26
O MÉTODO APAC ASSOCIAÇÃO DE PROTEÇÃO E ASSISTÊNCIA AOS CONDENADOS: ANÁLISE SOB A PERSPECTIVA DE ALTERNATIVA PENAL ANA LUÍSA SILVA F ALCÃO M ARCUS VINÍCIUS GONÇALVES DA CRUZ

O MÉTODO APAC ASSOCIAÇÃO DE ROTEÇÃO E …banco.consad.org.br/bitstream/123456789/1294/1/O MÉTODO APAC... · AOS CONDENADOS: ANÁLISE SOB A ... Os achados da pesquisa revelam

Embed Size (px)

Citation preview

O MÉTODO APAC – ASSOCIAÇÃO DE PROTEÇÃO

E ASSISTÊNCIA AOS CONDENADOS: ANÁLISE SOB

A PERSPECTIVA DE ALTERNATIVA PENAL

ANA LUÍSA SILVA FALCÃO MARCUS VINÍCIUS GONÇALVES DA CRUZ

2

Painel 43/130 Contratualização e parcerias com OS e entidades do terceiro setor: em busca da legitimidade

O MÉTODO APAC – ASSOCIAÇÃO DE PROTEÇÃO E ASSISTÊNCIA

AOS CONDENADOS: ANÁLISE SOB A PERSPECTIVA DE ALTERNATIVA PENAL

Ana Luísa Silva Falcão

Marcus Vinícius Gonçalves da Cruz

RESUMO

Uma vertente da custódia mineira é realizada por meio da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC), uma entidade sem fins lucrativos, que vai custodiar os presos de uma comarca com base no voluntariado. Este artigo visa

analisar o sistema APAC, conhecido como método APAC, que tem doze elementos essenciais que priorizam a ressocialização do preso, de forma que sua aplicação

busca atender de forma proficiente a Lei de Execuções Penais (LEP) brasileira, no que diz respeito às suas prescrições de atendimento à custódia e ressocialização. Utilizou-se de pesquisa qualitativa, por meio de um estudo de caso, realizado na

APAC de Itaúna, Minas Gerais, em que a observação in loco do ambiente carcerário foi utilizada para confirmar a proficiência da aplicação das diretrizes de

ressocialização e custódia da LEP. Os achados da pesquisa revelam que, apesar da metodologia não ser aplicável a toda a população carcerária, sua aplicação consolida a efetivação da sentença condenatória tal qual ela foi prescrita e

proporciona ao condenado condições para sua reintegração social, atendendo ao objetivo precípuo da Lei de Execuções Penais.

3

1 INTRODUÇÃO

A criminalidade como fenômeno social permeia a sociedade

contemporânea, sendo que as formas de punição e de controle social encontram-se

inseridas em cada forma de Estado, vindo a condicionar suas peculiaridades. E o

ilícito, ao lesar os bens mais importantes da sociedade, passa a ser reprimido sob

um cunho penal, ou seja, é passível de pena (FOUCALT, 1996).

Quando se trata de pena há de, inicialmente, conceituar-se a sanção; a

pena é a punição imposta pelo Estado, mediante ação penal, ao autor de uma

infração, como retribuição de um ato ilícito (JESUS, 1991). Seu substrato está

incutido em dois parâmetros: a privação de direitos de quem infringiu a lei e a

vingança devida àquele que foi prejudicado pelo ato criminoso. Partindo desta díade,

a pena de prisão sofreu alterações paulatinas ao longo dos tempos, mas sempre

atendendo aos parâmetros de privação de direitos e de vingança pessoal. Já em

uma perspectiva atual, a pena visa não apenas satisfazer esta díade, mas também

proporcionar condições para a reintegração social do condenado, buscando atender

um princípio basilar do Estado Democrático de Direito, expresso na Constituição

Brasileira, a dignidade da pessoa humana (BRASIL, 1988).

A pena com o objetivo de ressocialização do delinquente suscita uma

mudança de escopo em relação à execução penal brasileira. As prisões, antes

apenas unidades de privação da liberdade, passaram a ser norteadas por novos

princípios, de cunho humanizadores, prescritos na legislação. Apesar das novas

balizas, as carceragens se mantêm como prisões da miséria (WACQUANT, 2001),

excludentes, que em pouco cumprem as diretrizes previstas. O Estado não está

cumprindo seu papel de ressocializar e custodiar com dignidade o preso sob sua

égide; o preso, por sua vez, demonstra por meio de rebeliões, fugas e motins que

também não concorda com o tratamento a ele dispensado (CRUZ et al., 2013).

Assim, um dos desafios da Administração Pública é o de atender aos

novos parâmetros de custódia junto à população carcerária. A pena não pode

alcançar outros direitos que não aqueles expressos na sentença condenatória;

portanto, um estabelecimento penitenciário deve retirar a liberdade do indivíduo

preso, mas nunca sua dignidade. Esta prerrogativa, expressa no artigo 3o da Lei de

4

Execuções Penais – LEP, enseja que os governos busquem alternativas

penitenciárias que sejam capazes de atender a tais parâmetros, respeitando não

apenas o Estado Democrático vigente, mas também a dignidade da pessoa humana.

Neste contexto, o presente trabalho traz à baila a análise de um modelo

de gestão prisional que foge dos parâmetros historicamente delineados, a

Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC). Trata-se de

metodologia de cogestão prisional, em que o Estado e particulares gerem,

conjuntamente, um modelo de Unidade Prisional que enfatiza a ressocialização em

detrimento a segurança, conta com a mobilização da sociedade civil e custos

minimizados, e será analisada tendo em vista as balizas de custódia e

ressocialização da LEP. Assim, essa alternativa penal, que já rege unidades

prisionais no Brasil e em países como Austrália, Inglaterra e Nova Zelândia, merece

destaque e estudo mais aprofundado no contexto da Administração Pública.

O pressuposto que esteia o artigo é que o sistema APAC prima por

aplicar a punição àqueles que infringiram as normas penais de maneira

concomitante à sua ressocialização. Neste contexto, busca-se averiguar se a

execução da pena nestes estabelecimentos prisionais aplica de maneira proficiente

e adequada as exigências da Lei de Execuções Penais brasileira.

No presente trabalho, os métodos de pesquisa e coleta de dados

utilizados perpassam inicialmente a pesquisa qualitativa, de cunho descritivo

(GODOY, 1995), além de levantamento de dados primários e secundários, com

análise realizada por meio de estudo de caso. Realizou-se levantamento

bibliográfico sobre o sistema prisional, além de obtenção de dados nacionais junto

ao Departamento Penitenciário Nacional, vinculado ao Ministério da Justiça –

DEPEN/MJ e informações compiladas a partir dos relatórios da Subsecretaria de

Administração Prisional de Minas Gerais – SUAPI. A descrição do método APAC

foi realizada a partir de revisão bibliográfica, verificação de documentos e

observação não participante, visitando a unidade APAC localizada em Itaúna,

Minas Gerais, escolhida pelos cri térios de acessibilidade (VERGARA, 2000).

