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Coimbra, 2009. Faculdade de Economia Universidade de Coimbra Mestrado em Relações Internacionais: Estudos de Economia Política Internacional Dissertação Final de Mestrado O mercado petrolífero Mundial: a necessidade de um multilateralismo de gestão energética Sandro Miguel Pereira Marmelo Aluno nº20040573 Orientador: Professor Joaquim Feio Ano lectivo 2008/09

O mercado petrolífero Mundial: a necessidade de um ... Sandro... · do mercado petrolífero, sendo reconhecido como a obra que melhor combinou elementos históricos com elementos

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Coimbra, 2009.

Faculdade de Economia

Universidade de Coimbra

Mestrado em Relaes Internacionais: Estudos de Economia Poltica

Internacional

Dissertao Final de Mestrado

O mercado petrolfero Mundial: a

necessidade de um multilateralismo de

gesto energtica

Sandro Miguel Pereira Marmelo

Aluno n20040573

Orientador: Professor Joaquim Feio

Ano lectivo 2008/09

ii

Obrigado

Aos amigos, pela compreenso da minha ausncia.

Ao Professor Joaquim Feio, pela pacincia. famlia pelo apoio.

iii

ndice 1.Introduo ............................................................................................................... 1

2. A indstria petrolfera: uma histria de procura de poder em 3 fases. .......... 12

2.1. A primeira fase: a anarquia de mercado ........................................................ 13

2.2. A segunda fase do mercado: da internacionalizao cartelizao

empresarial. .............................................................................................................. 15

2.3. A terceira fase da indstria: a ascenso dos Estados-nao e a criao de

um oligoplio petrolfero trilateral. ......................................................................... 25

3. O binmio cooperao-confrontao como modelo estruturante do mercado

petrolfero hodierno. ................................................................................................ 33

3.1. A teoria do oligoplio vertical. ......................................................................... 34

3.2. A oligopolizao vertical de mercado como modo de convergncia terica

de interesses. ........................................................................................................... 37

3.3. A conflitualidade imanente a uma estruturao oligoplica de mercado. ... 40

3.3.1. A estruturao do mercado petrolfero e o seu potencial de conflito. ..... 41

3.3.2. O petrleo como instrumento de crispao poltico-econmica mundial. 45

3.3.3. A questo da propriedade de recursos e a deteriorao dos termos de

troca na gnese de conflitos econmicos. ............................................................. 48

4. O binmio cooperao-confrontao como mecanismo do egosmo racional:

a Organizao dos Pases Exportadores de Petrleo como exemplo. ................. 54

4.1. O debate entre o institucionalismo funcional e o neo-realismo: uma

adaptao OPEP. .................................................................................................. 55

4.2. Uma organizao tripartida. ............................................................................ 61

4.3. A OPEP: um elemento de desestabilizao econmica internacional. ......... 65

4.4. A OPEP: uma estrutura sustentvel? .............................................................. 67

5. A sustentabilidade do mercado internacional de petrleo. .............................. 70

5.1. A interdependncia entre o processo de Globalizao e o processo de

petrolizao econmica. ....................................................................................... 71

5.2. A importncia do petrleo: uma realidade socialmente construda. ............ 75

5.3. A teoria do colapso social e a Longa Emergncia econmica. .................. 78

5.4. O pico petrolfero: entre a preocupao e a negao................................... 88

5.4.1. A contra-informao como modo de fortalecimento dos elementos

produtores do oligoplio petrolfero. ...................................................................... 94

5.4.2. As multinacionais e a alterao gradual do seu rumo negocial: um indcio

forte do pico petrolfero. ......................................................................................... 99

iv

6. A necessidade de um novo consenso econmico baseado num novo

paradigma energtico. ........................................................................................... 104

6.1. Obstculos a uma renovao energtica ..................................................... 105

6.1.1. A questo econmico-financeira. ............................................................... 107

6.1.2. A questo social. ......................................................................................... 111

6.2. O papel dos Estados nacionais num processo de reconverso energtica.

................................................................................................................................ 114

6.2.1. O papel dos agentes privados e a importncia da sua articulao com os

Estados. .................................................................................................................. 117

6.2.2. Rumo a um multilateralismo de gesto energtica.................................. 121

7.Concluso ............................................................................................................ 125

v

Resumo:

Este estudo pretende desenvolver uma anlise da indstria internacional do

petrleo, e dos seus impactos tanto na sociedade, no seu mbito interno,

como no mercado internacional. O objectivo ser provar que o petrleo,

apesar de numa primeira fase ter permitido um desenvolvimento econmico

bastante acentuado a praticamente todos os Estados do globo, interagindo

com o processo de globalizao econmica, constituiu-se, nas ltimas

dcadas, como um elemento potenciador de instabilidade, tanto econmica

como securitria, no contexto internacional. Sendo um mercado baseado em

relaes de poder, esta indstria fica sujeita aos interesses conjunturais de

uma srie de Estados que perseguem interesses prprios. Do mesmo modo,

sendo uma realidade socialmente construda e legitimada por governos e

populaes, esta fora produtiva foi vista como inesgotvel por estes

agentes, tendo isto impedido a criao e a tomada de medidas destinadas ao

combate dependncia petrolfera mundial, subsistindo este mercado num

oligoplio produtivo trilateral muito particular, estando longe de ser uma

estrutura de mercado democratizada e baseada nos princpios econmicos

liberais.

vi

Abstract:

This study aims to develop an analysis of the international oil industry and

its impact both in international society and in the international market. The

aim is to prove that oil, although initially have allowed an accelerated

economic development of almost all states of the world, interacting with the

process of economic globalization, embodies itself in recent decades as an

enhancer element of instability, both economic and securitary, in the

international context. As a market based in power relations, this industry is

based in agents that pursue their own interests. Similarly, being a socially

constructed reality, legitimized by governments and peoples, oil as a

productive force was taken as an infinite resource, and this prevented the

creation and adoption of measures to combat global oil addition.

1

1.Introduo

A energia foi desde sempre um elemento fundamental para a construo e

fortalecimento da identidade humana ao longo dos sculos, num processo

que principiou com a descoberta do fogo na poca primitiva e que

gradualmente se foi estabelecendo como elemento potenciador de bem-estar

social e econmico medida que as sociedades se iam tambm

desenvolvendo poltica e economicamente. Foi no ltimo sculo que se

assistiu ascenso de um sistema energtico de grande importncia para o

mundo, nomeadamente o sector petrolfero, que se constitui como recurso

energtico por excelncia do desenvolvimento econmico e social, e que

teve grande parte de responsabilidade na criao da moderna sociedade da

informao.

O petrleo , portanto, um elemento imprescindvel ao sistema econmico

internacional moderno, e ao prprio sistema de relaes internacionais, visto

ter-se consolidado como um importante mecanismo de poder, econmico e

diplomtico, para uma srie de agentes econmicos, nomeadamente

empresas multinacionais e Estados produtores de petrleo, que procuram o

domnio deste recurso vital, atravs de mecanismos de organizao

2

empresarial no mercado e na arena poltica internacional tendo em vista uma

maximizao de poder atravs do controlo da produo e comercializao

petrolfera.

Este trabalho procura explicitar que o modelo de organizao por

excelncia dos actores petrolferos neste mercado faz-se atravs de

mecanismos de oligopolizao e verticalizao, ou seja em relaes de

estratificao econmica e em jogos de poder entre agentes. O realismo est

portanto muito presente na gnese estrutural deste mercado que subsiste

num oligoplio petrolfero trilateral, onde a cooperao cclica e a

confrontao quase permanente so a norma que prevalece neste mercado.

Esta dissertao tem o duplo objectivo de dar a conhecer os fundamentos

polticos e econmicos subjacentes ao mercado petrolfero, enquanto

estrutura fundamental das sociedades contemporneas, e por outro lado,

procurar dar a conhecer os efeitos criados pela estruturao petrolfera

mundial.

Pretendemos comprovar que uma estruturao oligoplica do mercado

petrolfero lesa e volatiliza no s a economia, como tambm o prprio

3

ambiente poltico mundial. Uma estrutura de mercado baseada numa srie

de agentes econmicos que perseguem interesses de curto-prazo, aliado a

uma estruturao social e governativa internacional que impediu a criao de

medidas de combate a um sistema energtico pouco democrtico na sua

essncia, torna o sistema poltico e econmico internacional extremamente

voltil.

Ser um oligoplio produtivo do mais importante recurso do mundo

sustentvel no longo prazo? Quais os efeitos da utilizao excessiva por

parte das sociedades contemporneas de uma energia dinmica, porm

sujeita a exausto? Que dificuldades aguardam a sociedade internacional, e

a economia mundial, perante a necessidade de uma eventual mudana de

paradigma energtico dominante?

O sistema petrolifero, a sua sustentabilidade e o seu modelo de

estruturao tm sido nos ultimos anos, um dos factores mais prementes e

cruciais para entender as dinmicas econmicas e politicas mundiais, tendo

esta indstria se consubstanciado nos ltimos anos como um elemento de

instabilidade crnico, tanto no respeitante ao nvel securitrio como no que

concerne ao sector econmico. portanto relevante a escolha desta temtica

para a elaborao desta dissertao, na medida em que o lapso temporal em

4

que esta dissertao foi escrita foi atravessado transversalmente por uma

srie de fenmenos, econmicos e sociais, gerados por aumentos histricos

dos preos do petrleo internacional que, estranhamente, so pouco

analisados e discutidos pela sociedade civil, como se uma crise energtica

fosse uma consequncia e no uma causa das crises econmicas e

financeiras a que assistimos no sculo XXI.

A anlise do mercado petrolfero mundial ento importante pois aps um

perodo de seis anos, correspondente aos dois choques petroliferos da

dcada de 70, em que os governos sentiram necessidade de diversificar a

sua poltica energtica, a descoberta de novas jazidas petrolferas, e a

consequente expanso industrial que esta situao potenciou, tornaram de

novo indispensvel a descoberta continuada de jazidas petroliferas. Os

agentes econmicos passaram ento a analisar as crises energticas, e

econmicas sob um ponto de vista de curto-prazo, cujo solucionamento

estaria numa nova expanso industrial, potenciada por novas descobertas

petrolferas, sendo que medidas de longo-prazo, nomeadamente uma

reestruturao dos ciclos energticos mundiais, foram negligenciadas.

