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O menor e o maior no cinema pessoal: Diário de uma busca, Elena e Mataram meu irmão

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Roberta Veiga

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  • www.e-compos.org.br| E-ISSN 1808-2599 |

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    O menor e o maior no cinema pessoal: Dirio de uma busca, Elena e Mataram meu irmo

    Roberta Veiga

    Nesses ltimos anos, a produo brasileira de

    filmes feitos em primeira pessoa, de forte acento

    confessional e memorialstico, se tornou mais

    expressiva. Dentre eles, grande parte se volta para

    as relaes familiares, como, por exemplo, Dirio

    de uma busca, de Flvia Castro (2011); Os dias

    com ele, de Maria Clara Escobar (2012); Elena,

    de Petra Costa (2012); Otto, de Cao Guimares

    (2012); Vento de Valls, de Pablo Lobato (2013);

    Mataram meu irmo, de Cristiano Burlan (2013);

    J visto jamais visto (2013), de Andrea Tonacci1.

    O interesse de nossa pesquisa tem sido o de

    compreender de que modo esse cinema de escrita

    pessoal e trao familiar faria pensar a natureza

    alter do eu, ou seja, a incorporao do outro,

    do mundo e da histria na constituio de um

    si. Em um primeiro recorte, propomos extrair

    de alguns desses filmes os mecanismos dos

    quais lanam mo para promover a fuso e/ou

    o tensionamento entre um projeto pessoal, um

    desejo subjetivo de construo de si (com suas

    ficcionalizaes), e o cometimento de um filme

    documentrio que, na concepo de Comolli, s

    pode se construir em frico com o mundo (2008,

    Roberta Veiga | [email protected] em Comunicao Social pela Universidade Federal de Minas Gerais UFMGProfessora do Programa de Ps-graduao em Comunicao da Universidade Federal de Minas Gerais UFMG.

    Resumo possvel que o cinema de escrita pessoal,

    dedicado a uma histria de vida menor, domstica,

    familiar, evoque outra, maior, coletiva, de um tempo?

    O artigo nasce do interesse em compreender de

    que modo o cinema de acento autobiogrfico pode

    fazer pensar a natureza alter do eu, ou seja, a

    incorporao do outro, do mundo e da histria na

    constituio de um si. A partir do tensionamento

    entre um desejo subjetivo de construo de si e

    os encontros que caracterizam o documentrio,

    elegemos trs filmes recentes cujos projetos se

    assemelham: Dirio de uma busca (2011), Elena

    (2012) e Mataram meu irmo (2013). Nos trs,

    os cineastas lidam com a morte de um parente

    prximo e realizam, cada um a seu modo, o trabalho

    de elaborao dessas mortes, de forma a fazer do

    processo de filmagem uma busca no presente por

    um acontecimento passado.

    Palavras-ChaveCinema de escrita pessoal. Arquivo. Alteridade.

    Histria. Documentrio de busca.

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    p. 173)2. Jean-Claude Bernardet (2005) chamou

    o movimento por meio do qual o realizador

    documenta seu processo de busca por um objeto

    pessoal e, dessa forma, coloca em relao o

    gesto autobiogrfico e o gesto documental, de

    documentrio de busca. Na ocasio, Bernardet

    abordava os filmes Passaporte Hngaro, de 2003

    (no qual o projeto da cineasta Sandra Kogut

    obter a nacionalidade e o passaporte hngaro),

    e 33, de 2002 (no qual o cineasta Kiko Goifman

    pretende encontrar a me biolgica), a partir no

    de uma anlise flmica, mas sim do entendimento

    dos processos de trabalho dos diretores. A

    preocupao do autor tinha origem na compreenso

    de que os dois projetos partiam de um alvo preciso

    que poderia ou no ser atingido, gerando ento

    uma imprevisibilidade. Contudo, o pesquisador

    se perguntava sobre como manter, no momento

    da montagem, essa imprevisibilidade que faz da

    filmagem uma documentao do processo, uma vez

    que as incgnitas e o suspense j se dissolveram.

    Pensando, junto com Bernardet, a dimenso

    processual desses filmes, porm guiados no pela

    mesma pergunta, mas pela imbricao entre uma

    histria pessoal e uma histria maior, bem como

    pela relao temporal que conforma a mesma,

    elegemos trs produes recentes cujos projetos

    se assemelham: Dirio de uma busca, Elena e

    Mataram meu irmo. Nos trs longas, os cineastas

    lidam com a morte de um parente prximo: o pai de

    Flvia Castro, a irm de Petra Costa e o irmo de

    Cristiano Burlan. Cada um a seu modo, esses filmes

    realizam um trabalho de elaborao dessas mortes

    de forma que o processo de filmagem se torne uma

    busca pessoal no presente por algo que est no

    passado, ou seja, trata-se da experincia de retomar,

    atravs do cinema, a experincia da morte de um

    ente muito prximo.

    Trs perguntas nos movem para entender o

    mecanismo cinematogrfico que resulta dessa

    experincia. A primeira concerne ao processo

    mesmo do filme: como tornar presente na ao

    flmica uma matria biogrfica que reside no

    passado? Como pr em cena a memria e a busca

    por algo que j no mais, uma situao de

    morte? A segunda pergunta, j anunciada, um

    afunilamento da primeira na medida em que

    diz respeito s condies de atualizao dessa

    memria pra que haja filme: de que maneira esses

    cineastas se encenam ao encenarem as relaes

    com seus parentes mortos? E, por fim, a terceira, e

    mais ampla questo, lida com o manejo do passado,

    e a relao com o outro, em uma escala histrica:

    possvel que o cinema de escrita pessoal, dedicado

    1 Alm dos longas citados, destacamos ainda alguns curtas importantes que se inserem nessa mesma caracterizao geral: Mauro em Caiena, de Leonardo Mouramateus (2012); Tigre, de Joo Borges; Memria da memria, da Paula Gaitn (os dois ltimos de 2013).

    2 Ainda segundo Comolli, o cinema documentrio o cinema como prxis que, longe das duras roteirizaes promovidas pelo espetculo, leva em conta o desejo do outro, sujeito e mundo filmado, e em uma relao que parte da diferena entre quem filma e quem filmado s pode se dar no encontro com o outro (COMOLLI: 2008).