Optou-se pelo estudo de caso por possibili tar uma análise profunda de um objeto

(YIN, 2001). A escolha desta APAC foi feita por tratar-se da pioneira no Estado de

Minas Gerais e tornou-se referência metodológica nacional e internacional, gere

5

atualmente os três regimes de privação de liberdade previstos no Código Penal, há

o acompanhamento dos egressos e a fiscalização do livramento condicional. Por

estes fatores, a APAC da cidade de Itaúna tem destaque na Lei Es tadual que

inseriu e legalizou a instituição das APAC's em Minas Gerais e seu estatuto é

utilizado como base para o funcionamento de uma nova Unidade, sendo este uso

inclusive condicional para o estabelecimento de convênio entre a APAC

responsável e o Estado de Minas Gerais.

2 ALTERNATIVAS À PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE

A pena, como privação ou restrição de bens jurídicos, com lastro na lei, é

uma importante consequência jurídica do delito, imposta pelos órgãos jurisdicionais

competentes. A função da punição foi sendo modificada ao longo da formação do

Estado, de modo que houve alterações paulatinas na tendência doutrinária, com

destaque para a passagem de uma concepção retributiva da pena para uma

formulação preventiva da mesma (BITENCOUT, 1993).

As penas alternativas em geral, constituindo variações à estrutura

clássica da privação de liberdade em estabelecimentos prisionais controlados pelo

Estado, perpassam modelos que buscam reduzir a incidência da pena detentiva,

como registram as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Elaboração de

Medidas Não Privativas de Liberdade, apelidada de Regras de Tóquio, que tem por

objetivo primordial “favorecer o recurso a medidas não privativas de liberdade, assim

como garantias mínimas para as pessoas submetidas a medidas substitutivas da

prisão” (ONU, 1990). A partir desta diretriz, o Código Penal brasileiro foi

paulatinamente alterado ao longo do tempo, de forma que as penas alternativas

passaram a abranger, conforme arrolado no artigo 43, a prestação pecuniária, a

perda de bens e valores, a prestação de serviços a comunidade, a interdição

temporária de direitos e a limitação de fim de semana.

Assim, o objetivo da prisão de punir de forma retributiva o delinquente

pelo mal causado e prevenir a prática de novas infrações passa a coexistir com a

função de ressocializar o preso. Apesar dos empenhos em primar-se pela

6

regeneração do preso como escopo da pena privativa de liberdade, os fins de

punição e intimidação permanecem intocados, sendo que não há ordenamento que

permita seu abandono em benefício da reeducação (THOMPSON, 1980). A primazia

da segurança sobre a ressocilização constitui a principal crítica ao sistema, na

medida em que o ambiente carcerário é um meio artificial de sociedade, que não

permite um trabalho reabilitador social em um local de antissociais (BITENCOURT,

1993). Soma-se a este fato a impossibilidade de se estabelecerem condições

materiais e humanas, na maioria das unidades prisionais do mundo, para viabilizar a

ressocialização, de forma que este fator compõe a necessária análise da função da

pena tal e qual hoje se executa (GARLAND, 2001).

A imposição da pena privativa de liberdade tem sua validade questionada,

desde seu surgimento, nos mais vários aspectos: a teoria, os princípios, seus

objetos e objetivos (GOFFMAN, 2001; FOUCALT, 1996; GARLAND, 2001). Deve-se

considerar, também, a execução penal em si, e as condições proporcionadas pelo

sistema prisional sob uma análise in loco. Nesse ponto, as penas alternativas à

privação de liberdade strictu sensu inserem-se num contexto de busca por

estabelecer a punição do condenado sem que esta punição impossibilite o retorno

pleno da vida em sociedade quando do fim da pena. Além disso, todos estes

parâmetros devem ser ainda tratados tendo por base a realidade do sistema

penitenciário brasileiro, sem que as análises se atenham estritamente a prescrições

doutrinárias.

Apesar de adventos legais de aceleração dos procedimentos

processuais penais e de substituição das penas por medidas alternativas, o

vertiginoso crescimento dos níveis de violência no Brasil desde o final do século

XX deu ensejo ao endurecimento das penas, por intermédio de nova

criminalização, como a Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/90) e o

estabelecimento do Regime Disciplinar Diferenciado (Lei 10.792/2003). Agravada a

pena em casos específicos, outra problemática se interpõe: a exaustão da

disponibilidade de vagas no sistema prisional.

De acordo com o Departamento Penitenciário Nacional, em seu

levantamento de informações penitenciárias feito pelo sistema INFOPEN, em junho de

2002 haviam 239.245 indivíduos presos no Brasil, dentre homens e mulheres, sendo

7

que estavam disponíveis no país 181.444 vagas, restando assim um déficit de 57.801

vagas. Em novo levantamento, após dez anos, a população carcerária do Brasil já

alcançava o montante de 549.577 presos, um aumento de 129,71%. No mesmo

período, entretanto, foram criadas 137.631 vagas, um crescimento de apenas 75,85%,

valor insuficiente para suprir a demanda surgida de 310.332 novos presos, o que

representou um déficit em junho de 2012 de 230.502 vagas (DEPEN, 2012).

Fica evidenciado, assim, o pungente problema da superpopulação

carcerária, em que o crescimento acelerado apresenta malefícios principalmente no

que diz respeito à garantia de condições básicas de detenção e de respeitos aos

direitos humanos. Assim, a necessidade de se buscar novas alternativas à execução

penal, visa também aliviar a situação carcerária brasileira e garantir aos presos o

tratamento humano que, frente à superlotação, o Estado tem se mostrado incapaz

de prover, reforça Cruz, Souza e Batitucci (2013).

As informações acerca do perfil carcerário apontam que, descontadas as

inconsistências de informações, 63,27% dos presos brasileiros, em 2012, tinham

escolaridade inferior ao Ensino Fundamental completo; dentre a população

carcerária como um todo, 5,51% são analfabetos. Por outro lado, apenas 1,27% dos

presos do país tinham prosseguido seus estudos após o encerramento do Ensino

Médio. No que diz respeito à faixa etária da população prisional, o quantitativo de

presos entre 18 e 29 anos representa um montante alarmante, 51,18% da população

carcerária brasileira. Ademais, dentre os 524.728 presos que tiveram suas

informações compiladas pelo DEPEN (2012), 256.352 detentos estão encarcerados

como consequência de crimes contra o patrimônio, um número muito superior ao

segundo grupo de crimes, os atinentes à entorpecentes, dentre tráfico de drogas,

que agrupa 133.946 presos.

