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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA ANÁLISE AMBIENTAL E REGIONAL SÉRGIO GONÇALVES O MST EM QUERÊNCIA DO NORTE – PR: DA LUTA PELA TERRA À LUTA NA TERRA Maringá 2004

O MST EM QUERÊNCIA DO NORTE – PR: DA LUTA … · No contexto de la lucha de clases, hemos enfatizado el avanzo de las luchas ... Sem seu apoio financeiro, nunca chegaria tão longe

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA ANÁLISE AMBIENTAL E REGIONAL

SÉRGIO GONÇALVES

O MST EM QUERÊNCIA DO NORTE – PR: DA LUTA PELA TERRA

À LUTA NA TERRA

Maringá 2004

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SÉRGIO GONÇALVES

O MST EM QUERÊNCIA DO NORTE – PR: DA LUTA PELA TERRA

À LUTA NA TERRA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual de Maringá para obtenção do Título de Mestre em Geografia. Área de Concentração: Análise Regional Orientador: Prof. Dr. Elpídio Serra

Maringá 2004

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RESUMO

Entendendo a questão agrária enquanto o rebatimento socioeconômico do

desenvolvimento do capitalismo no campo, o presente trabalho aborda o processo

histórico de formação do campesinato, verticalizando a discussão para o caso

brasileiro que, desigual e contraditoriamente, apresenta especificidades nacionais,

estaduais e intra-regionais. Estudando a região Noroeste paranaense, identificou-se

os principais agentes (Estado e classes sociais) e suas ações na organização dos

espaços regional e local (municípios). No contexto da luta de classes, enfatizou-se o

avanço das lutas camponesas, sobretudo sob a égide de movimentos sociais, com

destaque para o MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, visando a

pressão sobre o Estado e a “abertura” dos territórios dominados pelo capital e a

reconstrução de sua existência. Através de dois processos seminais – a luta pela

terra e a luta na terra, elaborou-se uma discussão teórica sobre os processo de

espacialização e territorialização do MST. Contribuindo para a discussão sobre a

reforma agrária, a presente pesquisa apresenta os dados sobre a realidade dos

assentamentos rurais de Querência do Norte e a importância dos camponeses do

MST para o redimensionamento do desenvolvimento local com inclusão social,

qualidade de vida, educação e trabalho.

Palavras-chave: questão agrária; assentamentos rurais; Noroeste paranaense; MST,

Querência do Norte.

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RESUMEN

Entendiendo la cuestión agraria en cuanto rebatimiento socioeconómico de lo

desarrollo del capitalismo en el campo, el trabajo aborda el proceso histórico de

formación del campesinato, sobretodo o brasileño qué, desigual y

contradictoriamente, presenta especificidades nacionales, estaduales y intra-

regionales. Estudiando la región Noroeste del Estado del Paraná, se identificó los

principales agentes (Estado y clases sociales), así como sus acciones que resultaran

en la organización de los espacios regional y local (ayuntamiento). No contexto de la

lucha de clases, hemos enfatizado el avanzo de las luchas campesinas, impulsada a

partir de la creación de los movimientos sociales, con destaque para el MST –

Movimiento de los Trabajadores Rurales Sin Tierra, visando la presión sobre el

Estado y “abertura” de los territorios dominados por el capital, buscando la

reconstrucción de su existencia. Por medio de dos procesos seminales – a lucha por

la tierra y lucha en la tierra, hemos elaborado una discusión teórica sobre los

procesos de especialización y territorialización del MST. Contribuyendo para la

discusión sobre la reforma agraria, esta pesquisa presenta los datos sobre la realidad

de los asentamientos rurales del ayuntamiento de Querencia del Norte, así como la

importancia de los campesinos del MST para el redimensionamiento del desarrollo

local con inclusión social, cualidad de vida, educación y trabajo.

Palabras-clave: cuestión agraria; asentamientos rurales; región Noroeste

paranaense; MST, Querencia do Norte.

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AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Elpídio Serra, pelo desafio de ter me acompanhado nesta trajetória,

compartilhando um pouco de seu conhecimento.

Ao Jorge Montenegro e à Fernanda Ikuta, pelo esforço em ajudar a encaminhar o

projeto inicial que resultou nesta Dissertação, colaborando muitas vezes com o

empréstimo de livros, um bom papo, sem contar a alegria da Marininha, cuja

presença nos faz compreender a cada dia o sentido da vida.

Aos colegas da UEM, sobretudo o Zé Roberto, o Terra, a Márcia, a Adélia Haracenko

e os alunos da graduação em Geografia (turma do atual 4º ano), com os quais pude

discutir a questão agrária e contribuir na sua formação durante o Estágio de Docência

de 2002, na disciplina Geografia Agrária.

Aos colegas da FCT/UNESP de Presidente Prudente: Manelão, Thiago, Sérgio

“Mezenga”, Sônia, Maria, Lima, Renata, Túlio, Fabrício, Luizão, Rones, Robison,

Tonhão, Santo, Evandro, Fernando, etc, etc, pela acolhida em vossas casas e no B3,

pela ajuda financeira comprando as mercadorias (doces, pães, cucas) minha e dos

assentamentos, e pelo apoio moral na dura caminhada que foi minha graduação e

luta para chegar à pós-graduação.

Aos estimados amigos João e Míriam da Secretaria do Departamento de Geografia e

Cida, do Departamento de Pós-Graduação, pela ajuda nos encaminhamentos com as

burocracias e as senhas que tanto emperram nossas vidas...

Ao Prof. Aldevino Ribeiro da Silva, pelos dois anos de convívio e seu exemplo de

caráter, ação social, fortaleza e perseverança. Agradeço também a todos aqueles que

compartilharam da estada em sua casa e da alegria do dia-a-dia: Henrique, Dona

Eva, Lucas, Fábio, Thiago, Abdala, etc, etc, etc.

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à CAPES, pelo apoio financeiro que possibilitou os trabalhos de campo, os contatos

com o povo sem-terra, a ida a eventos e congressos, permitindo a dinamização do

meu conhecimento acerca da realidade, além da discussão teórica, metodológica e

política.

Aos companheiros e companheiras do MST, tanto da Secretaria Estadual em Curitiba,

quanto da Secretarias Regional de Querência do Norte pelo fornecimento de

informações, apoio logístico. Pátria livre: venceremos!

Aos Prof.es Dalton Moro e Lúcio Tadeu Motta, pelas discussões teórico-metodológicas

durante a fase de Qualificação. Ao Prof. Bernardo Mançano Fernandes pelos

apontamentos conceituais na fase de defesa.

à minha mãe, Josefa. Sem seu apoio financeiro, nunca chegaria tão longe. Ao meu

pai, Manoel. Vocês são exemplos de camponeses, migrantes nordestinos,

trabalhadores em terras de outrem, pequenos proprietários, desterreados por

hidrelétrica, trabalhadores urbanos, depois sem-terra, e por fim, assentados. Suas

vidas de luta são uma pequena mostra do desafio de entender porquê tanta teimosia

em resistir para permanecer – ou conquistar, a terra de trabalho.

Ao grande amor da minha vida. SOLANGE, EU TE AMO.

Á família Engelmann: senhor Mirton, dona Adelaide, Sandra, Cléderson e Sula. Que

as alegrias da vida suplantem os desafios do dia-a-dia no assentamento e que

continuemos mostrando para a sociedade que a reforma agrária é uma das saídas

possíveis e necessárias para o desenvolvimento deste nosso Brasil.

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Não adianta olhar pro céu

com muita fé e pouca luta

levanta aí que você tem

muito protesto pra fazer

e muita greve, você pode,

você deve, pode crer...

...muda! que quando a gente muda

o mundo muda com a gente

a gente muda o mundo

na mudança da mente

e quando a mente muda

a gente anda pra frente

e quando a gente muda

ninguém manda na gente!

na mudança de atitude

não há mal que não se mude

nem doença sem cura

na mudança de postura

a gente fica mais seguro

na mudança do presente

a gente molda o futuro!

(Gabriel, o Pensador)

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SUMÁRIO

LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SÍMBOLOS................... 10 LISTA DE FIGURAS...................................................................... 13 LISTA DE QUADROS.................................................................... 16 LISTA DE TABELAS...................................................................... 17 INTRODUÇÃO................................................................................ 211 QUESTÃO AGRÁRIA E AS ESPECIFICIDADES DO

CAMPESINATO BRASILEIRO...................................................... 271.1 Contraponto: questão agrária e desenvolvimento...................... 291.2 Questão agrária clássica: o lugar do campesinato ou o

campesinato fora do lugar?......................................................... 311.3 Formação, as lutas e a resistência do campesinato no

processo histórico e geográfico de estruturação da questão agrária brasileira............................................................ 52

2 QUERÊNCIA DO NORTE: UM ESPAÇO DE CONFLITOS NO

NOROESTE PARANAENSE......................................................... 812.1 O processo de ocupação regional e a questão

fundiária........................................................................................ 832.2 Concentração da terra agrícola, (re) estruturação das

atividades agropecuárias e exclusão social no Noroeste paranaense................................................................................... 100

2.3 A formação do município de Querência do Norte....................... 1152.4 Problemas fundiários e violência no

campo............................................................................................. 1232.5 O projeto Adecon: a mutação de bóias-frias em camponeses

a serviço do capital....................................................................... 1282.6 Exclusão social e a afirmação do latifúndio............................... 143

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3 FORMAÇÃO, ESPACIALIZAÇÃO E TERRITORIALIZAÇÃO DO MST EM QUERÊNCIA DO NORTE E NO NOROESTE PARANAENSE...............................................................................

153

3.1 Movimentos sociais no campo brasileiro................................... 1553.2 Gênese dos movimentos de luta pela terra no Paraná e sua

contribuição para o desenvolvimento do MST no Brasil.............................................................................................. 161

3.3 A luta pela terra em Querência do Norte: diferenciação política e social entre os sem-terra............................................. 166

3.3.1 Formação do MST............................................................................ 1753.3.2 Espacialização e territorialização do MST no município e

região............................................................................................. 1794 A LUTA NA TERRA....................................................................... 2064.1 Assentamentos rurais, (re)ordenamento espacial e novas

territorialidades............................................................................. 2084.2 Impactos políticos e socioeconômicos dos assentamentos

rurais em Querência do Norte...................................................... 2194.2.1 As propostas de cooperação e desenvolvimento agrícola

gestadas pelo MST........................................................................ 2204.2.2 A produção agropecuária................................................................ 2384.2.3 Educação e cultura......................................................................... 2624.2.4 Renda.............................................................................................. 2754.2.5 A luta pela terra hoje....................................................................... 2874.3 4.3 O papel dos assentamentos rurais para o

desenvolvimento rural e a crítica ao agronegócio enquanto potencializador deste processo.................................................. 300

4.4 MST, organicidade, diferenciação e (des) territorialização....... 312 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................ 317 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................. 325 ANEXOS......................................................................................... 339

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LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SÍMBOLOS.

ACARPA Associação de Crédito Rural do Paraná

ADECON Associação de Desenvolvimento Comunitário de Querência do Norte

BRAPAR Brasil Paraná Loteamentos

BRAVIACO Empresa Brasileira de Viação e Comércio

CAPES Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior

CCA-PR

Confederação das Cooperativas dos Assentados de Reforma Agrária do

Paraná

CEFSPRG Companhia Estradas de Ferro São Paulo Rio Grande

COANA Cooperativa Agropecuária Avante

COCAMAR Cooperativa Agroindustrial de Maringá

CONFEPAR Confederação das Cooperativas do Paraná

CONTAG Confederação dos Trabalhadores na Agricultura

COPACO Cooperativa de Produção Agropecuária Conquista

COPAVI Cooperativa de Produção Agropecuária Vitória

CPT Comissão Pastoral da Terra

DERAL Departamento de Economia Rural

DGTC Departamento de Geografia, Terras e Cartografia

EMATER Empresa de Assistência Técnica Rural

FAEP Federação dos Agricultores do Estado do Paraná

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FCT - UNESP

Faculdade de Ciência e Tecnologia – Universidade Estadual Paulista

(Presidente Prudente – SP)

FETAEP Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Paraná

FUNDEC Fundo de Desenvolvimento Comunitário para Programas Cooperativos

ou Comunitários de Infra-Estruturas RuraisIBGE Instituto Brasileira de Geografia e Estatística

IBRA Instituto Brasileiro de Reforma Agrária

ICMS Imposto Sobra a Circulação de Mercadorias e Serviços

IDH-M Índice de Desenvolvimento Humano - Municipal

INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

ITR Imposto Territorial Rural

MASTEL Movimento Sem Terra do Litoral do Estado do Paraná

MASTEN Movimento Sem Terra do Norte do Estado do Paraná

MASTES Movimento Sem Terra do Sudoeste do Estado do Paraná

MASTRECO Movimento Sem Terra do Centro-Oeste do Estado do Paraná

MASTRO Movimento Sem Terra do Oeste do Estado do Paraná

MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário

MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

NERA Núcleo de Ensino, Pesquisa, Projetos e Reforma Agrária

ORTNs Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional

PCC Primeiro Comando da Capital

PCR Primeiro Comando Rural

PDA Plano de Desenvolvimento dos Assentamentos Rurais

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PNRA Plano Nacional de Reforma Agrária

PM Polícia Militar do Paraná

PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro

PROCERA Programa de Crédito Especial da Reforma Agrária

PRONAF Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

PRONERA Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária

PT Partido dos Trabalhadores

RENAP Rede Nacional de Advogados Populares

SENAR Serviço Nacional de Aprendizagem Rural

STR Sindicato dos Trabalhadores Rurais

SUPRA Superintendência de Política Agrária

UDR União Democrática Ruralista

UEM Universidade Estadual de Maringá

UFSC Universidade Federal de Santa Catarina

ULTAB União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 Concessões de terras no Noroeste do Estado do Paraná,

1925.................................................................................................... 91

FIGURA 2 Grandes grilos de terra no Paraná..................................................... 95

FIGURA 3 Divisão de terras na Colônia Paranavaí, 1944.................................. 98

FIGURA 4 Dinâmica de uso do solo na Microrregião Norte Novíssimo de

Paranavaí 1970, 1975, 1980, 1995/96 e 2000.................................. 108

FIGURA 5 Microrregião Norte Novíssimo de Paranavaí – área cultivada com

pastagens, lavouras anuais e café 1970, 1975, 1980, 1990 e

1995/96............................................................................................... 111

FIGURA 6 Microrregião Norte Novíssimo de Paranavaí: mão-de-obra ocupada

nos estabelecimentos rurais segundo a origem 1970, 1975, 1980,

1985, 1995/1996................................................................................ 112

FIGURA 7 Microrregião Norte Novíssimo de Paranavaí: população total,

urbana e rural 1960, 1970, 1980, 1990 e 2000................................. 114

FIGURA 8 Colônia Paranavaí. Loteamento das glebas 27-a, 28 e 29,

1948.................................................................................................... 118

FIGURA 9 Querência do Norte. Perímetro municipal –

2003.................................................................................................... 122

FIGURA 10 Querência do Norte – área ocupada com as principais culturas

anuais e perenes...............................................................................

129

FIGURA 11 Planta da fazenda 29 Pontal do

Tigre...................................................................................................

135

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FIGURA 12 Adecon: loteamento da fazenda 29 Pontal do Tigre.......................... 136

FIGURA 13 Família camponesa “assentada” na fazenda 29 Pontal do Tigrhe...................................................................................................

137

FIGURA 14 Casebre de um “assentado” em meio a uma viçosa plantação de algodão, cuja produtividade ultrapassava as 700 arrobas por alqueire............................................................................................... 138

FIGURA 15 Pátio situado atrás da sede da Adecon onde se vê máquinas e implementos estacionados................................................................

141

FIGURA 16 Os agricultores capitalistas foram os grandes beneficiários do projeto Adecon..................................................................................

141

FIGURA 17 Área média dos estabelecimentos de proprietários, arrendatários, parceiros e ocupantes do municio de Querência do Norte...............

147

FIGURA 18 Querência do Norte: população total, urbana e rural....................................................................................................

149

FIGURA 19 Área ocupada pelos diferentes usos da terra em Querência do Norte...................................................................................................

151

FIGURA 20 Sem-terra cuja perna teve de ser amputada após receber um tiro disparado pela PM durante despejo da fazenda Saudade.................

184

FIGURA 21 Noroeste paranaense. Ocupações de terra 1995 a 2000....................................................................................................

186

FIGURA 22 Noroeste paranaense. Conflitos fundiários 1995 a 2001.................................................................................................... 188

FIGURA 23 Mário Sérgio Zachesky, delegado de Querência do Norte, vestido a caráter para uma diligência contra os sem-terra, o eu lhe assegurou o codinome de “Bradock”, em alusão ao personagem do filme americano.................................................................................. 192

FIGURA 24 Chegada da marcha do MST em Curitiba.......................................... 194

199FIGURA 25 Acampamento do MST na praça da matriz em Querência do Norte...................................................................................................

FIGURA 26 Noroeste paranaense. Assentamentos rurais e territorialidade do MST – 2003........................................................................................ 201

FIGURA 27 Querência do Norte – Assentamentos Rurais e Ocupação................ 204

FIGURA 28 Protesto do MST em frente à agência do Banestado, 1998.................................................................................................... 235

FIGURA 29 Querência do Norte – Valor da produção agropecuária (milhões de Reais) segundo a produção total e os principais produtos no período 1984 – 2003..............................................................................................................

