16
Maria de Fátima Brandão* Análise Social, vol. XXVI (112.113», 1991(3°-4.°),613-628 O mercado na comunidade rural: propriedade, herança e família no Norte de Portugal, 1800-1900 1. Do ponto de vista da história económica, pode caracterizar-se o século xix em Portugal pela lentidão da emergência de uma economia virada para o mercado. Portugal insere-se assim no processo mais vasto, com uma cronologia bem diferenciada, conforme as diversas regiões do mundo e os diversos países que as integram, da afirmação do predomínio da economia de mercado, isto é, de uma economia controlada e regulada pelo nível rela- tivo dos preços, tanto dos bens e serviços, como dos factores de produção. Por volta de meados do século xix são já claramente perceptíveis os sinais da afirmação da economia de mercado enquanto economia nacional e até mesmo enquanto economia-mundo, dela dando conta o desenvolvimento da economia política desde Adam Smith até John Stuart Mill 1 . No domínio da história económica, a reflexão sobre esta temática tem sur- gido sob a forma de uma reflexão em torno da formação do mercado nacio- nal, denotada pela quebra da importância da família como unidade de pro- dução orientada para a auto-subsistência familiar, pelo reforço da especialização ocupacional, pela integração das várias regiões económicas no espaço nacional, pelo crescente peso das variações relativas dos preços dos bens e dos preços dos factores de produção na orientação das activida- des económicas e pelo papel cada vez mais relevante do factor capital na con- dução das mesmas 2 . Em Portugal, como salienta em trabalho recente David Justino, as questões relativas à formação do mercado nacional têm sido tra- dicionalmente subsumidas na análise de «alterações estruturais geralmente * Faculdade de Economia da Universidade do Porto. 1 Heilbroner (1972: caps. 2, 3; 1984: caps. 1, 2, 3) e Polanyi (1978; 1980: caps. 4, 5, 6) avan- çam uma caracterização dos sistemas económicos do presente e do passado a partir da combi- nação de várias formas de integração sob o predomínio de uma delas e com a definição dos elementos essenciais que conduziram ao primado do mercado e à consequente emergência da economia de mercado, a partir de finais do séculoXVIII.Em Braudel (1979, vol. 2: 192-197) encontramos, porém, uma posição crítica quanto ao verdadeiro alcance histórico e teórico da definição de economia de mercado apresentada por Polanyi. Na base da afirmação da econo- mia de mercado enquanto economia-mundo que aqui se defende encontram-se igualmente as reflexões de Wallerstein (1986) em torno do conceito de economia-mundo. 2 Faço uso aqui da tipologia proposta por Phyllis Deane a propósito da caracterização do processo conducente à revolução industrial (cf. Deane, 1975: 11-13). 613

O mercado na comunidade rural: propriedade, herança e família no

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: O mercado na comunidade rural: propriedade, herança e família no

M a r i a d e F á t i m a B r a n d ã o * Análise Social, vol. XXVI (112.113», 1991 (3°-4.°), 613-628

O mercado na comunidade rural:propriedade, herança e família no Nortede Portugal, 1800-1900

1. Do ponto de vista da história económica, pode caracterizar-se oséculo xix em Portugal pela lentidão da emergência de uma economia viradapara o mercado. Portugal insere-se assim no processo mais vasto, com umacronologia bem diferenciada, conforme as diversas regiões do mundo e osdiversos países que as integram, da afirmação do predomínio da economiade mercado, isto é, de uma economia controlada e regulada pelo nível rela-tivo dos preços, tanto dos bens e serviços, como dos factores de produção.Por volta de meados do século xix são já claramente perceptíveis os sinaisda afirmação da economia de mercado enquanto economia nacional e atémesmo enquanto economia-mundo, dela dando conta o desenvolvimento daeconomia política desde Adam Smith até John Stuart Mill1.

No domínio da história económica, a reflexão sobre esta temática tem sur-gido sob a forma de uma reflexão em torno da formação do mercado nacio-nal, denotada pela quebra da importância da família como unidade de pro-dução orientada para a auto-subsistência familiar, pelo reforço daespecialização ocupacional, pela integração das várias regiões económicasno espaço nacional, pelo crescente peso das variações relativas dos preçosdos bens e dos preços dos factores de produção na orientação das activida-des económicas e pelo papel cada vez mais relevante do factor capital na con-dução das mesmas2. Em Portugal, como salienta em trabalho recente DavidJustino, as questões relativas à formação do mercado nacional têm sido tra-dicionalmente subsumidas na análise de «alterações estruturais geralmente

* Faculdade de Economia da Universidade do Porto.1 Heilbroner (1972: caps. 2, 3; 1984: caps. 1, 2, 3) e Polanyi (1978; 1980: caps. 4, 5, 6) avan-

çam uma caracterização dos sistemas económicos do presente e do passado a partir da combi-nação de várias formas de integração sob o predomínio de uma delas e com a definição doselementos essenciais que conduziram ao primado do mercado e à consequente emergência daeconomia de mercado, a partir de finais do século XVIII. Em Braudel (1979, vol. 2: 192-197)encontramos, porém, uma posição crítica quanto ao verdadeiro alcance histórico e teórico dadefinição de economia de mercado apresentada por Polanyi. Na base da afirmação da econo-mia de mercado enquanto economia-mundo que aqui se defende encontram-se igualmente asreflexões de Wallerstein (1986) em torno do conceito de economia-mundo.

2 Faço uso aqui da tipologia proposta por Phyllis Deane a propósito da caracterização doprocesso conducente à revolução industrial (cf. Deane, 1975: 11-13). 613

Page 2: O mercado na comunidade rural: propriedade, herança e família no

Maria de Fátima Brandão

associadas com a do desenvolvimento de uma economia e uma sociedadecapitalista» (Justino, s. d., vol. ii: 247). Exemplares a este respeito são ostrabalhos de Manuel Villaverde Cabral sobre o desenvolvimento do capita-lismo (cf. Cabral, 1974, 1976, 1979), os trabalhos de Miriam Halpern Pereirasobre a formação no século xix de uma sociedade capitalista dependente (cf.Pereira, 1978, 1983), ou os trabalhos de Maria Fernanda Alegria e MagdaPinheiro sobre a importância do caminho-de-ferro na estruturação do mer-cado nacional (cf. Alegria, 1987; Pinheiro, 1986).