Os dados expostos corroboram os estudos de Salla (2007) e Cruz et al.

(2013) de que o preso brasileiro é hoje primordialmente de baixa escolaridade,

jovem-adulto, e está encarcerado por causa de crimes contra o patrimônio,

majoritariamente furto e roubo. A partir deste ponto, quais seriam as consequências

que este perfi l gera para os elaboradores de políticas públicas prisionais?

8

Inicialmente, o preso de baixa escolaridade enseja à Administração

Pública uma atenção especial com o caráter educacional da ressocialização, ou

seja, o fornecimento de meios para que o preso apto e disposto a tal possa

frequentar a escola e aprimorar seus estudos. A educação, como direito social

previsto pela Constituição à integralidade da população (BRASIL, 1988), é um dos

esteios da política ressocializadora na medida em que o preso que estuda e se

profissionaliza dentro da prisão tem mais chances de encontrar um emprego e se

reintegrar à sociedade.

Já a idade da população carcerária leva a duas interpretações por parte

dos elaboradores de políticas públicas: primeiramente, que políticas preventivas

direcionadas à juventude são essenciais para promover a diminuição da violência e

a entrada desses jovens no crime. Ademais, para reprimir o problema já

enfrentado, as medidas penais devem dar especial atenção a esta faixa etária. O

preso jovem, após cumprir sua pena, retornará à sociedade ainda em idade

produtiva, ou seja, apto a trabalhar e continuar suas atividades. Assim, a

profissionalização deste quinhão populacional é essencial para quebrar o ciclo

vicioso que se interpõe ao jovem que, ao sair da prisão e não conseguir sobreviver

por meios líci tos, retorna ao crime.

Por fim, a composição dos crimes contra o patrimônio enseja uma análise

de cunho econômico, uma vez que sua principal motivação é a situação econômica

do indivíduo delinquente (WACQUANT, 2001). A partir desse ponto, deve ser

analisado pela Administração Pública se o provimento de meios para que o cidadão

obtenha seu sustento sem ter que migrar para o crime seria suficiente para evitar

sua reincidência em alguns casos, não restando necessária a privação da liberdade.

A partir desse contexto, a prisão se exaure. O crescente confinamento,

em muitas vezes alcançando taxas de crescimento mais altas do que a própria

criminalidade, abarrota as prisões sem que as unidades carcerárias recebam a

mesma proporção em investimentos. Nesse ponto, a justiça crimina l tem buscado

alternativas à execução da pena privativa de liberdade.

9

3 O MÉTODO APAC – ASSOCIAÇÃO DE PROTEÇÃO E ASSISTÊNCIA AOS

CONDENADOS

A APAC – Associação de Proteção e Assistência aos Condenados –

constitui modalidade alternativa ao sistema prisional tradicional, sendo um modelo

de cogestão penitenciária. Surgida em 1974 como uma ação de voluntários cristãos

na cidade de São José dos Campos – São Paulo, a APAC é, segundo Mário

Ottoboni (2006), seu criador, uma entidade que dispõe de um método de valorização

humana e evangelização, para oferecer ao condenado condições de recuperar -se e

com o propósito de proteger a sociedade, socorrer as vítimas e promover a justiça.

Ainda, a obra do criador da metodologia, Ottoboni, vai balizar a descrição das

Associações e de suas peculiaridades.

Empiricamente, trata-se da composição de uma entidade civil de direito

privado, sem fins lucrativos e com personalidade jurídica própria, oriunda da

mobilização da sociedade, que, via de regra, faz um convênio com o Estado para

que a administração daquela unidade prisional seja feita pela comunidade. Os

convênios preveem que a construção da unidade, tal como o provimento das

despesas de custeio – alimentação, luz, água, telefonia, dentre outras – será feito

pelo Estado; a administração direta da APAC será feita pela comunidade, com

adoção plena do voluntariado.

Tendo por objetivo primordial promover a humanização das prisões, sem

perder de vista o aspecto punitivo da pena, o método busca ainda evitar a

reincidência no crime e prover ao condenado meios de recuperação. A APAC opera

como entidade auxiliar dos Poderes Judiciário e Executivo, atuando na execução

penal e na administração das penas privativas de liberdade dos três regimes

previstos no Código Penal. As APAC’s tem amparo na Constituição Federal, na LEP

e no caso de Minas Gerais, da Lei Estadual 15.299/2004, que dispõe sobre a

realização de convênio entre o Estado e as Associações de Proteção e Assistência

aos Condenados (SILVA, 2012). Aplica-se o preceito trazido pelo artigo 4o da LEP,

que trata da cooperação da comunidade nas atividades de execução da pena. Além

disso, as APAC’s permitem ainda uma maior municipalização da pena, já que dentre

10

os presos que para lá são destinados, tem prioridade aqueles que residem ou tem

família na comarca, visando ao princípio legislativo de que o preso deve permanecer

próximo ao seu meio social.

As APAC’s distinguem-se do sistema prisional tradicional na medida em

que nas Associações o preso, aqui chamado de reeducando, é o protagonista de

sua recuperação, tornando-se corresponsável por ela, obedecendo a rígida

disciplina, em que se prima pelo respeito, pela ordem e pelo trabalho. Além disso, o

voluntariado é plenamente exercido, e não há concurso de qualquer agente do

Estado, como policiais ou agentes penitenciários, e a segurança interna é realizada

pelos próprios recuperandos. O voluntariado dá origem ainda à participação da

comunidade na assistência espiritual, médica, psicológica, educacional e jurídica.

Cada unidade APAC é autônoma em relação às outras e responde,

portanto, individualmente por seus trabalhos. Este fator não propicia afastamento da

aplicação da legislação vigente, já que o surgimento de tais entidades está

condicionado à participação dos Juízes locais ou do Tribunal de Justiça, e estas

autoridades devem fiscalizar o andamento das atividades. Cabe ressaltar ainda que

a movimentação prisional, ou seja, a seleção e encaminhamento dos presos que vão

para uma APAC, é feita pelo Poder Judiciário local. Outrossim, para que se tenha

uniformidade na metodologia, as unidades devem ser fi liadas à Fraternidade

Brasileira de Assistência aos Condenados (FBAC), que orienta, administra cursos,

provê assistência jurídica e promove congressos entre as unidades apaqueanas.