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    a uma histria de vida menor, domstica, familiar,

    evoque outra, maior, coletiva, de um tempo? Se sim,

    que formas de passagem do menor para o maior

    esto em jogo? As perguntas mobilizam trs grandes

    figuras que se entrelaam: a temporalidade, a

    alteridade e a histria. Tais figuras so identificadas

    a partir de elementos cinematogrficos que

    se apresentam no filme como condio de

    possibilidade material para a conformao das

    mesmas e funcionam analiticamente.

    Em Dirio de uma busca, Flvia Castro parte para o

    filme com intuito de investigar a situao misteriosa

    da morte do pai, Celso, em 1984, um militante de

    esquerda, que foi exilado durante a ditadura e

    passou pelo Chile, Argentina, Venezuela e Frana.

    J que o trabalho da diretora uma arqueologia,

    uma volta ao passado ( l que o pai existe e l que

    foi morto), a investigao, a busca pela histria do

    pai, a ao que a mantm no presente para que

    haja filme. Em um movimento que precisa alinhavar

    tempos, figurar memrias, o processo de Flvia se

    desdobra em quatro camadas que se atravessam:

    1) a manipulao de fotos, documentos, cartas e

    gravaes de arquivos (domsticos e institucionais);

    2) a reconstituio de caminhos e paradas (o

    retorno s cidades e lugares onde esteve no exlio,

    a criao de cenas nas quais essa experincia

    evocada); 3) as entrevistas com parentes e amigos

    da famlia; e 4) na ltima camada, que perpassa

    as outras trs, o relato em off da cineasta de

    suas memrias de criana e adolescente, e dos

    acontecimentos da poca, em um tom muitas vezes

    confessional (ao modo de um dirio).

    Em Elena, Petra Costa ir rememorar a morte

    da irm atravs de uma reconstituio que se

    define fortemente pela mise-en-scne da prpria

    cineasta. Elena suicidou-se em 1990, com 20 anos,

    na cidade de Nova York, onde fora morar com a

    me e Petra ainda criana, com o intuito de dar

    continuidade a seus estudos de teatro. Para se

    aproximar desse acontecimento, vinte e trs anos

    depois, a cineasta volta a Nova York, e ir encenar

    uma busca pela irm. J de incio estamos na

    cena de reconhecimento, aquela que define uma

    ambincia para o filme, e que sempre retorna,

    na qual Petra anda pelas ruas da cidade como se

    estivesse procura de Elena, ao mesmo tempo

    em que sua voz off encena uma comunicao

    imaginria com a irm, simulando uma narrativa

    epistolar. Assim como em Dirio de uma busca,

    o filme pode ser visto em camadas que iro figurar

    no presente do filme, o passado e as memrias: 1)

    os arquivos, 2) as entrevistas, 3) as revisitaes,

    4) o off constante; e, tambm, 5) as encenaes da

    diretora e de outros personagens.

    Menos ambicioso do que um projeto de

    investigao das circunstncias oficiais da

    morte do irmo, e menos pessoal do que uma

    reconstituio marcada pela auto-mise-en-

    scne, em Mataram meu irmo, o retorno

    experincia passada o assassinato de Rafael

    Burlan, em 2001, em Capo Redondo, periferia

    de So Paulo se faz no por dentro, por uma

    expresso interior que se manifeste durante todo

    o filme, mas pelas bordas. Mataram meu irmo

    , predominantemente, constitudo de entrevistas

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    com os parentes e amigos da famlia, e a voz

    off do cineasta uma manifestao pontual.

    Enquanto o material de arquivo de Flvia e Petra

    fundante das figuraes da memria, e, em sua

    extenso e heterogeneidade, preenche todo filme

    de fotografias, vdeos, gravaes e textos escritos

    (anotaes, cartas e dirios), no filme de Cristiano

    Burlan o uso do arquivo fortemente restrito,

    e a composio das imagens, que intercalam as

    entrevistas (as ruas da periferia, as quebradas,

    os espaos vazios das casas), enxuta.

    1 Temporalidade ou as potncias do arquivo

    No filme Dirio de uma busca, os arquivos

    institucionais constituem um eixo narrativo

    estruturante do filme: a investigao da morte do

    pai. Mais do que vestgios de uma vida passada,

    so registros (documentos, matrias de jornais,

    fotos) de um crime que envolveu militantes de

    esquerda, ex-guerrilheiros, um nazista, em um

    pas recm-sado da ditadura. Por outro lado, o

    lbum de famlia se insere no eixo memorialstico

    do filme dando contorno ao rosto de Celso

    em diversas idades, enquanto os textos e as

    imagens das cartas que ele deixou expressam seu

    pensamento em diferentes fases.

    Em Elena, apenas um laudo mdico, que descreve

    em ingls o suicdio como a causa mortis da

    jovem, funciona como o registro oficial do

    acontecimento. A maioria dos outros materiais

    provenientes de arquivo institucional (cenas

    da jovem danando na Companhia de Teatro

    Boi Voador, matrias de jornal sobre a pea),

    assim como os arquivos de famlia, est ali para

    preencher de carne e vida a figura de Elena. No

    caso de Mataram meu irmo, um nico material

    proveniente de arquivo institucional cumpre

    essa dupla funo: o vestgio de um passado que

    registra e atesta sua verdade, evidncias do crime,

    e o preenchimento indicial da figura de Rafael at

    ento s presente nos depoimentos.

    Se em Dirio de uma busca, a violncia da morte

    do pai vem se somar do arquivo, que reserva

    a ela o lugar do fato policial, das manchetes

    dos jornais3; em Mataram meu irmo, esse

    lugar mais opressor, uma vez que s vemos

    nitidamente a imagem de Rafael, presa ali, nas

    fotos que ilustram o registro da polcia. Em uma

    sequncia de oito fotos, o corpo da vtima aparece

    em vrias posies, acompanhado de legendas

    tcnicas que identificam as perfuraes dos tiros,

    enquanto ouvimos o que parece ser o barulho

    de uma mquina de laminar. Na ltima, a foto

    identificadora do corpo da vtima, divisamos o

    rosto de Rafael de olhos cerrados.

