alguém que não desista.Supera-se a si própria.É um super-herói, mas ao mesmo tempo é tão frágil, tão pequena... Tem tudo contra ela mas não desiste. Mostra-nos que podemos fazer coisas mesmo quando temos tudo contra nós. É uma celebração das capacida-des do ser humano. Essa era uma das características do Stieg, ele via essa vontade de fazer alguma coisa de bom em toda a gente. É um reflexo do que ele era e da maneira como via a vida.A personagem Mikael Blomqvist é um alter-ego?Não. Mikael e Stieg partilham os mes-mos princípios sobre o que deve ser o papel dos media (proteger as fontes, verificar factos e não colaborar com a polícia a não ser que se trate de uma investigação criminal). Mas só isso. Viu os filmes?Não dou dinheiro a esta indústria Mil-lennium, e é por isso que também não compro os livros. Vi o primeiro por-que me ofereceram. Está construído como um filme de acção e não reco-nheço nenhuma das personagens a não ser a Lisbeth Salander. Não reco-nheço Mikael Blomqvist e a persona-gem mais importante na vida dele, a Erika Berger, quase não existe. Vi o terceiro filme de graça numa an-testreia e a série que está a pas-sar na televisão sueca. Estou a gostar, comecei a reconhecer as personagens dos livros, mas não passará nos cine-mas.Quando estava a escrever os livros, Stieg mostrava-lhe o que ia escrevendo ou preferia que só lesse no fim?[suspiro] Eu tentava não perturbar o seu processo criativo. Porque via que aquilo era uma coisa que ocu-pava a sua mente de uma for-

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Passaram quase seis anos desde aa aa morte do jornalista e escritor sssuss eco Stieg Larsson, autor da ssérie Millennium, e aquela que foi a sua companheira por 32 anos, Eva Gabrielsson, continua a lutar por aquilo que perdeu.

Conheceu Stieg em 1972 e não se largaram mais.

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extrema-direita por causa do seu trabalho como jorna-

lista na revista “Expo”. Quando morreu com um ataque cardíaco,

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Era um homem muito inteligente e extremamente divertido, mes-

mo quando escrevia sobre assuntos sérios, como a

extrema-direita. Era gene-roso, atencioso e dispo-

nível, e muito popular entre homens e mu-

lheres. Um “natural born leader”.

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Eva Gabrielsson prepara um livro que põe em causa o direito sucessório sueco: por não ser casada com Stieg Larsson, apesar de ter vivido 32 anos com ele, perdeu tudo quando o escritor morreu subitamente

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Ípsilon • Sexta-feira 30 Abril 2010 • 17

Larsson sãonha vida”

teve direito a nada quando ele morreu dos três livros que tinha completado.

r explica como a trilogia Millennium l Coutinho, em Estocolmo

ma intensa. Mas Stieg ora estava den-tro daquilo, ora estava fora. E queria discutir. Queria que eu lesse o tempo todo. Às vezes dizia-lhe: “Não tenho tempo.” E ele insistia: “Mas tens de ler.” Não era aquele tipo de escritor que se fecha atrás de uma porta e apa-rece um ano ou dois depois com um livro escrito.Escrevia em casa?Na sala de estar. Ficava estendido de um lado do sofá com o computador

no colo e eu ficava do outro, a fazer as minhas coisas. Estávamos tão perto quanto isso. Ele não po-dia guardar o que estava a fazer para ele.A Eva também escreve?

Quando Stieg escrevia [a série] Millennium, eu

trabalhava num manuscrito so-

bre o desen-volvimento de Estocol-mo no início do século XX. Cheguei a escrever dois capí-tulos e dei-xei-os com um editor.

Quando ele morreu não

consegui aca-bá-lo. Stieg era

muito espontâneo

a escrever, não havia um grande pla-neamento. Era-lhe fácil escrever aque-les livros, acho. Não era preciso fazer muita pesquisa, já estava feita.É verdade que foi a Eva a entregar o manuscrito à primeira editora, a Piratförlaget, que o rejeitou?Não o chegaram a ler. Disseram que queriam ver o manuscrito, por isso Stieg enviou-o pelo correio mas o pa-cote foi devolvido meses depois. A morada estava correcta, nunca che-garam a ir levantá-lo aos correios. Stieg telefonou-lhes a perguntar se não queriam ler, voltaram a dizer: “Claro que sim”. Então peguei no ma-nuscrito e perguntei: “Qual é o ende-reço? Vou entregar-lhes o livro em mãos.” Fui lá, deixei o livro com uma jovem, voltei para casa e disse: “Mis-são cumprida, pacote entregue.”O que aconteceu então?Passaram-se semanas, meses e nada. Stieg telefonou-lhes outra vez: “Já o leram? Querem publicá-lo?” Respon-deram que não. Então fui lá buscá-lo porque obviamente havia algum pro-blema. Trouxe o manuscrito, que fi-cou pousado na nossa sala. Entretan-to tínhamos outras coisas para fa-zer.Decidiram depois enviar o manuscrito para outra editora?Não. Na verdade foi o editor da revis-ta “Expo” que o levou para a Norste-dts. Quatro meses depois, no final de Abril de 2004, decidiram publicar. O contrato foi assinado para três li-vros.Quando se termina a leitura do terceiro volume, a história fecha, de certa maneira.Stieg queria escrever dez livros mas não tinha planos sobre o que é que eles seriam...É verdade que existe um quarto manuscrito que está num computador em sua posse?Não está comigo. Não é um livro com-pleto. Penso que tem cerca de 200 páginas. Era suposto que os livros ti-vessem cerca de 600 páginas, por isso ainda faltava muito para estar completo. Não há nenhum interesse em publicá-lo assim. Ofereci-me para o acabar e a família disse que não.Neste mês publica um livro em que analisa a lei sueca e os direitos de homens e mulheres que vivem juntos. O que a levou a querer escrevê-lo?Falei com pessoas que estavam na mesma situação que eu - há outros casos horríveis – e quero mudar a lei. É injusto o que me aconteceu. Quan-do Stieg morreu, perdi tudo. Não ti-nha direitos por não ser casada

“Fiquei em estado de choque [quando vi o primeiro volume da série Millennium]. Não sabia quando ia ser publicado, ninguém me informou. Vi um monte de livros expostos e tive de sair dali. Era como se estivesse a ver uma cobra”

Stieg Larsson morreu aos 50 anos, de ataque cardíaco: foi postumamente que a série Millennium se tornou um sucesso planetário

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18 • Sexta-feira 30 Abril 2010 • Ípsilon

com ele. Metade do nosso aparta-mento pertencia-me mas os herdei-ros, o pai e o irmão de Stieg, ficaram com a outra metade. Queriam que eu lhes desse o computador do Stieg em troca da outra parte da casa. Disse-lhes que não, que era contra a cons-tituição e contra a liberdade de im-prensa. O computador contém fontes, informações que não devem ser pú-blicas. Esperei três anos para que dis-sessem: “Então queremos o dinheiro da nossa parte em vez do computa-dor.” Tive de vender o apartamento porque não podia ir outra vez ao ban-co pedir um empréstimo. Não podia suportar os encargos.Está a decorrer um processo no tribunal?A lei está tão mal escrita que não pos-so ir a tribunal. Não havendo um tes-tamento, perde-se tudo.Então o que está a tentar fazer?Estou a tentar negociar através de ad-vogados para conseguir uma solução. Posso recorrer a tribunal através da lei dos direitos imateriais por termos trabalhado juntos, em co-autoria. Mas o meu advogado disse-me que seria um processo longo e extremamente caro. Não tenho dinheiro. Porque é que não colocaram referências a essa colaboração nas obras? Não falaram sobre isso na altura?Não, não falámos. Nunca aparecía-mos em público com os nossos nomes lado a lado. Era normal. Por causa do medo de que ele pudesse ser assassi-nado ou relacionado comigo. Stieg precisava de ter um lugar seguro, pre-cisava de pelo menos ter uma morada

que fosse secreta, onde ninguém lhe pudesse tocar. Durante as negociações os herdeiros ofereceram-lhe dinheiro. Porque é que não aceitou?Eles foram para os jornais dizer isso, mas nunca contactaram o meu advo-gado. É propaganda para mostrar que são boas pessoas. Estavam a negociar com Hollywood e precisavam de mos-trar que tentavam resolver as coisas. O meu advogado não percebe, eu não percebo. O que é que eles estão a fa-zer? Eu sempre disse que queria ter o direito legal de controlar como os livros são traduzidos, são adaptados ao cinema, e que queria dinheiro pa-ra fazer esse trabalho. É o que anda-mos a tentar negociar ao longo destes anos. Que eu tenha uma palavra a di-zer sobre as mudanças que já foram feitas nos livros. Não estão interessa-dos porque isto vai contra interesses instalados.Em Janeiro, na Suécia, foi publicado o livro do jornalista Kurdo Baksi (“Meu amigo Stieg Larsson”) e há agora quem duvide que Stieg tenha escrito os livros sozinho. Dizem que era bom a investigar mas não a escrever. Como vê isto?Um amigo?! Não sei. Talvez as pessoas estejam com ciúmes de Stieg. Não su-portavam que Stieg fosse popular e respeitado como jornalista e investiga-dor especialista em questões de racis-mo. Stieg conhecia pessoas importan-tes, era um especialista ouvido pelo Ministério da Justiça, e acho que agora que está morto a inveja aparece.

Está a escrever um livro sobre Stieg Larsson. Vai ser publicado em França, no Outono?Não é sobre o Stieg, é sobre o que aconteceu depois de ele morrer. Nes-sa altura comecei a escrever um diário – tive que o fazer, ou ficava maluca e esquecia-me de tudo o que me estava a acontecer. Uma das minhas irmãs aconselhou-me a fazê-lo. É a base do livro. Mais tarde encontrei um editor.Acabou por ser em França porque uma amiga minha que tem um apar-tamento na Riviera levou-me lá para eu conhecer editores franceses. Acre-ditava que tinham mais qualidade do que os suecos. E tinha razão.

O PÚBLICO viajou a convite do Minis-tério dos Negócios Estrangeiros sueco

A viúva de Stieg Larsson não se revê no que foi feito da série Millennium após a morte do companheiro: “Não dou dinheiro a esta indústria Millennium, e é por isso que também não compro os livros”

“Nunca aparecíamos em público com os nossos nomes lado a lado. Por causa do medo de que ele pudesse ser assassinado. Stieg precisava de ter um lugar seguro, onde ninguém lhe pudesse tocar”

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20 • Sexta-feira 30 Abril 2010 • Ípsilon

Um dia, ao perceber que a filha saía da casa da família para correr atrás do amor, o mítico sambista brasileiro Cartola escreveu estes versos: “Pres-te atenção, querida/ De cada amor tu herdarás só o cinismo/ Quando nota-res, estás à beira do abismo/ Abismo que cavaste com teus pés.” O jorna-lista Arthur Dapieve (Rio Janeiro, 1963), um dos críticos musicais mais importantes do Brasil, autor de pro-gramas na televisão e de ensaios sobre a história do rock, guardou estes ver-sos na algibeira até precisar de encon-trar um título para o seu primeiro romance. “De cada amor tu herdarás só o cinismo” arranca na noite de um concerto dos R.E.M. no Rio de Janei-ro, quando Bernardino, um publici-tário bem-sucedido de meia-idade avançada, se cruza com Adelaide, uma quase adolescente com cheiro a cabelo lavado.

Um dia, outro dia, também no Rio de Janeiro, Arthur vai a caminho da universidade onde dá aulas de jorna-lismo e tenta romper entre a multidão que se aglomerava em dia de peregri-nação junto à igreja de São Judas Ta-deu. Há ruído, confusão, é fácil al-guém desaparecer. É aí que arranca “Black Music”, o seu segundo roman-ce. Nele, um adolescente rico, preto e que gosta de jazz é raptado por um branco do morro que gosta de rap e tem uma namorada capaz de matar pelo amor ao (baile) funk, versão ca-rioca.

No princípio era a músicaVínhamos com os ouvidos (não com os olhos) entupidos de ler quando nos sentámos frente a Arthur, na impro-vável cidade de Matosinhos. O Festival LeV - Literatura em Viagem faz destes milagres. “A música é o meu cartão-de-visita, é por causa dela que as pes-soas me conhecem. Por isso era im-possível conceber os meus romances sem esse arranque. Embora eu depois tente que ela desapareça, fique ape-nas em fundo cedendo o lugar à cons-trução literária, para voltar nos mo-mentos de grande clímax. Mas eu tenho sempre a sensação de ter um ouvinte do outro lado dos meus livros. Por isso não resisto a uma frase que soe bonito e adoce o ouvido interno do ouvinte”, confirma o escritor.

Em “Black music”, Dapieve é quase compositor: He-man, o raptor do morro, expressa-se através de um lon-go rap que, com as suas 30 páginas, ocupa um terço do romance: “Eu não sou Beastie Boy, eu não sou Eminem/ Eu não sou herói, mas eu sou o He-man.” Não foi um mero exercício de estilo: “Tinha de ser longo para não ser irrelevante, mas não se podia ar-rastar para não ser enfadonho. Ao assumir que cada parte do livro ex-pressaria o ponto de vista de um dos protagonistas, resolvi esticar os limi-tes da linguagem colando o rap ao personagem. Não é um romance de tese sobre a violência nem sobre a adolescência. O que eu quis deixar bem vincado foi que sim, há racismo no Brasil, ao contrário do que se quer fazer crer. Daí baralhar um pouco o senso-comum: o rico é o negro, o po-bre é o branco, o rapper”, explica Arthur.

O rap, continua, não nasceu no Bra-sil. Mas, a partir do momento em que parte da população o assimila como seu, ele é naquele momento tão bra-sileiro como o samba: “Há pouco tem-po o sambista Leo Sapucahy fundiu num tema o samba e o rap e não o queriam deixar apresentar-se ao vivo

na Lapa [reduto do samba no Rio de Janeiro]. O Brasil está muito chato, com essa mania de alguns grupos se agarrarem a uma tradição que muitas vezes só existe na cabeça deles e que rejeita estes cortes. Nunca nos deve-ríamos esquecer que uma geração faz música para entrar em ruptura com a anterior. A música e o futebol são dos únicos ascensores sociais que ain-da vão funcionando.”

A vida com banda sonoraMas saltemos dos morros da “Black Music” que, como vimos, pode ser feita por brancos para a zona Sul da cidade. A que enche os festivais de rock para gente bem comportada. Em “De cada amor tu herdarás só o cinis-mo”, Bernardino carrega nos genes a arqueologia do rock. Quando Neil Young lhe canta “I still can´t remem-ber how or when I lost my way… lost my way…”, quase chora encostado ao ombro de uma namorada que quer esquecer que tem idade para ser sua filha. A orquestração nestas páginas do romance é quase perfeita. Pres-sentimos que Dapieve é dos que acre-ditam que a vida vem com banda so-nora: “A gente orquestra a nossa exis-tência. Precisamos disso. Depois cabe

A lerArthur Dapieve

também se ouve“De cada amor tu herdarás só o cinismo” e “Black Music”, os dois romances

do escritor brasileiro que por cá foram publicados pela Quetzal, fi cam a ecoar na cabeça, tanta é a música que trazem lá dentro. Rui Lagartinho

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“Nunca nos deveríamos esquecerque uma geração fazmúsica para entrar em ruptura com a anterior. A música e o futebol são dos únicos ascensores sociais que ainda vão funcionando”

ao romancista saber traduzir esses bocados de vida em sons e palavras. Ajuda ter bom gosto musical.”

Para um amor separado por gera-ções esperávamos um fim dramático. Ainda por cima na história do rock não faltam fins trágicos. Adelaide escapa-se mas Bernardino salva-se. Arthur não o quis suicidário: “Achei que não tinha esse direito. Deixei–lhe a vida aberta à frente do leitor. Dei-lhe o direito de voltar para casa e curar-se do mal dos amores a escutar, na sua velha vitrola, um tema de Leonard Cohen ou de Nick Cave.”

Como esta parte não está escrita, permitimo-nos duvidar da terapia.

Falta desvendar que Dapieve é um romântico, e que a sua música prefe-rida (aliás: dele e da mulher) é uma valsa do argentino Fito Paez, “Un ves-tido y un amor” (aparece discreta no romance), um tema que Caetano Ve-loso cantou, fez seu, e que Paez por causa disso voltou a gravar, donde se prova que fusões a quente são sempre boas.

Lá em casa, Arthur Dapieve arru-mou a guitarra, a bateria e agora pra-tica saxofone. Aprender a escrever romances não foi tão lento, nem tão difícil.

Arthur Dapieve tornou-se conhecido como jornalista e

crítico musical: “Tenho sempre a sensação de ter um ouvinte do

outro lado dos meus livros”

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22 • Sexta-feira 30 Abril 2010 • Ípsilon

Chamar-lhe o quê? Dramaturgo, actor, romancista, cartoonista? Encaixá-lo onde? Contra-cultura dos anos 70, bo-émia intelectual de Paris, arte engaja-da, estética “queer”? Em rigor, tudo vale para Copi, pseudónimo de Raúl Damonte Botana, nascido em Buenos Aires em 1939, exilado em Paris a par-tir de 1962, vítima da sida em 1987. “Tão poderoso, tão magnífico, tão trá-gico, tão desgarrado, tão tremendo, a desmesura”, escreveu sobre ele o jor-nalista argentino José Tcherkaski. Ago-ra que as suas obras começam a ser reeditadas em Portugal e em Espanha, é como se houvesse uma nova opor-tunidade para descobrir um criador incontornável da segunda metade do século XX. Um criador que, por ter querido circular nas margens, e por aí se ter forjado, conseguiu ser reco-nhecido pelas elites intelectuais mas nunca se tornou um nome familiar para o grande público.

Não é uma febre editorial, mas para lá caminha. Em Portugal, foram pu-blicadas em Janeiro cinco das suas peças, em duas edições distintas: “Uma Visita Inoportuna”, pela Livros de Areia, e “O Homossexual ou a Difi-culdade em Exprimir-se e Outros Tex-tos”, na colecção Livrinhos de Teatro. Em 2011, ou 2012, deverão sair, nesta

Liv

ros mesma colecção, mais três peças: “As

Quatro Gémeas”, “Uma Visita Inopor-tuna” (em tradução alternativa à da Livros de Areia) e “A Noite de Dona Luciana”. Do lado de lá da fronteira, dois romances e dois contos, um dos quais estava inédito, acabam de ser compilados pela Anagrama, de Bar-celona: “Obras (Tomo I)” junta “El Uruguayo”, “La Vida Es Un Tango”, “La Internacional Argentina” e “Río de La Plata”. O segundo tomo está pensado para 2011, informa a editora, e incluirá os textos “El Baile de Las Locas”, “Las Viejas Travestís” e “Vir-ginia Woolf Ataca de Nuevo”.

O “freak” como obsessãoAo que explica a escritora argentina María Moreno no prólogo de “Obras (Tomo I)”, Raúl Damonte Botana as-sinava como Copi porque adoptou o apodo que a avó materna lhe dispen-sava em pequeno, como forma de censura aos modos pouco varonis do neto. Salvadora Onrubia, essa avó, escritora e militante anarquista, mu-lher fria e brutal, virá a ser parcial-mente responsável pela heterodoxia de Copi, pelo seu desejo de flutuar entre identidades sem se agarrar a nenhuma. O que aliás conseguiu com grande eficácia.

“A produção artística de Copi dá-nos conta de uma série de tensões entre a arte e o género, entre a cultu-ra de massas e a cultura popular e entre linguagem e estética, pelo que a sua obra resiste a classificações”, escreveu a ensaísta Laura Vázquez, no ano passado, no Boletín de Estéti-ca do Centro de Investigaciones Filo-sóficas de Buenos Aires. “A sua pro-dução não é exclusivamente teatral, literária ou ‘historietística’ [relativo à banda desenhada argentina], antes circula num ‘continuum’ permanente e dialético. É útil não nos determos em nenhuma destas facetas”, con-clui.

Ainda assim, será fácil identificar Copi como pioneiro da arte “queer”, numa época em que o termo inglês “queer” (“maricas” ou “esquisito”) era ainda insultuoso e não tinha ganhado a carga contra-ideológica que o faz hoje designar identidades sexuais não normativas, pessoas que se recusam a ser categorizadas e escolhem situar-se nas fronteiras dos géneros e das sexualidades. “Uma das razões da grandeza de Copi, e do desdém com que, até agora, a sua obra tem sido tratada entre nós [argentinos], tem seguramente a ver com a violência com que irrompe na cena mundial

para propor uma ética e uma estética trans: transexual, pós-nacional, pós-linguística”, explicava o crítico literá-rio Daniel Link, em 2008, no blogue “Linkillo (Cosas Mías)”.

Essa perspectiva é confirmada pelo actor e encenador Luís Castro, do gru-po Karnart, que associa o cunho “que-er” da produção de Copi ao movimen-to de contra-cultura dos anos 60 e 70. “Interessa-me o lado de intervenção social que as suas peças carregam e as personagens consistentes que pro-porciona aos actores”, diz. Castro tra-duziu “O Homossexual Ou a Dificul-dade em Exprimir-se” e levou-a a cena em 2005 e 2007; em 2008, montou, também em Lisboa, “A Torre de La Défense”, em 2008. Que sensação lhe deixaram esses textos? “A sensação de ter partilhado com um autor inter-ventivo preocupações éticas de enor-me importância e de ter projectado no público verdades, mesmo se am-bíguas e metafóricas, carregadas de enorme plasticidade e dotadas de uma estética fortíssima.”

Naquelas duas peças, Copi repre-senta, respectivamente, a transexua-lidade e comportamentos sexuais e sociais minoritários. Temas omnipre-sentes em tudo quanto fez. “Tinha uma obsessão temática pela figura do

O regresso

de um autor

tremendoQuase 23 anos depois da morte, Copi reaparece em

Portugal e Espanha, em sucessivas reedições. Há mais livros previstos para 2011. Afi nal, o pioneiro da arte

“queer” não morreu para sempre. Bruno Horta

É em Paris que Copi se torna dramaturgo e actor,

travestindo-se em peças absurdas e beliscando tudo,

até o mito Eva Perón

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Ípsilon • Sexta-feira 30 Abril 2010 • 23

‘freak’”, nota o crítico literário Daniel Link, citado no texto de Laura Váz-quez. “O teatro de Copi, como os seus desenhos, sempre foi terrível”, anali-sa o filósofo e escritor francês Guy Hocquenghem (1946-88), num teste-munho incluído na versão portuguesa de “Uma Visita Inoportuna”. Prosse-gue: “Os assassinatos repetidos em ‘As Quatro Gémeas’, o infanticídio em ‘A Torre de Lá Défense’, o monstro des-figurado que se tornou assassino em ‘A Noite da Senhora Luciana’: tantos pesadelos em palco. Mas pesadelos onde a angústia é repentinamente cor-roída por uma gargalhada, pela alegria do ‘gag’.”

De exílio em exílioCopi viveu em Montmartre, juntamen-te com um irmão, numa “casa semi-destruída, com garrafas pelo chão”, descreve José Tcherkaski, em “Habla Copi: Homosexualidad y Creación” (1998). “Bebia até não poder mais, não respeitava nenhum código.” O vício da marijuana era constante, de manhã à noite. À hora das refeições, mal se viam os pratos, tal a fumarada em ca-sa, conta alguém que o conheceu de perto: Jorge Herralde, director da Ana-grama, no livro “Opiniones Mohica-nas” (2001).

Viveu vários exílios. Primeiro, no Uruguai, para onde a família se mudou em 1945, fugindo ao regime de Perón. O pai, Raúl Damonte Taborda, pintor e político, foi homem de confiança do general antes de se tornar anti-pero-nista e alvo a abater. De Montevideu a família foi para Paris, no início dos anos 50. Em 1955, com Perón apeado, regressaram a Buenos Aires. Copi, prometido à nascença como sucessor político do pai (até o nome era igual), tinha outro caminho a fazer. O pai fun-dou o jornal “Tribuna Popular” e ele, ainda adolescente, começou aí como cartoonista. A partir de 1962, novo e

último exílio, em Paris. Tinha 22 anos, fora à capital do mundo passear e ver teatro quando o pai pediu asilo polí-tico à embaixada do Uruguai em Rei-ms. Não voltou a sair de França, a não ser como turista.

Começou por vender desenhos na Pont des Arts, embora tivesse suporte financeiro da família. Por via da ami-zade com um maquetista, passa a co-laborar com a revista de esquerda “Le Nouvel Observateur”, onde assina a tira “La Femme Assise” (A Mulher Sen-tada). Um êxito. Os seus cartoons che-gam ao resto da Europa através, por exemplo, da provocadora revista “Ha-ra Kiri”.

O teatro vem a seguir, quando o fo-tógrafo Martine Barrat para aí o puxa. Adere ao grupo teatral Pánico, onde pontuava a boémia artística: o espa-nhol Fernando Arrabal, o chileno Ale-jandro Jodorowsky, o francês Roland Topor, o argentino Victor García. Tor-na-se actor e traveste-se em peças ab-surdas de circuitos alternativos. Como dramaturgo, dá nas vistas em 1969, com “Eva Perón”, onde a querida Evi-ta dos argentinos é interpretada por um homem em travesti. Recebida co-mo um insulto à memória de Evita, a peça impede Copi, mais por medo do que por proibição, de regressar à Ar-gentina até aos anos 80.

De resto, não foi só em Paris que “Eva Perón” causou problemas. Tam-bém em Portugal, quando Filipe La Féria e Mário Viegas tentaram montar o texto, em 1975, uma ordem do Go-verno provisório de Vasco Gonçalves, alegadamente pressionado pela em-baixada da Argentina, obrigou-os a recuar. Só em 1984, confirmou La Fé-ria ao Ípsilom, é que o encenador con-seguiu apresentar a sua encenação, com Teresa Roby a fazer de Eva Perón, em vez de Mário Viegas. O texto foi publicado nesse ano pela &Etc e há muito que está fora de circulação.

Uma visita assíduaMas voltemos às recentes edições. “Obras (Tomo I)” traz duas novidades: a reedição de novelas esgotadas em Espanha há muitos anos e a inclusão do inédito “Río de la Plata”, conto au-tobiográfico incompleto, de 1984, que não só nunca tinha sido traduzido pa-ra espanhol como estava por publicar no francês original. Também ali anda “El Uruguayo”, de 1972, publicado pela primeira vez em Espanha em 1978, numa tradução de Enrique Vila-Matas, à época exilado em Paris.

“Uma Visita Inoportuna”, com tra-dução de Jorge Pereirinha Pires, foi editado em Janeiro, pela Livros de Areia, a propósito da encenação feita no Teatro Municipal de Almada por Philip Boulay. Comédia de morte, co-mo na altura a classificou o encenador, última peça de Copi, retratando-se a si mesmo como doente terminal com sida numa cama de hospital. “O Ho-mossexual Ou a Dificuldade em Expri-mir-se e Outros Textos”, por sua vez, foi impresso em Novembro do ano passado. É o 40º título da colecção Livrinhos de Teatro, uma parceria Ar-tistas Unidos/Cotovia. Além da tradu-ção de Luís Castro, inclui as peças “Loretta Strong” (tradução de Luís Caminha), “A Torre de La Défense” (Olinda Gil) e “O Frigorífico” (Isabel Alves).

Uma lista incluída neste último livro permite perceber que Copi tem sido representado com alguma frequência em Portugal: nove vezes em 30 anos, de 1977 a 2007. Além de mais três en-cenações, não incluídas nessa lista, em 2008, 2009 e já este ano. Como explicar esta presença assídua nos palcos, mesmo sendo Copi um desco-nhecido do grande público? “Pela car-ga de força e de ironia que as suas peças contêm”, justifica Luís Castro.

“Uma das razões da grandeza de Copi, e do desdém com que tem sido tratado (...), [é] a violência com que irrompe para propor uma ética e uma estética trans” Daniel Link

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24 • Sexta-feira 30 Abril 2010 • Ípsilon

Sabíamos que em cena ia estar a pri-meira e única investida autobiográfi-ca de Tom Stoppard, o dramaturgo nascido na antiga Checoslováquia e naturalizado inglês que ficou conhe-cido por produzir peças eruditas e surreais sobre problemas filosóficos e políticos com pinceladas satíricas e sarcásticas (ou seja: com uma co-micidade muito própria). Ao som de “I get around” dos Beach Boys, a as cortinas abrem-se e apresentam-nos duas personagens: Max (Pedro Lima), um tipo de postura intelectual e do-minadora, que confronta a esposa Charlotte (São José Correia) com uma mentira descoberta e a possível trai-ção. Mas deixemo-nos de descrições repletas de conjunções coordenativas aditivas.

“Agora A Sério” é a versão portu-guesa da peça stoppardiana “The Real Thing”, traduzida e agora ence-nada por Pedro Mexia na Sala Azul do Teatro Aberto. “Interessa-me mui-to a seriedade das ideias e a leveza com que são apresentadas. Fazer uma peça só ligeira ou só de ideias não me interessaria. A possibilidade de fazer uma peça ligeira de ideias foi uma das coisas que mais me inte-ressou e esta é de longe a peça mais acessível que eu conheço de Sto-ppard”, refere Mexia para justificar

a escolha do texto que marca a sua estreia como encenador.