O Método APAC tem por principal pilar a valorização humana, primando

por reformular a autoimagem do homem que errou. Para tal, foi constituída uma

diretriz com doze elementos fundamentais: participação da comunidade,

recuperando ajudando recuperando, trabalho, religião, assistência jurídica,

assistência à saúde, valorização humana, família, voluntariado, Centro de

Reintegração Social, mérito, e Jornada de Libertação com Cristo. Estes doze

elementos merecem destaque especial na análise das APAC’s na medida em que a

observância de todos eles é indispensável à adequação do método, sendo sua

coexistência essencial à formação de uma Associação.

11

A participação da comunidade consiste na necessidade que tem a

sociedade de compreender que não há resultado apenas na lamentação das agruras

de violência que sofre um local; a comunidade deve buscar atuar nas unidades

prisionais, como uma força pacificadora em prol da valorização humana dos

condenados.

A ajuda mútua propiciada pela máxima de “Recuperando ajudando

Recuperando” prescinde os ensinamentos de se saber respeitar o espaço do

próximo, na medida em que o ato ilícito que levou o preso a ser condenado oriunda

de um desrespeito ao outro ou à sociedade como um todo. Assim, por meio do

estabelecimento de um líder por cela – a representação de cela – e da participação

no Conselho de Sinceridade e Solidariedade (CSS) busca-se a cooperação de todos

para a melhoria na segurança, nas relações e na disciplina local.

O trabalho é outro dos pilares do Método e faz parte do contexto e da

proposta, mas não deve ser o único elemento fundamental, já que ele sozinho não

recupera o homem. Nesse sentido, sua aplicação ao longo dos três regimes é

diferenciada; no regime fechado, a ênfase é dada à laborterapia, evitando a todo

custo o trabalho massificante. Já no contexto do regime semiaberto, há de se primar

por definir uma profissão aos recuperandos que ainda não a possuem, buscando

sempre a parceria com cursos profissionalizantes e formadores de mão de obra. Por

fim, no regime aberto, é o momento da inserção social por meio do trabalho, em que

o preso vai praticar a sua profissão definida por meio de um trabalho externo, tendo

mais contato com a família e com a comunidade.

A almejada transformação moral do condenado pretende-se por meio da

religião onde, sem que haja, em teoria, a imposição de credos, o preso tem que,

imperiosamente, possuir uma religião. Este pilar esteia-se no argumento de que a

experiência de Deus, de amar e ser amado, leva à reciclagem dos valores do

homem.

A assistência jurídica também carrega sua importância no Método, na

medida em que uma das maiores preocupações do condenado está em sua si tuação

processual. Reside ainda aqui uma proposta de, ao se manter o reeducando

atualizado em relação à seu status junto à Justiça e suas possibilidades de

12

benefício, mantém também a esperança daquele homem. Entretanto, o Método

resalva alguns pontos: a assistência, prestada por voluntários, deve restringir-se aos

condenados engajados na proposta APAC; deve ser prestada apenas aos

confirmadamente pobres; o trabalho desenvolvido não deve ser encarado como o

mais importante, já que visa reintegrar o preso, não apenas por liberá-lo sem mérito;

os voluntários devem atuar em programas de trabalho sérios, sempre atentando ao

prescrito legalmente, sem agir com cunho protetivo.

Por meio do trabalho de voluntários dedicados à causa, deve ser

oferecida assistência à saúde, cabendo a participação de médicos, psicólogos,

dentistas e outras assistências dentro da própria unidade.

A valorização humana é o pilar considerado base do Método APAC,

objetivando sempre colocar o ser humano em primeiro lugar, ajudando o homem que

errou a reformular sua autoestima. Aqui, prima-se por dar tratamento mais solidário

ao preso: chamá-lo pelo nome, conhecer sua história, visitar sua família, permitir o

uso de objetos básicos – como talheres, artigos de higiene pessoal etc. -, dentre

outros pontos. Ademais, a educação e o estudo devem fazer parte desse contexto, e

os voluntários, quando de seu curso de formação no Método, são treinados para

prover este auxílio, auxi liando o recuperando a ver a realidade como ela é.

A família, como parte integrante do recuperando, também tem atenção

especial. Na estrutura administrativa é criado um departamento com o objetivo de

auxiliar as famílias que ficaram desamparadas sem o provedor, que foi preso. Assim,

na medida do possível, são realizadas visitas, encaminhando as pessoas que se

encontram necessitadas à escolas, postos médicos, providenciando cestas básicas

etc. Tenta-se recuperar não apenas o preso, mas a sua família de origem, para que

o relacionamento quando da soltura dê-se de maneira a facilitar a reinserção social

do apenado. O Método APAC propicia, com esta ênfase, que o rigor da condenação

não extrapole a pessoa do condenado; ademais, os presos apaqueanos devem

cumprir pena, dentro das possibilidades, na cidade onde residem suas famílias.

Os voluntários, participantes primordiais na efetivação do método, tem em

si e no seu curso de formação outro pilar. Dada a gratuidade do trabalho, a APAC

procura despertar e formar voluntários que atendam à seriedade da proposta e

13

esteja confiante na recuperação que o Método promove. Em sua preparação, o

voluntário participa de um curso de Estudos e Formação de Voluntários, durante o

qual vai desenvolver suas aptidões e desenvolver o espírito comunitário, essencial à

metodologia.

Atendendo às prescrições dos artigos 87 a 95 da Lei de Execuções

Penais, que traz a descrição das unidades prisionais que devem abrigar cada regime

de condenação, a APAC tem por estrutura o Centro de Reintegração Social, que é o

prédio físico que sedia a Associação. Ele conta com três pavilhões, separados,

destinados a abrigar cada um dos regimes em sua peculiaridade, de forma que a

progressão não enseje a transferência do recuperando, mantendo -o assim próximo

da família.

A legislação brasileira adota o regime progressivo da pena a partir do

tempo de cumprimento da pena e da conduta do condenado. Assim, o mérito,

utilizado também do sistema comum, encontra terreno fértil na Associação. A partir

dos registros feitos na pasta-prontuário do reeducando, que compila toda sua

conduta desde que adentrou na unidade, o recuperando pode angariar benefícios de

progressão a partir do seu bom comportamento e de sua conduta de participante do

Método, sendo aferido ainda as atividades desenvolvidas como membro do

Conselho de Sinceridade e Solidariedade, da secretaria, dentre outras ações

intrínsecas à metodologia.

Por fim, o último pilar do Método reside na Jornada de Libertação com

Cristo. Trata-se de um encontro anual estruturado em palestras, meditações e

testemunhos, sempre atendo-se à valorização humana e à religião. O objetivo da

prática está em fazer o recuperando repensar o verdadeiro sentido da vida,

incentivando o recuperando a adotar uma nova filosofia de vida, com base na paz e

na fraternidade.

