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O mistério do vale das pedras encantadas Patrick Sousa

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O mistério do

vale das

pedras

encantadas

Patrick Sousa

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O mistério do vale das pedras encantadas, de Patrick Sousa

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“A arte da escrita é talvez o tipo mais egoísta de arte, pois

nasce de uma conversa do autor com ele mesmo. Então

ele provavelmente só irá escrever bem sobre aquilo que

tenha algum significado”. – Maximiliano Souza

“Escrever se tornou uma necessidade na minha vida”. –

Patrick Sousa

Agradeço a Deus e a todos por acreditarem no meu

talento.

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Aos meus amigos mais íntimos: Eduardo, Roni,

Carol e alguns outros; por acreditarem na minha

capacidade de criar.

As minhas queridas e eternas ex-professoras: Mônica

Gentil, Maria Do Carmo Martins, Evanir Taveira,

Cleriane Pinheiro, Remédio Lima, Gileni Borges e

Marli Veloso, pelo apoio incondicional.

Aos meus familiares, em especial, minha mãe

Remédio e minhas irmãs, Alana e Paloma.

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NOTA DO AUTOR

Resolvi escrever algo diferente do que vinha

escrevendo. Essa é uma história infantilizada e fantasiosa,

mas que meu deu muito trabalho! Espero que gostem

dessa minha faceta! E, também, acredito no poder da

leitura como ferramenta transformadora da sociedade.

Aqui, nesse livro, há poemas de amigos e um conto de

minha autoria anexado no final.

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SUMÁRIO

Poemas dos amigos

Prólogo

I

II

III

IV

V

VII

Conto Surpresa (Noites de lua cheia)

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Poemas dos amigos

INDAGAÇÕES: DEMOCRACIA

POESIA – CADEIRA VAZIA

Democracia em pauta, Povo, participação. Palavras que nos convida, A uma breve indagação. Afinal, tem ou não tem, Voz e vez o cidadão?

Reza a dita teoria, Um governo popular. Onde todos deveriam, Da Polís participar. Defender os seus direitos, Concordar e discordar.

Vale apena questionar, Se isso mesmo acontece? Se o povo participa, Ou finge que desconhece? Afinal, o povo manda, Ou simplesmente obedece?

O Tema é complexo, Cheio de indagação. De um lado está o SISTEMA, Do outro a intenção: De criar e garantir, Os direitos do cidadão.

É preciso resaltar, Olhando a sociedade. Quando o povo participa,

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Junto em coletividade. Tem-se por frutos da luta: Justiça e igualdade.

Sendo assim, eis a questão, Que encerra a poesia. O que falta e o que sobra, Em nossa democracia? Há na mesa do poder, Uma cadeira vazia. - Samuel Nascimento

"É triste ver tantos barcos de amores naufragando. O mar social está a cada dia mais tempestuoso, impondo regras e preceitos. Nos afogando ainda mais em preconceitos. E o amor já não tem mais forças pra continuar nadando”. - Antônio Júnior

Não adianta investir no que não traz retorno Não adianta falar para quem não quer ouvir Não é legal querer algo que lhe traz transtorno O pior é investir em algo que não vale a pena existir

Tem muitos sábios que se dizem saber sentir Algo que não tem cor, sabor, intensidade e textura Que não vale a pena perder tempo para medir Por que é algo infinito que ninguém mensura

Parece ser legal, assim com aparência atraente Ter no corpo uma aparência que levemente Deixa escapar talento, sucesso e sabedoria

Pena que o útil dá trabalho e parece nem compensar É algo que pouca gente nem ao menos quer pagar

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Usa sem saber o valor de quem luta pra ter ou prestigia - Ervírio Reis

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Prólogo

A chuva não parava de cair naquela tarde de

outubro. Dar aula era a melhor atividade que Rômulo

gostava de fazer, depois de malhar pesado na academia.

