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paulogracino
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A literatura de cordel além de ser um instrumento bastante eficaz no sentido de informar, também tem o seu poder pedagógico para com a sociedade, pois no mesmo instante em que leva conhecimento aos leitores e ouvintes, faz com que eles reflitam sobre o seu cotidiano. Através da sua escrita poética e dos seus enredos, quase sempre fantásticos, acabam por atrair e instigar os admiradores a refletir sobre os temas abordados.“O Memorial Frei Damião, o Romeiro e a Fé” não se distancia dessas características que marcam a poesia de cordel, sobretudo, no sentido de informar, de atrair e de instigar os leitores e admiradores para uma reflexão sobre o seu cotidiano.Este cordel foi produzido em estrofes de sete (setilha) versos de sete sílabas, trazendo uma história (fictícia) vivida entre o autor e um romeiro que visitou o Memorial Frei Damião, na cidade de Guarabira, no estado da Paraíba – Brasil.
Citation preview
O Memorial Frei Damião, o Romeiro e a Fé.
Eu trago neste cordel
Um bate papo legal,
Narrando um dia de um homem
Com uma fé descomunal,
Que veio ao Frei Damião
Repleto de devoção,
Medindo o Memorial.
O nome dele é José,
Seu sobrenome é Maria.
Um tipo bem popular,
Vindo numa Romaria.
Foi muito bom lhe encontrar
Pra podermos conversar
No decorrer de um dia.
Conheci o Zé Maria
Quase que só de passagem,
Mas foi grande a alegria
Tê-lo como personagem
Desta minha narração,
Porque esta construção
Reflete a nossa mensagem.
Ele me disse que veio
Sem ter nenhuma missão.
Eu me perguntei por que
Lápis e papel na mão?
Nem sei se era promessa,
Nem sei se estava com pressa,
Mas lhe prestei atenção.
Ele anotou que a estátua
Num platô está situada,
Ficando na Cordilheira
Da Borborema falada,
De uma beleza suprema,
É a Serra da Jurema
Em Guarabira encontrada.
Também vi no seu papel
Que Mata Limpa é o local
Do platô-base que ergue
O nosso Memorial,
Há trezentos e cinquenta
Metros, onde forte venta,
Na altitude geral.
Foi aí que percebi
Ser algo muito legal
A pesquisa do romeiro
De maneira especial.
Eu também me interessei
E daí lhe perguntei:
- Por que o Memorial?
Ele me disse depressa:
- Por causa da emoção
De poder ficar ao lado
Do “Padim” Frei Damião,
Mesmo sendo de cimento
É lindo esse monumento
E me enche o coração.
É um dos pontos turísticos
Do tipo religioso
Mais lindo da Paraíba,
Local muito prazeroso,
Ou quem sabe brasileiro
E tem na fé do romeiro
Este ar misterioso.
Mas voltemos ao romeiro,
Do qual comecei falar,
Que com seu lápis na mão
Queria tudo anotar,
Muito feliz e contente
No meio daquela gente
Vinda pra aquele lugar.
Não sei de onde ele vinha,
Esqueci de perguntar,
Só sei que ele falou
Quando pôde avistar
O monumento erguido,
Perecendo adormecido,
Como quem quer acordar.
Foi há mais de dezesseis
Quilômetros daqui distantes.
Ele viu em linha reta
E foi isto o bastante
Pra seguir a caminhada
Em busca da obra armada
Em um formato gigante.
Foi aí que perguntei
Se ele havia anotado
Isto tudo em seu papel
E ele disse apressado:
- Tudo que vi, anotei,
Desde que eu avistei
Tá tudo bem registrado.
Como eu tava curioso,
Não deixei de perguntar:
- Já faz tempo que chegou?
- Não, acabei de chegar.
Sou até um dos primeiros
De um grupo de romeiros
Vindo pra esse lugar.
- E eu quero anotar tudo
Que tem no Memorial.