No cenário de João Mendes Ribeiro – que quando gira promove altera-ções aos ambientes minimalistas que dão dimensão visual a uma peça mui-to literária – encontramos novamen-te Charlotte, desta vez acompanhada por Henry ( João Reis). A figura é pa-recida com a de Max: ambos vestem um colete por cima da camisa e cal-çam elegantes sapatos; se o primeiro tem bigode, no segundo há barba de vários dias. Não percebemos exacta-mente qual das duas personagens, Max ou Henry, retrata Stoppard, até que Charlotte critica as peças e a fal-ta de desembaraço do marido, Hen-ry, que só tem as palavras certas quando se trata de as adaptar à re-presentação, por ter mais tempo pa-ra pensar nelas. “Max é um bom tipo e, como todos os bons tipos, é um bocado pateta. Henry é o sofisticado, mas quando as emoções apertam também não resiste, e gera reacções do mais engraçado”, distingue o en-cenador, antes de partir para a rela-ção da personagem com o dramatur-go: “É, de facto, a primeira vez que fala sobre ele próprio. A vida é muito parecida, e há uma série de egos emocionais, intelectuais e de aproxi-mação aquilo que é na vida real. Po-

rém, não quer dizer que a peça seja estritamente sobre a vida dele”.

Voltando ao palco, Henry e Char-lotte estão de candeias às avessas. Max visita-os acompanhado de Annie (Ana Brandão), com quem mantém uma relação, embora esta ame Henry. O tema de conversa é a escolha de oito discos que tenham acompanhado momentos importantes da vida de Henry, snobe intelectual que não gos-ta de música erudita e de artistas, mas de pop e de singles. Maria Callas, diz, é uma senhora que não entraria no seu top 30 nem com cunhas. Max vê neste mau gosto musical motivo para apelidar Henry de imbecil e junta-se a Charlotte na cozinha.

Percebendo então que estão sozi-nhos, Annie desafia Henry a tocar-lhe e este diz que a ama mas não cede. Já não se representa a infidelidade, co-mo na primeira cena: agora é a vida real, e este é o primeiro de diversos affairs semelhantes que culminam na frase esclarecedora de Charlotte: “Não há compromissos, só arranjos”. Pelo meio, Annie abandona Max para se casar com Henry, que se envolve, nos dois primeiros anos do novo ma-trimónio, com diversas mulheres, levando-a a enrolar-se com o jovem Billy (Nuno Casanovas) para o obrigar a admitir que, tal como todos os hu-

manos, também sente ciúmes. “Ne-gociações amorosas que se reúnem permanentemente e sem direito de veto”, comenta Mexia.

De tradutor a encenador estreante

Na sua estreia como encenador, Pedro Mexia confessa-se admirador de Tom Stoppard, dramaturgo de quem ad-mite sentir-se muito próximo. A ideia desta adaptação surgiu após ter visto “Rock’n’Roll”, último trabalho do dra-maturgo. Na mesma altura, Mexia conheceu João Lourenço, director responsável pela programação do es-paço que agora recebe “Agora A Sé-rio”, e com isso veio o acordo para esta produção: “Disse-lhe que gostava muito de ‘The Real Thing’ e ele res-pondeu que era curioso, porque há muito tempo que andava para a fazer. Ofereci-me para fazer a tradução e a contra-proposta surgiu sob a forma de tradução e encenação”.

O passo seguinte foi a escolha dos actores. De entre nomes provenientes de uma lista e outros resultantes de um casting, saiu o elenco da peça. Mexia recorda particularmente o pro-cesso de selecção de Henry, a perso-nagem principal: “Foi engraçado por-que o João Lourenço disse-me para

escolher quem quisesse. Avancei com alguns nomes, com o João Reis como primeira escolha, mas pensava que não ia aceitar porque, como está ha-bituado a trabalhar com o Ricardo Pais, não iria querer fazer a peça de um estreante. Ele acabou por aceitar, o que foi óptimo. Tem a idade indica-da no guião para a personagem e até tem o cabelinho à Stoppard”.

Ingredientes reunidos, deixemos agora que as cortinas se abram para vermos o controlado intelectual Hen-ry ficar com os cabelos em pé.

Ver agenda de espectáculos pág. 55

Aqui não há compromissos,

só arranjos“Agora a Sério” é a estreia de Pedro Mexia como encenador, no Teatro Aberto. As peripécias da peça

deixam João Reis, o protagonista, com o cabelinho à Tom Stoppard: em pé. Luís Carlos Soares

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“Interessa-me muito a seriedade das ideias e a leveza com que são apresentadas.Fazer uma peça só ligeira ou só de ideias não me interessaria”Pedro Mexia

O sim de João Reis surpreendeu Pedro Mexia, que duvidava que um actor habituado a trabalhar com Ricardo Pais aceitasse entrar na peça de um estreante

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SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPALRUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 [email protected] / T: 213 257 640

BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20HT: 213 257 650; [email protected] À VENDA NA TICKETLINE E NOS LOCAIS HABITUAIS

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Prémio da Crítica2007 da Associação

Portuguesa de Críticos de Teatro

SonoplastiaSÉRGIO MILHANO Desenho de LuzJOSÉ MANUEL RODRIGUES Espaço CénicoRITA ABREU Direcção de ProduçãoPAULA FERNANDES(Primeiros Sintomas)

TextoMARK RAVENHILLTraduçãoANA BIGOTTE VIEIRA Direcção Artística e EncenaçãoGONÇALO AMORIM Adereços e FigurinosANA LIMPINHOMARIA JOÃO CASTELO

InterpretaçãoCARLA MACIELCARLOTO COTTAPEDRO CARMOPEDRO GIL ROMEU COSTAA reposição do espectáculo é uma co-produção SLTM / Primeiros Sintomas

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sessão de autógrafos

das 15:00 às 17:00

sessão de autógrafos

das 15:00 às 17:00

Títulos editados:Feminino Singular, Baunilha e Chocolate, O Jogo da Verdade e, brevemente,Desesperadamente Giulia

Sveva CasatiModignani

Título editado:Os Dias da Febre

sessão de autógrafos

das 15:00 às 17:00

Título editado:O Mar em Casablanca

sessão de autógrafos

das 15:00 às 17:00

Título editado:Paulo Azevedo – Uma Vida Normal (com Sofia Arêde)

sessão de autógrafos

das 15:00 às 17:00

Títulos editados:A Mulher que prendeu a Chuva, O Silêncio, A Árvore das Palavras

apresentação deOlho por Olho

às 15:00

Miffy e Rua Sésamo

das 15:00 às 20:00

Música de Chopinàs 21:00

sessão de autógrafos

às 15:00

degustação de cozinha africana

às 18:00

João Pedro Marques

Francisco José Viegas

Paulo Azevedo

Teolinda Gersão

Títulos editados:O Recruta, O Traficante, Segurança Máxima, O Golpe, A Seita e Olho por Olho

Robert Muchamore

Apresente aos seus filhos algumas das suas mascotes mais queridas. Elas vão conversar, posar e encantar a pequenada.

Mascotes

Título editado:Os Amigos de Lia

Inês de Oliveira

Título editado:Sabores de África

Conceição Santos

Títulos editados:O gato de Uppsala, Nocturno – O Romance de Chopin

Cristina Carvalho

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das 15:00 às 17:00

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das 15:00 às 17:00

Títulos editados:

Uma Longa Viagem com José Saramago,

Uma Longa Viagem com António Lobo Antunes

João Céu e Silva

Título editado:O Arco De Nemrod

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Título editado:Podes pintar os olhos de azul

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Título editado:Os Amigos de Lia

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às 16:00

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das 15:00 às 20:00

sessão de autógrafos

das 15:00 às 17:00

sessãode autógrafos

das 15:00 às 17:00

Teresa Salema

Ricardo Leitão

Inês de Oliveira

Sveva CasatiModignani

Título editado:Poesia de Luís de Camões para Todos

Ana Biscaia

Título editado:O Passado que Seremos

Inês Botelho

Títulos editados:O Recruta, O Traficante, Segurança Máxima, O Golpe, A Seita e Olho por Olho

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30 de Abril |Sex

01 de Maio |Sáb

02 de Maio |Dom

Títulos editados:Feminino Singular, Baunilha e Chocolate, O Jogo da Verdade e, brevemente, Desesperadamente Giulia

Livros, Cultura e Animação

80.ª Edição da Feira do Livro de Lisboa 29 de Abril a 16 de Maio de 2010Parque Eduardo VII

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26 • Sexta-feira 30 Abril 2010 • Ípsilon

Em 2003, Jason Molina resolveu fazer um disco dos Songs:Ohia diferente dos que até aí tinha produzido. Até então a banda era somente um nome sob o qual ele gravava os seus discos, quase sempre sozinho, aqui e ali acompanhado por um ou outro mú-sico. Mas Molina é uma espécie de filho bastardo de Neil Young, e por trás daquela voz de tipo perpetua-mente acossado por infernais dores de barriga escondia-se uma montanha de electricidade à espera de cair dos céus como trovões. O mais lógico, pensou, era montar uma banda a sé-rio: piano, órgão, guitarra slide, co-ros. E assim o fez, com resultados admiráveis.

Lá pelo meio, a surgir em segundo plano nalgumas canções e a encimar um par delas, uma voz que era um fantasma, um farrapo, a subir e a des-cer como se não houvesse escala que a limitasse. De repente o blues – por-que aquilo era blues e o blues era ago-ra – renascia, tão alucinado, tão dori-do, tão solitário como quando se afundara no lodo do Mississipi pela primeira vez.

A voz era de uma tal de Scout Ni-blett e logo ali, desde o primeiro se-gundo, nasceu aquilo a que por pudor chamaremos encantamento. Porque não há coisa assim, já não há coisa assim – esta coragem de pôr as tripas à mostra estando-se miraculosamen-te a borrifar para o que os burguesi-nhos deste mundo acham ai tão feio ai – exibir uma dor verdadeira. (Dis-semos verdadeira. Narcisos aforistas não contam.)

A coisa foi de tal modo violenta que Jason Molina acabou logo ali os Songs:Ohia e montou uma nova ban-da – a que deu o nome do disco que tinha acabado de gravar, “Magnolia Electric Co”. A coisa foi de tal modo violenta que não só fomos à procura de o entrevistar (o que conseguimos, com assinalável insucesso) como fo-mos à procura da discografia dessa tal Niblett. Descobrimo-la clássica, melódica e angélica na sua estreia, “Sweet Heart Fever” (de 2001), rocka-lhona em “I Conjure Series” (2003), zangada, alucinada e suja em “Kidna-pped by Nature” (2005). Em 2007, apaixonada por um dos reis da músi-ca folk americana, produziu “This Fool Can Die Now”, uma obra-prima que a encontrava a resgatar melodias populares, a adicionar cordas a épi-cos, a introduzir flautas nas suas can-ções.

Isto foi o mais perto que Scout Ni-blett, morena que usava uma peruca loira em palco para enfrentar o públi-co, esteve da felicidade.

Porque agora, no início de 2010, ela volta mais violenta do que nunca em “The Calcination of Scout Niblett”: voz, guitarra e uma zanga sem fim. O título é esclarecedor: calcinar é redu-zir a cinzas.

Disco após disco, Scout Niblett vem fazendo uma espécie de catarse da dor e do prazer no onde leva essa auto-análise mais longe. É duro e é belíssimo. Não há outra

A sombra de Scout Niblett é a n

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Ípsilon • Sexta-feira 30 Abril 2010 • 27

Retrato da artista enquanto jovem desmioladaÉ uma frase tão batida e ela diz isto como um segredo: “Acho que os meus discos são pequenas fotografias da minha vida”. Faz um pequeno silên-cio, e avança como quem tacteia o caminho num quarto às escuras: “Quer dizer, eu ouço o meu primeiro disco e sei o que espoletou aquelas canções”. E depois remata, já com voz de cansaço: “Acho que escrevo para, quando no futuro ouvir as canções, perceber o sentido do que vivi”.

Como é óbvio, não há muitas divi-sões entre a Scout Niblett que canta e a que dá entrevistas. Pode sempre perceber-se o estado de espírito dela por um disco e pode sempre contar-se com total honestidade da sua parte numa conversa.

Por exemplo: agora, percebemos, há qualquer coisa a ruminar-lhe em fundo. Qualquer coisa chamada “cal-cinação”, a maior exposição pública que alguma vez fez da sua mente en-quanto quarto com tábuas soltas e pregos enferrujados à espreita.

“Tirei a ideia do título de um livro em que se falava dos processos de al-quimia. Um desses processos era a ‘calcinação’, e usavam como exemplo o período de ridículo em público do William Shatner [actor de “Star Trek”, cuja decadência foi por de mais co-mentada]. Estava tudo a acontecer-lhe à frente de muita gente, o que era embaraçoso. Estava a ter um colapso nervoso em público. Era uma coisa muito revoltada e eu identifiquei-me

com essa imagem. Não tanto com a ideia de exposição pública, mas com o desgaste nervoso”.

Como é visível, a honestidade não é um problema para Scout Niblett. Ela diz: “Não estou a fazer uma crucifica-ção em público. Não me sinto expos-ta por admitir que as canções vêm de um colapso nervoso”.

Para um europeu isto pode soar estranho. Ao fim e ao cabo, este é o disco em que ela diz “É hora de deitar tudo cá para fora”, e ela própria ad-mite que “as canções têm um lado de auto-análise que ainda não acabou”, isto é: as canções são auto-biográficas. Pode soar estranho, dizíamos: nós, os europeus, temos teorias sobre arte; estes anglo-saxónicos têm práticas de vida. Tipos estranhos.

Niblett, solipsista por excelência, tem uma visão curiosa do que é auto-exposição: “Estou exposta quando descubro alguma coisa sobre mim que desconhecia – e isso não depende de o transformar em música ou não. Bas-ta descobrir alguma coisa de mim que desconhecia para me sentir exposta. Mesmo não dizendo a ninguém”.

Não estamos a exagerar quando lhe chamamos solipsista. É ela própria que o diz quando afirma ter “uma ob-sessão com o que acontece” dentro da sua cabeça. Suprema afirmação de solipsismo: “A minha mente é o meu mundo”.

Não é um lugar pacífico, essa men-te. Quando Scout (nascida Emma Lou-ise em Nottingham) era adolescente, esteve internada numa clínica psiqui-átrica por causa de uma depressão. Foi nessa altura que encontrou “um canal de comunicação”: a música. Não foi suficiente para encontrar o equilíbrio que por vezes diz almejar: os amigos descrevem-na como “lou-ca” e não raras vezes os seus concer-tos transformam-se num colapso pú-blico.

Niblett tem, diga-se, um feitio par-ticular: irrita-se “quando alguém é demasiado educado”, desconfia “de pessoas muito simpáticas”, odeia “quando as outras bandas vêm dizer bem dos espectáculos só por corte-sia”. Não é só mau feitio. Há aqui hu-mor: Niblett é fã de Larry David e partilha com ele a mesma irritação pelos “empecilhos sociais”. “Larry David é a minha pessoa preferida no mundo”, diz. Aliás – fiquem sabendo, jovens de mau feitio deste mundo – ela casava com Larry David sem pensar duas vezes. “Eu acho que ele sabe que muitas vezes é irracional nas suas im-plicações, mas isso só o torna mais divertido. E querido”.

Scout Niblett acha Larry David di-vertido: isto, meus meninos, é classe.

Tal como o seu adorado humorista, Niblett é obsesssiva. “Muito”. Até ho-je ainda não percebeu se o seu carác-ter obsessivo é mau ou bom. “Gosto de algumas obsessões que tenho por-

que me tornam intensa e fazem-me ter muito apreço por algumas coisas e por algumas pessoas”. E depois há o outro lado. “Consigo perceber que seja difícil aturar-me, do ponto de vis-ta de quem tem de viver comigo”.

(Imaginem-na só por um segundo a viver com Larry David.)

Calcinar até ao fi mFoi exactamente por causa de uma crise relacionada com a dificuldade de entabular relações duradoiras com o sexo oposto que Niblett chegou aqui, a este disco.

“Estou a passar por uma mudança na minha vida – e foi aí que fui buscar as minhas canções. Esse período de transição tem a ver com a forma como me trato e como trato os outros”, vai dizendo antes de, em tom envergo-nhado, tentar explicar-se melhor. “Eu sei que isto soa a simples baboseira, mas verdadeiramente gostaria de con-seguir tratar melhor os outros. Por isso tenho de me forçar a olhar para partes de mim que não gosto de olhar. Olhar para as minhas sombras des-controladas”.

A dado ponto das suas ruminações interiores, Scout apercebeu-se “que era mais agressiva do que pensava”. Por uma vez não se alonga na confis-são e termina o assunto com um sim-ples “Houve coisas que me acontece-ram que me tornaram raivosa”.

É uma “raiva solitária” e “pessoal” e, ao contrário do que tantas vezes se escreve acerca dela, “não é feminis-ta”: “Nunca tive problemas com ser mulher. Nunca tive a necessidade de fazer uma declaração de princípios, pelo menos não em termos de géne-ro”.

À boa maneira dos poetas român-ticos pôs as angústias nas canções e foi, como sempre, ou tudo ou nada.

“Algures”, diz, “houve uma decisão de deixar tudo no osso”: o disco é um prodígio de minimalismo, havendo pouco mais do que a voz e a guitarra. “A minha voz”, diz, “é que é o meu verdadeiro instrumento. A guitarra é só uma ajuda”.

Quando entrou no estúdio, não ti-nha “nada de muito planeado”, como de costume – nunca sabe o que vai sair. Mas a dada altura sentiu que “ti-nha de homenagear a forma como as canções foram feitas”: “Solitariamen-te, eu e a guitarra”.

Sentiu “que assim as canções esta-vam completas”. Não admira: dêem-lhe espaço e ela enche as canções de fantasmas e dúvidas e angústias. Da obsessão nasce a beleza. Mas a beleza tem um preço e no caso de Scout é a solidão.

“Sou muito, muito solitária”, dizia-nos, a meio da conversa, ainda antes de começar a rir por causa de Larry David.

Ver crítica de discos págs. 48 e segs.

“Não estou a fazer uma crucificação em público. Não me sinto exposta por admitir que as canções vêm de um colapso nervoso. É horade deitar tudo cá para fora”

feminino. “The Calcination of Scout Niblett” é o disco mulher como ela. João Bonifácio

nossa luz

Aquilo que se ouve neste novo disco de Scout Niblett é o resultado da decisão de “deixar tudo no osso”: calcinar, de resto, sifnifica reduzir a cinzas...

Without sinkingHildur Guðnadóttir

4 Maio 22h00 M/6

música

www.teatromariamatos.pt

projecto educativo

7 Maio 10h008 Maio 16h006 aos 12 anos

e Joana PatrícioFernando Mota

A Terra dos Imaginadores

Maria de VasconcelosCláudia Andrade

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O mundo acabou e a brasileira Cibelle é uma dos poucos sobreviventes que conseguiram escapar para outra galá-xia. De vez em quando pega na sua nave espacial e regressa ao planeta anteriormente conhecido como Terra. É aí que está situado o Las Vénus Re-sort Palace Hotel, local para onde con-vergem os que ficaram e onde se faz a festa ao som da excessiva Sonja Kha-lecallon e respectiva banda, Los Stro-bscopious Luminous.

É assim que começa o terceiro ál-bum de Cibelle, mais um projecto artístico do que propriamente apenas um disco, onde ela encarna a perso-nagem de Sonja Khalecallon. Uma obra onde Cibelle volta a pôr-se em causa, mudando mais uma vez de sonoridade, depois da estreia com “Cibelle” (2003), ainda muito marca-do pelo balanço tranquilo da bossa

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Cibelle encarna uma personagem excessiva, Sonja Khalecallon, no seu novo álbum. “Las Vegas Resort

Palace Hotel” é um misto de fantasia cósmica, pop exótica e sujidade. Vítor Belanciano

Então tomem láQuerem exotismo?

nova, e de “The Shine Of Dried Elec-tric Leaves” (2006), mistura de folk depurada e electrónicas.

No novo disco subsistem traços dos dois anteriores registos, mescla de psicadelismo, exótica, rock, pop, tro-picalismos e órgãos roufenhos, en-volvendo uma voz que se expõe de forma mais exagerada. Um álbum que mostrará ao vivo em dois forma-tos diferentes: com o seu colectivo de músicos ou completamente sozi-nha. É isso que acontecerá a 26 de Maio, no Coliseu de Lisboa, quando se apresentar na primeira parte dos americanos Grizzly Bear. Criou uma personagem para o seu novo álbum. Partiu para o disco já com essa ideia em mente ou foi descobrindo, durante o processo, que acabaria por ser assim?

O princípio das coisas é sempre mui-to intuitivo, de tal forma que é nestes momentos, quando estou a discutir o disco, que tenho uma percepção global do que fiz. Foi tudo o que fiz para trás, não só como artista mas como pessoa também, que me fez chegar a um disco desse jeito. Essa história, um pouco ficção científica, nasceu a meio do disco. Isso nunca me tinha acontecido. Quando come-cei sabia que o disco iria reflectir um lugar quente, abafado, uma floresta cheia de macacos, um mundo exóti-co no meio de um matagal. Sabia que seria o meu disco mais brega, mais intuitivo, nada preocupado em agra-dar. Estava farta de me chamarem de fofinha ou de gracinha! O segundo álbum já era uma reacção a uma certa visão estereotipada da cantora

brasileira na Europa. Talvez neste tenha levado essa noção a um novo patamar. Desfigura-se propositadamente. Como se dissesse para si própria: ‘querem exotismo, então tomem lá exotismo, mas por excesso.’ Sim, é verdade. Desfigurei-me para me aceitar como eu sou, por mais contraditório que possa parecer. Quem me conhece acha que eu sou uma cacofonia e talvez tenham ra-zão... [risos]. Então, porque não acei-tar isso? Este disco é isso aí. Sou eu. Descobri que sou exótica, não por ser brasileira, mas porque sou exótica, mesmo. Sou exótica porque sou exó-tica. Os ingleses têm muitas fantasias com o Brasil, mas os franceses ainda mais, nossa! Todo o mundo tem fan-tasia com o que não conhece direito e que acha legal. Aí peguei nessa ideia

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Ípsilon • Sexta-feira 30 Abril 2010 • 29

“Quando comecei sabia que o disco iria reflectir um lugar quente, abafado, uma floresta cheia de macacos, um mundo exótico no meio de um matagal. Sabia que iria ser o meu disco mais brega, mais intuitivo. Estava farta de me chamarem de fofinha ou de gracinha!”

do exótico e saí correndo com ela. O exótico, para mim, é pegar num es-tereótipo e embelezá-lo. Sonja Khalecallon é isso, esse misto de autenticidade e de artifício, em busca da verdade, seja lá o que isso for? Sim, é uma mistura da força indomá-vel da Frida Khalo e das situações vulneráveis fabricadas pela artista Sophie Calle. Ao mesmo tempo Son-ja é uma caricatura de mim. E é tam-bém uma reacção a essa ideia de que já não há nada a fazer. Claro que há. Passamos o tempo a repetir, na actualidade, que já tudo foi inventado e feito. Que tudo é derivativo. Mas esquecemo-nos que, quando somos nós próprios, somos únicos e originais. Esse seu posicionamento também reflecte isso? É isso aí. Tudo de alguma forma já foi feito, mas tem tudo para fazer tam-bém. Como se resolve essa aparente contradição? Precisamente não pen-sando muito nela. Sendo você pró-prio. Nesse sentido, sim, essas coisas já estavam presentes no segundo dis-co. Mas neste estão mais bem resol-vidas. Mais expostas. Perante o excesso há duas hipóteses: o silêncio ou festejar, ruidosamente. Optou nitidamente pela segunda hipótese. É, vamos lá! Vamos aí gente! Sem me-dos. É isso aí! É também um disco que resulta muito dos concertos, ao mesmo tempo que parece pensado para ser exposto ao vivo. Sem dúvida. No estúdio nunca tinha conseguido ser como sou no palco. Tinha timidez. Era um lugar que me fazia ficar muito cerebral. Depois des-se momento de libertação, de que-brar a cabeça e trabalhar as coisas que me estavam incomodando, che-guei a um lugar onde o estúdio virou extensão do meu quintal. Queria fa-zer um disco do jeito como sou em palco. Finalmente está batendo isso. Estou feliz de ver que estou redonda comigo mesma. Antes sentia que o disco e os concertos eram coisas mui-to diferentes. Agora sinto que faz tu-do parte do mesmo processo.

As canções têm uma estrutura mais bem definida. No anterior, havia imensos pormenores. Neste também, mas fica a ideia de que as canções tanto podem ser tocadas por uma pessoa só, como por um grande co-lectivo de músicos.

O segundo disco ajudou-me muito a chegar aqui, principalmente por causa dos concertos. Comecei a di-gressão com uma banda enorme e, quando terminei, era apenas eu e mais duas pessoas no palco. Esse aqui vou apresentá-lo ao vivo eu com uma guitarra e alguns “samplers”, ou com uma banda inteira. Numa entrevista anterior dizia que gostava de pensar nos músicos que colaboram consigo a partir de pormenores muito precisos. Ou seja, só os chama para estúdio quando sabe o que esperar deles. Neste disco voltou a acontecer isso? Ainda mais porque me sentia meia cientista, mágica, alquimista. Imagi-nava um universo, a textura, as cores, o ambiente, as situações e os sons.

Pensava: preciso daquele som, da-quele jeito, e de repente pensava em pessoas que me podiam ajudar a che-gar a esse som. Mas é paradoxal, por-que acabo por fazer imensa coisa sozinha. Pego em todo o mundo, jo-go no meu balde de alquimia, mas no fim de contas sou eu tenho que lidar com isso tudo, porque é meu o mun-do que veio da minha cabeça. Pode pensar em alguém para algo específico, mas depois não corresponder à expectativa. Como é que vive com isso? Bem, isso está incluído. Quando pen-so em alguém já sei que não vai trazer apenas o seu estilo, a sua guitarra, mas também a sua alma. Gosto de pessoas que confiem na minha intui-ção e que me emprestam a sua alma para jogar dentro da minha salada e

fazer esse mundo acontecer. Nesse disco, fiz a maior parte das coisas e depois chamei o Damian Taylor para a co-produção. Este é sem dúvidas o meu disco mais pessoal. É um disco com um imaginário muito bem definido, do som às imagens. Também controlou essa parte? Sim, fiz tudo. Esculpi tudo. É por isso que eu salivo falando desse disco. Nunca tinha sentido isso antes. Nas fotos, fiz o “styling”, a cenografia. De-pois foi com o fotógrafo, a luz dele, o olho dele. Ele ajudou muito no pro-cesso porque as primeiras fotos foram tiradas no Brasil sem o disco ainda ter sido finalizado. Estávamos numa re-serva natural no Brasil, no meio da floresta e essas primeiras fotos foram bem intuitivas, meio rasgadas, tiradas

no fim do mundo, tudo meio brega. Para mim o disco é apenas uma parte de um projecto artístico muito mais vasto, que inclui fotografias, vídeo, instalação. Tenho uma instalação óp-tima para fazer com lazer, só preciso de dinheiro. Gostava também de fazer uma exposição com os produtos da Sonja, loções anti-cépticas, contra o cepticismo, ou a carta de licença po-ética que permite dizer tudo o que nos vem à cabeça. Tenho a certeza de que vou fazer todas essas coisas. Sinto que é importante neste momento. Hoje toda a gente quer ser “cool”. Que se lixe o “cool”, o minimal, o reservado. Quero o colorido. A sujidade. O cafo-na!

Ver crítica de discos na pág. 48 e se-gs.

Cibelle queixa-se da febre do “cool” e do minimal: neste disco, diz, quis ser cafona

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“Dois Selos E Um Carimbo” sairá em Setembro no restante

espaço europeu e na América do Norte

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Vimo-los pela primeira vez como ago-ra se vêm as bandas (pela primeira vez), num vídeo alojado no MySpace. Vimo-los depois, lá longe em 2007, num concerto praticamente lotado no Maxime. Estranhámos o esgotado. Era banda recentíssima, nome que começara a ser sussurrado aqui e ali, mas no clube lisboeta sentia-se já algo de fenómeno. O público conhecia as canções, o público cantava as canções cantadas por Ana Bacalhau, sorria com ela, partilhava com eles a graça do marialva castiço de palito na boca, o Toninho, e sentia na “mouche” aquele “vão andando que eu vou lá ter” de “Movimento Perpétuo Asso-ciativo”, retrato de um certo espírito português que barafusta e vocifera por mudança mas, infelizmente, está sempre demasiado ocupado com “coisas” para a concretizar. Não é se-gredo o que aconteceu depois.

Chegou um álbum, “Canção ao La-do”, e os Deolinda sempre na rádio, a tocar de norte e sul e de sul a norte, o boca em boca a aumentar-lhes o público, as primeiras viagens fora de Portugal e destaques no “Times”, na “Les Inrockuptibles” ou na revista de world music “Songlines”. Os Deolinda apareceram com uma ideia simples, a de criar “música popular” e canções “directas que chegassem às pessoas” num “formato transportável” (voz, duas guitarras, um contrabaixo), e naquele ponto onde o fado parece que o é mas não propriamente e onde a tradição dos cantautores da palavra ( José Afonso, Sérgio Godinho) é refe-rência vertida para um outro molde, chegaram a toda a gente.