Tão jovem, aos 30 anos foi selecionado para o Doutorado e

já lecionava na Universidade Federal do Piauí, como

professor efetivo, no curso de História, na disciplina de

História do Piauí e História do Brasil. Casou-se

recentemente com Gliese Debrassena, uma americana que

conheceu nos Estados Unidos, na época do Mestrado.

Namoraram alguns meses até Gliese se mudar de vez para

o Brasil, quando os dois foram aprovados no concurso para

professor efetivo, na UFPI. Decidiram morar em Picos,

cidade natal de Rômulo. Neusa, a mãe dele, era muito

apegada ao filho mais velho. Era viúva de Antenor, com

quem foi casada 40 anos.

- Obrigado, mãezinha, sem seu apoio nada disso teria sido

possível! – agradeceu Rômulo todo feliz, no dia que soube

da aprovação.

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- Por nada, meu filho lindo. É mérito seu, você fez suas

escolhas e hoje elas estão te dando frutos. – beijou e

abraçou o filho.

Naquela terça-feira de outubro, quando dava aula

para uma turma numerosa, de quase quarenta alunos,

todos esses pensamentos vinham a mente de Rômulo. As

aulas do doutorado haviam começado e ele já esboçava

seu projeto para a tese. Era um apaixonado pela história do

Piauí e resolveu pesquisar sobre o estado ao qual nasceu

e viveu por um bom tempo. Ia conhecer o famoso vale das

pedras encantadas, um antigo sítio arqueológico

abandonado pela população local e pelo Estado. Propôs

uma aula de campo à turma, uma espécie de

acampamento de 3 dias. Apenas 11 alunos concordaram.

- Então, meus queridos, nossa aula de campo será

próxima semana, na terça-feira. – disse Rômulo,

gesticulando em torno de si e olhando cada um no olho. –

É uma pena que só 11 pessoas demonstraram interesse

em ir a essa pequena viagem. – lamentou o professor com

sinceridade.

- Professor, desculpe-me, só não vou porque já ouvi

histórias horríveis desse lugar que vocês vão, tenho medo,

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sabe? – comentou Aldieres, um aluno que só tirava 10 as

custas de colas. – Na próxima, talvez eu vou.

- É uma pena, Aldieres. Não há nada demais no vale das

pedras encantadas. – falou Rômulo, dando uma risada

discreta debochando do medo do aluno de porte grande.

A aula daquela tarde passou muito rápido. No

início da noite, Rômulo estava em seu apartamento

modesto sendo massageado por sua esposa. Andavam

muito estressados, mas nada que um programa a dois não

resolvesse. Depois da massagem, assistiram a novela

preferida de Rômulo na TV a cabo: Avenida Brasil, sucesso

da Globo.

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I

- Vamos viajar na terça. Você tem mesmo certeza que

quer ir conosco, amor? – indagou Rômulo a Gliese. – É

uma região fascinante, porém, muito perigosa.

- Sim. Já fiz nossas malas. – respondeu Gliese com um

sotaque arrastado americanizado.

Gliese havia sido aprovado para o doutorado e

pensava atuar na mesma linha de pesquisa do marido.

Uma mulher muito bonita: loira de pele branca, olhos

verdes como esmeraldas e muito simpática. Falava

português e espanhol fluentemente. Gliese conheceu

Rômulo nos corredores de Stanford, Califórnia, em 2007.

De lá para cá, aconteceram muitos desencontros. Rômulo

terminou o mestrado e resolveu voltar para o Brasil. Se

envolveram durante a pesquisa para dissertação. Gliese

era apaixonada por história da Grécia Antiga e escreveu

sobre; Rômulo abordou sobre a destruição da Babilônia,

mas sua grande paixão era história dos primeiros

habitantes da terra. Por isso resolveu pesquisar sobre os

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índios Ahraans, supostos primeiros habitantes do Piauí,

na região da cidade Engenho das Flores, ao norte do

estado, mais de 500km de Picos. Rômulo acreditava que

essa tribo era diretamente descendente da tribo Mursi,

uma antiga tribo africana, milenar, que no êxodo fugindo

da fome, veio parar por aqui acidentalmente ainda quando

era um único continente: a pangeia.