David Justino propõe, porém, uma visão mais abrangente da questão daformação do mercado nacional em Portugal. Em relação ao período de 1810a 1913, considera que «o novo quadro jurídico, as modificações operadasna estrutura dos transportes, a maior circulação de informação sobre o mer-cado, a uniformização de pesos e medidas e as novas instituições de algummodo contribuíram para conferir uma nova dimensão ao mercado interno»,a qual permite que se fale já de uma economia que qualifica de nacional emfinais do século xix (cf., s. d., vol. II: 227, 261). Não obstante, a avaliaçãoglobal que Justino faz da coerência económica desta economia nacional leva-oa preterir o termo mercado nacional em favor do termo espaço económiconacional (id., 261). Com efeito, muito embora o nível de integração dentrodo espaço económico nacional, testemunhado por «relações de complemen-taridade e interdependência /.../ [ainda que] relativamente ténues» entre asvárias regiões do País (id., 262), indicie uma economia a orientar-se parao mercado e pelo mercado, a verdade é que uma visão integrada dos aspec-tos económicos e sociais da implantação do mercado interno leva David Jus-tino a fazer ressaltar a existência de «níveis diferentes de mercado de queo mercado nacional» —aquele em que a troca capitalista é dominante— «éapenas um entre vários outros que coexistem, mas, acima de tudo, que inte-ragem, estabelecendo relações de interdependência e de dominação» (id., 261-262). Este último aspecto é particularmente importante, uma vez que no cen-tro da construção do espaço económico nacional português se coloca nãosó a questão da coerência económica à escala do território nacional, defi-nida em termos do tipo de troca dominante — a troca capitalista —, comotambém a da articulação no espaço nacional com outros tipos de troca. Sobreos termos desta coexistência nada porém nos é dito.

Pode, pois, dizer-se que a historiografia da emergência em Portugal deuma economia virada para o mercado tem sobretudo facultado os elemen-tos que vão assinalando a progressiva afirmação do chamado mercado nacio-nal ao longo do século xix. Da importância dos níveis de actuação do mer-cado, tanto ao nível local como regional, têm tradicionalmente dado contadisciplinas à margem do passado, como a antropologia e a sociologia, comestudos centrados sobre uma aldeia ou uma freguesia. Da história local, oumesmo regional, há ainda tudo a esperar, dada a inexistência entre nós deuma tradição de estudos de comunidade teoricamente orientados para a dilu-cidação de problemas de âmbito nacional. Da comunidade urbana ou rural

614 pouco ou nada se sabe, pouco ou nada se sabendo portanto dos níveis de

Page 3: O mercado na comunidade rural: propriedade, herança e família no

O mercado na comunidade rural no Norte de Portugal

actuação do mercado que estão mais perto do autoconsumo do que do capi-talismo de que nos fala David Justino3. No resto do texto restringir-me-ei,por conseguinte, ao domínio da comunidade rural oitocentista do Noroesteportuguês, apresentando para isso dados recolhidos numa delas.

2. Pode dizer-se que o estudo da comunidade rural oitocentista continuaem Portugal largamente por fazer. Na verdade, as questões que se prendemcom a estrutura e a dinâmica da comunidade rural têm sido sistematicamentesubsumidas no estudo do agregado nacional, assumindo-se neste domíniotodo um conjunto de situações que na maior parte dos casos não foramobjecto de comprovação empírica em trabalhos de âmbito mais restrito.A demografia histórica constitui desde logo uma excepção, pela atenção quepresta à demografia dos pequenos agregados, particularmente das fregue-sias rurais, mas, atendo-se na maior parte dos casos apenas aos aspectos estri-tamente demográficos da história desses agregados, fornecem ainda uma ima-gem muito parcelar da comunidade rural4. Os estudos da privatização dosbaldios conduzidos quer ao nível do concelho, quer ao nível da freguesia,têm lançado alguma luz sobre a economia da comunidade rural, particular-mente no que se refere ao equilíbrio entre a criação de gado e o cultivo daterra e aos conflitos de interesses que a perturbação desse equilíbrio neces-sariamente envolve5. O estudo das questões da propriedade, riqueza e herançacomeça a dar os seus frutos em termos do conhecimento da estratificaçãosocial e das estratégias patrimoniais dos mais abastados da comunidaderural6. No entanto, a verdade é que a história está ainda longe de prestarà comunidade rural, localizada ao nível da freguesia ou da aldeia, a atençãoque desde há muito lhe presta a antropologia7. Tanto mais necessário setorna, portanto, reflectir sobre o contributo que os estudos de comunidadepodem trazer para uma melhor compreensão da comunidade rural. Estanecessidade afigura-se ainda mais premente quando se considera a imagemcorrente da comunidade rural, em particular da comunidade rural doNoroeste, entre historiadores.

Na verdade, apesar do reconhecimento das clivagens no interior da comu-nidade rural determinadas pelo acesso diferenciado quer à propriedade querà exploração da terra, o facto é que esse reconhecimento é compatível comuma visão igualitária da comunidade camponesa. Hélder Fonseca refere aexistência no Minho de um «campesinato tendencialmente igualitário, nive-lado pelos pequenos e médios agricultores e 'organizado' em comunidades

3 Ver a este respeito as considerações que faz a propósito da definição de mercado nacional(cf. Justino s. d., vol. II: 244-248, 261-262).

4 Ver, por exemplo, Amorim (1973; 1980). Uma abordagem mais abrangente dos fenóme-nos demográficos pode contudo encontrar-se em Alves (1986).

5 Ver Leite (1983), Nunes e Feijó (1990).6 Brandão (1985 a, b, 1988), Durães (1986) e Rocha (1988).7 Vejam-se os exemplos recentes de Pina-Cabral (1989), 0'Neill (1984) e Brettell (1986). Do

lado da história veja-se, no entanto, o estudo de Alves (1986). 615

Page 4: O mercado na comunidade rural: propriedade, herança e família no

Maria de Fátima Brandão

rurais onde prevalecem fortes solidariedades» (Fonseca, 1990: 231). Isto por-que, em sua opinião, «os 'lavradores', isto é, os camponeses agricultores[constituem] o elemento esmagador das comunidades rurais mais igualitá-rias do Centro e Norte de Portugal, pois a presença de jornaleiros (campo-neses sem terra) é pouco significativa» (id.: 228-229). Em Villaverde Cabralnão encontramos um juízo semelhante quanto ao peso relativo dos campo-neses sem terra, mas o certo é que, ao fazer derivar a decomposição do cam-pesinato —que se exprime ao longo do século xix pela proletarização totalou parcial do camponês pobre— das alterações ao regime da propriedadee herança da terra e da penetração nos campos das relações de produção capi-talistas (cf. 1976: 212-243), está implicitamente a pressupor uma comunidadetanto mais igualitária quanto menor for o referido processo de decomposi-ção. Resta saber, no entanto, se este é um pressuposto aderente à realidadeconcreta da comunidade camponesa do Noroeste. Se o não for, isso querdizer que o envolvimento da comunidade rural no mercado de trabalho eda terra será sempre maior do que nos é deixado entrever pela visão tradi-cional da comunidade camponesa.

Proponho-me, por isso, reflectir de seguida sobre o envolvimento da comu-nidade rural nas teias do mercado, privilegiando para isso questões que seprendem com o património fundiário e sua distribuição no interior da famíliae da comunidade, de acordo com as regras próprias do sistema de herançae da estratificação social.

