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o morro dos ventos uivantes edição comentada Emily Brontë Apresentação: Rodrigo Lacerda Tradução do romance: Adriana Lisboa Tradução dos anexos: Maria Luiza X. de A. Borges Notas: Bruno Gambarotto

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o morro dos ventos uivantes

edição comentada

Emily Brontë

Apresentação:Rodrigo Lacerda

Tradução do romance:Adriana Lisboa

Tradução dos anexos:Maria Luiza X. de A. Borges

Notas:Bruno Gambarotto

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Copyright da tradução © 2016, Adriana Lisboa

Copyright desta edição © 2016:Jorge Zahar Editor Ltda. rua Marquês de S. Vicente 99 – 1o | 22451-041 Rio de Janeiro, rj tel (21) 2529-4750 | fax (21) [email protected] | www.zahar.com.br

Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação de direitos autorais. (Lei 9.610/98)

Gra�a atualizada respeitando o novo Acordo Ortográ�co da Língua Portuguesa

Preparação: Juliana Romeiro (romance), Angela Ramalho Vianna (anexos)Revisão: Eduardo Farias, Carolina SampaioProjeto grá�co: Carolina Falcão Capa: Rafael Nobre/Babilonia Cultura Editorial

cip-Brasil. Catalogação na publicaçãoSindicato Nacional dos Editores de Livros, rj

Brontë, Emily, 1818-1848B887m O morro dos ventos uivantes: edição comentada/Emily Brontë; tradução Adria-

na Lisboa, Maria Luiza X. de A. Borges; apresentação  Rodrigo Lacerda; no-tas Bruno Gambarotto. – 1.ed. – Rio de Janeiro: Zahar, 2016.

(Clássicos Zahar)Tradução de: Wuthering HeightsAnexosCronologiaisbn 978-85-378-1575-5

1. Romance inglês. i. Lisboa, Adriana. ii. Título. iii. Série. cdd: 823

16-32701 cdu: 821.111-3

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Capítulo 1

1801. Acabo de regressar de uma visita a meu senhorio – o único vizinho com o qual terei de me preocupar. Que bela região, esta! Não acredito que, em toda a Inglaterra, eu pudesse ter me estabelecido num lugar tão completamente afastado da agitação da sociedade. O paraíso dos misantropos – e o sr. Heath-cliff e eu somos um par bem adequado para dividir entre nós a desolação. Um ótimo sujeito! Ele mal poderia imaginar como simpatizei com ele quando vi seus olhos negros se recolherem, desconfiados, sob as sobrancelhas enquanto eu me aproximava, e quando seus dedos buscaram abrigo, ainda mais fundo dentro do colete, com uma determinação hostil, quando anunciei meu nome.

– Sr. Heathcliff? – perguntei.Um aceno da cabeça foi a resposta.– Sr. Lockwood, seu novo inquilino. Tenho a honra de fazer esta visita

logo após minha chegada para lhe dizer que espero não lhe ter causado nenhum inconveniente com minha insistência em solicitar a ocupação de Thrushcross Grange.1 Ouvi dizer, ontem, que o senhor pensava em…

– Thrushcross Grange é minha propriedade, meu senhor – me inter-rompeu ele, secamente. – Não permitiria que alguém me causasse qualquer inconveniente, se pudesse impedi-lo. Entre!

1. Thrushcross Grange (“Granja Thrushcross”) é, como Wuthering Heights (“Morro dos Ven-tos Uivantes”), o nome de uma propriedade fictícia. Sabe-se, contudo, que para a figuração do espaço do romance Emily Brontë tomou por modelo a região da Inglaterra em que nascera e vivera por toda a vida, os moors (charnecas, ver nota 11) do norte da Inglaterra, bem como sua estrutura social. Assim, nas cercanias do vilarejo de Haworth – inspiração para Gimmerton, a referência comercial para as personagens da narrativa – identificam-se propriedades cujas dimensões e organização seriam similares às retratadas por Brontë. Dentre todas, Ponden Hall

– construção finalizada em 1634 e pertencente à família Heaton, originalmente de Lancashire e presente na região desde o séc.XVI – é a que mais semelhanças guarda com Thrushcross Grange, além de ter sido frequentada por Emily e suas irmãs; nenhuma delas, porém, é ins-talada em propriedade de tão amplas dimensões. Patrick Brontë, o patriarca da família, teria chegado a confirmar a inspiração de Emily durante uma conversa em 1858.