Se comprovasse essa teoria que há anos debatia,

responderia muitas questões levantadas por professores,

historiadores e cientistas que até hoje não foram

respondidas, como as questões de miscigenações raciais,

técnicas de lutas, caça e rituais religiosos.

- Fiz um café, vem tomar enquanto está quentinho, meu

amor. – chamou Gliese, puxando o marido pelo colarinho

da camisa branca. Eram viciados em café. A bebida

ajudava os dois a concentrarem-se nas madrugadas de

pesquisas e leituras.

- Já vou. – respondeu Rômulo.

E levantou-se do sofá rumando a cozinha.

Estavam casados há dois anos e eram muito

apaixonados. Neusa, mãe de Rômulo, aprovou de cara o

casamento deles. Via em Gliese a mulher certa para o

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lindo filho, que sofreu muito em relacionamentos

anteriores. Rômulo sempre foi estudioso, amante dos

fatos e da história, adorava questionar tudo. Além dos

atributos intelectuais, eram um rapaz muito bonito: Alto,

malhado, moreno claro e cabelos negros como a noite,

seduzia inconscientemente suas alunas e alunos,

também.

- Estava uma delícia, meu amor! – exclamou após

degustar o café, na cozinha. – vamos dormir agora, que o

ônibus sairá as 5h da manhã.

Inesperadamente, Rômulo pegou Gliese nos braços e a

levou para o quarto, jogando-a na cama, assim que

entraram. Beijaram-se muito e aproveitaram a noite para

namorar, pois os estudos e as aulas que ambos

precisavam planejar na universidade, estava dificultando

terem tempo para desfrutar da vida de casados. Inclusive,

era o sonho de Rômulo ser pai.

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II

Havia chovido a noite toda. Às 5h da manhã

daquela terça-feira, o céu ainda estava nublado,

anunciando mais chuva pelas próximas horas. Rômulo

havia reservado o micro-ônibus da UFPI com três meses

de antecedência, e ainda temia algum imprevisto no dia

da viagem.

- Seu Nestor, todo cuidado é pouco. Somos 13 pessoas.

O céu e a estrada não estão favoráveis, mas confio no

senhor e no ônibus...aliás, a universidade já fez a revisão

do ônibus para a viagem? – perguntou Rômulo ao Nestor,

o motorista que os levariam para a viagem.

- Não. Não há mais verba para manutenção, mas está em

bom estado. – respondeu o motorista, um senhor de

setenta anos.

Por fora, Rômulo demonstrou segurança, mas

internamente estava com medo. Muitos acidentes e

assaltos já foram registrados na pista que levava a

Engenho das Flores. Os 13 passageiros entraram no

micro-ônibus Marcopolo branco com brasões do governo

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do estado e da UFPI. O ônibus, apesar de velho, era

muito confortável. Equipado com ar-condicionado, rádio e

um monitor 7 polegadas, instalado na frente, próximo ao

motorista. Foi a diversão de todos. Gliese havia

preparado um enorme bolo de cenoura com cobertura de

chocolate e cortou em pedaços generosos. Todos

comeram que lamberam os dedos. A viagem lenta, que

parecia mais entediante do que era, piorou quando, de

repente, após terem passado por uma cidade pequena, o

ônibus furou o pneu dianteiro esquerdo.

- Droga! O Pneu furou. Não há nada aqui por perto. –

resmungou Nestor. – Vamos descer. Acho que consigo

remendar.

Todos desceram do ônibus e caminharam cem metros até

a sombra de um enorme Juá, o sol estava escaldante.

Seu Nestor ficou a beira do acostamento remendando o

pneu. Havia kit para imprevistos dentro do porta-malas.