Portanto o enquadramento terico seguido por este trabalho pretende

comprovar que o mercado internacional de petrleo realista na sua gnese

5

estrutural e construtivamente sustentado. As bases do mercado internacional

de petrleo emergem desta dualidade terica, como pretendemos

comprovar.

A bibliografia relacionada com esta temtica assenta portanto numa

dualidade doutrinal que este trabalho procura captar. O primeiro indcio

desta dualidade assenta no estudo da estruturao deste mercado, e das

foras que o constituem e interagem entre si no mercado. Este um tema

relativamente analisado e explorado, onde os pontos de convergncia entre

obras se cifram na noo de que este mercado se baseia em jogos de

procura de poder, econmico e diplomtico, poder este que se adquire

atravs do domnio da capacidade produtiva de petrleo.

Entre as obras que procuram analisar a estrutura do mercado petrolfero

mundial, o livro de Alessandro Roncaglia (1985) The international oil market:

a case of trilateral oligopoly, caracteriza o mercado internacional de petrleo

como um oligoplio constitudo por trs elementos: o primeiro elemento ser

constitudo pelas multinacionais petrolferas, o segundo elemento sero os

Estados produtores de petrleo e o terceiro elemento consubstanciar-se-

nos Estados consumidores de petrleo. Apresentando este modelo de

estruturao, Roncaglia caracteriza o mercado internacional de petrleo,

6

como uma estrutura dinmica, sujeita a interesses conjunturais dos agentes

envolvidos, reflectindo as suas aces esta dinmica de procura de poder.

A obra de Daniel Yergin (1992) The prize: the epic quest for oil, Money and

power onde o autor caracteriza o mercado petrolfero, na sua globalidade,

como um jogo de procura de poder de soma nula, onde os benefcios que

um agente alcana so resultado das perdas dos demais agentes

concorrentes no mercado tambm outro importante instrumento de anlise

do mercado petrolfero, sendo reconhecido como a obra que melhor

combinou elementos histricos com elementos poltico-econmicos de

anlise para caracterizar este mercado como uma estrutura egoisticamente

racional.

No que concerne analise da sustentabilidade deste mercado, os estudos

que versam sobre esta componente do mercado petrolfero tm vindo a

aumentar ao longo do tempo, sobretudo a partir da dcada de 1970 com o

advento das crises energticas despoletadas pela Organizao dos Pases

Exportadores de Petrleo, e o seu impacto sobre a sociedade ocidental, com

o ressurgimento das teses de Malthus, acerca da (in)sustentabilidade

econmica mundial, e com a publicao do relatrio do Clube de Roma:

todos estes contributos advogam a necessidade de criar limites ao

7

crescimento econmico e medidas de conservao econmica e social, como

modo de evitar o colapso das sociedades modernas.

A partir destas teses estabelecem-se dois pontos de anlise distintos,

concernentes sustentabilidade dos mercados petrolferos mundiais:

Por um lado a tese mais catastrofista, personificada na obra de James

Howard Kunstler (2005), urbanista e jornalista americano, The Long

Emergency: Surviving the Converging Catastrophes of the Twenty-first

Century, advoga o fim das sociedades que se baseiem em recursos naturais

no-renovveis, no havendo medidas capazes de inverter este declnio. O

autor critica as modernas sociedades como modo e estilo de vida, por

considerar as mesmas um subproduto nascido da confluncia de dois

factores: um perodo de paz relativa conjugado com quantidades abundantes

e baratas de combustvel no-renovvel.

A utilizao excessiva desta energia finita enquanto modo de

desenvolvimento coloca em risco o presente e futuro econmico, e levar

inevitavelmente ao colapso econmico e social, e ao fim da sociedade como

a conhecemos, sendo que nem medidas de reestruturao econmica e

8

social ou medidas tendentes adopo de novas fontes energticas podero

impedir o fim da sociedade moderna, baseada em hidrocarbonetos.

Contrastando com esta tese mais catastrofista surgem outras teses mais

optimistas, ainda que as mesmas assumam a insustentabilidade do sistema

energtico baseado no petrleo, assumindo tambm que a oligopolizao do

mercado petrolfero e a inerente volatilidade do mercado poder servir como

um estimulo descoberta de fontes energticas mais baratas, mais limpas e

menos desestabilizadoras da ordem internacional moderna, e criao de

uma sociedade baseada num paradigma energtico e produtivo diferente do

actual.

Entre estas obras merecem destaque o livro do economista Stephen Leeb

(2006), The coming economic colapse: how you can trive when oil costs

200$ a barrel, que malgrado acreditar que perante o aumento da procura de

petrleo por parte de uma srie de economias emergentes, como a ndia e a

China, e da diminuio do abastecimento de petrleo devido iminncia de

um pico de produo petrlifera, o mundo poder entrar numa catstrofe

econmica podendo o preo do petrleo atingir os 200 dlares por barril.

Esta situao no entanto poder ser aproveitada para gerar riqueza por parte

dos agentes econmicos que saibam aproveitar as oportunidades que

9

surgiro deste estado de coisas, nomeadamente no que concerne ao

investimento em fontes energticas capazes de suavizar a crise energtica.

Peter Tertzakian, economista merece tambm destaque, com o seu livro

1000 barrels a second (2006), onde adverte para a necessidade de uma

reestruturao energtica ao nvel mundial, para que os nveis de vida que o

petrleo de extraco barata e abundante propiciaram se possam manter. A

energia e o seu controlo sempre determinaram a subsistncia ou a

decadncia das sociedades, e desta vez, com o petrleo, no ser diferente.

Ao contrrio de Kunstler, Tertzakian acredita que existem alternativas que

possibilitem a manuteno do nosso padro de vida actual, mesmo perante

um cenrio de fim do petrleo de custo baixo e muito abundante,

acreditando tambm que a chave para isto acontecer reside em pequenos

passos dados pela humanidade, que permitam mesma comprar tempo

para implementar alternativas energticas eficazes e substitutas perfeitas do

petrleo.

De modo a atingir os objectivos propostos no inicio desta dissertao, a

tese estar dividida em duas partes lgicas: os captulos 2 e 3 diro respeito

anlise da estrutura do mercado petrolfero internacional, tanto no passado

como no presente, procurando caracterizar este mercado como um elemento

10

de instabilidade da ordem poltica e econmica internacional, visto basear-se

numa estrutura lesiva da livre concorrncia, o oligoplio, cujo ncleo

produtivo elabora estratgias de curto-prazo para procurar alcanar poder,

politico e econmico, sobre o ncleo consumidor, num contexto anrquico e

sem regulador definido. A OPEP ser analisada no captulo 3 como estudo de

caso, procurando demonstrar que mais do que uma estrutura de regulao

de mercado actual, um elemento de instabilidade internacional.

A segunda parte, envolvendo os captulos 4, 5 e 6 procura analisar a

vertente de sustentabilidade deste mercado, e do oligoplio a si subjacente.

Inicialmente procurar-se- explicitar at que ponto o petrleo contribuiu para

a modernidade, para o potenciar do processo de globalizao, e para um

consequente aumento artificial dos modos de vida e de criao de riqueza,

mas tambm analisar em que medida uma sociedade baseada numa energia

no-renovvel, e sujeita a oligoplios de produo, poder ser sustentvel no

mdio e longo-prazo, onde se perfilam uma srie de epifenmenos, desde

logo o pico petrolfero, que podem colocar em causa a sustentabilidade do

oligoplio petrolfero mundial.

O trabalho procura por fim apresentar algumas propostas para contornar a

actual estruturao do mercado energtico actual, sujeito a uma srie de

11

interesses de curto-prazo dos agentes envolvidos neste processo, e as

dificuldades de apresentao de um plano energtico inovador e no sujeito

a rupturas propiciadas pelo mercado. Nomeadamente ser apresentada a

necessidade de um maior multilateralismo de gesto energtica, como

essencial para a estabilizao poltica e econmica internacional

H que ressalvar que todas as citaes aqui reproduzidas literalmente, e

provindas de um contexto idiomtico original que no o portugus, se

encontram de antemo traduzidas para a lngua portuguesa, sendo de

qualquer modo sempre explicitada, conforme a boa etiqueta acadmica, a

edio e o nmero de pgina da obra original de onde estas citaes foram

retiradas. Deste modo foi pretenso do autor poupar algum espao textual, e

economizar algum tempo de leitura ao leitor, aplicando este espao noutros

segmentos da tese, evitando a colocao das citaes originais no contexto

textual.

12

2. A indstria petrolfera: uma histria de procura de poder em 3

fases.

A energia, e o petrleo, desde sempre se fundamentou num jogo de

procura de poder entre todos os agentes envolvidos neste mercado, que ora

cooperam entre si para obter benefcios econmicos de curto-prazo ora se

confrontam em defesa dos seus interesses prprios. Esta dualidade relacional

marcou a indstria petrolfera ao longo dos trs ciclos de mercado que a

mesma atravessou, segundo a anlise deste trabalho.

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2.1. A primeira fase: a anarquia de mercado

A fase inicial deste mercado corresponde a um lapso temporal

relativamente curto, menos de uma dcada, ocorrendo no primeiro quartel

do sculo XIX, em paralelo com a descoberta de jazidas petrolferas nos

Estados Unidos da Amrica, no Estado da Pensilvnia. Sendo este lapso

temporal coincidente com o inicio da Segunda Revoluo Industrial havia

portanto necessidade de fontes energticas com maior dinamismo

econmico do que, por exemplo, o leo de baleia e o querosene que eram

ento as fontes energticas mais comummente utilizadas, sobretudo para o

aquecimento e iluminao.