Na altura em que editam “Dois Se-los E Um Carimbo”, o segundo disco, o primeiro ainda está no top portu-guês, inabalável. Eis a abrangência que os Deolinda atingiram: na altura em que falámos com eles, estavam a horas de actuar no Pátio dos Bichos do Palácio de Belém – três mil pesso-as e um fã que é Presidente da Repú-blica -, em concerto comemorativo do 25 de Abril; dois dias depois, con-tinuando as celebrações da revolução, em espaço menos institucional e sem Presidente, apresentaram o novo ál-bum em Grândola. Mas, quando par-tilhamos uma mesa de almoço, estes Deolinda são os mesmo de há três anos. Claro que, agora, dizem-nos que gravar “Dois Selos E Um Carimbo” foi mais simples: “Já tínhamos um som de banda e a experiência destes últi-mos anos tornou o processo mais fá-cil”, aponta a vocalista Ana Bacalhau. “Não precisámos de seguir dez cami-nhos para tentar acertar no que que-ríamos”, acrescenta José Pedro Lei-tão, contrabaixista. E naturalmente que, apesar do formato e dos cenários se manterem, houve uma subtil mu-dança de tom.

O centro da acçãoO álbum foi composto nos tempos mortos das digressões. Pedro Silva Martins, o guitarrista que é o compo-sitor de toda a música, ia trazendo novas canções, a banda entusiasmava-se e seguia-o. Tanto que, com o tem-po, nasceu uma leve frustração. “‘Canção Ao Lado’ já tinha vida mui-to longa e nós com aquelas novas can-ções na mão, paradas, sem as mos-trar”, recorda o guitarrista Luís José Martins, irmão de Pedro. Gravar o ál-bum foi uma necessidade. Fizeram-no numa semana, ao vivo no estúdio, que é a única forma, dizem, de preservar o ambiente e a energia das canções. E nelas, a tal mudança de tom. A De-olinda deixou de ser simplesmente observadora atentíssima, relatando e efabulando aquilo que vê à sua vol-ta, e passou a ser o centro de toda a acção. “O ‘Canção ao Lado’ era uma desconstrução da realidade que abor-

dávamos”, reflecte Pedro Silva Mar-tins. “Agora, há a impressão da Deo-linda nessa realidade, algo mais inte-rior”, descreve Ana Bacalhau”. Isto o que mudou na música. Neles, como escrevíamos acima, nada de substan-cial se alterou.

Podem ser uma das bandas portu-guesas que mais álbuns vendeu nos últimos anos, mas foram as suas can-ções e não eles mesmos que se torna-ram célebres – e os Deolinda acham bem que assim seja. “De certa forma, [as canções] entraram no cancioneiro do momento. E as pessoas cantam-nas, mas não nos reconhecem na rua”. O equilíbrio certo, portanto. Luís José Martins: “[Deolinda] é mú-sica popular, é um projecto para che-gar a toda a gente. Fazer uma canção popular que as pessoas não cantem, que não as toque, é como ficar a meio caminho, é não cumprir o seu objec-tivo até ao fim”. Os Deolinda não têm vontade ou feitio para vedetismos, mas querem que as canções se espa-lhem por todo o lado. Por todo o lado, agora que têm no currículo concertos em Espanha, Itália, Suécia ou Reino Unido, é entenda-se, para além de Portugal.

“Dois Selos E Um Carimbo” sairá em Setembro no restante espaço eu-ropeu e na América do Norte e os De-olinda prosseguirão viagem. É certo que aquilo que cantam em “A proble-mática colocação de um mastro”, a obsessão nacional “com o maior e não com o melhor” que conduziu a que, actualmente, toda a população caiba no interior dos centros comerciais que enxameiam a paisagem e que nos deu a distinção de país com maior número de recordes inscritos no Gui-ness (uma imensa galeria de inutili-dades que vai da maior feijoada do mundo às maiores brisas de liz do planeta, passando pelo clube de fu-tebol com mais sócios), será mais fa-cilmente descodificada por um por-tuguês que por um bósnio, mas a comunicação acontece e não se limi-ta ao habitual deslumbramento pe-rante o “exótico”. Em todos os países que conheceram enquanto Deolinda, disseram-lhes o mesmo. Que há na música deles, para além do fado, re-ferência obrigatória pela proveniência (“nos anos 1990, até os Delfins foram ‘vendidos’ como fado”, recorda Pedro Silva Martins”), uma “matriz reconhe-cível a todos”: “uma ideia de canção europeia”, refere Ana Bacalhau. Isto o que lhes dizem: Que “há a canção espanhola, italiana, francesa ou por-tuguesa e, entre elas, um espaço co-mum” que reconhecem nos Deolin-da.

Ei-los então, lisboetas da Damaia e um “infiltrado aveirense” ( José Pedro Leitão) a inscrever nas suas canções personagens e cenários que não ima-ginaríamos noutro sitio que não este, a abrir o espectro. Um centro que se alarga. Como diz Luís José Martins, a música que fazem “só pode vir de Lis-boa, só pode vir de Portugal, só pode vir da Península Ibérica, só pode vir da Europa”.

“Dois Selos E Um Carimbo”, cartas portuguesas enviadas mundo fora, para todo o mundo ler.

“Fazer uma canção popular que as pessoas não cantem é como ficar a meio caminho”Luís José Martins

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Cartas portuguesas enviadas ao

mundoSão uma das bandas portuguesas que mais álbuns

vendeu nos últimos. “Dois Selos E Um Carimbo” continua a ser música popular para chegar a toda

a gente. Cá dentro ou lá fora. Mário Lopes

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Ípsilon • Sexta-feira 30 Abril 2010 • 31

Carlos Barretto, contrabaixista e com-positor com uma carreira plena de aventuras, altos e baixos, enfrenta um novo desafio: reactivar, sete anos de-pois da sua última gravação em nome próprio, o celebrado trio que mantém há mais de uma década com o guitar-rista Mário Delgado e o baterista e percussionista José Salgueiro. Com novo disco, “Labirintos”, o trio repre-senta a faceta mais visível de uma ac-tividade musical que levou Barretto a abandonar Lisboa por diversas ve-zes - primeiro para Paris, durante quase 10 anos, depois para Tomar, Alentejo e, finalmente, Madrid. Sem-pre com passagem garantida por Lis-boa.

De regresso às sete colinas, fala de um impasse criativo, semelhante ao que o levou a refugiar-se em Paris, nos anos 80, e que desta vez fê-lo isolar-se num monte alentejano du-rante um ano. Sobre os sete anos que separam “Lokomotiv”, de 2003, da sua última gravação, refere: “Naque-la altura, cada vez que ia gravar um disco novo queria fazer sempre algo substancialmente diferente da grava-ção anterior. Cheguei a um impasse criativo, senti necessidade de parar e repensar a concepção da composição, pois se antes escrevia mais detalha-damente, todas as notas e harmonias, agora interessava-me mais a improvi-sação e os ambientes sonoros. Preci-sava de encontrar maneira de a escri-ta ficar mais diluida na improvisação. Entretanto, comecei também a pintar mais e decidi isolar-me no Alentejo. Estive lá quase um ano a viver num monte, para amadurecer ideias, e pin-tar à vontade... Acabei por ir para Madrid por dois anos. No meio de tu-do isto, os projectos de gravação fica-ram de lado. Só depois, a pouco e pouco, é que comecei a reorganizar ideias para um novo disco e reactivar a cena – não posso estar muito tempo parado.”

O fl ashComeçou cedo o seu percurso como músico. Encorajado pelos pais – o pai era um músico amador cujo sonho era ser músico de jazz, algo difícil ou impossível no Portugal dos anos 50 – estudou no Conservatório Nacional, dedicando-se simultaneamente ao jazz e à música erudita. Um dia, o pai levou-o, tinha 15 anos, à segunda edi-ção do Festival de Jazz de Cascais, e a sua vida mudou.

“Foi a primeira vez que assisti a um concerto de jazz. Ainda por cima um daqueles grandes concertos no Dra-mático de Cascais. Apanhei um ‘flash’ com os contrabaixistas, aquele som...aquela grandeza - se não me engano, um deles era Henri Texier, o outro Walter Booker, que veio tocar com o Cannonball Adderley. Foi aí que fiquei fascinado pelo instrumento.”

Tendo chegado a estudar em Viena, durante dois anos, com o mestre do contrabaixo clássico Ludwig Strei-cher, regressou a Lisboa cheio de energia, afirmando-se rapidamente como um instrumentista de topo em projectos nas áreas do jazz e da mú-sica popular portuguesa. Mas Portu-

gal não parecia preparado para todo esse talento, e a enorme frustração criativa levou-o a refugiar-se em Paris, dando origem a uma das fases mais intensas da sua carreira – colaborou com Horace Parlan, Mal Waldron, Lee Konitz ou Barry Altschul, e tocou em inúmeros festivais internacionais por toda a Europa.

Quando regressou a Portugal, em 1993, a cena jazz estava ao rubro. Gra-vou o primeiro registo como líder com Perico Sambeat, François The-berge, Bernardo Sassetti e Mário Bar-reiros, e colaborou com os norte-ame-ricanos Cindy Blackman, Gary Bartz, Brad Mehldau ou Kirk Lightsey. A sua linguagem aproximava-se de um con-vencional hard-bop, embora revelas-se já uma segurança instrumental pouco vulgar e enorme vontade de mudança. A oportunidade surgiu em 1997, com a formação do trio com Del-gado e Salgueiro e com a gravação de “Suite da Terra”.

“Na altura, vinha de uma fase neo-bop, e estava cansado daquele ritmo, do swingar característico do bop, e quis fazer um corte radical, indo bus-car ideias à música africana, indiana, e até à música tradicional portuguesa. Hoje sorrio quando oiço esse disco, pela ingenuidade que transmite.”

Só em 2002, algumas aventuras musicais depois, é que Barretto alcan-çou consistência e equilíbrio musical, com “Radio Song”, disco com a par-ticipação do clarinetista Louis Sclavis. “É, de todos os discos que gravei, o que mais gosto. Foi o que mais esteve em sintonia com aquilo que me ia na alma. Foi uma fase em que estava par-ticularmente inspirado. Já ‘Lokomo-tiv’ [2003] foi o mais radical que fize-mos. Quando o oiço agora não sinto grande entusiasmo. Há um longo ca-minho que tem de se fazer para tocar música livre, totalmente improvisada, e sinto que não controlei toda aquela liberdade.”

Um homem na cidadeMais recentemente, num panorama

cinzento em que os profissionais de jazz enfrentam dificuldades para so-breviverem da sua música, Barretto saiu novamente do país, fixando re-sidência em Madrid – solução de re-curso que não o satisfez. “Em Madrid, em Espanha de forma geral, o jazz é ‘mainstream’, mais conservador, de influência norte-americana, o que torna difícil fazer coisas alternativas. Fui convidado por uma escola para dar aulas, e tenho lá bons amigos, bons músicos. Apesar disso nunca me senti satisfeito. Estava sempre a vir a Portugal, todas as semanas, pa-ra fazer concertos, e optei por voltar.

Gosto muito de viver em Portugal.” Actualmente, com uma linguagem

cada vez mais pessoal, sente-se equi-librado. Tem, de novo, uma agência que trata das suas questões extra-musicais – promoção, agenciamento –, para as quais confessa não ter ape-tência, e prepara-se para reactivar os seus principais projectos: o trio com Delgado e Salgueiro, os In Loko, pro-jecto mais eléctrico dedicado à explo-ração do ritmo (funk, rock, electró-nica e improvisação), e ainda o seu espectáculo de contrabaixo solo as-sociado a imagens das suas pinturas, uma outra faceta criativa a que dá ca-da vez mais importância.

sica

Cada vez mais fascinado com a improvisação e a criatividade no jazz, o contrabaixista Carlos Barretto está de regresso a Lisboa e às edições, depois

de sete anos sem gravar. “Um impasse criativo”. Rodrigo Amado

Há novo disco, “Labirintos”

Prepara-se para reactivar projectos: o trio com Delgado eSalgueiro, os In Loko, projecto dedicado à exploração do ritmo, e o seu espectáculo de contrabaixo solo associado a imagens das suas pinturas

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32 • Sexta-feira 30 Abril 2010 • Ípsilon

Graças a Deus por Mose A Pianista, 82 anos, é um enorme segredo da música americana. Pelo humor e mordacidade, que o “jovem” Randy Newman é para a pop. “Outsider” de génio, anda há 60 anos a explicadinho enquanto o mundo olha noutra direcção. Regressou aos discos, depois de doze

BB King tem 84 anos, Sonny Rollins 79, Hank Jones 91, Ornette Coleman 80 e todos eles cumprem ainda di-gressões. São os decanos dos decanos do jazz e do blues. Não estão sozi-nhos. Mose Allison, pianista de 82 anos, tem uma agenda preenchida com mais de 100 concertos anuais e não se prevê que pare em breve. A diferença é que todos sabem quem são BB King (que até tocará em Sabro-sa, distrito de Vila Real, a 29 de Maio), Sonny Rollins, Hank Jones ou Ornette Coleman. Mose Allison, por seu lado, é um enorme segredo da música ame-ricana, idolatrado pelos seus pares e desconhecido do público. Na sua car-reira, cruzou-se com Muddy Waters ou BB King, nascidos nas margens do Mississipi, tal como ele, calcorreou a mesma calçada nova-iorquina e pisou os mesmos palcos que Thelonius Monk, um dos seus ídolos.

Autor de canções que, a serem co-nhecidas, sê-lo-ão pelas versões que outros fizeram delas, Allison é para o jazz e o blues aquilo que o “jovem” Randy Newman, que decerto o tem como referência, é para a pop (neles, o humor e a mordacidade no esmiu-çar dessa coisa tão admirável quanto mesquinha que é a humanidade ema-na do mesmo lugar). Mose Allison é um “outsider” de génio. Anda há 60 anos a explicar o mundo muito expli-cadinho, enquanto o mundo assobia outra coisa qualquer e olha noutra direcção.

Em 1997, quando editou “Gimcra-cks And Gewgawgs”, anunciou que poria fim uma carreira discográfica que, apesar de alguns intervalos nos anos 1970 e 1980, mantinha ininter-rupta desde 1957, sempre em casas de prestígio (começou pela Prestige, passou pela Atlantic, ancorou por fim na Blue Note). A razão para o fazer era simples: tinha muitos discos dis-poníveis mas ninguém os comprava. Assim sendo, para quê mais um? O público, se quisesse, tinha muitos por onde escolher. Ele, tinha os palcos e isso era mais que suficiente.

Mas, há um par de anos, algo o fez regressar a estúdio. É disso que fala desde a Carolina do Sul, onde vive seis meses por ano - em Maio viaja até Long Island, Nova Iorque, onde passa os restantes seis. Descrita a rotina anual, e depois de explicar que nessa noite não tinha qualquer concerto marcado, mas que no fim-de-semana estaria num clube na ilha de Hilton Heads (não quereria que pensásse-mos que, aos 82 anos, lhe dera para descansar), relata como Joe Henry, músico que, em anos recentes, “re-cuperou” Solomon Burke ou T-Bone Burnett, o convenceu a gravar nova-mente. Primeiro, enquanto curador de um festival em Dusseldorf, Henry seleccionou-o para o cartaz. Quando Mose Allison chegou à Alemanha,

cobriu-o de elogios e manifestou o imenso prazer que seria gravar um álbum dele – “mas eu não liguei pe-va”, ri-se. Então, Henry insistiu por interposta pessoa. “Durante um ano, enviou cartas à minha mulher, que mas ia passando à mesa, ao pequeno-almoço, até que pensei, ‘porque não?’”. Assim nasceu “The Way Of The World”, regresso em grande por-que se trata, muito simplesmente, de Mose Allison num novo álbum.

Henry deu-lhe um combo de gui-tarra, bateria, contrabaixo e saxofone, e gravou a fazer “his thing”. Nada de moderno, “apenas” um classicismo depuradíssimo, pleno de vida e sage-za. Mose sabe que canções quer e o swing que deseja. Nesse aspecto, está serenado há muito. “Ninguém sabe o que é o jazz. Existem pelo menos cin-quenta diferentes definições”, atira em preâmbulo. “A minha”, prosse-gue, “nasce daquilo que fui descobrin-do que todos os músicos conjugavam. Improvisação melódica, personalida-de instrumental – todos os grandes têm uma abordagem ao instrumento

“Improvisação melódica, personalidade instrumental e o ‘swing’. Para as pessoas do jazz com quem cresci no Sul, isso era tudo aquilo com que se preocupavam. Não queriam saber de técnica ou capacidade improviso. ‘Swinga ou não?’ Essas são ainda as regras pelas quais me guio”

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que se reconhece imediatamente – e o ‘swing’. Para as pessoas do jazz com quem cresci no Sul, isso era tudo aqui-lo com que se preocupavam. Não que-riam saber de técnica ou capacidade improviso. ‘Swinga ou não?’ Essas são ainda as regras pelas quais me guio”.

Todos os tempos são difíceisNasceu em Tippo, Mississipi, nos anos 20 do século passado. “Nasci em 1927 e a Depressão começou em 1929. Tive dois bons anos”, lança com uma gar-galhada (está sempre a soltar garga-lhadas). Descreve-nos como crescer naquele período, numa vila sem água canalizada, sem aquecimento e sem electricidade (“chegou quanto tinha treze anos e, para mim, aquelas luzes eram a Broadway”), moldou a sua atitude perante a vida. O exagero có-mico ou o relativizar da tragédia eram armas contra a adversidade e elas lá estão, inscritas na sua música. Talvez mais que tudo o resto.

Ele não é filho da rádio, que só che-gou com a electricidade, não foi dis-cípulo directo dos mestres blues (“Jo-hn Lee Hooker Muddy Waters, Sonny Boy Williamson, BB King”, elenca) que viviam nas redondezas: “Eles ti-nham que ir a Chicago tocar, que era onde estava o dinheiro”. Tinha Nat King Cole, a sua primeira grande re-ferência e a experiência de rua, das festas em “juke joints” em que come-çou a tocar na adolescência. Entre os “Digging my potatoes” e os “She wants to sell my monkey”, “canções malandras para pôr as pessoas a dan-çar”, lá surgiria algo como “The 14 day Palmolive plan”, a primeira can-ção que se lembra de compor. Nela estava já em génese a marca autoral que lhe reconhecemos hoje: falava dos anúncios que passavam na rádio e do aborrecimento que era aturá-los enquanto não chegava a música a sé-rio.

“Velhas memórias”, deixa escapar ao recordar tudo aquilo. Mas di-lo sem a nostalgia que tudo suaviza, sem si-nais de glorificação do seu estoicismo. “Tempos difíceis? Todos os tempos são tempos difíceis. Acontece que al-guns têm mais publicidade que ou-tros. Hoje, por exemplo, os media cobrem bastante as dificuldades des-te tempo. [Na altura] Fiz o que tinha a fazer”. E o que teve que fazer foi muito e muito diverso.

Estudou Literatura Inglesa e Filo-sofia na Universidade do Louisiana e cumpriu serviço militar em Denver, Colorado, onde ouviu e se inspirou no trio de Nat King Cole (“foi antes dele se tornar pop”), onde tocava trompete na Banda do Exército e pia-no nas festas dos oficiais. Quando acabou o serviço militar, vagueou com a mulher e um contrabaixista por vários estados do sul. Chegado a uma

Allison, será para o jazz e o blues aquilo

a explicar o mundo muito e anos de silêncio. Mário Lopes

BB King tem 84 anos, Sonny Rollins 79, Hank Jones 91, Ornette Coleman 80 e todos eles cumprem ainda digressões. São os decanos dos decanos do jazz e do blues. Não estão sozinhos. Mose Allison, pianista de 82 anos, tem uma agenda preenchida com mais de 100 concertos anuais e não se prevê que pare em breve. É um enorme segredo da música americana

nova cidade, a mulher arranjava um emprego, ele e o contrabaixista con-tratavam um baterista e tocavam nos clubes enquanto estes os quisessem, antes de partirem novamente.

O primeiro trabalho chegou em 1950: “seis datas em Lake Charles, Louisiana”. A carreira a sério, seis anos depois. A “Big Apple”, natural-mente: “Em meados dos anos 1950 dá-se o ‘boom’ do jazz. O [pianista] Dave Brubeck estava na capa da ‘Ti-me’, havia muitos discos a serem gra-vados e muitos clubes. Os músicos começaram a ganhar dinheiro que não conseguiam antes”. Ele, “que mal estava a conseguir ganhar a vida no sul”, mudou-se rapidamente. Com “Back Country Suite” (1957), o primei-ro álbum, ponto de encontro entre o bebop e a tradição folk, ganhou os favores da crítica. Colaborando com Stan Getz ou Gerry Mulligan, tornou-se nome respeitado. Ainda assim, o público não sabia como olhar para ele, as editoras não sabiam como o promover. Não era declaradamente jazz, não era abertamente blues. Era literato dominando o linguajar das ruas, era dono de um humor seco com que muitos não sabiam como lidar – “quando cheguei a Nova Ior-que, era considerado um cínico e as-sim continuei durante trinta anos: demoraram trinta anos a começar a rir”.

Por isso, enquanto os The Who gra-vavam o seu “Young man blues” e o transformavam em standard dos seus concertos, enquanto os Blue Cheer gravavam uma versão de “Parchman farm” no seu álbum de estreia, en-quanto cartazes o anunciavam como “William Faulkner do jazz” – “foi um truque publicitário na altura”, garga-lha, “a única que coisa temos em co-mum é o bigode” -, Mose mantinha-se à margem. Daí para cá, pouco mudou.

Gravou óptimos álbuns, como “V-8 Ford Blues” ou “Your Mind Is On Va-cation” (“but your mouth is playing all the time” – enorme tratado em in-sulto na música popular), manteve a agende preenchidíssima e continuou a ser surpreendido de tempos a tem-pos com um cheque por direitos au-torais, sinal de que alguém, algures, registara mais uma versão das suas canções (a lista inclui os supracitados The Who, Elvis Costello, The Clash, Diana Krall ou Van Morrison, que lhe dedicou um álbum inteiro, “Tell Me Something”).

Férias a DeusChegamos a 2010 e ei-lo de volta aos discos. “The Way of The World” é edi-tado e Mose Allison, igual a si mesmo, diz-nos que não apreciou gravá-lo, porque não aprecia gravar, ponto fi-nal. Diz que mal o ouviu (“só os ouço uma vez, para perceber aquilo que não gosto neles”) e confessa humora-do que não tem “qualquer esperança neste novo álbum”. “Está a resultar na marcação de mais concertos e es-se é todo o sucesso de que necessito”. Assim se despediu.

Algum tempo antes, explicava-nos como chegara a “Modest proposal”, uma das canções de “The Way Of The World”. Nela, insinua que talvez não fosse má ideia dar um pouco de des-canso a Deus: “Let’s give god a vaca-tion / He must be tired of it all / Bre-aking the game / taking the blame / 24 hours a day on call”. Num incon-fundível sotaque sulista (piano é “pi-ána”, North Carolina, “Nowth Cara-wlaina”), pergunta-nos se conhece-mos a “Proposta Modesta” original, “escrita por Jonathan Swift em 1729”, precisa. O escritor irlandês defendia que os pobres do seu país deviam li-vrar-se do fardo que eram as suas crianças, matando-as e servindo-as

em refeição às classes abastadas. “Mo-dest Proposal”, explica-nos Mose, baseia-se nessa ideia. Marcar uma posição, “escrevendo sobre algo que não esperas que ninguém faça”. “Swift não esperava que ninguém co-meçasse a comer bebés, e eu também não acredito que os fundamentalistas religiosos dêem férias a Deus”. Na verdade, Mose Allison não espera na-da. Mose Allison vai fazendo e vai vi-vendo. Desde há oitenta e dois anos que assim é. Não é uma questão de descrença. Precisamente o contrá-rio.

Allison percebeu muito cedo os ca-minhos do mundo. Tudo à nossa vol-ta tem uma evidente dimensão de absurdo, e ele canta-o com pragma-tismo desarmante. Sai uma filosofia de vida portátil, captada com perfei-ção em “No trouble livin’”: “Don’t you talk to me about life’s problems / or how you wish that things could be / I don’t have no trouble livin’ / It’s dying that bothers me”.

Há alguns anos, pediram-lhe que explicasse uma frase, expressão ba-tida: “O blues é como uma religião”. Ele explicou: “O que é a religião? Uma técnica de sobrevivência. O blues é o mesmo”. Agora, em conversa transa-tlântica, damos por nós a perguntar, “senhor Allison, acredita em Deus?” Com bonomia de sábio matreiro – quase juramos que havia um brilho de gozo na voz -, começa por dizer que sim. “Até certo ponto, acredito em tudo”. Pausa dramática. “Nin-guém sabe o que acontece quando morremos. Ninguém o sabe. Muita gente afirma sabê-lo, mas não sa-bem.” “Punchline”: “Os únicos que o sabem estão mortos... E não os ou-ço a falar com ninguém”.

Graças a deus por Mose Allison.

Ver crítica de discos págs. 48 e segs

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do conversei pela primeira vez sobre este trabalho com o Leandro Braga [pianista, direcção musical e arranjos do disco], perguntei-lhe: eu posso ter uma banda só com piano, violino, vio-loncelo e percussão? Ele disse: ‘Pode’. E com essa formação posso cantar um tango, um bolero, um samba, um ro-ck? E ele disse: ‘Pode’. Aí imediata-mente me veio à cabeça fazer essa música do Astor Piazzolla, que acho estranhíssima mas muito interessante. O nosso arranjo é baseado no arranjo dele, porque eu não queria que ficasse uma coisa tão distante do Piazzolla, queria que as pessoas percebessem que era uma música dele.”

No palco, o cenário é despojado. “Não tem cenografia, tem uma tela, um ciclorama e há algumas projec-ções de imagens, mas não são aleató-rias, são fotografias trabalhadas em photoshop até se transformarem em quase desenho.” No meio, há um clip. Ele canta, no palco, uma canção, e no clip aparece a dançá-la. Com a mes-míssima roupa que veste: casaco e calça claros, gravata, cinto e botas pretas. “O show é todo ele muito lim-po. É muito tenso porque tem o tema do amor que nem sempre dá certo. E tem sexo, porque o sexo faz parte do amor. Mas é todo insinuado, é todo teatro. Não é ‘Inclassificáveis’.”

Ver crítica de discos págs. 48 e segs.

Ney Matogrosso é como o mar. A cada vaga alterosa sucede-se um período de acalmia que é apenas aparente, porque o espírito da tempestade con-tinua a habitar as águas, mesmo as mais calmas. “Beijo Bandido” é essa acalmia. Em 2007, fez “Canto em Qualquer Canto”, só com cordas (Pe-dro Jóia incluído), mas já imaginava um espectáculo “extravagantérrimo” a que pensou chamar “Um pouco de calor” e que viria a ser “Inclassificá-veis”, obra explosiva e de um arrojo brilhante. E foi com esta já na estrada que imaginou a seguinte, que veremos agora: “Beijo Bandido”. “Eu precisa-va”, diz ele ao Ípsilon. “Precisava de um pouco menos de exposição exa-gerada.”

Mas o que o fez criar “Beijo Bandi-do” foi o confronto, em finais de 2008, com a edição de uma caixa de CD com os seus 16 álbuns de 1975 a 1991 mais um só com raridades, num total de 198 faixas seleccionadas por Rodrigo Faour. Título: “Camaleão”.

“Foi quando lançaram essa caixa que comecei a pensar nesse trabalho, porque na caixa esperava encontrar algumas músicas que eu tinha grava-do com outras pessoas e afinal não estavam lá. Pensei então em fazer um show, dando a minha versão, e aí per-cebi que tinha na frente um reportó-rio romântico.” Quando foi para es-túdio já estava tudo bem pensado.

“Fui gravar muito tranquilo. Ensaiei algumas vezes antes, apresentei-o quatro vezes para plateias, em lugares diferentes, para testar a receptivida-de, e fiquei muito surpreso porque havia enorme receptividade. Achei que haveria menos.”

A receptividade inicial foi de tal for-ma que o espectáculo foi premiado mal estreou. “O show foi feito três ve-zes em São Paulo, em 2009, e a Asso-ciação Paulista de Críticos de Arte premiou o show. Nunca tive um tra-balho que começou já premiado”, diz Ney. Mas na verdade o que é “Beijo Bandido”?

Tensão, amor e sexo“Não é um recital, tem um formato de recital mas o resultado final é pop, porque vai para todos os lados. O show tem um acabamento teatral, cinematográfico, que é o mais radical a que cheguei, nesse sentido.” Isso mede-se por um reportório que é na verdade eclético mas encontra em palco, e no disco, uma surpreenden-te unidade. Vai de “Tango para Tere-za”, de Ângela Maria até “À distância”, da dupla Roberto

Erasmo Carlos. Pelo meio, tem qua-se de tudo: “De cigarro em cigarro”, de Luis Bonfá; “Fascinação”, que Elis celebrizou; “Nada por mim”, de Her-bert Vianna e Paula Toller; “Segredo”, de Herivelto Martins; “A bela e a fera”, de Edu e Chico” (Ney cantara-a numa reedição do “Grande Circo Místico”); “Doce de coco”, de Jacob do Bando-lim”; “Medo de amar”, de Vinicius; “Bicho de sete cabeças”, de Geraldo Azevedo e Zé Ramalho; ou “Mu-lher sem razão”, de Cazuza, Dé e Bebel.