Segundo a Fraternidade Brasileira de Proteção aos Condenados, o Brasil

possui atualmente 91 APAC’s juridicamente constituídas, dentre três grupos. O

primeiro abarca aquelas associações com administração do Centro de Reintegração

Social (CRS) já constituída pela APAC, com prédio próprio, sem a presença de

agentes penitenciários e com aplicação dos doze elementos. Neste quesito,

14

enquadram-se apenas as APAC’s de Itaúna – masculina e feminina. Como segundo

grupo, temos aquelas associações que apesar de administrarem o CRS, possuírem

prédio próprio e não possuírem concorrência de agentes penitenciários, não aplicam

o método em sua plenitude. São 41 desta modalidade no país, sendo 33 em Minas

Gerais. Por fim, insere-se o último grupo de APAC’s, que abarca o número mais

expressivo de Associações constituídas, sendo aquelas que estão em implantação

ou em construção do seu CRS próprio.

4 A CUSTÓDIA E RESSOCIALIZAÇÃO IN LOCO: A EXPERIÊNCIA DA APAC DE ITAÚNA, MG

A cidade de Itaúna, conta, desde o ano de 1997, com uma APAC

constituída. A história de sua implantação é semelhante a de São José dos Campos,

que transformou a Cadeia de Humaitá na primeira Unidade do Método, pelas mãos

do fundador Mário Otobonni. Em 1983, um grupo de pessoas da Pastoral

Penitenciária de Itaúna passou a visitar os presos na cadeia pública, prestando

assistência religiosa e material. Apesar da resistência na sociedade local, o grupo se

debruçou nos estudos do Método preconizado por Ottoboni e estagiou em Humaitá,

para conhecer melhor a Associação. Entretanto, a implantação do Método na própria

Cadeia Pública era inviável.

Assim, a prefeitura doou um terreno para a construção do CRS. Com o

apoio do Poder Judiciário local e com a participação de voluntários, o Centro foi

erguido para receber, inicialmente, presos de regime aberto e fiscalização dos

constantes em livramento condicional. Entretanto, uma rebelião na Cadeia Pública em

1995 levou à quase completa destruição do prédio, de forma que os presos foram

transferidos para o Centro recém construído, até que a nova Cadeia ficasse pronta.

No ano de 1997, com ambas as unidades prontas, os presos foram

remanejados para a nova Cadeia Pública e a APAC de Itaúna passou a administrar os

três regimes de pena, sendo a segunda Associação do mundo a contar com a

administração de um presídio sem a concorrência de agentes de polícia (SILVA,

2012).

15

Dadas estas características, a APAC de Itaúna consolidou-se no Brasil

como modelo a ser seguido, sendo que a FBAC indica que, para a abertura de uma

nova APAC, seja feito um intercâmbio entre os condenados que vão estar na nova

Unidade e alguns reeducandos de Itaúna, para auxi liar na implantação. Considerada

APAC modelo, a servir de exemplo para a execução das demais, a legislação

mineira consagrou este viés ao prescrever na Lei 15.299/04, em seu Art. 4o, que

para firmar convênio com o Poder Executivo, a APAC deverá atender dentre outras

condições, “adotar como referência para seu funcionamento as normas do estatuto

da APAC de Itaúna”.

Atendendo ao intuito de verificar a aplicação da metodologia APAC e da

Lei de Execuções Penais in loco, foi realizada visita na APAC masculina de Itaúna,

que possui ampla construção e abriga, separadamente, os três regimes de

condenação. Há uma área administrativa, dois auditórios, refeitórios separados para

cada regime e espaço de lazer nos regimes semiaberto e aberto. A Associação

conta ainda com cantinas localizadas dentro da estrutura de cada regime, onde são

vendidos alguns produtos aos próprios presos. A gestão deste comércio é feita pelos

reeducandos do regime e o lucro obtido reverte para a APAC, indo para a tesouraria

da Unidade. Esta instalação atende ao disposto no artigo 13 da LEP, que permite no

estabelecimento penal instalações e serviços que atendam aos presos nas suas

necessidades pessoais, além de locais destinados à venda de produtos e objetos

permitidos e não fornecidos pela Administração (BRASIL, 1984). Via de regra, este

preceito não é cumprido dentro do sistema penitenciário comum, já que a população

carcerária não tem acesso lícito a dinheiro, sendo um dos procedimentos de

admissão do preso resguardar seus pertences na entrada da Unidade, só tendo

acesso aos mesmos novamente quando de sua na saída.

Ainda atendendo ao preceito legal de cooperação da comunidade nas

atividades de execução da pena, a Prefeitura da cidade de Itaúna é bastante atuante

junto à APAC local. O convênio firmado com o Estado abarca valores fixos de

custeio e valores de repasse que dependem do tamanho da população carcerária,

auferida trimestralmente, sendo que o município também colabora com o custeio de

algumas ações. A Secretaria Municipal de Saúde cede também um médico e um

profissional de enfermagem para atender a população tanto da Associação

masculina quanto da feminina.

16

A assistência à saúde na APAC é embasada não apenas na parceria com

a Prefeitura, mas também no voluntariado, outro pilar determinante do Método. Há

um consultório odontológico em que um dentista voluntário faz os atendimentos. Há

o fornecimento também de medicamentos controlados aos presos que precisam,

que são entregues na posologia certa a cada um dos reeducandos por um preso

responsável pelo fornecimento. Ademais, a APAC conta, para completar seu quadro

de assistência à saúde, com um psicólogo, uma assistente social e um nutricionista.

A assistência jurídica é considerada pela administração da APAC a

espinha dorsal da Unidade, já que o ponto mais almejado pelo preso é sua

liberdade. Além disso, a administração prima por manter a população p risional

sempre inferior à capacidade máxima da Unidade, que é para 200 presos, para que

nenhum dos acompanhamentos, em especial o jurídico, seja maculado. Há espaço

exclusivo no prédio central destinado a estes atendimentos, que são realizados por

voluntários.

A estrutura educacional da Unidade tem sua administração dividida entre

o voluntariado e Prefeitura, assim como ocorre na assistência à saúde. O Ensino

Fundamental é provido pelo Município, em que os professores vêm a cumprir um

dos preceitos do Método, que é a obrigatoriedade do preso analfabeto em se

alfabetizar enquanto está no regime fechado. Já no que concerne ao supletivo de

Ensino Fundamental – aulas de reforço àqueles que já concluíram esta fase – e no

Ensino Médio as aulas são dirigidas por voluntários da APAC. O prédio conta com

salas de aula internas para os presos de regime fechado e semiaberto; além disso, a

Unidade conta ainda com uma biblioteca, para auxi liar o aprendizado dos apenados.