As primeiras descobertas de jazidas petrolferas levaram, uma srie de

entidades individuais e colectivas a entrarem numa corrida ao petrleo,

disputando entre si os terrenos, onde as descobertas ocorreram. A

competio desenfreada, desorganizada e anrquica, desprovida de

conhecimento tcnico, e de enquadramentos legais ao nvel da explorao,

levou destruio de uma srie de poos petrolferos ou sua exausto

prematura, o que levou por sua vez a flutuaes de preos bastante

acentuadas no mercado1 (Maugeri, Leonardo, 2006). A primeira fase deste

1 Segundo Maugeri (2006: 6) em 1860 o preo do petrleo era de 0.10 dlares por barril (D/B), tendo

em 1861 chegado aos 10 D/B. Em 1862 as flutuaes faziam-se em torno dos 0.10 D/B e os 2.25

D/B.

14

mercado corresponde portanto a uma fase de anarquia entre agentes neste

mercado.

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2.2. A segunda fase do mercado: da internacionalizao

cartelizao empresarial.

A segunda fase deste mercado, data do inicio da dcada de 60 do sculo

XIX at 1960. Contrariamente primeira fase do mercado, a comercializao

e explorao deste recurso no se consubstanciava em entidades individuais

ou empresas sub-organizadas, mas sim em empresas fortemente

organizadas e burocratizadas e estruturadas verticalmente (Yergin, 1992).

Esta portanto a poca em que ocorre verdadeiramente a

internacionalizao petrolfera, em paralelo com o aumento da sua

importncia nos ciclos econmicos mundiais.

Segundo Alfred Chandler (1990) coube a John Rockeffeller, o fundador da

primeira empresa petrolfera de dimenso global, a Standard Oil Company,

inaugurar uma nova era no mercado internacional de petrleo, sobretudo o

modo de organizao empresarial desta indstria: as empresas que

efectivamente queriam entrar no mercado tinham de seguir a mesma

estratgia da empresa de Rockeffeller, ou seja a verticalizao empresarial,

conseguida atravs da actuao de uma empresa ao longo de toda a cadeia

de produo e distribuio de um recurso, procurando deste modo diluir os

riscos de mercado igualmente pelas vrias fases da cadeia produtiva.

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Em boa verdade nenhuma empresa fazia concorrncia companhia criada

por Rockefeller que personificava um monoplio2 que tornava impossvel

uma competio em igualdade de condies entre todos os intervenientes de

mercado (Yergin, 1992: 42-44). A alterao deste status quo monoplico foi

portanto o grande desafio que a indstria petrolfera enfrentou nesta fase do

mercado, dado o interesse renovado pelo petrleo na esfera internacional

que implicou o surgimento de uma srie de novos actores a actuar no sector

petrolfero, dentro e fora dos EUA.

Um sistema regulatrio tendente ao favorecimento da livre-concorrncia no

mercado internacional surgiu inevitavelmente: o Sherman Antitrust Act de

18903 que implicou uma diviso, decretada pelo Supremo Tribunal

Americano em 1911, do monoplio de Rockefeller em 33 empresas, que por

meio de processos de aquisio e fuso empresarial, deram origem s cinco

grandes empresas petrolferas americanas4, foi o exemplo mais claro da

2 Segundo Maugeri (2006) a Standard Oil Company controlava, em 1890, 90% das refinarias e canais

de distribuio americanos, detinha a vasta maioria dos carros tanque utilizados para a distribuio

petrolfera por estrada e ferrovia, detendo alm do mais a grande maioria da frota martima destinada

distribuio mundial de petrleo. Detinha ainda uma vasta rede de contactos espalhados por todo o

territrio americano, que transmitia para a sede da companhia uma srie de informaes, como o nvel dos preos de petrleo vendido a retalho, as vendas de querosene e a descoberta de novas jazidas

petrolferas que pudessem afectar o preo do mercado petrolfero, e os lucros da Standard Oil

Company. 3 Segundo Hans Thorelli (1955), o Sherman Antitrust Act de 1890 foi motivado pela crescente

hostilidade entre actores no mercado relativamente ao monoplio que vigorava, considerado como

sendo antagnico dos interesses dos consumidores e das instituies democrticas. O Sherman Act

visava assim o fim do monoplio petrolfero, e dos abusos de mercado e o fim das situaes que o

perpetuavam, nomeadamente as restries entrada de novos actores neste mercado, e a sua absoro

pelas empresas de maior dimenso. 4 Exxon, Mobil Oil e Chevron,Texaco e a Gulf Oil (Parra, Francisco, 2004: 10).

17

interveno regulatria estatal no mercado, com vista a torn-lo mais

concorrencial5 (Yergin, 1992).

Na Europa fundada, em 1889, a Royal Dutch Petroleum, companhia

holandesa que actua, preferencialmente, na regio das ndias Holandesas.

Em 1897 surge a empresa britnica Shell Transport and Trading Company,

que controlava uma grande percentagem da produo de petrleo russo, e

asitico6 (Laurent, 2006).

Para compensar a poltica de subsdios da Standard Oil em territrio

americano, combater a dependncia Europeia do petrleo de abastecimento

Russo, e combater a influncia crescente da Standard Oil Company nas suas

regies de influncia, os lderes da Shell, Samuel Marcus, e da Dutch

Petroleum Transport, Henri Detterding, decidem uma fuso das suas

companhias, em 1906, daqui nascendo a Royal Dutch Shell, que no final da

primeira guerra mundial deteria um poder de mercado na ordem dos 75%

(Yergin, 1992).

5 A Shell comprou em condies muito vantajosas os interesses da Rotschilds no petrleo explorado

em Baku, no Azerbeijo, poca territrio russo (Laurent, 2006: 35). 6 A Shell detinha concesses petrolferas na regio da Insulndia, na Indonsia, na Tailndia, nas

Filipinas e na Birmnia (Laurent, 2006).

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Em teoria a indstria petrolfera mudava os seus pressupostos bsicos de

actuao: de um monoplio, baseado na actuao da Standard Oil Company,

passa-se a uma nova fase de mercado que, teoricamente, significaria maior

concorrncia entre companhias, que deviam obedecer a critrios de maior

integrao e verticalizao.

A maior concorrncia neste mercado seria tambm decorrente da

modificao do paradigma energtico mundial, com a ascenso de uma srie

de derivados de petrleo, notavelmente a gasolina, superando as vendas de

carvo e do leo de baleia na primeira dcada do sculo XX, facto a que no

est alheio o surgimento do primeiro modelo automvel concebido para um

pblico de massa, o Ford T7, e da primeira vaga de electrificao mundial

(Lopes Velho, 2006).

A partir da primeira dcada do sculo XX e em paralelo com a mobilizao

blica mundial, o petrleo torna-se um activo fundamental na logstica de

guerra8, sentindo-se por parte das vrias chancelarias necessidade de se

7 O Ford T popularizou-se e tornou-se de utilizao corrente a partir do ano de 1908, em paralelo com

a maior facilidade de concesso de crdito e do paradigma produtivo de Henry Ford, produo em

massa para um consumo em massa. 8 O petrleo foi utilizado para fins blicos, primeiramente na Marinha Britnica, por despacho do

ento Ministro da Marinha de Guerra Britnica, Winston Churchill, que deu ordem para a mesma

marinha fazer a transio do carvo para o petrleo, pois este facilitava enormemente o esforo de

guerra tanto no nvel logstico como no nvel de combate.

19

encontrarem novas reas de produo e prospeco deste recurso9,

sobretudo para o abastecimento da mquina de guerra das grandes

potncias mundiais, que exigia enormes quantidades de energia para se

manterem operacionais10

O conflito pe em destaque o facto do petrleo se ter tornado no s um

recurso econmico essencial, mas tambm um importante factor estratgico,

fenmeno que as grandes potncias compreenderam imediatamente.

Perante a viragem britnica para um sistema energtico mais eficiente,

baseado no petrleo, o Kaiser alemo, Guilherme II, inicia a construo de

um caminho-de-ferro, ligando Berlim a Bassor, com passagem por Istanbul

e Bagdade, projecto financiado pelo Deutsche Bank (Laurent, Eric, 2006). Em

plena guerra, a ordem alem era tambm para que os submarinos alemes

afundassem os grandes navios petroleiros americanos que nesta altura

abasteciam a Europa, pois havia a plena conscincia poltica e militar que

sem petrleo era impossvel assegurar o esforo de guerra de qualquer uma

das alianas envolvidas. Como referiu George Clemenceau, primeiro-ministro

9 A Venezuela, sobretudo o espao circundante ao Lago Maracaibo, a Lbia, a Arglia e o Iro foram

algumas das mais importantes reas de prospeco petrolfera nesta fase do mercado (Parra, 2004). 10 A necessidade de novas jazidas petrolferas tornou-se mais premente dado o fim do acesso aos

campos petrolferos russos, situados na regio de Baku, em virtude da revoluo bolchevique (Murray,

Williamson e Millet, Allan R., 2000).

20

francs num telegrama enviado ao Presidente americano, Woodrow Wilson,

em 15 de Dezembro de 1917:

Qualquer falta de gasolina causaria a paralisia imediata dos nossos

exrcitos e poderia obrigar-nos a uma trgua inaceitvel para os Aliados. Se os Aliados no querem perder a guerra, preciso que a Frana combatente disponha de gasolina, quando se der o

derradeiro choque germnico, to necessrio como o sangue nas batalhas de amanh (Laurent, 2006: 34).

Com o fim da guerra assistimos no s a um perodo de paz, como a um

esforo de verticalizao de mercado que contribuiu, num segundo momento

desta fase de internacionalizao, para uma centralizao do poder do

mercado petrolfero nas mos de sete empresas gigantescas, as chamadas

sete irms11, que passaram a dominar, impedindo a entrada de novos

actores no mercado, sendo estes agentes absorvidos na orgnica destas sete

empresas, permitindo-lhes alcanar uma enorme escala de negcios, e

confinando os Estados de provenincia das reservas a concesses financeiras

extremamente baixas (Lopes Velho, 2006).