    Atravs dos arquivos domsticos, imagens de

    Celso e Elena aparecem em profuso compondo

    3 Agradeo as reflexes acerca do uso dos arquivos como vestgios Anna Karina Castanheira Bartolomeu no ensejo de nossa escrita conjunta do artigo Por um cinema de busca: rastro e aura no dirio de Flvia, que far parte do livro que est sendo organizado a partir das discusses do grupo de pesquisa Poticas da Experincia (FAFICH-UFMG).

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    a narrativa de suas vidas. Em diversos lugares

    onde esteve durante o exlio, sorrindo para

    a cmera, abraando a esposa, fumando seu

    charuto, segurando a filha no colo, o pai aparece

    em fotos tiradas em famlia. Conversando com a

    me, brincando com a bab, danando com o pai,

    balanando a irm no colo, Elena aparece em voz

    e gestos nos vdeos caseiros. J a figura de Rafael

    irmo, marido, sobrinho, amigo (com exceo de

    uma nica foto familiar pouco ntida) s poder

    ser construda pelos depoimentos, reservando

    fora indicial da imagem de tornar presente um

    ausente para um nico lugar: a de um rapaz morto

    na periferia de So Paulo fotografado por peritos

    para fins de um laudo policial.

    Se em Dirio de uma busca e Elena a separao

    entre a vida e a morte est presente tanto para os

    mortos quanto para os vivos, em Mataram meu

    irmo, Rafael tem sua vida indissocivel de sua

    morte, e Cristiano s existe nessa indissociabilidade.

    Flvia e Petra constroem uma narrativa cronolgica

    que desenha uma curva dramtica descendente:

    da vida, e do entusiasmo por ela, depresso e

    morte. Elena, em seu af de ser atriz de Hollywood,

    vai pra Nova York em busca do seu sonho artstico.

    Celso, em seu desejo revolucionrio, sai do pas pra

    viver a militncia em busca de seu sonho poltico.

    Ambos so vencidos por algo maior do que eles.

    Em Mataram meu irmo no h curva, mas um

    emaranhado de relaes familiares cravado no

    corrodo tecido social de uma metrpole brasileira

    na qual a morte, e a experincia que o cineasta faz

    dela, o epicentro.

    Os arquivos domsticos em Elena so, em sua

    maioria, vdeos feitos em famlia, enquanto em

    Dirio de uma busca as fotografias prevalecem.

    Essa diferena de suportes marca uma relao

    com a imagem tambm diversa. Petra cresce na

    mira da cmera de vdeo, muitas vezes manipulada

    por Elena que a dirige, ou pela me que as

    filma. Na maioria das cenas, elas interpretam

    deliberadamente para a cmera e chegam a fazer

    um pequeno filme de fico no qual assassinam a

    bab. Elena expe sua relao com a cmera, diz

    que filma de improviso, e movimenta o aparelho

    para danar com a lua. No uso desses vdeos

    caseiros, Petra no apenas revive sua relao com

    a irm, mas explicita uma passagem direta entre

    vida e performance que poderia, no limite, resultar

    em um metadiscurso sobre a prpria Elena.

    Flvia faz parte de uma gerao que guardava as

    fotografias em lbuns. Apesar da singularidade

    das fotos, originria de uma biografia particular,

    elas exprimem algo que comum a todos: o

    nascimento, a infncia, as brincadeiras, a antiga

    casa, as festas e os rituais. Os momentos fixos nas

    fotos so como rastros que, para lembrar Benjamin

    (2006), em um movimento paradoxal similar ao

    da experincia aurtica, tornam acontecimentos

    menores, distantes no tempo e no espao, quase

    tangveis que destacam, em sua espontaneidade,

    uma qualidade daquelas vivncias4.

    Em Elena, com algumas excees, os vdeos

    caseiros parecem j marcados por atos

    performticos que antecipam o imaginrio

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    feminino construdo pelo filme, que

    preenchido pelo desejo de fico daquelas

    mulheres. Alm de todo o esforo de Elena em

    se tornar atriz no cinema norte-americano e

    filmar com Coppola, e da forte opo de Petra

    pela encenao, no apenas de si mesma, mas

    tambm da irm, a me, que protagonizou um

    curta nos anos 60, tambm sonhava em atuar

    nos filmes de Hollywood ao lado de Frank

    Sinatra. Parece que aqui o filme de famlia

    tradicional (esse capturado pelos arquivos)5

    j est contaminado por uma fora prpria ao

    espetculo que o filme de Petra, ao retomar, no

    pretende pr em perspectiva, nem se curvar

    sobre, no intuito de produzir com a dobra uma

    reflexividade, um pensamento ou ao sobre o

    prprio espetculo.

    Apesar do tom melanclico do filme, o trabalho

    com os arquivos de famlia, conjugado aos textos

    em off, principalmente na primeira parte de Elena,

    bem como o eixo memorialstico de Dirio de uma

    busca so potentes em fazer aparecer a figura

    do pai ausente e de Flvia, da irm ausente e de

    Petra, aproximando o passado menos pela morte

    do que pelo vitalismo de uma vida pela militncia e

    pela performance.

    Em Mataram meu irmo, h apenas uma foto de

    famlia amarelada, cheia de borres, sem nitidez,

    e sua potncia reside justamente no contrrio:

    na impossibilidade de reviver o irmo pela e na

    imagem, na impossibilidade de dissociar vida e

    morte. Em uma praia, vemos trs garotos abraados

    saindo do mar. Em off, Cristiano conversa ao

    telefone sobre Rafael com o outro irmo que est

    em uma penitenciria em Cuiab. Rasurados e

    desfocados, tentamos com dificuldade ver os rostos

    dos trs, enquanto o irmo preso lembra que Rafael

    era uma pessoa bonita, conta algo do envolvimento

    dele com drogas e com o trfico, e confessa que,

    apesar do calor e de dividir uma cela com nove

    homens, est bem de sade. Ali, a imagem do

    passado incapaz de fazer sobreviver qualidade

    daquela vida naquele cenrio feliz de infncia,

    mas apenas atesta com suas marcas a experincia

    presente, a separao entre os irmos: a morte, a

    priso, o filme (ou melhor, um distanciamento que

    o filme no nega). Essa nica fotografia aponta

    para uma outra dimenso paradoxal do rastro,

    que parece negar a primeira em seu movimento

    de tornar presente uma ausncia. O rastro, nesse

    caso, menos a convocao do que o apagamento

    do passado, mais ausncia do que presena do

    distante. Entretanto, no h, de fato, uma negao

    4 Rastro e aura. O rastro a apario de uma proximidade, por mais longnquo que esteja aquilo que o deixou. A aura a apario de algo longnquo, por mais prximo que esteja aquilo que a evoca. No rastro, apoderamo-nos da coisa; na aura, ela se apodera de ns (BENJAMIN, 2006, p. 490).