243

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FIGURA 30 COANA – Posto de Resfriamento de Leite....................................... 246

FIGURA 31 Fabricação de queijo orgânico........................................................... 254

FIGURA 32 Queijo orgânico em processo de defumação..................................... 254

FIGURA 33 Figura 32: Colégio Estadual “Centrão”e Escola Rural municipal

“Chico Mendes”, conquistas do MST na área da

Educação......................................................................................... 266

FIGURA 34 Estúdio da rádio Transformação FM – acampamento Luiz Carlos

Prestes............................................................................................... 274

FIGURA 35 Renda das famílias assentadas segundo a origem,

2002.................................................................................................... 281

FIGURA 36 Acampamento Luiz Carlos Prestes.................................................... 289

FIGURA 37 Acampamento Sebastião da Maia (fazenda Água da Prata)............ 292

FIGURA 38 Acampamento Sebastião da Maia – mobilização contra o

despejo..............................................................................................

297

FIGURA 39 Querência do Norte: População total, urbana e rural, 1960 a

2000.................................................................................................... 301

FIGURA 40 Querência do Norte: valor anual (milhares de Reais) do repasse do

FPM, 1995 a 2004 ............................................................................. 305

FIGURA 41 Taxa de crescimento dos repasses do FPM, 1995 a 2004................ 306

FIGURA 42 Rede de Gestão Territorial do MST em Querência do Norte ............ 317

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LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 Noroeste paranaense – ocupações de terra segundo o município e

o ano no período 1995 a 2001..........................................................

185

QUADRO 2 Noroeste paranaense – conflitos fundiários segundo o município e

o ano, no período 1995 a 2001......................................................... 189

QUADRO 3 Noroeste paranaense – número de famílias envolvidas em

ocupações de terra no período 1995 a 2001...................................... 201

QUADRO 4 Noroeste paranaense – assentamentos rurais implantados,

segundo o município, o número de famílias e a área em

hectares.............................................................................................. 203

QUADRO 5 Querência do Norte - projetos de assentamentos rurais

(P.A.).................................................................................................. 214

QUADRO 6 Grupos e produtores financiáveis pelo

PRONAF............................................................................................. 232

QUADRO 7 Querência do Norte – área plantada com lavouras anuais no

período 1984 a 2003......................................................................... 240

QUADRO 8 Querência do Norte – produção agropecuária 1984 a

2003.................................................................................................... 240

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LISTA DE TABELAS

TABELA 1 Projetos de colonização e assentamentos rurais. Brasil e regiões,

1946 – 1964........................................................................................ 73

TABELA 2 Projetos de colonização e assentamentos rurais. Brasil e regiões,

1954 – 1984........................................................................................ 76

TABELA 3 Grandes grilos de terra no Paraná..................................................... 95

TABELA 4 Microrregião Norte Novíssimo de Paranavaí: número de

estabelecimentos rurais por classes de área................................... 101

TABELA 5 Microrregião Norte Novíssimo de Paranavaí: área ocupada pelos

estabelecimentos rurais, segundo as classes de área....................... 101

TABELA 6 Norte Novíssimo de Paranavaí: número de estabelecimentos

agropecuários segundo a condição do produtor................................ 103

TABELA 7 Norte Novíssimo de Paranavaí: área ocupada pelos

estabelecimentos agropecuários segundo a condição do

produtor.............................................................................................. 103

TABELA 8 Microrregião Norte Novíssimo de Paranavaí: evolução no uso do

solo agrícola (1960, 1970, 1975, 1980, 1985, 1998/1996,

2000).................................................................................................. 108

TABELA 9 Microrregião Norte Novíssimo de Paranavaí: mão-de-obra ocupada

nos estabelecimentos rurais segundo a origem 1970, 1975, 1980,

1985, 1995/1996................................................................................ 112

TABELA 10 Famílias beneficiadas com lotes destacados das glebas 27-a, 28 e

29 da Colônia Paranavaí................................................................... 117

TABELA 11 Querência do Norte - utilização de mão-de-obra temporária

segundo os meses de trabalho nos anos de 1975, 1980 e 1985....... 130

TABELA 12 Querência do Norte: número de estabelecimentos rurais segundo

as classes de área............................................................................. 145

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TABELA 13 Querência do Norte: área ocupada pelos estabelecimentos rurais,

segundo as classes de área............................................................... 145

TABELA 14 Querência do Norte: número de estabelecimentos agropecuários

segundo a condição do produtor....................................................... 146

TABELA 15 Querência do Norte: área ocupada pelos estabelecimentos rurais

segundo a condição do produtor...................................................... 146

TABELA 16 Querência do Norte - diferentes usos do solo agrícola segundo o

percentual da área ocupada e o ano censitário................................. 150

TABELA 17 Valor percentual da produção agropecuária do município de

Querência do Norte........................................................................... 151

TABELA 18 Querência do Norte – número de propriedades rurais segundo as

classes de área................................................................................. 212

TABELA 19 Querência do Norte – área das propriedades rurais segundo as

classes de área.................................................................................. 212

TABELA 20 Querência do Norte – índice de cooperação agrícola nos

assentamentos rurais........................................................................ 230

TABELA 21 Soma dos créditos destinados a famílias assentadas de Querência

do Norte............................................................................................ 234

TABELA 22 Classificação dos créditos obtidos pelas famílias assentadas de

Querência do Norte, em mil reais (R$)............................................. 236

TABELA 23 Atividades agropecuárias que os assentados querem dinamizar ou

inserir no lote..................................................................................... 256

TABELA 24 Que fator(es) impede(m) o desenvolvimento das atividades

produtivas no lote?............................................................................ 258

TABELA 25 Querência do Norte - destino da produção agropecuária dos

assentados......................................................................................... 259

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TABELA 26 Querência do Norte – distribuição dos morados dos assentamentos

rurais, segundo a faixa etária, anos de estudo e sexo, em

dezembro de 2000............................................................................. 267

TABELA 27 Querência do Norte – renda das famílias assentadas em salários

mínimos.............................................................................................. 278

TABELA 28 Querência do Norte – acesso a energia elétrica e posse de bens de

consumo duráveis nos assentamentos rurais, 2002......................... 285

TABELA 29 Querência do norte – condição de moradia nos assentamentos

rurais, 2002......................................................................................... 285

TABELA 30 Acampamento Água da Prata – profissão do chefe da família

anterior ao acampamento.................................................................. 293

TABELA 31 Acampamento Água da Prata – trajetória da família na luta pela

terra.................................................................................................... 294

TABELA 32 Acampamento Água da Prata – renda do chefe da

família................................................................................................. 294

TABELA 33 Acampamento Água da Prata – origem da família segundo o

Estado/País e o local de moradia..................................................... 295

TABELA 34 Querência do Norte - forma de acesso a terra pelos

assentados......................................................................................... 296

TABELA 35 Querência do Norte - População total, urbana e rural, 1960 a

2000................................................................................................. 301

TABELA 36 População total projetada para os municípios paranaenses - 2000-

2010.................................................................................................. 302

TABELA 37 Querência do Norte: dados sobre o Índice de Desenvolvimento

Humano Municipal (IDH-M) 1980, 1991 e 2000............................... 309

TABELA 38 Vínculos políticos das famílias assentadas com o

MST.................................................................................................... 316

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INTRODUÇÃO

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INTRODUÇÃO. Esta Dissertação de Mestrado apresenta uma análise aprofundada sobre o MST

(Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e suas ações no município de

Querência do Norte, situado na região Noroeste paranaense, tendo por objetivos

principais a abordagem sobre os processos de luta pela terra e de luta na terra,

pontos de partida para a discussão da dinâmica dos impactos sociais, econômicos,

territoriais e políticos dos assentamentos rurais.

As hipóteses que sustentam o presente trabalho têm como ponto de partida os

elementos da questão agrária brasileira e sua contestação pelos movimentos

sociais, que remodelam o processo através da conquista dos assentamentos rurais,

lócus de re-inserção do campesinato, apontando um outro modelo de

desenvolvimento para o campo, negando as transformações políticas, fundiárias,

econômicas, técnicas e sociais que historicamente tem determinando a estruturação

do espaço agrário brasileiro.

No caso do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), as ações táticas

e estratégicas de seus militantes redefinem e criam diferentes formas de luta pela

terra (acampamentos, marchas) e, a partir da conquista dos espaços de cidadania -

os assentamentos rurais (trunfos da luta e lugar de reprodução da família

campesina) - tornam-se também agentes no desenvolvimento de meios necessários

para ampliar a luta pela terra em luta por outros direitos (educação, política agrícola,

saúde, etc), construindo as condições para conquistá-los, elementos que no

conjunto compõe o que priorizamos chamar como a luta na terra.

Organizando a base, o MST discute e implementa formas de organização dos

assentados visando garantir sua viabilização socioeconômica nas áreas reformadas,

elabora ações para organizar as famílias no sentido de minimizar o efeito das

imediações que geram a expropriação da renda e até a expulsão dos pequenos

produtores rurais do campo, pelo e para o capital. Assim, a luta pela terra e a luta na

terra constituem ações do campesinato que desarticulam alguns elementos questão

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agrária, sobretudo aqueles vinculados à questão agrícola (preço dos produtos,

política de crédito, cadeias produtivas, base técnica da produção, revolução verde, a

grande propriedade) e à questão fundiária (forma de acesso a terra – parceiro,

meeiro, arrendatário, posseiro, e tamanho do estabelecimento rural).

Avançando nesta questão, procurou-se demonstrar que a questão agrária é inerente

ao modo de produção, que o Estado possui os meios políticos para amenizá-la,

apesar de responder aos interesses da burguesia e, fora do pacto político, somente

pela luta e resistência os camponeses conseguem se opor a essas forças

hegemônicas e conquistar a cidadania.

Neste contexto, a luta pela terra e a luta na terra são resultados deste processo,

geram transformações importantes nos espaços onde ocorrem, pois permitem a

abertura do território para o campesinato, impulsionando a geração de diferenciados

fixos e fluxos. A reboque do movimento social, e em certos momentos se

contrapondo violentamente a ele, o Estado ameniza os problemas desenvolvendo

uma incipiente política de assentamentos nos locais onde a crise agrária é mais

severa.

Para conceber a diversidade de elementos da realidade local transformados e/ou

dinamizados pelos sem-terra, realizou-se entrevistas com agentes econômicos

(comerciantes, gerente de banco, proprietários de agroindústrias, atravessadores,

etc), políticos (secretários municipais, presidentes do Sindicato Patronal e Sindicato

dos Trabalhadores Rurais) e técnicos (Emater) discutindo ações políticas, técnicas e

econômicas direcionadas aos assentamentos, além de versar sobre temas como a

história e a agropecuária local/regional.

Quanto ao MST, realizou-se entrevistas semi-estruturadas com suas lideranças,

visando conhecer a importância de agentes mediadores na fase de acampamento,

as discussões para formação dos grupos de famílias e ocupação de fazendas, as

formas de espacialização da luta utilizadas (marchas, passeatas, discussões com a

população, jornais informativos, etc), as dificuldades havidas no acontecer dos

acampamentos (fome, despejos, desistências, violência física e psicológica,

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perseguição política, assassinatos, etc), as negociações com o Estado, a

estruturação dos Projetos de Assentamentos, a discussão sobre as formas de

trabalho (individual e coletivas) presentes em alguns assentamentos, bem como a

fase atual de luta pela terra e as ações visando a organização da produção, a

discussão sobre educação, a saúde, entre outros temas.

Trabalhando estas questões junto ao MST, surgiu a oportunidade de desenvolver

uma forma de pesquisa participante. Nesta relação, desenvolvemos alguns projetos,

entre eles palestra sobre agroecologia, implementação da Rádio Transformação,

participação em discussões nos encontros estadual e nacional do MST, além da

organização de um encontro de jovens do campo e da cidade em Londrina.

Em novembro de 2002, o contato com o MST permitiu um importante avanço para a

pesquisa. Neste mês, a organização iniciou as discussões em torno do Mutirão do

MST, um projeto nacional de levantamento de dados realizados nos assentamentos

ligados ao Movimento. Participando nestas discussões, colaborando nos trabalhos

de base com militantes regionais, efetuamos o treinamento para a atividade de

pesquisa e discussão política com as famílias acampadas e assentadas,

capacitando-nos para a tarefa de passar de casa em casa e aplicar um questionário

socioeconômico para conhecer a realidade destes espaços de luta e resistência.

Ao lado de um militante do MST, durante 21 dias permanecemos no pré-projeto de

assentamento Porangaba II. De casa em casa, além das entrevistas, fizemos um

trabalho de conscientização política. Após conversa com lideranças regionais e

estaduais, tivemos acesso a esse importantíssimo material de pesquisa. Por conta

das especificidades da coleta e do acesso às informações, tal fonte pode ser

considerada primária e secundária ao mesmo tempo. Devido à qualidade e ao nível

de abrangência, os dados do Mutirão configuram-se como um raio-X dos

assentamentos rurais.

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Colocadas estas questões iniciais, a presente Dissertação está estruturada em

quatro capítulos. No primeiro capítulo foram analisados os aspectos teóricos,

metodológicos, políticos e históricos da questão agrária, a partir da análise da

produção científica de autores clássicos europeus. Considerando que em alguns

aspectos os métodos e as teorias européias não dão conta de contribuir para

explicitar a realidade brasileira, procedeu-se a uma análise pormenorizada dos

elementos históricos da questão agrária, bem como uma discussão em torno do

pensamento de autores nacionais.

No segundo capítulo, sustentado por uma discussão teórica e metodológica sobre o

conceito de Estado e Região, salutares para se entender os pactos políticos e o

conflito entre as classes, analisamos como ocorreu o processo de ocupação regional

e local via favorecimento do capital no acesso a terra durante meados do século 20,

bem como as ações deste capital na colonização, expulsão dos camponeses

posseiros via grilagem e inserção do campesinato na terra de trabalho durante um

curto período de tempo (1950 – 1970), a partir do qual um forte processo de

concentração fundiária se instaurou e excluiu o campesinato proprietário de terras,

que passou a ser incluído na terra de trabalho de maneira subordinada

(arrendatários, parceiros, meeiros, etc) somente quando a conjuntura agrícola era

favorável ao capitalista que, por alguns anos, cedia temporariamente o usufruto do

território visando com esta ação amealhar a renda da terra.

No terceiro capítulo foi abordado o processo de espacialização e territorialização dos

movimentos de luta pela terra no Paraná, cuja articulação nacional com outros

movimentos do País resultaram na fundação do MST, fatos estes também

observados no município. A partir da ação dos sem-terra, Querência do Norte passa

a se constituir num pólo de lutas no ano de 1988 e, com a conquista de um

assentamento rural em 1995, dezenas de ações de luta pela terra e luta na terra

foram organizadas em fazendas da região coordenadas a partir deste município.

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No quarto capítulo, procurou-se compreender de que maneira o MST vem se

inserindo no espaço agrário de Querência do Norte, renovando a dinâmica local a

partir dos assentamentos e acampamentos, cuja presença contribui para modificar

os fixos territorializados nas grandes fazendas e seus respectivos fluxos (créditos

bancários concentrados, animais de cria destinados a frigoríficos e consumidores

situados fora do espaço local e da região, lavouras capitalistas participando destes

circuitos produtivos externos) em novos tipos de fixos (o pequeno estabelecimento,

infra-estruturas no campo, aparelhos públicos como escola, posto de saúde, etc) e

fluxos (créditos bancários pulverizados, máquinas, implementos, peças, mão-de-

obra, sementes e insumos, produtos de primeira necessidade, bens de consumo

duráveis, serviços sociais e comerciais, produção de leite, mandioca, produtos da

lavoura branca, seda, arroz, animais de pequeno, médio e grande porte direcionados

ao comércio local, etc), contribuindo para uma renovação no processo de

desenvolvimento local.

Fechando o quarto capítulo, priorizou-se uma discussão aprofundada sobre a real

expressão do conceito de territorialização do MST, discussão esta tão cara à

Geografia e que vem sendo trabalhada sem muito esforço metodológico por um sem

número de autores influenciados pelo método exposto por Fernandes (1996).

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QUESTÃO AGRÁRIA E AS ESPECIFICIDADES DO CAMPESINATO BRASILEIRO

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1 QUESTÃO AGRÁRIA E AS ESPECIFICIDADES DO CAMPESINATO

BRASILEIRO. O entendimento sobre o que é a questão agrária e sua gênese enquanto

desdobramento do modo de produção capitalista são primordiais para a discussão

atual sobre as políticas agrárias – entre elas, a reforma agrária, os financiamentos

rurais, a política de preços mínimos, etc – além da importância do campesinato e da

unidade capitalista de produção para o desenvolvimento rural, a geração de

alimentos, trabalho e renda.

No decorrer do tempo histórico, os espaços da academia e dos partidos políticos

contiveram calorosos debates entre cientistas e militantes que através da exposição

de suas obras e pontos de vista, propuseram saídas radicais (mudança no modo de

produção, reforma agrária massiva, coletivização da terra), profundas (reforma

agrária sem a mudança no modo de produção) ou paliativas (políticas de crédito

subsidiado, patrulhas rurais, infra-estrutura rural, etc) para resolver ou amenizar a

questão agrária.

Vinculado ao entendimento desta realidade, este capítulo inicial expões os

fundamentos teóricos e metodológicos da questão agrária e questão camponesa

com base em autores clássicos, discorrendo sobre o contexto histórico que lhes

permitiu a leitura da realidade e a formulação de sua contribuição científica.

De maneira geral, os principais expoentes da economia política condicionaram o

entendimento sobre a questão agrária ao mito do fim do campesinato, entendimento

teórico que resistiu ao tempo e impactou decisivamente na formulação e na prática

política de partidos de esquerda em vários países, inclusive no Brasil.