11 Quando falamos das sete irms, e do seu cartel, referimo-nos definio que distingue sete

empresas que dominaram totalmente o mercado mundial de petrleo: Exxon, Royal Dutch Shell,

Texaco, Mobil Oil, Gulf Oil, Chevron e British Petroleum (Lopes Velho, 2006: 302).

21

Este estado de coisas foi perpetuado pelo Tratado Da Linha Vermelha, em

1928, que marcou o inicio da cartelizao do mercado de petrleo visando a

coordenao de actividades entre as multinacionais e o aumento das

barreiras entrada de novas empresas12. Segundo Yergin esta conferncia

foi acima de tudo uma conferncia de paz destinada a trazer um novo

mpeto indstria europeia e asitica no ps-guerra (1992: 261).

O acordo, secreto, foi um modo de as grandes petrolferas partilharem as

jazidas petrolferas dos Estados resultantes do colapso do Imprio

Otomano13, com o traado de uma linha vermelha ao longo das fronteiras

deste antigo imprio, que delimitava e estabelecia que nenhum territrio

englobado neste acordo poderia ser explorado sem o consentimento dos

restantes signatrios do tratado (Lopes Velho, 2006), como mostra a figura

1.

12 De facto, o acordo da Linha Vermelha institui um verdadeiro cartel internacional, que aps a

formao da Companhia Francesa de Petrleo e das empresas resultantes do desmantelamento da

Standard Oil, formou o Cartel das sete irms. 13 Turquia, Iraque, Sria e Pennsula Arbica.

22

Figura 1: Acordo da Linha Vermelha

http://farm3.static.flickr.com/2367/2515322575_e503d10e37.jpg

Ao mesmo tempo as empresas originadas pela dissoluo da Companhia

Turca de Petrleo estavam obrigadas, por este tratado, a restringir ao

mximo as suas concesses territoriais, ou a compra de petrleo no antigo

territrio Otomano, o fornecimento de petrleo fora da esfera das sete irms

era restringido, assegurando-se o controlo concertado de mercado por parte

das grandes multinacionais, e a sua partilha concertada do petrleo do

Mdio-Oriente (Keohanne, Robert O., 1984: 151).

As regras estabelecidas pelo tratado da Linha Vermelha reflectiram portanto

um nexo de no competitividade no mercado, baseando-se no princpio da

competitividade como elemento desestabilizador do sistema petrolfero

http://farm3.static.flickr.com/2367/2515322575_e503d10e37.jpg

23

internacional e na norma de que as empresas no se deveriam envolver em

actos competitivos (Keohanne, 1984: 60).

Aps a Segunda Guerra Mundial14, a reconstruo europeia e japonesa,

patrocinada pelos Estados Unidos da Amrica, e o prprio crescimento norte-

americano, tanto econmico como demogrfico15, impulsiona uma

modificao profunda dos estilos de vida das populaes ocidentais,

baseando-se esta modificao em remessas de energia barata e abundante,

provenientes do Cucaso e Mdio-Oriente (Parra, 2004).

Apesar de durante um sculo terem dominado o mercado, o

enfraquecimento do cartel das sete irms a partir da dcada de 1960 foi uma

realidade, sendo causado por um aumento do poder reivindicativo dos

Estados proprietrios das reservas, por discrdias em torno do sistema das

concesses do mdio-oriente, entre multinacionais, e pelo ressurgimento de

antigos actores na esfera de produo petrolfera16 (Yergin, 1992: 419-523).

14 Conflito no qual o petrleo tambm desempenhou um papel fulcral na vitoria dos aliados e na

derrota das potncias do Eixo. 15 O Baby-boom. 16 Nomeadamente a Unio das Repblicas Socialistas Soviticas (URSS) e alguns Estados do leste

europeu, nomeadamente a Romnia (Parra, 2004: 7).

24

A partir dos anos 60 do sculo XX assistimos a uma deteriorao dos

termos de troca no mercado petrolfero mundial, modificando-o

profundamente e dando incio terceira fase da indstria.

25

2.3. A terceira fase da indstria: a ascenso dos Estados-nao e a

criao de um oligoplio petrolfero trilateral.

A terceira e actual fase desta indstria, e aquela que este trabalho procura

analisar com maior profundidade, ocorre com a ascenso de uma srie de

Estados produtores de petrleo, que se organizam numa estrutura de

mercado prpria, a Organizao dos Pases Exportadores de Petrleo (OPEP),

e que se consciencializam do seu papel nos destinos da economia mundial,

ao serem fornecedores lquidos do recurso energtico que mantm estvel

esta mesma economia. Do mesmo modo, as grandes multinacionais e os

pases consumidores lquidos deste recurso ficam, de certo modo,

dependentes das decises de mercado destes actores recentemente

organizados.

Com o incio das exploraes das multinacionais no territrio dos Estados

que viriam a dar origem OPEP, em 1960, as multinacionais petrolferas

funcionavam de acordo com um sistema de pagamento de concesses,

baseadas em preos de referncia internacional, anexado ao padro dlar-

ouro. Atravs da valorizao ou desvalorizao cambial deste padro

monetrio nos mercados internacionais, eram calculadas as comisses e

taxas de explorao pagas pelas empresas aos governos anfitries, sendo

que o comrcio de petrleo se baseava em regras estabelecidas pelas

26

prprias companhias intervenientes no mercado, reinando por isso o

informalismo econmico mais absoluto (Chalabi, 1997: 127).

No dia 4 de Setembro de 1960, aps um ano de sucessivas baixas no preo

das concesses pagas pelas multinacionais petrolferas17 aos Estados de

procedncia das jazidas, o Iraque, o Emirado do Abu Dhabi, a Venezuela e a

Arbia Saudita reuniram-se em Bagdad fundando a OPEP, uma organizao

econmica intergovernamental permanente, criada como um mecanismo de

contrapeso s polticas consideradas arbitrrias e unilaterais das companhias

petrolferas estrangeiras, com o intuito de dar uma voz mais activa aos

pases exportadores de petrleo na indstria. Esta organizao pretendia ser,

portanto

Um garante da estabilidade dos preos do petrleo nos mercados

mundiais, eliminando as flutuaes de preos consideradas desnecessrias, em funo dos interesses dos seus integrantes, e da sua necessidade de fluxos constantes e contnuos de receitas,

atravs do fornecimento regular de petrleo aos pases consumidores, e do retorno do capital dos investimentos na indstria petrolfera (OPEP, 2008; DOE:2004).

17 Consequncia do ressurgimento da URSS enquanto produtor de petrleo, com mercado de

escoamento primordial na Europa, e de se ter alcanado um pico na produo petrolfera americana

(Lopes Velho, 2006).

27

O primeiro indcio do papel renovado da OPEP coincide com o colapso do

sistema monetrio de Bretton Woods, em 1971, que significa o fim do

padro dlar-ouro internacional, e levou a uma srie de flutuaes cambiais

no mercado internacional.

Uma vez que a maior parte dos pases produtores se tinha conformado com

um critrio de preos de exportao de petrleo relativamente estvel, ainda

que relativamente reduzido, baseado no padro dlar-ouro, evidente que

com esta crise financeira mundial, gerada pelo fim deste sistema monetrio

relativamente estvel, os pases produtores de petrleo tenham ficado

descontentes por verem os preos da sua exportao primordial, pagas pelas

multinacionais, flutuarem de um modo nunca antes visto. Os Estados

produtores decidem ento actuar no mercado, e na diplomacia econmica,

atravs de uma posio de fora, de modo a evitarem situaes econmicas

de recesso e perda de poder de compra dos seus prprios cidados18,

requerendo uma renegociao dos termos das concesses econmicas pagas

pelas grandes multinacionais (Hammes, David e Wills, Douglas, 2005).

18 O facto de o petrleo ser denominado e comercializado em dlares, significava que uma

desvalorizao cambial desta moeda, representaria perda de poder de compra para os pases

produtores de petrleo, uma vez que grande parte das importaes destes Estados provinha de pases

com moedas em flutuao relativamente ao dlar.

28

Tendo obtido xito nas suas exigncias de maior equidade na redistribuio

dos lucros decorrentes da venda de petrleo19, a organizao alcanou a

legitimidade internacional necessria para uma postura mais impositiva

atravs da utilizao do petrleo enquanto instrumento de poltica externa,

o que redundou nos dois choques petrolferos gerados pela OPEP, em 1973 e

em 1979 (Chalabi, 1997: 125-130).

Em Outubro de 1973 a Guerra do Yom Kippur, opondo uma coligao de

pases rabes a Israel20, e o apoio diplomtico ocidental concedido ao Estado

Israelita por parte dos Estados Unidos e Holanda levou pela primeira vez a

que a opinio pblica rabe clamasse pelo uso do petrleo como instrumento

de poltica externa, e como medida dissuasora do apoio dos pases ocidentais

a Israel, com a ameaa latente de interrupo do abastecimento petrolfero

como pano de fundo. Os membros rabes da OPEP anunciaram um embargo

selectivo das suas importaes petrolferas, por via martima, para os EUA e

Holanda, para alm de uma reduo de produo de 5% de produo diria

de petrleo at retirada israelita dos territrios ocupados aquando da

Guerra dos 6 dias em 196721, e posterior restaurao dos territrios

19 Segundo o Departamento de Energia Americano (DOE), as petrolferas sentiram-se constrangidas a

fazer ajustes nas comisses de explorao, pagas aos pases anfitries, para compensar os efeitos de

desvalorizao do dlar, sendo ao mesmo tempo o preo de referncia do petrleo elevado, no incio

de 1973, em 5,7% (DOE, 2004). 19 Notavelmente o Estado Srio e o Estado Egpcio.

21 Com a Guerra dos 6 dias, Israel aumenta o seu territrio em mais de 15 vezes o seu tamanho

original. Domina importantes reas estratgicas como a Pennsula do Sinai, a Faixa de Gaza, os

Montes Gol e o sector Oriental da Jordnia (Hammes e Douglas: 2005).

29

palestinianos por parte do Estado Israelita22 (Hammes e Douglas, 2005: 508-

509).