Conta-se na estrutura da unidade com uma assistente social voluntária

que, juntamente com a administração do presídio, vai ajudar na promoção desta

assistência. Neste quesito, cabe destaque à Itaúna quando do incentivo à

participação da família na recuperação. Inicialmente, a estrutura física do prédio

conta com suítes destinadas às visitas íntimas, em área a parte aos dormitórios,

para que o visitante não seja exposto. É feito um controle direto sobre estas visitas,

com pesquisa social direcionada a detectar se a visita é realmente a companheira do

reeducando, sendo acompanhado também os exames de saúde dos dois. Além

disso, a APAC enseja os encontros familiares dentro da própria Unidade quando de

17

datas festivas e na Jornada de Libertação com Cristo. De responsabilidade da

FBAC, o evento é anual, dura aproximadamente quatro dias e no último dia a família

é convidada a participar, com um momento em que o recuperando pede perdão.

Este momento prima por mostrar ao recuperando os valores que ele perdeu, a culpa

individual pelos próprios erros e a expor a prisão que a família também foi colocada

quando da sentença do apenado.

Outro ponto distinto e que atende aos preceitos de assistência social é o

hábito de que os presos sejam tratados nominalmente, com uso inclusive de crachás

indicando seu nome, seu regime, e se ele é parte do CSS ou da administração. Este

ponto difere-se antiteticamente do sistema prisional tradicional, em que o preso

acaba por abandonar seu nome em prol do número de INFOPEN, que consiste no

registro de informações penitenciárias e gera, para cada preso, um número.

A religião é estear à Associação de Itaúna, seguindo os preceitos de

Ottoboni (2006) de ter-se na fé e no culto elementos disciplinadores essenciais e

obrigatórios. Assim, a estrutura do CRS conta com uma capela dentro do regime

fechado, junto com os dormitórios. Os cultos são realizados por voluntários ou

mesmo pelos próprios reeducandos nos auditórios da Unidade, sendo que faz parte

da rotina da APAC ainda as orações ao início do dia e antes das refeições. Em

Itaúna, detecta-se a presença mais veemente do catolicismo e de religiões

evangélicas.

Assim como preconiza o Método e a LEP, a APAC de Itaúna dá ênfase ao

trabalho como fator importante quando da necessidade de profissionalização do

recuperando. No regime fechado é enfatizada a laborterapia, com espaço próprio

destinado à criação de trabalhos artesanais em madeira, tear, velas e pintura em

cerâmica.

No regime semiaberto há ênfase à profissionalização no trabalho

intramuros, sendo que havendo carta de emprego e autorização judicial, o preso pode

também trabalhar extramuros. Neste ensejo, a APAC contava na época da visita com

parceria com empresas privadas como a Esfera e a Magneti Marelli, além de ter

também uma padaria, cujos equipamentos foram em parte doados pela Prefeitura de

Itaúna, com produção para consumo interno e comércio; também inserem-se aqui os

trabalhos de marcenaria, com maquinários doados pelo Rotary Clube. Cabe destaque

18

ainda à horta, galinheiro e suinocultura conduzidas dentro da Unidade, também

destinados ao consumo interno e à comercialização do excedente, sendo que a

horta é mantida através de doações do Ministério Público local e também de rendas

provenientes de oficinas. Ressalta-se que o uso destes produtos para consumo

interno é destinado à cozinha, que é guiada por presos do regime semiaberto.

O CSS local é extremante atuante, mantendo não apenas a disciplina e

auxiliando os reeducandos no necessário, mas exercendo também funções

administrativas, sendo que os membros do Conselho são os guias de visita à APAC.

A Associação também realiza, em uma ação conjunta entre o Conselho e a

administração, o preenchimento do Quadro de Avaliação Disciplinar, que traz o

nome de cada recuperando, dividido por cela, e sua respectiva contabilização de

faltas. Há destaque para a cela mais organizada, a mais desorganizada, e os presos

destaque do mês.

Cabe ressaltar que um aspecto a se atentar na Unidade de Itaúna é o fato

de que nunca houve a entrada de Agentes de Segurança Penitenciária ou mesmo

de qualquer força policial em qualquer dos Centros de Reintegração Social, de forma

que mesmo em se tratando de um ambiente de prisão não houve ainda a ocorrência

de motins e rebeliões que ensejasse a entrada de armas de fogo.

Por fim, cabe destacar uma das ressalvas feitas quando da visita pelos

próprios reeducandos da Unidade: apesar das benesses oferecidas pelo Método,

existem casos de inadequação à metodologia, em que o próprio preso demanda o

retorno ao sistema convencional. Tenta-se registrar tal inadequação pela assinatura

de um termo de adesão pelo preso tanto quando da entrada na APAC e na migração

para os regimes semiaberto e aberto, que prevê as obrigações e compromissos que

o preso deve ter para com o CRS. Entretanto, dada a disciplina de horários, o

repúdio ao ócio do preso, que é autorizado a ficar na cela por tempo limitado, a

expressa proibição de aparelhos de TV na cela, a obrigação de adotar -se preceitos

de limpeza e higiene extremos, a necessidade respeito aos horários de silêncio,

dentre outros pontos, acaba por levar alguns presos a pedirem o retorno para o

Presídio da cidade. Cabe ressaltar, por fim, que frente ao alcance de uma pontuação

de faltas leves, médias e graves, o preso também é remetido ao sistema comum

novamente, sendo que seu retorno à APAC é bastante dificultado. Ainda assim,

19

atendendo aos preceitos cristãos de dar-se uma segunda chance, na Comarca de

Itaúna adota-se a prática de que a cada sete presos que são encaminhados à APAC

pela primeira vez, o Juiz de Execuções encaminha um que já tenha tido a

oportunidade, retornou ao sistema por causa de faltas, mas encontra-se novamente

na lista de espera por uma vaga na Associação.

5 METODOLOGIA APAC: PONTOS PARA REFLEXÃO

A filosofia da metodologia APAC é a de que todo homem é maior que o

seu erro. O surgimento do Método volta-se para a recuperação do condenado e sua

reinserção no convívio social, ressocialização esta a ser mensurada pela efetiva

readequação do apenado à sociedade, sem retorno ao sistema penitenciário.

Boa parte da argumentação da eficiência da metodologia reside na

chamada taxa de reincidência criminal, ou seja, reentrada verificada quando o

indivíduo comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que o tenha

condenado por crime anterior. Entretanto, segundo o Conselho Nacional de Justiça,

ainda não existiam dados confiáveis nesse sentido (CNJ, 2013). Nesse sentido,

sendo ainda indeterminados os dados que balizem a reincidência criminal, as

prescrições constantes na bibliografia acerca das APAC’s, que atribui a reincidência

a nível nacional a 86% e a reincidência nas Associações inferior a 5% (OTTOBONI,

2006) não podem ser uti lizadas como argumentos que sustentem a eficácia do

Método.