3. No que respeita à propriedade da terra, é ponto assente na historio-grafia portuguesa que, na esteira da legislação liberal, a promulgação doCódigo Civil originou a «desaparição da propriedade pré-capitalista e a suatransformação de jure em propriedade plena, capitalista» (Cabral, 1976: 229).Numa outra forma de dizer, defende-se que, uma vez liberta dos «antigosliames [...] a terra vende-se e aluga-se» (Pereira, 1983: 293). É também pontoassente que o Código Civil veio «impor a partilha igual entre iodos os her-deiros» (Cabral, 1979: 82). Em consequência, tem-se subestimado a impor-tância da propriedade alodial na composição do património rural e o graude mobilidade da terra previamente ao Código Civil. Quanto ao primeiroaspecto, há que saber se a terra não se vendia e alugava já antes da sua trans-formação em propriedade plena, capitalista. Se a questão se poderá resol-ver pela negativa no caso da propriedade vinculada e da maior parte das terrascomuns, o mesmo não poderá contudo dizer-se da propriedade enfitêutica.Quanto ao segundo aspecto, há que averiguar se o Código Civil impôs ounão a partilha igualitária entre os herdeiros. Quanto ao terceiro aspecto, háque ter em conta a especificidade das formas de propriedade de que se com-põe o património fundiário e retirar daí as devidas conclusões em termosda mobilidade da terra. As respostas às questões levantadas neste ponto irãoagora ser dadas à luz dos elementos recolhidos a propósito de uma investi-gação sobre a freguesia de S. João Baptista de Mosteiro, no concelho de

616 Vieira do Minho.

Page 5: O mercado na comunidade rural: propriedade, herança e família no

O mercado na comunidade rural no Norte de Portugal

4. Comecemos então pela questão do campesinato tendencialmente igua-litário. De acordo com o censo de 18908, a população de facto de todo oconcelho de Vieira ascendia a 13 606 pessoas. Deste total, 11 070 (81,4%)surgem agrupadas nas rubricas trabalhos agrícolas, 1245 (9,2%), indústria,618 (4,5%), transportes e comércio, 217 (1,6%), e profissões liberais, 87(0,6%), e viviam exclusivamente dos seus rendimentos, distribuindo-se asrestantes 369 (2,7 %) pela caça e pesca, força pública, trabalhos domésticose outras actividades. Do total de pessoas referenciadas nos trabalhos agrí-colas, 4019 (36%) são descritas como pessoas de família sem ocupação lucra-tiva, e destes familiares, 2736 (68%) têm menos de 14 anos e são indiferen-temente do sexo masculino ou feminino (1447 mulheres e 1289 homens), aopasso que os maiores de 14 anos são maioritariamente mulheres (968 contra315). Na rubrica serviçais empregados no serviço doméstico inscrevem-se 90homens e 122 mulheres, correspondendo no total a cerca de 2% do totalinscrito para os trabalhos agrícolas. Desenha-se assim um perfil de comuni-dade rural com uma reduzida minoria a viver dos rendimentos, uma esma-gadora maioria a viver da agricultura e não mais de uma pessoa em cadadez a ocupar-se nas artes e ofícios, sendo as oportunidades de emprego nocomércio ainda mais reduzidas. Tendo em conta o peso das pessoas de famíliasem ocupação lucrativa e o dos serviçais no serviço doméstico — 4240, 38 %do total dos que se ocupavam nos trabalhos agrícolas—, é de supor queuma parte considerável dos restantes 62 % correspondesse aos trabalhado-res à jorna e aos serviçais empregues nos serviços agrícolas. E isto porquê?Porque dados esparsos assim o sugerem. Senão vejamos.

No rol da décima dos prédios rústicos e urbanos para o ano de 1811encontram-se para a freguesia de Mosteiro 132 entradas referenciadas comocasal, num total de 361. Se a estas entradas adicionarmos mais outras 20referenciadas como propriedade, campo(s), bens, terras e património, sobreas quais se lançou uma contribuição pelo menos igual à mais baixa contri-buição imposta nos casais, obtêm-se tão-somente 152 conjuntos de terras sus-ceptíveis de funcionar como exploração agrícola. Levando em linha de contaque, 10 anos antes, a freguesia registava 321 fogos, então, no mínimo, maisde metade dos fogos (169) da freguesia não possuía terras suficientes paraocupar e manter o agregado familiar. Se a estes últimos subtrairmos os 59fogos correspondentes a outras tantas entradas da décima do maneio (40)e dos ofícios (19), ficaremos com 110 fogos —mais de um terço do total—,que, à falta de terras que lhes bastem e de ofício que exerçam, apenas pode-rão subsistir vendendo o seu trabalho à jorna. Não menos reveladora é aproporção das pessoas maiores de 7 anos que morreram em Mosteiro noperíodo de 1750 a 1869 e são dadas como pobres — por não terem os meiospara pagar os ritos funerários do costume —, que ascendem a 16% do totaldos óbitos (429 em 2701). Acresce que, de acordo com o recenseamento do

8 Ver Censo da População do Reino de Portugal no l.° Dezembro 1890, 1896, vol. 1,pp. 54-55. 617

Page 6: O mercado na comunidade rural: propriedade, herança e família no

Maria de Fátima Brandão

gado de 1870, quase um terço do total dos fogos não tinha qualquer tipode gado, não mais de 30% possuía cabeças de gado bovino e, destes últi-mos, cerca de 80% possuíam apenas uma junta de bovinos. De acordo como que os números acima sugerem, não menos de 30% dos fogos da fregue-sia teriam de recorrer exclusivamente ao trabalho à jorna e não mais de 50%podiam contar sustentar-se das terras que lhes pertenciam. Nestas circuns-tâncias, haverá que concluir que, em Mosteiro, a comunidade rural admitiaum considerável grau de desigualdade no acesso à propriedade e à explora-ção da terra, que certamente não deixaria de contribuir para animar o mer-cado local de trabalho9.

5. No que se refere às alterações no regime de propriedade que teriam ori-ginado a emergência de uma propriedade livre de liames antigos, há que terem conta a especificidade da propriedade enfitêutica, que desde muito antesdo século xix desempenhou papel de relevo na estrutura da propriedade daterra, para só o ir perder de vez na década de 50 deste século (cf. Lima,1957: 5). Na opinião de vários historiadores, a enfiteuse é assimilada àpropriedade feudal. Villaverde Cabral refere-se-lhe como um «regime de pro-priedade híbrido e, tudo somado, pré-capitalista» enquadrado por uma ver-dadeira «selva jurídica» (Cabral, 1974: 65). Hélder Fonseca integra a «enfi-teuse patrimonial, perpétua ou em vidas» na matriz do regime senhorial erefere a «fraca manifestação de situações enfitêuticas [...] como um sinalde baixo índice de senhorialização» (Fonseca, s. d.: 214, 215). Miriam Hal-pern Pereira envereda igualmente pela caracterização da enfiteuse como«forma de propriedade quase feudal» (1983: 303). Qualifica-a também de«propriedade imperfeita [que] não implicava senão a transmissão do direitode utilização da terra, não pondo portanto em causa o princípio da inalie-nabilidade da propriedade» (id.). Regredindo, em sua opinião, na razãodirecta da afirmação da «propriedade capitalista», a enfiteuse ter-se-ia vistoprogressivamente preterida em favor do «arrendamento a curto prazo, quepermite um ajustamento constante do aluguer da terra» (id.: 290).