Nos meses seguintes ao primeiro choque petrolfero, os preos de

referncia do petrleo comercializado pela OPEP continuaram a sua

tendncia de subida acentuada, em funo da percepo dos pases

produtores de petrleo de que os consumidores de petrleo estavam

dispostos a pagar qualquer preo para evitar interrupes de fornecimento

(Chalabi, 1997: 132-133).

A ecloso do segundo choque petrolfero, em Fevereiro de 1979, com a

deposio do X do Iro, pela Revoluo Islmica dos Ayatollas e que ps

fim Companhia Iraniana do Petrleo, implicando a retirada imediata de

circulao do mercado de cerca de 5.5 milhes de barris por dia (MB/D) do

mercado mundial de petrleo, acentuou esta tendncia de subida de preo

do petrleo, nos mercados internacionais (Maugeri, 2006). Em Junho de

1979, o preo oficial de petrleo alcanou os 18 d/b, e em Agosto de 1980

atingiu o valor de 30 d/b (Yergin, 1992: 598-600).

22 Os pases rabes reunidos em Genebra aumentaram ainda o preo do barril de petrleo de 2.99

dlares d/b para 4.12 d/b. Dois meses depois, em pleno Inverno, poca de utilizao mais intensiva de

petrleo, houve nova alta unilateral do preo de referncia do petrleo, para 11.65 d/b (Maugeri, 2006:

103-112).

30

Em Outubro de 1980 eclode a guerra do Golfo, entre Iro e Iraque, e como

resultado o potencial extractivo da OPEP diminui ainda mais, dada a retirada

imediata de 4.4 milhes de barris de petrleo dirios no mercado mundial23.

Deu-se ento um aumento do preo deste recurso energtico de 14.34 d/b

para 34.40 d/b entre finais do ano de 1978 a Novembro de 1980, em virtude

da retirada acumulada de cerca de 10 MB/D do mercado durante este

perodo de tempo de cerca de dois anos, que englobou o segundo choque

petrolfero e a Guerra do Golfo (Lopes Velho, 2006).

Por todas estas crispaes do abastecimento e fornecimento do petrleo ao

nvel mundial desde o fim da dcada de 70, tomou forma a necessidade de

se generalizar a estrutura de mercado livre e transparente, enquanto pedra

basilar da comercializao petrolfera. Os choques petrolferos da dcada de

1970 sensibilizaram a opinio pblica mundial, os cidados, e os prprios

governos dependentes das importaes liquidas de petrleo para a

necessidade de mais transparncia nos processos negociais, e para o facto

de estarem a negociar com Estados com um crescente poder negocial na

esfera internacional (Maugeri, 2006: 141).

23 A diminuio do potencial extractivo da OPEP neste perodo, ocorreu tanto devido destruio de

infra-estruturas produtivas e extrativas de petrleo, no Iro e no Iraque, como devido interrupo de

produo decretada por estes Estados, empenhados acima de tudo em manter a sua indstria de guerra.

31

A indstria do petrleo, cada vez mais decisiva para o crescimento dos

Estados do Globo, era agora tutelada pelos Estados detentores das jazidas,

que se cristalizam como entidades maximizadoras de poder, que perderam a

dado momento o receio de usar os seus recursos naturais como arma poltica

de grande eficcia.

Dcadas passadas, o processo de regulamentao do mercado petrolfero

pouco avanou e no tornou este sector menos conflitual apesar de, nos

anos 90, surgirem correntes de pensamento defensoras de uma atitude de

maior cooperao entre produtores e exportadores, evitando-se deste modo

uma atitude de permanente confrontao entre agentes do mercado de

petrleo24.

Se verdade que as primeiras duas fases da indstria tiveram como

epicentro o domnio das multinacionais, e do capital financeiro e de

investimentos a si subjacente, a terceira fase diz respeito a uma tentativa de

domnio da terra e das jazidas petrolferas por parte dos Estados nacionais

com grande nmero de jazidas petrolferas no seu territrio. Tambm aqui a

falta de uma institucionalizao clara e perfeitamente definida torna estas

disputas um meio de crescimento de rivalidades econmicas e tambm

24 Muita gente viu os investimentos downstream dos pases da OPEP, no Ocidente, como o primeiro

passo nesta poltica de cooperao, trazendo o bem comum a todos os envolvidos neste processo

(Noel, Pierre, 1999).

32

polticas, sendo tambm uma das razes mais fortes para a predominncia

de volatilidade no mercado petrolfero.

33

3. O binmio cooperao-confrontao como modelo estruturante

do mercado petrolfero hodierno.

Segundo Jeremy Rifkin (2002), a evoluo do sistema internacional resultou

na criao de ilhas de ordem mundial cada vez menores que por sua vez se

inserem em oceanos de desordem cada vez maiores.

Seguindo a mesma linha de raciocnio, hoje em dia exigem-se cada vez

maiores quantidades de energia para manter as estruturas econmicas e

sociais em perfeito funcionamento, tal como a manuteno dos padres de

vida da civilizao moderna, mas paralelamente as condies de obteno da

energia so a cada dia mais dificultadas por mecanismos polticos e

econmicos desestabilizadores da ordem econmica internacional25,

intercalados por uma cooperao cclica e utilitarista entre todos os agentes

deste mercado.

25 A prpria frmula de formao dos preos do petrleo nos mercados internacionais segue esta

lgica: o preo do petrleo resulta da aco de uma srie de fundamentos polticos, econmicos e

cambiais. Devido a estes factores o preo do petrleo est sujeito a uma enorme volatilidade

internacional.

34

3.1. A teoria do oligoplio vertical.

Alessandro Roncaglia (1985) afirma que o mercado internacional de

petrleo um gigantesco oligoplio trilateral, constitudo por trs agentes

principais: 1) as grandes companhias mundiais do petrleo, cujo sector de

actuao se d ao nvel da produo, refinao e comercializao do crude

escala mundial, 2) um grupo de pases em vias de desenvolvimento,

detentores de grandes reservas de petrleo, que fazem por isso parte da

OPEP, sendo a produo e comercializao de crude definidas, directa ou

indirectamente, pelos governos destes pases e 3) pases sem reservas

substanciais de petrleo, sendo por isso dependentes de abastecimentos

externos, por parte de Estados em que abunda o petrleo, como ilustra a

figura 2.

Figura 2: Oligoplio petrolfero trilateral

Produtores Consumidores

Multinacionais

Figura baseada no esquema de Alessandro Roncaglia (1985).

35

Formalmente podemos analisar o mercado mundial de petrleo sob um

ponto de vista oligoplico, devido ao pequeno nmero de actores envolvidos

neste mercado, porm estes actores detm capacidade e dimenso suficiente

para alterar o preo de um determinado produto no mercado internacional,

atravs das suas prprias aces. Num mercado oligopolista, como o

petrolfero, qualquer aco de um actor produtor no mercado suficiente

para modificar as condies de equilbrio desse mesmo mercado, alterando

as quantidades ou preos do produto negociado (Wallerstein, Immanuel,

2004: 95).

O objectivo primordial de todos os elementos deste tringulo realizar o

melhor negcio possvel26 e portanto a quantidade de petrleo que um

agente petrolfero consegue colocar no mercado, depende dos preos

praticados pelos seus competidores, e em grande medida pelo grau de oferta

e procura do produto no mercado, num determinado contexto (Wallerstein,

2004: 95). Estes factores podero ser definidos ou no em concertao de

interesses entre todos os agentes envolvidos no mercado, concertao esta

utilizada para reduzir a margem de incerteza num mercado pautado por

agentes econmicos com mtodos de actuao e objectivos muito distintos.

26 Maiores quantidades de produto ao menor preo no caso dos pases dependentes de petrleo, ou

maior lucro possvel de venda no caso dos Estados ou multinacionais exportadoras

36

O mercado assim pautado por uma clara dualidade entre concorrncia e

cooperao de mercado entre os seus intervenientes facto que em parte

tambm contribui para a sua verticalidade27, assente em dois processos: o

downstream28 e o upstream29 como mostra a figura 3.

Figura 3: Cadeia de produo e comercializao petrolfera:

upstream e downstream

Upstream

Downstream

Elaborao prpria

27 Entendemos que existe verticalizao de uma dada indstria, quando uma firma se envolve nos

vrios processos da cadeia do produto, e no se especializa num s segmento dessa cadeia. Isto

permite uma centralizao dos vrios processos ao longo da cadeia do produto permitindo uma

minimizao de custos e um processo distributivo mais eficiente, sendo os riscos e prejuzos

distribudos em igualdade ao longo dos vrios processos da cadeia do produto. 28 O downstream um processo tcnico que engloba todos os mecanismos de transporte, refinao,

logstica e marketing de petrleo (Pulido, Joo e Fonseca, Pedro, 2004) 29 O upstream compreende todos os mecanismos de pesquisa, explorao e produo petrolfera

(Pulido e Fonseca, 2004).

37

3.2. A oligopolizao vertical de mercado como modo de

convergncia terica de interesses.

A necessidade de preservar posies estratgicas em matria de

concorrncia petrolfera conduziu todas as multinacionais a adoptarem

processos de internacionalizao, diversificao da actividade produtiva e

acordos de parceria com Estados com abundncia de reservas petrolferas,

onde exercem as suas actividades ao longo de toda a cadeia de produto,

verticalizando os seus processos industriais e procurando deste modo diluir

os riscos da actividade igualmente por todos os processos da cadeia (Pulido

e Fonseca, 2004: 23-24).

Quando um agente econmico se integra verticalmente, garante no nvel

superior a qualidade e quantidade do fornecimento petrolfero, a um custo

reduzido, devido proximidade com a fonte de fornecimento, e no nvel

inferior o controlo, total ou parcial, dos canais de distribuio, estando mais

prximo do consumidor final (Clinton, Stephen et al., 2008). Os agentes

econmicos conseguem deste modo aumentar os seus lucros, contabilizados

atravs de um clculo entre o preo final de um recurso no mercado e custo

de explorao desse recurso ao longo da cadeia produtiva.