- Caraca, eu até estava curtindo a viagem. – falou Lara,

uma estudante que viera na viagem. – Alguém tem água

aí? – perguntou, olhando para Gliese. Era aluna dela.

- Eu tenho. – Gliese entregou uma garrafa de água

mineral quente.

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- Obrigada, professora. – agradeceu a adolescente.

- Seu Nestor, tudo certo aí? – gritou Rômulo na direção

do motorista. – Estamos com fome, e ainda faltam 3 horas

para chegarmos em Engenho das Flores.

- Terminei! – respondeu o motorista. Podem vir.

Os alunos, Gliese e Rômulo bateram palmas em

agradecimento e se direcionaram ao micro-ônibus,

quando, de repente, perceberam um homem idoso, negro,

que aparentava ser um mendigo, se aproximar deles. Se

assustaram, mas logo de cara perceberam que o pobre

homem não passava de um pedinte, ou, talvez, um

andarilho. O homem ficou a menos de dois metros de

Rômulo, encarou-o e franzindo a testa, o suor escorrendo

nos rostos de todos, e estendeu-lhe a mão, pedindo água

e comida.

- Não temos mais comida, senhor. Mas ainda temos água.

– disse Rômulo com um olhar tristonho.

Lara interpôs imediatamente:

- Nem água. O restante eu acabei de beber.

- E para onde vocês estão indo, nobre senhor? –

perguntou inquieto o homem. Não parava de encarar

Rômulo, como se quisesse confessar um segredo.

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- Hum... estamos indo para... Engenho das Flores. –

disse, finalmente, Rômulo.

- Não, não vão para lá. É perigoso. Aquela cidade

esconde criaturas terríveis, monstros horrendos. Morei lá

50 anos da minha vida, vi de tudo. – falou o homem,

nervosamente. – Pelo o que é mais sagrado, se afastem

de Engenho das Flores. – finalizou a frase olhando pela

última vez para Rômulo e, em seguida, para os demais,

seguindo caminho sem olhar para trás.

Rômulo entrou no ônibus com seus alunos e sua

mulher, olhou pela janela e não viu mais o homem.

- Falta muito para chegarmos, professor? – perguntou

Danison, aluno do último período de história.

- Umas 3 horas de viagem. – respondeu Rômulo.

- Ponham os cintos, por favor. Em menos de 3 horas

estaremos em Engenho das Flores. – falou Nestor todo

entusiasmado.

E seguiram viagem. O ônibus não apresentou mais

problemas. A viagem foi tranquila. Por volta do meio dia

chegaram a Engenho das Flores. A entrada da cidade

tinha um portal suntuoso e chamava a atenção pelo

contraste exuberante das flores e da mata atlântica vívida,

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com a seca e palidez da caatinga no restante do percurso

até Picos. A cidade tinha cerca de três mil habitantes e

ficava rodeada por um vale e um enorme rio ao sul.

- Então, meus alunos, bem-vindos a Engenho das Flores.

Aqui será nosso campo de pesquisa pelos próximos 3

dias. Ficaremos até a noite naquela pousada. – Rômulo

apontou para uma pousada na esquina da rua que

estavam passando. A faixada do prédio histórico remetia

a uma cidade fantasma que não era visitada há séculos.

Nestor parou o ônibus na frente da pousada Raio

de Luz e todos desceram. Entraram e pagaram a diária

barata de R$50,00, e os meninos ficaram com os meninos

e as meninas com as meninas, em seus respectivos

quartos. Nestor ficou com os meninos, obviamente, e

Rômulo e Gliese ficaram em um quarto de casal.

Tomaram banho, descansaram, comeram o prato típico

da região, uma sopa de legumes com charque, e depois

dormiram em suas camas até o início da noite. Rômulo

queria desbravar o vale das pedras encantadas ainda

naquela noite. A lua cheia iluminava mais que os postes

da rua.