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Num segundo momento, explicitando os papéis desempenhados pelo Estado, pelo

capital e o campesinato no processo histórico, percebe-se que o desenvolvimento do

capitalismo no campo brasileiro ocorre de maneira desigual e contraditória,

desvinculado, portanto, da tendência unilateral exposta pelas teorias clássicas do fim

do campesinato.

No caso brasileiro, a existência, a destruição e a recriação do campesinato estão

vinculadas tanto às necessidades de reprodução ampliada do capital, quanto à

negação de um elemento central para a sua existência: a propriedade da terra. Aliás,

visando a conquista da terra, os camponeses têm se articulado e colocado enquanto

sujeitos políticos ativos na reconstrução de sua existência neste País.

1.1 Contraponto: questão agrária e desenvolvimento O processo de desenvolvimento de uma dada sociedade ocorre através de avanços

estruturais e conjunturais nas relações socioeconômicas mediadas pelo modo de

produção. É da magnitude dialética dessa realidade que surgem problemas cuja

permanência pode configuram as chamadas “questões”, atrapalhando ou mesmo

barrando o desenvolvimento social. No caso brasileiro, diversas dimensões da

realidade nacional têm se desdobrado em questões1, denotando a profunda

desigualdade que marca a nossa sociedade, corroborando estas premissas.

Gerada no processo histórico de formação econômico social do Brasil, diversos

cientistas percebem na questão agrária o elemento central que impacta

negativamente na dinamização de outras questões2. Isto é fato quando se analisam

temas como a escravidão negra no Brasil e a nossa matriz sociocultural racista e

economicamente excludente; a Lei de Terras de 1850 e o pacto latifundiário

1 No caso brasileiro, configuram importantes questões a urbana, a racial, a previdenciária, a política, a dos menores abandonados etc. 2 Isto é fato quando analisamos, por exemplo, o êxodo rural que influencia no aumento populacional das cidades, no rebaixamento do salário pela presença de maior exército de reserva, a carestia de alimentos da cesta básica ou o desabastecimento.

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concentrador da terra; os ciclos econômicos centrados nos chamados “complexos

rurais” e a modernização “dolorosa” da agricultura; o acirramento do êxodo rural e a

urbanização brasileira; a luta pela terra levada a cabo em diferentes momentos

históricos sob uma diversidade de bandeiras de luta (Ligas Camponesas, posseiros,

atingidos por barragens, o MST, etc), bem como os impactos dos assentamentos

rurais no processo de desenvolvimento local em áreas onde a estrutura fundiária é

concentrada.

A permanência da questão agrária, as resistências quanto a sua superação, o

dimensionamento e até o seu reconhecimento (há, verdadeiramente uma questão

agrária?) estão diretamente ligados aos elementos que a compõe e o fracionamento

das análises que, apesar de serem partes de um todo – a questão agrária enquanto

um processo, em muitos aspectos não são consideradas como tal, quais sejam:

• Questão Fundiária: realidade da distribuição da terra agrícola em relação à

quantidade (área), qualidade (fertilidade) e a condição de acesso do homem

do campo a esse recurso natural. No Brasil, historicamente, verificam-se as

seguintes variações: capitania hereditária e sesmaria (período colonial);

posse, propriedade (a partir de 1850, com o advento da Lei de Terras),

parceria, percentagem, grilo, arrendamento, assentamento, morador de

condição.

• Questão Agrícola: diz respeito ao que se produz na terra (qual produto?) e

quais as estruturas de trabalho, comercialização, transporte, renda, etc, que

afetam o setor agropecuário (onde se cultiva? Como se cultiva? Quanto se

cultiva ou colhe? Qual as garantias do produtor? Qual o circuito de

comercialização? A que mercado se destina? Qual o preço? Qual o padrão

tecnológico? Quais políticas públicas? A que custos sociais?).

Na análise, comparecem também os fatores políticos e econômicos, além de

estarem envolvidos uma gama enorme de agentes mediadores e sujeitos, como os

bancos, o Estado, a Igreja, as agroindústrias, os Movimentos Sociais, ONGs, as

universidades, políticos, proprietários fundiários, o campesinato, que interagem entre

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si criando e redimensionando a todo o momento um e outro elemento da questão

agrária, contribuindo para alguns avanços, muitos retrocessos e a sua permanência

histórica.

Considerando estes elementos, a superação da questão agrária está circunscrita a

duas vias: a revolucionária, através da mudança estrutural do modo de produção

capitalista para o socialista e que, talvez, sepultaria o problema, em que pese as

frustradas experiências dos ditos – e quase extintos – países socialistas; e a

reformista, que pode se dar de forma conservadora preservando os interesses do

capital, ou radical, reordenando de forma ampla a estrutura fundiária, garantindo

uma maior participação do campesinato, a estas duas acompanhadas de ações nos

elementos da questão agrícola, através de políticas de desenvolvimento rural,

preços mínimos, eletrificação, qualidade de vida no campo, enfim.

1.2 Questão agrária clássica: o lugar do campesinato ou o campesinato fora do lugar?

O aprofundamento sobre o que é a questão agrária remonta ao período situado

entre a segunda metade do século XIX e começo do século XX, momento em que o

desenvolvimento do capitalismo velozmente rompeu as bases estruturais do modo

de produção feudal, alimentando os debates teóricos e políticos que aconteciam no

interior dos partidos socialistas, comunistas e social-democratas da Europa.

Um elemento central nas contendas ocorria em torno da discussão sobre as

profundas modificações nas relações de trabalho e produção no campo que

afetavam sobremaneira o campesinato, que gerava o questionamento sobre qual o

papel a ser desempenhado pelos camponeses na transformação da sociedade

feudal e/ou capitalista rumo ao socialismo, num contexto social, econômico e político

em que este grupo social era entendido enquanto agente de uma forma de produção

pré-capitalista, transitória entre o proletariado e a burguesia, portando características

de um modo de produção diferenciado, onde nas unidades familiares o camponês

assalariava a si e a família, possuindo a especificidade de garantir a auto-

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sustentação da sua reprodução social, coordenando os elementos terra, capital e a

sua força de trabalho sem elaborar a reprodução ampliada desse capital, ou seja,

realizando a simples circulação da mercadoria, contrastando com os trabalhadores

assalariados que ser reproduziam através de uma situação de exploração social, via

salário.

Neste contexto, os principais pensadores demonstravam que a propriedade da terra

garantida aos camponeses desde a abolição da servidão nas glebas feudais3 era um

nó estrutural que necessitava ser rompido para se avançar rumo a nova sociedade.

[...] Nos acusam, aos comunistas, de suprimir o que foi adquirido pessoalmente, a propriedade conquistada através do próprio trabalho; a propriedade que se declara ser o fundamento de toda liberdade, de toda atividade e de toda autonomia individuais. Propriedade adquirida do próprio trabalho! Vocês se referem à propriedade pequeno-burguesa? Essa não precisamos abolir: o desenvolvimento da indústria já a aboliu e continua abolindo diariamente. (MARX e ENGELS, 1998, p.21).

Como um objetivo a ser alcançado, o “Manifesto Comunista” publicado em 1848 por

MARX E ENGELS (1998) preconizava uma ampla re-estruturação agrária,

transformando as grandes propriedades rurais em propriedade do Estado, a

renúncia ao pequeno parcelamento do solo, cujo reordenamento criaria grandes

explorações baseadas numa gestão racional, econômica e de ganho de escala, o

que transformaria o camponês num operário rural, priorizando o re-arranjo da

organização, gestão e produtividade do trabalho para atender o mercado de massas

urbano-industrial.

Uma segunda altercação era a reconhecida falta de participação política dos

camponeses a quem Marx acusava de isolados, sujeitos de relações sociais pobres,

massa de manobra na mão dos seus próprios inimigos – a burguesia latifundiária,

constituindo um verdadeiro “saco de batatas”. Em seu entendimento, como não

3 Após a Revolução Francesa, ocorreu a expansão da propriedade feudal em prol da propriedade camponesa.

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constituíam uma força revolucionária autônoma, cabia ao operariado o papel de guia

dos camponeses rumo à Revolução4.

À medida que milhões de famílias vivem sob condições existenciais-econômicas que separam o seu modo de vida, seus interesses e sua formação cultural dos das outras classes e os antepõem hostilmente, elas constituem uma classe. À medida que entre os pequenos camponeses existe apenas uma conexão local e a mesmidade de seus interesses não cria entre eles nenhuma comunidade, nenhuma ligação nacional, nenhuma organização política, eles não constituem uma classe. São, por isso, incapazes de impor o seu interesse de classe em seu próprio nome, seja através de um Parlamento, seja através de uma convenção. Eles não conseguem representar-se, precisam ser representados (MARX, 1983, p. 284).

Na década de 1850, a contribuição científica de Marx migra da questão política do

campesinato para a análise da teoria econômica, visando o entendimento das leis

que regiam o movimento e o desenvolvimento do capitalismo. Foram seus estudos

sobre como o agro da Europa Ocidental estava sendo impactado no processo, tanto

ao liberar a mão-de-obra (desterreamento dos camponeses) cujo destino era o

trabalho nas manufaturas urbanas e a formação do “exército industrial de reserva”,

paralelamente com os camponeses cujo destino foi a subordinação ao mercado, que

balizaram discussões políticas nos partidos e trabalhos de autores subseqüentes.

Ao discorrer sobre as categorias de análise “relações de produção capitalista,

trabalho, mais-valia, renda da terra e concentração do capital”, suas “Críticas à

Economia Política” expressas em “O Capital“ romperam com as bases teóricas do

Pensamento Fisiocrata5 e da Economia Clássica 6 que compunham a linha dorsal do

4 Aliás, em março de 1850, Marx (1983) declarou que a única classe decididamente revolucionária era o proletariado. Ver: Prática subversiva e consciência Revolucionária, Marx e Engels, in: FERNANDES, Florestan (org.). Karl Marx, Fiedrich Engels: história. São Paulo: Ática, 1983. 5 Baseados nos trabalhos de François Quesnay, principal expoente dessa corrente teórica, os fisiocratas entendiam que a agricultura era o principal ramo produtivo de onde emanava toda a riqueza, estando o comércio e a manufatura como dependentes ou subsidiárias desta, e que caberia aos soberanos garantir a sua reprodução. (QUESNAY, 1978, p. 159, 160 - 164). Neste ínterim, os camponeses se comportavam como um grupo atrasado, pois a sua baixa geração de excedentes impedia o desenvolvimento econômico pleno pelo simples fato de as riquezas produzidas serem consumidas pelos próprios produtores não ativando o comércio e a manufatura, portanto. (QUESNAY, apud NAPOLEONI, 1978, p. 30). 6 Smith, um dos autores dessa corrente, discorria que toda riqueza emana do trabalho. A agricultura, apesar da sua importância na geração de produtos, não poderia ser considerada a principal fonte da riqueza porque a industria, devido à divisão do trabalho, era muito mais dinâmica por produzir

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pensamento econômico e no método de análise da realidade agrária que até então

imperavam.

A tese central do pensamento de MARX (1983) é que a geração da riqueza nas

sociedades emana do trabalho: a ação racional do homem sobre os elementos da

natureza. Desde os primórdios da civilização, o processo do trabalho se destina a

um fim: a criação de valores de uso, a propriedade que os objetos contém que

satisfaz as necessidades humanas de qualquer natureza (física, psíquica,

emocional, orgânica, etc). Trabalho concreto, portanto.

No caso dos camponeses, sua relação com a terra e com o artesanato rural7 lhes

permitia um rol de possibilidades de transformação da natureza em produtos

destinados, em primeiro lugar, ao consumo da unidade familiar de produção

(homens, mulheres, crianças, agregados e animais). Na hipótese da necessidade de

algo mais que não podia ser produzido na unidade familiar, pela troca ou mesmo

pela venda obter-se-ia o bem necessário junto a outros camponeses ou mesmo nas

vilas, preservando o caráter de saciar necessidades.

Nestas relações, é certo que ocorria a existência de valores de uso expressos nos

produtos que eram trocados (para os sujeitos trocarem entre si um saco de trigo por

um sapato e um frango, mesmo que haja um mediador comum, no caso o dinheiro, a

ação visa obter valores de uso). Assim, “Como valores de uso, as mercadorias são,

antes de mais nada, de diferentes qualidades, como valores de troca só podem ser

de quantidade diferente, não contendo, portanto, nenhum átomo de valor de uso”

(MARX, 1983, p. 47). Mesmo no caso da circulação do produto, trocava-se trabalho

excedentes superiores aos custos. (SMITH, 1983). Num outro sentido, “O produto da terra [...] se divide entre as três classes da sociedade, a saber: o proprietário da terra, o dono do capital necessário para seu cultivo e os trabalhadores, cujos esforços são empregados no seu cultivo. Em diferentes estágios da sociedade, no entanto, as proporções do produto total da terra destinadas a cada uma dessas classes, sob o nome de renda, lucro e salário, serão essencialmente diferentes, o que dependerá principalmente da fertilidade do solo, da acumulação de capital e da população, e da habilidade, a engenhosidade e dos instrumentos empregados na agricultura. Determinar as leis que regulam essa distribuição é a principal questão da Economia Política” (RICARDO, 1982, p. 39). 7 A arte tradicional que alguns camponeses dominam, que lhes permite criar produtos outros para além da agricultura, muitas fezes tomando parte de sua produção como matéria-prima, o que lhes dá a condição de produzir calçados, roupas, pães, cordas, teares, máquinas de mecânica elementar, etc, destinados a satisfazer, em parte, as necessidades do grupo familiar ou da unidade de produção.

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concreto por trabalho concreto, pois o trabalho era entendido como um fim em si

mesmo.

ANTONELLO (2001), discorrendo sobre as especificidades do método de Marx,

evidencia que o principal impacto do avanço das relações capitalistas de produção

no campo e sobre o campesinato foi a mutação do trabalho concreto do camponês em trabalho abstrato8, transformação que cristalizou “...a deformação

da atividade humana como trabalho concreto e prescreve a satisfação básica do

homem, a partir da venda da única mercadoria que lhe pertence: a sua força de

trabalho” (ANTONELLO, 2001, p. 24).

Reproduzindo de forma ampliada este mecanismo, o capital se difundiu como um

sistema de acumulação da riqueza extraída do trabalho abstrato (trabalho

assalariado), cujo fim visa a produção de valores de uso (mercadorias) que são

portadores de valores de troca (valor monetário, cobrindo o gasto com as matérias-

primas, com a força de trabalho e permitindo a acumulação do sobre-trabalho

expresso na mais-valia, direcionado à acumulação e reprodução ampliada do

capital).

Dinamicamente, a aceleração do processo de mutação do campesinato demandou

uma maior inserção dos camponeses no mercado. Fora do circuito simples de

circulação de mercadoria representado pela vizinhança das glebas e da aldeia, duas

novas forças se impuseram sobre o campesinato: a concorrência da produção da

grande propriedade capitalista, que organizada em torno dos elementos anteriores

rebaixou o preço médio dos produtos agrícolas, e as relações de dependência para

com o capital comercial, cuja existência cada vez mais presente monopolizou os

circuitos de comercialização, ditando os preços pagos aos produtores.

Paulatinamente, a resistência histórica do camponês se desestruturou, acelerando a

proletarização via desterreamento. Àqueles que resistiram ao processo, a alternativa

possível consistiu na especialização produtiva em um ramo da produção

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agropecuária, portanto não mais ligada somente à satisfação das necessidades da

unidade familiar de produção, ou a submissão à lógica de compra e venda do capital

comercial para colocar os produtos no mercado, relações que contribuíram para

expandir a miséria no campo através da diminuição da renda familiar.

Desta maneira, há dezenas de anos o campesinato tem encontrado na

especialização produtiva voltada ao mercado a possibilidade de existência e

resistência ao avanço do capital, realidade esta que rompe com o pensamento

conservador de que o camponês é um sujeito cuja produção é voltada

primordialmente para o consumo da família e da unidade de produção.

Cabe aqui uma outra discussão: produzir somente para o mercado, longe de ter o

sentido de uma transformação radical que demonstra o fim do campesinato via

imposição do “mercado” - esta espécie de entidade que subjuga nações e pessoas -

sobre sujeitos que se transformam em “agricultores familiares” altamente

especializados, é um processo que deve ser compreendido nas dimensões cultural,

social, organizativa e não somente econômica.

Ora, qualquer cientista que se dedique ao estudo das especificidades da

agropecuária deve (ou pelo menos, deveria) entender que o camponês é um sujeito

dotado e uma racionalidade que lhe permite optar por uma produção voltada para o

autoconsumo, o mercado ou mesmo uma mescla entre mercado e autoconsumo.

Dependendo dos elementos objetivos e subjetivos da realidade, onde são cotados o

tamanho da família, o conhecimento técnico sobre o tipo de cultivo ou ramo

agropecuário, o acesso e o uso de tecnologias, a própria força de trabalho, a cultura

dos sujeitos e sua forma de organizar a unidade familiar de produção, produzir para

o mercado e não mais realizar o autoconsumo pode ser a forma mais racional de

acessar os produtos que irão sustentar a unidade familiar na forma de insumos, bens

duráveis, móveis, imóveis (aumento da unidade familiar, por exemplo) e até mesmo

alimentos.

8 Trabalho abstrato é o trabalho efetuado pelo assalariado ou até mesmo pelo campesinato subsumido, no qual ele produz algo que não lhe satisfaz as necessidades de sobrevivência, não

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O que não se pode negar é que o processo de desenvolvimento capitalista tende a

se sobrepor aos indivíduos, ditando-lhes através de um domínio social, econômico e

cultural, novas formas de produzir, de comercializar, reestruturando as formas de

relacionamento do homem com a terra e dos homens entre si. Neste sentido, é

revelador entender como se processa um dos pilares de sustentação do modo de

produção capitalista: o circuito de geração, extração e acumulação da renda da

terra.