    5 Lembramos aqui da exposio Salvem os filmes amadores: inventrios, apostas, problemas, de Roger Odin, no XVII Encontro Internacional SOCINE, em 08 de outubro de 2013, na UNISUL (Florianpolis, SC), na qual apresentou uma tipologia dos filmes amadores, identificando o filme de famlia tradicional, no sentido de o mais comum, como aquele constitudo por imagens feitas no dia a dia da famlia sem uma inteno outra que no a de registrar os momentos para serem guardados como lembranas.

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    do paradoxo fundamental do rastro, uma vez que

    um lampejo do passado sobrevive na fragilidade

    que o caracteriza: ele rastro porque sempre

    ameaado de ser apagado ou de no ser mais

    reconhecido como signo de algo que assinala

    (GAGNEBIN, 2012, p. 27). Assim, o rastro se

    diferencia da experincia aurtica e ressurge como

    ausncia de uma presena (GAGNEBIN, 2012, p.

    27), como rasura, como runa6.

    Ao restringir enormemente o recurso aos arquivos

    como forma de figurar as memrias, e tambm

    por esses cobrirem no uma voz off confessional

    e memorialstica, mas uma conversa (no caso da

    foto dos irmos) e uma trilha sonora (no caso dos

    arquivos policiais), Cristiano acaba inscrevendo

    fortemente esses arquivos no presente e deflagrando

    com tal gesto a impossibilidade de volta ao passado,

    a impossibilidade de ter o passado nas mos. como

    se o cinema devesse, ou s pudesse, ser to real

    como a prpria vida, e sua capacidade fantasmtica,

    de reviver o irmo morto, fosse relegada ao terreno

    do ilusionismo, de um faz de conta que o cinema

    inventa para as fices e que para aquela histria

    no faz nenhum sentido. Contra o espetculo

    cinematogrfico, resta a experincia, o tempo

    vivido, diria Comolli (2007), ou suas runas.

    2 Alteridade ou as potncias do documentrio

    Em Mataram meu irmo, o trao do documentrio

    o mais incisivo. O filme todo ele o presente da

    filmagem onde as memrias viram atos de fala. Os

    entrevistados tm longo tempo para serem ouvidos.

    Vemos suas expresses mudarem, o choro surgir,

    os vazios da memria. Ainda que os personagens

    estejam ali pela histria da morte de Rafael,

    eles ganham uma existncia prpria7. O primo,

    companheiro no uso das drogas e nos pequenos

    furtos, relata sua experincia no Capo Redondo,

    suas internaes e dificuldades com o vcio. A

    irm lembra que iria fazer quinze anos dois dias

    depois da morte do irmo e que foi poupada das

    informaes sobre o assassinato, e chora a falta dos

    sobrinhos. A filha de Rafael toca em um violo rosa

    as msicas que a faz lembrar o pai. No apenas a

    histria do assassinato de um parente querido que

    une essas pessoas, mas tambm o sentimento de

    reviver esse momento e de se instaurar por algum

    tempo ali, no espao das memrias, e da dor, que o

    documentrio, ele mesmo, provoca.

    Flvia tambm utiliza vrias entrevistas, porm

    elas aparecem informando a histria de Celso

    6 As runas contrariam o devir abstrato do tempo, compensando a sistemtica tripartio antes, durante, depois pela dinmica pas encore (ainda no) e jamais plus (nunca mais). (...) Instante nico, elas atestam um tempo antes do qual nada foi consumado e depois do qual tudo est perdido(MATOS, 1998, p. 83).

    7 Com essa ideia de existncia prpria, pensamos aqui na noo de documentrio em Comolli, na qual os sujeitos filmados se tornam nicos atravs da relao com o cinema: O que acontece com aqueles que filmamos, homens ou mulheres, que se tornam, assim, personagens de filme? Eles nos atraem e nos retm, antes de tudo porque existem fora do nosso projeto de filme (COMOLLI, 2008, p. 175).

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    que a diretora conduz pela narrao em off, e

    preenchendo as lacunas de suas memrias de

    infncia. Os parentes, amigos e personagens

    envolvidos no crime so solicitados pela

    cineasta a falar, muitas vezes a partir de cartas

    ou fotos, questes especficas que esto em

    aberto na investigao ou na recomposio da

    trajetria familiar. J a me e o irmo Joca,

    para alm das entrevistas, atuam no processo

    de construo do filme. A me est presente

    em quase todas as revisitaes aos lugares

    onde a famlia morou durante o exlio, se

    fazendo personagem da busca junto com Flvia.

    Joca, que interpreta a voz do pai nas leituras

    das cartas, tambm aquele que interroga o

    filme de dentro, compondo um personagem

    ora deslocado ora tensionador do processo.

    Descrente da investigao que a irm conduz

    sobre a situao real da morte do pai, ele

    confessa o incmodo em se sentir ao mesmo

    tempo dentro e fora do filme. Se seu ceticismo

    aponta, por um lado, para o fracasso de um

    projeto de filme que corresponderia busca por

    uma verdade perdida, por outro, tal descrena

    s se erige em funo de uma crena anterior

    no poder do cinema em revelar um mistrio do

    passado, no poder da imagem como revelao.

    na operao mesma do filme, ali onde ela

    questiona o que pode o cinema, que os irmos

    se separam, o pai se divide, e a lida com a morte

    se mostra como uma entre tantas possveis.

    Flvia reconhece as impotncias do cinema e

    aposta no filme, Joca reconhece a impotncia

    do filme e aposta no cinema.