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- Owm, amor, estou muito cansada. Vamos só amanhã? –

pediu Gliese com voz dengosa para Rômulo. Por um

momento ele quase aquiesceu, mas pensou bem e

decidiu irem acampar no meio da mata.

Muitas lendas circundavam o Piauí inteiro sobre o

famoso vale das pedras encantadas, uma região que

ganhou as páginas dos jornais e as cenas dos filmes após

relatos de acontecimentos sobrenaturais. Alguns

afirmavam que a região era mal assombrada pelos

espíritos dos índios Ahraans, que matavam,

impiedosamente, quem tentava se aventurar. O vale das

pedras encantadas era um bosque longínquo de Engenho

das Flores, por décadas explorado por o governo, a

prefeitura e a própria população na busca pelas pedras

preciosas que abrilhantou a região há muito tempo atrás.

A disputa pelas riquezas naturais ocasionou uma guerra

interminável entre os moradores da cidade e aventureiros

de regiões vizinhas. A cidade era privilegiada por sua

posição geográfica, quase à beira do mar e em cima de

uma serra.

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III

Às 19h, pontualmente, Rômulo chamou todos os

integrantes da comitiva e desceram em direção a trilha que

dava acesso ao vale. Nestor reclamou por vários minutos,

o fato de ter levado os estudantes e professores no ônibus

da universidade, alegando que o governo federal não

contribuía com verbas para combustível extra e

manutenção de peças, caso o ônibus quebrasse. Após o

motorista, ainda cansado e estressado, percorrer 13 km em

uma estrada de terra, parou a beira de uma cancela de

ferro enferrujada. A estrada não dava mais para seguir de

carro nem de moto. A lua estava clara como postes na

cidade, porém, o céu, aos poucos era ladeado por nuvens

espessas que anunciavam chuva forte.

- Vocês ficam aqui que vou voltar para o hotel. Há um guia

na frente, ali naquela guarita. – falou Nestor, apontando

para a guarita que ficava na divisa do vale, a menos de três

metros.

Um homem branco, de traços orientais e, mais ou

menos 40 anos, se aproximou do ônibus, gesticulando para

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todos descerem do veículo. Zé, o guia, não queria entrar na

trilha àquela hora da noite e com as condições climáticas

que outrora apresentava.

- Boa noite, galera. É um grande prazer! – o guia se

apresentou, pegando na mão de cada um. – Me chamo Zé

e sou o responsável por leva-los com segurança até a vale

das pedras encantadas. Apesar de ser muito, mas muito

perigoso essa hora... – Zé encarou fixamente Rômulo,

porém, não desistiu. – Como sabem, o vale das pedras

encantadas é um lugar místico muito conhecido no nosso

estado.

- Desculpe-me interromper, senhor, mas meus alunos

precisam entrar no vale comigo para nossa pesquisa.

Precisam estar encorajados e motivados, não

amedrontados. – falou Rômulo em tom de censura. Os

alunos os olharam, percebendo imediatamente o clima

tenso.

- Professor, trabalho com a verdade. Alertei sobre os

perigos do vale não pela ótica do misticismo, na verdade,

nem acredito muito nisso, mas pelos animais selvagens

que encontraremos, como onças, raposas e cobras

venenosas. – disse Zé. – Mas, como insiste em ir, vamos!

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Atravessaram a guarita e, na catraca, pagaram

R$10,00. Andaram cem metros, mata adentro, pela trilha

coberta de pedregulhos pontiagudos e lisos. Os alunos

levavam pesadas mochilas carregadas com barracas de

acampamento, lanternas, sacos de dormir e comida

enlatada. Zé ia na frente, iluminando o escuro percurso

com sua lanterna de LED.

- Estou com medo, amor. – falou Gliese em determinado

momento, segurando o ombro do marido.

- Calma, querida, aqui é seguro. – “Eu espero”, pensou

Rômulo.