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O “Entre!” foi pronunciado entre os dentes e expressava o sentimento “Vá para o inferno!”. O próprio portão no qual ele se apoiava não manifestava qualquer movimento condizente com a palavra, e acho que as circunstâncias me obrigaram a aceitar o convite: eu estava interessado naquele homem, que parecia mais exageradamente reservado do que eu próprio.

Quando viu meu cavalo pressionando o portão, ele estendeu a mão para destrancá-lo. Precedendo-me taciturno pelo caminho, ordenou, ao entrarmos no pátio:

– Joseph, leve o cavalo do sr. Lockwood e traga-nos vinho.“Deve ser essa toda a criadagem”, foi minha reflexão, sugerida pela dupla

ordem. “Não é de se admirar que haja mato crescendo entre as pedras do caminho, e que podar as cercas vivas seja responsabilidade do gado.”

Joseph era um homem de idade – não, um velho, talvez muito velho, embora robusto e vigoroso.

– Que o Senhor nos ajude! – disse para si mesmo, num tom de mau humor e descontentamento, enquanto tomava-me o meu cavalo e me fitava com tal azedume que conjecturei, caridosamente, que devia estar necessitando de ajuda divina para digerir o almoço, e que aquela pia exclamação não tinha qualquer vínculo com minha chegada imprevista.

A residência do sr. Heathcliff chama-se Wuthering Heights, sendo “wu-thering”2 um regionalismo que descreve bem a atmosfera tumultuosa à qual a localidade está sujeita, quando das tempestades. Eles devem ter de fato uma ventilação contínua, pura e tonificante, lá em cima: pode-se adivinhar a força do vento norte soprando sobre a propriedade, pela inclinação de alguns abetos mirrados na extremidade da casa e por uma fileira de espinheiros esquálidos que estendem seus galhos numa única direção, como se mendigassem esmolas ao sol. Felizmente o arquiteto teve o bom senso de construí-la robusta: as janelas estreitas estão bem embutidas na parede, e as quinas são protegidas por grandes pedras salientes.3

2. Traduzido por “vento uivante”, wuthering é termo próprio ao dialeto de Yorkshire, no norte da Inglaterra. O romance usa o inglês dialetal juntamente com o inglês padrão (cuja formali-zação se baseia nos falares do sul do país, que tem em Londres seu maior centro) para marcar diferenças de pertencimento social e educação entre personagens. 3. Como Thrushcross Grange, Wuthering Heights é ficcionalmente construída à luz dos modelos de propriedade que cercavam os Brontë. Como unidade produtiva – e, nesse sentido, fundamentalmente diversa da residência alugada por Lockwood –, Wuthering Heights en-

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Antes de passar pela soleira, fiz uma pausa para admirar uma série de entalhes grotescos na fachada, sobretudo ao redor da porta principal, sobre a qual, entre uma confusão de grifos já se desfazendo e menininhos impuden-tes, divisei a data de 15004 e o nome de Hareton Earnshaw. Teria comentado qualquer coisa e solicitado uma breve história do local ao seu mal-humorado proprietário, mas sua atitude à porta parecia exigir que eu entrasse sem de-mora ou fosse embora de uma vez, e eu não tencionava aumentar sua irritação antes de inspecionar o interior da construção.

Um passo, e nos encontramos na sala, sem qualquer vestíbulo ou cor-redor introdutório: chamam a sala, aqui, de “casa”. Ela inclui, geralmente, cozinha e sala de estar, mas acho que em Wuthering Heights a cozinha se viu obrigada a recuar por completo para outra área; pelo menos ouvi o retinir de tenazes e o entrechocar de utensílios culinários vindo de dentro. Não notei o menor sinal de comida assando ou fervendo na imensa lareira, tampouco o reluzir de panelas de cobre e coadores de lata nas paredes. Numa das extremidades, porém, tanto a luz quanto o calor refletiam-se esplendidamente em fileiras de imensos pratos de estanho que, alinhados num grande aparador de carvalho e entremeados de canecas e jarros de prata, chegavam ao teto. Este último nunca recebera forro, sua anatomia oferecia-se ao olhar curioso, exceto num ponto em que era encoberta por uma estrutura de madeira repleta de panquecas de aveia postas para secar e pernis de boi, carneiro e presunto. Sobre a lareira havia diversas armas de fogo antigas, de aspecto vil, e um par de pistolas grandes, além de três latinhas de cores vivas postas a título de decoração no console. O chão era

