O Método Socrático 2015

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Método Socrático.

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  • O Mtodo Socrtico

    Filosofia RAD1607 2015 Prof. Calia

    1. O que o Mtodo Socrtico e como utilizado nas organizaes

    Nas primeiras semanas do teu primeiro estgio e nos primeiros dias do teu primeiro

    emprego, bem provvel que voc presencie uma das facetas nada agradvel da vida

    profissional nas organizaes: conflitos.

    Existem conflitos entre empresas e sindicatos, entre empresas e governos, entre

    empresas e ONGs e entre diferentes empresas entre si. Alm destes conflitos externos,

    tambm so abundantes os conflitos entre diferentes subsidirias da mesma empresa

    (com exceo das subsidirias do Brasil e Argentina que quase nunca discordam...),

    entre diferentes divises e unidades de negcio, entre diferentes departamentos, alm

    dos clssicos conflitos entre marketing e produo, vendas e marketing, produo e

    finanas, gesto de pessoas e produo, entre outros. Infelizmente os conflitos no se

    resumem aos conflitos externos e aos conflitos entre grupos: no raro que ocorram

    conflitos entre diferentes profissionais dentro da organizao (e entre os estagirios e

    funcionrios tambm...), como, por exemplo, conflitos entre chefe e subordinado e

    conflitos entre colegas com o mesmo nvel hierrquico.

    A boa notcia, um tanto bvia, que se voc for reconhecido como um profissional

    muito capaz de resolver conflitos, provavelmente voc ter um diferencial bastante

    valorizados pelas empresas.

    Segundo o especialista Rudi Ballreich, o mtodo socrtico uma poderosa ferramenta

    para nos ajudar a desenvolver esta competncia de resoluo de conflitos ao nos auxiliar

    a discernir em que medida os conflitos so realmente necessrios ou se so meros

    subprodutos de pensamentos e modelos mentais capengas, caricaturados por percepes

    no representativas, opinies enviesadas e raciocnios corrodos por pressupostos

    desconectados dos fatos.

    Uma vez que o ambiente organizacional salubrizado pelas competncias de resoluo

    de conflitos, o mesmo mtodo socrtico tambm nos abre espao para desenvolvermos

  • uma outra competncia: a competncia de conduzir dilogos para ajudarmos a empresa

    a construir modelos de negcio mais lgicos, mais coerentes com a realidade do

    mercado e mais alinhados com os valores dos acionistas, executivos e grupos de

    interesse (stakeholders) que querem determinar e influenciar os rumos da empresa.

    Rudi Ballreich um consultor de empresas na Europa como Siemens, Bosch, Porsche e

    Daimler. Ele especializado em gesto de processos de mudana, mediao de conflitos

    e dilogo nas organizaes. Em seu artigo Pioneers of Dialogue (Pioneiros do

    Dilogo), ele descreve as contribuies de pensadores como Scrates, Martin Buber e

    David Bohm e como estas contribuies favorecem o trabalho na gesto das

    organizaes contemporneas.

    A seguir trechos do artigo de Rudi Ballreich sobre as contribuies de Scrates

    (traduo adaptada de Rogrio Calia):

    Scrates viveu em Atenas num tempo em que a democracia estava se desenvolvendo e

    os cidados estavam ansiosos para aprender a falar em pblico a fim de poderem

    influenciar melhor a administrao da cidade.

    Scrates estava convencido de que a responsabilidade pela comunidade deveria ser

    assumida apenas pelas pessoas que conseguissem pensar de modo robusto e

    independente e cujos pensamentos e aes fossem originados de uma conscincia

    avanada.

    Ele tambm no se intimidava de engajar vrios tipos de profissionais nas suas

    discusses: polticos, generais, sacerdotes, poetas e comerciantes estimados. Nestas

    discusses, Scrates checava se o conhecimento deles era fingimento ou se era

    realmente deles prprios.