E há inéditos, claro. Co-mo “Invento”, de Vítor Ra-mil. “Essa música estava na minha mão desde que se-leccionei reportório para o ‘Inclassificáveis’. Esteve pa-ra entrar até no disco mas felizmente não entrou por-que ela é muito mais apro-

sicaCine-teatro

pop

A acalmia depois da explosão: “Beijo Bandido” é limpo e tenso, com um acabamento teatral e cinematográfi co. Estreado ontem

no Porto, estará a 1 e 2 de Maio no Coliseu de Lisboa e a 5 nos Açores. Disco já nas lojas. Nuno Pacheco

1 e 2 de Maio no Coliseu de Lisboa e a 5 nos Açores

priada àquilo que eu agora estou fa-zendo.” Ele explica melhor: “A músi-ca inédita é compatível com o reportório que montei com músicas mais antigas e para mim pode estar tudo junto. Inclusive há uma música aí em que eu estou lançando um com-positor de que nunca ninguém ouviu falar.” O músico chama-se Júnior Al-meida e Ney conheceu-o em Maceió, Alagoas. “Eu passei por lá com o show ‘Inclassificáveis’, ele me deu um disco dele, eu segui para São Luis do Mara-nhão, ouvi a música, gostei e quando cheguei ao Rio de Janeiro gravei-a lo-go. Eu não fico restrito a nada, desde que seja compatível com o que pre-tendo.”

E o que ele pretendia, aqui, era so-bretudo uma depuração, mesmo nas releituras, o que o conduziu à quase inédita “As ilhas”, gravada em 1975

num disco editado após o fim do grupo Secos & Mo-

lhados, onde Ney era voca-lista. “Gra-vei-a com Piazzolla e nunca a can-

tei. Agora é a pri-meira vez que gra-vo e can-to. Quan-

“O show tem um acabamento teatral, cinematográfico, que é o mais radical a que cheguei, nesse sentido”

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Intervir artisticamente num lugar ex-terior ao campo da arte ou que não é por este determinado, deixou há mui-to de constituir novidade. Mas há lu-gares e lugares. Uns são “aceitáveis” (edifícios devolutos, ruas), outros – há quem o diga – são mais problemáti-cos, como os bares ou as discotecas. Passe o levantar das barricadas, a ver-dade é que, neste último caso, deve-mos falar de uma tradição com quase 50 anos. Alguns episódios: em Nova Iorque, o Mudd Club, o Club 5, ou a Fun Gallery (galeria que se confundia com um clube e na qual pessoas se divertiam enquanto viam as pinturas de Kenny Scharf ); em Berlim, o clube musical S.O.36, que o artista alemão Martin Kippenberger geriu nos finais dos anos 70, ou o mais recente Pano-rama Bar (2004) decorado com foto-grafias de Wolfgang Tillmans; final-mente, em Portugal, na noite lisboeta dos anos 80, salienta-se o Frágil, onde Pedro Casqueiro realizou uma expo-sição e Pedro Cabrita Reis (em 1985) e Rui Sanches (um ano depois) inter-vieram na condição de artistas.

É desta história que ( já) faz parte “O Dia pela Noite”, exposição com a curadoria de Susana Pomba, que, até

27 de Fevereiro de 2011, reúne nos três pisos do Lux obras de 10 nomes da arte portuguesa: João Pedro Vale, Vas-co Araújo, Pedro Gomes, Mafalda Santos, Gabriel Abrantes, Rodrigo Oliveira, Francisco Vidal, Pedro Ba-rateiro, Francisco Queirós e Alexan-dre Farto.

Confundir a arteA lista é relativamente heterogénea e, claro está, cada artista abordou o lugar de forma distinta. Alguns olha-ram para o exterior e a paisagem em volta, outros escreveram nas paredes e houve quem abordasse conceptual e visualmente da história do Lux. To-dos pensaram o lugar e o resultado desse processo pode ser apreciado durante os próximos dez meses, entre as 23 da noite e as 6 horas da ma-nhã.

Estamos, portanto, longe da expo-sição convencional.

“São dez intervenções que modifi-cam o espaço e alteram a visão que as pessoas têm dele. Creio, até, que vão mudar a forma como as pessoas aqui se comportam ou se relacio-nam”, sustenta a curadora.

Resumindo, as peças confrontam-

se com o público (e vice-versa) num contexto de convívio e festa. Falamos de uma deslocação do dia para a noi-te, da arte para um palco que não é originalmente o seu. Confundimos a própria arte com outras coisas? Diver-são, glamour, decoração?

Quando a arte sai à noiteDez artistas portugueses foram ao Lux e deixaram o bar lisboeta armadilhado com um

confronto benigno, mas um confronto. Entre a arte e a decoração, a diversão e a experiência artística. Chama-se “O Dia pela Noite” e evoca memórias e histórias das últimas décadas do

século XX. José Marmeleira (texto) Miguel Manso ( fotos)

Exp

osiç

ões “We can not escape from each

other”, Rodrigo Oliveira

“Rainbow Kiss”, João Pedro Vale

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“É um desafio difícil. Sei que estou num espaço carregado de história, num cenário da noite”, admite Susa-na Pomba, “mas as fronteiras e os li-mites estão cada vez mais difíceis de perceber e isso entusiasma-me. Mais do que colocar obras num ‘white clu-be’, esta é uma situação que me inte-ressa”.

Dos artistas chega a esperada em-patia. Gabriel Abrantes vê no espaço um lugar estimulante e sempre gostou de mostrar arte em sítios diferentes (em Lisboa, já o fez, por exemplo, no bar Music Box). João Pedro Vale apre-cia a recepção ambígua da sua peça: “O Lux faz parte do imaginário da ci-dade e acho interessante que, duran-te esse período, faça também parte

da vidas das pessoas através da arte. Cria-se [com as intervenções] um es-paço que vai ser vivido e não me pre-ocupa se acabar confundido com de-coração”. Já Pedro Barateiro evita certezas e juízos de valor e prefere evocar a história que resumimos no início, enquanto Mafalda Santos não tem pudores diante deste género de desafios.

Memórias de uma tradiçãoEm 1985 Pedro Cabrita Reis cobriu com camadas de tinta as paredes e as colunas do Frágil. Usou flores, pano e relevos feitos de gesso e madeira, refez a arquitectura, pintando-a. Um ano depois, Rui Sanches criou uma série de esculturas que modificavam

gurado em “I Have a Dream”: a inter-venção no espaço público.

Para ver à noiteA proposta de Pedro Barateiro tam-bém se localiza no exterior, mas no terraço. Trata-se de “Boca de Cena”, estrutura que as pessoas podem usar para “beber, beijar, dormir, ficar à espera do nascer do sol (...)”, como escreveu o artista no convite. A peça é constituída por um palco e um arco e, discreta, silenciosa, passa, quase despercebida ao lado da cama gigan-te e das cadeiras. “Interessou-me o facto do Lux ser um lugar de repre-sentação e procurei que [a peça] não tivesse uma imagem muito forte”, re-vela. “A ideia era que se assemelhasse muito à própria estrutura e linhas do terraço e ao mesmo tempo tivesse esse potencial utilitário”.

Do outro lado do Tejo, nas margens de Almada, cidade onde nasceu Pedro Barateiro, uma construção parece re-petir a forma do arco: o pórtico do estaleiro da Lisnave, elemento central de um filme que o artista mostrou o ano passado no Museo de Arte Con-temporánea de Vigo.

Ainda no terraço é possível ver as “colagens” de cores e signos que pre-enchem as bandeiras, viradas para o mar, de Francisco Vidal. Aqui e ali identificam-se símbolos africanos e uma bandeira onde o verde deu lugar ao azul-bebé e o vermelho ao verde-claro.

No interior, estão as restantes obras. Francisco Queirós “escondeu” nas paredes, junto a um dos bares, fotocópias e desenhos; num “quarto escuro”, disponível apenas para duas pessoas, corre um filme de Gabriel Abrantes sobre a ida de duas rapari-gas ao Lux e os terrores da Inquisição. Já em plena discoteca, não muito lon-ge dos cartazes de Alexandre Farto, acendem-se frases e figuras desenha-das e escritas por Vasco Araújo. Final-mente, Pedro Gomes fez um desenho em contraplacado por onde passamos a caminho do primeiro piso, onde nos espera instalação de Rodrigo Oliveira no bar e na cabine do DJ, e as colunas onde Mafalda Santos, inspirada nas cores e linhas dos equalizadores, ins-creveu a história dos espectáculos musicais do Lux.

Definitivamente, são todas inter-venções autónomas. Só uma coisa as liga: existem no escuro sob focos de luz. Iluminadas. Para serem vistas à noite.

“And the beat goes on”, Mafalda Santos

Pedro Cabrita Reis nos anos 80 cobrindo o Frágil de tinta

“Ad verbum”, Vasco Araújo

“Constantino”, Francisco Queirós

“Boca de Cena”, Pedro Barateiro

“Fading remains”, Alexandre Farto

Sem título, Pedro Gomes

o mesmo espaço. Pedro Barateiro ti-nha 14, 15 anos, quando deu com al-gumas destas intervenções, entretan-to desaparecidas. “Sim, lembro-me. Tanto no interior, como no exterior. A colaboração do Manuel Reis com os artistas já vem desse tempo. É uma tradição”.

João Pedro Vale que o diga. Chegou a conhecer o Frágil, mas as memórias que mais acarinha são as do bar-dis-coteca que nasceu no Cais da Pedra. “Consigo contar toda a sua história. Cheguei a ir a uma entrevista de em-prego, mas não fui aceite [risos] e es-tive na inauguração em 1998”, recor-da. “Para alguns artistas do meu tem-po, que hoje têm 30 e tal anos, foi um acontecimento que vivemos muito intensamente. E hoje temos distan-ciamento suficiente para perceber-mos que naquele ano, entre a Expo e a inauguração, estávamos ainda na faculdade, assistíamos a uma mudan-ça da cidade e da noite” – a título de curiosidade, Pedro Gomes, um dos artistas participantes em “O Dia pela Noite”, chegou a trabalhar no Lux.

João Pedro Vale realizou três “cola-borações” com o bar de Manuel Reis: “Toro” (2004), uma cortina de veludo onde se lia, recortada, a associação de palavras toro

roto; a performance que deu ori-gem ao vídeo “Festa Brava” (2005); e “Navio Fantasma” (2007), projecção vídeo que também passou pelo [res-taurante] Bica do Sapato. Para “O Dia pela Noite”, contribui com “Rainbow Kiss”, uma escultura de grandes di-mensões inspirada nos “Modelos Re-duzidos” de René Bertholo e que está colocada na parede exterior, à entrada do bar. Depois do estalo de “Hero, Captain and Stranger”, é uma peça “pacífica”, colorida (o céu cor-de-rosa, as estrelas amarelas) reminiscente de “Nuvem com Superfície Variável – III”,

do antigo membro do grupo KWY. Ex-plica o artista: “Há uma referência directa, de facto. As nuvens têm in-corporado motores programados se-gundo o mesmo princípio que inte-ressava ao René Bertholo nos seus modelos: a impossibilidade de con-trolar o aleatório. Há uma esfera que ao saltar faz com que o movimento seja irrepetível. O desenho nunca está igual, está sempre em movimento”. A presença do mar e dos barcos vizinhos lembra outros “Modelos Reduzidos” e a escultura retoma um método inau-

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projecto co-financiado pela União Europeia apoio

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O Hospital Júlio de Matos aparece ce-do na vida de Artur. É o próprio que o diz num texto para o catálogo da exposição “Os Outros”, ontem inau-gurada no novo Pavilhão 27 do agora Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lis-boa, antigo Júlio de Matos – um texto no qual se revela. “As minhas crises eram reincidentes e os internamentos foram-se sucedendo uns após os ou-tros, sem nunca resolver os proble-mas de fundo (...). Hoje estou bem (...). Tenho 42 anos e corro atrás dos meus sonhos.”

Artur Moreira corre atrás de so-nhos, quer refazer a vida, depois do mergulho na solidão que se seguiu a um divórcio. “Atravessei o meu deser-to, é verdade”, diz ao Ípsilon, já em entrevista. Agora vive com a mãe. E corre “com um Ferrari Testarossa de-pois de ter entrado [no hospital] com um Fiat 600”. É assim que encara as melhorias visíveis depois de um “tra-balho muito árduo, que absorveu imensa energia e paixão, e uma carga emocional muito grande”. Um per-curso em que a terapêutica e a dedi-cação ao desenho quase se confun-dem, nos últimos sete anos.

É um dos cinco artistas/doentes/residentes da exposição, feita em par-ceria com Pedro Cabrita Reis – o pin-tor aceitou o convite de Sandro Re-sende, orientador de desenho e pin-tura no serviço de reabilitação do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lis-boa e responsável da P28 - Associação de Desenvolvimento Criativo e Artís-tico, para participar em mais um pro-

jecto que junta artistas de dentro e de fora do hospital. Desta vez no Pa-vilhão 27, espaço de exposições de arte contemporânea, também ontem inaugurado.

Em resposta ao convite, Cabrita Reis ofereceu-se como modelo aos cinco doentes. E escolheu o nome “Os Outros” para a exposição de de-senhos de Artur Moreira, Francisco Gromicho, Marta Sales, Walter Barros e Francisco (que prefere não dar o apelido).

“O trabalho foi muito emotivo, mui-to rápido, instantâneo. Eles trabalha-ram enquanto o Pedro se movimen-tava”, diz Sandro Resende. No fim, já com os 37 desenhos escolhidos, Ca-brita Reis compôs peças escultóricas com luz, e a luz reflecte-se nos retra-tos, que assim passam também a auto-retratos. Lado a lado, os desenhos dos doentes e as peças de Cabrita Reis ocupam as oito salas do pavilhão.

A luz de fora preenche o espaço que se espraia por salas pequenas e outras mais amplas, de cada um dos lados iguais de um longo corredor. Sobrepõe-se à memória de vidas que aqui ficaram suspensas, de forma definitiva ou tem-porária. Uma memória que se arruma, como reflexo, no esquecimento. Mas isso é antes de as grades em quadrícu-la sobre as janelas no interior das pa-redes nos lembrarem que aqui também houve histórias de internamento.

Cumprir a vidaFrancisco recorda o dia em que en-trou e entregou tudo o que tinha,

mesmo acessórios simples como o cinto das calças, que, naquele sítio, por precaução, ganhavam novo sig-nificado. Gosta de desenhar mas pre-feria nunca ter tido de o fazer se isso significasse não ter sofrido e ter de vir ao hospital, agora como doente externo. Depois de um curto interna-mento, sente-se melhor. Tem 70 anos e quer cumprir a vida, os projectos de leituras, passeios e visitas que acu-mulou.

Num dos dois desenhos que tem expostos, não se vê mas adivinha-se a cara de Cabrita Reis, com os óculos pousados na forma arredondada da barriga, os pés e as dobras da camisa bem definidos. No outro desenho, as palavras “jacente”, “Holbein” e “Man-tegna” (numa evocação do “Cristo” do pintor alemão Hans Holbein – 1487-1543 –, inspirado do italiano Manteg-na) que Cabrita Reis escreveu a ver-melho a seu lado.

Nem Francisco nem Artur Moreira pensaram em quem convidar para a inauguração. A pergunta parece não fazer sentido, mas acaba por motivar respostas. Talvez a irmã, para Fran-cisco, que parece ser a única pessoa que tem. Talvez a mãe, diz Artur, ago-ra que não saem tanto juntos em pas-seios por ele “já não ter a mesma necessidade de espairecer”.

“Estou num caminho secundário à procura do nó para entrar de novo na auto-estrada”, continua Artur. Perdeu-se nos chavões que catalogam as pessoas como esquizofrénicas ou psicóticas. “As doenças mentais

Pedro Cabrita Reis deixou-se possuir por cinco artistas-doentes do antigo Júlio de Matos, agora Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa, que mostram os seus trabalhos no Pavilhão 27. Para

eles, “Os Outros” não é uma exposição: é um projecto de vida. Ana Dias Cordeiro

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“A nossa ideia é puxaro artista de fora para dentro do hospital para as pessoas perceberem que o trabalho dos doentes é um trabalho contemporâneo, conceptual”Sandro Resende

Pedro Cabrita Reis por Artur Moreira

O desenho também curaArtur Moreira tinha crises reincidentes, “e os

internamentos foram-se sucedendo uns após os outros, sem nunca resolver os problemas de fundo”. Agora,

com 42 anos, quer refazer a vida, depois de um divórcio: “Atravessei o meu deserto, é verdade”. A

reabilitação foi “um trabalho muito árduo”, que, ao longo de sete anos, “absorveu imensa energia e paixão”. E a dedicação ao desenho, sublinha, foi

fundamental nesse processo.

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são estigmatizadas. Mas acho que todos nós somos potenciais esquizo-frénicos.” E para quem não sabe: “A reabilitação de um doente mental está sempre associada a um enorme sofrimento.”

O projecto de Sandro Resende com a P28 - Associação de Desenvolvimen-to Criativo e Artístico, que em 2002 arrancou no Júlio de Matos e noutros espaços em Lisboa, centra-se na ideia de reabilitação pela arte. “Nós reabi-litamos espaços mas também reabili-tamos pessoas, nem que seja as pes-soas que vêm cá e nunca antes viram uma exposição”, diz. Especifica: “A nossa ideia é puxar o artista de fora para dentro do hospital para as pes-soas perceberem que a exposição dos doentes é uma exposição contempo-rânea, conceptual”, como outra qual-quer. “Não há aqui a explorar a ideia” dos artistas-doentes como “seres di-ferentes”: “Este é um trabalho de de-senho e escultura”, ponto.

Interpretação em espelhoNa sala com mais desenhos, Cabrita Reis também preencheu o espaço com mais esculturas de madeira, ci-mento e luz, que se equilibram como seres interligados entre si. O efeito da luz sobre os desenhos muda conso-ante a posição de quem observa, da mesma forma que o modelo muda consoante a perspectiva de quem o retrata.

“Há uma interpretação do Pedro através das esculturas e da ilumina-ção”, diz Sandro Resende. Tal como em cada desenho há uma interpreta-ção do modelo, da sua silhueta de Cabrita Reis, que, segundo Francisco Gromicho, 48 anos, se presta ao tra-balho que faz desde que frequentou a escola de artes visuais do Arco, em Lisboa, nos anos 80. “Eu trabalho muito com o volume, com a sensua-

lidade da forma. E as formas arredon-dadas de Pedro Cabrita Reis propor-cionam isso.”

Quando Sandro Resende lhe falou

do projecto, Gromicho sentiu receio, como noutras alturas da vida em que teve medo de as coisas se tornarem demasiado grandes para poder lidar com elas. Receia porque idealiza, co-mo idealizou as respostas desta entre-vista. Sofre de esquizofrenia emotiva, relacionada com o envolvimento emo-cional com o mundo e com as pessoas, explica. “É uma vivência muito inte-rior, muito pessoal. Fico a memorizar o que vivi, o que as pessoas disseram, nem sempre consigo fazer o luto das situações ao longo do dia. Tenho difi-culdade em passar à frente e avançar.” Por isso, completa, aceitou este desa-fio com Pedro Cabrita Reis como uma proposta “para a frente”.

Na folha de papel em branco, avan-ça sem medo. Como na grande folha onde cabem três figuras de Cabrita Reis. À frente da obra, revive os dois minutos que durou o processo de criação “muito intuitivo”: “Na pose em que [Cabrita Reis] está deitado, com cores, vejo os pés, depois levan-ta-se, circula, e as costas são em cin-zento, como se a figura estivesse a sair do peito. À esquerda está em cruz, no canto.”

Como pessoa rebelde que é, inca-paz de um trabalho regular, precisa de rotina para “procurar chão”.

“O desenho é uma forma de disci-plina e reflecte por vezes um estado de alma. Vou controlando a minha saúde através do desenho. Às vezes sinto-me diferente, insuficiente so-cialmente, e então talvez procure nas formas essa lacuna, embora eu tam-bém escolha a solidão, mas uma so-

lidão preenchida com as imagens que me rodeiam”, diz.

Desenhar para possuir“Desenhar uma pessoa é a melhor for-ma de a possuir”, escreve Marta Sales no catálogo, onde transcreve um curto diálogo com Pedro Cabrita Reis:

“M – Pedro, estás possuído.P – E como foi?M – Foi um prazer (Pausa). Vou pe-

dir um café, já volto. Fica sossegadi-nho e não gires a cabeça 360º, que isso assusta as pessoas.”

Numa das oito salas, o retrato feito por Marta Sales do artista em pé de braços abertos começou pela mão esquerda e o contorno foi desenhado com um traço único. Em frente, a es-cultura de luzes que Cabrita Reis ima-ginou para esta sala está a abraçar a imagem.

Um outro desenho que ocupa uma das paredes sobrepõe várias silhue-tas, em traço fino, de Cabrita Reis, a uma figura de contornos e formas preenchidas, sentada.

“Marta Sales é, dos cinco, a que faz um desenho mais directo, mais fiá-vel”, diz Sandro Resende. Marta é jovem, arquitecta e tem talento, mas um futuro incerto. “Gromicho é um artista muito expressivo.” Desenha como respira. Não parou nas cinco horas intensivas que durou o projec-to. “O Artur é uma pessoa mais emo-tiva e interage mais com o modelo, com o Pedro”, completa Sandro Re-sende.

Artur sabia sempre responder quando lhe perguntavam o que que-ria ser. “Arquitecto”, dizia. Mas “as coisas não são sempre como esperá-vamos que fossem.”

Ainda podem ser, parece querer dizer Sandro Resende.

Artur Moreira já expôs no Palácio das Galveias e Francisco Gromicho vendeu vários retratos. Além das vá-rias exposições com artistas profis-sionais no Pavilhão 28, os artistas do atelier do hospital já expuseram em projectos na Culturgest e na Gul-benkian. “Há esta necessidade de eles passarem estes muros baixinhos mas que na cabeça deles são muito al-tos.”

Ver agenda de exposições pág. 40

“Desenhar uma pessoa é a melhor forma de a possuir”,escreve Marta Sales no catálogo. “[Marta]é, dos cinco, a que faz um desenho mais directo, mais fiável”, diz o curador

Francisco Gromicho é incapaz de um trabalho regular, mas precisa de rotina para “procurar chão”. O desenho é, justamente, “uma forma de disciplina”: “Vou controlando a minha saúde através do desenho.

Às vezes sinto-me diferente, insuficiente socialmente, e então talvez procure nas formas essa lacuna”. Sofre de esquizofrenia emotiva: “É uma vivência muito interior, muito pessoal. Fico a memorizar o que vivi, o que as pessoas disseram, nem sempre consigo fazer

o luto das situações ao longo do dia. Tenho dificuldade em passar à frente e avançar”.

Marta Sales desenhou Pedro Cabrita Reis num traço único

O processo de criação de Francisco Gromicho foi “muito intuitivo”

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Franz Ferdinand na Queima das Fitas do Porto, com Buraka e Crystal Castles Pág. 46

Scout Niblett comovente, como toda a grande arte. Pág. 48

Filomena Marona Beja um humor admirável em “Bute Daí, Zé!”; e bute daí, leitor: vamos lá aprender o que foi o 25 de Abril. Pág. 51

Ben Stiller o “jewish humor” nova-iorquino em “Greenberg”. Pág. 42

Enrique Vila-Matas “Diário Volúvel”: a estranha forma de vida que é viajar para falar de literatura, escrever sobre os livros que se leu, conviver com a literatura e seus autores Pág. 51

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O Prémio Literário Revelação Agustina Bessa-Luís destina-se a distinguir, anualmente, um romance inédito de autor português, premiando-o com um prémio de 25 mil euros e a edição do romance. O prazo de recepção dos originais termina no próximo dia 14 de Maio.Mais informações www.casino-estoril.pt

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No refrão do tema que dá título ao seu álbum, Bonnie “Prince” Billy canta: “You do what you want/ And I will do what I want;/ I’m now free of master and everyone,/ Servant of all and servant to none.” O poema pode ser lido como um prolongamento do texto de Maggioni: em ambos se lê uma vontade de liberdade, um nomadismo associado à vida cigana. A resistência às mais adversas das condições espelha-se no direito inalienável à singularidade, algo que pode corresponder às teses que o filósofo Paolo Virno descreve em “Gramática da Multidão”, obra de 2002: “Os ‘muitos enquanto muitos’ são aqueles que compartilham o ‘não se sentir na própria casa’ e, assim, instalam essa experiência no centro da própria prática social e política.”

Há ainda Daido Moriyama, que, em 1972, lançou o mítico “Bye bye photography” (“Shashin yo

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

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Muitos enquanto muitos“Master and Everyone”, de André Príncipe, na galeria Fernando Santos, no Porto. Óscar Faria

Master and EveryoneDe André Príncipe.

Porto. Galeria Fernando Santos. Rua Miguel Bombarda, 526/536. Tel.: 226061090. Até 29/05. 2ª e Sáb. das 15h às 19h30. 3ª a 6ª das 10h às 12h30 e das 15h às 19h30.

Fotografia.

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Em 2003, Bonnie “Prince” Billy editou um álbum seminal intitulado “Master and Everyone.” O disco inclui, no verso da contracapa, um poema intitulado “A zíngara”, escrito pelo libretista S. Manfredo Maggioni e musicado por Giuseppe Verdi – o tema faz parte do ciclo de canções “Album di Sei Romanze”, publicado em 1845. Na reprodução do texto, o cantautor norte-americano sublinha as últimas quatro linhas de uma tradução inglesa do original em italiano: “Io sono una pianta che ghiaccio non spoglia,/ Che tutto disfida del verno il rigor;/ Se fronda qui cade, là un’altra germoglia,/ In ogni stagione son carca di fior.” (“Sou uma planta que o gelo não despoja/ Que todo o rigor do inverno desafia;/Se folha aqui cai, ali outra germina,/ Em cada estação sou plena de flores”).

Visita guiada

O Museu Nacional Soares dos Reis, no Porto, organiza na manhã do próximo domingo, dia 2, uma visita guiada à retrospectiva ”Nadir Afonso - Sem Limites”. Adelaide

Ginga, a comissária desta exposição que reconstitui o percurso de um dos mais singulares artistas portugueses do século XX, conduz os visitantes, a partir das 11h. A exposição, que teve

inauguração no passado dia 15, fi ca no Soares dos Reis até 13 de Junho. Dali segue para o Museu do Chiado, em Lisboa, onde estará aberta de 23 de Junho a 3 de Outubro.

Sayonara”), na qual tinha a intenção de explorar a fotografia até limites não só de ordem conceptual, mas também relacionados com questões visuais, um projecto construído com recurso a procedimentos inspirados quer na escrita automática, quer no “cinema-verdade”. No primeiro volume de “The photobook: a history”, de Martin Parr e Gerry Badger, lê-se que este é um dos “mais extremos livros de fotografia jamais publicados”, acrescentando-se ainda que esta obra é um documento central da era “Provoke”, assim designada devido à revista homónima – da qual se publicaram três números entre 1968 e 1969 –, onde se podia encontrar uma linguagem visual “are, bure, boke” (“áspera, baça e desfocada”). “Bye bye photography” inclui ainda um diálogo entre Moriyama e Takuma Nakahira, um dos

fundadores da “Provoke”, na qual são evidentes as diferentes perspectivas políticas dos membros deste grupo informal.

O responsável pela ponte entre Bonnie “Prince” Billy e Daido Moriyama é André Príncipe (Porto, 1976), que intitula a sua exposição – e a publicação editada pelas edições Pierre von Kleist por ocasião da mostra – “Master and everyone”. A sucessão de imagens inicia-se precisamente com um retrato de Moriyama, o primeiro de três fotógrafos japoneses visíveis em outras tantas imagens. Nobuyoshi Araki e Syoin Kajii – um monge budista que se dedica a fotografar ondas na costa da ilha de Sado, onde vive – completam o trio homenageado. Há ainda outras personagens que surgem expostas: casais em situações domésticas, por vezes íntimas – um charro feito em cima de “Buddha 2”, um dos volumes da saga desenhada por Osamu Tesuka, considerado como “pai” do manga, entre 1974 e 1984 –; e também pessoas anónimas certamente próximas do autor. Há também um caminho entre a paisagem, flocos de neve enquanto um corpo se afasta na noite e um solitário pintassilgo.

A escala das imagens e a montagem da exposição são duas das mais-valias de um percurso que nos traz essa vida nómada, porventura a condição essencial de um fotógrafo. Como diz Syoin Kajii no fim de uma conversa, quando o entrevistador lhe pergunta o que gostaria de acrescentar ao já dito acerca das suas obras: “Nada mais. Preferiria antes que os espectadores as vissem livremente, com a sua própria individualidade.”

As personagens de André Príncipe surgem expostas em situações sociais ou domésticas,

por vezes mesmo íntimas

InauguramRecanto do OceanoDe Luís Viegas Belchior, Colecção Alcídia. Porto. Centro Português de Fotografia - Cadeia da Relação do Porto. Campo Mártires da Pátria. Tel.: 222076310. De 02/05 a 22/05. 2ª a 6ª das 10h às 18h. Sáb., Dom. e Feriados das 10h às 19h. Inaugura 2/5 às 16h30.