Quantos metros de altura,
Com e sem o pedestal.
Quantos quilos de cimento
Foi gasto no monumento
E todo material.
Aí resolvi saber
Da hora que aqui chegou,
Zé Maria disse logo
O tempo que ele levou:
- De carro eram dez minutos,
Mas pra não ouvir insultos,
Mais de uma hora passou.
Porque veio anotando
Tudo que via e ouvia.
Ouviu os cantos dos pássaros
Cantando com alegria,
Isso levou um tempão,
Parou em cada estação
Da mais pura e sacra via.
Parou no meio da serra
Aos pés do lindo cruzeiro,
Obra linda de Brennand,
E como um bom romeiro
Depressa se ajoelhou
Pensou em Deus e rezou,
Depois seguiu o roteiro.
Mil e oitocentos metros
Lá de baixo até em cima,
Mesmo num dia de sol,
Disse: - Foi gostoso o clima,
Caminhada diferente,
Pois encontrei muita gente
Que o percurso anima.
As estações são as quinze,
Pois isso nunca mudou.
BejamimCarlos quem fez,
E de concreto armou,
Pondo ao longo desta estrada,
Ilustrando a caminhada
De quem por aqui passou.
Vejam que ele subiu
Todo trajeto a pé
Como faz todo romeiro,
Seja Maria ou José,
Ou mesmo José Maria
Feliz e com alegria
Que busca força na fé.
Perguntei se ele sabia
Quem fez o Memorial,
Deixando-o bem confuso
Porque me expressei mal.
Depois perguntei direito:
- Sabes qual foi o Prefeito
Que fez este colossal?
Ele disse não saber
Qual Prefeito construiu,
Aí melhor expliquei
Como aquilo então surgiu.
Falei: - Foi Léa, a Prefeita.
Ele disse: - Obra perfeita!
Olhou pra mim e sorriu.
Ele foi logo anotando
Sem sequer questionar.
Perguntou: - Qual foi o ano?
Respondi sem gaguejar:
- Dois mil e quatro é o ano,
Digo-lhe sem ter engano,
Você pode confiar.
- Agora me diga o mês.
Pediu-me o Zé Maria.
Respondi: - Foi em dezembro.
E sem demora dizia:
- Exato dia primeiro
Que foi entregue ao romeiro
Esta obra de valia.
Zé Maria então parou,
Fazendo uma confusão:
- Quem fez foi Léa Toscano
Esta bela construção?
Então me diga um segredo,
Quem foi esse tal Azedo
E qual sua atuação?
- Ah! Esse é o Arquiteto.
Fui depressa explicar:
- Foi o Alexandre Azedo
O homem a projetar
Toda esta construção,
Desde a sua criação
Até tudo terminar.
Ele disse: - “Peraí”!
Vamos mais devagarinho,
Deixe-me pegar o lápis
Para anotar tudinho,
Porque sou muito fiel,
Só botando no papel
É que fica bem certinho.
- Mas por que tudo anotado?
Eu voltei a perguntar.
Ele disse: - Porque tenho
Interesse em calcular
Como se ergue a memória
E se constrói a história
De um santo popular.
Eu fui mudando a prosa
E vi que ele notou,
Parei de fazer perguntas,
Mas ele é quem perguntou:
- O tamanho da escultura,
Qual é mesmo a sua altura
E quanto tempo levou?
Nisso, a gente já estava
Aos pés de Frei Damião,
E ele rapidamente
Foi se curvando ao chão,
Fazendo o sinal da cruz,
Relembrando quem conduz
Aqui na terra o Cristão.
Vinte e um metros de altura
Somente o Frei Damião.
Treze tem o pedestal,
Digo-lhe com precisão.
Trinta e quatro no total,
Tem esse Memorial
Da cabeça até o chão.
Aí eu me adiantei
E disse: - Pode anotar,
Pois os dados desta obra
É possível calcular.