contra equivalente em Top Withins, cujas ruínas resistem na região de Haworth (withins vem de wither, variante dialetal de wuther); já como modelo de edificação, guarda similaridades com High Sunderland Hall, outra propriedade da região, da qual tomaria por inspiração a fachada em pedra, e mesmo com Ponden Hall, de cuja casa principal recupera as dimensões.4. É significativo que a data inscrita na fachada remonte a um momento de particular trans-formação: por volta de 1500, a região de Yorkshire conheceu movimentos importantes para a consolidação de uma Inglaterra unificada em torno da realeza instalada em Londres. Região de ocupação bastante conflituosa, à qual concorrem bretões, dinamarqueses, noruegueses e, finalmente, normandos, Yorkshire não só constitui limites culturalmente próprios, como se coloca em posição de resistência à Coroa inglesa. Ademais, a referência à história local parece replicada na relação entre o citadino Lockwood – um homem do sul da Inglaterra e, portanto, relacionado ao estável centro político do reino – e a “atmosfera tumultuosa” e insubmissa da região. A data remonta também à época de ocupação da região pelos Heaton, de Ponden Hall.

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de pedra branca e lisa; as cadeiras, de costas altas, eram estruturas primiti-vas pintadas de verde – uma ou duas mais pesadas, negras, espreitavam das sombras. Num arco sob o aparador descansava uma imensa cadela pointer marrom-escura, cercada por vários filhotes barulhentos. Outros cães se entocavam noutros recessos.

O aposento e a mobília não teriam nada de extraordinário se perten-cessem a um rústico fazendeiro do norte, de semblante cismado e braços e pernas robustos realçados por bombachas e polainas. Um indivíduo desses, sentado em sua poltrona, uma caneca de cerveja espumando sobre a mesa redonda à sua frente, é fácil de encontrar em qualquer passeio de nove ou dez quilômetros por entre estas colinas, desde que a visita seja feita na hora certa, logo após o almoço. Mas o sr. Heathcliff contrasta de modo singular com sua morada e o estilo de vida. Na aparência, é um cigano de pele escura; nos trajes e nas maneiras, um cavalheiro5 – isto é, tão cavalheiro quanto o são muitos fidalgos do interior: desalinhado, talvez, mas sem que a negligência cause desagrado, já que tem o porte ereto e é bem-apessoado, e bastante taciturno. Algumas pessoas talvez suspeitem nele certo orgulho rústico; em mim, desperta uma afinidade que me faz crer não ser nada disso. Sei, por instinto, que sua maneira reservada advém de uma aversão a demonstrações ostensivas de sentimento, a manifestações de gentileza mútua. Ele ama e odeia em silêncio, e julga uma espécie de impertinência ser amado ou odiado. Mas estou me precipitando. Imputo a ele, livremente, meus próprios atribu-tos. O sr. Heathcliff talvez tenha razões inteiramente distintas das minhas para não estender a mão quando trava novo conhecimento. Estimo que meu temperamento seja quase peculiar: minha querida mãe costumava dizer que eu nunca teria um verdadeiro lar, e, no verão passado, provei ser cem por cento indigno de um.

5. Em sua caracterização de Heathcliff, Lockwood romantiza a imagem de seu senhorio. “Cigano de pele escura” parece uma imagem mais pautada por estereótipos literários (pró-prios às pretensões esclarecidas da personagem) do que por algum nível de objetividade, e reforça a percepção da origem indeterminada. Literariamente, da perspectiva de Lockwood, tal descrição acaba por alinhar Heathcliff a uma tradição de personagens marcadas pelo mistério e pelo exotismo (quando não pela hybris trágica), cujo melhor exemplo é o mouro Otelo, de Shakespeare – no qual se digladiam a civilidade dos modos e a natureza indomável representada pelo ciúme.