Segundo MARX (1985), a agricultura é um setor específico da economia, possui

particularidades no circuito de geração de riqueza e complementa o processo de

estruturação do capitalismo. Neste sentido, a extração da renda da terra é o

elemento diferencial para se entender o capitalismo neste espaço produtivo. Se por

um lado o camponês proprietário transfere renda da terra ao capitalista na circulação

da mercadoria, o camponês sem-terra - incorporado ao processo produtivo na forma

de arrendatário, parceiro, meeiro, etc - o faz no início do processo de produção.

Detendo a propriedade privada do solo, o capitalista processa a extração da renda

da terra concedendo o uso de terrenos ao camponês. Nas suas variações, a renda

da terra surge a partir da renda em trabalho, na qual o produtor para ter acesso a

uma gleba de terras trabalha uma parte da semana com instrumentos de trabalho

(arado, bois, etc.) que lhe pertencem de fato ou de direito, cultivando o solo do

proprietário fundiário sem nenhuma remuneração9 por isso; renda em produtos,

quando o acesso a terra é mediado pelo repasse de uma parte da produção ao

proprietário fundiário; renda em dinheiro, quando o acesso a terra é feito com o

pagamento de um valor em dinheiro; e a parceria, quando há uma divisão dos

custos (insumos, capital de giro, etc) entre o proprietário do solo e o indivíduo que

vai cultivá-lo, fazendo com que

reconhecendo o seu trabalho no produto gerado. 9 Neste caso, a renda é a mais-valia, pois se configura como trabalho não pago.

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Por um lado, o rendeiro, quer ele empregue trabalho próprio ou alheio, tem direito a uma parte do produto, não em sua qualidade de trabalhador, mas como possuidor de uma parte dos instrumentos de trabalho, como seu próprio capitalista, Por outro lado, o proprietário de terra reivindica sua parte não exclusivamente devido a sua propriedade do solo, mas também como prestamista de capital. (MARX, 1985, p. 259).

Em seu modelo teórico, MARX (1985) apontou que a tendência geral é a

propriedade camponesa ser eliminada (desaparecer), pois a concentração do capital

se processa numa constante e, nesta conjuntura, somente a grande propriedade

pode existir, uma vez que o grande proprietário possui maior possibilidade de

investimento de capitais e conduz de maneira mais racional o processo produtivo,

fatores que condicionam mecanismos de controle e garantia de retorno da renda da

terra. Aos camponeses a opção de sobreviver com dignidade no modo de produção

capitalista está situada fora da agricultura (na cidade, talvez como operário), pois a

unidade familiar de produção é uma barbárie, onde a contenção do nível de

consumo e o trabalho excedente são – em ritmo crescente – a tônica.

Ao estudar as especificidades da industria e da agricultura inglesa, onde se difundiu

o arrendamento de terras, MARX (1985) aponta que para se entender as leis gerais

de um dado fenômeno, o cientista deve estudá-lo onde ele se manifesta de forma

superior e complexa. O paradoxo desta metodologia é que no período histórico em

que produziu sua análise político-econômica contribuindo para o entendimento da

questão agrária e camponesa, o objeto de estudo apresentava especificidades

ímpares nas diversas regiões e até países da Europa, pois

Na França, dominava a parcelarização da propriedade; na Alemanha, nas regiões industriais, prevaleciam as propriedades camponesas, que se transformaram cada vez mais em produtoras para o mercado, ao passo que a Prússia era caracterizada pela presença dos Junker, os proprietários de média grandeza; nas vastas extensões de terreno cultivável da Espanha e da monarquia austro-húngara, reinavam os latifúndios semifeudais; a mesma situação existia na Rússia, onde, porém, subsistiam ainda, vitais, as comunidades de aldeia (miry e obsciny). Acrescente-se a isto que, naquela época, a estatística agrícola se achava ainda em condições lamentáveis e era

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particularmente difícil o trabalho para o estudioso que, em tal situação, quisesse indicar uma tendência universalmente válida. (HEGEDÜS, 1984, P. 154, grifos do autor).

Apesar dos limites do método de Marx em relação à questão agrária, o

reconhecimento de sua militância política e o vasto referencial teórico por ele

produzido contribuiu sobremaneira para o debate e a prática de vários partidos da

esquerda européia em relação à elaboração de programas para solucionar e/ou

amenizar os problemas agrários, vislumbrando o desenvolvimento rural.

Por ocasião da Conferência de Londres da Primeira Internacional, do I Congresso da

Internacional Comunista (Genebra, 1866) e do II Congresso da Internacional

Comunista (Lausanne, 1867), quando entrou na pauta do dia a discussão sobre a

questão agrária, ocorreu um confronto entre o referencial marxista10 e o

proudhoniano11, cristalizando os pontos de vista dos partidos sobre os aspectos

econômicos e os valores sociais do modo de produção camponês

No Congresso de Bruxelas (1868), o documento final titulado “A Proclamação de

Genebra12” selou os acirramentos, condenando o modo de produção dos

camponeses, apontando que a solução dos problemas agrários aconteceria com

formação de cooperativas de produção agrícola e, nos casos onde os camponeses

não estivessem dispostos a fazê-las, os trabalhadores agrícolas a fariam via

desapropriação das terras de comunas, do Estado, da Igreja bem como dos

latifúndios, realizando uma gestão econômica com base em organizações

democráticas.

Nos Congressos de Stuttgart (1870) e de Gotha (1875), a Social-Democracia da

Alemanha, o maior e mais importante Partido operário do mundo à época, adotou a

linha dura votada em Genebra, mas incluiu pequenas modificações através das

10 Seus principais representantes eram Eccarius, Lessner e Stumpf, apoiados pelas delegações inglesa, alemã e belga. Defendiam a nacionalização da terra e a formação de grandes unidades produtivas, indo de encontro ao que reivindicava o Partido Comunista da Alemanha. 11 Apoiados pelas delegações da França e da Itália, eram destaques Longuet e Tolain. Para estes, a propriedade privada da terra dos camponeses era intocável. 12 Publicado em dezembro de 1869 em Der Vorbot, que teve Becker como autor e redator. Ver: HEGEDUS, 1984, p. 156

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contribuições de Wilhelm Liebknecht que, sem abandonar os princípios expressos

por Marx em relação ao campesinato e das deliberações anteriores, fundamentou

duas doutrinas para reger o processo de transição e transformações sociais do

campesinato, principalmente para a Europa Oriental, quais sejam:

1) a administração local, por ser a forma natural de associação da aldeia, deve conduzir gradualmente a propriedade camponesa individual para a gestão organizada em vasta escala; 2) os latifúndios estatais devem ser organizados como fazendas-modelo em que se cristaliza a sociedade agrícola do futuro (LIEBKNECHT, 1876, apud HEGEDÜS, p. 83).

A expansão do voto livre e a possibilidade de eleger representantes socialistas para

os Parlamentos da Europa Ocidental nos anos 1890 criaram um importante

contraponto histórico-político. Representando a maior parcela do eleitorado, os

camponeses não mais poderiam receber a pecha de sujeitos alienados da

sociedade, pois o voto lhes garantia o poder de participação nos rumos da

sociedade. Visando vencer as eleições, os partidos de esquerda se viram obrigados

a rever os programas agrários sob o risco de não receber votos com a ortodoxia de

suas análises sobre o papel do campesinato na sociedade comunista.

Apesar da massificação do voto, o programa agrário do Congresso da Social-

Democracia da Alemanha realizado em Erfurt (1891) defendeu as teses da ortodoxia

marxista em relação aos camponeses. Elaborado a partir das contribuições de Karl

Kaustsky, para quem o desenvolvimento da sociedade burguesa conduz

necessariamente à ruína da pequena propriedade, o documento considerou os

trabalhadores camponeses iguais aos inimigos pertencentes ao grupo antagônico à

classe trabalhadora, ou seja, a burguesia.

Nos debates que aconteceram no Congresso de Frankfurt de 1894, pesaram os

interesses de participação política do partido, o que forçou a se tratar da questão

agrária em separado e se discutir o alcance das teses defendidas por Eccarius13,

13 Alfaiate alemão, amigo de Marx, vivia na Inglaterra neste período. Segundo ele, “A pequena propriedade camponesa é a agricultura do passado. Ela pertence a uma formação social e está de acordo com um estágio da sociedade em que as necessidades dos homens de cada província, de cada aldeia, quase que cada família, são satisfeitas pelos próprios produtos da terra...A agricultura em vasta escala produz víveres e matérias-primas para uma população industrial, a pequena

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Liebknecht e Kaustsky. A continuidade na discussão sobre a necessidade de

transformar os camponeses em operários esbarrou na defesa destes enquanto

cidadãos votantes, reforçando que em muitos latifúndios prussianos ocorria

endividamento maior das grandes propriedades do que o verificado nas pequenas

unidades, ficando patente a superioridade da propriedade camponesa em

determinados ramos da produção, como o hortigranjeiro.

A proposta de reforma agrária através do parcelamento dos grandes

estabelecimentos em favor dos que dispunham de pouca terra, foi veementemente

combatida pelo grupo liderado por Kautsky, pois entendiam esta iniciativa como a

promoção da propriedade privada.

No Congresso de Marselha de 1892, o Partido Trabalhista Francês formalizou o seu

programa agrário explicitando ações práticas para acalmar a agitação dos

camponeses. Neste documento, as ações projetadas incluíam elementos de projetos

burgueses que há tempos vinham sendo planejados e praticados, como a formação

de consórcios municipais, favorecimento do Estado para criação de patrulhas de

máquinas agrícolas, garantia de salário mínimo aos trabalhadores do campo,

formação de cooperativas de produção em terras municipais, não pagamento de

renda aos grandes proprietários pelos camponeses arrendatários. Estas e outras

políticas garantiram o êxito eleitoral do Partido nas eleições de 1893. Em 1894, no

Congresso de Nantes, a política agrária do Partido seguiu mesclando a teoria

marxista anti-camponesa no discurso e, na pratica, implementando ações populistas

pró-camponesas.

Em um texto publicado na revista Neue Zeit, FRIEDRICH ENGELS (1981) teceu

severas críticas ao ecletismo da concepção teórica e da prática política utilizada

pelos Partidos Comunistas da França e da Alemanha na proposição de seus

programas agrários, criticando o desvirtuamento dos ideais marxistas-comunistas.

propriedade camponesa os produz para os próprios camponeses” (ECARIUS, 1869, p. 48. In MILLS, apud HEGEDUS p. 157).

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Distinguindo as especificidades do pequeno camponês em relação aos médios e

grandes proprietários, bem como os diferentes contextos sócioterritoriais onde

ocorriam variações internas e externas na organização da propriedade, ENGELS

(1981) destacou neste trabalho alguns parágrafos do texto final do Programa Agrário

do Partido Operário Francês, atacando a displicência com que os congressistas

trataram da questão camponesa, sobretudo em relação ao rol de concessões

garantidas por lei aos mesmos.

Na sua concepção, o conjunto das ações colocadas em prática constituía formas de

proteção que não freavam o processo de exploração e exclusão no campo. Ao

discorrer sobre a função do socialismo em apressar ou não o fim da propriedade da

terra e estender este direito aos camponeses, reforçou que um dos objetivos centrais

do socialismo é atingir a propriedade coletiva de todos os bens de produção e da

terra. Desta forma, qualquer ação que não visasse este fim seria grave erro, ferindo

as deliberações e os princípios socialistas defendido nas Internacionais. A

transformação rumo ao socialismo de forma alguma poderia esperar o pleno

desenvolvimento do capitalismo, mas sim ocorrer no estado de transitoriedade em

que as sociedades se encontravam.

Em 1889, baseado em estatísticas mais confiáveis sobre a situação agrária da

Alemanha e de outros países, inspirado pelas discussões que se seguiram em torno

do debate sobre o programa agrário do Partido da Social Democracia alemão

realizado em 1894 na cidade de Frankfurt, Karl Kautsky lançou a obra “A Questão

Agrária”, redimensionando as análises de como o capitalismo se estruturava e

dominava o campo naquele final de século XIX, desestruturando o modo feudal de

produção, afirmando que “É o modo capitalista que domina a sociedade atual”

(KAUTSKY, 1980, p. 25).

Utilizando um quadro conceitual amplo, KAUTSKY (1980) discutiu temas como a

agricultura moderna (divisão do trabalho, mudanças na base técnica); analisou

cadeias produtivas dinâmicas e seus impactos em áreas de agricultura tradicional;

valor e mais valia; direito consuetudinário; renda diferencial e absoluta;

agroindustrialização e a relação campo-cidade, inserindo nestas discussões o papel

do campesinato, demonstrando como o capital engendrou a transformação do

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camponês de um grupo social auto-sustentável para produtores em vias de

diferenciação dentro da comuna feudal, cada vez mais dependente de um conjunto

de elementos externos à pequena propriedade, onde secularmente resistiu

praticando a agropecuária de subsistência, com baixa geração de excedentes e

complementada pela indústria doméstica.

Segundo este autor, a insustentabilidade existencial do campesinato ocorreu

mediante o avanço das relações capitalistas de produção que determinaram a

importância da produção de excedentes (trabalho abstrato) voltada para o mercado,

lugar onde o camponês, comparecendo enquanto um concorrente da grande

propriedade - esta sim apta a resistir e crescer, pois contava com melhores recursos

técnicos (sementes e animais melhorados, maquinaria, divisão do trabalho, rotação

de culturas, escala de produção, etc), e acima de tudo operários bem alimentados e

melhor instruídos – tendia a desterritorialização.

Nesta luta entre desiguais, Kautsky percebia que a única perspectiva possível ao

campesinato era a superexploração do trabalho da família ou o trabalho acessório

na função de operário urbano ou rural. Neste caminho, enfatizava que “Com efeito,

as outras vantagens da pequena sobre a grande exploração (e essas vantagens são

o trabalho intenso, a alimentação insuficiente, a ignorância) tornam o esforço mais

penoso” (KAUTSKY, 1980, p. 133).

Em ritmo crescente, a dependência dos camponeses em relação ao trabalho

acessório para sobreviver tenderia a criar uma força centrípeta cujo resultado

minaria a possibilidade de sua reprodução, processo que os levaria definitivamente à

proletarização.

O trabalho acessório mais a alcance do pequeno camponês é o trabalho agrícola assalariado. Já o encontramos na época feudal, logo que a diferenciação na aldeia se aprofundou de tal modo que umas explorações se tornaram muito pequenas para o sustento dos respectivos donos, e as outras muito grandes, de maneira a exigir braços com que não contavam o proprietário e sua família. (KAUTSKY, 1980, p.198).

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Contrapondo-se às teses dos teóricos partidários da superioridade da produção

camponesa em relação à grande propriedade, cujas análises dos números das

estatísticas censitárias acusavam um aumento no número de pequenos

estabelecimentos, Kautsky apontava que esta realidade estava diretamente ligada

ao subconsumo, à avareza, à subalimentação, bem como a superexploração do

trabalho familiar, somando-se a isto o fato de que as médias e pequenas

propriedades eram afetadas de tal forma pelo processo de empobrecimento, que

abandonavam suas funções de produzir um mínimo que fosse para o mercado e

cada vez mais se tornavam lugares de moradia de uma mão-de-obra assalariada

das empresas rurais e urbanas.

No seu modelo teórico, demonstrou que a expansão numérica da exploração

camponesa não ocorria por conta do empreendedorismo ou da superioridade destas

unidades, mas que este fenômeno se inseria na lógica de domínio territorial do

capital que recriava as unidades camponesas através de incentivos à expansão da

indústria caseira, fornecendo matérias-primas e comprando a produção para

posteriormente revender, recriação do campesinato observada também na ação dos

grandes estabelecimentos agropecuários quando estimulavam o aumento ou ainda a

manutenção do campesinato marginal, geralmente localizado cerca das grandes

propriedades, visando uma reserva de mão-de-obra agrícola permanente e acessível

ao capital.

Ao discorrer sobre as formas de renda da terra, recuperou todo o arcabouço teórico

de Marx, demonstrando como a cidade rapidamente ocupou o centro dinâmico do

capitalismo e o campo, num ritmo crescente, perdeu função e população, impactos

dinamizados com o uso cada vez mais intensivo da maquinaria nas diversas fases

dos cultivos, aliado à emergência da agroindústria que se justapunha entre o

produtor rural e o comércio urbano, transformando seus produtos e lhes retirando

uma parte considerável da renda.

No seu entendimento, o proletariado industrial deveria se libertar e libertar ao mesmo

tempo a população agrícola para a transformação revolucionária da realidade do

modo de produção capitalista para o socialismo. Partindo da premissa de que a

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evolução da industria moderna conduziria a este fim, desqualificava o campesinato

como classe revolucionária, cabendo ao operariado arrastá-los “[...] para essa

transformação, adaptando-as às suas finalidades, igualmente as esferas incapazes

de proporcionar a si mesmas as condições preliminares do advento revolucionário”

(KAUTSKY, 1980, p. 324).

Enquanto na Europa Ocidental o debate nos partidos da esquerda operária

acontecia discutindo a realidade de consolidação do capitalismo e a sua superação,

no contexto sócioterritorial da Europa Oriental, em especial na Rússia, o capitalismo

não tinha esse mesmo vigor transformador. Pelo contrário: a presença das

comunidades de aldeias (o mir e a abscina) naquele vasto país eram salutares e as

raízes do modo de produção feudal no seio da organização social, muito mais

profundas, impedindo o capitalismo de se estruturar e desenvolver.