    Em Elena, alm da prpria cineasta, a principal

    personagem da mise-en-scne no presente do

    filme a me. Ela aparece atuando em um trecho

    do filme que fizera ainda jovem, no trajeto de

    revisitao ao prdio onde a filha morrera, nos

    vdeos e fotos caseiros. Alm do depoimento de um

    amigo americano, a me a nica entrevistada,

    e a nica, alm da cineasta, que fala de suas

    memrias, da vida e do suicdio de Elena. Contudo,

    nessas entrevistas, a dor pela ausncia da filha

    menos um sentimento que surge no processo,

    nos atos de busca e de fala, do que um efeito de

    reencenao dela mesma. Enquanto fala, a me

    encena as situaes, deita no sof para mostrar

    a forma como Elena estava quando a encontrou

    morta no apartamento, faz gestos eloquentes

    aperta as mos contra o peito e segura a cabea

    para dizer das dores da saudade e do sentimento

    de culpa, fala de suas memrias deitada, de olhos

    fechados, em close, e encena junto com Petra e

    outras mulheres a cena final.

    De maneira diferente dos arquivos, o recurso das

    entrevistas, dos encontros com parentes e amigos,

    das visitaes aos lugares onde os parentes mortos

    moraram ou estiveram, como atos de busca que

    definem o carter processual dos filmes. Essas

    aes que reconstroem uma experincia passada

    no presente da filmagem atravs do envolvimento

    de outros podem levar assim como sugere

    Bernardet (2006: 27) em sua leitura dos Catadores

    e eu (2000), de Agns Varda possibilidade de

    se entrever a dimenso alter do eu que narra,

    atua e dirige. Trata-se da potncia do gesto do

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    documentrio em abrir a escrita pessoal, suas

    memrias e confisses, para um fora. Porm,

    Bernardet chama a ateno para uma outra

    caracterstica comum a esse cinema em primeira

    pessoa, denominado documentrio de busca pelo

    autor, que o difere dos filmes autobiogrficos de,

    por exemplo, Jonas Mekas e David Perlov. Aquilo

    que chamamos aqui atos de busca so formas

    de reconstituio de acontecimentos anteriores,

    reencenaes que, ao se lanarem para o passado,

    se convertem em narrativas e, portanto, podem

    exprimir a alteridade tambm pelas estratgias

    de ficcionalizao que lhes so inerentes. Os

    familiares, o prprio cineasta, e aqui tambm o ente

    falecido se fundem em um personagem, fazendo

    com que a vida pessoal, familiar, se molde com as

    regras da fico (BERNADET, 2005, p. 149).

    Dependendo do modo como o mecanismo de cada

    filme ativa esse processo e converte a busca em

    narrativa, conjugando-o com o texto que rememora,

    a montagem dos arquivos, e fazendo deslizar fico

    e documentrio, a primeira pessoa (o eu/cineasta/

    personagem) pode se tornar mais ou menos

    centrado, mais ou menos opaco, pode se espalhar

    e se proliferar no tempo, na histria, possibilitando

    em maior ou menor grau a passagem de uma

    identidade una para um eu mltiplo, o alter8.

    Elena o filme em que o eu que narra est mais

    exposto e centralizado. No apenas em funo das

    inmeras imagens de arquivo nas quais a cineasta

    aparece, da direo das interpretaes, e das

    cenas em que ela passeia pelas ruas de Nova York,

    mas, principalmente, pela conduo da narrativa

    aps a morte da irm quando a diretora assume o

    protagonismo das cenas e se filma inmeras vezes:

    o rosto bem de perto, em close, pensativa, danando

    no teatro e na rua. Na verdade, o filme faz um jogo

    de duplicidade entre ela e a irm, como se ambas

    se confundissem (por isso afirmamos que Petra

    interpreta a si mesmo e Elena). A semelhana

    fsica e da voz favorece essa duplicidade, que,

    em alguns momentos, inclui a me (que aparece

    jovem no filme), perfazendo uma triplicidade. No

    entanto, ao contrrio de marcar a separao entre

    elas, e ressaltar a dimenso alter do eu que narra,

    essa duplicidade acaba por colar as histrias,

    ultrapassando as diferenas.

    Em Dirio de uma busca, apesar do controle das

    entrevistas, Flvia descentraliza a figura do eu

    8 No me agrada que as pessoas falem em identidade sexual, identidade nacional, identidade cultural etc. Porque elas confundem identidade com pertencimento. Assim, quando falam, em identidade brasileira, francesa, confundem o que seja identidade A idntico a A, isto , Michel Serres idntico a Michel Serres: isto a identidade. O fato que ele seja francs... Isso no a minha identidade, isso meu pertencimento. O fato que eu seja judeu, catlico, protestante... Pertencimento. O fato que eu me chame Serres , alis, um pertencimento a uma famlia. O fato que eu me chame Michel pertencimento ao conjunto de pessoas que se chamam Michel. Tudo isso so pertencimentos. E, por consequncia, confundir pertencimento com identidade a prpria definio de racismo. Porque se diz: ele negro, ele judeu, ele catlico, ele ... No! Ele Michel Serres. A identidade no deve ser confundida com pertencimento. Uma coisa : A = A (A idntico a A); outra coisa : A {A} (A pertence ao conjunto A). Mas podemos ir mais longe e dizer: qual sua identidade? Minha identidade a interseo de todos os meus pertencimentos (SERRES, 2000, p. 139).

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    confessional que narra, atua e dirige, no apenas

    na forma ambgua como procura compartilhar

    o filme com Joca, mas tambm em momentos

    especficos que o descontrole dos encontros

    inevitvel (a tia que engasga ao ler a carta,

    a amiga que denuncia sorrindo a solenidade

    do momento, o morador da casa no Chile que

    pergunta se o pai era uma figura importante).

    Alm disso, no ato de se aproximar, a cineasta

    tambm se afasta do pai, principalmente pelas

    memrias de criana em que o mundo adulto

    parece se oferecer sempre como um obstculo

    para o que coisa de infncia.