    Durante os debates, com frequncia ficava evidente que o seu parceiro de discusso

    no compreendia suas prprias afirmaes. O general, por exemplo, no conseguia

    explicar o que a coragem e o sacerdote no conseguia explicar o que a f.

    Scrates fazia perguntas e questionava os conhecimentos aceitos. A sua principal

    pergunta era: O que ...?

    Por exemplo, O que coragem?. Os seus parceiros nas discusses inicialmente

    respondiam esta pergunta a partir de um nvel bsico com exemplos de coragem que

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  • eles acreditavam que eram verdadeiros: Coragem quando algum destemidamente

    permanece na linha de batalha e no foge do inimigo!

    Scrates facilmente rebatia com outros exemplos que provavam o oposto e, deste modo,

    mostravam que crenas que no foram objeto de reflexes, baseadas apenas no senso

    comum proporcionavam apenas pseudo-conhecimento.

    E ele repetia sua pergunta O que ...

    Agora o seu parceiro de discusso procurava uma resposta no prximo nvel: dentro

    das prprias pessoas, nas atitudes delas.

    - Coragem uma certa persistncia mental!

    Mas esta resposta tambm no conseguia suportar as perguntas de Scrates, porque

    persistncia unida estupidez no pode ser chamada de coragem.

    O seu parceiro no dilogo no tinha pensado sobre a conexo entre persistncia e

    coragem, mas apenas falou em voz alta o que ele acreditava ser sua prpria opinio.

    Enquanto o pensamento for baseado em crenas subjetivas e no for objeto de reflexo,

    ele dependente de mudanas de emoes e opinies que forem aceitas imitando os

    pais ou a tradio.

    Agora os parceiros de dilogo percebiam que era necessrio utilizar o pensamento

    racional e eles comeavam desta vez em um terceiro nvel a definir coragem de um

    modo conceitual.

    Mas Scrates questionava estas definies tambm, porque os pensadores no notaram

    ou pensaram sobre os pressupostos subjacentes ao processo de pensamento deles.

    Uma consequncia do questionamento incansvel de Scrates era que repetidamente a

    auto-satisfao e pseudo-sabedoria dos seus parceiros de dilogo eram desmanteladas.

    Por meio disto, eles vivenciavam um estado de ignorncia e a partir deste estado

    surgiam perguntas honestas.

    Eles despertavam nas suas conscincias e se moviam de um nvel de percepo, para

    opinies e, finalmente, para o pensamento racional.

    O quarto nvel estava incorporado no prprio Scrates: o raciocnio questionador e

    realizador de testes, o qual examina todos os contedos e processos da conscincia por

    meio do dilogo.

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  • E Scrates estava ciente do quinto nvel, o qual estava presente nele: a luz da

    conscincia e da deliberao com a qual ele iluminava os processos do entendimento e

    da ignorncia por meio do dilogo.

    Scrates queria ensinar os atenienses a subir por todos os cinco passos de modo que

    eles fossem capazes de fazer bem em todas as situaes, por meio da deliberao e

    por meio da prpria compreenso.

    O dilogo a arena de aprendizagem na qual os parceiros de conversa podem

    chacoalhar uns ao outros para subirem a nveis mais elevados do despertar da luz da

    conscincia e deliberao.

    Rudi Ballreich conclui a sua anlise sobre Scrates, indicando de que modo o mtodo socrtico

    pode ajudar na administrao de organizaes:

    A prtica de questionar para gerar conscincia, como Scrates a iniciou, pode

    proporcionar estmulo valioso no trabalho em disputas e conflitos. Isso porque, afinal,

    a mediao consiste de examinar pontos de vista, opinies e convices e acordar

    a pessoa para se livrar de crenas, pensamentos, sentimentos e vontades fixas.

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  • Quanto mais conseguimos despertar a luz da conscincia e deliberao, tanto

    melhor as partes envolvidas na disputa sero capazes de encontrar uma soluo

    compartilhada.