38

De acordo com a lgica supracitada, pases com grande nmero de

reservas petrolferas em condies de serem exploradas, esto interessados

em adquirir interesses na rea da refinao, logstica e marketing sendo do

seu interesse a defesa das estruturas de refinao sedeadas no seu

territrio, por entidades estrangeiras (Pulido e Fonseca, 2004). Destas

estruturas est dependente a entrada de capital nos cofres do Estado, que

ser usado para legitimar o regime perante a sua populao, atravs da

criao de mecanismos de bem-estar social, ou de represso poltica, e

investido em poderio militar destinado criao de vantagens geopolticas

territoriais (Mahalamat, 2008).

Do mesmo modo uma srie de pases produtores procuram apoio militar e

diplomtico no Ocidente, como medida de controlo geopoltico das suas

reas de influncia territoriais, prometendo uma poltica de preos mais

favorvel em troca deste apoio30 (Claes, Dag Harald, 2001). O sistema

petrolfero permite assim, em teoria, a criao e o estreitamento de laos

polticos entre Estados produtores e Estados consumidores, servindo as

30 A relao de cordial diplomacia que se estabeleceu entre a Arbia Saudita e os EUA tambm uma

relao de interesse mtuo: a Arbia Saudita procura apoio militar e diplomtico dos EUA que

permite uma perpetuao do seu regime, enquanto os EUA aproveitam o papel dominante da Arbia

Saudita na OPEP para obterem preos de petrleo mais baixos e competitivos.

39

multinacionais como intermedirio primordial na criao destes vnculos

polticos31, como explicitado pela figura 4.

Figura 4: Dinmica cooperativa dentro do oligoplio petrolfero

Figurada baseada no esquema de Doug Claes (2001: 48)

31 Segundo Robert Pirog (2007) a relao da China com Estados como o Iro, a Venezuela e a Rssia

em parte motivado pela necessidade que a China tem de estabelecer contactos e acordos com

Estados ricos em petrleo, capazes de sustentar o seu processo de industrializao requerente de

enormes quantidades de petrleo de baixo custo e existente em quantidade abundante.

40

3.3. A conflitualidade imanente a uma estruturao oligoplica de

mercado.

Paralelamente cooperao entre agentes, o mercado petrolfero sendo

uma estrutura onde subsistem uma dualidade de interesses divergentes

entre agentes, tambm se consubstancia em conflito e discrdia, tanto

politica como econmica entre os seus membros. Segundo este trabalho,

esta discrdia alm de se consubstanciar em questes polticas e

econmicas, deriva tambm de uma deteriorao dos termos de troca entre

todos os integrantes deste oligoplio econmico e do prprio modelo de

estruturao negocial em que o mercado petrolfero se baseia.

41

3.3.1. A estruturao do mercado petrolfero e o seu potencial de

conflito.

O mercado petrolfero mundial, baseando-se num oligoplio produtivo,

tambm uma estrutura onde interagem uma srie de actores com propsitos

e mtodos de actuao muito diferentes.

Sendo que o propsito da existncia de qualquer multinacional a criao

de valor acrescentado e a maximizao de lucros, a criao e existncia de

empresas nacionalizadas justifica-se, por sua vez, por objectivos de poltica e

propaganda interna e de criao, em teoria, de polticas de pleno emprego,

de redistribuio equitativa de riqueza para os cidados, e de programas de

bem-estar social, sendo estes programas financiados essencialmente pela

entrada de capital proveniente das receitas petrolferas (Pirog, 2007).

Como seria de prever, numa lgica eminentemente concorrencial, estes

objectivos institucionais esto algumas vezes em concertao e na maioria

das vezes em conflito.

42

O alto nvel de rentabilidade do mercado petrolfero explica-se, numa

primeira anlise devido ao actual padro energtico mundial: o sector

petrolfero no tem substitutos directos e perfeitos, no plano energtico

mundial actual, continuando a ser o recurso energtico mais consumida em

todo o planeta32: a sua importncia para a economia mundial, e as suas

caractersticas energticas nicas33, permitem que este sector seja

considerado nico e essencial pelos Estados consumidores (Porter, 1998).

A vinculao dos consumidores energia dominante cria uma menor

sensibilidade dos mesmos a uma subida do preo ou seja, dada a

dependncia de petrleo, uma subida do preo do petrleo no desincentiva

o consumo pois mesmo com um preo mais elevado os consumidores esto

dispostos a pagar mais por um recurso do qual tm absoluta necessidade, e

que essencial s suas economias pois providencia crescimento e bem-

estar econmico s mesmas (Ministrio das Obras Pblicas, Transporte e

Comunicaes, 2005: 8).

Outra vertente que explica a importncia do petrleo para a economia

mundial consubstancia-se no facto deste sector energtico ser intensamente

32 Peter Tertzakian (2006) afirma-nos que o mundo consome 1000 barris de petrleo por segundo. 33 Nomeadamente a facilidade do transporte deste recurso por terra, atravs de oleodutos e camies

cisterna, ou por mar atravs de grandes navios petroleiros. Alm do mais o petrleo um recurso no

sujeito a degradao orgnica, podendo manter-se armazenado por um perodo ilimitado de tempo.

43

verticalizado na sua forma, e por isso os seus agentes produtores terem

criado barreiras fsicas e naturais explorao de jazidas por parte de novos

agentes, que exigem grandes fluxos de capital, para fazer face aos gastos

com tecnologia e infra-estruturas34 de prospeco e abastecimento. As

grandes empresas multinacionais a actuar no sector criaram enormes

obstculos entrada de novos actores no mercado, por meio de mecanismos

e redes verticais que lhes possibilitaram uma supremacia no controlo de

reservas e na produo e comercializao do recurso petrolfero o que se

saldou num aumento da sua dimenso e quota de mercado (Pulido e

Fonseca, 2004).

Da conjugao entre a grande necessidade energtica mundial, assente

primordialmente em petrleo, e a verticalizao empresarial deste sector

surge uma indstria que usufrui de lucros bem acima do que seria expectvel

num nvel competitivo, pois as alternativas a este sector so escassas e com

menor dinmica econmica e energtica que o sector petrolfero. Os agentes

produtores usufruem tambm de uma certa liberdade de actuao, dentro

dos limites de risco, atravs da reduo forada de agentes econmicos a

actuar neste mercado (Roncaglia, 2005).

34 Oleodutos, terminais petrolferos, aparelhos de perfurao e prospeco.

44

Ciclicamente deram-se imposies de regulamentao compulsria neste

mercado, com vista a torn-lo mais justo e mais concorrencial, porm o

mercado no deixou de ser uma estrutura baseada num oligoplio produtivo,

que assenta em relaes de poder e estratificao vertical, intercalado por

uma cooperao utilitarista, onde a procura de poder de mercado a regra

dominante para os agentes petrolferos, isoladamente ou concertadamente.

45

3.3.2. O petrleo como instrumento de crispao poltico-econmica

mundial.

A relao entre Estados produtores e Estados consumidores de petrleo, e

multinacionais assume, em primeiro lugar, um carcter ideolgico

perceptvel: os pases-chave na produo mundial de petrleo so,

maioritariamente, Estados dispostos a usar o petrleo como uma arma de

chantagem poltica e econmica (Claes, 2001: 47). O petrleo portanto

um importante instrumento de aumento de poder diplomtico para os

Estados produtores, podendo ser usado como mecanismo de obteno de

poder, ou de chantagem sobre os Estados consumidores.

O sistema econmico mundial na actualidade, sendo intensamente

dependente de petrleo, reduz o nvel de resposta poltica internacional s

ameaas vindas dos pases produtores de petrleo, por parte dos Estados

consumidores35. Outros pases usam o petrleo como arma que legitima a

sua retrica anti-imperialista, anti-liberal e anti-capitalista, espalhando este

sentimento por toda a sua rea de influncia dificultando a criao de

vnculos diplomticos e econmicos do Ocidente nestas zonas. O caso

venezuelano o mais perceptvel destes casos, pois atravs da retrica

35 O caso Iraniano, cuja ambio nuclear pe em risco todo o esquema de segurana do Golfo Prsico

no foi resolvido multilateralmente exactamente pelo medo de retaliaes assentes na diminuio do

abastecimento petrolfero Iraniano ao Ocidente e que poderiam levar o petrleo a novos mximos

histricos de preo. (Pirog, 2007: 8).

46

bolivariana, Hugo Chavez conseguiu agregar uma srie de Estados, e seus

lderes36, sua causa, estabelecendo alianas informais com as mesmas e

complicando deste modo o dilogo e a prpria troca comercial dos Estados

Ocidentais com os pases da esfera de influncia venezuelana,

nomeadamente na regio Caribenha e na Amrica Latina37 (Pirog, 2007).

Segundo Mahamalat (2008: 15) um alto grau de consumo petrolfero no

mundo reflecte-se simultaneamente em ganhos de bem-estar e em ganhos

de segurana para os Estados produtores de petrleo. Os lucros obtidos

atravs das vendas petrolferas sero usados para legitimar o Estado no

plano interno, atravs da criao de programas de bem-estar social

promovidos pelo petrleo, ou de programas de represso interna, ou ambos,

mas tambm para a manuteno da posio geopoltica e estratgica de um

Estado atravs da compra de armamento.

Um Estado procurar legitimao externa e segurana interna, atravs de

uma combinao entre a necessidade de poder externo e bem-estar interno,

conseguida atravs de capital de investimento, o que contribui enormemente

36 Entre outros o Presidente boliviano, Evo Morales, o Presidente equatoriano, Rafael Correa e mais

recentemente a Presidente argentina, Cristina Kirschner. 37 O Bolivarianismo, teoria poltica segundo a qual estas alianas informais se baseiam, apregoa a

nacionalizao de uma srie de sectores estratgicos para os Estados, nomeadamente o sector

energtico.

47

para a volatilidade poltica e econmica internacional (Mahamalat, 2008).

Isto decorrente de uma deteriorao dos termos de troca no mercado

internacional de petrleo que ocorreu na terceira fase desta indstria, h

cerca de quatro dcadas.