    Em Mataram meu irmo, Cristiano bem mais

    opaco. Seria possvel at questionar o carter

    autobiogrfico do filme que, segundo Philippe

    Lejeune (2008), prescindiria da coincidncia

    entre o autor/cineasta, narrador e personagem9.

    Porm, ainda que o filme no se atenha ao registro

    confessional, logo no incio Cristiano anuncia

    seu projeto pessoal quando, sobre uma tela

    preta, durante uma conversa ao telefone com a

    funcionria do Cemitrio, declara seu desejo de

    visitar o irmo morto que l est enterrado. Em

    seguida, sobre cenas noturnas do trnsito da

    cidade, ele confessa que jamais se esquecer o

    dia em que soube do assassinato do irmo a tiros

    no Capo Redondo e das palavras da me que

    at hoje lhe atormentam. O cineasta relembra a

    ltima viso de Rafael fumando crack, o abalo

    e a culpa que sentiu. Ao citar Herman Hesse,

    demonstra, como nos ensina Blanchot e Lejeune10,

    o desejo de sinceridade que define a escrita de si:

    No agradvel minha histria, no suave e

    harmoniosa como as inventadas. Sabe a insensatez

    e a confuso, a loucura e o sonho, como a vida de

    todos os homens que j no querem mais mentir

    a si mesmo. Contudo, interessante notar como

    essa dimenso pessoal, do eu que personagem,

    pode se conservar na medida em que o filme

    desliza completamente para o documentrio,

    naquilo que define uma inscrio verdadeira, o

    encontro com outro, a cmera e o tempo presente.

    Cristiano se mantm no antecampo e dali

    que, timidamente, de forma bastante oblqua, o

    personagem/cineasta se inscreve.

    Na fala dos entrevistados, o cineasta

    constantemente evocado junto com o irmo, voc

    achava que era adotado, diz o amigo. Ainda que

    ele no se manifeste, o antecampo como que

    tensionado pra dentro da cena, fazendo coincidir

    a histria que contada com a histria de quem

    9 Nas palavras do autor: Para que haja autobiografia (e, em uma perspectiva mais geral, literatura ntima) preciso que haja relao de identidade entre o autor, o narrador e o personagem (LEJEUNE, 2008, p.15).

    10 Acerca de uma modalidade de escrita de si, o dirio, Blanchot afirma: Ningum deve ser mais sincero do que o autor de um dirio, e a sinceridade a transparncia que lhe permite no lanar sombras sobre a existncia confinada de cada dia, qual ele limita o cuidado da escrita (BLANCHOT, 2005, p. 271). Lejeune fala da sinceridade do ponto de vista do leitor, aqui, espectador: A minha expectativa no a do consumo de um objeto imaginrio: estou entregue curiosidade, numa atitude de escuta, em relao a algo que creio ser real (LEJEUNE, 2003, p. 50).

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    escreve. No ltimo encontro com a filha de Rafael,

    h como que uma imploso dessas instncias, e o

    antecampo invadido pela adolescente que abraa

    o tio a chorar do outro lado, e pelo sobrinho

    mais novo, at ento acabrunhado nos cantos do

    quadro, que tambm o abraa longamente.

    3 Histria ou as potncias do pessoal

    da maior ou menor centralidade e exposio do

    eu que as formas de passagens de uma escrita

    de si para uma histria coletiva ir resultar.

    Com certeza, a biografia do pai revolucionrio

    traz um perodo importante da histria poltica

    da Amrica Latina. Essa histria, em Dirio de

    uma busca, poderia, de sada, ser maior porque

    consagrada, hegemnica. Todavia, mesmo em

    uma narrativa cronologicamente amarrada, ela

    surge pela memria da narradora, significada

    por sua experincia de criana, pela tenso com

    a vida dos militantes que viajavam todo tempo,

    faziam reunies e evocavam um tanto de ismos

    em suas falas , e, ainda, pela incompreenso

    da adolescente que v o pai morrer vencido por

    uma ordem poltica. uma histria que emerge

    do menor, da mobilizao dos afetos, a exemplo

    daquela famlia ampliada aos outros filhos de

    exilados que se sentiam livres entre os muros de

    um sanatrio em Buenos Aires, que lhes serviram

    de abrigo poltico.

    J em Elena a centralidade do eu que narra

    parece dificultar essa passagem a uma histria

    maior, que, por sua vez, no precisaria ser tambm

    a do perodo da ditadura que, nesse filme, ilustra

    a poca em que a moa nasceu. H outra histria

    que se insinua pela condio da mulher, das

    exigncias sobre seu corpo, da dificuldade em se

    adequar s demandas do espetculo ao mesmo

    tempo em que se parte dele. Essa histria figura

    nas poucas lacunas que sobram entre os vdeos

    caseiros em que Elena dana feliz, dorme delicada

    com a irm ainda beb, olha triste e distante para

    a cmera dizendo estar gorda, at as gravaes e

    escritos nos quais confessa o bolo de linhas que

    ocupa seu corpo, impedindo que ela continue a

    vagar pelas ruas. Porm, o filme no deixa que o

    menor desse corpo-vdeo, corpo-arquivo, singularize

    o esprito maior de um tempo, que se esvai em

    um eu que, ao se exceder, incapaz de sair do

    espetculo para acion-lo em uma forma histrica.

    Em Mataram meu irmo, a histria maior se

    inscreve no proliferar de Cristiano pelos parentes,

    na dissoluo de eu no comum, e tambm no tempo

    e no espao da periferia de So Paulo, uma regio

    violenta e esquecida. O Rafael cresceu no auge

    do crack em So Paulo, pra comear a histria...,

    ouvimos do amigo da famlia. Ele explica como

    a periferia um lugar frustrante, mas insidioso,

    que traz o conforto de um microcosmos no qual

    se vive isolado do mundo l fora. Ningum quer

    saber quem aquele Z Man. s pra voc

    passar meia hora do seu dia assistindo a uma

    carnificina e fazendo seus pr-julgamentos. Pra

    gente, que viveu essa histria, que conviveu com

    mortes to estpidas, diferente. So figuras que

    ficam num lbum de retrato, na tev eles passam

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    e so instantneos... Mas a gente sabe se aquilo

    que aconteceu foi justo... Essa histria, maior

    que Cristiano, mas menor em visibilidade, aparece

    impregnada nas falas dos entrevistados, como se

    fosse impossvel separ-la do corpo deles, surgindo

    aqui e ali naturalmente.