    2. Dilogos Socrticos sobre a Coragem (Laques de Plato)

    Obviamente, foi Scrates quem desenvolveu o mtodo socrtico, no entanto, a tradio

    filosfica relata que Scrates no deixou livros nem artigos escritos por ele mesmo.

    Quem assumiu a tarefa de registrar os dilogos de Scrates foram os seus alunos,

    sobretudo o seu aluno Plato.

    A seguir, leremos trechos de um dos Dilogos Socrticos escrito por Plato, o Dilogo

    intitulado Laques (o nome de um general grego), para ilustrarmos duas das cinco

    competncias de raciocnio crtico esquematizadas por Rudi Ballreich em sua anlise

    sobre o mtodo socrtico: a competncia de identificar percepes no representativas e

    a competncia de identificar opinies no coerentes com os fatos relevantes.

    No dilogo socrtico Laques de Plato, dois cidados que foram filhos de famosos

    estadistas atenienses estavam em grande dvida sobre o melhor modo para educar os

    seus filhos na profisso de guerreiros. Para definir o melhor modelo de educao, eles

    procuraram o aconselhamento de dois generais, sendo que um destes, Laques, insistiu

    para que tambm pedissem ajuda a Scrates para descobrirem o melhor meio para

    educar os futuros guerreiros.

    Scrates considera que o propsito da formao profissional de um guerreiro seja a

    formao da virtude da coragem. Na concepo da Grcia Clssica, virtude a

    excelncia (em grego, virtude ou excelncia denominada aret). Por isso, uma vez que

    se compreenda no que consiste a virtude da coragem, seria mais fcil, por decorrncia,

    identificar como educar os jovens nesta importante dimenso da excelncia profissional

    dos guerreiros.

    A seguir, trechos do dilogo socrtico Laques de Plato (traduo de Rogrio Calia a

    partir das verses em ingls, alemo e espanhol, as quais so tradues do texto original

    em grego):

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  • SCRATES: Ento, Laques, suponha que ns primeiramente determinemos a natureza

    da coragem, e, em segundo lugar, procedamos para nos perguntar como os jovens

    homens devem adquirir esta qualidade com a ajuda dos estudos e exerccios. Diga-me,

    se voc puder, o que a coragem.

    LAQUES: Por Zeus, Scrates, no difcil responder: um homem de coragem aquele

    que no foge, mas que permanece em seu posto e luta contra o inimigo; no h dvida

    sobre isso.

    SCRATES: Muito bom, Laques; mas temo que eu no me expressei com clareza; e,

    por isso, voc no respondeu a pergunta que eu gostaria de fazer, mas respondeu a uma

    outra.

    LAQUES: O que voc quer dizer Scrates?

    SCRATES: Vou tentar explicar; voc chamaria um homem de corajoso aquele que se

    mantm em seu posto e luta contra o inimigo?

    LAQUES: Claro que sim.

    SCRATES: Ento, Laques, voc tem que excluir os Lacedemnios (Espartanos) em

    Platia, que quando eles chegaram prximos dos guerreiros persas enfileirados com

    escudos, eles no quiseram permanecer parados em seus postos para lutar e fugiram,

    mas quando as fileiras dos persas foram desfeitas, eles deram a volta e atacaram como

    se fossem uma cavalaria e venceram a batalha de Platia.

    LAQUES: verdade

    SCRATES: Era isto que eu estava querendo dizer quando eu reclamei que a minha

    pergunta foi mal colocada e que, por isso, voc deu uma resposta ruim. Porque eu

    queria te perguntar no s sobre a coragem dos soldados pesadamente armados, mas

    tambm sobre a coragem da cavalaria e de todos os outros estilos de soldados, e no

    apenas os que so corajosos na guerra, mas tambm os que so corajosos diante dos

    perigos no mar e quem corajoso durante uma doena, na pobreza ou, ento, na

    poltica; e no apenas corajoso diante da dor e do medo, mas existem tambm os que

    conseguem lutar ferozmente contra desejos e prazeres, tanto quando permanecem em

    seus postos, quanto quando atacam seus inimigos. Existem estes tipos de coragem, no

    mesmo Laques?