Fotografia.

SussuroDe Henrique Silva. Porto. Centro Português de Fotografia - Cadeia da Relação do Porto. Campo Mártires da Pátria. Tel.: 222076310. De 02/05 a 25/07. 2ª a 6ª das 10h às 18h. Sáb., Dom. e Feriados das 10h às 19h. Inaugura 2/5 às 16h30.

Fotografia.

Le Mur, L’ Humour, L’ AmourDe Ana Pérez-Quiroga. Lisboa. Espaço Bá. R. do Barão, 10. Tel.: 218872396. De 04/05 a 02/07. 2ª a 6ª das 09h30 às 18h. Inaugura 4/5 às 19h.

Instalação.

What Are The Master PiecesDe Jorge Nesbitt. Lisboa. Alecrim 50. R. do Alecrim, 48-50. Tel.: 213465258. De 06/05 a 05/06. 2ª a 6ª das 11h às 19h. Sáb. das 11h às 18h. Inaugura 6/5 às 19h.

Sub RosaDe Nuno Ramalho. Porto. Espaço Fundação (Rua do Bonjardim). R. do Bonjardim, 951. Tel.: 919059992. De 30/04 a 29/05. Sáb. das 16h às 20h. Inaugura 30/4 às 22h.

Desenho.

41º 52’ 59’’ Latitude N / 8º 51’ 12’’ Longitude ODe Jorge Barbi. Lisboa. Centro de Arte Moderna - José de Azeredo Perdigão. Rua Dr. Nicolau Bettencourt. Tel.: 217823474 . De 06/05 a 11/07. 3ª a Dom. das 10h às 18h. Inaugura 6/5 às 18h30.

Fotografia, Outros.

ContinuamO Dia Pela NoiteDe Gabriel Abrantes, Vasco Araújo, Pedro Barateiro, entre outros. Lisboa. Lux Frágil. Av. Infante D. Henrique, Armazém A. Tel.: 218820890. Até 26/02. 5ª a Sáb. das 23h às 06h.

Instalação, Outros. Ver texto na pág. 35 e segs.

Agenda

Os OutrosDe Pedro Cabrita Reis, Artur Moreira, Francisco Gromicho, entre outros.Lisboa. Pavilhão 27 - Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa (pólo Júlio de Matos). Av. do Brasil, 53. Tel.: 926534795. Até 30/06. De 2ª a 6ª das 10h às 17h. Sáb. das 14h às 20h.

Desenho, Instalação, Outros. Ver texto na pág. 37 e segs.

A Matéria Negra da Luz dos MediaDe Dara Birnbaum.Porto. Museu de Serralves. Rua Dom João de Castro, 210. Tel.: 226156500. Até 04/07. 3ª a 6ª das 10h às 17h. Sáb., Dom. e Feriados das 10h às 20h.

Vídeo, Outros.

This Is My ConditionDe Ryan McGinley, Ryan McNamara, Ryan Trecartin, entre outros. Lisboa. Galeria Filomena Soares. Rua da Manutenção, 80. Tel.: 218624122. Até 11/09. 3ª a Sáb. das 10h às 20h.

Pintura, Vídeo, Instalação, Fotografia, Escultura, Outros.

Dessine-moi un voyageDe Jean-François Pirson.Coimbra. Centro de Artes

Visuais. Pátio da Inquisição, 10. Tel.: 239826178. Até 26/06. 3ª a Dom. das 14h às 19h.

Desenho, Fotografia, Instalação, Outros.

Trans-CaucásiaDe Pauliana Valente Pimentel. Lisboa. 3 + 1 Arte Contemporânea. Rua António Maria Cardoso, 31. Tel.: 210170765. Até 29/05. 3ª a Sáb. das 14h às 20h.

Fotografia.

Lourdes Castro e Manuel Zimbro: A Luz da SombraPorto. Museu de Serralves. Rua Dom João de Castro, 210. Tel.: 226156500. Até 13/06. 3ª a 6ª das 10h às 17h. Sáb., Dom. e Feriados das 10h às 22h.

Escultura, Outros.

Mystic DiverDe Catarina Dias. Lisboa. Museu da Cidade de Lisboa. Campo Grande, 245. Tel.: 217513200. Até 13/06. 3ª a Dom. das 10h às 18h. Pavilhão Preto.

Desenho, Performance, Objectos, Outros.

O Ofício de ViverDe Daniel Blaufuks. Lisboa. Carlos Carvalho - Arte Contemporânea. Rua Joly Braga Santos, Lote F - r/c. Tel.: 217261831. Até 15/05. 2ª a 6ª das 10h30 às 19h30. Sáb. das 12h às 19h30.

Fotografia, Vídeo.

“Mystic Diver”, de Catarina Dias, no Museu da Cidade

de Lisboa

O galego Jorge Barbi a partir de dia 6 no Centro de Arte Moderna da Gulbenkian

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reversíveis causa e efeito, ou não) com o fracasso real e objectivo ou com a sua, mais volátil, mais mental, impressão.

Coisas que não o deixam assim tão longe do seu compincha Wes Anderson (com quem escreveu o argumento de “Life Aquatic With Steve Zissou”), mas mais ainda o aproximam de toda a uma tradição do humor americano, em particular a que se liga ao “jewish humor” nova-iorquino (a personagem de Larry David no último Woody Allen não deixará de ocorrer ao espectador de “Greenberg”). A presença de Ben Stiller no papel do homónimo e desagradabilíssimo protagonista do filme reforça esta sensação, porque Stiller, que tem um pé (se não os dois) nessa tradição, costuma trazer às suas personagens porções q.b. de neurose e “méchanceté” para fazer dele uma presença sempre interessante, mesmo nas comédias anódinas em que tem gasto boa parte da carreira. E em “Greenberg” (que por alguma razão leva como título o nome da personagem) ver Stiller a construir uma personagem em permanente negação de tudo o que o espectador espera de uma personagem – frustração, antipatia, acidez emocional – se não faz o filme todo faz pelo menos metade. (A talhe de foice: é extraordinário o número de comentários críticos que podemos ler – sobretudo críticos americanos “of Internet fame”, é certo – a queixarem-se da falta de “pontes” entre a personagem e o espectador como “defeito” do filme; estamos tramados se agora até já os críticos de cinema clamam por “empatia”).

E o que faz a outra metade do filme é uma certa qualidade de escrita – em sentido lato, não só o argumento e os diálogos (também), mas sobretudo uma “escrita cinematográfica” que se instala entre a convenção (clássica) e a “nova convenção” (herança do instituído, e já digerido, estilo “independente americano” como Sundance o promoveu) com alguma largueza, numa impressão de austeridade bem dominada e almofadada (nos tempos, na concentração das cenas, no esvaziamento das peripécias), uma “escrita”, dizíamos, não espantosamente criativa, não verdadeiramente entusiasmante, mas inapelavelmente justa. Justa, porque não só não trai a frieza que rodeia a personagem de Greenberg como a faz caminhar ao lado dele, transmitindo-a aos outros (que se defendem como podem, mormente a rapariga interpretada por Greta Gerwig, interesse romântico de Greenberg, se “interesse” e “romântico” não forem palavras exageradas para a psique da personagem) e aos lugares desta Los Angeles singularmente árida, que com outras soluções (outras cores, outra luz), pelo menos nalguns planos parece ser submetida ao mesmo tratamento da Nova Iorque – também um pouco árida e indistinta – de “A Lula e a Baleia”. Como esse filme – e pensamos na fabulosa personagem de Jeff Daniels, o pai-escritor falhado – também “Greenberg” é um tragicomédia sobre o fracasso, na vida e na profissão. Na “Lula” havia algum lugar para a esperança, ou pelo menos para reflexos (os

filhos) que devolvessem outra imagem. Aqui estamos noutro passo, um pouco mais irremediável: Greenberg já não vê nada. Mas é essa cegueira, a mesma que faz dele “insuportável”, que o torna comovente. Nunca foi outra a arte de conceber e tratar personagens de cinema. Baumbach sabe fazê-lo bem.

A guerra de um país sóA história da castração de um país. Luís Miguel Oliveira

Fantasia LusitanaDe João Canijo. M/12

MMMnn

Lisboa: CinemaCity Campo Pequeno Praça de Touros: Sala 6: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 16h20, 17h50, 19h15, 21h40;

Porto: Nun`Álvares: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 19h;

Entre a Civilização e o Mal, entre a Democracia e a Tirania, Portugal escolheu... a neutralidade. Sabemos, claro, que a história não foi assim tão simples, que nos bastidores o funambulismo (eventualmente brilhante) foi mais do que muito, que as necessidades de sobrevivência do regime não deixavam muitas opções, que a partir de certa altura a “neutralidade” foi mais uma “não-beligerância”, o que não quer dizer exactamente o mesmo. Mas persistiu, durante e depois da II Guerra, o culto da neutralidade portuguesa (“escrupulosa e honrada”, como se ouve no filme de João Canijo) enquanto virtude suprema, parte, ainda, de uma história de predestinação e privilégio.

Décadas depois, os mais novos ainda ouviam esta cantiga da boca dos mais velhos. E, comodamente nascidos décadas depois do conflito, embrenhados na leitura de histórias da II Guerra, desconhecedores das subtilezas da posição portuguesa na geo-estratégia da altura, impunha-se-lhes a questão moral que cobria a neutralidade com uma tonalidade ligeiramente abjecta: é que mesmo a escolha do Mal e da Tirania teria sido mais fácil de entender, ao menos tratar-se-ia de um compromisso claro.

Não são outras as questões desta “Fantasia Lusitana” de João Canijo. A partir de imagens de arquivo, um retrato de Portugal durante a guerra, durante a neutralidade. Grandes e pequenas celebrações, um quotidiano mais ou menos extraordinário que se tentava manter tão... ordinário quanto fosse

Cin

ema

Estreiam

O fracasso como coisa desagradávelÉ o grande tema dos filmes de Noah Baumbach: o egocentrismo neurótico e a sua relação com o fracasso. Luís Miguel Oliveira

GreenbergDe Noah Baumbach, com Ben Stiller, Greta Gerwig, Jennifer Jason Leigh. M/12

MMMnn

Lisboa: Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h30, 19h, 21h40, 24h; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 13: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h20, 16h40, 19h05, 21h45, 00h10 Domingo 11h30, 14h20, 16h40, 19h05, 21h45, 00h10; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h10, 18h50, 21h30, 00h10; ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h50, 18h40, 21h30, 24h; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h25, 18h15, 21h35, 00h10; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55, 15h25, 18h, 21h05, 23h40;

Porto: Arrábida 20: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 14h05, 16h35, 19h10, 21h45, 00h25 3ª 4ª 16h35, 19h10, 21h45, 00h25; ZON Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h20, 19h20, 22h, 00h40;

Começa a parecer claro, depois de “A Lula e a Baleia”, “Margot at the Wedding”, e agora “Greenberg”, que o grande tema dos filmes de Noah Baumbach é o egocentrismo neurótico e a sua relação (de

Jorge Mourinha

Luís M. Oliveira

Mário J. Torres

Vasco Câmara

Ervas Daninhas nnnnn mmmnn mmmmm mmmmn

Eu Amo-te Philip Morris mmnnn nnnnn mmnnn mmnnn

Fantasia Lusitana mmmnn mmmnn nnnnn mmmnn

Greenberg mmmmn mmmnn nnnnn nnnnn

Kick-Ass - O Novo Super-herói mmmnn nnnnn nnnnn nnnnn

Ruínas mmmmn mmmmn mmmmn mmmnn

O Tempo que Resta mmmnn mmnnn mmmnn mmnnn

Um Lugar para Viver nnnnn nnnnn mmmnn nnnnn

Soul Kitchen mmmnn mmnnn mnnnn mnnnn

Thirst nnnnn nnnnn mmmnn mmmnn

As estrelas do público

“Greenberg” é um tragicomédia sobre o fracasso, na vida e na profi ssão

série ípsilon II

20anos

Sexta-feira,dia 07 de Maio,o DVD “Intervenção Divina”, de EliaSuleiman

Todas as sextas,

por €1,95.

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Ípsilon • Sexta-feira 30 Abril 2010 • 43

assumir. Dir-se-ia que o regime tinha perfeita noção disto: entre as

últimas imagens mostra-se uma qualquer cerimónia de

possível. Portugal como ilha, pedaço feito de ordem e calma, parêntesis num mundo a ferro e fogo. O trabalho de Canijo com o material que pesquisou nos arquivos é sobretudo uma bela operação de compilação, com o mérito de agir sobre os documentos – em grande maioria, documentos “oficiais”, produzidos para filmes de actualidades, naturalmente com o alto patrocínio da propaganda de Estado – de maneira subtil, sem os forçar e sem os caricaturar. Porque, na verdade, já lá estava tudo: se o filme de Canijo tem um discurso sobre a neutralidade, suas razões e virtudes, esse discurso constrói-se a partir dos discursos da época, das justificações oficiais e providenciais, das loas a Carmona e a Salazar, da construção da ideia de uma neutralidade “merecida” (expressão que a locução de época refere insistentemente) que faz da II Guerra um castigo que outros povos, menos “merecedores”, não souberam evitar. Tudo isso está lá, na origem, mais aquilo que sempre espanta nos noticiários e actualidades portuguesas do tempo da guerra: a indiferença descomprometida, a alegria esforçada, a entropia isolacionista, a fantasia (lusitana) da predestinação.

Como boa compilação, “Fantasia Lusitana” condensa os traços essenciais do ideário da neutralidade com que Portugal cruzou a II Guerra. Onde o filme ganha outra densidade e, digamos, se sedimenta, é na inclusão de uma espécie de contracampo para estas imagens – o olhar dos estrangeiros, dos estrangeiros que por Lisboa deambularam à espera de um barco para os EUA. Alfred Döblin, Erika Mann (a filha de Thomas) e Antoine de Saint-Exupéry: o que escreveram sobre a sua permanência em Portugal, dito em “off” na língua original (o único comentário falado que o filme acrescenta à locução de época) vem agir sobre as imagens, criar-lhes um negativo, desmontar a alegria postiça. São relatos de um país estranho, povoado por gente estranha. Todos falam de uma espécie de tristeza pouco condicente com a gratidão pela neutralidade. Erika Mann (cujo texto é dito por Hanna Schygulla) nota que em Londres as pessoas lhe pareceram mais alegres do que em Lisboa, e no entanto as pessoas de Londres viviam debaixo do “blitz”. Mas as pessoas de Londres, conclui ela sem verdadeiramente precisar de o fazer, extraíam a sua alegria de se saberem envolvidas num combate pela justiça. A neutralidade poupa sofrimento, mas castra. “Fantasia Lusitana” também é a história desta castração, e de um país a que, soterrado debaixo de tralha beata e saudosista (a Exposição do Mundo Português, Fátima, o folclore), não foi concedida a possibilidade de se

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Prequela

Ridley Scott regressa a “Alien”, o sucesso de 1979. Em declarações ao site “Collider.com”, o realizador avança que vai realizar não uma, mas duas prequelas, em 3D. O argumento do primeiro fi lme já teve quatro esboços e o lançamento está marcado para 2011 ou 2012.

Cineclubes para mais informações consultar www.fpcc.pt

Cine-Teatro S. Pedro Largo S. Pedro- Abrantes

Pare, Escute, Olhe De Jorge Pelicano, 2009, M/6 5 /5, 21h30

Cinema Teixeira de Pascoaes Centro Comercial Santa Luzia - Amarante

Ágora De Alejandro Amenabar, 2009, M/12 30/4, 21h30

Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão Parque de Sinçães – Famalicão

Indie Lisboa – Filmes Premiados 5 /5, 21h30h - Pequeno Auditório

Indie Lisboa – Herói Indie: My Childhood + My Ain’ Folk

De Bill Douglas 6 /5, 21h30 - Pequeno Auditório

Fundação Cupertino de Miranda Praça D. Maria II – V.N. Famalicão

8 ½

De Federico Fellini, 1963, M 12 30 /4, 21h30h

Centro Cultural Vila Flor Av. D. Afonso Henriques, 701 - Guimarães

Extensão do Indie Lisboa 2010 4 e 5 /5, 21h45 - Pequeno Auditório

Afterschool De Antonio Campos, 2008, M 12 6 /5, 21h45 - Pequeno Auditório

Cinemas Ria Shoping Estrada Nacional 125, 100 - Olhão

Deixa Chover De Agnès Jaoui, 2008, M 12 4 /5, 21h30

Cine-Teatro António Pinheiro R. Guilherme Gomes Fernandes, 5 - Tavira

Ruinas De Manuel Mozos, 2009, M 6 6 /5, 21h30h

Teatro Virgínia Largo José Lopes dos Santos – Torres Novas

Atirar num Elefante De Alberto Arce e Mohammad Rujailah, 2009, M 12 5 /5, 21.30h

Teatro Municipal Sá de Miranda Rua Sá de Miranda - Viana do Castelo

X Encontros de Viana Filme Concerto – Kino Eye (1924) com Space Ensemble 3 /5, 21h30

Precious De Lee Daniels, 2009, M 16 4 /5, 21h30

O Laço Branco, 2009, M 16 De Micheal Haneke 5 /5, 21.30h

Auditório do IPJ (Viseu) R. Dr. Arestides de Sousa Mendes, 33 - Viseu

Várias Curtas - Sessão #3 da Europa... De Jean Luc-Godard, Nanni Moretti, entre outros. 4 /5, 21h45

A Nau Portugal em “Fantasia Lusitana”

tt regressa aucesso de 1979. Ems ao site “Collider.lizador avança quer não uma, mas duas em 3D. O argumento

o fi lme já teve quatro o lançamento está ara 2011 ou

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SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPALRUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 [email protected] / T: 213 257 640

BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20HT: 213 257 650; [email protected] À VENDA NA TICKETLINE E NOS LOCAIS HABITUAIS

SÃOLUIZMAI~1O

17 MAI

VINICIUSCANTUÁRIASAMBA CARIOCAMÁRIO LAGINHA CONVIDADO ESPECIAL

SEGUNDA ÀS 21H00SALA PRINCIPALPRODUÇÃO UGURUM/3

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A FÁBRICAbaseado em O Segredo do Céu de PÄR LAGERKVIST

encenação Miguel Fonseca co-produção TEATRO AGITAsala estúdio | 4ª a sáb 21h45 | dom 17h30 | M/12

HAVIA UM MENINO QUE ERA PESSOAPoemas para a Infância de FERNANDO PESSOA

encenação Lucinda Loureiro | com José Figueiredo Martinssáb e dom 15h para toda a família | M/6para escolas durante a semana | sob marcação

4ª a sáb às 20h30dom às 16h30 | M/6

JORGE SALGUEIRO

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44 • Sexta-feira 30 Abril 2010 • Ípsilon

agradecimento, já depois de terminada a guerra, e a locução, levemente invejosa dos “V-days” de outros países, salienta: “não tivemos um dia V, mas tivemos um dia S”. S de Salazar, claro. Valha-nos isso. Travámos a guerra sozinhos, sem verdadeiramente entrar em guerra alguma. Mais extraordinário, ganhámo-la. Derradeira fantasia.

Continuam

Eu Amo-te Phillip MorrisI Love You Phillip MorrisDe Glenn Ficarra, John Requa, com Jim Carrey, Ewan McGregor, Leslie Mann. M/16

MMnnn

Lisboa: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 4: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h50, 18h30, 21h20 6ª 15h50, 18h30, 21h20, 23h50 Sábado 12h50, 15h50, 18h30, 21h20, 23h50 Domingo 12h50, 15h50, 18h30, 21h20; Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h35, 16h10, 18h40, 21h15, 23h30; CinemaCity Campo Pequeno Praça de Touros: Sala 8: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h05, 16h25, 19h20, 22h10, 00h20; Medeia

Saldanha Residence: Sala 5: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 15h45, 17h50, 19h55, 22h, 00h30; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 5: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h30, 16h45, 19h20, 22h, 00h10 Domingo 11h30, 14h30, 16h45, 19h20, 22h, 00h10; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h35, 15h50, 18h10, 21h40, 24h; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 15h30, 18h, 21h, 23h20; ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 15h40, 18h10, 21h05, 23h30; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h35, 18h10, 21h10, 23h40; ZON Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 15h30, 17h50, 21h40, 24h; ZON Lusomundo Vasco da Gama: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h55, 18h55, 21h50, 00h10; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h10, 17h40, 21h35, 24h;

Porto: Arrábida 20: Sala 12: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 14h20, 16h50, 19h10, 21h45, 00h15 3ª 4ª 16h50, 19h10, 21h45, 00h15; Medeia Cidade do Porto: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h20, 16h50, 19h20, 21h50; ZON Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 14h40, 17h, 19h30, 22h, 00h25 4ª 14h40, 17h, 19h30, 00h25; ZON Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h40, 18h20, 21h10, 24h; ZON Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 15h50, 18h30, 21h20, 24h; ZON Lusomundo Fórum Aveiro: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 16h10, 18h40, 21h20 6ª Sábado 13h15, 16h10, 18h40, 21h20, 00h10;

O essencial de “Eu Amo-te Philip Morris” passa pela evidência da dificuldade extrema de construir veículos adequados para a “persona” de Jim Carrey, sem cair na repetição desordenada e soez de tiques, com a noção de que um grande actor necessita de material renovado e desafiador. Daí a existência desta comédia “gay” (grotesca e excessiva até aos limites da homofobia controlada e perigosa) que se esgota em todos os estereótipos, como se pretendesse emular um estilo “militante”, que critica, sem, de facto, o entender plenamente. O resultado é misto, algures entre a farsa inconsequente, sem lugar para mais nada a não ser a prestação desmesurada do protagonista (Ewan McGregor serve de “papel de embrulho”, o que é um irritante desperdício), e a caricatura

algo pateta de um “thriller” quase inexistente nas entrelinhas: os divertidos “gags” raramente encontram uma realização à altura das suas ambições representativas (porque o filme se revela ambicioso) e damos por nós esgotados pela repetição de fórmulas foleiras de um “drag show” sem grande sentido, nem a desejada densidade. E assim se perde a oportunidade de ultrapassar a mediania, como se queria demonstrar. M.J. T.

Soul KitchenDe Fatih Akin, com Adam Bousdoukos, Moritz Bleibtreu, Birol Ünel. M/12

Mnnnn

Lisboa: Medeia King: Sala 2: 5ª Domingo 3ª 4ª 13h30, 15h30, 17h40, 19h45, 21h45 6ª Sábado 2ª 13h30, 15h30, 17h40, 19h45, 21h45, 00h15; Medeia Monumental: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 15h30, 17h30, 19h45, 21h45, 00h15;

Porto: Medeia Cidade do Porto: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h05, 16h35, 19h05, 21h30;

À força de querer mostrar-se verdadeiro no modo como espelha o real, “Soul Kitchen” resvala na mais histérica das caricaturas, sempre mais interessado no acessório do que no retrato geracional que aspira a esboçar, com personagens boçais e um humor igualmente denunciado. A cavalo entre tradições, com pretensões a fazer “novo cinema alemão”, mas preso a óbvias (e sempre presentes) limitações étnicas, o filme falha a dimensão crítica, embora acabe por cumprir

os mínimos de um entretenimento despreocupado, explorando a moda indigesta da culinária como metáfora do mundo. Não parece vir grande mal (nem bem) ao mundo por se fazer passar pela comédia de costumes a tentativa de analisar o quotidiano mesquinho de um grupo de amigos, à volta de uns copos e de umas mesas. Só que ficamos com a sensação de que se pretendia bastante mais do que isso e de que o filme falha em toda a linha. M.J.T.

O Tempo que RestaThe Time That RemainsDe Elia Suleiman, com Ali Suliman, Elia Suleiman, Saleh Bakri. M/0

MMMnn

Lisboa: Medeia Monumental: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h15, 16h45, 19h15, 21h30, 24h;

Foi Marx quem disse que a história se repete primeiro como tragédia e depois como farsa – Karl, não Groucho, embora Elia Suleiman pareça tentar criar uma improvável ponte entre as duas tendências “marxistas” com esta memória da Nazaré ocupada ao longo dos últimos 60 anos que segue igualmente a confluência Godardiana das histórias e da História. Quanto mais as coisas mudam mais ficam na mesma, como Suleiman parece sublinhar através da recorrência de episódios e situações ao longo dos 60 anos que “O Tempo que Resta” abrange, através do formalismo preciso e simétrico da sua encenação, através da vocação observacional do seu humor em câmara lenta, nascido da impotência decorrente de se ser um estranho na sua própria terra. Mais estruturada e sentida do que “Intervenção Divina” (2002), a terceira longa do “Buster Keaton palestiniano” é um filme exemplar de como o pessoal, nos dias que correm, acaba inevitavelmente por ser político – e de como basta olhar com atenção para o mundo tal como ele é para descobrir o humor que se esconde até onde parece ser impossível que ele exista. J. M.

Cin

ema aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Espaço Público

“Estado de Guerra” começa por ser entediante. São minutos e minutos em operações lentas, entre a vida e a morte, a desarmadilhar bombas. Mas essa é a imagem da guerra (e também de todas as guerras dos homens, pequenas ou grandes): imagem de tédio e de nada. Na guerra, como na

vida, segundo Séneca nas “Cartas a Lucílio”, na maior parte do tempo não fazemos nada ou agimos mal. E é isso o que se passa no fi lme. Um miúdo vende DVDs como se não se passasse nada (ou contra o nada) e ele mesmo não fosse uma bomba. Passa-se alguma coisa? Mas há isto: “Como é que consegues arriscar?

Não sei, não penso nisso. Cada vez que sais, é a vida ou a morte, lanças os dados, recomeças. Recomeço, não sei como.”; num fi lme em que quase não se fala. Também na vida, na nossa Bagdad, arriscamos, recomeçamos, não sabemos como. E, por fi m, quando a guerra acabar, como Knopfl i, deixamos em

testamento “que morri sim, que me não repito, mas (…) ecoo inteiro na força do meu grito”.

Nelson Bandeira, desempregado, 26 anos, http:/inventariodasletras.blogspot.com

“Eu Amo-te Philip Morris”: farsa inconsequente, sem lugar para mais nada a não ser a prestação desmesurada do protagonista

“Soul Kitchen”: a mais histérica das caricaturas

“O tempo que resta”: a terceira longa do “Buster Keaton palestiniano” é exemplar de como o pessoal acaba por ser político

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Ípsilon • Sexta-feira 30 Abril 2010 • 45

Sexta, 30The VerdictDe Don Siegel. Com Sydney Greenstreet, Peter Lorre, Joan Lorring. 86 min.15h30 - Sala Félix Ribeiro

LauraDe Otto Preminger. Com Clifton Webb, Dana Andrews, Vincent Price. 85 min. M12.19h - Sala Félix Ribeiro

Romance em Nova IorqueThey All LaughedDe Peter Bogdanovich. Com Audrey Hepburn, Ben Gazzara, Patti Hansen. 115 min.19h30 - Sala Luís de Pina

Lawrence of Arabia

De David Lean. Com Alec Guinness, Anthony Quinn, Omar Sharif. 221 min.21h30 - Sala Félix Ribeiro

A MáscaraMaskDe Peter Bogdanovich. Com Cher, Eric Stoltz, Sam Elliott. 120 min.22h - Sala Luís de Pina

Segunda, 03Tormenta a BordoThe Long Voyage HomeDe John Ford. Com Ian Hunter, John Wayne, Thomas Mitchell. 105 min. M16.15h30 - Sala Félix Ribeiro

Cinco Covas no Egipto Five Graves to CairoDe Billy Wilder. Com Erich von Stroheim, Franchot Tone, Anne Baxter. 95 min.19h - Sala Félix Ribeiro

Antonio das MortesDe Glauber Rocha. Com Maurício do Valle, Odete Lara, Othon Bastos. 100 min.19h30 - Sala Luís de Pina

TexasvilleDe Peter Bogdanovich. Com Annie Potts, Cybill Shepherd, Jeff Bridges. 123 min.21h30 - Sala Félix Ribeiro

A Religiosa PortuguesaDe Eugène Green. Com Leonor

Baldaque, Francisco Mozos, Diogo Dória. 127 min.22h - Sala Luís de Pina

Terça, 04Veneno EuropeuDodsworthDe William Wyler. Com Walter Huston, Ruth Chatterton, Paul Lukas. 101 min.15h30 - Sala Félix Ribeiro

Querido DiárioCaro DiarioDe Nanni Moretti. Com Giovanna Bozzolo, Nanni Moretti, Sebastiano Nardone. 100 min. M12.19h - Sala Félix Ribeiro

TexasvilleDe Peter Bogdanovich. Com Annie Potts, Cybill Shepherd, Jeff Bridges. 123 min.19h30 - Sala Luís de Pina

A BandeiraDe Margarida Mesquita, Rita Araújo, Rui Baptista (Colectivo). 2 min.21h30 - Sala Félix Ribeiro

Alemanha, Ano ZeroGermania anno ZeroDe Roberto Rossellini. Com Edmund Moeschke, Franz-Otto Krüger, Ingetraud Hinze. 75 min. M12.22h - Sala Luís de Pina

Quarta, 05Uma Hora ContigoOne Hour with YouDe George Cukor, Ernst Lubitsch. Com Maurice Chevalier, Jeanette MacDonald, Genevieve Tobin. 80 min.15h30 - Sala Félix Ribeiro

La Captive Du DésertDe Raymond Depardon. Com Sandrine Bonnaire, a população de Shirfa (Chade). 98 min. M12.19h - Sala Félix Ribeiro

Les Guerriers de la Beauté + CrossoverLes Guerriers de la BeautéDe Pierre Coulibeuf. 71 min.19h30 - Sala Luís de Pina

Toutes les NuitsDe Eugène Green. Com Alexis Loret, Adrien Michaux, Christelle Prot, Anna Bielecka. 112 min.21h30 - Sala Félix Ribeiro

Sangue Toureiro + Fado MalhoaSangue ToureiroDe Augusto Fraga. Com Amália Rodrigues, Diamantino Viseu, Erico Braga. 92 min.22h - Sala Luís de Pina

Quinta, 06Passaporte Para o ParaísoPassport to PimlicoDe Henry Cornelius. Com Stanley Holloway, Betty Warren, Barbara Murray. 85 min.15h30 - Sala Félix Ribeiro

Beau GesteDe William A. Wellman. Com Brian Donlevy, Gary Cooper, Ray Milland, Robert Preston, Susan Hayward. 114 min. M12.19h - Sala Félix Ribeiro

L’homme Noir + Pavillon NoirL’homme Noir

De Pierre Coulibeuf. 45 min.19h30 - Sala Luís de Pina

Le Monde VivantDe Eugène Green. Com Christelle Prot, Alexis Loret, Adrien Michaux. 70 min.