- Então, meus caros estudantes do curso história da UFPI,

não sei se sabem, aqui, no vale das pedras encantadas,

onde percorreremos um total de 30km caminhando, é

concentrado o maior acervo pré-histórico da América Latina

e uma das maiores reservas de pedras preciosas e

petróleo do Brasil.- informou o guia, após subirem um

trecho extremamente estreito e íngreme. Várias rochas se

desprendiam do caminho quando passavam.

- É verdade que existe lobisomem aqui? – perguntou

Danison temeroso.

Zé sorriu.

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- Reza a lenda que os índios Ahraans, tribo residente na

região a milhares de anos e que foi brutalmente dizimada

pelos colonizadores, rogou uma praga na área: quem

invadisse o vale sofreria as consequências das mais

diversas formas. – falou Zé quase gritando, de forma

teatral. – E, verdade ou não, a polícia de Engenho das

Flores já encontrou dezenas de corpos de pessoas moras

das maneiras mais perversas possíveis. Maneiras

sobrenaturais!

Os 11 estudantes estremeceram com o relato. A

medida que andavam, uma sensação de medo percorria e

invadia o íntimo de cada um. A luz projetada pela lanterna

de Zé ficava cada vez mais fraca, sinalizando o fim da

bateria. Lara era a última na fileira dos estudantes. Estava

atrás de Gliese. A adolescente deu um grito bem alto

quando ouviu um barulho de folhas sendo pisadas por

alguém atrás dela. Olhou para trás e quase desmaiou com

o que viu. Todos entraram em pânico. Uma senhora parda

bem idosa, de cerca de 80 anos, rosto macilento, nariz

comprido e torto, várias bijuterias nas mãos e no pescoço,

cabelo totalmente branco, vestes sujas, capa preta e

comprida e um cajado na mão direita. A comitiva teve uma

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sensação espaventosa. Zé, ao perceber a presença da

idosa, aproximou-se dela, tratando-a como uma velha

conhecida.

- Calma, pessoal. Essa é a dona Madalena. É uma velha

cigana que mora aqui nessa parte do vale. Não faz mal a

ninguém. – falou o guia.

A senhora logo se aproximou de Zé e emendou:

- Vocês não deviam estar aqui, mexeriqueiros. Essa é uma

zona sagrada. Quem entra sem permissão não sai vivo. –

falou a velha quase inaudível, uma voz rouca e fina.

- Vim realizar minha pesquisa para a tese de doutorado,

senhora. Em breve iremos partir. – interpôs Rômulo ficando

estressado com a situação.

A lanterna de Zé piscou duas vezes e fraquejou por

fim, apagando o fino feixe de luz. Um silêncio mortal

acompanhado de uma brisa leve fez Lara perceber que a

velha havia sumido misteriosamente, como se,

simplesmente, tivesse evaporado no ar.

- Isso é só o início. – falou Zé sem esconder a ironia. –

Bem-vindos ao vale das pedras encantadas.

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IV

Caminharam por cerca de duas horas, pela estreita

trilha. Apenas o breu e som dos grilos acompanhava-os na

jornada. Chegaram a uma região aberta e plana, onde

puderam armar as barracas e descansar. Ali onde

estavam, o frio regurgitava temperaturas baixíssimas,

quase abaixo de zero. Todos tremiam os queixos, apesar

de estarem bem agasalhados. Rebeca, uma moça loira que

estava na comitiva, avistou, de dentro da barraca, uma

forte luz colorida, quase como um espectro. A luz piscava

repetidas vezes por segundo, ora no solo a poucos metros

de distância, ora no céu.

- Meu pai celestial, o que é aquilo? – indagou Rebeca

assustada, dentro da barraca, para Lara, com quem dividia

o espaço. – Será uma nave de extraterrestres?

- Não fala besteira, Rebeca. ET não existe. – respondeu a

colega.

Subitamente, a luz desapareceu da mesma forma

como a senhora.

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Dormiram pouco. O dia logo amanheceu. Tímidos

raios de sol alegravam aquela mata fechada repleta de

acontecimentos sinistros.