O sistema fundiário sui generis da Rússia permitiu a formação de uma ideologia e de

um movimento político que via na comuna um elemento positivo para a evolução da

sociedade. Denominado de “Movimento Populista”, este grupo colocou-se na defesa

dos interesses dos camponeses, exigindo desde o fim dos impostos à autonomia

das comunidades locais com sua conservação enquanto unidades econômicas,

partição das terras dos latifundiários em favor dos camponeses, produzindo estudos

e gerando discussões onde atestavam a importância do campesinato e a

necessidade de sua manutenção, mesmo após a implantação do socialismo que,

aliás, só seria alcançado pelo poder da ação revolucionária dos camponeses, e não

na ação do operariado.

Na contraposição ao “Movimento Populista” surgiu o movimento denominado

“Marxistas Revolucionários”, inferindo o fim da propriedade da terra, não importando

o tamanho, reproduzindo as premissas da ortodoxia marxista.

Participando deste debate, em 1899 LÊNIN (1985) lançou a obra “O

desenvolvimento do capitalismo na Rússia”, respondendo às argüições dos

populistas de que o desenvolvimento capitalista tenderia a prejudicar o mercado

interno. Segundo este autor, para se chegar ao comunismo haveria sim a

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necessidade do pleno desenvolvimento do capitalismo, o que exigiria a derrocada

dos latifúndios senhoriais, das propriedades camponesas, bem como a comunidades

de aldeias.

Amparado em dados estatísticos, o autor cunhou a tese da “desintegração do

campesinato”, processo que ocorre através da ampla inserção da economia

mercantil nas relações de produção no campo, por meio da influência da

concorrência, via concentração da terra e através da dificuldade dos camponeses

em acessar os avanços do progresso técnico. Evidenciando que não se trata pura e

simplesmente de um processo diferenciação do campesinato, apontou que

É claro que o surgimento de desigualdades entre os patrimônios é o ponto de partida de todo o processo, que em hipótese alguma se esgota nessa “diferenciação”. O campesinato antigo não se “diferencia” apenas: ele deixa de existir, se destrói, é inteiramente substituído por novos tipos de população rural, que constituem a base de uma nova sociedade denominada pela economia mercantil e pela produção capitalista. Esses novos tipos são a burguesia rural (sobretudo a pequena burguesia) e o proletariado rural – a classe dos produtores de mercadorias na agricultura e a classe dos operários agrícolas assalariados. (LÊNIN, 1985, p. 114).

Para LÊNIN (1985), em ritmo crescente não se sustentaria mais no campo a forma

tradicional de produção camponesa, mas sim o sistema pequeno burguês, que

transforma os camponeses no:

• Campesinato médio, produtores que gravitam entre a ascensão (burguesia

rural) e o descenso (proletariado). Sua existência estava circunscrita a boas

colheitas e ao trabalho assessório. A descamponização deste grupo, através

de vários aspectos contraditórios e antagônicos no seio do próprio

campesinato, gera os camponeses ricos, pobres e o proletariado;

• Campesinato rico (burguesia rural), que a agricultura mercantil especializada

em produtos de alto valor comercial cultivados sobre uma base técnica

agrícola avançada. Faz grande investimento de capitais, fator que permite

até mesmo dominar o processo de industrialização da produção em certos

ramos (aguardente, açúcar de beterraba, fécula de batata, óleos comestíveis

e o tabaco). Utiliza amplamente o trabalho assalariado (diarista e

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mensalista), obtendo alta produtividade, podendo também se integrar a

empresas comerciais e industriais. Pelo alto retorno do capital investido,

possui elevada renda que garante o reinvestimento em condições mais

favoráveis, seja nas atividades agropecuárias, em mais terras, mais

equipamentos, etc. É esta burguesia rural quem desempenha melhor os

papéis de produção agrícola e exerce maior poder político;

• Proletariado rural, geralmente formado por assalariados sem-terras ou

aqueles que a possuem em pequena extensão. Por terem vendidos suas

terras, acessá-la de maneira marginal ou pela ínfima dimensão, encontram-

se em decadência social.

Apesar de a lógica do capitalismo no campo ser a expropriação definitiva da terra,

transformando o camponês em assalariado, LÊNIN (1985) explicitava que

[...] a tese segundo o qual o capitalismo necessita de operários livres e sem-terra é freqüentemente compreendida de forma demasiadamente trivial. Isso é perfeitamente verdadeiro enquanto tendência básica, mas o capitalismo penetra na agricultura de maneira particularmente lenta e toma formas muito variadas. Aos operários rurais muito amiúde interessa que terras sejam distribuídas aos operários agrícolas; aliás, o operariado agrícola dotado de um pedaço de terra é um tipo próprio a todos os países capitalistas, variando conforme as condições nacionais [...]. (LÊNIN, 1985, p. 116).

Analisando as especificidades do arrendamento de terras efetivado pelos capitalistas

aos camponeses, LÊNIN (1985) demonstra que esta recriação do campesinato é

uma fórmula usual dos capitalistas para abater o alto custo dos salários e dos juros

nas atividades agrárias. Garantindo a existência do homem no campo “gravitando”

próximos às suas propriedades, o capitalista utilizava o arrendamento para acessar

a mercadoria mais importante do circuito produtivo: a mão-de-obra.

Por representar um dos limites14 ao avanço contínuo da grande propriedade

capitalista, a reprodução da propriedade camponesa efetuada pelo capital é um

14 O segundo limite é a existência de outras propriedades capitalistas que acabam concorrendo entre si ou impedindo uma expansão contínua da propriedade, condicionando a uma expansão fracionada (varias propriedades, em diferentes lugares, sob o poder de um mesmo capitalista).

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processo contraditório, pois o capital recria o que destrói como forma de garantir sua

reprodução ampliada.

Em seu entendimento, a existência dos estabelecimentos dirigidos por camponeses

de forma alguma embasava a propalada tese da superioridade destas unidades

produtivas e a necessidade de sua manutenção. Ao contrário: a destruição - cujo

resultado é migração populacional para as cidades, ou a permanência enquanto

camponeses – estavam vinculadas às necessidades do capital que dita os ritmos do

[...] processo bilateral de abandono da agricultura pela indústria (industrialização da população) e de desenvolvimento de uma agricultura capitalista industrial e comercial (industrialização da agricultura). [...]. O mercado interno para o capitalismo é criado justamente pelo desenvolvimento paralelo do capitalismo na agricultura e na indústria, pela formação de uma classe de empresários rurais e industriais. (LÊNIN, 1985, p. 369).

Expoente da “Escola de Organização da Produção” ligada aos populistas russos,

Alexander V. CHAYANOV (1974) contrapôs-se veementemente aos postulados

teóricos e metodológicos propalados pelos marxistas ortodoxos, rebatendo as

críticas de que qualquer outra forma de organizar a produção que não visasse

superar o capitalismo e ascender ao comunismo deveria ser abandonada, não

merecendo, portanto, receber atenção política e até científica.

Na moderna teoria da economia nacional tornou-se costume pensar todos os fenômenos econômicos exclusivamente em termos de economia capitalista. Todos os princípios de nossa teoria – renda da terra, capital, preço e outras categorias – formaram-se dentro do marco de uma economia baseada no trabalho assalariado, que busca maximizar lucros (ou seja, a quantidade máxima da parcela de renda bruta que resta, após se deduzirem os custos materiais de produção e os salários). Todos os demais tipos (não capitalistas) de vida econômica são vistas como insignificantes, ou em extinção; no mínimo considera-se que não tem influência sobre as questões básicas da economia moderna e não apresentam, portanto, interesse teórico (CHAYANOV, 1981, p. 133, grifos do autor).

Reconhecendo a expansão e domínio do capital e as teses que explicam os seus

avanços, em seu entendimento as relações capitalistas de produção não tenderiam

a dominar de forma total e absoluta o campo, pois o campesinato, no momento

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histórico em que ocorria sua análise, detinha uma importante função socioeconômica

nas economias de vários países, realidade que garantia a tendência de permanência

e não somente de exclusão do camponês na terra.

Criticando a metodologia proposta pelos marxistas ortodoxos, CHAYANOV (1981)

apontava que a unidade de produção familiar não podia ser posta a prova através de

modelos analíticos onde categorias econômicas inerentes ao capitalismo como

salário, renda e juros não existiam, o que dilua a aplicabilidade desses conceitos

como instrumentos de análise da realidade do campesinato.

Apontando que na economia natural a atividade econômica humana é dominada

pela exigência de satisfazer as necessidades de cada unidade de produção, que se

constitui ao mesmo tempo enquanto uma unidade de consumo, CHAYANOV (1981)

corroborava que era este o caráter diferencial que permite ao campesinato existir e

atravessar qualquer sistema econômico, seja ele capitalista ou feudal, adaptando-se

à lógica da formação econômica e social do país onde ocorria.

Por lo tanto, si queremos tener un simple concepto organizativo de la unidad de explotación doméstica campesina independiente del sistema económico en el cual está insertada, inevitablemente deberemos basar la comprensión de su esencia organizativa en el trabajo familiar. (CHAYANOV, 1974, p. 34).

Por sua vez, o trabalho familiar na unidade de produção era entendido por ele dentro

de uma lógica específica determinada por “la manera de combinar cuantitativamente

y cualitativamente la tierra, la fuerza de trabajo y el capital “(CHAYANOV, 1974, p.

96). Na sua teoria, há um ponto de equilíbrio econômico que o camponês não

ultrapassa porque excedê-lo significa trabalhar mais sem obter retorno que pague o

sofrimento do trabalho.

CHAYANOV (1974) teceu considerações sobre os fatores internos (incapacidade

laboral de algum dos membros, faixa etária dos membros, fertilidade do solo, etc) e

externos (preço dos produtos agrícolas no mercado, etc) que afetavam a unidade

familiar de produção forçando o reordenamento interno dos fatores de produção. Em

seu entendimento, ao manter o domínio sobre a gestão da força de trabalho e dos

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bens de produção (animais, insumos, implementos, ferramentas, etc), muitas vezes

realizando cultivos, criação de animais e culturas as quais não teriam valor ou a

importância comercial daqueles praticados nas unidades capitalistas de produção, a

coexistência do campesinato junto a estas unidades complementava a produção

necessária para o consumo da sociedade. Neste caso, o capital se reproduzia não

no sentido somente da proletarização do camponês, mas preservando a sua

existência ou até o recriando através da apropriação econômica dos resultados do

trabalho familiar na esfera da circulação.

[...] para que la agricultura ingrese en el sistema capitalista general no es necesaria la creación de unidades de producción muy grandes, organizadas al modo capitalista sobre la base de la fuerza de trabajo asalariada. La agricultura, repitiendo las etapas del desarrollo del capitalismo industrial, sale de una existencia seminatural y se somete al capitalismo comercial que, a veces, bajo la forma de empresas comerciales en gran escala, conduce masas dispersas de unidades económicas campesinas hacia su esfera de influencia y vincula con el mercado a estos productores de mercancías en pequeña escala para subordinarlos económicamente a su influencia. (CHAYANOV, 1974, p. 306).

Participando do mercado, as unidades camponesas eram impactadas, o que

modifica sua lógica interna, mas afirmava que “se ha estudiado muy poco el sistema

de feria rural local, en la que el campesinato vende su cosecha y compra lo que

necesita, y a cuyo alrededor cristalizan todas las relaciones económicas del campo

(CHAYANOV, 1974, p. 306). Neste sentido, a produção visando o mercado e através

dele a busca pela satisfação da unidade familiar nada igualava a unidade

camponesa à unidade capitalista de produção, sobretudo porque inexiste nestas a

exploração do trabalho assalariado, não se consuma a busca pelo lucro do capital

empregado nos negócios e apesar de produzirem principalmente para o consumo, o

camponês podia levar seus produtos ao mercado e ali satisfazer as necessidades

daqueles produtos que se absteve ou não pode produzir.

Quanto a proletarização parcial do camponês, Chayanov entendia esta realidade

como parte da estratégia de resistência a proletarização total (perda da terra ou do

acesso a ela), servindo tanto para ocupar a mão-de-obra no período de tempo em

que a mesma encontrava-se ociosa, quanto para prover de recursos externos o sítio

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em momentos de colheitas ruins ou outra condição negativa, capitalizando a unidade

familiar de um montante de recursos que em ritmo normal de trabalho e produção

dificilmente poderiam ser conquistados.

Contrapondo-se ao projeto político de concentração vertical das unidades

camponesas em grandes explorações vinculadas à agroindústria como forma

superior de cooperação agrícola a ser atingida no socialismo, CHAYANOV (1974)

evidenciava que estes eram idealismos elaborados por teóricos de gabinete que não

sabiam analisar a realidade e entender que a cooperação agrícola nascera no seio

comunidades camponesas.

Este modo de concebir la cooperación agrícola quizá sea el único método para incorporar nuestra agricultura al sistema de capitalismo de estado, que es nuestra principal tarea en este momento. Nuestra cooperación agrícola se originó mucho antes de la Revolución. La cooperación existía y existe en muchos países capitalistas. Por lo tanto entre nosotros antes de la Revolución como en todos los países capitalistas, no fue más que la adaptación de los pequeños productores de mercancías a las condiciones de la sociedad capitalista, no fue mas que una arma en la lucha por la sobrevivencia. (CHAYANOV, 1974, p. 317).

Como propostas, CHAYANOV (1974) propunha que a cooperação agrícola deveria

ocorrer visando o abastecimento do mercado urbano industrial, mas de forma

alguma poderia ser erigida somente na base da grande unidade fundiária. Para

tanto, a união de vários pequenos produtores, o apoio efetivo do Estado através de

investimentos de capital (créditos cooperativos) e de infra-estrutura (energia elétrica,

acesso a tecnologias de produção, irrigação, drenagem, presença da estrutura

política do Estado, estradas, etc), seriam saídas para se gerar a socialização destas

unidades, garantindo o desenvolvimento do campesinato e sua contribuição

produtiva para o todo social15.

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1.3 Formação, as lutas e a resistência do campesinato no processo histórico e geográfico de estruturação da questão agrária brasileira.

A criação, a destruição e até a recriação do campesinato no Brasil decorre do

metabolismo do capital no processo de ocupação/produção do espaço brasileiro. O

entendimento de como ocorre este processo contribui para o debate sobre a

pertinência contemporânea do uso desta categoria de análise, demarcando também

o rol de relações que historicamente geram a questão agrária brasileira, bem como

os avanços e retrocessos para a sua superação, na qual os camponeses

fundamentalmente comparecem como agentes políticos importantes na luta por uma

Reforma Agrária que sele ou amenize o problema.

Nos primórdios de nossa colonização, os portugueses engendraram a ocupação

territorial garantindo a acumulação primitiva do capital através do comércio

ultramarino. O salto quantitativo na rentabilidade dos negócios ocorreu com a

passagem da fase exploratória do pau-brasil para a da produção do açúcar na

década de 1530, mercadoria que teve função complementar e desvinculada

daquelas produzidas na metrópole, atendendo aos seguintes princípios:

1) produzisse a economia colonial um excedente que se transforma em lucro ao se comercializar a produção no mercado internacional; 2) a criação de mercados coloniais à produção metropolitana; 3) que o lucro gerado na colônia fosse apropriado quase que integralmente pela burguesia metropolitana. (MELLO, 1995, p. 39).

Os núcleos centrais da ação territorial portuguesa foram as capitanias hereditárias,

cujos donatários as desdobraram em latifúndios (sesmarias) em favor de colonos,

que se dedicavam a cultivar e beneficiar cana-de-açúcar nos engenhos financiados

por capitalistas holandeses. Discorrendo sobre a organicidade das unidades

produtoras, PRADO JÚNIOR (1974) aponta que

15 Ver CHAYANOV, 1974, p. 320.

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Mas seja com escravos africanos, escravos ou semi-escravos indígenas, a organização das grandes propriedades açucareiras da colônia foi sempre, desde o início, mais ou menos a mesma. É ela a da grande unidade produtora que reúne num mesmo conjunto de trabalho produtivo, um número mais ou menos avultado de indivíduos sob a direção imediata do proprietário ou do feitor. É a exploração em larga escala, que conjugando áreas extensas e numerosos trabalhadores, constitui-se como uma única organização coletiva do trabalho e da produção. (PRADO JÚNIOR, 1974, p. 37).

O entendimento do surgimento e da expansão do trabalho escravo no Brasil deve

passar pela compreensão que o capital, no movimento de ampliação das riquezas,

pode criar, moldar, destruir e recriar formas pré-capitalistas de produção ou relações

de trabalho totalmente dissociadas do assalariamento. Enquanto mercadorias, os

escravos adquiridos através da compra eram convertiam em capital fixo aos

senhores de terras, um investimento que se depreciava ao longo do processo

produtivo, e a renda obtida no seu comércio era revertida para a metrópole, gerando

altos lucros para os traficantes.

A condição servil e a forma de acesso a terra garantiu o desenvolvimento do modo

de produção capitalista, forjando ao mesmo tempo uma sociedade desigual onde

conviviam os escravos, seus senhores e alguns europeus livres que dominavam a

marcenaria e outros ofícios complementares e pertinentes aos engenhos, gerando

uma rigidez na pirâmide social onde “[...] abaixo da classe reduzida de senhores de

engenho ou grandes proprietários de terras, nenhum homem livre lograva alcançar

uma expressão social” (FURTADO, 1998, p. 75).

A gênese do campesinato brasileiro está vinculada aos ciclos de expansão e

retração da atividade açucareira que, por conta das flutuações dos preços no

mercado externo, imputaram sensíveis reordenamentos no processo de trabalho do

complexo rural do açúcar para sustentar os lucros, principalmente quando se

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conjugavam baixa nos preços do produto no mercado externo e aumento no preço

dos cativos.