    O maior, enquanto histria coletiva, de um tempo

    pode ser o oficial, o que todos enxergam como tal,

    portanto, como igual, o que parece ser de todos

    porque o mesmo, o que ocupa todos espaos

    porque hegemnico, e isso constrange a viso. O

    menor, enquanto histria pessoal, pode ser aquilo

    que se ensimesma, encapsula, que no divide, que

    centraliza no eu. Nessa perspectiva, ambos s

    produzem a identidade como o idntico. No entanto,

    o jogo entre o maior e o menor bem mais complexo.

    O menor pode tambm ser o menos importante, o

    ordinrio, o qualquer, e por isso mesmo resistir em

    sua singularidade ao j dado, ao oficializado, ao

    legitimado, e, nessa resistncia, se abrir grandeza

    do maior como o comum, o vivido em partilha,

    o tempo do outro, da experincia da diferena,

    a dimenso alter do eu. Nessa perspectiva, a

    identidade se constitui na diferena, ela mltipla.

    O cinema pode no encerrar os superlativos, mas os

    deslocar, os matizar, de forma a dar a ver o quanto

    a imagem faz sobreviver o esprito de um tempo, o

    quanto o pessoal guarda de poltico.

    Referncias BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas, vol.1. Magia e

    tcnica, arte e poltica: ensaios sobre literatura e

    histria da cultura. So Paulo: Brasiliense, 1983.

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    BERNARDET, Jean-Claude. Documentrios de busca:

    33 e Passaporte Hngaro. In: Mouro, M.D.; Labaki, A

    (orgs). O cinema do real. So Paulo: Cosac Naify, 2005.

    BERNARDET, Jean-Claude. Os catadores e eu. In:

    Catlogo da mostra Agns Varda: o movimento

    perptuo do olhar, CCBB, ago./set. 2006.

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    de Minas Gerais. Faculdade de Filosofia e Cincias

    Humanas (Fafich), v. 4., n 2., 2007.

    COMOLLI, Jean-Louis. Ver e poder. A inocncia

    perdida: cinema, televiso, fico, documentrio.

    Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2008.

    GAGNEBIN, Jeanne Marie. Apagar os rastros, recolher

    os restos. IN: SEDLMAYER, Sabrina. e GINZBURG,

    Jaime (Orgs.) Walter Benjamin: rastro, aura e

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    LEJEUNE, Philippe. O pacto autobiogrfico. Belo

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    Paula(org). Autobiografia. Autorepresentao.

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    The smallest and the biggest in personal filmmaking: Diary, Letters, Revolutions; Elena and They killed my brother

    Abstract

    Can personal filmmaking, devoted to a minor,

    domestic, familial life history, evoke a bigger,

    colective history of a time. This paper sprang

    from the interest in comprehending the way in

    which a cinema with autobiographical trace can

    make us reflect on the alter nature of self, i.e.

    the incorporation of otherness, of the world,

    and of history into self-constitution. Having

    in mind this tension between the subjective

    desire of self-construction and the encounters

    that characterize documentary film, we chose

    three recent films whose projects are somewhat

    similar: Diary, Letters, Revolutions (Dirio de uma

    busca, 2011), Elena (2012), and They killed my

    brother (Mataram meu irmo, 2013). In all these

    movies the filmmaker deals with the death of a

    close family member and, each one on its own way,

    they also undergo the work of mourning in such a

    way that the filming process becomes the search, in

    the present, for a past event.

    KeywordsPersonal filmmaking. Archive. Otherness. History.

    Documentary of searching.

    Lo menor y lo mayor en el cine personal: Diario de una bsqueda, Elena y Mataron a mi hermano ResumenEs posible que el cine de escritura

    personal, dedicado a una historia de vida menor,

    domstica, familiar, evoque otra, mayor, colectiva,

    de un perodo? Este artculo nace del inters

    por comprender de que forma el cine de tono

    autobiogrfico puede hacer pensar la naturaleza

    otra del yo, o sea, la incorporacin del otro, del

    mundo y de la historia en la constitucin de un s.

    A partir de la tensin entre el deseo subjetivo de

    construccin de s y los encuentros que caracterizan

    al documental, elegimos tres pelculas recientes

    con proyectos semejantes: Diario de una bsqueda

    (Dirio de uma busca, 2011), Elena (2012) y Mataron

    a mi hermano (Mataram meu irmo, 2013). En los

    tres, los cineastas se enfrentan a la muerte de un

    pariente cercano y realizan, cada cual a su manera,

    el trabajo de elaboracin de esas muertes, de modo

    de hacer del proceso de filmacin una bsqueda en el

    presente a partir de un acontecimiento pasado.

    Palabras-ClaveCine de escritura personal. Archivo. Alteridad.

    Historia. Documental de bsqueda.

    Recebido em:10 de maro de 2014

    Aceito em: 27 de fevereiro de 2015

  • www.e-compos.org.br| E-ISSN 1808-2599 |

    14/14

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    014.

    CONSELHO EDITORIALAfonso Albuquerque, Universidade Federal Fluminense, BrasilAlberto Carlos Augusto Klein, Universidade Estadual de Londrina, BrasilAlex Fernando Teixeira Primo, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, BrasilAna Carolina Damboriarena Escosteguy, Pontifcia Universidade Catlica doRio Grande do Sul, Brasil

    Ana Gruszynski, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil

    Ana Silvia Lopes Davi Mdola, Universidade Estadual Paulista, BrasilAndr Luiz Martins Lemos, Universidade Federal da Bahia, Brasilngela Freire Prysthon, Universidade Federal de Pernambuco, BrasilAntnio Fausto Neto, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, BrasilAntonio Carlos Hohlfeldt, Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul, BrasilAntonio Roberto Chiachiri Filho, Faculdade Csper Lbero, BrasilArlindo Ribeiro Machado, Universidade de So Paulo, BrasilArthur Autran Franco de S Neto, Universidade Federal de So Carlos, BrasilBenjamim Picado, Universidade Federal Fluminense, BrasilCsar Geraldo Guimares, Universidade Federal de Minas Gerais, BrasilCristiane Freitas Gutfreind, Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul, BrasilDenilson Lopes, Universidade Federal do Rio de Janeiro, BrasilDenize Correa Araujo, Universidade Tuiuti do Paran, BrasilEdilson Cazeloto, Universidade Paulista, BrasilEduardo Vicente, Universidade de So Paulo, BrasilEneus Trindade, Universidade de So Paulo, BrasilErick Felinto de Oliveira, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil

    Florence Dravet, Universidade Catlica de Braslia, BrasilGelson Santana, Universidade Anhembi/Morumbi, BrasilGilson Vieira Monteiro, Universidade Federal do Amazonas, BrasilGislene da Silva, Universidade Federal de Santa Catarina, BrasilGuillermo Orozco Gmez, Universidad de Guadalajara, MxicoGustavo Daudt Fischer, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, BrasilHector Ospina, Universidad de Manizales, ColmbiaHerom Vargas, Universidade Municipal de So Caetano do Sul, BrasilIeda Tucherman, Universidade Federal do Rio de Janeiro, BrasilIns Vitorino, Universidade Federal do Cear, BrasilJanice Caiafa, Universidade Federal do Rio de Janeiro, BrasilJay David Bolter, Georgia Institute of Technology, Estados UnidosJeder Silveira Janotti Junior, Universidade Federal de Pernambuco, BrasilJoo Freire Filho, Universidade Federal do Rio de Janeiro, BrasilJohn DH Downing, University of Texas at Austin, Estados Unidos

    Jos Afonso da Silva Junior, Universidade Federal de Pernambuco, BrasilJos Carlos Rodrigues, Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro, BrasilJos Luiz Aidar Prado, Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, BrasilJos Luiz Warren Jardim Gomes Braga, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, BrasilJuremir Machado da Silva, Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul, BrasilLaan Mendes Barros, Universidade Metodista de So Paulo, BrasilLance Strate, Fordham University, USA, Estados UnidosLorraine Leu, University of Bristol, Gr-BretanhaLucia Leo, Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, BrasilLuciana Panke, Universidade Federal do Paran, Brasil

    Luiz Claudio Martino, Universidade de Braslia, BrasilMalena Segura Contrera, Universidade Paulista, BrasilMrcio de Vasconcellos Serelle, Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais, BrasilMaria Aparecida Baccega, Universidade de So Paulo e Escola Superior dePropaganda e Marketing, Brasil

    Maria das Graas Pinto Coelho, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, BrasilMaria Immacolata Vassallo de Lopes, Universidade de So Paulo, BrasilMaria Luiza Martins de Mendona, Universidade Federal de Gois, BrasilMauro de Souza Ventura, Universidade Estadual Paulista, BrasilMauro Pereira Porto, Tulane University, Estados UnidosNilda Aparecida Jacks, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil

    Paulo Roberto Gibaldi Vaz, Universidade Federal do Rio de Janeiro, BrasilPotiguara Mendes Silveira Jr, Universidade Federal de Juiz de Fora, BrasilRenato Cordeiro Gomes, Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro, BrasilRobert K Logan, University of Toronto, CanadRonaldo George Helal, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, BrasilRosana de Lima Soares, Universidade de So Paulo, BrasilRose Melo Rocha, Escola Superior de Propaganda e Marketing, BrasilRossana Reguillo, Instituto de Estudos Superiores do Ocidente, MxicoRousiley Celi Moreira Maia, Universidade Federal de Minas Gerais, BrasilSebastio Carlos de Morais Squirra, Universidade Metodista de So Paulo, BrasilSebastio Guilherme Albano da Costa, Universidade Federal do Rio Grandedo Norte, Brasil

    Simone Maria Andrade Pereira de S, Universidade Federal Fluminense, BrasilSuzete Venturelli, Universidade de Braslia, Brasil Tiago Quiroga Fausto Neto, Universidade de Braslia, BrasilValerio Fuenzalida Fernndez, Puc-Chile, ChileVeneza Mayora Ronsini, Universidade Federal de Santa Maria, BrasilVera Regina Veiga Frana, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil

    ExpedienteA revista E-Comps a publicao cientfica em formato eletrnico da Associao Nacional dos Programas de Ps-Graduao em Comunicao (Comps). Lanada em 2004, tem como principal finalidade difundir a produo acadmica de pesquisadores da rea de Comunicao, inseridos em instituies do Brasil e do exterior.

    E-COMPS | www.e-compos.org.br | E-ISSN 1808-2599

    Revista da Associao Nacional dos Programas de Ps-Graduao em Comunicao. Braslia, v.17, n.3, set./dez. 2014.A identificao das edies, a partir de 2008, passa a ser volume anual com trs nmeros.

    COMISSO EDITORIALCristiane Freitas Gutfreind | Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul, BrasilIrene Machado | Universidade de So Paulo, BrasilJorge Cardoso Filho | Universidade Federal do Recncavo da Bahia, Brasil / Universidade Federal da Bahia, Brasil

    CONSULTORES AD HOCAdriana Amaral, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, BrasilAlexandre Rocha da Silva, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil Arthur Ituassu, Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro, BrasilBruno Souza Leal, Universidade Federal de Minas Gerais, BrasilElizabeth Bastos Duarte, Universidade Federal de Santa Maria, Brasil Francisco Paulo Jamil Marques, Universidade Federal do Cear, BrasilMaurcio Lissovsky, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil

    Suzana Kilpp, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, BrasilVander Casaqui, Escola Superior de Propaganda e Marketing, Brasil

    EDIO DE TEXTO E RESUMOS | Press Reviso

    SECRETRIA EXECUTIVA | Helena Stigger

    EDITORAO ELETRNICA | Roka Estdio

    COMPS | www.compos.org.brAssociao Nacional dos Programas de Ps-Graduao em Comunicao

    Presidente

    Eduardo Morettin Universidade de So Paulo, Brasil

    [email protected]

    Vice-presidente

    Ins VitorinoUniversidade Federal do Cear, Brasil

    [email protected]

    Secretria-Geral

    Gislene da SilvaUniversidade Federal de Santa Catarina, Brasil

    [email protected]