Outro ponto a ser criticado no Método aponta pela imperiosa

obrigatoriedade de que o preso seja crente em alguma religião. Esta prescrição vai

de encontro ao explicitamente disposto no artigo 24, §2o da LEP, que proíbe que se

obrigue o preso a participar de atividade religiosa. Entretanto, a religião é

considerada fator primordial no Método, constituindo ponto de apoio incondicional

àquele que se ressocializa, mas, promovê-la como mandatória em um ambiente de

custódia configura-se ilegal. Até porque, como indica Coutinho (2009), tanto no

sistema prisional tradicional como na APAC da cidade de Viçosa o vínculo religioso

era tomado como válvula de escape para os problemas vividos no mundo do crime.

20

Entretanto, dada a obrigatoriedade deste vínculo na APAC, não se pode concluir que

o incorporar de uma religião pelo reeducando configure -se como determinante para

a inclusão social. Tanto nas observações realizadas pela autora no Presídio como

na APAC, a participação religiosa muitas vezes era uma maneira de responder às

normas da instituição, para que o cumprimento da pena se desse de maneira mais

fácil, cabendo inclusive a incorporação de benefícios, como a saída pra cultos. Ainda

na perspectiva da autora, àqueles que incorporavam os valores e as práticas

religiosas em suas vidas, tanto no Presídio como na Associação, a lida com a pena

era mais harmoniosa; porém, este fator isolado não era suficiente para uma

mudança de perspectiva de vida.

Por se tratar de uma metodologia que, para ser implantada e funcionar,

precisa contar com o engajamento não apenas da comunidade, que vai promover

sua construção, como dos reeducandos, que devem se adequar à disciplina do

Método, alguns direitos garantidos ao longo do mesmo carregam um caráter de

garantia apenas àqueles presos que realmente são engajados. Cita-se aqui a

prescrição de que a assistência jurídica deve “restringir-se aos condenados

engajados na proposta APAC e que revelem firmes propósitos de emenda”

(OTTOBONI, 2006). Além desta, quando do regime semiaberto, é prescrito ao preso

a lealdade na comunicação com os voluntários, que consiste na participação do

recuperando em atos e campanhas promovidos pela entidade para difundir o Método

e arrecadar fundos. Neste ponto, o interesse do apenado pela consolidação da obra

deve ser inequívoco, cabendo inclusive aos voluntários, estrita atenção ao

comportamento daqueles que não forem leais à causa.

Este engajamento também é tomado como condição quando das

atividades religiosas e de comportamento. Logo, o Método cria um nexo causal de

que todo condenado que tem real intenção de dar nova perspectiva à sua vida o faz

a partir daquilo que o método assume como correto. Exclui-se aqui o apenado que,

por convicções próprias, quer ressocializar-se e não mais reincidir no crime; a este

preso não é atribuído o caráter de adesão ao método da APAC. Na convergência

desses dois fatores – obrigação da religiosidade e adesão cega aos preceitos do

Método – insere-se o fator Perseverança na fé, prescrito como essencial aos

constantes em regime semiaberto e determinante para se progredir para o regime

21

aberto. Aqui, prescreve-se aos voluntários que não mais aceitem vacilações na fé

por parte do preso, sendo incutido a esta fé o termo “termômetro valios íssimo”

(OTTOBONI, 2006). Assim, não basta que o recuperando cumpra apenas as

obrigações materiais exigidas na metodologia, pois existiriam presos que apesar de

bom comportamento prisional, vão sucumbir caso não se apoiem na fé. Ottoboni

conclui ainda que o bom comportamento prisional não deve ser elemento

fundamental para a avaliação se o preso está apto a progredir de regime, mas

apenas acessório na decisão. Aqui caberia, aos olhos da Associação, a decisão de

progressão de regime com base na adesão ao Método APAC e na perseverança na

fé, que são aspectos absolutamente subjetivos.

Apesar de uma alternativa ao Sistema Prisional tradicional, deve-se

ressaltar que o Método não é aplicável a toda a população carcerária. Este preceito

embasa a Portaria Conjunta no 084/2006, que foi promulgada pelo TJMG e pela

Corregedoria Geral de Justiça no intuito de se evitarem abusos na transferência de

presos para as APAC’s e se prevenirem responsabilidades. Considerando que o

crime cometido não é uma condição determinante para que o preso migre para um

CRS, a classificação do mesmo no que se refere à sua periculosidade e

continuidade da ligação com o crime é essencial.

Nesse sentido, a ressalva que cabe é a aplicabilidade do Método a um

quinhão da população carcerária que não abarca sua totalidade. O encaminhamento

de um preso à APAC que não vá aderir ao método e impetrar em fuga coloca a

sociedade em um risco inequívoco. Assim, as afirmações feitas pela imprensa e pela

população leiga, de que o método é a solução para o sistema prisional, não se

aplica. Sempre caberá ao Estado, como detentor da prerrogativa legal de força,

guardar a fração dos presos que oferecem risco à sociedade e que não podem ser

submetidos a uma unidade de mínima segurança.

Por fim, cabe destacar que o sistema prisional como um todo, em seu viés

tradicional ou em suas modalidades alternativas, onde se encerra a APAC, deve

buscar expandir suas ações para que sejam atendidas as necessidades do egresso,

ultrapassando a atuação intramuros e apenas no lapso temporal da condenação. A

recuperação do detento deve ser impulsionada pelo Estado com o oferecimento das

medidas necessárias para garantir ao preso sua reintegração plena à sociedade.

22

E sob este patamar, perfaz-se necessário o aperfeiçoamento e fortalecimento dos

procedimentos de integração após o cumprimento da pena, que vão dar

continuidade ao trabalho desenvolvido não apenas na APAC, mas nos sistemas de

privação de liberdade como um todo.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No contexto brasileiro, o Método APAC, como alternativa ao sistema

prisional tradicional, perfaz seu primeiro benefício ao conclamar a sociedade a

participar do problema e ajudar na sua solução, de forma que a partir do

voluntariado, e da consequente minimização dos custos com o preso, mais vagas

são criadas sem que os cofres públicos sejam onerados em um aporte que,

atualmente, eles não comportam. Ademais, a ênfase na educação, e o oferecimento

de trabalho à quase totalidade da população carcerária prima por ressocializar este

novo perfil de preso, jovem-adulto, de baixa escolaridade e que está em sua maioria,

encarcerado por crimes contra o patrimônio.

Em outra diretriz de análise, foi apresentado ao longo do presente

trabalho a adequação das prerrogativas básicas da metodologia à Lei de Execuções

Penais. A amplitude de assistência provida pelo Método não só ao preso, mas

também à sua família, faz que a sentença condenatória não ultrapasse, tanto quanto

possível, a pessoa do condenado, individualizando a pena. Este parâmetro

consolida a efetivação da sentença condenatória tal qual ela foi prescrita, atendendo

ao objetivo da LEP.