Esta identificação da enfiteuse como forma de propriedade de carácterfeudal não surpreende. Coelho da Rocha refere que «os aforamentos, ouemprazamentos entre nós desde os primeiros tempos da monarquia, desvia-ram-se muito da simplicidade da enfiteuse dos Romanos, amoldando-se aoscostumes dos povos do Norte e adoptando as cláusulas e jurisprudênciados feudos» (1857, t. 2: 704). Já o mesmo não sucede com a ligação esta-belecida entre enfiteuse e inalienabilidade. Entre os direitos do foreiro in-clui-se o direito de alienação, que Coelho da Rocha define nos seguintes

9 Para as fontes consultadas ver Arquivo Histórico da Universidade do Minho (AHUM),Livro de Lançamentos da Décima da Fazenda e Maneio do Concelho de Vieira para o Anode 1811, não catalogado; Arquivo Histórico Parlamentar, Mappas Estatísticos Relativos à Popu-lação do Reino 1801 (Cx. 108, n.° 5); AHUM, Livros de Registos Paroquiais, S. João Baptistado Mosteiro de Vieira, Livros de Óbitos n.os 2, 3, 4 e 5; Arquivo Municipal de Vieira do Minho,

618 Recenseamento do Gado 1870, n.° 113.

Page 7: O mercado na comunidade rural: propriedade, herança e família no

O mercado na comunidade rural no Norte de Portugal

termos: «O foreiro pode dispor do prazo e aliená-lo por qualquer titulo,oneroso ou gratuito, salvo o direito de opção do senhorio /. . ./ Não podeporém repartir ou dividir o prazo, excepto havendo consentimento expressodo mesmo, ou presumido» (id.: 435). Deste modo, o que se exclui da pro-priedade enfitêutica, no que se refere ao domínio útil, não é a faculdade dealienar, mas antes a faculdade de dividir. O que se impõe ao foreiro não éa inalienabilidade, mas antes a indivisibilidade, e mesmo esta só quando osenhorio directo a não aceita, sendo certo que este não assentiria na divisãodo prazo, a menos que daí retirasse vantagem.

Parece verificar-se aqui uma confusão entre a capacidade de alienar osbens de prazo, tanto do domínio directo como do domínio útil — que nãoé negada por lei —, e a circunstância de os bens de prazo perpétuos ou emvidas sucederem normal e naturalmente na família, de acordo com as regraspróprias da nomeação do próximo sucessor. Quando o direito à renovaçãodos prazos de vidas na mesma família começou a ser progressivamente admi-tido na lei e na praxe jurídica, a partir de meados do século xvm, com alei da equidade Bartolina de 9 de Setembro de 1769 (cf. Coelho da Rocha,1857, t. 2: 705-706), criaram-se então as condições para que também os pra-zos de vidas pudessem permanecer na mesma família de geração em gera-ção, caso os interessados assim o desejassem e pudessem, à semelhança doque sempre sucedera com os prazos perpétuos. Esta circunstância tem favo-recido uma assimilação da propriedade enfitêutica à propriedade vinculada.

Num trabalho sobre a decadência do instituto vincular, M. Fátima Coe-lho defende que «a propriedade vinculada, apesar de extincta em 1863, criarajá, após vários séculos de existência, um determinado modelo, cuja forçahegemónica persistiria com o morgadio popular e com a tentativa de implan-tação do casal de família» (Coelho, 1980: 111). É assim que os morgadiospopulares estariam «fundamentados essencialmente numa tradição popular,transmitida de geração em geração, e que teriam como modelo os vínculoslegalmente instituídos» (id.: 116). Esta tradição seria anterior à legislaçãoabolicionista da propriedade vinculada de 1863 e teria nas regras sucessó-rias dos bens de prazo um factor determinante (id.: 117-118). Da sua pre-sença em várias regiões do País até à actualidade testemunharia a etnogra-fia, defendendo ainda esta autora que «a manutenção deste instituto ao nívelpopular, e a despeito da política desvinculadora, significa necessariamenteo seu enraizamento, que nem mesmo as disposições do Código Civil de 1867— determinando a obrigação de partilha igual— conseguiram obviar» (id.:117, sublinhado meu).

A este respeito é de salientar, porém, que, se, por um lado, a obrigatorie-dade de manter o prazo indivisível, desde que o senhorio directo não assen-tisse na divisão, facilitava a conservação do prazo na mesma família, poroutro lado, não havia qualquer obstáculo à alienação em bloco dos bens deprazo, sempre que as condições financeiras da família assim o determinas-sem. É também de referir que o que o Código Civil veio impor de novo, norespeitante aos bens de prazo, não foi a divisão igualitária dos prazos de vidas

Page 8: O mercado na comunidade rural: propriedade, herança e família no

Maria de Fátima Brandão

entre todos os herdeiros, mas antes a obrigatoriedade da inclusão do res-pectivo valor na massa da herança a ser partilhada entre todos os herdeiros,igualmente ou não, como se verá mais adiante, uma vez que, para os prazosperpétuos, esta obrigatoriedade desde sempre existiu (cf. Ferreira, 1873,vol. iv: 117-118). Tendo em conta manutenção pelo Código Civil da regrada indivisibilidade dos bens de prazo (artigo 1162) e a importância que osbens emprazados assumiam na composição do património fundiário, atin-gindo não raras vezes a dimensão de um verdadeiro casal (cf. Pereira, 1908:129), como o respectivo nome próprio muitas vezes denota, não surpreendea vontade assumida de geração em geração para preservar o que na reali-dade constituía a garantia de um modo e de um padrão de vida para a famí-lia que detinha a propriedade do respectivo domínio útil. Só que esta von-tade de preservar a unidade do casal é tornada mais fácil pela regra daindivisibilidade, que a lei impôs para proteger os interesses do senhoriodirecto, e não do foreiro, e não por uma regra de inalienabilidade que a leiteria imposto para proteger os interesses do foreiro, à semelhança do queacontecia com os beneficiários da propriedade vinculada.

Daqui decorre que a presença da propriedade enfitêutica no patrimóniofamiliar não constitui factor de inibição à mobilidade da terra, no que dizrespeito à possibilidade da sua venda ou do seu aluguer, previamente aoCódigo Civil, ou mesmo depois da promulgação deste. No caso da fregue-sia de Mosteiro, a importância da propriedade enfitêutica é denotada pelaincidência dos prazos de vidas nos processos de inventário elaborados aolongo do século xix. Dos 173 processos de inventário disponíveis10, 107(61 %) denunciam a presença de prazos de vidas entre os bens que compõemo património dos inventariados. Nalguns casos, a documentação anexa aopróprio processo de inventário, nomeadamente testamentos, doações, escri-turas de dote ou de emprazamento, permite evidenciar a permanência dosbens de prazo na mesma família ao longo de várias gerações. Na maior partedos casos, porém, escasseiam as informações sobre a história dos bens dadosao inventário, e, quando existem informações sobre a renovação de um deter-minado prazo numa determinada família, a indisponibilidade de um pro-cesso de inventário que ateste a sua permanência na mesma família por umperíodo mais ou menos longo impossibilita uma apreciação minimamenterigorosa da resistência dos bens de prazo às vicissitudes patrimoniais da famí-lia em que foram renovados e da sua mobilidade dentro da comunidade rural.