A economia açucareira do Nordeste, com efeito, resistiu mais de três séculos às mais prolongadas depressões, logrando recuperar-se sempre que o permitiam as condições do mercado externo, sem sofrer nenhuma modificação estrutural significativa. Na segunda metade do século XVII, quando se desorganizou o mercado de açúcar e teve início a forte concorrência antilhana, os preços se reduziram à metade. O sistema entrou, em conseqüência, numa letargia secular (FURTADO, 1998, p. 53)

A gênese do campesinato brasileiro ocorreu mediante a expansão do trabalho livre,

onde os mestiços (mulatos, cafusos e mamelucos) e os brancos pobres

paulatinamente foram autorizados a acessar a terra, cobrindo a necessidade dos

latifundiários em produzir os alimentos utilizados na manutenção das unidades

açucareiras, recebendo parcelas fundiárias na condição de foreiros16.

Nos períodos de crise profunda, estes trabalhadores compareciam como mão-de-

obra acessória alternativa para compensar o alto custo dos escravos. Assim, para

conquistar o direito de usufruto de um pedaço de terra os foreiros aceitavam

trabalhar alguns dias da semana na lavoura canavieira, substituindo com boa

produção e sem adiantamento de capital (compra de escravos) a mão-de-obra

cativa, garantindo bons resultados econômicos aos senhores de engenho que cada

vez mais optaram por organizar nestas bases de relações socioeconômicas a

empresa açucareira.

Um outro contexto importante para a gênese do campesinato foram os povoados.

Apesar do fraco desenvolvimento urbano do Brasil nos primeiros dois séculos de

nossa história, a população localizada nas vilas da colônia onde se realizava o

comércio, os serviços de administração e, sobretudo no caso da Província de Minas

16 Direito real alienável e transmissível aos herdeiros, e que confere a alguém o pleno usufruto de uma área de terras mediante a obrigação de não deteriorá-lo e de pagar um foro anual, geralmente em trabalho não remunerado, nos períodos de plantio e colheita, ao dono que lhe concedeu morar em suas terras.

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Gerais, a extração aurífera, influenciaram na ocupação produtiva e no

desenvolvimento agrícola de áreas do entorno destes núcleos, desempenhando a

função de “cinturão verde” voltado para o cultivo de alimentos e o abastecimento

destes centros.

Num ritmo crescente, parcela da população pobre e mestiça destas localidades -

mais forte ainda quando ocorria a decadência das minas, encontrou nas áreas

inóspitas dos sertões a sua sobrevivência por meio da ocupação da terra na forma

de posses, garantindo uma certa autonomia ao organizar pequenos sítios voltados

para a produção de subsistência, constituindo “[...] o que mais tarde se chamou de

‘caboclos’, e formarão o embrião de uma classe média entre os grandes

proprietários e os escravos” (PRADO JÚNIOR, 1974, p. 42), processo que permitiu a

criação e a expansão do número de camponeses livres fora do circuito açucareiro.

Com o tempo, as áreas isoladas onde se reproduziam os camponeses livres

acabavam ”alcançadas” pela civilização, tornando atraente sua ocupação pelos

grupos dominantes, imputando a estes trabalhadores duas alternativas: a migração

para áreas inóspitas onde poderiam abrir nova posse, ou sua subordinação a um

latifundiário enquanto morador de condição, repassando ao fidalgo todo o trabalho

dependido na derrubada da mata, na abertura de um poço d’água, cultivo de

lavoura, construção de moradia, etc.

A expansão do poder dominial dos aristocratas sobre novas áreas de terras,

inclusive as ocupadas, era facilitada por conta de seu poder político e econômico,

que lhes favorecia conquistar as áreas desejadas via títulos de sesmaria,

inacessíveis para cidadãos comuns (os não fidalgos).

A posse do fazendeiro conduzia à legitimação através do título de sesmaria; o mesmo não se dava com a posse do camponês, do mestiço, cujos direitos se efetivavam em nome do fazendeiro. Basicamente, tais situações configuravam a desigualdade dos direitos entre o fazendeiro e o camponês – desigualdade essa que definia os que tinham e os que não tinham direitos, os incluídos e os excluídos. (MARTINS, 1995, p. 34).

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Afora estas questões, uma outra forma de constituição do campesinato ocorria

através das relações estabelecidas entre os donos das sesmarias que concediam

terras a pessoas que, por meio desta relação, recebiam a incumbência de cuidar de

seu patrimônio. Neste contexto, MARTINS (1995) aponta que pouco a pouco o

“favor” foi instituído como uma norma social usual mediando a relação

fazendeiro/morador de condição.

No decorrer do tempo, estas interação entre sujeitos desiguais extrapolaram as

relações socioeconômicas e passaram a repercutir nos arranjos políticos, na

conquista de proteção junto ao senhor de terras, no vínculo moral em ter de

defendê-lo frente a um inimigo. Neste contexto, a relação explorador/explorado

lentamente se modificou, resultando em variações do tipo

[...] terra em troca de renda em trabalho (como é o caso do cambão no Nordeste), em espécie (como é o caso da parceria em todas as regiões do país) e em dinheiro (como é o caso particularmente do arrendamento de terras no sul e sudeste). Mas essa evolução será diferente para o fazendeiro e para o agregado (MARTINS, 1995, p. 36).

O fim do sistema de concessão de sesmarias ocorreu em 1822 e a partir de então o

espaço agrário brasileiro foi reorganizado sob uma lógica diferente, mas igualmente

viciada e excludente. Analisando esta conjuntura, GUIMARÃES (1978) afirma que o

número de posseiros se multiplicou rapidamente.

Houve uma mudança na natureza da posse da terra. Durante o período de vigência

das sesmarias a apropriação pela posse caracteriza basicamente por ser típica

daquele morador desprovido de riquezas e que não participava da economia

comercial exportadora. Era o camponês que ocupava terras conforme suas

necessidade “Com a extinção das sesmarias e a falta de uma regulamentação, a

posse torna-se generalizada. Agora, também o proprietário de engenhos de açúcar

acumula grandes extensões de terra através da posse” (JAHANEL, 1978, p. 109).

No Sudeste brasileiro, o circuito produtivo do café, inicialmente organizado em torno

do trabalho escravo, também foi impactado pela conjuntura econômica e política que

encarecia a mercadoria. A valorização do produto no mercado externo impulsionou a

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expansão horizontal das lavouras, inicialmente cultivadas no Rio de Janeiro, rumo ao

Vale do Paraíba e desta região para o interior paulista.

Esta dinâmica exigiu dos capitalistas latifundiários (os “Barões do Café”) a buscar de

alternativas para abastecer a demanda crescente por de mão-de-obra, mas com um

custo semelhante ou inferior ao escravo. Apesar das resistências econômicas e

culturais, a saída possível era o trabalho livre, sobretudo o de imigrantes, pois pouco

a pouco crescia a resistência contra o trabalho escravo e a pressão política para a

sua extinção definitiva.

A primeira experiência vinculando o trabalho livre de migrantes europeus na

cafeicultura ocorreu pela ação do Senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro17,

que em 1840, por iniciativa e risco financeiros próprios, tentou alocar, sem sucesso,

trabalhadores europeus em suas terras no interior paulista.

Em 1847, momento em que ocupava a pasta do Ministério da Justiça do Império,

Vergueiro fundou a empresa Vergueiro & Cia. e, após obter subvenções do

Governo, conseguiu definitivamente trazer colonos da Alemanha e Suíça para sua

fazenda em Ibiacaba-SP.

Apesar da existência de uma Lei proibindo o tráfico de escravos promulgada desde

7 de novembro de 1831, atendendo a um Tratado acordado com a Grã-Bretanha em

1826, pelo qual o Brasil aceitava extinguir o tráfico negreiro em 15 anos, sob pena

de severas ações por parte da potência européia, na costa brasileira o comércio

ultramarino de escravos fluía normalmente.

Somente em agosto de 1845, quando a Inglaterra sancionou a Lei “Bill Aberdeen”, a

ação dos traficantes arrefeceu. Através deste instrumento, a Coroa Inglesa

concedeu às suas fragatas o poder de vistoriar navios suspeitos e aprisionar

qualquer embarcação que realizasse o tráfico internacional de escravos africanos.

Assim, a Grã-Bretanha - que durante séculos foi responsável por cerca da metade

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dos escravos africanos traficados de suas zonas de origem para outros países –

passou a coibir o trafico internacional, fazendo valer suas pretensões geopolíticas de

comércio ultramarino de bens manufaturados e industrializados. .

Em 4 de setembro de 1850, foi editada a Lei Euzébio de Queirós, que finalmente

proibiu o tráfico de escravos em direção ao Brasil. O impacto direto desta Lei e a

ação das fragatas inglesas contra a pirataria de escravos ultramarinos influenciaram

decisivamente para o colapso no fornecimento e para o encarecimento do preço dos

escravos, obrigando os agentes do capital agrário-exportador a encontrar outras

saídas para re-ordenar o mercado de trabalho. No conjunto, estes foram os

principais elementos objetivos para uma mudança profunda nas relações de trabalho

na agricultura brasileira: a lenta e gradual passagem da mão-de-obra cativa para o

trabalho livre.

A percepção de que seria insustentável continuar com a escravatura no Brasil levou

a burguesia agrária a exercitar o seu poder político e encontrar uma saída para

condicionar os futuros homens livres a permanecerem ligados às fazendas como

mão-de-obra, sustentando a normalidade no processo produtivo, o que só

aconteceria se lhes fossem criados amarras jurídicas para conquistar a posse de

terras na vastidão do interior do país, onde se descortinava um sertão ocupado por

grupos indígenas.

O instrumento legal encontrado e aprovado pelas elites foi a Lei de Terras editada

em 18 de setembro de 1850, ou seja, duas semanas após o fim do Tráfico negreiro.

Através desta Lei, a burguesia agrária fundou o mercado fundiário transformando a

terra em mercadoria, resguardando ao Estado o domínio sobre as áreas devolutas e

a quem tivesse dinheiro para comprar o direito de propriedade sobre as terras

ocupadas e a ocupar, conforme o documento ANEXO – 1.

Num contexto de baixa circulação de moedas, com a riqueza concentrada nas mãos

da burguesia agrária, o preço atribuído ao alqueire de terras e regulamentado

17 Em 1931, Nicolau Pereira de Campos Vergueiro (1778 – Portugal 1859) era um influente político, o que lhe permitiu integrar a Regência Trina Provisória após a renúncia do Imperador D. Pedro I em

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inicialmente pela Coroa e depois pelas províncias ficaram num patamar elevado para

o poder aquisitivo das camadas pobres de sem-terra, posseiros (que deveriam

registrar e pagar suas terras), foreiros, bem como um reduzido número de imigrantes

então existentes.

Assim, a Lei no 601 preservou a estrutura fundiária do País no contexto iminente do

desmoronamento da sociedade escravista e seu eixo dinâmico, o sudeste cafeeiro.

É importante frisar que esta Lei retardou por dezenas de anos o surgimento de um

campesinato moderno no País, pois o que se observou nos anos subseqüentes foi a

crescente expansão dos camponeses livres não proprietários (parceiros, meeiros,

arrendatários) em detrimento de poucos que realmente conquistaram a propriedade

fundiária. No caso dos posseiros e ocupantes, não só os grandes latifundiários

passaram a tomar suas terras: desta vez o Estado passou a executar esta tarefa.

Num contexto em que a mão-de-obra cativa não podia reproduzir a si própria e

abastecer o mercado, haja visto que em média um escravo africano resistia menos

de 10 anos aos trabalhos forçados e o comércio de escravos intraprovincial não

garantia o abastecimento da mão-de-obra demandada pelo circuito cafeeiro, o êxito

obtido por Vergueiro com a imigração instigou novos fazendeiros a arriscar e investir

na tomada de empréstimos governamentais subsidiados para garantir a imigração

de trabalhadores para suas fazendas.

No contexto do Nordeste açucareiro, seja pela maior quantidade de escravos nesta

região, seja pela crise do açúcar e a expansão do trabalho dos foreiros, os senhores

de engenho não compartilharam desta iniciativa.

A transição do trabalho escravo para o trabalho abstrato (assalariado) cultivou uma situação de escassez de força de trabalho, favorecendo a manutenção e ampliação de relações sociais de produção não especificamente capitalistas no interior da grande propriedade, típica do período anterior e materializado no protocampesinato. Esse foi o mecanismo encontrado pelos latifundiários nordestinos para assegurar sua mão-de-obra. Contudo, para os cafeicultores tornou-se um problema, principalmente, com a

detrimento de seu filho, D. Pedro II, impossibilitado de assumir a função devido à menoridade.

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expansão da economia cafeeira. Assim, buscam na imigração estrangeira a solução. (ANTONELLO, 2001, p.110)

A imigração de trabalhadores para as áreas cafeicultoras do Rio de Janeiro, Espírito

Santo, São Paulo e Minas Gerais permitiu a expansão do campesinato brasileiro, só

que de forma adversa daquelas até então existentes, processo que passou pela

articulação de um conjunto de ações e o estabelecimento de uma série de normas

de conduta para regulamentar a relação camponês-fazendeiro, formalizados nos

contratos de parceria.

COSTA (1966) detalha que os parceiros eram contratados diretamente na Europa e

encaminhados para as fazendas de café, tendo viagem e transporte pagos pelos

contratantes, recebendo ainda um adiantamento em dinheiro até que pudessem

sustentar-se com o trabalho na lavoura. Alocadas nas fazendas, cada uma das

famílias recebia uma dada quantidade de pés de café para cultivar, colher e

beneficiar, podendo ainda praticar a agricultura de subsistência nas entrelinhas das

plantas novas ou, na impossibilidade deste cultivo paralelo, o proprietário podia

indicar uma gleba de terras à parte na fazenda para os imigrantes realizarem esta

atividade agrícola complementar.

Ainda segundo a autora, a alimentação e o acesso a bens de primeira necessidade

se complementavam nos armazéns da fazenda, onde se comprava as mercadorias a

preços mais altos que os praticados no comércio local, sendo o consumo anotado

em fichas contabilizadas e pagas à época dos acertos de contas. Quando estes

aconteciam, descontando-se despesas com beneficiamento, transporte, comissão de

venda, impostos, etc, o parceiro recebia metade do lucro líquido da renda obtida com

o café colhido e vendido, valor direcionado a amortizar os débitos alimentícios, os

adiantamentos em dinheiro recebidos na chegada ao país, bem como juros e demais

despesas pagas inicialmente pelos fazendeiros.

Contratualmente, o parceiro estava obrigado a cultivar e manter o cafezal no limpo,

efetivar diferentes tratos culturais, replantar as falhas (plantas que morreram), até a

chegada do produto ao mercado. Não podia sair da fazenda sem previamente

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comunicar ao fazendeiro, sob pena de multa, devia saldar todos os compromissos

assumidos, sendo os casos conflitantes resolvidos pelas autoridades judiciais das

comarcas.

Essas normas sofriam às vezes pequenas alterações que não modificavam

substancialmente seu conteúdo, mas tendenciosamente favoreciam aos fazendeiros.

Havia aqueles que cobravam 12% de juros em vez de 6%, outros incluíam no

contrato cláusula obrigando os parceiros a realizarem trabalhos adversos à lavoura

cafeeira (construção e consertos de cercas e casas, abertura de estradas), cobrança

de taxas para permitir os parceiros criarem animais (cavalos, vacas, carneiros) nas

terras da fazenda, cobrança de 50% de renda em produto da lavoura cultivada

conjuntamente ao cafezal, entre outros quesitos.

Na verdade, o ordenamento da relação contratual estava atravessado pelo ranço

das relações sociais escravistas que cultural e economicamente apareciam na

relação fazendeiro/parceiro e que, guardadas as diferenças e distintas proporções,

levavam ao primeiro sujeito entender o segundo como algo seu, que ele poderia

mandar, um escravo diferenciado, onde a exploração capitalista deveria acontecer

ao máximo através das peias contratuais, cuja tônica era sempre a existência do

mínimo de direitos e liberdades para o parceiro visando a garantia do máximo de

lucros para o fazendeiro.

Na metade do século XIX, a insatisfação dos imigrantes em relação aos contratos

evoluiu negativamente, desembocando em uma série de conflitos espalhados por

várias fazendas, demonstrando as fissuras do sistema de parceria e sua

insustentabilidade tanto como instrumento rentável aos cafeicultores para substituir a

mão-de-obra escrava, como opção de sobrevivência dos imigrantes através do

trabalho na terra.

COSTA (1966) aponta que os fazendeiros, trabalhando somente com parceria ou

mesclando o trabalho destes com o trabalho escravo, sofriam prejuízos por conta do

baixo rendimento do trabalho dos imigrantes. Isto ocorria porque os escravos

cuidavam de duas a três vezes mais plantas que os parceiros que, dispensando

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menores cuidados às lavouras e às colheitas, causavam a quebra de safra ou

colhiam sacas de café de baixa qualidade e preço. Havia ainda imigrantes com

sérios vícios de bebida, alguns se tornavam muito agressivos ao elaborar serviços

não especificados no contrato, outros descumpriam clausulas, ocorrendo também o

abandono ou mesmo a fuga das fazendas por parte dos parceiros, chegando até à

perda total das safras.