48

3.3.3. A questo da propriedade de recursos e a deteriorao dos

termos de troca na gnese de conflitos econmicos.

Os pases produtores tm ao longo do tempo estabelecido, informalmente,

um acervo de regras que reflectem

uma forma de controlo soberano sobre os recursos naturais localizados na sua esfera territorial, consubstanciando-se esta

premissa no entendimento de que o Estado-nao legitimamente proprietrio dos recursos naturais que se encontrem no seu territrio, tendo toda a autoridade para decidir

as regras para a concesso da explorao destes recursos a entidades terceiras (Mommer, Bernard, 2000 apud Fuser, Igor, sd: 16).

Este novo modo de actuao dos Estados produtores baseia-se numa

anlise de custo-benefcio circunstancial, assente na negociao, que

permite, por exemplo, a concesso de jazidas territoriais aos agentes

econmicos que ofeream melhores condies, financeiras e polticas, aos

Estados onde as jazidas esto localizadas.

Em contraste, a cartilha liberal seguida pelos pases consumidores e pelas

multinacionais, pe em destaque o direito dos agentes investidores no

49

mercado, minimizando a questo da propriedade de recursos. Seguindo este

ideia-base

as matrias-primas devero ser consideradas como um patrimnio natural a ser explorado em comum, e pelo bem comum da

humanidade, preferencialmente pelas multinacionais, cabendo apenas aos Estados hospedeiros o direito de cobrana de impostos e taxao sobre os lucros obtidos com a explorao

destes recursos por terceiros, de acordo com regras estabelecidas pelos Estados investidores (Mommer, 2000, apud Fuser, sd: 16-17).

Nas duas primeiras fases do mercado petrolfero, a troca entre agentes foi

clara: as grandes multinacionais que se estabeleceram no territrio de

explorao do recurso exploraram as jazidas petrolferas com as tecnologias

de que dispunham, com o seu prprio capital. Actuando com a aquiescncia

dos Estados em cujo territrio exerciam a explorao, forneciam algumas

concesses financeiras a estes agentes que no dispunham, numa primeira

fase, de capital, tecnologia ou conhecimento para exercerem a explorao e

prospeco do recurso no seu territrio (Pulido e Fonseca: 2004). O

territrio, nesta primeira fase pobre, inexplorado e o conhecimento tcnico

e especializado nulo.

50

medida que a actividade de explorao vai prosseguindo, tambm o

Estado em que as exploraes ocorrem se vai desenvolvendo, tanto

economicamente como tecnologicamente, aumentando o seu poder negocial

face s multinacionais. A explorao de recursos no territrio, levou o

mesmo a desenvolver-se, e mais agentes econmicos esto dispostos a fixar-

se no territrio para poderem tambm explorar os recursos em que este

territrio rico. Sendo que a actividade j demonstrou, numa primeira fase,

que pode ser vivel economicamente, significando lucro para os agentes

envolvidos, mais agentes externos esto dispostos a concorrer pela

concesso das exploraes territoriais, tendo de oferecer mais contrapartidas

negociais que os seus concorrentes para poder obter estas concesses

territoriais (Fuser, sd).

Do mesmo modo tendo o Estado em desenvolvimento obtido grandes

injeces de capital que incitaram ao seu desenvolvimento, tambm a mo-

de-obra e o conhecimento tcnico dos seus cidados aumentou na mesma

medida, tal como a predisposio que estes Estados sentem para investir em

tecnologia de extraco e prospeco de jazidas de ponta, e na qualificao

dos seus cidados. Uma srie de Estados da OPEP comprovam esta

afirmao, na medida em que a maior parte das suas elites, foram educadas

e especializadas no estrangeiro.

51

Isto permitiu um aumento de conhecimento tcnico especializado, em

vrios domnios, como a gesto empresarial, obtido no centro mundial, que

foi depois aplicado na periferia mundial, levando a um maior

desenvolvimento e a um aumento negocial relativo dos pases ricos em

recursos naturais, e formalizao destes Estados em empresas nacionais de

petrleo, e a uma deteriorao do domnio de mercado das multinacionais, e

do seu poder negocial, face aos Estados em que as jazidas so exploradas

(Plasschaert, Sylvain e Duhn, John, 1993)

Deste modo, temos vindo a assistir a uma deteriorao dos termos de troca

no mercado petrolfero, que contribui para a criao de conflito entre

agentes deste mercado, e que pode redundar em real, ou potencial,

aumento de preos de petrleo, cortes de fornecimento, ou expropriaes de

multinacionais dos territrios em que operam, nomeadamente em Estados da

esfera da OPEP.

A figura 5 pretende sumariar todas as concluses aqui explicitadas, como

modelo de surgimento de conflito no mercado internacional de petrleo.

52

Figura 5: Causas de conflito entre integrantes do oligoplio

Figura baseada no esquema de Doug Claes (2001)

Por tudo o que foi exposto at ao momento podemos qualificar o mercado

petrolfero mundial como anttese de um mercado de concorrncia perfeita,

pois nesta estrutura subsistem poucos agentes produtivos com capacidade

de sobrevivncia no mercado. Isto decorrente da enorme dimenso

assimtrica assumida pelos agentes envolvidos no processo de produo e

comercializao de petrleo e que contam com a capacidade de influenciar o

equilbrio de mercado onde se inserem, com as suas aces no mesmo,

sendo, por isso, price-makers.

53

Os actores produtores, dado o seu poder de influncia no mercado, esto

mais susceptveis a adoptarem comportamentos individuais ou, de grupo, no

mercado em que actuam, decorrendo esta aco precisamente do facto de

deterem recursos tangveis, capazes de influenciar o mercado38, mas

tambm recursos intangveis39. Estes recursos permitem a estes Estados um

controlo e um poder sobre o mercado que vai alm do simples controlo

fsico, e entra na prpria manipulao dos mercados financeiros (Claes,

2001). O mercado petrolfero portanto uma estrutura onde subsistem uma

srie de estruturas e mecanismos de procura de poder, sendo a OPEP o

mecanismo onde mais claramente se distingue este estado de coisas.

38 Controlo fsico de jazidas, concesses de explorao em vrias etapas da cadeia de produo,

propriedade dos canais de distribuio e marketing do mercado (Claes, 2001: 45). 39 Informao privilegiada sobre a quantidade exacta de recursos em condies de serem explorados

no territrio, mtodos de produo, ou instrumentos comerciais (Claes, 2001: 45).

54

4. O binmio cooperao-confrontao como mecanismo do

egosmo racional: a Organizao dos Pases Exportadores de

Petrleo como exemplo.

Today OPEC meetings barely register more than blips in anything other than trade publications and the inside pages of Wall Street Journal. The news is not what ministers have agreed upon, but what they failed to agree upon.

FADIL CHALABI

55

4.1. O debate entre o institucionalismo funcional e o neo-realismo:

uma adaptao OPEP.

Segundo David Mitrany (1948) a cooperao entre Estados pode ser

adquirida em reas tcnicas de convenincia mtua, podendo criar efeitos

multiplicadores de cooperao em outras reas funcionais onde os Estados,

desde que acreditem que podem sair beneficiados do processo, cooperam.

Seguindo a mesma linha de raciocnio, Keohanne e Nye (1977) defendem

que a integrao numa instituio econmica especializada um meio de um

Estado se precaver contra rupturas de abastecimento de bens e capitais,

permitindo o acesso privilegiado a mercados externos s suas fronteiras, de

modo concertado (Keohanne e Nye, 1977).

Ou seja, a instituio onde os Estados cooperam servir para combater a

incerteza decorrente de um ambiente internacional anrquico, o que

impedir o abandono da estrutura organizacional por parte dos seus

membros, ou a adulterao de acordos estabelecidos no seio da organizao,

que possam por em causa a coeso do grupo. Num contexto anrquico, a

presena de organizaes formais que substitui um leviato supranacional,

coordenando e centralizando as aces de uma srie de Estados.

56

Keohanne e Nye (1977) afirmam que atravs da superviso da conduta dos

membros de uma organizao, por parte dos seus pares, e atravs do

respeito por mecanismos normativos e procedimentais, a discrdia

organizacional pode ser evitada, e a cooperao alcanada. Estes autores

no analisaram porm que o grande desafio de qualquer organizao

econmica permitir, atravs de aces concertadas dos vrios agentes

associados, o aumento do preo do produto no mercado, sem que isto

estimule a entrada de novos actores no sector, atrados pelo lucro decorrente

de um determinado sector.

Estes autores no analisaram tambm a perspectiva de necessidade que os

pases da periferia mundial estabelecem com uma srie de recursos, que em

muitos casos so a sua nica fonte de exportaes, e o impacto que esta

necessidade econmica poder significar no comportamento de um Estado

no mercado, ainda que este Estado esteja inserido numa organizao

supranacional.

Quando uma organizao no providencia benefcios econmicos, ou

polticos aos seus membros, estes procuraro lucros atravs de outros

mtodos, nomeadamente a adulterao dos acordos estabelecidos aquando

57

da entrada na estrutura, agindo contrariamente quilo que foi estipulado

pela organizao, consoante os seus interesses no contexto poltico e

econmico do momento (Osborne, Dale K., 1978).

No caso particular da OPEP, esta criou um mecanismo para permitir

organizao um controlo dos preos e quantidades de petrleo

transaccionados no mundo: as quotas de produo.

O sistema de quotas um sistema negocial voluntrio de produo e

exportao de petrleo, baseado num conceito alargado da OPEP40, que

assim conseguir indicar a quantidade de petrleo produzida e

comercializada pelos seus membros no mercado, num dado contexto, em

quantidades previamente diferenciadas e de acordo com as prprias

caractersticas e dotaes individuais de cada um destes Estados. Atravs da

concertao, segundo a OPEP, o preenchimento do espao intermdio entre

a procura mundial de petrleo no mercado internacional, e o abastecimento

petrolfero vindo de elementos externos organizao alcanado

(Adelman, 2001: 20-23).

40 Ou seja, o sistema de quotas dever basear-se num sistema de confiana mtua entre todos os

estados-membros da OPEP.