Podemos, no entanto, socorrer-nos das informações veiculadas pelas lis-tas dos foros pertencentes à Igreja em todo o concelho de Vieira do Minhoque foram colocados à venda entre 1865 e o final do século. As 38 listas com-pulsadas no Arquivo Histórico do Ministério das Finanças revelaram a ofertapara arrematação de 298 foros que recaíam sobre bens de raiz. Deste total,203 foros (68 %) incidiam sobre um conjunto de bens susceptível de funcio-

10 Estes processos podem ser consultados no Arquivo do Tribunal de Vieira do Minho, Pro-620 cessos de Inventário, maços 1-8:

Page 9: O mercado na comunidade rural: propriedade, herança e família no

O mercado na comunidade rural no Norte de Portugal

nar como exploração agrícola autónoma (compreendendo, portanto, casasde morada e edifícios anexos, horta, pomar, campos e terrenos arborizados),identificado pelo termo casal11, seguido de um qualificativo a indicar a res-pectiva localização. Outros 88 foros incidiam quer sobre um único prédio(um campo, uma leira, uma agra, uma tomadia), quer sobre vários prédiossem que estes, no entanto, formassem um casal. Dos restantes 7, um incidiasobre «a água de Boussós» n , 2 sobre casas e 4 sobre diversos outros pré-dios. Vejamos agora o que este tipo de fontes indicia a respeito da mobili-dade deste tipo de bens. Dos 203 foros impostos em bens que formavam umcasal, 86 resultam da divisão de um casal de origem, como sucede com o«foro de 58L, 773 de meiado, 0,375 de carneiro, 1,125 de galinha, 0,3641de mel, 0,3641 de manteiga e 90 reis, com vencimento em 29 de Setembro,imposto no meio casal da Carvalha»13. Dos 88 foros que incidiam sobre umou vários prédios há que referir que em 23 casos existem referências à sepa-ração desses prédios do casal de que outrora haviam feito parte. Na fregue-sia de Guilhofrei, João António era responsável pelo pagamento do «forode 7,5 reis [.../ imposto nos campos da Regada e Gomiares, e leiras de Valeda Goda, desmembradas do casal da Quinta»14. Por seu turno, na fregue-sia de Cantelães, Domingos Alves, Josefa Rosa e Domingos Rebelo eramresponsáveis pelo pagamento dos foros impostos, respectivamente, «na pro-priedade da Moz, na propriedade de Vila Cova e no Campo da Nogueira,[todos] pertença do Casal da Sobreira»15. Ora que se poderá dizer sobre estasparticularidades senão que elas fazem ressaltar a mobilidade inerente à pro-priedade enfitêutica, aqui sancionada e reconhecida pela própria Igreja? Jáacima frisei que, do ponto de vista legal, nada obstava à transacção dos bensemprazados, desde que a regra da indivisibilidade do prazo fosse respeitada.O que os dados acima demonstram é que a Igreja foi dando o seu assenti-mento, quer para a divisão do casal em unidades menores, quer para a sepa-ração do casal de algum ou alguns dos prédios que originalmente o compu-nham, contribuindo deste modo para reforçar o grau de mobilidade dapropriedade enfitêutica e multiplicando assim as oportunidades para a suapresença no mercado da terra. Não encontramos, portanto, por detrás daalegada tentativa de constituição dos morgadios populares, nem um impe-rativo de carácter legal que obstasse à compra ou venda dos bens de prazopor parte do foreiro, nem a resistência do senhorio directo à possibilidadeda sua divisão. Assim sendo, as razões para uma maior ou menor mobili-dade da propriedade enfitêutica, e particularmente do domínio útil, terãode se procurar, não no campo estrito da lei, mas antes no campo dos inte-

11 Num único caso, o termo casal é substituído por quinta, para denotar a maior dimensãodos bens emprazados (ver Arquivo Histórico do Ministério das Finanças — AHMF, Listas paraVendas de Foros — abrev. Listas, III-D-316, Lista 4890, 3 de Fevereiro de 1887, n.° 1).

12 Ver AHMF, Listas, III-D-284, Lista 42, 30 de Maio de 1865, n.° 9.13 Ver AHMF, Listas, III-D-313, Lista 4322, 27 de Abril de 1886, n.° 5.14 Ver AHMF, Listas, III-D-316, Lista 4888, 29 de Janeiro de 1887, n.° 5.15 Ver AHMF, Listas, lll-D-313, Lista 4323, 28 de Abril de 1886, n.os 2, 3 e 4. 621

Page 10: O mercado na comunidade rural: propriedade, herança e família no

Maria de Fátima Brandão

resses dos próprios foreiros. Vejamos o que a este respeito nos podem infor-mar os registos notariais e os processos de inventário.

Entre o dia 16 de Novembro de 1801 e o dia 19 de Dezembro de 1812,o tabelião Rodrigo António Vieira redigiu em Vieira um total de 253 notasa pedidos de paroquianos de Mosteiro. A parte que neste total coube às escri-turas de compra e venda cifrou-se em 32%, correspondendo às 81 escritu-ras celebradas. Das propriedades transaccionadas, 3 foram compradas e 1foi vendida fora de Mosteiro, em freguesias confinantes. As transacçõesabrangeram de tudo, desde a «água da gorida do rego de Salgueiros» atéà «Casa e Quinta do Mosteiro», passando por pedaços de terra e casas.Excluindo as referidas água e quinta, mais sete casas e mais dois casais, ficam70 escrituras relativas à transacção de prédios rústicos. Nestas 70 escriturasencontram-se 15 (21 %) que referenciam a qualidade de bens de prazo daspropriedades transaccionadas. É evidente que estes números valem pelo quevalem e a pequenez da amostra não permite definir regularidades de grandealcance. No entanto, algo de positivo se pode sugerir a partir daqui. Repare-seno reduzido peso numérico da transacção de casais e quintas: apenas 3 tran-sacções, em comparação com as 70 transacções que envolveram prédiosabaixo da dimensão do casal. Repare-se também que uma em cada 5 destas70 transacções envolveu bens de prazo. Poder-se-á dizer então que estapequena amostra sugere um padrão de reduzida passagem pelo mercado decasais ou quintas, o qual surge porém acompanhado por uma maior passa-gem pelo mercado de parcelas dispersas de terra, não constituindo a quali-dade enfitêutica um obstáculo à transacção destas últimas. Este padrão,embora tentativamente sugerido, revela-se dotado de uma certa consistên-cia, quando o encaramos à luz de elementos que nos remetem para o modocomo o património fundiário circula dentro da comunidade.

Atente-se, para isso, no peso que assumem nesta pequena amostra de notasde tabelião as escrituras de dote e de doação e as escrituras de obrigação dedívida com hipoteca de bens de raiz. Somam as escrituras de doação e dote30 escrituras e as de obrigação de dívida 35, representando portanto 12%e 14% do total das notas redigidas no período considerado, respectivamente.Se nos ativermos apenas à representação numérica, os 12% das escriturasrelativas à circulação do património fundiário pela via da família compa-raram-se mal com os 32% das escrituras relativas à circulação do patrimó-nio fundiário pela via do mercado. No entanto, se considerarmos que aquiloque está em jogo ao nível das escrituras de dote e de doação é o próprio casal,e não já, como predomina nas escrituras de compra e venda, apenas uma oualgumas das suas parcelas constituintes, a desproporção numérica tem de seanalisar em conjunto com a desproporção nos valores e com o diferente sig-nificado que num e noutro caso assume a circulação do património fundiário16.