21h30 - Sala Félix Ribeiro

A Regra do JogoLa Règle du jeuDe Jean Renoir. Com Mila Parély, Nora Gregor, Odette Talazac, Paulette Dubost. 112

min. M12.22h - Sala Luís

de Pina

Cinemateca Portuguesa R. Barata Salgueiro, 39 Lisboa. Tel. 213596200

h. Com Cher, t. 120 min.

HomenThomas6.

ptoo

e,stos. 100 min.

h. Com Annied, Jeff

uesam Leonor

Passaporte Para o ParaísPassport to PimlicoDe Henry Cornelius. Com StaHolloway, Betty Warren, BarMurray. 85 min.15h30 - Sala Félix Ribeiro

Beau GesteDe William A. Wellman. ComDonlevy, Gary Cooper, Ray MRobert Preston, Susan Haywmin. M12.19h - Sala Félix Ribeiro

L’homme Noir + PavilL’homme Noir

De Pierre Coulibeuf. 19h30 - Sala Luís de Pina

Le Monde VivanDe Eugène GreenChristelle Prot, ALoret, Adrien M70 min.

21h30 - Sala Félix

A Regra dLa RègleDe Jean RCom MilNora GrOdettePauletDubo

m22h

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Eugène Green: ciclo na Cinemateca, antes daestreia do último fi lme, “A Religiosa Portuguesa”

SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPALRUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 [email protected] / T: 213 257 640

BILHETES DISPONÍVEIS A PARTIR DAS 13H00 NOS DIAS DOS CONCERTOS

SÃOLUIZABR/MAI ~1O

entrada livre

CICLO NOVOS x9ABR ~ MAI

GUITARRANOVA GERAÇÃO

PEÇAS FRESCASNOVOS COMPOSITORES

CONCERTOS DOCONSERVATÓRIO

NACIONAL

CICLONOVOS

x9

Em Abril e Maio o São Luiz e o Ciclo Novos x9 esperam por si com eventos dedicados exclusivamente à música.

Toda a programação em www.teatrosaoluiz.pt

30 Abrsexta às 18h30

3 e 4 Maisegunda e terça às 18h30

5 a 8 Maiquarta a sábado às 18h00

silv

a!de

sign

ers

O Ciclo Novos x9 é um ciclo dedicado à revelação de novos talentos em diversas áreas de criação artística.

Quinta Sinfonia de Beethoven

JANO LISBOA viola

MICHAEL ZILM direcção musical

ORQUESTRA METROPOLITANA DE LISBOA

obras de Paul Hindemith | Ludwig van Beethoven

Sexta-feira, 30 de Abril, 21h30 Museu do Oriente

Sábado, 1 de Maio, 22h00 Sala Elíptica do Convento de Mafra

METROPOLITANAT E M P O R A D A 2 0 0 9 | 2 0 1 0

direcção artística Cesário Costa

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46 • Sexta-feira 30 Abril 2010 • Ípsilon

musicalmente uma das mais extraordinárias obras do romantismo tardio, ao mesmo tempo que anuncia novos caminhos. De acordo com o testemunho de Alma Schindler (na época mulher do compositor, e retratada no lírico e comovente segundo tema do primeiro andamento), “nenhuma outra obra saiu tão directamente do interior do seu coração”: “Ambos chorámos naquele dia. A música e aquilo que ela nos anuncia tocou-nos profundamente.”

Yuja Wang, uma pianista promissora

Yuja WangLisboa. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian - Grande Auditório.. Avenida de Berna, 45A. 3ª, dia 4, às 19h. Tel.: 217823700. 15€ a 30€.

Obras de Schumann, Schubert/Liszt, Scriabin e Prokofiev.

Yuja Wang e Orquestra GulbenkianDirecção Musical de Joana Carneiro. Lisboa. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian - Grande Auditório. Avenida de Berna, 45A. 5ª, dia 6, às 21h. Tel.: 217823700. 10€ a 20€.

Obras de Stravinsky, Bartók e Sibelius.

Depois de uma bem sucedida estreia em Lisboa com a Orquestra Gulbenkian, sob a direcção de Lawrence Foster, na temporada de 2007, a jovem pianista Yuja Wang regressa a Lisboa para um recital a solo e dois concertos com orquestra. Com apenas 23 anos de idade, Yuja Wang possuiu uma técnica admirável e excelentes qualidades musicais, que lhe têm aberto as portas dos grandes palcos internacionais e permitido a colaboração com orquestras tão importantes como a Sinfónica de

Vancouver, a Orquestra do

Tonhalle de Zurique, a Filarmónica de Nova Iorque, as Sinfónicas de Houston, São Francisco e

Chicago ou a Sinfónica NHK de Tóquio. Nascida em Beijing,

começou a

estudar piano aos seis anos.

Frequentou o Conservatório da sua cidade natal e aperfeiçoou-se mais tarde com

Gary Graffman em Filadélfia. As

suas primeiras apresentações públicas tiveram

lugar na China, na Austrália e na Alemanha, tendo sido distinguida com vários prémios, entre os quais o Gilmore Young Artist Award de 2006. O programa do recital que apresenta terça-feira na Gulbenkian inclui os Estudos Sinfónicos, op.13, de Robert Schumann; três transcrições pianísticas de Lieder de Schubert realizadas por Liszt; uma selecção de Poemas e Estudos de Alexander Scriabin e a Sonata para Piano nº 6, op.82, de Prokofiev. Nos dias 6 e 7, Yuja Wang tocará o Concerto para Piano nº2, de Bartók, com a Orquestra Gulbenkian, sob a direcção de Joana Carneiro. C.F.

Pop

Esta cidade vai arder Crystal Castles, Buraka Som Sistema e Franz Ferdinand, por ordem de entrada em cena na Queima das Fitas do Porto. Luís Carlos Soares

Queima das Fitas do Porto 2010Porto. Pq. da Cidade. Av. Boavista/Estrada da Cir- cunvalação. Sáb., dia 1, a Sáb., dia 8, às 22h. 7€ a 14€.

Franz Ferdinand, Crystal Castles e Buraka Som Sistema são trio cuja presença orgulharia qualquer evento musical no nosso país, mas fazem parte de um cartaz que antecede a estival vaga festivaleira. A edição de 2010 das Noites da Queima, na cidade do Porto, conta com a particularidade de receber projectos aclamados recentemente a nível internacional – estatuto que nomes de edições anteriores como os Reamonn, Gentleman ou Melanie C não detinham.

A presença dos escoceses Franz Ferdinand (segunda-feira, dia 3), que ultimamente andavam arredados dos palcos europeus, é a que mais surpreende. Neste regresso, os temas mais celebrados do terceiro disco de originais como os gingões “Ulysses” ou “No you girls” deverão ser intercalados com antecessores explosivos como “Take me out” ou “This fire”.

No que toca aos outros “estrangeiros”, o duo canadiano Crystal Castles (amanhã, a partir da meia-noite) promete incendiar a Queima portuense com as ácidas batidas rave com que Ethan Kath acende o rastilho da facilmente inflamável Alice Glass. Menos intempestivos, mas não por isso menos entusiasmantes, são os Buraka Som Sistema (domingo) e a reunião mestiça que promovem entre o kuduro e ritmos electrónicos progressivos. Ninguém deseja que o Parque da Cidade do Porto arda, mas estão reunidos todos os elementos para que queime intensamente.

GNR em primeira mão “Sneak-preview” do novo “Retropolitana” em Sintra. Vítor Belanciano

GNRSintra. Centro Cultural Olga Cadaval - Auditório Jorge Sampaio. Pç. Dr. Francisco Sá Carneiro. Hoje, às 22h. Tel.: 219107110. 15€ a 25€.

A série de concertos em torno do novo álbum dos GNR começa hoje em Sintra. O disco chama-se “Retropolitana” e dele só se conhece

Con

cert

osClássica

Viagem interior A “Trágica” de Mahler é a próxima obra do ciclo que a Orquestra Nacional do Porto dedica ao grande compositor austríaco até 2011. Cristina Fernandes

Orquestra Nacional do PortoDirecção Musical de Takuo Yuasa.Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho de Albuquerque. Hoje, às 21h. Tel.: 220120220. 16€.

Áustria 2010. “Sinfonia nº6, Trágica”, de Mahler.

A Orquestra Nacional do Porto prossegue a integral das Sinfonias de Mahler com uma das mais avassaladoras obras do grande compositor austríaco: a Sinfonia nº6, “Trágica”, que terá a direcção do maestro japonês Takuo Yuasa. Angustiante viagem interior,

evocadora do inexorável poder da morte e do destino, a Sinfonia nº6 é geralmente vista como um

negro presságio das tragédias pessoais que ocorreram a Mahler após a estreia em 1906: a morte da sua filha Ana, a descoberta de uma

grave doença cardíaca e o conturbado afastamento da

Ópera de Viena. A designação “Trágica” não foi indicada

pelo compositor na primeira edição da obra, embora a sua utilização posterior fosse do seu conhecimento. A sua eventual dimensão premonitória tem

feito correr rios de tinta e algumas das modificações que o compositor

operou na revisão da partitura têm acentuado o seu mistério. Por exemplo a eliminação do terceiro golpe de martelo no monumental último andamento

— medo de um terceiro golpe fatal

do destino? —, que alguns maestros, como Benjamin Zander, têm recuperado, ou a ordem dos andamentos. Relativamente

convencional na forma, a Sinfonia

nº6 é

Regresso

A primeira canção que gravou foi composta por Jagger e Richards e o início de carreira prenunciava um contraponto doce a Marianne Faithfull.

Acontece que, depois de um

álbum a solo em 1970, maravilha folk gravada

com membros dos Fairport

Convention e Incredible

String Band, Vashti Bunyan desapareceu. Trinta anos depois, descobriu que a tinham redescoberto e, coberta de elogios por Devendra Banhart, regressou. Gravou com os Animal Collective e editou um álbum a solo, “Lookaftering”. Dia 13 de Maio, chega a Portugal. Concerto no Lux, com B Fachada na primeira parte.

do maestro japonês TakuoAngustiante viagem interi

evocadora do inexorávemorte e do destino, a Sié geralmente vista como

negro presságio das tragépessoais que ocorreram a após a estreia em 1906: a msua filha Ana, a descoberta

grave doença cardíaca e conturbado afastamen

Ópera de Viena. A d“Trágica” não foi

pelo compositoprimeira ediçãembora a suaposterior foconhecimeeventual dpremoni

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— medo de umterceiro golpe f

do destino? —, qalguns maestros,Benjamin Zanderecuperado, ou dos andamentoRelativamente

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nº6 é

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Tonhalle deZurique, aFilarmónica de Nova Iorque, as Sinfónicasde Houston,São Francisco e

Chicago ou a Sinfónica NHK deTóTTTT quio. Nascidaemeeee Beijing,

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A Sinfonia nº6 é geralmente vista como um presságio das sucessivas tragédias pessoais que ocorreram a Mahler depois da sua estreia, em 1906

A jovem pianista chinesa regressa a Lisboa para um recital a solo e dois concertos com orquestra

estudar pianoaos seis anos.

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Gary Graffmanem Filadélfia. As

suas primeiras apresentaçõespúblicas tiveram

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Os Franz Ferdinand chegam à Queima das Fitas do Porto na segunda-feira para fazer fumo (e fogo)

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Ípsilon • Sexta-feira 30 Abril 2010 • 47

Aparentemente era um disco que não a afastava muito dos anteriores, com acordes de guitarra, voz introspectiva e utilização moderada de electrónicas. Mas o efeito final era muito diferente, expondo canções hipnóticas, de bricolage complexa, tão intimistas quanto barrocas “Encaro os sons como se fossem figuras geométricas que formam desenhos e me dizem o que fazer” afirmava ela, explicitando uma música em que as configurações

rítmicas e as melodias parecem rodar sobre si

próprias, circulando em formas abstractas para, finalmente, se alojarem em

estruturas repetitivas. Em Portugal, a ex-actriz

Juana Molina apresentar-se-á

sozinha, mas se tudo correr bem, esse facto não a impedirá de encher por

completo o palco. V.B.

ainda o single de avanço, “Rei do roque”. É o primeiro álbum que o grupo lança depois de “Do Lado Dos Cisnes” (2002) e, naturalmente, existe expectativa em perceber qual a direcção que o grupo seguirá, principalmente num contexto de cultura fragmentária, como é o da música no cenário pós-internet. Em entrevistas à imprensa, Rui Reininho afirmou que se trata de um verdadeiro álbum e não de um mero conjunto de canções. Em Sintra serão revelados oito dos 12 temas que compõem o álbum. Curioso é o facto de ainda não existir data de lançamento oficial para o disco, um facto que não impediu o grupo de tomar a decisão de se lançar para a estrada. Quem os vir ao vivo nesta fase terá o privilégio de conhecer as novas canções em primeira mão.

A hipnose segundo Juana Molina

Juana MolinaAveiro. Teatro Aveirense - Sala Principal. Pç. República. Hoje, às 22h. Tel.: 234400922. 10€.

Lisboa. Café Teatro Santiago Alquimista. R. Santiago, 19. Dom., dia 2, às 21h30. Tel.: 218884503. 20€.

Não é fácil situar a argentina Joana Molina. Os seus primeiros álbuns punham-na no campo da folk de sensibilidade pop. Mas o último, o óptimo “Un Dia” (2008), acabou por baralhar essas pistas iniciais.

sexta 30Hermeto Pascoal Duo + GS QuartetVila Nova de Gaia. Teatro Avenida. Av. da República, às 22h. Tel.: 223774250. 20€.

Jazz’n’Gaia 2010 - 4.º Festival Internacional de Jazz de Gaia.

Crookers

Porto. Teatro Sá da Bandeira. R. Sá da Bandeira, 108. 6ª às 23h59. Tel.: 222003595. 20€.

António ZambujoÉvora. Teatro Garcia de Resende. Pç. Joaquim António de Aguiar, às 21h30. Tel.: 266703112. 10€ a 15€.

Sean Riley & The SlowridersTondela. Cine Tejá - Novo Ciclo ACERT. R. Dr. Ricardo Mota, às 21h45. Tel.: 232814400. 7,5€.

Diabo Na CruzAlcochete. Fórum Cultural de Alcochete. Estrada Municipal 501 - ( junto à estrada dos Moinhos). 6ª às 22h00. Tel.: 212349640. 8€.

Os QuaisGuimarães. CC Vila Flor - Café-Concerto. Av. D. Afonso Henriques, 701, às 0h. Tel.: 253424700. 4€.

José Mário BrancoSesimbra. Cine-Teatro Municipal João Mota. Av. Liberdade, 46, às 21h30. Tel.: 212234034. 15€.

Wayne Hussey + Karpe DiemLisboa. Caixa Económica Operária. R. Voz do Operário, 64, às 21h30. Tel.: 218862836. 12€.

Laura GibsonLisboa. Espaço Nimas. Av. 5 Outubro, 42B, às 22h. Tel.: 213574362. 8€.

MazganiPorto. Passos Manuel. R. Passos Manuel, 137, às 23h. Tel.: 222058351.

Sílvia MachetePorto. Casa da Música - Sala 2. Pç. Mouzinho de Albuquerque, às 22h. Tel.: 220120220. 15€.

Ana MouraFaro. Teatro Municipal .. Horta das Figuras - EN125, às 21h30. Tel.: 289888100. 15€ a 20€.

Rita RedshoesBarcelos. Av. da Liberdade, às 22h. Tel.: 253809600. Entrada gratuita.

Festa das Cruzes 2010.

El FadCoimbra. Salão Brazil. Largo do Poço, 3 - 1º andar, às 22h. Tel.: 239824217. 7€ (com oferta do CD).

Maria Viana + Júlio ResendeOlival Basto. CC da Malaposta - Café-Teatro. R. Angola, às 22h. Tel.: 219383100. 5€.

Selma Uamusse Jazz EnsembleLisboa. Chapitô. R. Costa do Castelo, 1/7, às 22h. Tel.: 218855550.

Jazz no Tanque.

The Soaked LambLisboa. MusicBox. R. Nova do Carvalho, 24 - Cais do Sodré, às 0h. Tel.: 213430107. 8€.

Bruno Monteiro e João Paulo SantosAlgés. Centro de Arte Manuel de Brito - Palácio dos Anjos. Alam. Hermano Patrone, às 21h30. Tel.: 214111400. 2€.

Ciclo de Música de Câmara. Obras de Schumann, Óscar da Silva e Franck.

Jano Lisboa e Orquestra

Metropolitana de LisboaDirecção Musical de Michael Zilm.Lisboa. Museu do Oriente - Auditório. Av. Brasília - Ed. Pedro Álvares Cabral - Doca de Alcântara Norte, às 21h30. Tel.: 213585200. 10€.

Quinta Sinfonia de Beethoven - obras de Hindemith e Beethoven.

Projecto RaízesCarnaxide. Auditório Municipal Ruy de Carvalho. Centro Cívico - R. 25 de Abril, lote 5, às 21h30. Tel.: 214170109. 5€.

Sonoridades 2010.

sábado 1Ney MatogrossoLisboa. Coliseu dos Recreios. R. Portas St. Antão, 96, às 22h. Tel.: 213240580. 20€ a 55€.

Ver texto na pág. 34.

Fausto Bordalo DiasPorto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho de Albuquerque, às 22h Tel.: 220120220. 20€.

Na Sala Suggia. Música e Revolução: Atrás dos tempos vêm tempos.

Maria João & Ogre + Toots ThielemansVila Nova de Gaia. Teatro Avenida. Av. da República, às 22h. Tel.: 223774250. 20€.

Jazz’n’Gaia 2010 - 4.º Festival Internacional de Jazz de Gaia.

MazganiCaldas da Rainha. CC e Congressos - Grande Auditório. R. Doutor Leonel Sotto Mayor. Sáb. às 21h30. Tel.: 262889650. 10€ a 12,5€.

Deus. Pátria. RevoluçãoDe Luísa Costa Gomes, Luís Bragança Gil. Direcção Musical de Luís Bragança Gil. Com Alexandra Moura (soprano), Inês Madeira (mezzo-soprano), Fernando Guimarães (tenor), Rui Baeta (barítono), Coro Voces Caelestes, Orquestra Aldrabófona. Portimão. Teatro Municipal - Grande Auditório. Lg. 1.º de Dezembro, às 21h30. Tel.: 282402475. 15€.

150.º aniversário de Manuel Teixeira Gomes.

The Legendary TigermanVagos. Auditório do Centro de Educação e Recreio de Vagos. R. António Carlos Vidal, às 22h30. Tel.: 234792171. 10€.

Rita RedshoesOvar. Centro de Arte - Auditório. R. Arquitecto Janu-ário Godinho, às 22h. Tel.: 256585451. 7€.

Laura GibsonÉvora. Sociedade Harmonia Eborense. Pç. Giraldo, 72, às 23h. Tel.: 266746874. 3€.

Sérgio GodinhoElvas. Centro de Negócios Transfronteiriço.

Zona Industrial das Fontainhas. Sáb. às 21h30. Tel.: 268639290. 5€.

Stockholm Lisboa ProjectCascais. Centro Cultural. Av. Rei Humberto II de Itália. Sáb. às 22h. Tel.: 214848900. 10€.

Orphaned LandLisboa. Café Teatro Santiago Alquimista. R. Santiago, 19, às 21h30. Tel.: 218884503. 22€.

More Than A ThousandLisboa. MusicBox. R. Nova do Carvalho, 24 - Cais do Sodré, às 22h30. Tel.: 213430107.

Wayne Hussey + Karpe DiemPorto. V5. R. Mártires da Liberdade, 216/218, às 22h30. Tel.: 918256382. 8€ a 10€.

Kokusyoku Sumire

Com Yuka (soprano; acordeão e piano), Sachi

(violino e piano). Lisboa. Museu do Oriente - Auditório. Av.

Brasília - Ed. Pedro Álvares Cabral - Doca de Alcântara Norte, às 21h30. Tel.: 213585200. 15€.

Festa do Japão.

domingo 2Ney MatogrossoLisboa. Coliseu. R. Portas St. Antão, 96, às 22h. Tel.: 213240580. 20€ a 55€.

Ver texto na pág. 34.

Orquestra Nacional do PortoDirecção Musical de Takuo Yuasa. Com Paulo Ferreira de Castro (comentários). Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho de Albuquerque, às 12h. Tel.: 220120220. 5€.

Áustria 2010. “Sinfonia nº6” (excertos), de Mahler.

Pedro Abrunhosa & Comité CaviarPorto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho de Albuquerque, às 22h. Tel.: 220120220. 16,90€ (CD + 1 bilhete).

Sílvia MacheteCaldas da Rainha. Centro Cultural e Congressos - Grande Auditório. R. Doutor Leonel Sotto Mayor. Dom. às 17h00. Tel.: 262889650. 12,5€.

José Mário BrancoPonte de Lima. Teatro Diogo Bernardes. R. Agostinho José Taveira, às 21h30. Tel.: 258900414. 5€.

segunda 3O SonhoDirecção Musical de Pedro Amaral. Encenação de Fernanda Lapa. Com Carla Caramujo (soprano), Ângela Alves (soprano), Sara Braga Simões (soprano), Jorge Vaz de Carvalho (barítono), London Sinfonietta. Lisboa. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian - Grande Auditório. Av. de Berna, 45A, às 21h. Tel.: 217823700. 10€.

Zeni GevaLisboa. Galeria Zé dos Bois. Rua da Barroca, 59 - Bairro Alto, às 22h. Tel.: 213430205. 8€.

terça 4Crystal Castles + The Horrors Lisboa. Coliseu dos Recreios. R. Portas St. Antão, 96, às 21h. Tel.: 213240580. 25€.

Hildur Gudnadóttir Lisboa. Teatro Municipal Maria Matos - Sala Principal. Av. Frei Miguel Contreiras, 52, às 22h. Tel.: 218438801. 6€ a 12€.

quarta 5Ney MatogrossoPonta Delgada. Teatro Micaelense. Largo de S. João, às 21h30. Tel.: 296308340. 25€ a 30€.

Ver texto na pág. 34.

François PinelLisboa. Instituto Franco-Português. Av. Luís Bívar, 91, às 19h. Tel.: 213111400. Entrada gratuita.

Concertos Antena 2.

quinta 6Rufus WainwrightPorto. Coliseu do Porto. R. Passos Manuel, 137, às 21h. Tel.: 223394947. 30€ a 40€.

Ver crítica de discos na pág. 48 e segs.

MazganiLisboa. Café Teatro Santiago Alquimista. R. Santiago, 19, às 23h. Tel.: 218884503. 10,99€.

Agenda

rítmicas e as melodiasparecem rodar sob

próprias, circulanformas abstractapap ra, finalmentalojarem em

estruturas repetEm Portugal, a ex-a

Juana Molina apresese

sozmas se tucorrer beesse factimpediráencher p

completo o palco. V.B.

o dos 12 temas bum. Curioso é oexistir data de para o disco,mpediu o grupo de se lançar para

s vir ao vivo nestaio de conhecer as primeira mão.

lica. 922. 10€.

go Alquimista. 2, às 21h30. Tel.:

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de Mas oUn Dia” r baralhar s.

Desenhos com sons em Aveiro e Lisboa, cortesia da argentina Juana Molina

Novo disco dos GNR à vista, logo à noite em Sintra

se Jazz

sta do Castelo, 1/7, às

ambNova do Carvalho, 24

Tel.:

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2€.

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Laura GÉvora. Soc72, às 23h

SérgioElvas. C

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Os Crystal Castles abrem a Queima noPorto e o concerto dos Horrors em Lisboa

Hermeto Pascoal Duo

Rufus Wainwright chega ao Porto na quinta-feira

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48 • Sexta-feira 30 Abril 2010 • Ípsilon

Clássica

A volta ao mundo em viola de arcoA virtuosa Kim Kashkashian prossegue a sua incansável viagem um busca do que melhor se escreve para viola de arco. Rui Pereira

NeharótKim Kashkashian, viola de arcoObras de Betty Olivero, Masurian e Eitan StainbergECM 4763281

mmmmm

Se procurarmos encontrar uma expressão que defina as obras reunidas neste CD, talvez “erudita world”

seja a que melhor caracteriza o ambiente sonoro que vão encontrar.

A violetista americana Kim Kashkashian tem dado a conhecer o repertório para viola de arco desde Bach aos nossos dias, interpretando não só as obras-primas mais conhecidas como novidades em estreia. Este é já o 16º registo para a ECM. Diga-se que isto apenas é possível, pois é uma solista extremamente sólida e versátil.

Disso dá prova o presente CD com uma escolha surpreendente de repertório. A peça que lhe dá nome, Neharót, da israelita Betty Olivero (n. 1954), tem uma sonoridade ímpar graças à combinação de instrumentos como a viola solo, o acordeão, a percussão, dois ensembles de cordas e, ainda, uma parte em fita magnética (com vozes). Os diferentes modos utilizados acentuam um tom de lamentação extremamente expressivo, próprio do Médio Oriente, sendo que a citação ao “Lamento do Orfeu”, de Monteverdi, não deixa dúvidas sobre o clima de Neharót, que significa rios, uma alusão às lágrimas que os conflitos no Líbano fizeram correr.

A sucessão de obras está muito bem escolhida para construir uma dramaturgia no próprio disco. Três pequenas peças oriundas da Arménia, duas de Tigran Mansurian (n.1939) e uma do lendário Komitas (1869-1935) dão variedade de colorido devido a distintas instrumentações, mas mantendo o mesmo ambiente. Três árias, de Mansurian, mostram o grande lirismo da viola de arco, sendo, na verdade, um concerto escrito para Kim Kashkashian. O CD termina com Rava Deravin do israelita Eitan Steinberg, um antigo aluno de Berio e Donatoni que nesta obra para quarteto de cordas e viola solo nos transporta para sonoridades remotas do Oriente. Uma viagem simultaneamente estranha e inesquecível.

Pop

Canções com caos à volta O álbum mais inteligível do colectivo de formação variável Broken Social Scene e o seu melhor de sempre. Vítor Belanciano

Broken Social Scene Forgiveness Rock RecordCity Slang, distri. PopStock

mmmmn

Talvez seja da formação variável ou do facto de

lançarem álbuns sem

que pareça existir

uma estratégia esclarecida por trás. Seja qual for a razão, os canadianos Broken Social Scene nunca conseguiram muito protagonismo na arena do rock alternativo. E no entanto são incapazes de lançar um disco que não contenha suficientes motivos de interesse.

O mentor da operação, Kevin Drew, e o seu cúmplice, Brendan Canning, estão rodeados por um “cast” de quatro músicos fixos, sendo a restante trupe cantoras como Feist e Emily Haines e músicos dos Tortoise, Sea & Cake, Stars, Pavement ou Do Make Say Think.

Como já acontecia em álbuns anteriores a música joga-se nesse equilíbrio instável onde tanto existe acessibilidade melódica, digestão crítica do passado (Sonic Youth, Pavement) e capacidade de o restituir em forma de canções rock equilibradas por facetas experimentais e organização definida. É talvez o álbum onde o grupo se aproxima mais da estrutura nuclear da ideia de canção.

Em alguns temas há ângulos de ruído e sons de guitarras aparatosas e noutros elementos electrónicos que se cruzam com vozes calorosas. Mas há acima de tudo um controle sobre todos os elementos, como quem se mantém tranquilo mesmo sabendo que há uma intempérie a rodeá-lo. Se antes havia deflagrações libertadoras, no novo álbum há acima de tudo um maior aperfeiçoamento de um vocabulário mais emotivo. Será desta que os Broken Social Scene subirão de escalão, deixando o panteão de sucedâneos dos Arcade Fire?