Antes que eu me esqueça,
Três metros tem a cabeça
Por quatro, sem duvidar.
Ou seja, pra ser exato:
São três metros de largura
A cabeça da estátua
E por quatro de altura.
Até os olhos lhe digo
Quanto mede, meu amigo.
Isso é matemática pura.
Quarenta e oito centímetros
Por vinte e oito, também
É o tamanho medido
E que cada olho tem.
E mais, o projeto diz,
Que pra ponta do nariz
Só faltam dez para cem.
Calma, isso eu explico
Pra não haver confusão,
Pois da ponta do nariz
Fizeram a medição,
De centímetros tem noventa,
Ou seja, do olho à “venta”
Existe esta dimensão.
Zé Maria aperreou-se
E começou escrever.
Pedia pra repetir
Com medo de se perder,
Mas eu disse: - Meu irmão,
Se avexe muito não,
Pois tudo eu volto a dizer.
E o tamanho da boca
De uma forma geral:
Oitenta e quatro centímetros
Somente na horizontal,
Mais trinta de abertura,
Sendo esta a altura
Na medida vertical.
E já fui adiantando
Antes dele terminar
De anotar as medidas
Que acabei de informar,
Disse: - Vamos às orelhas,
Esqueça as sobrancelhas
Pra gente não se atrasar.
Tem um metro e trinta e cinco,
A orelha do Damião.
Não parece ser tão grande,
Mas é um grande orelhão.
Isso aí é a altura,
Com meia três de largura,
Completando a dimensão.
Sem parar fui perguntando:
- Já tá tudo anotado?
Zé Maria respondeu:
- Tá tudinho registrado.
Pra eu não perder a festa,
Diz o tamanho da testa
Ou não sabes decorado?
Ele quem me perguntou
E eu gostei de dizer:
- Oitenta e quatro de altura.
Eu pude lhe responder:
- É uma testa enorme,
Mas isso aí é conforme
O que dá pra gente ver.
Eu vi que essas medidas
Deixava o Zé feliz.
Ele era detalhista
E de repente eu quem fiz,
Novos cálculos da cabeça,
Pra que ele não esqueça,
Sendo do queixo ao nariz.
Um metro e quinze distantes,
Quem quiser pode subir.
É só ir até o topo
Sem ter medo de cair,
Do nariz até o queixo,
Seguindo sempre este eixo
Pode começar medir.
Nisso, a gente foi saindo,
Mas ele me perguntou:
- Quando surgiu essa ideia,
E a obra começou?
Respondi-lhe direitinho
Com um imenso carinho,
Até quando inaugurou.
Mas antes de começar
Estas datas responder,
Disse-lhe: - Está faltando
Outras medidas dizer.
Por exemplo, o cordão,
Que escorre abaixo da mão
E daqui a gente ver.
O Cordão de São Francisco
Que compõe o monumento
Tem nove vírgula oitenta
Metros de puro cimento.
Confesso que desconheço
No mundo existir um terço
Com tão grande comprimento.
Pra não perder a conversa
Voltamos à discussão
Sobre a origem da obra
E a sua inauguração,
Pois vi que o Zé Maria
Ainda permanecia
Prestando muita atenção.
- Em vinte e sete de março
E foi no ano dois mil
Que começou esta obra
Sob o céu de azul anil,
É tão bela esta escultura,
Sendo a terceira em altura
Do nosso imenso Brasil.
Rapidamente explanei
Sobre a inauguração,
Que foi em dois e mil e quatro,
Dizendo com precisão.
E foi no mês de dezembro,
Depois que passou novembro
Sem lhe deixar confusão.
Ele parando falou:
- As datas eu já havia
Anotado no início,
Mas juro que não sabia
Que esta bela escultura
É a terceira em altura
Do Brasil de hoje em dia.
Quando nós fomos saindo
Em meio à descontração,
Parei e bem de repente,
Tocando em sua mão,
Disse-lhe pra terminar:
- Você pode anotar
Bem mais, sobre a construção.