16 Para as fontes consultadas ver AHUM, Livros de Notas de Tabeliães, concelho de Vieirado Minho, tabelião Rodrigo António Vieira, P 200-208 (60 000 réis, em média, para as parce-

622 Ias avulsas e 1 100 000 réis, em média para os casais).

Page 11: O mercado na comunidade rural: propriedade, herança e família no

O mercado na comunidade rural no Norte de Portugal

Por detrás da tese do morgadio popular está uma lógica que privilegia acirculação da terra pela via da família, na base de alegados imperativos legais,com exclusão da circulação pela via do mercado, na base de imperativos decarácter económico. O que este conjunto de dados permite fazer é levantara possibilidade de articular estes dois níveis de circulação do património fun-diário, sublinhando a flexibilidade permitida pelo regime legal da proprie-dade e da herança na gestão do património familiar e o papel que o reco-nhecimento de dívidas desempenha na gestão desse mesmo património.Recuperem-se por isso as questões que se prendem com as regras do sistemade herança, para de seguida se articularem com as que decorrem do regimeda propriedade da terra, em ordem a ajuizar-se da mobilidade do patrimó-nio familiar, na sequência das disposições do Código Civil.

6. No que respeita ao regime legal de herança, ainda se assume corrente-mente que o Código Civil veio inaugurar uma nova era de repartição iguali-tária obrigatória entre os herdeiros. E isto apesar de o Código Civil manterno essencial os traços de um sistema de herança aplicável à generalidade dapopulação já velho de alguns séculos, que apenas a abolição dos vínculosveio alterar escassos anos antes da promulgação do Código Civil, e, mesmoaqui, com evidentes reflexos apenas sobre o sector restrito da populaçãonobre. Na verdade, o Código Civil continuou a admitir a regra supletivasegundo a qual os bens da herança seriam igualmente divididos entre todosos herdeiros, sempre que os autores da herança não estipulassem o contrá-rio, podendo inclusivamente deixar todos os seus bens a quem muito bemlhes aprouvesse, caso não existissem ascendentes ou descendentes. Acresceque o Código Civil continuou a admitir que os pais pudessem favorecer umdos filhos com um terço do património familiar, ao abrigo da quota dispo-nível, e com a nomeação para suceder nos bens de prazo, ao abrigo da regrada indivisibilidade. A inovação de peso que o Código Civil veio imporrestringiu-se tão-somente à alteração do regime de sucessão nos bens de prazode vidas, ao determinar que o valor estimado deste tipo de bens teria de serconsiderado para o cálculo da massa da herança a ser repartida entre todosos herdeiros, ao contrário do que até aí sucedera com este tipo particularde bens emprazados. Assim sendo, não se pode de modo algum afirmar queo Código Civil veio impor a regra da partilha igualitária entre os herdeiros.Também não faz sentido afirmar que a obrigatoriedade da partilha iguali-tária entre herdeiros era torneada nas práticas de herança correntes pela adop-ção de expedientes que favoreciam um dos filhos (cf. Goldey, 1983: 999;Cabral, 1979: 160; Robinson, 1979: 9), quando o próprio sistema de herançaprevia mecanismos que excluíam a partilha igualitária no seio da família.O que na lei se fazia, antes e depois do Código Civil, não era impor a obri-gatoriedade da partilha igualitária, mas antes restringir o grau da desigual-dade possível entre herdeiros, particularmente entre os filhos, aos limitesimpostos pela dimensão da quota disponível —um terço da herança— e pelasregras de sucessão nos bens de prazo. Ao atermo-nos a questões relativas $23

Page 12: O mercado na comunidade rural: propriedade, herança e família no

Maria de Fátima Brandão

à comunidade rural do Noroeste, o impacte do Código Civil reduz-se por-tanto à alteração introduzida na transmissão dos prazos de vidas, que deter-minou a inclusão do respectivo valor no cálculo da massa da herança. Restasaber, no entanto, se esta alteração é assim tão importante que dela se pos-sam fazer derivar as consequências que se têm feito derivar do Código Civilem matéria do património rural do Noroeste17.

Em relação ao concelho de Vieira do Minho, há elementos que dão teste-munho da tentativa de preservar a unidade dos bens que compunham o casalda família, através do avantajamento de um dos filhos com a quota dispo-nível e a nomeação nos bens de prazo, muito antes e bem depois da promul-gação do Código Civil (cf. Brandão, 1980, 1985a, 1985b). O estudo das prá-ticas de avantajamento na freguesia de Mosteiro durante o século xixpermite que se avance um pouco mais no domínio da utilização concreta dosistema legal de herança e da relevância que nele indiscutivelmente assumemas questões que se prendem com as formas da propriedade da terra. A impor-tância do tratamento preferencial de um dos filhos é sugerida em Mosteiropelo facto de 43 °/o das pessoas maiores de 7 anos que nela foram enterradasentre 1750 e 1869 terem disposto dos seus bens, quer inter vivos quer mortiscausa. Não menos sugestivas são as partilhas que constam dos inventáriosdisponíveis para o século xix e que se realizaram de acordo com os termosda divisão especificada num testamento, numa doação ou em ambos: 109num total de 173 (63 %). Na maior parte das restantes 64 partilhas feitas deacordo com a regra legal supletiva da divisão igualitária (25 antes e 39 depoisda entrada em vigor do Código Civil, num total de 50 e 123, respectivamente),a morte precoce de um dos progenitores, denotada pela tenra idade de váriosfilhos, contribuiu para inviabilizar a opção pelo tratamento preferencial. Os52 inventários onde se apresentam os termos em que se processou a trans-missão da totalidade dos bens que compunham 34 casais da freguesia sãobem mais explícitos quanto ao impacte e aos limites do tratamento prefe-rencial. Na verdade, dos 34 casais observados, apenas 6 foram objecto departilha igualitária, e em todos o filho mais velho não tinha mais de 18 anosà altura da morte do progenitor que desencadeou a realização do inventá-rio. O impacte do tratamento preferencial concedido a um dos filhos é evi-denciado pelo comportamento do índice de Gini, utilizado para medir o graude concentração verificado na partilha dos 34 casais entre os 201 herdeirosque a eles tinham direito. Para tal considerou-se a situação que poderia terocorrido se os pais tivessem optado por tratar todos os seus filhos por igual,não fazendo uso portanto dos expedientes facultados na lei para favorecerqualquer deles, e considerou-se também a situação que na prática ocorreuem consequência da opção que os pais podiam sempre fazer no sentido defavorecer um dos filhos. Em resultado da opção pelo tratamento preferen-

17 As questões sobre o regime legal de herança e propriedade da terra aqui abordadasencontram-se desenvolvidas com mais amplitude num outro trabalho (cf. Brandão, 1988: cap. 3,

624 apêndice 2).