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Enquanto desfrutava de um mês de bom tempo na costa, vi-me em companhia de uma criatura fascinante – uma verdadeira deusa aos meus olhos, já que não notava que eu existia. Jamais “confessei meu amor” ver-balmente; ainda assim, se olhares falam, qualquer idiota teria adivinhado que eu estava perdidamente apaixonado. Ela me entendeu, por fim, e me dirigiu um olhar em retorno – o mais doce dos olhares. E o que foi que eu fiz? Confesso-o envergonhado: encolhi-me em mim mesmo feito um caramujo; a cada olhar seu recolhia-me mais e maior frieza demonstrava, até que, por fim, a pobre inocente foi levada a duvidar de seus próprios sentidos e, sobrepujada pela confusão ante seu suposto engano, persuadiu a mãe a partir. Graças a essa curiosa mudança de atitude, ganhei a reputação de ser deliberadamente impiedoso; o quanto o julgamento é imerecido, só eu sei.

Sentei numa das extremidades da lareira, diante do assento ao qual meu senhorio se dirigia, e preenchi um intervalo de silêncio tentando acariciar a cadela, que deixara sua ninhada e se esgueirava por trás das minhas pernas, a boca arreganhada e as presas brancas salivando.

Minha carícia provocou um rosnar longo e gutural.– É melhor deixar a cadela em paz – rosnou em uníssono o sr. Heathcliff,

evitando, com um pontapé, demonstrações mais ferozes. – Não está acostu-mada a ser mimada. Não a tratamos como animal de estimação.

Então, dirigindo-se com passos largos até uma porta lateral, gritou outra vez:

– Joseph!Da adega, Joseph resmungou qualquer coisa incompreensível, mas não

deu indicação de que iria subir; seu amo foi, assim, ter com ele lá embaixo, deixando-me vis-à-vis com a terrível cadela e um par de cães pastores car-rancudos e de pelo desgrenhado, que se juntaram a ela na guarda zelosa de meus menores movimentos.

Sem vontade de fazer contato com suas presas, fiquei sentado, imóvel – mas, imaginando que não entenderiam insultos implícitos, tive a triste ideia de piscar o olho e fazer caretas ao trio; algum trejeito da minha fisionomia irritou madame a tal ponto que, num súbito ataque de fúria, ela saltou nos meus joelhos. Repeli-a, e me apressei em colocar uma mesa entre nós. O gesto despertou a matilha inteira: surgiram de seus esconderijos meia

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dúzia de demônios de quatro patas, de tamanhos e idades diversos. Meus calcanhares e as abas de meu casaco pareciam ser os alvos preferidos. Des-viando da melhor forma possível os combatentes maiores com o atiçador da lareira, fui obrigado a pedir ajuda em voz alta a alguém da casa, para restabelecer a paz.

O sr. Heathcliff e seu criado subiram os degraus da adega com uma calma irritante. Não acho que tenham feito isso um segundo mais depressa do que o usual, embora a sala fosse agora um verdadeiro pandemônio de gritos e latidos.

Felizmente, alguém que se encontrava na cozinha agiu com mais pron-tidão: uma senhora robusta, com o vestido arregaçado sobre as anáguas, os braços nus e as faces avermelhadas pelo fogo correu até nós, brandindo uma frigideira. Fez tal uso dessa arma e da própria língua que a confusão se dis-persou como num passe de mágica, e quando seu amo retornou somente ela se encontrava ali, ofegante como o mar depois de um vendaval.

– O que diabos está acontecendo por aqui? – ele perguntou, fitando-me de um modo difícil de aturar após aquele tratamento tão pouco hospitaleiro.

– De fato, o que diabos está acontecendo por aqui! – murmurei. – Uma vara de porcos possessos não poderia ter piores instintos do que esses seus animais, meu senhor.6 É como deixar um estranho com um bando de tigres!

– Eles não se metem com quem não mexe em nada – observou ele, colo-cando a garrafa diante de mim e devolvendo a mesa ao seu lugar. – Os cães têm o direito de ser vigilantes. Aceita uma taça de vinho?

– Não, obrigado.– Mordido?– Se tivesse sido, deixaria o meu sinete no responsável.A face de Heathcliff se abriu numa espécie de sorriso.– Ora, vamos – disse ele –, o senhor está muito nervoso, sr. Lockwood.

Tome um pouco de vinho. Visitas são tão raras nesta casa que eu e meus cães, admito-o, mal sabemos como recebê-las. À sua saúde, meu senhor.