Por seu lado, a autora aponta em sua obra que os imigrantes reclamavam da

exploração sofrida através da obrigação de comprar produtos a preços mais caros

nos empórios das fazendas, das diversas taxas que diminuíam a renda da família e

os marginalizavam a trabalhar sem perspectiva de se libertar através da compra de

um pedaço de terra, objetivo que os levou a migrar para o Brasil, a indicação de

cafezais velhos ou muito novos com baixa produção para desempenharem seu

trabalho, os problemas político e religiosos, pois muitos não eram católicos e não

lhes era concedido o direito de casar no Brasil nem mesmo o de registrar ou batizar

os filhos em nosso País, os resultados do julgamento de litígios judiciais muitas

vezes favoráveis aos fazendeiros, o desconforto dos locais de moradia que, apesar

de ser antigas senzalas ou barracos de pau-a-pique, tinham uma taxa paga pelo

parceiro, elementos da condição de semi-escravidão que humilhava os parceiros e

levou países como a Alemanha e a Suíça a proibirem a emigração de seus cidadãos

para o Brasil.

Entre as décadas de 1870 e 1880 as condições para a expansão do trabalho livre

mudaram consubstancialmente, pois

Os altos preços atingidos pelo café no mercado internacional, a melhoria das vias de circulação, o aperfeiçoamento dos meios de transporte, a possibilidade de empregar, cada vez em maior escala, processos mecanizados para o beneficiamento do café, o fenômeno da urbanização característico da segunda metade do século, o crescimento da população, modificavam as condições econômicas das áreas cafeeiras, criando novas perspectivas para o trabalho livre. (COSTA, 1966, p.188).

Acelerando o desenvolvimento do capitalismo no campo, o Governo brasileiro baixou

uma série de Leis garantindo financiamentos e subsídios mais atrativos para

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pluralizar a imigração, principalmente de europeus da região do Mar Mediterrâneo,

como os italianos.

Firmando-se como o principal pólo produtivo do café no Brasil, o que garantiu altos

dividendos em impostos, através da Lei Provincial no 36, de 21 de fevereiro de 1881,

a Província de São Paulo passou a complementar os incentivos concedidos pelo

Império aos fazendeiros paulistas garantindo, entre outros favores, o pagamento de

passagens dos imigrantes, sua hospedagem durante oito dias em alojamentos a

cerca das ferrovias na Capital, bem como os custos de deslocamentos das famílias

até as fazendas situadas no interior, livrando os cafeicultores e, por conseguinte, os

imigrantes, de arcar com os altos custos das despesas dessa empreitada.

A retomada no fluxo imigratório e a expansão da participação do trabalho livre

ocorreram no contexto do abandono do sistema de parceria e a ascensão do sistema de colonato, onde o assalariamento, a locação de serviços e os contratos

mistos de trabalho permitiram conquistas substanciais que favoreceram, em parte,

as demandas dos imigrantes.

O fim da cobrança de transporte, impostos e outras custas de comercialização que

recaíam sobre o produto do trabalho dos imigrantes, pouco a pouco se tornou

prática comum, desonerando fazendeiros e trabalhadores destes custos, que no

conjunto era a base de conflitos que pouco a pouco ruiu com o sistema de parceria.

A emergência dos contratos de colonato fez desaparecer as taxas usurárias

(pagamento do usufruto das casas e pastagens das fazendas, entre outras), numa

constante reciclagem e avanços que desembocou na conquista de contratos de

trabalho mais flexíveis, que tinham entre suas cláusulas

[...] uma referente ao tratamento do cafezal propriamente dito, e outra relativa à colheita. A primeira parte da remuneração era fixada no início do contrato e dependia do número de pés de café de que se encarregava cada família de trabalhadores; a segunda parte era variável, já que dependia da quantidade de café colhido, apesar do pagamento por unidade (saco em alqueire) de café colhido ser estabelecida de antemão. (SALUM JÚNIOR, 1982, p. 83).

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A manobra de classe sobre a questão fundiária iniciada em 1850 se efetivou com o

decreto da Lei Áurea de 1888, quando definitivamente ocorreu a passagem do

regime de trabalho cativo ao regime de trabalho livre. A mão-de-obra, não mais o

homem, tornou-se mercadoria. MARTINS (1990) evidencia que no “[...] regime de

terras livres, o trabalhador tinha que ser cativo, num regime de trabalho livre, a terra

tinha de ser cativa”. (MARTINS, 1990, p.32).

Esta série de instrumentos permitiu ao capital garantir a oferta constante de mão-de-

obra para a lavoura, transformando lentamente a relação de domínio físico (trabalho

cativo) para a relação de domínio ideológico (liberdade do assalariado).

Após a Proclamação da República em 1889, o poder político e econômico

conquistado pelos cafeicultores, sobretudo os paulistas, permitiram o ordenamento

de políticas públicas que resguardaram os sujeitos da classe latifundiária dos

prejuízos com os gastos realizados na obtenção dos escravos que a Lei Áurea

libertou. “A intervenção do Estado na formação do contingente de mão-de-obra para

as fazendas de café representou, de fato, o fornecimento de subsídios para a

formação de capital e empreendimento cafeeiro” (MARTINS, 1979, p. 66-67). Assim,

não ocorreu uma intentona latifundiária porque conseguiram “socializar” seus

prejuízos, valendo-se de seu poder político e dos proventos federais e estaduais

retirados dos bolsos dos contribuintes.

Com o passar do tempo, os fazendeiros perceberam que a vinda de migrantes

subvencionados pelo Estado para suas terras representava uma interessante

economia de recursos, pois não mais necessitavam investir capital na compra de

escravos. Garantida a mão-de-obra na figura do imigrante, o dinheiro economizado

na compra de escravos era revertido para a compra de terras e formação de novas

fazendas de café, pressionando para cima os preços do mercado de terras, através

do qual sobrevivem os grileiros acumulando o capital sob a forma de renda da terra,

impulsionando a ocupação do interior paulista do sentido oeste, atingindo também o

norte paranaense na região do alto Paranapanema (MONBEIG, 1984).

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Durante o regime do colonato, os fazendeiros priorizavam contratar famílias

extensas, deixando de lado os imigrantes solteiros ou casais sem filhos. Ao

assinarem os contratos para o ano agrícola, os colonos recebiam aos seus cuidados

uma quantidade delimitada de pés de café, devendo realizar todos os tratos culturais

(carpir, desbastar, arruar, repor os pés mortos), pelos quais recebiam pagamento na

forma de salários em escalas de tempo com variações de um a três meses. A

colheita, a limpeza e a secagem do café eram remuneradas à parte e quanto mais

sacas do café eram colhidas, maior o pagamento recebido pelos colonos, o que

favorecia sobremaneira as famílias com maior número de membros, pois colhiam

mais sacas de café por dia.

À parte destes vínculos contratuais, disseminou-se o trabalho remunerado por meio de diárias de serviço e empreitada, vinculados a tarefas esporádicas como o

concerto de cercas e estradas, o plantio de alguma área, a confecção de um aceiro,

a derrubada de uma extensão de mata, dentre outros serviços. Em todos estes

casos, dependendo das articulações entre colonos, tarefeiros e fazendeiros, os

pagamentos poderiam ser efetuados em dinheiro ou em sacas de café.

O camponês colono garantia parte de sua existência nos cultivos intercalares e, com

a remuneração obtida nas fases de colheita, adquiria os instrumentos de trabalho

necessários ao desempenho de suas atividades. Dependendo da intensidade do

trabalho, da composição numérica e faixa etária da família, alguns amealhavam uma

poupança que permitia a compra de um sítio, tornando-se camponês proprietário.

Neste caso, a média era de

[...] uns 12 anos de trabalho familiar para que o colono se tornasse proprietário de terra. Mesmo assim, nada impedia que isso fosse fácil. No censo realizado em 1904 e 1905 constatou-se que apenas 14,8% das propriedades rurais pertenciam a imigrantes estrangeiros, às quais correspondiam somente 9,5% da área. De mais de um milhão e duzentos mil imigrantes entrados em São Paulo até então, 8.392 haviam se tornado proprietário de terras. (MARTINS, 1979, p. 91).

A expansão no processo de incorporação de novas terras gerou, na primeira década

do século XX, a evolução geométrica na produção de café que desembocou num

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estágio de superprodução da cafeicultura nacional, cuja conseqüência principal foi a

queda dos preços do produto no mercado. A crise do café causou perdas

significativas aos fazendeiros, que se voltaram contra os interesses e direitos

conquistados pelos colonos para preservar os seus próprios interesses.

Esta realidade desandou na retomada de práticas lesivas aos camponeses, como a

criação de multas, redução das lavouras de subsistência, rebaixamento do valor dos

salários, atraso nos pagamentos, disseminando uma insatisfação coletiva que

paulatinamente desagregou o sistema de colonato, onde a opção para muitas

famílias foi o abandono das fazendas de café e a migração para as cidades.

Segundo MARTINS (1979) “O imigrante encontrou, desde o começo de sua vida no

novo país, condições de trabalho que convergiam para o seu desejo de preservar

um estilo camponês de vida, embora não completamente autônomo” (MARTINS,

1979, p. 132). A expansão dos camponeses proprietários de terras ocorre a partir da

crise mundial de 1929 que rebaixou ainda mais o preço da saca de café, atingindo o

mercado de terras.

Esta realidade ocorreu devido à desvalorização do preço das fazendas e a retração

na atividade cafeeira. Insatisfeitos com o preço do produto, muitos fazendeiros

optaram por parcelar e vender suas terras, notadamente as localizadas em área de

solos degradados ou com cafezais velhos, portanto, menos produtivos, direcionando

as receitas obtidas tanto para o pagamento de dívidas como para o investimento de

capital em setores mais rentáveis da atividade econômica (industria, comércio e

especulação imobiliária urbana), mediando a participação do campesinato na

condição de proprietários da terra. “Quando a grande exploração decai, a

propriedade agrária tende a se subdividir. Inversamente, a prosperidade da grande

exploração é importante fator de reagrupamento e constituição da grande

propriedade” (PRADO JÚNIOR, 1981, p.54).

Analisando a gênese e o processo de desenvolvimento do campesinato no espaço

brasileiro, CARVALHO (1978) aponta que

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[...] O camponês, aqui no Brasil, foi e ainda é agente de relações sociais de produção pré-capitalista. [...] funcionou como “amortecedor” de prováveis choques entre categorias de níveis sociais opostos, de grande diferença econômica e social. [...] a posição ocupada pelos camponeses [...] tende a se modificar e a se degradar, pois a estrutura social se torna cada vez mais complexa. O surgimento do empresário familiar, do arrendatário capitalista e de outras categorias, ocupando posições sócio-econômicas mais elevadas, faz com que os camponeses sejam empurrados para baixo, na escala social. (CARVALHO, 1978, p. 94 - 95).

Na contraposição às correntes que entendem o campesinato enquanto elemento

transitório no processo de expansão do capitalismo no campo, que se complementa

com o apartamento definitivo entre a propriedade ou acesso aos meios de produção

do trabalhador, que passa a garantir sua sobrevivência por intermédio do salário

pago por um capitalista, e que esse é o sentido geral do processo, OLIVEIRA (2001)

demonstra que “[...] ao contrário, ele, o capital, o cria e recria para que sua produção

seja possível e com ela possa haver a criação de novos capitalistas” (OLIVEIRA,

2001, p. 20).

Quando a exploração do trabalhador do campo pelo capitalista é maximizada

através do aviltamento das relações de trabalho mediadas pelo salário ou outra

relação social de contrato ou costume (renda em produto, dinheiro, etc), quando a

remuneração paga pela agroindústria processadora ou companhia de

comercialização ficam aquém da expectativa, ou ainda no processo de expansão do

monopólio da terra o capital avança sobre as frentes de expansão, onde estão os

camponeses posseiros, transformando a terra de trabalho em terra de negócio

(MARTINS, 1991), os camponeses e os trabalhadores não demonstram passividade

frente às articulações do capital: ao contrário, eles estruturam formas de luta e

resistência para acessar a terra e reproduzir a sua condição social ou, no caso dos

sem-terras, para ascender à condição de camponeses (FERNANDES, 2003).

Ao contrário do que prega o pensamento marxista ortodoxo, os camponeses são

capazes sim de se organizar politicamente para requerer seus direitos. A

insubmissão do campesinato brasileiro frente ao capital é histórica e ocorreu

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[...] primeiramente, contra a dominação pessoal dos fazendeiros e “coronéis”; depois conta a expropriação territorial efetuada por grandes proprietários, grileiros e empresários; e já agora, também, contra a exploração econômica que se concretiza na ação da grande empresa capitalista, que subjuga o fruto do seu trabalho, e na política econômica do Estado, que cria e garante as condições dessa sujeição” (MARTINS, 1995, p. 9 – 10).

Desencadeadas no período de transição do Império para a República, as revoltas

camponesas de Canudos no sertão baiano (1893 a 1897) e da região do Contestado

entre os Estados de Santa Catarina e Paraná (1912 a 1916) mesclaram motivação

sócioterritorial com o caráter de fundamentalismo religioso.

A presença do arraial de Canudos desagregou o fornecimento de mão-de-obra às

fazendas da região, que encontravam na comunidade à margem do rio Vaza Barris a

liberdade aos mandos dos fazendeiros. No Contestado, as terras tradicionalmente

ocupadas por gerações de posseiros foram criminosamente repassadas à

Companhia Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande, na forma de concessão, que

a tal Companhia tratou de tomar posse contratando “cowboys” americanos para

“limpar” a área, garantindo o território doado à empresa livre de “intrusos”. Nos dois

casos, a burguesia encontrou no poder do Exército e das polícias estaduais

destacados pelos Governos da Nação e dos estados o apoio para fazer frente à

resistência camponesa e garantir para si a posse da terra e o fluxo de mão-de-obra.

No Brasil, a classe latifundiária é responsável ao mesmo tempo pelo atraso e pelo

desenvolvimento social, econômico e político da nação. Isto ocorre porque a mesma

resguarda para si – excluindo, portanto, a classe trabalhadora - o comando e a

velocidade das transformações sociais, conduzindo os ajustes necessários para

reforçar o seu poder hegemônico, muitas vezes comandando a estrutura do Estado.

A partir da década de 1940, este quadro foi profundamente alterado quando

pipocaram em várias regiões do país movimentos reivindicatórios nos quais

participavam os camponeses. Externalizando sua ânsia por justiça social, atuando

com vontade e força política própria, sob a mediação da Igreja e dos partidos

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políticos, pegando em armas ou irrompendo em greves, organizando sindicatos

combativos ao invés de recorrer à justiça, enfim, atuando como sujeitos políticos da

sua história contra as situações de exclusão vivenciadas, os camponeses brasileiros

vêm demonstrando ao longo dos anos e em variados episódios de ação, ainda que

de forma rudimentar, que possuem uma consciência de classe.

Os levantes no campo, afora os casos que a historiografia não registra, estão

vinculados aos inúmeros casos envolvendo pequenos posseiros contra os grileiros

de terras (Teófilo Otoni e Governador Valadares no Estado de Minas Gerais;

Trombas e Formoso em Goiás; Porecatú, Jaguapitã e vários municípios do Sudoeste

paranaense; Nova Iguaçu, Cachoeiras do Macacu e Duque de Caxias, no Rio de

Janeiro; região do Bico do Papagaio, no Maranhão; vale dos rios Mucuri e Doce no

Espírito Santo), arrendatários contra fazendeiros (Santa Fé do Sul, no interior

paulista18).

Por conta das circunstâncias de luta, que se desdobraram em sérios conflitos,

inclusive armados, envolvendo jagunços, polícia e exército, gerando mortes e

despejos, além de toda a sorte de violência (espancamentos, prisões arbitrárias,

assassinatos, destruição de lavouras e casas), percebe-se que no caso brasileiro

[...] o campesinato é uma classe, e não um estamento. É um campesinato que quer entrar na terra, que, ao ser expulso, com freqüência à terra retorna, mesmo que seja terra distante daquela de onde saiu. O nosso campesinato é constituído com a expansão capitalista, como produto das contradições dessa expansão. Por isso, todas as ações e lutas camponesas recebem do capital, de imediato, reações de classe: agressões e violências, ou tentativas de aliciamento, de acomodação, de subordinação. (MARTINS, 1995, p. 16)

O avanço da luta pela terra como instrumento de manutenção, acesso ou mesmo

reprodução do campesinato teve projeção política quando as lutas isoladas dos

trabalhadores foram institucionalizadas. A principal entidade desta fase foi a Ligas

Camponesas surgida na zona canavieira do Nordeste, primeiro em Pernambuco

(Engenho Galiléia, 1955), depois disseminada para outros Estados do País,

18 Conforme MARTINS 1995 ( p. 66 – 76) e FERNANDES 2000 (p. 35 – 41).

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sobretudo o Nordeste brasileiro, constituindo importante instrumento de participação

do campesinato na retomada da democracia do período pós-Getúlio Vargas19,

tutelada pela igreja católica e o Partido Comunista.

A fundação da Ligas Camponesas está vinculada à expansão dos canaviais via ação

dos fazendeiros nordestinos interessados em auferir maiores lucros com o açúcar,

num momento em que a mercadoria encontrava-se altamente valorizado no mercado

externo. Abandonando a prática secular do aforamento, os fazendeiros provocavam

o avanço do cultivo de cana-de-açúcar nas terras ocupadas pelos camponeses, re-

criando extensas lavouras de cana-de-açúcar baseadas no trabalho assalariado e,

conseqüentemente, provocando a expulsão do homem do campo nas áreas

densamente ocupadas com uma pluralidade de explorações agropastoris.

Impedida de cultivar suas lavouras de subsistência, a população expulsa do campo

encontrava como única alternativa reproduzir-se enquanto assalariada rural.