São quatrocentos e trinta
E seis metros no total,
Isto é em metros cúbicos,
Numa medida geral,
Este dado é o completo
Da quantidade em concreto
Gasto no Memorial.
E o peso da estátua
Pode anotar direto:
Setecentos e cinquenta
Toneladas de concreto,
De pé aqui nesta serra,
Erguida e presa à terra
Num cenário tão repleto.
Dando-lhe estas respostas
Saímos a papear,
Discutindo a fé dos homens,
Era hora de almoçar.
Tomamos uma branquinha,
A dele maior que a minha,
Sem querer exagerar.
No barzinho bem ao lado,
Um lugar simples e singelo,
Rodeamos a mezinha
De tamborete amarelo.
Fui logo me espreguiçando
E o boné fui tirando,
Deixei de lado o chinelo.
Perguntei ao nobre dono
O que tinha pra comer
E ele me respondeu:
- “Peraí” que eu vou ver
Se ainda tem galinha
Com aquela macaxeirinha
Que dá gosto de vender.
Ele disse: - Ainda tem.
Quer que eu mande preparar
Dois pratos daqueles grandes
Pra suas fomes matar?
Eu disse: - Vamos sem pressa,
Eu nem vim pagar promessa,
Aliás, nem sei rezar.
Se eu como um prato desses
Vou morrer empanturrado,
Mas então vi que o Zé
Ficou todo animado,
Dizendo: - Pode botar,
Vou comer até ficar
Morrendo com o bucho inchado.
Enquanto o dono aprontava,
Saí pra olhar a feira
Que fica logo ao lado,
Descendo um pouco a ladeira
Encontrei um vendedor,
Sujeito trabalhador,
Vendendo banco e cadeira.
Aí peguei um banquinho
E fui logo me sentar,
Porque daquele platô
É possível apreciar
Uma vista panorâmica
De Guarabira, dinâmica,
Sem muito se esforçar.
Passeei por Guarabira,
Aí Zé me acompanhou.
Ele olhou bem detalhado,
Toda cidade avistou,
Contemplou a natureza,
Registrou toda beleza
Que Deus pai nos reservou.
Imagens interessantes
Puderam ser avistadas,
Umas até bem distantes,
Outras mais aproximadas.
Lá é diverso demais
E as belezas naturais
Ainda são encontradas.
Eu vi muito artesanato,
Frutos da nossa cultura,
Zé Maria observando
Toda aquela belezura,
E o tempo ia passando,
Já estavam nos chamando,
Pois estava pronta a fritura.
Cinco ou seis passos andamos
De volta ao restaurante.
Sentamos pra almoçar
Naquele vento constante,
Degustamos o almoço
Servido pelo bom moço
De forma aconchegante.
Trouxe a “velha cocó”,
Criada na capoeira,
Com um bom suco de fruta
E aquela macaxeira.
Comi e joguei no chão
O osso pra aquele cão
Que agarrou de primeira.
Foi exatamente assim
E o Zé quis registrar.
Fez uma fotografia
Sem precisar anotar,
Esbanjou felicidade
Com tanta tranquilidade
Achada em um só lugar.
E com a barriga cheia
A preguiça foi geral,
Naquele vento gostoso
Da forma mais natural,
Abri a minha camisa,
Expus meu peito à brisa
Que sopra o Memorial.
Fomos descansar um pouco,
Voltando na contra mão.
Mas espere um pouquinho
Pra não gerar confusão.
O passeio foi a pé,
Eu sempre ao lado do Zé
Na maior descontração.
Nisto, uma sombra gostosa,
Bem fresquinha e legal,
Aos pés de Frei Damião,
Em pleno Memorial.
Digo na língua da gente:
- No derradeiro batente
Estava sensacional.
Paramos pra refletir
Sobre o que Zé anotou.
As medidas da estátua,
Os passos que ele andou,
Até o preço do almoço
Que pagou pra aquele moço,
O romeiro registrou.