6. Os “porcos possessos” remetem ao episódio do Evangelho de Lucas em que Jesus, quando em visita à região dos gerasenos, apazigua um homem possuído por demônios. Diante de uma vara de porcos, os demônios pediram a Jesus para invadir os animais, o que prontamente lhes foi concedido: “E, tendo saído os demônios do homem, entraram nos porcos, e a manada precipitou-se de um despenhadeiro no lago, e afogou-se.” (Lucas 8:33)

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Com uma mesura, retribuí o brinde, começando a perceber que seria bobagem ficar emburrado por causa do mau comportamento de um bando de cachorros: além disso, não queria que o sujeito continuasse se divertindo à minha custa, já que era isso o que estava acontecendo.

Quanto a ele, provavelmente movido pela prudente lembrança da tolice de ofender um bom inquilino, relaxou um pouco, naquele estilo lacônico de podar pronomes e verbos auxiliares, e começou uma dissertação sobre as vantagens e as desvantagens de meu novo local de retiro, o que supunha ser assunto de interesse para mim.

Achei-o muito inteligente nos tópicos que abordamos; antes de me des-pedir, estava animado a ponto de dizer que voltaria amanhã.

Ele evidentemente não queria que minha intrusão se repetisse. Mesmo assim, irei. É espantoso como me sinto sociável, se comparado a ele.

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Capítulo 2

A tarde de ontem chegou fria e enevoada. Eu planejava passá-la talvez junto à lareira em meu escritório, em vez de chapinhar pelo brejo e pela lama até Wuthering Heights.

Após o almoço, contudo (N.B.,7 eu almoço entre meio-dia e uma hora; a governanta, uma matrona que recebi junto com a casa, não consegue ou não quer compreender meu desejo de ser servido às cinco),8 subindo a escada com essa indolente intenção, vi uma criada de joelhos, cercada de escovas e baldes de carvão, levantando uma poeira dos infernos ao extinguir as chamas com montes de cinzas. O espetáculo fez com que eu recuasse de imediato. Peguei meu cha-péu e, após uns seis quilômetros de caminhada, cheguei ao portão do jardim de Heathcliff bem a tempo de escapar aos primeiros e leves flocos de uma nevasca.

No topo desolado da colina, a terra estava dura, coberta por uma camada negra de geada, e o ar fazia cada membro do corpo tiritar. Como não conse-guisse remover a corrente, pulei o portão, e, correndo pelo caminho de pedras bordejado por ocasionais groselheiras,9 bati em vão à porta até os nós dos dedos doerem e os cachorros começarem a uivar.

“Desgraçados!”, exclamei, mentalmente. “Merecem isolamento perpétuo de sua espécie por sua grosseira falta de hospitalidade. Eu, pelo menos, não trancaria minhas portas durante o dia. Não importa… vou entrar!”

7. Nota bene, expressão latina que significa literalmente “note bem”, “preste atenção”. 8. Marca-se, aqui, uma importante diferença entre hábitos urbanos e rurais, mas também entre regiões da Inglaterra. Originalmente, o termo dinner (do francês antigo disner, “encerrar o jejum”) se aplicava à principal refeição do dia, fosse ela feita logo após o despertar ou ingerida ao meio-dia. Foi a partir do séc.XVIII que a hegemonia cultural dos hábitos urbanos permitiu o atraso da refeição até o meio da tarde, avançando posteriormente ao fim do período vespertino. Na Grã-Bretanha, porém, algumas regiões – entre elas o norte da Inglaterra, onde se localiza Yorkshire – mantêm o costume de realizar o dinner ao meio-dia.9. A groselheira é um arbusto de porte médio, galhos grossos e repleto de espinhos – o que, aqui, parece insinuar o aspecto intratável da propriedade, embora na Inglaterra seja bastante difundida para a produção de cercas vivas.

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Assim determinado, agarrei a tranca e sacudi-a veementemente. Numa janela redonda do celeiro, apareceu o rosto azedo de Joseph.

– O que é que o senhor quer? – gritou ele. – O patrão está lá embaixo no curral. O senhor contorne o barracão, se quiser falar com ele.

– Não há ninguém em casa para abrir a porta? – gritei também.– Só a patroa, mas ela não vai abrir, nem que o senhor continue esmur-

rando até de noite.– Por quê? Não pode dizer a ela quem sou, Joseph?– Eu não! Não quero me meter nisso – resmungou, desaparecendo.A neve começou a aumentar. Agarrei a tranca para fazer mais uma ten-

tativa quando um jovem sem casaco e com um ancinho apoiado no ombro apareceu no pátio lá atrás. Pediu que eu o acompanhasse e, após atravessarmos uma lavanderia e uma área pavimentada onde havia um depósito de carvão, uma bomba d’água e um pombal, entramos no vasto, quente e alegre aposento em que eu fora recebido da primeira vez.