Page 13: O mercado na comunidade rural: propriedade, herança e família no

O mercado na comunidade rural no Norte de Portugal

ciai, o índice de Gini passou de 52 % para 68 % e cada um dos 28 filhos favo-recidos —representando 14% do total dos herdeiros— arrecadou, em média,59% do total das heranças partilhadas e 52% dos bens do casal deixado pelospais. Acresce que, dos 28 filhos favorecidos, apenas 7 lograram receber ocasal de família intacto das mãos dos ascendentes. E, se é verdade que, dos7 casais que passaram intactos para a mão de um dos filhos, 5 integravambens de prazo, não menos verdade é que a presença de bens de prazo, porsi só, não era suficiente para manter a unidade dos bens do casal. De facto,dos 24 filhos favorecidos num casal que comportava bens de prazo, apenasos 5 acima referidos receberam intacto o casal deixado pelos pais. Acresceque apenas um destes 5 herdeiros favorecidos pôde contar com as vantagensda lei —sob a forma de uma doação total que os pais lhe haviam feito —para suceder em todos os bens do casal. Os restantes 4 viram-se porém obri-gados a negociar com os demais herdeiros, levando-os a aceitar uma com-pensação monetária pela parte que lhes cabia nos bens do casal. Estamosportanto longe da impartibilidade conotada com os morgadios popularesassociados à propriedade enfitêutica. O que os inventários de Mosteiro nosrevelam aponta, em vez disso, para um sistema de partibilidade preferen-cial, associado a uma presença dos bens de prazo nos casais transmitidosda ordem dos 71 % (24 em 34), uma vez que esta presença de bens de prazona grande maioria dos casais observados não é de modo algum sinónima daexclusividade desta forma de propriedade na respectiva composição. A pro-priedade alodial constituía, de facto, uma presença constante no arrolamentodos bens dos casais inventariados, sendo de salientar aqui que em todos oscasais se contavam propriedades alodiais, numa combinação que compor-tava o predomínio da propriedade enfitêutica, sempre que os bens empra-zados atingiam a dimensão de um verdadeiro casal, ó predomínio da pro-priedade alodial, sempre que os bens emprazados se reduziam a um únicoprédio, e o exclusivo da propriedade alodial. Se também se tiver em linhade conta o facto de o casal típico de Mosteiro se dispersar por várias parce-las —com frequência por mais de vinte—, poder-se-á compreender melhoro padrão de mobilidade da terra sugerido pelas notas do tabelião acima men-cionado.

Na verdade, a reduzida mobilidade do casal comparativamente à das par-celas que o compõem e a importância dos reconhecimentos de dívidasquadram-se bem com as informações veiculadas pelos processos de inventá-rio quanto à incidência e alcance do tratamento preferencial de um dos filhos.Quanto a este último, já sabemos que contribui para reforçar o grau de con-centração da propriedade da terra em Mosteiro, através da concentração dosbens do casal nas mãos do filho favorecido. Sabemos igualmente, porém,que o regime legal da propriedade e herança não confere ao filho favore-cido a totalidade dos bens do casal. A isso se opõem a obrigatoriedade dedar satisfação aos direitos que os restantes filhos têm sobre a herança dospais, por um lado, e o cuidado posto por estes últimos em não deixar queo grau de desigualdade entre o filho favorecido e os filhos não favorecidos

Page 14: O mercado na comunidade rural: propriedade, herança e família no

Maria de Fátima Brandão

atinja o máximo que a lei permite, ao abrigo dos limites fixados pelo mon-tante da quota disponível e pelas regras da sucessão nos bens de prazo, poroutro lado. Da primeira decorre a inevitabilidade da divisão entre todos osfilhos dos bens em regime de propriedade alodial e do segundo decorre ouso corrente em Mosteiro de se atribuir aos filhos não favorecidos, particu-larmente às filhas, compensações monetárias bem superiores ao valor do qui-nhão a que legalmente tinham direito na herança deixada pelos pais. Queristo dizer que a tentativa de preservar os bens do casal tão unidos quantopossível não se faz sem custos para o filho favorecido e para o próprio casalque se lhe pretende transmitir. Desses custos nos dão conta tanto os livrosde notários como os processos de inventários, os primeiros sob a forma defrequentes reconhecimentos de dívidas, os segundos sob a forma do siste-mático arrolamento das dívidas do casal. As dificuldades que se levantamao governo do casal na tentativa de o manter tão unido quanto possível expli-cam o recurso sistemático ao crédito — tão necessário ao casamento forada casa das filhas não favorecidas e ao custeio da emigração ou do sacerdó-cio dos filhos não favorecidos —, bem como a frequência de transacções deparcelas dispersas de terra — ditada por rupturas financeiras que o recursoao crédito não conseguia evitar. A assinalar os limites de uma estratégia fami-liar orientada para a preservação da unidade dos bens do casal, encontra-mos assim o mercado da terra. Se tudo correr bem, o filho favorecido poderásempre recorrer ao mercado para arredondar os bens deixados pelos pais.Se algo correr mal, o filho favorecido poderá sempre recorrer ao mercadopara fazer face às dívidas a que está obrigado. Mais raramente, e na piordas hipóteses, poderá ver-se forçado a vender o próprio casal. A disponibi-lidade de parcelas dispersas, em regime de propriedade alodial ou enfitêu-tica, facilitava sem dúvida a resolução dos problemas do governo do casal,por via da sua fácil transacção no mercado, quer antes quer depois da entradaem vigor do Código Civil, sendo esta passagem da terra pelo mercado prio-ritariamente ditada pelas conveniências de uma estratégia familiar claramentevocacionada para a preservação do casal da família.

7. No termo deste trabalho, que partiu de considerações em torno da emer-gência em Portugal de uma economia virada para o mercado, para a consi-deração do maior ou menor envolvimento da comunidade rural oitocentistado Noroeste português nas teias do mercado local, utilizando para isso dadosde uma investigação sobre uma das freguesias do concelho de Vieira doMinho, resta assinalar o seu alcance. Ora o que os dados sobre Mosteironos testemunham é que, mesmo numa comunidade rural onde o peso da com-ponente familiar na gestão do património fundiário é fundamental, a mer-cantilização da terra é um facto, subordinada porém às conveniências de umaestratégia familiar orientada para a preservação da unidade de exploraçãoagrícola que é o casal. Os dados de Mosteiro mostram igualmente que a mer-cantilização da terra não é prejudicada pela presença da propriedade enfi-

626 têutica e que não foram as alegadas transformações do Código Civil, em

Page 15: O mercado na comunidade rural: propriedade, herança e família no

O mercado na comunidade rural no Norte de Portugal

matéria de propriedade e herança, que lhe vieram imprimir uma maior dinâ-mica. Em relação à mercantilização do factor trabalho, os dados apresenta-dos salientam a importância de uma estratificação social bastante desigualpara uma animação do mercado local do trabalho, em princípio superior àque seria de esperar de acordo com uma concepção mais igualitária da comu-nidade rural. Um alcance modesto, em suma, mas a indiciar as potenciali-dades da microanálise histórica para a dilucidação de questões da macrois-tória.

BIBLIOGRAFIA

ALEGRIA, Maria Fernanda, 1987, A Organização dos Transportes em Portugal (1850-1910).As Vias de Tráfego, dissertação de doutoramento apresentada na Faculdade de Letras daUniversidade de Lisboa, exemplar dactilopolicopiado, Lisboa.