A vista pela cidade,
Do alto e lá bem distante.
Calculou toda beleza
Com alegria constante,
As partes do monumento,
Todo peso e comprimento,
Mas faltava o restante.
Neste instante eu levantei,
Ele também levantou,
No momento que outro grupo
De fiéis por nós passou,
Adentrando ao Museu.
Tempo, a gente não perdeu,
Deu meia volta e entrou.
Logo na parte de baixo,
E no primeiro momento,
Encontramos a história
Do gigante monumento,
Que aqui já foi falado
E já está registrado
Com todo merecimento.
Subindo alguns degraus,
Chegando ao primeiro andar,
É a história do homem
Que é possível encontrar,
Sem causar nenhum espanto
Ou a história do “Santo”
Da cultura popular.
Alí o nosso romeiro
Fez suas anotações,
Registrou o que bem quis
Sem me dar satisfações,
Depois procurou um canto
Da sala e aos pés do Santo
Rezou e fez orações.
Quando ele terminou
Todo aquele ritual,
Subimos mais uma escada
Daquele Memorial,
Fomos ao segundo andar
Para poder registrar
A parte espiritual.
Porque é lá que se encontram
Os milagres e as memórias
Atribuídas ao Santo
Que conquistou tantas glórias.
Ele pôde registrar,
Escrever e calcular
Todas aquelas histórias.
De novo ele se afastou
Pra um lugar reservado,
Repetindo o mesmo gesto
Desde que havia chegado,
Pondo o joelho ao chão,
Fazendo uma oração
Depois de tudo anotado.
Aí saímos sem pressa,
Ele se pôs a descer.
Então eu lhe advertir:
- Antes de ir, vamos ver
Do topo do pedestal
A beleza natural,
Vamos com Deus aprender!
Aí nós demos a volta
Aos pés de Frei Damião,
Admirando a paisagem
Com tamanha emoção.
Agradeci ao divino,
Senti-me como um menino
Naquela ocasião.
Vi que eu era tão pequeno
Naquela imensidão.
Eu não passava de um cisco
Comparado à construção,
Mas vi que aquele gigante
Era pequeno o bastante
Diante deste mundão.
Parando as reflexões
E cada degrau descendo,
Estava Eu e o Zé
Aos poucos nos conhecendo.
Fomos ver o outro lado,
Pra deixar bem anotado
O que a gente estava vendo.
Voltamos para a Capela
Que fica bem na entrada.
Ele fez anotações,
Não querendo deixar nada
Sem no papel registrar,
E fiquei a lhe espiar
Desde a sua entrada.
Até a sua saída,
Quando seu gesto se expressa,
Fez o mesmo ritual,
Rezando sem muita pressa.
Sempre agradecendo a Deus
Através dos gestos seus,
Parecia ser promessa.
Tudo bem, já terminou
A visita à Capela.
Fazendo o sinal da cruz
Fotografou a janela,
Que tem uma linda imagem
Complementando a paisagem,
Tornando-a muito mais bela.
Aí ele perguntou:
- Agora eu quero saber:
Onde são feitas as promessas?
Eu respondi com prazer:
- Saindo desta Capela,
“Te levo” onde acende vela.
Se olhar daqui já ver.
Voltamos mais um pouquinho,
Bem por trás da construção
Deste grande monumento
Do “Padim” Frei Damião,
Chegou lá, o Zé Maria
Contra o tempo corria
Com uma vela na mão.
Acendeu depressa a vela,
Nisto não quis demorar.
Calculou todo espaço,
Pôs-se a tudo registrar.
De um lado Frei Damião,
Cristo em outra posição,
Ornamentava o lugar.
Depois disto perguntei:
- O que você está achando
Desta sua visitinha
E o que está anotando?
Assim ele respondia:
- Estou feliz este dia
E o que faço estou gostando.