A sala reluzia acolhedora com o fogo generoso que vinha da lareira, ali-mentado com carvão, turfa e lenha. Perto da mesa, posta para um farto chá, tive o prazer de ver a “patroa”, alguém de cuja existência nem sequer suspei-tara previamente.

Cumprimentei-a inclinando a cabeça, imaginando que haveria de me convidar a sentar. Ela olhou para mim, reclinada em sua cadeira, e continuou imóvel e calada.

– Que tempo horrível! – observei. – Receio, sra. Heathcliff, que a porta tenha agora marcas do descaso dos seus criados. Penei até que eles me ou-vissem!

Ela não abriu a boca. Eu a fitava – e ela me fitava também. Mantinha os olhos fixos em mim, de modo frio e indiferente, sobremaneira embaraçoso e desagradável.

– Sente-se – ordenou o jovem, com rispidez. – Ele não demora.Obedeci; pigarreei e chamei a terrível Juno,10 que se dignou, naquele

segundo encontro, a agitar a ponta da cauda em sinal de reconhecimento.

10. Juno é uma deusa romana, mulher de Júpiter e mãe de cinco filhos do maior dos deuses latinos, dentre os quais Marte (deus da guerra) e Vulcano (deus da metalurgia). Aos ouvidos de Lockwood, o nome soa irônico, por recorrer à cultura clássica para nomear um cão vulgar de terras ermas.

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– Que belo animal! – recomecei. – Pretende doar os filhotes, senhora?– Não são meus – respondeu a amável anfitriã, ainda mais cortante do

que teria sido o próprio Heathcliff.– Ah, seus favoritos são esses? – prossegui, indicando uma almofada cheia

do que pareciam ser gatos.– Estranho favoritismo – observou ela, com desdém.Por azar, era uma pilha de coelhos mortos – pigarreei outra vez e me

aproximei um pouco mais da lareira, repetindo meu comentário sobre o mau tempo que fazia aquela noite.

– O senhor não devia ter saído de casa – disse ela, levantando-se para pegar duas das latas pintadas de cima da lareira.

Antes, ela se encontrava na penumbra; agora tive uma visão nítida de seu corpo e de seu rosto. Era esbelta e mal parecia ter chegado à idade adulta; uma silhueta admirável, e o rostinho mais belo que eu jamais tivera o prazer de contemplar: traços delicados e harmoniosos; cachos louros, ou, antes, dou-rados, caíam soltos sobre seu pescoço delgado, e olhos que seriam irresistíveis caso sua expressão fosse agradável. Felizmente, para meu coração suscetível, o único sentimento que transmitiam pairava entre o desdém e uma espécie de desespero, estranho e pouco natural.

As latas estavam quase fora do seu alcance; fiz um gesto no sentido de ajudá-la, e ela se esquivou de mim como um sovina faria se alguém tentasse auxiliá-lo a contar seu ouro.

– Não preciso da sua ajuda – disse, rispidamente. – Posso apanhá-las eu mesma.

– Peço desculpas – apressei-me em responder.– O senhor foi convidado para o chá? – perguntou, amarrando um avental

por cima do elegante vestido preto e segurando uma colher de folhas de chá sobre a chaleira.

– Gostaria de uma xícara – respondi.– Foi convidado? – repetiu ela.– Não – falei, num meio sorriso. – A senhora é a pessoa ideal para me

convidar.Ela pôs o chá de volta na lata, colher e tudo, e voltou para a sua cadeira

com enfado, a testa franzida e o lábio inferior espichado, feito uma criança prestes a chorar.

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Enquanto isso, o rapaz jogara sobre o corpo uma jaqueta em péssimo estado e, aprumando-se diante do fogo, espiou-me com desdém pelo canto do olho, como se houvesse entre nós uma rivalidade mortal. Comecei a pensar que talvez não fosse um empregado; suas roupas e sua maneira de falar eram ambas grosseiras, sem traço algum da superioridade que se podia notar no sr. e na sra. Heathcliff; os cachos grossos e castanhos do cabelo eram ásperos e maltratados, as suíças invadiam desordenadamente as bochechas, e suas mãos eram encardidas como as de um criado. Mas sua atitude parecia in-dependente, quase arrogante, e ele não demonstrava a menor subserviência perante a dona da casa.