    LAQUES: Certamente, Scrates.

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  • SCRATES: E agora, Laques, voc poderia tentar me dizer novamente, qual essa

    qualidade comum que chamada de coragem e que inclui todos os vrios usos deste

    termo quando utilizado tanto para o prazer como para a dor e em todos os demais

    casos que eu citei agora?

    LAQUES: Eu diria que a coragem um tipo de persistncia mental, isso que eu diria

    para expressar a natureza universal presente em todos estes casos.

    SCRATES: Mas isso o que temos que fazer para responder pergunta. No entanto,

    eu no posso dizer que todo o tipo de persistncia possa ser considerado coragem em

    minha opinio. Oua o meu motivo: tenho certeza, Laques, que voc consideraria a

    coragem como uma qualidade muito nobre.

    LAQUES: A mais nobre, certamente.

    SCRATES: E voc diria que uma persistncia sbia tambm boa e nobre?

    LAQUES: Muito nobre.

    SCRATES: E o que voc diria de uma persistncia tola? No teria que ser

    considerada, por outro lado, como ruim e prejudicial?

    LAQUES: Verdade.

    SCRATES: E existe alguma coisa nobre que seja ruim e prejudicial?

    LAQUES: Eu no diria isto, Scrates.

    SCRATES: Ento voc no admitiria que um tipo de persistncia no nobre seja

    considerada coragem, j que a coragem nobre?

    LAQUES: Voc est certo.

    SCRATES: Porque, de acordo com voc, apenas a persistncia sabia coragem.

    LAQUES: Verdade.

    SCRATES: Novamente, pense no caso de algum que persistente na guerra e est

    disposto a lutar e sabiamente calcula e sabe que outros viro para ajuda-lo e que

    haver homens em menor quantidade e de pior qualidade contra ele do que os homens

    que lutaro com ele e imagina que ele tambm conta com vantagens de posio, voc

    diria que quem mais corajoso: o homem que tem persistncia com toda esta

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  • sabedoria e preparao ou algum homem do exrcito oponente e nas circunstncias

    opostas que mesmo assim tem persistncia e se mantm em seu posto?

    LAQUES: Eu diria que este ltimo mais corajoso, Scrates.

    SCRATES: Mas, certamente, esta uma persistncia tola em comparao com a

    outra?

    LAQUES: Isso verdade.

    Estes trechos ilustram bem os dois primeiros nveis do mtodo socrtico segundo o

    esquema de Rudi Ballreich.

    Na primeira tentativa de definir o que a competncia da coragem, o general Laques se

    limita a percepes no representativas: segundo ele, a percepo de um guerreiro que

    se mantm em seu posto de batalha sem fugir. Para demonstrar que este exemplo

    especfico no representativo, Scrates simplesmente retrata um exemplo contrrio: o

    caso dos espartanos que no permaneceram em seus postos, chegaram a fugir e depois

    retornaram em venceram a batalha em movimento e no parados em seus postos.

    Na segunda tentativa, Laques busca expressar uma opinio sobre a natureza da coragem

    que abarque vrios diferentes exemplos e situaes: guerra, mar, pobreza, doena e luta

    contra os desejos. Para ele, em todos estes contextos, a coragem a persistncia mental.

    No entanto, Scrates demonstra que a persistncia mental pode ocorrer em situaes

    bem pouco inteligentes, o que seria incongruente com o conceito de excelncia,

    competncia e virtude em geral, assim como com a competncia e virtude especfica

    representada pela coragem.

    REFERNCIA

    Ballreich, R. (2006): Pioneers of Dialogue.

    http://trigon.at/en/mediathek/downloads/07_konfliktmanagement/Pioneers_of_dialogue.pdf

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