E por curiosidade,
Da forma mais natural,
Disse-lhe uma coisinha
Que envolve o Memorial:
- Aqui tem mundo moderno
Ou quem sabe, pós-moderno,
Numa visão cultural.
Descemos fazendo prosa
Até falando asneira,
Pegando pela saída
Que rompe por entre a feira,
Por trás do Memorial,
Numa estrada transversal,
Quase descendo a ladeira.
Ou seja, cem ou duzentos
Metros, essa é a distância
Que se registra o encontro,
E com muita substância,
De uma cultura antiga,
Sem confusão e intriga
Com a nossa culminância.
Aí o nobre romeiro
Indagou bem assustado:
- Não estou a entender,
Mas quero isso explicado.
Do que tu estás falando?
Confesso, estás me deixando
Confuso e atrapalhado.
Eu lhe disse: - São dois mundos,
Mesmo tempo e região.
Setecentos e cinquenta
Mil quilos na construção:
Concreto, ferro e cimento
Erguem este monumento,
Fazendo a contradição.
Ele disse: - Não entendo
O que estás a dizer.
Nisto eu falei sorrindo:
- Daqui o que dá pra ver?
Ele disse: - O monumento,
Um gigante de cimento
É o que posso perceber.
Aí eu falei bem sério:
- Dê somente uma voltinha,
Observe aqui do lado
Esta tão bela casinha,
Compare com a construção,
Veja a contradição.
Diga se é mentira minha!
Há três metros de distância,
Naquele exato momento,
Ele viu a linda casa
Feita sem nenhum cimento,
Pura obra artesanal.
Disse: - É fenomenal,
Como é lindo esse momento.
É uma casa de taipa
Ou casa de pau-a-pique.
Aí Zé Fotografou,
Dizendo: - Quero que explique.
Quanto tempo se arrasta,
Quanto dinheiro se gasta
Pra que a casa assim fique?
Aí eu fui explicando
Da casa o seu valor:
- A vara vem lá da mata,
Dada por Deus criador.
O barro se extrai do chão,
Depois amassa com a mão
E o dono é o construtor.
Ou seja, esta estrutura
Não se mede por dinheiro,
Pois é toda natural,
Nem precisa de pedreiro,
Dispensa-se o arquiteto,
Aqui não se faz projeto
E não existe engenheiro.
Mas o tempo é importante
E isto é calculado.
Faz-se aos fins de semanas,
Quando está desocupado.
A mão de obra é de graça,
Tomando a boa cachaça
Comendo um frango torrado.
O meu amigo romeiro
Pôs tudo ali no papel,
Registrou estes dois mundos
Num roteiro bem fiel.
Um primitivo e eterno
Ao lado de um pós-moderno
Sem ter nada de cruel.
Acho até que ele esqueceu
Outra coisa anotar,
Mas sei que não é preciso,
Pois o vi fotografar
Uma cena bem simbólica
Na casa, uma parabólica,
Explica o que eu quis falar.
Mas vamos deixar de lado
Esta tal modernidade,
Vamos seguir adiante,
Na nossa realidade,
Vamos para o principal,
Voltando ao Memorial
E a religiosidade.
Porque o que a gente viu
Nesta nossa discussão
Pode sim ser calculado,
Dependendo da visão,
Todo bem material
Que envolve o Memorial
E a peregrinação.
Seguimos bem confiantes,
Já chegando o fim do dia,
Eu percebi o cansaço
Do romeiro Zé Maria.
Eu também estava cansado,
Mas pelo vento empurrado
Esbanjava alegria.
Já havíamos conhecido
O estacionamento
E pra sala dos Ex-votos
Fomos naquele momento,
Pra o amigo registrar
Tudo e poder narrar
Com todo merecimento.
Esta sala é conhecida
Com toda satisfação
Como a sala das promessas
E fica lá no porão.
A gente desce a escada,
Anda por uma sacada
E ver a grande razão.