Na ausência de provas claras a seu respeito, achei melhor abster-me de re-parar em sua curiosa conduta; cinco minutos depois, a chegada de Heathcliff aliviou-me, de certo modo, da desconfortável posição em que me encontrava.

– Como vê, meu senhor, aqui estou, conforme prometido! – exclamei, adotando um ar animado. – E acho que devido ao mau tempo ficarei preso aqui por meia hora, se o senhor puder me abrigar.

– Meia hora? – repetiu ele, sacudindo os flocos de neve da roupa. – Não entendo por que escolheu um dia de nevasca para sair por aí. Sabe que corre o risco de se perder no pântano? Em noites como esta, pessoas que conhe-cem bem essas charnecas11 muitas vezes se perdem. E posso lhe dizer com segurança que o tempo não vai mudar tão cedo.

– Talvez um de seus rapazes possa me servir de guia e pernoitar em Grange. Poderia me ceder alguém?

– Não, não poderia.– Ah, sim! Bem, então vou ter de contar com minha própria sagacidade.– Hm!– Vai fazer o chá? – indagou o sujeito de casaco roto, desviando seu olhar

feroz de mim para a jovem.

11. Trata-se de um tipo de ambiente encontrado em regiões elevadas, caracterizado por solos ácidos, altos índices pluviométricos e vegetação baixa, própria de clima temperado (relvado e arbustos). A moorland corresponde à maior parte da vegetação seminatural (isto é, cuja existência decorre da ocupação humana do solo, sobretudo da derrubada de florestas) das ilhas britânicas e é caracterizada pela presença de turfa, massa de tecido de várias plantas produzida por lenta decomposição associada à ação da água. No romance, os moors surgem como um espaço quase selvagem a contrapor-se à paisagem urbana.

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– Ele vai tomar chá? – perguntou ela, dirigindo-se a Heathcliff.– Faça o chá logo – foi a resposta, dita de modo tão furioso que me so-

bressaltei. O tom em que as palavras foram pronunciadas revelava má índole genuína. Eu já não me sentia inclinado a chamar Heathcliff de ótimo sujeito.

Quando os preparativos foram concluídos, ele me chamou, dizendo:– Venha, aproxime sua cadeira.E todos nós, incluindo o jovem rústico, instalamo-nos ao redor da mesa,

um silêncio austero prevalecendo enquanto fazíamos nossa refeição.Pensei que, se eu causara aquele mal-estar, era minha obrigação dissipá-lo.

Não deviam se sentar à mesa todos os dias de modo tão sombrio e taciturno, e era impossível, por pior que fosse o seu humor, que aquelas caras fechadas fossem as do seu cotidiano.

– É estranho – comecei a dizer, entre uma xícara de chá e outra –, é estranho como o hábito pode moldar nossos gostos e ideias: muita gente não haveria de supor a felicidade numa vida tão completamente exilada do mundo como a sua, sr. Heathcliff. Ainda assim, arrisco-me a dizer que, cercado por sua família, com sua encantadora senhora presidindo seu lar e seu coração…

– Minha encantadora senhora! – interrompeu ele, com uma expressão quase diabólica no rosto. – Onde está ela, a minha encantadora senhora?

– Refiro-me à sua esposa, a sra. Heathcliff.– Ah, sim… pelo visto o senhor insinua que seu espírito assumiu o posto

de anjo da guarda, velando pela felicidade em Wuthering Heights, mesmo depois que seu corpo já se foi. É isso?

Percebendo ter cometido uma gafe, tentei corrigi-la. Deveria ter notado que a diferença de idade entre os dois era grande demais para a probabilidade de se tratar de marido e esposa. Ele tinha seus quarenta anos, idade de vigor mental na qual os homens raramente acalentam a ilusão de que moças jovens se casam com eles por amor – esse sonho é reservado ao consolo de nossos anos de declínio. Ela não parecia ter sequer seus dezessete.

Ocorreu-me, então: “Talvez o palhaço ao meu lado, que toma chá numa caneca e come pão sem ter lavado as mãos, seja o marido dela. Heathcliff Jr., é claro. Eis a consequência de ser enterrada viva: uma moça desperdiçada com esse rapaz horrível, por pura ignorância de que indivíduos melhores

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existiam! Uma pena – devo tomar cuidado para não a fazer se arrepender de sua escolha.”