58

Porm, um mecanismo de aco concertada no mercado, decretado por

uma entidade supra-nacional, se no for acompanhado de um mecanismo

normativo e regulador no ser eficiente ao impor aos estados-membros da

organizao os mecanismos e objectivos de grupo da organizao, nem

obrigar os estados-membros a abdicarem dos seus objectivos individuais.

A OPEP uma organizao de Estados soberanos, que reagem no s a

aspectos econmicos, mas sobretudo a impulsos e a agendas polticas muito

distintas entre si. A OPEP, sendo originalmente uma tentativa de

regulamentao de mercado, nunca teve um mecanismo de imposio dos

acordos estabelecidos no seu seio, repousando apenas em compromissos

baseados na boa f dos seus membros (OPEP, 2008). Assim, qualquer

desvio s decises da organizao no poder ser correspondido por

qualquer mecanismo punitivo da organizao, pois esta no tem poder para

tal.

Um mecanismo voluntrio destinado conteno da produo e exportao

de um recurso, para alm de ser visto como um mecanismo no abrangido

por um contrato obrigatrio, muitas vezes visto como interferncia na

soberania de um Estado que depende maioritariamente das receitas

petrolferas para sobreviver. No tendo a OPEP capacidade punitiva

59

relativamente aos membros que no cumprem as quotas acordadas temos

como resultado uma produo quase sempre contrria ao proposto pela

organizao, comprometendo os objectivos da cpula organizacional e

desestabilizando o mercado mundial deste recurso, volatilizando a estrutura

de produo e oferta do mesmo, como nos evidencia a figura 6.

Figura 6: Tectos de produo da OPEP e produo efectiva at

2005

http://www.house.gov/jec/hearings/testimony/110/05-23-07/Smith.pdf

A coeso portanto o calcanhar de Aquiles da organizao, de tal

maneira que a OPEP, enquanto estrutura organizacional, est em grande

medida dependente das aces de outros agentes exteriores OPEP para

http://www.house.gov/jec/hearings/testimony/110/05-23-07/Smith.pdf

60

cumprir os seus objectivos de aumentar o preo do barril de petrleo atravs

de cortes no abastecimento petrolfero41.

41 Um corte de 1.5 milhes de barris foi decidido pela OPEP entre o ano de 2001 e 2002, e contou

com a participao essencial dos maiores produtores exteriores OPEP, como a Noruega, a Rssia e o

Mxico, que se comprometeram a cortar as suas exportaes petrolferas, em concertao com a

OPEP (Omondude, 2002).

61

4.2. Uma organizao tripartida.

Qualquer aco de um agente que desafie o mtodo de actuao decretado

por uma organizao, que tome parte num contexto anrquico, cria

insegurana poltica aos restantes membros da organizao, sendo esta

sempre vista como prioritria relativamente segurana econmica: deste

modo a cooperao econmica ser sempre limitada pelo sentimento de

segurana de um Estado, e pela anlise que este faz das capacidades

militares dos restantes Estados dentro e fora da organizao (Grieco,

Joseph, 1988: 500).

Ou seja, a OPEP no uma organizao nica e coesa, mas sim uma

organizao de Estados soberanos, independentes e em crescimento

econmico, sendo acima de tudo um cartel de pases com agendas politicas

e econmicas prprias, neste caso a sua prpria segurana poltica, que

alcanada atravs das receitas obtidas com a venda de petrleo (Adelman,

2001).

Se verdade que a OPEP possui uma estrutura em desacordo institucional,

isto tambm decorrente da criao de alianas informais entre estados-

membros dentro da prpria organizao. De acordo com as suas orientaes

62

polticas42 e dotaes estruturais internas43 os Estados determinam as suas

regras de conduta e actuao de acordo com os seus pares, formalizando

alianas informais especficas que constituem um mecanismo suplementar e

capacitado para combater a incerteza decorrente de um ambiente

internacional anrquico e de uma organizao, a OPEP, constituda por

membros muito distintos entre si, e nem sempre com relaes pacficas entre

si44.

Em primeiro lugar podemos analisar o grupo de Estados liderado pela

Arbia Saudita, Emirados rabes Unidos e o Kuwait que so favorveis a

preos moderados e a um incremento na produo mundial de petrleo: so

os Estados com o maior nvel de reservas petrolferas dentro da organizao,

procurando por isso que as quotas de produo aumentem, para que o preo

do petrleo se mantenha constante e baixo, e o consumo mundial deste

recurso se mantenha elevado. Estes Estados, detendo cerca de 3.9% da

populao total da OPEP e cerca de 60% da produo total de petrleo da

organizao, tm todo o interesse numa produo de longo-prazo a um

preo moderado, para prolongarem o perodo de explorao das suas

42 Por exemplo se um Estado segue uma orientao republicana ou monrquica. 43 Se um Estado rico em recursos naturais, ou se tem escassez destes recursos. 44 Mahalamat (2008) recorda-nos que cerca de 30% dos lucros da venda de petrleo dos pases do

ncleo rabe da OPEP, foram gastos, entre 1974 e 1998, na compra de armamento. No podemos

tambm esquecer que entre este perodo de tempo ocorreram mais de 70 conflitos blicos entre

membros desta organizao.

63

reservas, salvaguardando os seus lucros decorrentes da venda de petrleo

(Mahalamat, 2008).

O grupo de Estados favorvel a uma diminuio da produo liderado

pela Lbia e Arglia, pases com nveis de produo petrolfera baixa, e com

grande densidade populacional, absorvendo internamente uma grande

percentagem do petrleo que produzem: exportando uma quantidade mais

baixa de petrleo estes Estados procuram que haja uma quantidade baixa de

petrleo no mundo, para que o preo a que este internacionalmente

comercializado seja o mais elevado possvel. Mahalamat (2008) afirma que

estes Estados seguem um padro de interesse de curto-prazo no

estabelecimento do preo internacional deste recurso.

Por ltimo dentro da OPEP subistem um grupo de pases, com tendncia de

mercado no totalmente definida, e que usam esta indefinio para se

colocaram do lado de qualquer uma das anteriores faces consoante os

seus interesses e agendas polticas e econmicas circunstanciais: fazem

parte desta faco a Nigria, Angola e a Venezuela.

64

Em geral os polticos dentro de uma organizao procuram primeiramente

os ganhos imediatos de curto-prazo, no se importando com as

consequncias futuras das suas aces45: sendo assim o processo decisrio

dentro de uma organizao como a OPEP acima de tudo um mecanismo

evidente de procura de benefcios polticos e econmicos, formalizado em

grupos de interesses de pases com as mesmas vises e objectivos

econmicos e diplomticos dentro de uma s organizao, que est longe de

ser coesa.

45Isto fica evidente no incio da formao da OPEP onde os seus responsveis se envolveram na

definio de uma poltica petrolfera organizacional sem terem em conta as capacidades produtivas e o

peso relativo, em termos de reservas petrolferas, de alguns Estados-nao. Desta maneira pases com

reservas petrolferas baixas, mas com influncia poltica assinalvel, como a Lbia e a Arglia,

conseguem pressionar pases com reservas petrolferas elevadas, levando estes Estados a cooperar

com as suas exigncias.

65

4.3. A OPEP: um elemento de desestabilizao econmica

internacional.

Subsistindo numa lgica de ganhos de curto-prazo, os interesses e mtodos

de actuao dos membros da OPEP variam circunstancialmente, dependendo

da conjuntura e das reivindicaes de segurana e bem-estar dos seus

membros.

Dada a divergncia de interesses em que subsiste organizao, com o

desrespeito reiterado pelas quotas de produo decretadas pela organizao,

e do facto da prpria OPEP se basear em estimativas de produo de

membros exteriores organizao, que no passam de hipteses tericas

que podero, ou no, concretizar-se, de acordo com as circunstncias

internacionais do momento (Adelman, 2001). A OPEP tende a actuar sob

pressupostos de actuao errados, aumentando o preo do recurso quando

os indcios de mercado apontam para escassez de petrleo, ou baixando a

oferta quando os indcios apontam que o mercado tem grande quantidade

deste recurso (Gately, 1984: 1100-1114).

66

A OPEP um cartel sem disciplina e sem controlo sobre os seus prprios

mecanismos de oferta e procura, e sem controlo sobre os objectivos dos

seus membros, que frequentemente colidem com os prprios objectivos da

organizao. Isto cria um ambiente econmico e politico voltil, na medida

em que o mundo est dependente dos fluxos econmicos gerados pelo

petrleo para se manter economicamente vivel e providenciar bem-estar

aos seus cidados, o que normalmente no acontece, devido a altas de

preos energticos decretados pelos estados-membros da OPEP, baseando-

se estes em pressupostos errados46.

46Alm do mais esta situao promove nos Estados dependentes de petrleo situaes de recesso

econmica grave, e numa diminuio de poder de compra assinalvel para as populaes de Estados

dependentes de exportaes petrolferas.

67

4.4. A OPEP: uma estrutura sustentvel?

Um cartel pode desaparecer atravs de trs mecanismos de mercado: 1) a

presso externa de substitutos perfeitos do produto comercializado pelo

cartel, neste caso o petrleo; 2) a fora centrpeta associada ao abandono da

organizao por parte de um membro com grande peso dentro da

instituio; 3) divergncias internas em torno de concesses e negociaes

dentro da organizao (Osbourne, Dale. K., 1978).

Visto que a organizao funciona numa lgica de ganho de poder de curto-

prazo, negligenciando o longo prazo, temos de considerar que num contexto

de potencial pico petrolfero, como o que vivemos hoje em dia, a ameaa de

produtos substitutos a grande ameaa que pe em causa a existncia

deste cartel institucionalmente frgil, em conjugao com uma srie de

fenmenos que podem tornar indispensvel a entrada destes produtos

substitutos no mercado internacional, nomeadamente o fenmeno do pico do

petrleo.

Fica manifesto que o primeiro grande problema do mercado hodierno de

petrleo a inexistncia de um mecanismo regulador de mercado. O

mercado actual consubstancia-se essencialmente numa organizao de

6