A paixão que o povo tem
Pelo nordestino “Santo”,
Mesmo nascido na Itália
Pra gente não causa espanto.
Na sala é que se registra
Como a fé se administra
Naquele pequeno canto.
Ou seja, é ali que fica
Todo agradecimento
Daqueles que receberam
Qualquer um congraçamento.
Cada graça é uma promessa,
E quem consegue, regressa
Pra cumprir o juramento.
Quando chegamos à porta
O José se ajoelhou,
Mais uma vez se benzeu,
Fez o sinal e rezou.
Pegou caneta e papel,
Eu vi que o bom fiel
Alguma coisa anotou.
Ficamos lá um tempão
Sem muita coisa dizer,
Observando encantados
Com um imenso prazer.
Eram coisas tão diversas
Que até as nossas conversas
Pareciam emudecer.
Lá tem peça artesanal:
Tem cabeça, pé e mão.
Tem retratos bem antigos:
Bebê, jovem e ancião.
Tem santo de candidato,
Não se sabendo exato
De quem é a devoção.
Vi que nosso personagem
Parava de anotar
E eu bem discretamente
Resolvi lhe perguntar:
- O que está acontecendo?
Explique o que estou vendo,
O que há neste lugar?
Ele disse: - Meu amigo,
Os dados estão anotados,
Já até me conformei
Com os cálculos guardados.
Agora é que vim pensar,
Só não dá pra calcular
A fé que estamos cercados.
Veja aqui quantos milagres,
Veja quanta devoção,
Cada qual tem uma história,
Cada qual vem de um irmão,
Cada irmão diferente,
Mas isso é a fé da gente,
Não se sabe a dimensão.
Eu perguntei: - Como assim?
Ele disse bem ligeiro:
- Tudo que o homem faz
Mede-se pelodinheiro,
Mas se parar pra pensar
É impossível calcular
A fé de cada romeiro.
O sol caía e Zé
Precisava ir partindo,
Dava-me um forte abraço
E a gente se despedindo.
Ele entrou num lotação
E acenando com a mão
Deu tchau e saiu sorrindo.
Eu me pus a repensar
De onde é José Maria.
Não sei de onde ele vinha,
Nem também pra onde ia.
Nem sei se pagou promessa
Ou se algum dia regressa
Só, ou noutra romaria.
Vi que tudo se calcula
Nesta ou noutra construção,
Seja valor em dinheiro,
Seja em peso ou dimensão,
Seja até quantas Marias,
Quantos Zés nas romarias
Visitam Frei Damião.
Mas o tamanho da fé
Só dá pra imaginar.
Qual a sua dimensão?
Será que vai se findar?
Não se mede por dinheiro.
Portanto, a fé do romeiro
Ninguém pode calcular.
Guarabira lhe espera,
Romeiro fiel ou não.
As portas estão abertas
Com amor no coração.
Isto são os sentimentos,
Nossos agradecimentos:
O “Padim” Frei Damião.
FIM
123 Estrofes - setilhas com sete sílabas
Sobre o autor
Paulo Gracino é um poeta paraibano, nascido a 24 de fevereiro de 1969 na cidade de
Guarabira, onde reside até os dias atuais. Formado em História pela UEPB e concluinte
de Serviço Social pela UNIP Interativa. É casado com Rosângela Gracino e trabalha na
Prefeitura de Guarabira, onde exerce a função de pintor artístico e publicitário. Publicou
em junho de 2013 o seu primeiro cordel - 90 anos de encantos de um Pavão Misterioso
- em comemoração ao aniversário da obra de José Camelo de Melo Resende, publicada
em 1923, “O Romance do Pavão Misterioso”. Vencedor do Prêmio Literário Augusto
dos Anjos da FUNESC, versão 2013, com a obra “A História na visão de um pervertido
sexual”.
CONTATO
Paulo Gracino
(83) 9977 4804 - (83) 8780 2242
Guarabira - Paraíba
- 2013 -