No Método APAC, a primazia do voluntariado e o convênio com o Estado

permite à administração prover aos presos sob sua égide o amparo material, à

saúde, jurídico, educacional, social e religioso, quando não custodiados pelo

convênio são providos pelos voluntários. Esta situação foi verificada in loco na APAC

de Itaúna. Na Unidade há plena colaboração do Município, e as funções de médico,

dentista, assistente social, psicólogo, nutricionista, assistente jurídico e professores,

essenciais à garantia dos direitos do preso, quando não providas pela Prefeitura,

são feitas por voluntários.

23

Além disso, outros direitos previstos na LEP, que não são passíveis de

serem realizados pelo apenas voluntariado, mas pela estrutura da metodologia,

também são atendidos na APAC. Neste quesito destacam-se a proporcionalidade na

distribuição do tempo do preso, chamamento nominal, igualdade de tratamento

(promovida frente à não identificação, dentro da APAC, do delito cometido como

método de classificação) e acesso ao diretor da Unidade, foram verificados na

dinâmica da Associação de Itaúna.

Frente às observações interpostas, há de se concluir que a APAC prima

por aplicar a punição àqueles que infringiram as normas penais de maneira

concomitante à sua ressocialização, de acordo com o previsto na Lei de Execuções

Penais. Esta política pública, de caráter sui generis, não está prescrita como pena

alternativa já que mantém a restrição de liberdade; entretanto, há, nas APAC’s pleno

atendimento à diretriz da ONU, transcrita nas Regras de Tóquio (1990), de que além

de se reduzir o número de delinquentes, buscar soluções alternativas à prisão e a

reinserção social dos apenados.

Entretanto, apesar da conclusão positiva de que as Associações de

Proteção e Assistência aos Condenados, quando seguem a metodologia tal como foi

preconizada por Mário Ottoboni, aplicam de forma proficiente as disposições legais

da Execução Penal brasileira, as ressalvas em relação ao método não podem ser

desconsideradas. O engajamento dos reeducandos é essencial ao sucesso do

Método, tanto para que a adesão aos preceitos seja plena, como que para os baixos

parâmetros de segurança sejam respeitados. Assim, esta seleção do preso apto a

migrar para a APAC faz-se mister ao progresso do Método e denota uma conclusão

necessária: o Método não é aplicável a toda a população prisional, e deve ser

disseminado com cautela, dado que o encaminhamento de um preso que tenha

tendência a fugir ou incorrer em outras faltas graves à APAC coloca em risco a

sociedade como um todo.

Sob o lema de “matar o criminoso e salvar o homem”, o Método APAC

enfrenta a principal dificuldade da pena nos dias de hoje: conciliar, com equilíbrio, a

prevenção, a punição e a ressocialização da pena, tudo isso em um ambiente onde

tira-se a liberdade para que o homem reaprenda a viver em liberdade. A sociedade,

ciente das dificuldades do Sistema Penitenciário como um todo, deve sempre

24

atentar às alternativas apresentadas para solucionar a crise da pena, cônscia de que

cada modalidade tem em seu bojo um público alvo diferenciado. Assim, a APAC, tal

como o monitoramento eletrônico, as penas restritivas de direitos e outras

modalidades alternativas atendem a um público específico e, em nenhuma destas

espécies reside, sozinha, a solução para o sistema carcerário. Não há um remédio

único para as dificuldades do sistema penitenciário, mas a conjugação de forças,

estudos, fatores e projetos que há de buscar, cotidianamente, a otimi zação da

custódia.

REFERÊNCIAS

BITENCOURT, C. Falência da Pena de Prisão. São Paulo: Revista Tribunais. 1993.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. São Paulo: Saraiva, 1988.

BRASIL. Decreto-lei no 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Brasília: Imprensa Oficial, 1994.

BRASIL. Resolução no 14, de 11 de novembro de 1994. Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil. Brasília: Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Publicada no Diário Oficial da União em 02 de dezembro de 1994.

COUTINHO, Adriana de Souza Lima. Família, trabalho e religião: fatores de reintegração do detento? Um estudo comparativo e descritivo entre o sistema

prisional comum e a Associação de Proteção e Assistência aos Condenados. Universidade Federal de Viçosa. (Dissertação, Economia Doméstica). Viçosa, Minas Gerais, 2009.

CRUZ, M. V. G.; SOUZA, L.; BATITUCCI, E. Percurso recente da política penitenciária no Brasil: o caso de São Paulo. Revista de Administração Pública, Rio

de Janeiro, v.47, p.1307-1325, 2013.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes, 1996.

GARLAND, D. The culture of control. Chicago: University of Chicago Press, 2001.

GODOY, A. S. Introdução à pesquisa qualitativa e suas possibilidades. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v.35, n.2, p. 57-63, abr. 1995.

25

GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva, 2001.

JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. São Paulo: Saraiva. 1991.

ONU. Organização das Nações Unidas. Regras Mínimas das Nações Unidas para a

Elaboração de Medidas não Privativas de Liberdade (Regras de Tóquio). ONU, 1990.

OTTOBONI, M. Vamos matar o criminoso? Método APAC. São Paulo: Paulinas,

2006.

SALLA, Fernando. De Montoro a Lembo: as políticas penitenciárias de São Paulo.

Revista Brasileira de Segurança Pública, São Paulo, ano 1, n. 1, p.72-90, 2007.

SILVA, Jane Ribeiro (Org.). A execução penal à luz do método APAC. Belo Horizonte: Tribunal de Justiça de Minas Gerais, 2012.

TEIXEIRA, Alessandra. Prisões da Exceção. São Paulo: Juruá Editora, 2009.

THOMPSON, Augusto. A questão penitenciária. Rio de Janeiro: Forense, 1980.

TJMG. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Todo homem é maior que o seu erro. Projeto Novos Rumos de Execução Penal. Belo Horizonte: TJMG, 2009.

VERGARA, S. Projetos e relatórios de pesquisa em Administração. São Paulo: Atlas,

2000.

WACQUANT, Loïc. As prisões da miséria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.

YIN, Robert K. Estudo de caso. Porto Alegre: Bookman, 2001.

26

___________________________________________________________________

AUTORIA

Ana Luísa Silva Falcão – Subsecretaria de Administração Prisional/Secretaria de Estado de Defesa Social – (SEDS/MG).

Endereço eletrônico: ana. [email protected] / [email protected] Marcus Vinícius Gonçalves da Cruz – Fundação João Pinheiro – (FJP/MG).

Endereço eletrônico: [email protected]