Uma nova forma de blues

Scout NiblettThe Calcination of Scout NiblettDrag City; distri. Flur

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A vantagem que Scout Niblett tem sobre as restantes mulheres é o seu autismo. Scout, note-se, não

reclama libertação de fêmea alguma, está acima disso. É tão autocentrada que se limita a expor todo o átomo de

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

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A violetista americana Kim Kashkashian

Os Expensive Soul preparam-se para lançar “Utopia”, o terceiro disco de originais da dupla de

Leça da Palmeira. A antecipar a chegada do novo álbum, a 17 de Maio, o single “O amor é mágico” já roda.

Edição

Scout Niblett: ela é a mulher mais lúcidaque alguma vez pegou numa guitarra

Será desta que os Broken Social Scene subirão de escalão, deixando o panteão de sucedâneos dos Arcade Fire?

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Ípsilon • Sexta-feira 30 Abril 2010 • 49

matéria que compõe a sua feminilidade sem pensar nas consequências, limita-se a expor nas paredes da garganta os nós dos seus neurónios, o que é bem mais recompensador. Em “The Calcination of Scout Niblett”, como o título indica, as canções são reduzidas à essência e na essência são agressão e fantasmas. Ao contrário do extraordinário “This Fool Can Die Now” (2007), não há cordas nem flautas nem duetos. Aqui há uma guitarra sujíssima e um canto de mulher encerrada num hospício a tentar derrubar paredes só com a voz. Em “Calcination” há um riff meio bluesy e ela canta: “Welcome to my self-made sweat box

this is where I take it all off”. A guitarra enferrujada, a voz de quem é capaz de vencer quilos de Xanax XR apenas com a raiva e pelo meio uma bateria a assinalar uma violência incontida. Esta imensa depuração deixa a tremenda voz de Scout, feita de entranhas e fantasmas, impor-se, deambular, irritar-se, ser sôfrega, esgadanhar-se. Bateria e guitarra oscilam ao ritmo da ciclotimia da voz ora abrasiva ora dorida, e é como se de repente surgisse uma nova forma de blues, como se – e perdoem-nos a comparação que não quer ser provocatória – esta solidão tremenda fosse a forma de escravidão do século XXI. Em “I.B.D” Scout canta, por entre um dedilhado, “The little voices don’t let me go”, como uma mulher que deambulasse à noite pelos corredores da clínica psiquiátrica arrastando o tripé do soro. Scout Niblett tem fama de louca. Não se enganem: ela é a mulher mais lúcida que alguma vez pegou numa guitarra. E a guitarra vai atrás dela, das suas mudanças de humor e o humor oscila tanto que o osso da canção é torcido, quebrado e acaba esgaçado e de medula exposta. Comovente, como toda a grande arte. João Bonifácio

Piano sábio

Mose AllisonThe Way Of The WorldAnti-; distri. Edel

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“The Way Of The World” não tem nada de novo. Traz-nos Mose Allison, herói não cantado da folk e do jazz, mestre do

piano blues de humor desarmante e compreensão justa dimensão das coisas do mundo, a cantar novas canções e velhos standards. É o Allison de sempre e é precisamente isso que torna este um álbum especial. Octogenário, não perdeu a verve e o humor, não perdeu o swing que confere às suas canções uma sofisticação absurdamente lúdica.

Produzido por Joe Henry, que o reuniu a um simples combo de bateria, contrabaixo, guitarra e sax, “The Way Of The World” é o trabalho de um velho muito sábio a explicar-nos, enquanto se diverte e nos delicia com o seu fraseado impecável, que é o absurdo que rege a Humanidade. Não há cá ilusões. “My brain”, criado sobre “My babe”, de Willie Dixon, começa como queremos a um velho de oitenta anos: “My brain is always ticking

My brain is always ticking / As long as I’m alive and kicking” – mas lá para o fim, “Mose Allison style”, o tom há-de mudar: “My brain is losing power / My brain is losing power / Twelve hundred neurons every hour”. E isto, claro, é apenas o início.

Querem uma canção de amor? Aí a têm, balada belíssima: “Everydoby thinks you’re an angel, but you’re a devil, you can’t fool me”. Querem um blues de sangue e crime, coisa de negrume, de guitarra slide e percussão seca? Mose Allison oferece-o e absolve o crime. Acontecem-lhe um crescendo de atrocidades e ele perdoa, perdoa tudo. Porquê? São assim os caminhos do mundo e Allison, génio octogenário, vivíssimo, sabe-o bem de mais. “I know you didn’t mean it when you slit my throat

You just went out with the fellas trying to have some fun”, ouvimo-lo cantar, antes de, algumas canções à frente, sugerir a Deus que tire umas férias porque, pelo rumo que as coisas vão levando, está notoriamente cansado e já não dá conta do recado. Mose Allison é enorme. M.L.

CibelleLas Vénus Resort Palace HotelCrammed, distri. Megamúsica

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Não se pode acusar a brasileira Cibelle de repetição. O primeiro álbum, homónimo, foi enclausurado na

prateleira da bossa electrónica, porque o lançamento coincidiu com a afirmação de cantoras como Bebel Gilberto. Mas no seguinte, “The Shine Of Dried Electric Leaves”, percebeu-se o equívoco, num disco ecléctico, que ia com naturalidade da folk primitiva à pop electrónica. Ao terceiro álbum resolveu transformar-se em Sonia Khalecallon, personagem excessiva, que descola do Brasil ou da Londres, onde reside, directamente para o espaço. É um disco delirante, cósmico, com vários níveis de leitura, que promete dividir opiniões. Sonoramente é mais uma bricolagem de contornos indefinidos – meio pop, meio easy-listening, meio electrónica, meio psicadelismo – guiada pela voz sedutora da brasileira. As canções têm tanto de nostálgico como de futurismo, encontrando-se algures num terreno ambíguo onde tanto se imagina uma personagem retro de um filme de Tarantino como um andróide de um filme de ficção científica. Apesar de ser conceptual, perde para o seu antecessor em termos de consistência, sendo essa a sua única fragilidade. Mas trata-se de mais um gesto largo, de uma cantora magnífia que, coisa rara, não receia colocar-se em causa. V.B.

Ney MatogrossoBeijo BandidoJBJ & viceversa

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Dois anos depois da excelente extravagância pop de “Inclassificáveis”, Ney Matogrosso

mudou de paradigma: “Beijo Bandido” deixa a electricidade de lado e, assente apenas em teclas (piano, sobretudo), cordas (violoncelo, violino, violão, bandolim) e percussões (mas não bateria), percorre um reportório ecléctico mas certeiro, por onde passam tangos, boleros, baladas, como se fosse possível cruzar a

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Mose Allison: enorme

Cibelle: uma cantora magnífi a que, coisa rara, não receia colocar-se em causa

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Pasión” é o regresso da cantora à sua expressão mais profunda. Mas onde troca a linguagem predominantemente pop dos seus trabalhos anteriores por um mergulho no reportório clássico das canções de amor dilacerado, onze boleros de autores cubanos, mexicanos, equatorianos, chilenos, porto-riquenhos ou argentinos, que conheceram a glória em vozes célebres ou obscuras. Através delas, Luz Casal enfrenta feridas e ajusta contas com os seus próprios fantasmas, desde “Com mil desengaños” a “Cenizas”, “Sombras”, “Alma mia”, “Nieblas” ou “No, no y no”, em interpretações densas e envolventes, como se em cada uma fosse ela a real protagonista e ao mesmo tempo a sua mais fiel intérprete. Os arranjos luxuosamente “retro” do celebrado Eumir Deodato, para um grupo de músicos brilhantes, e a produção do francês Renaud Lélang dão a “La Pasión” o fôlego de um disco intemporal a que a Blue Note, sem comprometer o seu jazz fundador, abriu portas. Um disco apaixonado, que celebra a força da vida. Nuno Pacheco

Rufus WainwrightAll Days Are Nights: Songs For Lulu,Decca; distri. Universal

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Num mundo ideal, seria simpático despachar a análise ao novo disco de Rufus

Wainwright com um simples “Podem seguir, não há nada para ver aqui, é só mais um disco do Rufus” ou então um “Isto não me inspira duas palavras, por mais que me esforce”. Mas o mundo é uma tragédia injusta, pelo que com muito esforço pode concluir-se o seguinte: em 2001, Rufus fez um extraordinário disco, sabiamente intitulado “Poses”, em que usou todos os truques de escrita de canções clássicas para caricaturizar as dores daquele tipo de gente que prefere discutir marcas de óculos de sol em vez de assumir o que sente acabando por passar tardes a ver reposições de “Gossip Girl” enquanto fuma crack porque a decadência é bonita mas oh-se-ao-menos-viesse-alguém-salvar-me-da-minha-bela-auto-destruição. Depois desse momento de inspiração melódica, fez dois discos megalómanos (“Want One” e “Want Two”) que oscilavam de qualidade. Entretanto, fez de conta que era Judy Gardland e depois lançou dois discos de homem ao piano em cabaret de gente fina disposta a conhecer o lado negro do excesso de linhas brancas à noite, “Release The Stars” e “All Days Are Nights”. Este

último é o seu disco mais no osso – voz e piano apenas – e é supostamente o mais honesto – no sentido em que pavoneia menos a voz – mas nem isso o salva porque a música de Rufus está tão enleada no seu narcisismo que é impossível “acreditar” no rapaz. Quando ele canta sobre a irmã (“Martha”), mais do que ficarmos comovidos pela carta de amor, sentimos vergonha alheia pela exposição sem pudor. Rufus é daqueles tipos capazes de vender a mãe por um segundo de atenção. Quando o que vale a pena é vender a mãe por um segundo de génio. Que raio interessa mais um disco de semi-estrela pop a falar dos seus problemas de semi-estrela pop com a voz ébria e tóxica de quem vive no ressentimento de ser apenas “semi”? Nada. Mas se calhar é ainda mais triste que isso: é falta de inspiração melódica. João Bonifácio

Jazz

Até ao osso!Abolindo as fronteiras entre as estéticas do jazz, Satoko Fujii e Natsuki Tamura brilham cada vez mais alto. Rodrigo Amado

Satoko Fujii Ma-DoDesert Shiped. Not Two

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A colaboração entre Satoko Fujii, pianista e compositora, e o marido, o trompetista Natsuki Tamura,

tem revelado uma inesperada profundidade na relação que o Japão tem, desde há muito, com o jazz - uma relação de admiração e profundo fascínio cujos resultados ficaram, frequentemente, aquém da orgânica exigida por aquilo que se define como jazz. No entanto, as coisas estão a mudar e a característica persistência e profundo empenho dos japoneses começa a dar resultados consistentes. Com quatro novos excelentes registos editados em 2009 – “Shiro”, do quarteto Gato Libre, “Zakopane”, da Tokyo Orchestra, “Cut The Rope”, do quarteto First Meeting, e finalmente “Desert Ship” - Fujii e Nakamura trabalham e retransformam o léxico jazz, descobrindo-lhe novos significados e ampliando a sua paleta estética, conquistando o estatuto de membros de uma música que se pensou, em tempos, estar reservada apenas aos norte-

americanos. No seu jazz, a vanguarda anda de mãos dadas com um profundo respeito pela tradição, e as linguagens mais radicais que se possam imaginar fundem-se, num todo harmonioso, com um particular lirismo e um sentido poético da linha melódica. Clássica, folk, jazz, improvisação livre e tudo mais unem-se num universo altamente pessoal que desafia categorizações. Fujii e Tamura são presença regular nos meios do jazz de vanguarda nova-iorquino, assinando participações com Paul Bley, Mark Dresser, Jim Black, Mark Feldman, Elliott Sharp ou Carla Kihlstedt (com quem Fujii gravou o magnífico “Kuroi Kawa: Black River”). Em “Desert Ship”, momentos de absoluto caos e explosão sónica misturam-se com pequenos haikus intemporais, profundamente melodiosos, ou com trechos de grande intensidade rítmica em que a rara sensibilidade de Fujii e Tamura dá lugar a poderosos discursos no piano e na trompete – sempre acompanhados de perto (pertíssimo!) por Norikatsu Koreyasu no contrabaixo e Akira Horikoshi na bateria. Jazz até ao osso.

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cos aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Satoko Fujii: clássica, folk, jazz, improvisação livre e tudo mais unem-se num universo altamente pessoal que desafi a categorizações

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmmmMuito BommmmmmE

A música de Rufus está tão enleada no seu narcisismo que é impossível “acreditar”

um só tempo a ousadia do cabaret e a elegância da música de câmara. O desenho gráfico do CD, sobre fundo prateado, é o “embrulho” exacto para esta aventura. Há “covers”, várias, onde ele ganha quase sempre (Ângela Maria, Luiz Bonfá, Edu e Chico, Jacob do Bandolim, Geraldo Azevedo e Zé Ramalho), outras onde pouco acrescenta (“Nada por mim”, de Herbet Vianna e Paula Toller) e outras onde se excede, de forma admirável, como “Medo de amar”, de Vinicius; “À distância”, de Roberto e Erasmo Carlos; ou “Fascinação”, que Elis imortalizou e que Ney recria agora de forma magnífica. Há, além disso, originais de muito bom nível como “A cor do desejo” (de um cantor que ele descobriu em Maceió; atente-se ao fabuloso início, em sussuro, nos dois canais áudio) ou “Invento”, de Vitor Ramil (que dá título ao disco) e uma rara regravação de “As ilhas”, de

Piazzolla e Geraldo Carneiro, que Ney gravara apenas uma vez, em 1975, logo no inicío da sua carreira a solo, depois dos Secos & Molhados. “Beijo bandido” é obra de camaleão atento, falsamente em repouso. Nuno Pacheco

Luz CasalLa PasiónBlue Note, EMI

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Sucessor de “Vida Tóxica” (2007), o disco com que Luz Casal esconjurou um cancro da mama, que venceu, “La

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Ney: camaleão atento, falsamente em repouso

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aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

lugar central do nosso mundo, é o lugar da paixão mais forte, por vezes devastadora”. E a literatura, é essa paixão devastadora, ou antes o refúgio que torna suportável a “paixão que nos trespassa”? A pergunta, claro, não merece resposta: “Não podemos conhecer-nos, mas sim narrar-nos.”

As poucas incompreensões encontradas na tradução (de Jorge Fallorca) pareceram-me facilmente resolúveis, caso o trabalho de revisão (de Miguel Martins Rodrigues) fosse mais atento. Discutível é a opção pelos títulos em espanhol das obras citadas. Mau é quando os livros nem são espanhóis. Pior é quando há tradução em português: “Rumbo a peor”, de Beckett? Que tal “Pioravantemarche”, traduzido por Miguel Esteves Cardoso? “El mar de las Sirtes” de Julien Gracq? Salvo erro, “A costa das Sirtes” foi traduzido por Virgílio Ferreira.

O 25 de Abril, agora com pessoasBute daí, leitor: vamos lá aprender o que foi a revolução. João Bonifácio

Bute Daí, Zé!Filomena Marona BejaSextante

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Há uns anos uma amiga contou-me uma história curiosa: que a irmã mais nova queria saber, para um teste de História, o

que era o 25 de Abril.

Chocada

Apesar do seu aviso (“nunca existiram mapas para os nossos inumeráveis labirintos”), para visualizar melhor o itinerário de Vila-Matas poderíamos prover-nos de um mapa-mundo e de marcadores de três cores diferentes: azul para autores e livros, assinalando os locais onde as passagens citadas ocorrem, verde para os locais onde o autor viaja, e amarelo para regressar a casa, em Barcelona.

Se há característica fácil de reconhecer na personagem auto-ficcional de Vila-Matas é o encanto pela geografia na literatura (o traço azul). As personagens com quem melhor se relaciona são as que partilham desse mesmo fascínio, como se o mundo não existisse, e fosse apenas um efeito da imaginação, de percepções subjectivas, de mundos sonhados. A sua irmã é disso um exemplo: uma especialista em pintura chinesa sem nunca ter visitado o país. “Um belo dia, foi à China. Fomos todos despedir-nos dela ao aeroporto. Voltou e disse que a China era exactamente como a tinha sonhado. É curioso. Sergio Pitol regressou a semana passada de uma viagem à China e a única coisa que me comentou foi que ali não tinha parado de sonhar.”

Já a sua simpatia pelos portugueses, deve-se à conclusão, segundo ele atribuída a Cervantes, de que, “como são gente vazia de cérebro, cada louco com a sua mania”. “Eu gostaria que, juntamente com o indispensável telemóvel, transportássemos no bolso a nossa intransferível e nada homogénea loucura portátil”.

Outra característica reconhecível da persona de Vila-Matas em “Diário volúvel” é o seu desprezo pela única cidade que não pode imaginar, nem reconstruir a partir da leitura, que é a sua. Vila-Matas trata Barcelona como um marido que está sempre a fugir de casa e a ter escapadelas, e que só regressa para a mulher (o traço amarelo) para lamentar a sua decadência e continuar a efabular sobre outras mulheres (o traço verde ou azul).

O contacto com a realidade por ela mesma, com pessoas sem outra coisa que não seja a sua humanidade, surge como algo macabro, pestífero. As únicas presenças verdadeiramente vivas em “Diário Volúvel” são aquelas que permitem percepções, que libertam centelhas na imaginação do autor, que lhe permitem enfim continuar a dobar as suas ficções e esquivar-se dos fantasmas da morte, do envelhecimento, do esquecimento, três cabeças para uma só medusa.

Vila-Matas é exímio a explorar uma imagem de marca dos escritores: a sua misantropia; e outra que define os leitores: uma espécie de doença familiar da hipocondria, e que consiste em deixar-se influenciar

pelos sintomas de um livro. A literatura enquanto antídoto da realidade, ou o seu filtro depurador, ou ainda a sua versão mitigada pela distância.

Há depois o fascínio pelo segredo, pelas máscaras. Nega que Casas Rós, escritor desfigurado e que ninguém conhece pessoalmente no meio literário, seja um pseudónimo seu, embora a forma como efabula sobre ele sugira o prazer da identificação. E se o oculto, ou o plano vazio, do apagamento, é uma obsessão, a ideia de casa é outro tema sobre o qual o autor “improvisa” e faz “variações” sempre que pode, aproximando-se, tão perigosamente quanto possível, da casa como espaço da interioridade, do que se esconde e finalmente é enterrado – desconhecido.

“Diário volúvel”, à medida que avançamos na sua leitura, vai ganhando contornos de uma odisseia confortável, sem grandes riscos e sumamente patética. Sucedem-se as viagens e estadias no estrangeiro (os traços verdes), mas sem aventura nem acção. O que sobra é uma espécie de inutilidade escrutinada, como se a não-vida pudesse afinal ter sentido. A sua visita a Sofia, por exemplo, merece-lhe este comentário: “Não me sinto mal aqui, mas, como W.C. Fields deixou escrito no epitáfio da sua sepultura: ‘Apesar de tudo preferiria estar em Filadélfia.’” Consciente de “não ter muito para contar”, parafraseia Samuel Johnson: “nas viagens não somos a mesma pessoa mas outra, talvez mais invejável, mas perdemo-nos de nós, assim como dos nossos amigos. Saímos do nosso país e saímos também de nós mesmos. Para o doutor Johnson, os que desejam esquecer ideias dolorosas fazem bem em ausentar-se durante um tempo, mas só podemos dizer que cumprimos o nosso destino no lugar que nos viu nascer.”

Esse destino faz parte da necessidade de criar um sentido para o absurdo: “Num manicómio francês, no princípio do século XX, um louco escreveu em grandes letras nas paredes do centro: ‘Viajo para conhecer a minha geografia.’ Descobri a frase há 20 anos e incluí-a no começo de um livro de contos. E na minha viagem à Finlândia é claro que fui em busca de algumas das estranhezas e cartografias perdidas da minha geografia íntima. Mas o que é um facto é que não descobri lá nenhuma.”

Já perto do final, cita um dos seus amigos escritores, Magris, autor de um livro apropriadamente intitulado “A viagem vertical”: “no espaço doméstico, no lar, é onde o viajante empedernido joga realmente a vida, a capacidade ou a incapacidade de amar e construir, de ter e proporcionar felicidade, de crescer com coragem ou agachar-se no medo. Dito de outro modo: a casa é o

Liv

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Ficção

Itinerário de uma auto-fi cçãoVila-Matas transforma-se numa personagem a partir de três formas de viajar: em trabalho, através da leitura e da sua memória. Rui Catalão

Diário VolúvelEnrique Vila-Matas(trad. Jorge Fallorca)Teorema

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Entre 2005 e 2008, o escritor catalão Enrique Vila-Matas (Barcelona, 1948) publicou uma série de crónicas na edição dominical do “El País”. Com essa matéria, mais alguns

textos inéditos do seu diário, trabalhou a versão em livro de “Diário Volúvel”, um assombroso itinerário da não-vida do autor, da estranha forma de vida que é viajar para falar de literatura, de escrever sobre os livros que se leu, e de conviver com a literatura e seus autores. Vila-Matas considera este volume aquele em que “decanta” melhor do

que nunca a sua receita pessoal de ficção, ensaio e biografia.

Discordo. Não reconheço a este livro nem uma mistura desses géneros, nem um género híbrido, mas um género em si mesmo, plenamente definido, a que se poderia chamar auto-ficção.

Plenamente consciente da sua não-vida, e porfiando por apagar ainda mais os traços de vida, Vila-Matas transforma-se a si mesmo numa personagem a partir de três formas de viajar: em trabalho, através da leitura e da sua memória. O autor também cita alguma música (o livro começa no seu quarto, a ouvir as Ronettes), cinema, pintura, fotografia, arquitectura, política, urbanismo... mas são viagens turísticas, digamos assim, a literatura é a sua cidade. Compreende-se o seu fascínio pelo talento conceptual de Gonçalo M. Tavares ao criar um bairro de escritores. Vila-Matas, por ele mesmo, desenha antes um itinerário, à semelhança desses mapas publicitários que se vêem nos aeroportos, com as rotas de uma companhia aérea traçadas a vermelho.

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teste de História, o que era o 25 de

Abril.Chocada

Filomena Marona Beja tem um humor admirável, aqui um bocadinho cruel, ali meio maroto, acolá de uma humanidade comovedora

Henrique Vila-Matas é exímio a explorar uma imagem de marca dos escritores: a sua misantropia

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Estão disponíveis no site da Biblioteca Brasiliana USP 15 livros de poesia de Vinicius

Isabel Coutinho

Ciberescritas

Era o dia 19 de Dezembro de 1968. O poeta Vinicius de Moraes estava em Lisboa e partia, no dia seguinte, para Roma, onde iria passar o Natal. Mas naquela noite foi a casa de Amália Rodrigues, na Rua de São Bento, a uma pequena

festa de despedida. Estavam lá Natália Correia, José Carlos Ary dos Santos, David Ferreira e outros, e foi feita uma gravação áudio do que ali se passou (o disco foi editado pela EMI). A determinada altura Vinicius (1913-1980) diz a Amália Rodrigues: “A maior ousadia que eu cometi na minha vida foi fazer um fado para ti [risos]. Mas foi sincero, foi honesto, não sei se é fado não sei se não é: foi feito com amor. Chama-se ‘Saudades do Brasil em Portugal’.” E começa a cantar com um “pouquinho de sotaque”. Depois, Amália canta a mesma canção. Divina: “Ausência tão cruel

Saudade tão fatal/Saudades do Brasil em Portugal”.Foi a pensar em José Mindlin (1914-2010), o bibliófilo

brasileiro que morreu aos 95 anos, em Fevereiro, que voltei a ouvir esta gravação dos anos 60. Este membro da Academia Brasileira de Letras que dizia “a gente passa, os livros ficam” começou a coleccionar livros quando tinha 13 anos e, em 2006, doou os 40 mil volumes da sua biblioteca à Universidade de São Paulo que criou a Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (Guita era o nome da sua mulher). Daí nasceu a Brasiliana Digital que oferece na Internet o acesso “irrestrito, livre e total” a um acervo de

livros, folhetos, periódicos, manuscritos, mapas e imagens sobre a história e a cultura do Brasil. É através do sistema integrado de digitalização robotizada de livros encadernados (APT 2400RA BookScan da Kirtas Tech) instalado no Laboratório da

Brasiliana Digital que os e-books são realizados (a equipa chama ao robô Maria Bonita).

Desde o início desta semana que, integrados no projecto “Toda Poesia de Vinicius de Moraes”, estão digitalizados e disponíveis no site da Biblioteca Brasiliana USP os 15 livros de poesia de Vinicius doados por José Mindlin. Está lá, por exemplo, “O Caminho para a Distância” (1933), o primeiro livro que o poeta publicou. Quando se descarrega o PDF vê-se o amarelado do papel, página a página, e uma dedicatória escrita por Vinicius onde ele faz referência a esse “batido do sol, velho (...)”. O exemplar de “Orfeu da Conceição: tragédia carioca”, de 1956, está também digitalizado. É uma primeira edição com ilustrações de Carlos Scliar e é possível consultá-lo completo em PDF ou ver só as ilustrações. No “Livro de Sonetos” há outra particularidade: logo nas primeiras páginas pode ver-se o Ex-libris José Mindlin com a fras: “Ie ne fay rien sans gayeté (Montaigne, Des Livres)”. Os últimos livros digitalizados: “Um Signo: uma mulher” e “A Casa” (ambos publicados em 1975).

É possível descarregar estas obras para o computador (basta fazer um clique em guardar no PDF) e depois copiá-lo para leitores de e-books como o Sony Reader, o Kindle, o iPad e outros. Mas está lá o aviso: “Você apenas deve utilizar esta obra para fins não comerciais. Os livros, textos e imagens que publicamos na Brasiliana Digital são todos de domínio público, no entanto, é proibido o uso comercial das nossas imagens.” Não deixe de visitar também o site oficial Vinicius de Moraes, com direcção de conteúdo de Eucanaã Ferraz.

Toda poesia de Vinicius de Moraeshttp:/www.brasiliana.usp.br/

Vinicius de Moraeshttp:/viniciusdemora-es.com.br/

[email protected]

(Ciberescritas já é um blogue http://blogs.publico.pt/ciberescritas)

Para os meninos com uma flor

com tamanho analfabetismo a grassar na família, a cachopa empenhou-se a eito em remediar o mal: explicou a génese teórica da ditadura, citou Melo Antunes, foi de chaimite para cima e de cravo para baixo.

A irmã nada – que não percebia, que não era isso, que isso batatas. O que a irmã queria era “saber” o que era o 25 de Abril. Isto é: o que sentiu um velhinho em Santa Marta de Penaguião; como é que a Etelvina, empregada a dias na casa dos Betencourt Pitting de Miranda, começou a não cruzar as pernas; e a dona Idalina, professora primária, subiu a bainha da saia? Podia-se mesmo usar isqueiro sem pedir licença e isto era ou não uma metáfora sexual? E o pai, tinha mesmo tomado anfetaminas? E que raio era isso do povo que tanto se clamava? Cheirava mesmo mal ou era só má língua?

A moça estava confusa. Não é de admirar: o próprio presidente da República enalteceu há dias o papel na revolução de um homem a cuja esposa negou anos antes uma pensão de sobrevivência por mérito. Isto é confuso.

“Bute Daí, Zé!”, o novo romance de Filomena Marona Beja, não almejando a servir de tese, pode dar uma ajuda à irmã da minha amiga, ao nosso Querido Líder e também, já agora, a toda a nação. “Bute Daí, Zé!”, que se segue ao multi-premiado “A Cova do Lagarto”, é um retrato daquela geração que sonhou, viveu e congeminou muitos 25 de Abris em cafés e casas ocupadas. Uma parte deu em proletário vindo da burguesia, outra deu em rico, este continuou utópico, aquele ficou cínico.

Marona Beja segue um grupo, mais ou menos fechado, de utópicos, que ora planeia formar um partido político, ora um jornal que inquira o (por assim dizer) estado das coisas, ora se dedica a uma espécie de antropologia autodidacta do Portugal real, entre outras formas de intervenção e resistência. Para estabelecer a geografia social de “Bute Daí, Zé!” diga-se que não estamos no mesmo território de “Alexandra Alpha”, de Cardoso Pires. Esta gente que aqui se acompanha, sendo igualmente lisboeta, não é uma clique vagamente promíscua, blasé e high life. Aqui a mistura é muito maior.

Temos o Boaventura, que é das Beiras e deserta. A Elsa que é mais velha, casada mas não propriamente fascinada com a situação. A irmã Clara, que vai de cana por coisa nenhuma. O João Paulo, que sonha com motas. O dito Zé, herdeiro de uma venda de hortaliça e sempre pronto para ajudar o próximo. A Fátima, que está para médica, embora sonhe com trabalhos proletários. O Brons, que gosta de apanhar umas broas, e quer trabalhar

no aeroporto. Ainda surgirá a Belmira, provinciana transformada em operária transformada em líder da resistência operária transformada em costureira. E o pelo meio o Nuno e a Lurdes.

Isto sem contar com as imensas personagens secundárias, que incluem – imagine-se – um operário brasileiro de nome Lula.