Essa última reflexão talvez pareça convencimento meu, mas não era. Achava meu vizinho de mesa quase repulsivo e sabia, por experiência, que eu próprio era razoavelmente atraente.

– A sra. Heathcliff é minha nora – informou Heathcliff, corroborando minha suposição. Ao falar, lançou um olhar peculiar em sua direção: um olhar de ódio, a menos que tenha um conjunto perverso de músculos faciais que, ao contrário do que ocorre com outras pessoas, não reflete o que se passa em sua alma.

– Ah, certamente; agora entendo: o senhor é o feliz dono da bela fada – observei, voltando-me para meu vizinho.

Isso só fez piorar as coisas: o jovem ficou escarlate e cerrou o punho, dando a impressão de estar prestes a me esmurrar. Mas logo pareceu controlar o impulso e apenas proferiu um resmungo bestial, dirigido a mim, mas que procurei ignorar.

– Suas conjecturas não são muito felizes, meu senhor – observou meu anfitrião. – Nenhum de nós dois tem o privilégio de ser dono da sua bela fada, cujo marido está morto. Afirmei que era minha nora; pode deduzir, portanto, que se casou com meu filho.

– E este jovem não…– Não é meu filho, obviamente!Heathcliff voltou a sorrir, como se fosse uma piada por demais ousada

atribuir-lhe a paternidade daquele urso.– Meu nome é Hareton Earnshaw – grunhiu o outro –, e aconselho que

o respeite!– Não tencionei desrespeitá-lo – foi minha resposta, rindo por dentro ante

a dignidade com que ele se apresentara.Ele cravou os olhos em mim por mais tempo do que eu estava disposto

a retribuir, temendo sentir-me tentado a esbofeteá-lo ou a tornar audível minha hilaridade. Comecei a me sentir positivamente deslocado naquele agradável círculo familiar. A atmosfera deprimente sobrepujou o reluzente conforto físico ao meu redor, e neutralizou-o, e decidi tomar mais cuidado antes de me aventurar sob aquele teto uma terceira vez.

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Terminada a refeição, como ninguém pronunciasse uma única palavra de conversa amigável, aproximei-me de uma janela para ver como estava o tempo.

O que vi me desanimou: a noite escura caindo prematuramente, o céu e as colinas confundidos num único redemoinho implacável de vento e neve sufocante.

– Acho que não vou ter como voltar para casa sem um guia – não pude evitar exclamar. – As estradas já devem estar cobertas de neve, e mesmo que não estivessem, eu mal conseguiria enxergar meio metro à minha frente.

– Hareton, leve aquelas ovelhas para o alpendre do estábulo. Vão ficar soterradas se deixadas no curral a noite toda. E ponha uma tábua na frente delas – ordenou Heathcliff.

– E eu, o que faço? – insisti, com crescente irritação.Minha pergunta ficou sem resposta. Olhando ao redor, só o que vi foi

Joseph trazendo um balde com mingau para os cachorros e a sra. Heathcliff inclinando-se para mais perto do fogo e queimando, por diversão, uns fós-foros que tinham caído do console da lareira quando colocara a lata de chá de volta no lugar.

Após depositar o balde no chão, o criado olhou ao redor com expressão crítica e exclamou com sua voz rachada:

– Não sei como é que pode ficar aí sem fazer nada, com todo mundo lá fora! Não vale nada mesmo, e não adianta falar. Nunca vai se endireitar! Vai acabar no inferno, junto da sua mãe!

Imaginei, por um momento, que aquele eloquente discurso era endere-çado a mim; furioso, avancei na direção do velho tratante com a intenção de chutá-lo porta afora.

A sra. Heathcliff, contudo, deteve-me com sua resposta:– Velho hipócrita desgraçado! – replicou. – Não tem medo de que o diabo

o carregue, de tanto que fala no inferno? Estou avisando, pare de me provocar, ou acabo pedindo que ele o faça, como um favor especial! Espere, olhe só, Joseph! – prosseguiu ela, tirando um livro comprido e escuro da estante. – Vou lhe mostrar como progredi na magia negra. Em breve, vou ter condições de me livrar de todos vocês. A vaca vermelha não morreu por acaso, e o seu reumatismo não é uma bênção dos céus!