ALVES, Jorge, 1986, Uma Comunidade Rural do Vale do Ave: S. Tiago de Bougado 1650-1849(Estudo Demográfico), dissertação de mestrado apresentada na Faculdade de Letras do Porto,exemplar dactilopolicopiado, Porto.

AMORIM, Maria Norberta de Simas Bettencourt, 1973, Rebordãos e a Sua População nosSéculos XVII e XVIII (Estudo Demográfico), Lisboa, Imprensa Nacional.

AMORIM, Maria Norberta de Simas Bettencourt, 1980, Método de Exploração dos Livros deRegistos Paroquiais e Cardanha e a Sua População de 1573 a 1800, Lisboa, Instituto Nacionalde Estatística.

BRANDÃO, Maria de Fátima, 1980, «História da propriedade e comunidade rural: questões demétodo», em colaboração com Robert Rowland, in Análise Social, n.os 61-62, pp. 173-207.

BRANDÃO, Maria de Fátima, 1985a, «Práticas de herança no concelho de Vieira do Minho»,in Les Campagnes Portugaises de 1870 à 1930: Image et Réalité, Paris, Fundação CalousteGulbenkian, pp. 143-172.

BRANDÃO, Maria de Fátima, 1985b, «A morte e a sobrevivência da casa rural num concelhodo Noroeste», in A Morte no Portugal Contemporâneo, Rui G. Feijó, Hermínio Martinse João de Pina-Cabral (orgs.), Lisboa, Editorial Querco, pp. 147-161.

BRANDÃO, Maria de Fátima, 1988, Land, Inheritance and Family in Northwestern Portugal:The Case of Mosteiro in the Nineteen Century, tese de Ph. D. em História Europeia, Uni-versity of East Anglia, School of Modern Languages and European History, Reino Unido,exemplar dactilopolicopiado.

BRAUDEL, Fernand, 1979, Civilisation Matérielle et Capitalisme, XVe-XVIIIe Siècles, vols. 2e 3, Paris, Armand Collin.

BRETTELL, Caroline B., 1986, Men who Migrateand Women who Wait, Princeton, PrincetonUniversity Press.

CABRAL, Manuel Villaverde (org.), 1974, Materiais para a História da Questão Agrária em Por-tugal — Sécs. XIX e XX, Porto, Editorial Inova.

CABRAL, Manuel Villaverde, 1976, O Desenvolvimento do Capitalismo em Portugal no Sé-culo XIX, Porto, A Regra do Jogo.

CABRAL, Manuel Villaverde, 1979, Portugal na Alvorada do Século XX, Lisboa, A Regra doJogo.

COELHO, Maria de Fátima, 1980, «O instituto vincular, sua decadência e morte: questõesvárias», in Análise Social, n.os 61-62, pp. 111-131.

COELHO DA ROCHA, M. A., 1857, Instituições do Direito Civil Portuguez, 4.a ed., 2 tomos,Coimbra, Livraria J. Augusto Orcei.

DEANE, Phyllis, 1975, A Revolução Industrial, Rio de Janeiro, Zahar Editores. 627

Page 16: O mercado na comunidade rural: propriedade, herança e família no

Maria de Fátima Brandão

DURÃES, Margarida, 1986, «Condição feminina e repartição do património: a camponesaminhota — séculos XVIII-xix», in A Mulher na Sociedade Portuguesa. Visão Histórica ePerspectivas Actuais, actas do colóquio, Coimbra, Instituto de História Económica e Social,Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, vol. 1.

FERREIRA, José Dias, 1870-76, Código Civil Portuguez Annotado, 5 vols., Lisboa, ImprensaNacional.

FONSECA, Hélder Adegar, s. d., «A propriedade da terra em Portugal, 1750-1850: alguns aspec-tos para uma síntese», in Do Antigo Regime ao Liberalismo, Fernando Marques da Costa,Francisco Contente Domingues e Nuno Gonçalo Monteiro (orgs.), Lisboa, Editorial Vega,pp. 213-240.

GOLDEY, Patrícia, 1983, «Migração e relações de produção: a terra e o trabalho numa aldeiado Minho: 1876-1976», in Análise Social, n.os 77-78-79, pp. 995-1020.

HEILBRONER, Robert L., 1972, Os Grandes Economistas, Lisboa, Edições Dom Quixote.HEILBRONER, Robert L., 1984, A Formação da Sociedade Económica, Rio de Janeiro, Zahar

Editores.JUSTINO, David, s. d., A Formação do Espaço Económico Nacional — Portugal 1810-1913,

2 vols., Lisboa, Edições Vega.LEITE, J. Costa, 1983, «A Portuguese contrast: Agrarian systems and common lands in two

freguesias», in Economia, n.° 1, pp. 1-50.LIMA, Fernando Andrade Pires de, 1957, «Enfiteuse (anteprojecto de um título do futuro

Código Civil)», in Boletim do Ministério da Justiça, n.° 66.NUNES, João Arriscado, e Rui Graça Feijó, 1990, «As transformações dos 'incultos' no

Noroeste (1750-1900)», in Cadernos de Ciências Sociais, n.os 8-9, pp. 45-90.O'NEILL, Brian Juan, 1984, Proprietários, Lavradores e Jornaleiros, Lisboa, Publicações Dom

Quixote.PEREIRA, Sertório do Monte, 1908, «A produção agrícola», in Notas sobre Portugal, 2 vols.,

Lisboa, Imprensa Nacional, vol. i, pp. 103-135.PEREIRA, Miriam Halpern, 1978, «Decadência ou desenvolvimento: uma reinterpretação das

suas origens no caso português», in Análise Social, vol. xiv, 1978, pp. 7-20.PEREIRA, Miriam Halpern, 1983, Livre-Câmbio e Desenvolvimento Económico, 2.a ed., Lis-

boa, Sá da Costa Editora.PINA-CABRAL, João de, 1989, Filhos de Adão, Filhas de Eva, Lisboa, Publicações Dom Qui-

xote.PINHEIRO, Magda, 1986, Chemins de Fer, Structure Financière de l'Etat et Dependance Exté-

rieure au Portugal (1850-1890), tese de doutoramento apresentada na Université deParis I — Pantheon— Sorbonne (exemplar dactilopolicopiado), Paris.

POLANYI, Karl, 1978, «A nossa obsoleta mentalidade mercantil», in Revista Trimestral de His-tória e Ideias, n.° 1, pp. 7-19.

POLANYI, Karl, 1980, A Grande Transformação, Rio de Janeiro, Editora Campus.ROBINSON, Richard, 1979, Contemporary Portugal, Londres, George Allen and Unwin.ROCHA, Maria Manuela, 1988, Propriedade e Níveis de Riqueza — Formas de Estruturação

Social em Monsaraz na Primeira Metade do Século XIX, dissertação de mestrado apresen-tada na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, exem-plar dactilopolicopiado.

WALLERSTEIN, Immanuel, 1986, «Espaço económico», in Enciclopédia Einaudi, vol. 7, Lis-boa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1986, pp. 216-225.

628