No entanto, nenhuma destas personagens é “descrita”, pelo menos no sentido clássico do termo. O que sabemos delas é-nos dado numa simples passagem e raramente repetido – a idade de Elsa, a génese social de Boaventura ou de Belmira, nada disto é “afirmado”, apenas enunciado de passagem, como um mero detalhe, um dos muitos meros detalhes que se acumulam destas personagens. Os detalhes, note-se, incluem menção a milhentos “casos” políticos da época. Quem não os conheça não ficará perdido porque Marona Beja usa-os no sentido em que chegavam às pessoas: eram motivo de conversa, tão só. Não há “análise política”, podem ficar descansados.

Essa técnica de jogar às escondidas com a informação obriga o leitor a um trabalho suplementar – não só de selecção do que é a informação essencial, como igualmente de memorização dessa informação. O mais certo é o leitor ver-se obrigado nas primeiras dezenas de páginas a voltar atrás sucessivamente para se certificar de quem é quem e quem faz o quê.

A própria estrutura do livro evita a narrativa convencional. Cada capítulo (apenas três principais) é dividido em sub-capítulos e nestes cria-se uma linha de intervalo entre parágrafos quando há um salto temporal: há um parágrafo sobre um determinado episódio, há uma linha de intervalo e o parágrafo seguinte acerca-se de outro episódio radicalmente diferente, muito possivelmente passado no futuro, nova linha de intervalo e pega-se de novo na história no ponto onde se tinha deixado – assim deixando o leitor em “suspense”.

O método pode parecer trabalhoso ao início (em particular quando ainda não conhecemos as particularidades de cada personagem e no meio dos “saltos” temporais não sabemos quem está a dizer o quê), mas assim que se começa a unir as pequenas peças do puzzle, funciona na perfeição.

Por exemplo: sabemos quase desde o princípio que vai haver uma morte entre aquele grupo. Sabemos que vai haver um concerto dos Censurados e que isso um dia será importante. “O que raio têm os Censurados a ver com isto?”, perguntamos. É eficaz, acreditem, tremendamente eficaz este simples truque. Porque aquela morte – tão banal, tão óbvia e tão evitável – é como a chapada da realidade que os

cultores das utopias inevitavelmente levam.

O que é que estas personagens fazem neste longo lapso temporal, que não é indicado mas abarcará decerto uns bons trinta anos? Como foi dito, fazem muito e fazem pouco: imaginam fazer jornais (e fazem), imaginam ocupar a Casa da Palmeira em Lisboa (e ocupam), enrolam-se uns com os outros. Numa tirada maravilhosa, uma das mulheres acusa o namorado de a trair. Ele retorque que ela também andou a brincar às casinhas fora de casa. E ela diz-lhe: sim, mas só me vim contigo.

Neste fazer muito ou pouco mas sonhar sempre, Marona Beja consegue fazer-nos perceber como de facto os tempos começavam a mudar. E dá-nos vida, a vidinha: esta que se junta com aquele porque casada com ele pode viajar de avião de graça; um marido que volta da Guiné e fecha a mulher fora de casa; o pai de um que recriminará os amigos do filho; a rapariga que ocupa a fábrica quando a fábrica é encerrada. Isto tem cheiro, tem cor, mesmo que Marona Beja não os mencione.

Para essa “vitalidade” do real ser ainda mais pungente é fundamental a personagem do primo Pereira: um primo mais velho de João Paulo, cuja idade não se sabe mas vai para os cem e que serve para enquadrar os tempos e “contra-pontar”: o primo Pereira vem do Norte e dá outra perspectiva do país; sendo mais velho recorda a muita violência que sempre grassou por entre este povo que é sereno; e dá-se com gente mais velha e menos dada a estas modernices de ter de ir votar no meio da plebe. A distância entre aquele grupo meio perdido mas sempre crente de miudagem e o que o primo Pereira viu dá-nos conta da fundura deste país.

Um pormenor: tal como não há descrições de rostos e corpos, não há descrições de espaços e muito menos há psicologia das personagens. Uma frase de um diálogo, uma reacção bastam para traçar o perfil destas gentes – e nisso louve-se Marona Beja: é muito muito raro haver um talento assim.

Não se receie a névoa inicial que o livro apresenta. Lentamente tudo se desvela e as personagens tornam-se pessoas. Para mais Marona Beja tem um humor admirável, aqui um bocadinho cruel, ali meio maroto, acolá de uma humanidade comovedora. Faz estas personagens mudarem, andarem por outros caminhos, contradizerem-se, e no fim faz-nos levar com real, duro e – arrisco – injusto e estúpido.

Bute daí, leitor: vamos lá aprender o que foi essa revolução a que o PSD quis roubar o R, vamos lá saber o que foi isso do ponto de vista daquela coisa que aborrece tanto os académicos, os burgueses, os nossos cronistas e o nosso Querido Líder: as pessoas.

Liv

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Espaço Público

Este espaço vai ser seu. Que fi lme, peça de teatro, livro, exposição, disco, álbum, canção, concerto, DVD viu e gostou tanto que lhe apeteceu escrever

sobre ele, concordando ou não concordando com o que escrevemos? Envie-nos uma nota até 500 caracteres para [email protected]. E nós depois publicamos.

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Ípsilon • Sexta-feira 30 Abril 2010 • 53

Ensaio

Unidade e diversidade em Nemésio

Rouxinol e MochoAntónio Machado PiresImprensa Nacional-Casa da Moeda

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Rouxinol e mocho, ou seja, poeta e erudito, assim se confessou Vitorino Nemésio. Não há nenhum escritor português contemporâneo (incluindo Pessoa)

com uma tal diversidade. Diversidade de géneros e de tonalidades: a biografia histórica meio ficcionada, o compacto ensaio académico sobre Herculano, as crónicas de imprensa, as viagens distantes e domésticas, as evocações literatas, os contos e novelas, o magnífico “Mau Tempo no Canal”. E a poesia: metafísica, polémica, surrealista, lúdica, erótica, regionalista, científica. Nemésio é um mundo. A sua erudição colossal e divagante contribuiu para a imagem pública de professor heterodoxo e conversador notável. E a irrequietude poética fez uma obra variada, por vezes difícil, a poesia de alguém que, como ele dizia, se desfaz em linguagem, que vai atrás das palavras, que faz com que as palavras o sigam, seja a palavra o Verbo cristão, a severa filologia, o neologismo científico, os sotaques locais, as surpresas fonéticas.

Desta unidade e diversidade nos tem dado conta António Machado Pires, que foi assistente de Nemésio na Faculdade de Letras de Lisboa. “Rouxinol e Mocho” recupera pequenos livros e textos dispersos de temática nemesiana, o que explica algumas repetições. É, no geral, uma boa introdução aos temas essenciais do polígrafo ilhéu.

Os textos analisam com algum detalhe a dimensão multifacetada de Nemésio. É um trânsito constante entre “rouxinol” e “mocho”, uma escrita feita de história, alusões cultas, jogos verbais, subtil biografismo. Machado Pires interroga em particular o que significa a “açorianidade” de Nemésio. “Mau Tempo no Canal” e “Corsário das Ilhas” são exemplos de como em Nemésio o regionalismo é universalista.

No romance de 1944, um dos quatro ou cinco mais importantes do nosso tempo português, convergem as impressões e os saberes de Nemésio acerca das ilhas. O clima, as rochas, o verde, as baleias, o oceano, o isolamento, a estratificação social, a variedade fonética, a força do

destino, o “azorean torpor”. A ilha como génesis, cosmogonia, nostalgia, arquétipo. Terceirense expatriado, Nemésio encontrou nesse “romance das ilhas” uma âncora em que fundeou a sua extraordinária vastidão de interesses e capacidades. Uno e diverso, Nemésio faz da ilha um motivo central da sua obra: “A sua universalidade é também a do homem que trabalha os símbolos: o mar e a ilha, o eterno e o efémero; o paço e o milhafre, a casa e as asas da imaginação; o rouxinol e o mocho, o poeta e o sábio; as algas, os corais e a concha, os epifenómenos dessa insularidade ao mesmo tempo feérica e fechada na memória de si própria (…)” (pág. 56).

“Corsário das Ilhas” (1956), peregrinação sentimental que deve bastante a “As Ilhas Desconhecidas” (1926) de Raul Brandão, mostra de novo como o tema ilhéu congrega as preocupações e inclinações de Nemésio, acrescidas de uma certa culpabilidade de filho pródigo, alguém que viveu fora a vida quase toda. A “ilha”, em Vitorino Nemésio, é mais que um sítio: é imagem e biografia, motivo e angústia, mocho e rouxinol. Pedro Mexia

Poesia

A mão e o mundoA matéria com que devagar se fabrica o poema. Um dos livros mais delicados e belos de Pedro Tamen. Maria Conceição Caleiro

O Livro do SapateiroPedro TamenD.Quixote

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“O Livro do Sapateiro”: título, na aparência, estranho. Sabemos pelo paratexto não se tratar de um guia de profissão embora corra esse risco nalguma prateleira. Começamos a

ler, e aparece um dos livros mais delicados, depurados e belos do autor, diurno, quase solar, mais à flor sempre velada da pele, não

deixando estilisticamente de lhe pertencer. Parece ser todo ele uma metáfora continuada de outra coisa. Mas não é bem assim, mesmo calculando que o poeta não se tornou literalmente num sapateiro-artesão, há fissuras, antíteses, outras figuras e paradoxos que indiciam tratar-se de uma arte poética (mas tudo é sem garantias).

De repente, por inúmeras contiguidades, indecisos e deslumbrados, lembramos o poema de Pedro Tamen escrito em 1963 para o inesquecível filme de Paulo Rocha “Verdes Anos”, em que Júlio, o sapateiro, e Ilda dançam nos dedos de Carlos Paredes.

Recordamos então Júlio, chegado da província, concertando sapatos na cave de uma Lisboa lá fora em crescimento, também ela a começar, de novo, deflagrando ao longe entre espigas, hortas e giestas; da moderna Avenida dos Estados Unidos da América até ao aeroporto era um terreno baldio ainda vago que Júlio e Ilda, aos domingos, atravessam. Mas num dia de domingo, eles dançam, ele desajeitado pisando-a, movimento contrastado pelo plano da câmara deslizando pelo tecto de uma sala muito alta e clara, como o brilho de um céu azul que entra no cubículo onde se está a trabalhar (no filme e no livro).

Um poema emblemático, o primeiro, que parece querer legendar o resto, é lançado sem pontuação: “Iremos procurar a razão da giesta

a razão do amarelo/iremos procurar/ e os olhos tomarão todas as cores/ as cores de tudo”. Se escolhêssemos uma figura geométrica para “O Livro do Sapateiro”, ela seria um círculo aberto, ou em aberto, e em movimento sempre perpétuo, uma espiral portanto, o eterno retorno do mesmo a outra coisa.

“Iremos”: nós quem? O sujeito

Vitorino Nemésio: não há nenhum escritor português contemporâneo (incluindo Pessoa) com uma tal diversidade. Diversidade de géneros e de tonalidades

Um Pedro Tamen diurno, quase solar

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54 • Sexta-feira 30 Abril 2010 • Ípsilon

lírico, o sapateiro que enuncia e o sapato que manipula ao longo do livro e palmilhará um dia os caminhos? Sendo que a pele “que passou sol e vento e que regressa aqui”, como a sola “que é milagre”, já contêm curtidas a memória do verde e dos campos e assim dominam ou julgam dominar o tempo que transportam e ao transportar modificam. Ao mesmo tempo que ele, o sapato que se faz, o sapateiro, diferindo, vai-se fazendo, até ao fim do livro: “Vejo-me no brilho que te dou,/ ó espelho das minhas mãos,/ fugaz vitória destes dias./últimos.” Figuração do poeta e do poema que se modela e o modela reflectindo-o? Indecidível. E é nessa construção da indecidibilidades de interpretação, nesse artifício constante, que ao ser acalentados, reenviando-se permanentemente o leitor para universos paralelos que não coincidem e fazem diferir a leitura, que se sustenta a respiração da obra. À letra, apesar de sob suspeita, “quase” nada nos permite negar a literaridade da acepção sapato-sapateiro-cave-luz e sons que caem na cave arrastando, porém, o que não seria suposto: “memórias de rios e montanhas/ inundando estes mares de sal e carne/ onde me afogo/ para respirar.” E de olhos bem fechados, vê lacrimejando o mundo a reflorescer “entre a minha vida./ E o mundo que andará/ dentro da minha vida”. Os olhos e as lágrimas são recorrentes aqui. Da ordem do milagre, do espanto que comove. Se bem que a gente desconfie poder tratar-se do poema e do seu tecer.

O sapateiro vive acocorado na cave, lugar escuro e escuso, sentado

límpido e os argumentos bem apresentados. A partir de agora, deixou de haver desculpas para se desconhecer o século XIX. No final, a autora incluiu uma excelente cronologia e uma muito bem organizada bibliografia.

Não é esta a única obra recentemente publicada pela autora. No ano passado, com o intuito de abordar os anos entre 1834 e 1851, saiu “Uma História de Violência Política”. É das voltas e reviravoltas deste período que Maria de Fátima Bonifácio nos fala, demonstrando como se deve fazer investigação e se deve escrever História. Dois homens sobressaem na narrativa, Costa Cabral, o qual, como afirma, funcionava por “exclusão” - era, como hoje diríamos, um “conviction politician” - e Rodrigo da Fonseca, que o fazia por atracção, ou seja, usando ainda termos modernos, um “político inclusivo”. Ambos forjaram uma época.

Curiosamente, não são estas figuras que mais me atraem, mas o Marechal-Duque de Saldanha. Gostos são gostos, ou seja, não quero com isto dizer que a autora não tenha analisado bem as outras personagens, apenas que Saldanha é, na minha opinião, o mais fascinante. O capítulo de que mais gostei foi o que se debruça sobre a Regeneração, o pronunciamento militar por ele chefiado a 7 de Abril de 1851. Um mês antes do golpe, o conde das Antas dissera-lhe que, perante o descontentamento do país, estava a ser preparada uma revolução, que rebentaria no mês de Maio seguinte, tendo acrescentado que “todo o partido progressista se comprometia, sem quaisquer condições, a submeter-se inteiramente à direcção e determinação do marechal”. Para sua surpresa, Saldanha recusou-se a aderir, tendo declarado sem pudor: “Não consentirei que a vossa revolução tenha lugar, dado que eu própria tenciono fazer uma”.

E fez; só que ia falhando. Não vou contar as peripécias da insurreição de 1851, porque o respectivo capítulo se lê como um thriller, mas não resisto a citar outra pérola retórica do Marechal-Duque, proferida, alguns anos depois, reinava já D. Pedro V. O rei, um intelectual idealista, odiava-o. A certa altura, recebeu-o no Paço. Presidia aquele ao 22º governo constitucional, o qual, embora estável, atravessava uma crise. Eis o que Saldanha lhe disse: “Portugal, com vossa Majestade absoluto e eu Ministro, era um país feliz”. Tivesse Saldanha vivo e sabe Deus o que lhe teria passado pela cabeça, mas felizmente jaz sob as pedras do palácio da Anunciada, pertença da sua família, os condes de Rio Maior. Podemos ir sossegadamente para casa a fim de ler as duas obras recentes de Maria de Fátima Bonifácio.

no curto escabelo que lhe deram, aí manuseia os instrumentos do ofício e a mão calejada consuma os gestos que (não) lhe pertencem, gestos às vezes de grande visualidade e verosimilhança – “quem porá seu pé (fatia de mundo surpreendido)/ no molde que me saiu)/ (...) com minha mão puxo a linha,/ junto-lhe a boca a ajudar,/ e já não sei qual mais minha: se a boca se o meu puxar.” Todo o campo semântico do trabalho, ferramentas, práticas e materiais (o ferro que a mão direita segura, o martelar, o pé, o coser ponto por ponto, o colar, a sola, a pele, o molde, a forma, o prego), é convocado a burilar, nesse cubículo esconso, o poema, isto é, “este sapato sem cor” a que “vou dando forma aformoseio”.

No reduto clandestino do sapateiro, “onde trabalha o coração real”, entra algo não logo absorvível, algo que fende a estabilidade de um quadro alegórico, algo à partida infamiliar ao campo semântico da fabricação de sapatos, isto é, o longe que chega: a companhia que acompanha de quem não passa pela janela da cave. Isso, que vem de fora, imiscui-se na matéria com que devagar se fabrica o poema, leia-se o sapato, isso que o sapateiro modela à sua maneira, transfigurando mas mantendo no movimento um rastro, testemunho de inclusão. Lembre-se o primeiro poema “e os olhos tomarão todas as cores as cores de tudo”. No “tudo” está o sapateiro que transfigurou a matéria (natura) e ainda a própria matéria (natura) se bem que transfigurada. O embate das partes é da ordem do milagre, da comoção (“explosão lírica”), por isso os olhos do sapateiro se enchem

amiúde de lágrimas - “Que faço eu que faço senão amar/ o milagre sem paga/ a lírica explosão/ de um rio que brota neste espaço/ de um algo agora acrescentado/ ao mudo mundo em que nasci?/ Que faço eu que faço/Senão olhar o que tenho em frente/ e deixar que as lágrimas caiam/dadivosas?”

Depois disto, convém rever “Os Verdes Anos” e sentir comovidamente o tempo que passa na letra deste livro.

História

O nosso longo século XIXÉ uma síntese, em prosa clara e raciocínio límpido. E o carácter sucinto não é um dos seus maiores méritos: mesmo um leitor preguiçoso deixa de ter desculpas para desconhecer o século XIX. Maria Filomena Mónica

A Monarquia Constitucional, 1807-1910Maria de Fátima BonifácioTexto

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Até 1974, uma vez que I República gostava pouco de monárquicos e o Estado Novo pouco do liberalismo, o século XIX era um território virgem, situação que se tem vindo a alterar. Um dos historiadores

que mais têm ajudado a compreender o período é Maria de Fátima Bonifácio, cujo livro “A Monarquia Constitucional, 1807-1910”, agora editado, é indispensável.

Dir-me-ão talvez que o regime não começou em 1807, mas em 1820 ou 1834, mas a autora explica o motivo que a levou a escolher a primeira data: o facto de a Revolução ter vindo do exterior. Foram as Invasões Francesas, não a estrutura social indígena, que deram cabo do Antigo Regime. À época, a sociedade portuguesa era esmagadoramente rural, pobre e analfabeta. Com a possível excepção de Lisboa, não pululavam os salões onde se discutissem as Luzes. O que, pelo contrário, existia era uma aristocracia titular, “umas cinquenta famílias firmemente adstritas à corte e dependentes da Coroa”, alheia ao movimento intelectual europeu e incapaz de imaginar um mundo

diferente daquele que lhe conferia a supremacia. Não havia um grupo alargado capaz de criticar a legitimidade do rei absoluto em nome dos princípios da soberania nacional e da igualdade cívica. Foi presença do invasor francês e as lutas dela decorrentes que levaram à ruína das antigas instituições.

Em 1820, começou um período, instável por natureza e ambivalente por necessidade. Durante várias décadas, isto é, até à repressão das revoluções de 1848, foi impossível viver em paz. A instabilidade é mais visível do que a ambivalência ideológica, mas é esta que explica aquela. Maria de Fátima Bonifácio distingue, e bem, os fundamentos do liberalismo e da democracia. Só com base nesta distinção é possível explicar, como o faz, a ascensão e queda do setembrismo: “O posterior desenrolar dos acontecimentos demonstrou a impossibilidade de o setembrismo oficial, moderado e respeitável, governar com a sua ‘cauda de descamisados’; morreria, por isso, às mãos dela. Mas mostraria também a impossibilidade de se conservar no poder sem o apoio dela: uma vez provado que não conseguia gerir e controlar a ameaça revolucionária, o setembrismo tornou-se redundante”.

Outro ponto original do livro é a atenção conferida ao anticlericalismo como motor da republicanização da monarquia. A partir da Regeneração de 1851, ou, mais concretamente a partir de 1857, o sentimento anticlerical substitui o democratismo jacobino enquanto inspiração do radicalismo. A partir de então, a identificação entre reacção religiosa e reacção política ficou estabelecida. Sem que pudesse reprimir os primeiros nem apoiar os segundos, a Monarquia Constitucional viu-se entalada.

A autora relembra ainda a importância de Lisboa no panorama político. Num país eminentemente agrário, conservador e católico – 80 por cento da população vivia no e do campo – a classe política era de esquerda, ou seja, liberal, anticlerical e democrática. Portugal era um país dual, com a agravante de, a partir de certa altura, os partidos rotativos, úteis para enquadrar a província, se terem tornado incapazes de abranger as massas urbanas. Ao dualismo geográfico sobrepôs-se outro fenómeno, de natureza sociológica, a exiguidade da uma classe média que pudesse servir de tampão às exigências do “povo”. João Franco fez o que pôde, mas, a partir do assassinato de D. Carlos, a monarquia estava condenada.

O carácter sucinto da obra – 212 páginas - não é um dos seus menores méritos. Por muito preguiçoso que o leitor seja, é improvável que não consiga arranjar tempo para ler esta obra, cuja prosa é clara, o raciocínio

Liv

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Maria de Fátima Bonifácio: Um dos historiadoresque mais têm ajudado a compreender o século XIX

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Ípsilon • Sexta-feira 30 Abril 2010 • 55

partiu de Diogo Infante, director artístico do D. Maria. “Eu disse que estava interessado mas teria de ler o texto [para saber se] me apaixonaria ou não”, conta Alfredo Brissos, o encenador. Apaixonou-se, sobretudo pela “dificuldade de colocar em prática uma coisa muito importante no teatro: os afectos”: “Esta peça é uma condensação de afectos bastante perturbadora. Foi esse lado que me agarrou, mais por aquilo que não diz do que por aquilo que diz”.

“Jardim Suspenso” é o texto vencedor da terceira edição do Prémio Luso-Brasileiro de Dramaturgia António José da Silva. Abel Neves esteve presente num ensaio, mas não interferiu na construção do espectáculo. “Não se quis envolver. Na leitura, [pudemos] ver a visão dele [sobre o texto]”, diz Brissos. A peça gira em torno de Luzia (Carla Chambel), uma arquitecta que projecta um jardim em nome de um amor. Quando descobre que não é correspondida, entra em decadência física e mental, mas a família ignora porquê. Apenas a avó (Simone de Oliveira) é admitida nesse círculo de sofrimento.

“É doloroso [representar a avó], porque há muitas coisas que estão cá dentro. Há umas mais complicadas de assimilar, que eu tive de trabalhar. Esta mulher parece muito forte, vive lá no mundo dela. Eu sou um bocadinho assim”, diz Simone de Oliveira. “Foi talvez das coisas mais difíceis que me deram para representar”, continua.

Para Carla Chambel, o desafio é “manter o mergulho diariamente”: “Não ter medo de me sentir ridícula, de não ter rede”. Luzia é confrontada com uma decisão que altera toda a sua concepção do amor: “Acho que ela não está verdadeiramente apaixonada por aquele homem, mas sim pelo amor que tem por ele. É a isso que ela se agarra. A partir do momento em que não é correspondida, entra num caminho descendente. Às vezes zango-me com a Luzia e apetece-me dizer-lhe: homens há muitos!”. Para conduzir o trabalho com os actores, e principalmente com Carla, pediu a um psicólogo que lesse o texto. “Ele fez um diagnóstico: a Luzia é psicótica afectiva. Sublima o objecto amado, não propriamente a pessoa, mas a paixão. É tudo ou nada”, analisa o encenador.

Morrer de amor é tão antigo como o próprio teatro. “Acha que não? Quantas pessoas não deixam de comer porque não são retribuídas na sua paixão. Entram em depressão porque perderam a pessoa de quem gostavam. Este caso pode ser considerado ridículo porque está tudo condensado, mas nós passamos por isso. Eu pelo menos passei”, sublinha Alfredo Brissos. “Eu também”, acrescenta Simone. “Ela [aponta para Carla Chambel] é que é muito novinha”.

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Quando o amor não tem limitesMorrer por amor é tãovelho como o mundo. Uma perturbadora história de afectos, no “Jardim Suspenso” de Abel Neves. Clara Campanilho Barradas

Jardim SuspensoDe Abel Neves. Encenação de Alfredo Brissos. Com Carla Chambel, Carlos Oliveira, Carmen Santos, Luciana Ribeiro, Manuel Coelho, Simone de Oliveira.

Lisboa. Teatro Nacional D. Maria II - Sala Estúdio. Pç. D. Pedro IV. Até 30/05. 4ª a Sáb. às 21h45. Dom. às 16h15. Tel.: 213250835. 12€

É mesmo lá em cima, no último piso do Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, que está suspenso o jardim. Os espectadores quase podem pisar a areia, desde ontem, na Sala-Estúdio, onde o “Jardim Suspenso”, de Abel Neves, vai ficar até ao final do mês de Maio.

O convite para esta produção

Teatro

EstreiamO Rei Está a MorrerDe Eugène Ionesco. Pela Comuna - Teatro de Pesquisa. Encenação de João Mota. Com Carlos Paulo, Ana Lúcia Palminha, entre outros. Lisboa. Teatro da Comuna. Pç. Espanha. De 30/04 a 27/06. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 217221770. 5€.

ContinuamAgora a SérioDe Tom Stoppard. Encenação de Pedro Mexia. Com Afonso Lagarto, Ana Brandão, João Reis, São José Correia, entre outros. Lisboa. Teatro Aberto - Sala Azul. Pç. Espanha. Até 31/12. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 213880089. 7,5€ a 15€.

Ver texto na pág. 24.

Troilo e CréssidaDe Shakespeare. Encenação

de Joaquim Benite, José Martins. Com André

Silva, Rogério Boane, Solange Sá, entre outros. Almada. Teatro Municipal de Almada. Av. Professor Egas Moniz. Até 16/05. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 212739360. 6€ a 13€.

Foder e Ir às ComprasDe Mark Ravenhill. Encenaçãode Gonçalo Amorim. Com Pedro Carmo, Carla Maciel, entre outros. Lisboa. Teatro Municipal de S. Luiz. R. Antº Maria Cardoso, 38-58. Até 09/05. 4ª a Sáb. às 21h. Dom. às 17h30. Tel.: 213257650. 15€.

A Rainha da Beleza de LeenaneDe Martin McDonagh. Encenação de Nuria Mencía. Com Elisa Lisboa, Natália Luíza, entre outros. Lisboa. Teatro Meridional. R. do Açucar, 64 - Poço do Bispo. Até 30/05. 4ª a Sáb. às 21h45. Dom. às 17h. Tel.: 218689245.

Vitima da CriseDe Jorge Palinhos. Pelo Teatro Art’Imagem. Encenação de Jorge Palinhos. Com Isabel Pinho, Valdemar Santos. Porto. Palácio de Cristal. R. D. Manuel II. Até 02/05. 2ª a Dom. às 21h45. Tel.: 226057080. 3€.

Dança

ContinuamSo SoloDe e com Clara Andermatt. Porto. Teatro Nacional São João. Pç. Batalha. Até 30/04. 5ª e 6ª às 21h30. Tel.: 223401910. 3,75€ a 16€.

Agenda

Teatro no hotel

O Teatro do Vestido apresenta hoje e amanhã, no International Design Hotel de Lisboa (Rua da Betesga, 3), o terceiro módulo do ciclo “Esta é a Minha Cidade e Eu Quero Viver Nela”, criação do performer Miguel Bonneville. “Este espectáculo é sobre estranhos,

camas, lençóis sujos, telefones e telefonemas, comunicação, divisão, desencontrarmo-nos uma vez (...), é sobre ter um lugar num daqueles restaurantes que estão abertos a noite inteira e que têm a um canto um casal improvável e nós sozinhos noutro canto (...), é sobre ser português”,

explica Bonneville. As apresentações, que começam às 21h30 e terminam à 1h, decorrem num quarto do hotel e têm uma lotação limitada a cinco pessoas, com entrada gratuita. Reservas (aconselhadas) pelo 918388878.

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A avó (Simone de Oliveira) é a única pessoa que consegue entrar no mundo fechado de Luzia (Carla Chambel)

“Troilo e Créssida”, um Shakespeare que nunca se

tinha feito em Portugal

Carlos Paulo é o rei em queda na nova produção da Comuna

de athol fugard

De 6 de Maio a 6 de Junho

De 3ª a Sábado às 21.00h. Domingo às 16.00h TEATRO DO BAIRRO ALTOR.Tenente Raul Cascais, 1A. 1250 Lisboa Telef: 213961515 / Fax 213954508

e-mail: [email protected] http://www.teatro-cornucopia.pt

Tradução: Jaime Salazar Sampaio; Encenação: Beatriz Batarda; Cenário e figurinos:Cristina Reis; Desenho de luz: José Nuno Lima; Sonoplastia: Sérgio Milhano.Interpretação: Catarina Lacerda e Dinarte Branco.

Estrutura financiada pelo M/122010

Coprodução Apoios

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UMA ÓPERA DE

Pedro Amaral SOBRE TEXTO DE

Fernando Pessoa

03MAIO2010 21H GRANDE AUDITÓRIO»PRIMEIRA AUDIÇÃO EM PORTUGAL«

LONDON SINFONIETTA PEDRO AMARAL DIRECÇÃO MUSICALFERNANDA LAPA ENCENAÇÃO

CARLA CARAMUJO SOPRANOÂNGELA ALVES SOPRANOSARA BRAGA SIMÕES SOPRANOJORGE VAZ DE CARVALHO BARÍTONOMÁRIO REDONDO BARÍTONOARMANDO POSSANTE BARÍTONO