Expulsos da terra de trabalho e em face da inexistência de sindicatos rurais, os

trabalhadores não obtinham as mínimas condições de dignidade enquanto mão-de-

obra agrícola no que toca a salários dignos e direitos trabalhistas, garantias que o

Estado Novo não estendeu aos operários do campo.

É significativo que o mesmo Getúlio Vargas que propôs e viabilizou a consolidação das Leis do Trabalho, em 1942, para regular a questão trabalhista nas fábricas e nas cidades, não tenha estendido aos trabalhadores rurais direitos legais que dariam forma contratual a relações de trabalho ainda fortemente baseadas em critérios de dependência pessoal e de verdadeira servidão. (MARTINS, 1994, p. 72).

Um outro capítulo na história da participação ativa do campesinato brasileiro

estruturou-se no Estado do Rio Grande do Sul, no final da década de 1950, quando

cerca de 300 famílias de posseiros do município de Encruzilhada do Sul entraram

em conflito com fazendeiros da região, fundando o MASTER – Movimento dos

Trabalhadores Sem Terra, organização que passou a organizar lutas em outras

localidades gaúchas, agremiando assalariados rurais, parceiros, peões, pequenos

19 Governou o país de forma ditatorial entre 1930 e 1945.

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proprietários e agregados, forçando o Governo estadual a assentar as famílias em

projetos financiados pelo dinheiro público.

Em 1962, os sem-terra começaram a organização de acampamentos. Esta era uma singularidade do MASTER, que, ao se aproximar das cercas do latifúndio, tornava-se uma ameaça concreta. Estes trabalhadores não estavam resistindo para não sair da terra, como era o caso dos foreiros das Ligas Camponesas. Eles estavam pelejando para entrar na terra. (FERNANDES, 2001, p. 34).

Em 1955 os comunistas fundam na capital paulista a União dos Lavradores e

Trabalhadores Agrícolas do Brasil, a ULTAB. Apesar de no ato da fundação desta

entidade estarem presentes representantes da Ligas Camponesas, a divergência em

elementos da prática militante não permitiu o alinhamento entre as duas instituições.

As discordâncias iam desde o oferecimento de participação nas páginas e

divulgação do jornal Terra Livre editado pela ULTAB, oferta que a Ligas

Camponesas desdenhou por que não via este como um instrumento de politização

mais forte que o trabalho tête-à-tête e as animações com violeiros e músicas de

protesto junto aos trabalhadores analfabetos, passando pelo entendimento de que a

estrutura da entidade formalizava a imposição de cima para baixo do Partido

Comunista, com um caráter meramente formal, circunvizinho ao eixo Centro-Sul do

País, coalhado de dirigentes retirados do operariado e não do campesinato

(MORAIS, 2002).

Representado através de diversas entidades, a “[...] história política do campesinato

brasileiro não pode ser reconstituída separadamente da história das lutas pela tutela

política do campesinato” (MARTINS, 1995, p. 81). Enquanto os sem-terra se

organizaram em torno do apoio do PTB gaúcho de Leonel Brizola, a ULTAB e a

Ligas Camponesas ficaram na esfera de influência do Partido Comunista e, num

segundo plano, da Igreja.

Em 17 de novembro de 1962, na cidade de Belo Horizonte – MG, com apoio

financeiro do Governo Federal, realizou-se o I Congresso de Lavradores e

Trabalhadores Agrícolas do Brasil, com a presença de 2.400 delegados, sendo 215

da Ligas Camponesas, 38 do MASTER e 2.147 da ULTAB. Empossado a menos de

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dois meses no cargo e presente neste evento, o Presidente João Goulart

vislumbrava garantir um pacto político dos agricultores para a efetivar o movimento

sindical e o desenvolvimento no campo através de projetos organizados pelo seu

partido, o PTB - Partido Trabalhista Brasileiro.

Nos debates, a ULTAB e a Ligas Camponesas bateram de frente, com a segunda

travando a pauta de discussões coordenadas pela primeira, sobrando severas

críticas aos encaminhamentos de pressão política sobre o Governo Federal frente à

questão agrária (MARTINS, 1995).

Nos primeiros dias de Congresso, a ULTAB viu derrotadas suas modernas teses de reforma de leis de arrendamento rural e de extensão da política salarial e de Segurança Social Urbana às massas rurais. O grito de ordem da reforma agrária radical “na lei ou na marra”, proferida pelos camponeses das Ligas, contagiou todos os delegados. O Congresso, a partir desse momento, não passou de uma série de ruidosas e agitadas manifestações e comícios políticos, quando já havia se iniciado, no interior da própria catedral, de onde se aplaudiu com ‘vivas à Reforma Agrária Radical’ e ‘morte aos latifundiários’, o sermão de missa inaugural do I Congresso Nacional dos Camponeses (MORAIS, 2002, p. 40).

As propaladas Reformas de Base defendidas pelo Governo Federal tinham capítulo

específico dedicado à resolução da Questão Agrária. Neste, a ação principal era o

desencadeamento de uma reforma agrária, indo de encontro aos interesses das

organizações do campo. O problema é que o instrumento executor, o Estatuto da

Terra, esbarrou nas ações políticas dos contra-reformistas assentados no Congresso

Nacional que não aprovaram o projeto, demonstrando a insatisfação e, novamente,

o poder político dos latifundiários.

Perdida a contenda sobre o Estatuto da Terra, no dia 11 de outubro de 1962 Goulart

sancionou a Lei Delegada no 11, criando a Superintendência de Política Agrária

(SUPRA) com a atribuição de colaborar no desenvolvimento de uma política agrária

para o país, planejar, promover, executar a reforma agrária, além de coordenar

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projetos de desenvolvimento rural através de ações como a assistência técnica,

financeira e educacional no campo (PINTO, 1995, p. 62-65).

Em 1963, agrupando dezenas de sindicatos e federações estaduais espraiadas pelo

país e negociando com a ULTAB, o Partido Comunista e a Igreja Católica, Goulart

realizou a manobra política que resultou na fundação da Confederação dos

Trabalhadores na Agricultura, a CONTAG.

Neste ano, o Congresso Nacional promulgou o Estatuto do Trabalhador Rural (Lei

4.212), recebendo a aprovação dos sindicatos de trabalhadores urbanos. Com estes

mecanismos, Jango lançou as bases para cooptar institucionalmente os movimentos

populares do campo. De fato, tal ação pouco a pouco “esvaziou” a Ligas

Camponesas, pois, “A rigor, o Estatuto foi uma vitória dos que davam prioridade e

importância ao trabalhador assalariado rural em relação aos camponeses”

(MARTINS, 1995, p. 90), referendando no território brasileiro as orientações da

ortodoxia marxista defendidas há anos nos partidos operários, socialistas e

comunistas da Europa.

As propostas de profundas transformações estruturais no campo e os avanços

sociais empreendidos por Jango no período de renovação democrática,

desagradaram soberbamente à burguesia agrária que, apesar de não possuir o

poder econômico alcançado pela burguesia urbano-industrial – o “motor” do

desenvolvimento capitalista no Brasil à época, possuía cacife político e até

econômico para se contrapor a qualquer projeto que representasse mudanças na

estrutura fundiária do país.

Tabela 1 – Projetos de Colonização e Assentamentos Rurais. Brasil e Regiões, 1946 -

1964 Regiões Programas Área Famílias Centro-Oeste 25 1.098.107 8.693 Norte 3 51.105 571 Nordeste 26 1.188.437 5.547 Sul 15 27.468 1.157 Sudeste 16 352.137 1.187 BRASIL 85 2.717.254 17.155 Fonte: PINTO, 1995.

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Conforme os dados da Tabela – 1, desde a década de 1940 os Governos

desenvolveram políticas de reordenamento fundiário20. Jango inovou ao editar um

Decreto Lei que preconizou a desapropriação de 10 km das terras situadas de cada

lado ao longo das rodovias federais e, incontinenti, encaminhou ao Congresso

Nacional uma proposta de emenda constitucional para desonerar o Governo de

pagar as terras desapropriadas em dinheiro e à vista, tentando com esta iniciativa

massificar o assentamento de trabalhadores, em resposta à negativa de

implementação do Estatuto da Terra.

A burguesia agrária fechou questão com os grupos conservadores urbano-industriais

da classe dominante para barrar o projeto de reformas de base proposto por Jango.

Quando este realizou o comício de 13 de março de 1964, em praça pública na

Capital Federal (à época, situada no Rio de Janeiro), aproveitou a ocasião para

desapropriar áreas para fins de reforma agrária, além de estatizar empresas

estrangeiras e regulamentar a presença do capital externo no País, entre outras

ações progressistas.

Incontinenti, dias depois as elites conservadoras organizaram a Marcha da Família,

com Deus e Pela Liberdade nas ruas de São Paulo mostrando o seu desagravo em

relação às ações políticas do Governo, declarando o resguardo do patrimônio

econômico e exercitando seu inquebrantável poder político frente ao avanço

organizativo dos movimentos sociais.

Em 1964, os militares tomaram o poder, destituindo o presidente João Goulart, numa aliança política em que participaram diferentes setores da burguesia: latifundiários, empresários, banqueiros etc. O golpe acabou com a democracia no País e, por conseguinte, reprimiu violentamente a luta dos trabalhadores. Os movimentos camponeses foram aniquilados, os trabalhadores foram perseguidos, humilhados, assassinados, exilados. Todo o progresso de formação das organizações dos camponeses e assalariados rurais foi destruído. Igualmente significou a impossibilidade dos camponeses ocuparem seu espaço político, para promoverem a luta por seus direitos, participando das transformações fundamentais da organização do Estado brasileiro. (FERNANDES, 2000, p. 41).

20 Vargas foi responsável por metade das famílias assentadas; Kubitschek e Jango dividiam a outra metade.

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Após o Golpe, o aparelho público de Estado foi re-organizado em torno de uma

tecnocracia sobre a qual os militares exercitaram seu poder, impingindo um novo

ritmo ao trato com os elementos da questão agrária.

No plano das ações, ainda em 1964, o presidente militar empossado (General

Castelo Branco) federalizou a competência de gestão do Estado sobre as terras

devolutas e removeu a questão do pagamento em dinheiro das terras

desapropriadas previstas na Constituição de 1946. Na Emenda Constitucional no 10,

de 10 de novembro de 1964, o artigo 141 garantiu o direito de propriedade, salvo

nos casos de desapropriação por interesse público ou social, ação que a União

ficava obrigada a efetuar o pagamento da terra de forma prévia, justa, por meio de

títulos públicos com garantia da sua correção monetária.

Apesar de desenvolver uma gama de instrumentos políticos para realizar a Reforma

Agrária no Brasil, como a Lei no 4.504 de 30 de novembro de 1964 (o Estatuto da

Terra) e o Ato Institucional no 9 do Gen. Costa e Silva (criou o instrumento

desapropriatório do Rito Sumário21), os Governos Militares optaram por desenvolver

políticas pragmáticas que priorizaram os elementos da questão agrícola, sobretudo

em relação ao beneficiamento explícito da agricultura capitalista, deixando de lado

qualquer ação no sentido da resolução da questão fundiária e leis que

beneficiassem o campesinato.

É interessante esclarecer que neste período as políticas fundiárias planejadas e

executadas pelos Militares, mesmo aquelas que em certa medida tendiam no sentido

de expansão do campesinato, alicerçaram ainda mais o desenvolvimento do

capitalismo no campo e a exclusão dos camponeses.

O próprio Estatuto da Terra foi elaborado de tal forma que se orienta para estimular e privilegiar o desenvolvimento e a proliferação da

21 Neste instrumento, levantada as áreas para fins de Reforma Agrária, o Judiciário teria 24 horas para deferir o processo, outras 24 horas para imitir a posse e 3 dias para transmitir a propriedade fundiária para o IBRA – Instituto Brasileiro de Reforma Agrária, com pagamento fixado entre as partes ou baseado no valor declarado para o Fisco referente à taxação do ITR – Imposto Territorial Rural.

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empresa rural. O destinatário do Estatuto não é o camponês, o pequeno lavrador apoiado no trabalho da família. O destinatário do Estatuto é o empresário, o produtor dotado de espírito capitalista, que organiza a sua atividade econômica segundo os critérios da racionalidade do capital. (MARTINS, 1984, p. 33).

Em relação aos trabalhadores rurais assalariados, o Estatuto do Trabalhador Rural

(ETR) de 1963, outro instrumento de política pública nascido ainda no governo

Goulart, mostrou ser um revés que em nada beneficiou aos trabalhadores. Pelo

contrário, semeou em solo fértil o desprezo do capital agropecuário no que toca à

valorização da mão-de-obra, reproduzindo relações de trabalho que feriam os

direitos trabalhistas, acaçapando o valor dos salários e das diárias pagas,

desvinculando a causa trabalhista dos outros elementos da questão agrária.

O ETR veio de fato acelerar a tendência, que já se verificava antes, de substituir o trabalhador permanente pelo trabalhador temporário, geralmente contratado de um intermediário, empreiteiro, ou gato, como forma de burlar a legislação e não assumir qualquer encargo trabalhista. (MINC, 1985, p.16).

A ação do Estado para modernizar as relações de trabalho no campo acelerou a

tendência de expropriação completa do campesinato marginal, transformando-o em

operário rural, em um ritmo superior ao processo de criação do campesinato que o

Estatuto da Terra regulamentou através de uma indefectível política que priorizou a

colonização de extensas áreas do Centro-Oeste e Norte do País e alguns

assentamentos rurais nas demais regiões (Tabela 2).

Tabela 2 – Projetos de Colonização e Assentamentos Rurais. Brasil e Regiões, 1954 –

1984. Regiões Programas Área Famílias Centro-Oeste 129 3.724.164 27.271 Norte 46 18.579.512 107.079 Nordeste 38 1.155.718 17.081 Sul 35 181.570 7.335 Sudeste 16 79.431 3.702 BRASIL 264 23.720.395 162.468 Fonte: PINTO, 1995.

A política trabalhista adotada para o campo acelerou o processo clássico de

extração da mais-valia via apartamento do campesinato do seu principal meio de

produção-reprodução: a terra,

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[...] no derradeiro ponto de culminação do desenvolvimento da propriedade privada é que se revela o seu segredo, a saber, por um lado, que ela é o produto do trabalho alienado e, por outro, que ela é o meio através do qual o trabalho se aliena, a realização da alienação. (MARX, 1964, p.169).

Como assevera MELLO (1975), o mercado de trabalho no campo priorizou,

sobretudo, o operário rural volante (o “bóia-fria”). A expansão do trabalho

assalariado no campo brasileiro liga-se ao processo geral de concentração da

propriedade fundiária e o abandono de relações tradicionais de trabalho, como a

parceria e o arrendamento, contribuindo – principalmente em regiões onde se

expandiram monoculturas como algodão, laranja, café, cana-de-açúcar e pastagens

– para a formação de um exército de reserva da mão-de-obra rural, que se localiza

não mais no campo, como as famílias do colonato do café ou os foreiros

Nordestinos, por exemplo, mas sim miseravelmente nos pequenos e médios

municípios do interior do País, situação que lhes condiciona estar disponível à época

das safras mesmo que as condições de salário, trabalho, transporte, distâncias

geográficas (muitos viajam para outros Estados para trabalhar, ficando alojados em

galpões sem as mínimas condições de higiene) e sindicalização sejam as piores.

Um dos pilares da política agrária foi o desenvolvimento de projetos de ocupação da

fronteira Norte do País, sobre o signo do PIN – Programa de Integração Nacional.

Mesclando obras de infra-estrutura, colonização e grandes projetos agropecuários

subsidiados, o Estado garantiu a ocupação dessa região por latifundiários

tradicionais e por empresas industriais, comerciais e bancárias que se inseriram

neste programa como forma de garantir a reserva de valor para posterior

especulação imobiliária, além de efetuar desvio dos recursos averbados.

Destruindo o processo tradicional de ocupação das terras da Região Norte onde

grassam os povos da floresta22

[...] O capital privado, através da venda de terras dos camponeses procura, por um lado, realizar, extrair a renda da terra e, por outro lado, simultaneamente, ir formando os “viveiros de mão-de-obra”

22 Por extensão, povos da floresta são os habitantes tradicionais da Amazônia legal: grupos indígenas diversos, seringueiros e posseiros.

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para seus projetos de exploração capitalista da terra. O Estado, por sua vez, tem ficado com a tarefa de buscar conter as tensões sociais e nesse processo, tem feito dos projetos de colonização uma “válvula de escape” das áreas de tensão social. Assim, tem sido historicamente a “Marcha para Oeste” e a colonização na fronteira. (OLIVEIRA, 2001, p.143).

Sobre o mote dos projetos voltados à agropecuária, BUAINAIN (1997) esclarece que

estes foram elaborados e executados por meio de intervenções planejadas para

garantir mudanças estruturais tanto na base técnica quanto na base econômica e

social identificados nos diagnósticos efetuados pelo Estado.

Em função destes objetivos, as intervenções planejadas mobilizam e tentam utilizar forma consistente um conjunto de instrumentos de regulação dos fluxos de produção corrente (instrumentos de curto prazo) e de ação de longo prazo, buscando ainda dar consistência às reivindicações e pressões dos agentes sociais, as quais são quase sempre particulares e não necessariamente conducentes aos objetivos propostos. O principal instrumento da política era o crédito subsidiado, especialmente o de investimento, mas foram também relevantes os investimentos em pesquisa agronômica, extensão rural, apoio à comercialização e os programas de desenvolvimento rural integrado nas regiões mais atrasadas. (BUAINAIN, 1997, p. 5).

As políticas implementadas resultaram em um processo de desenvolvimento

conservador que, apesar de inserir a agricultura brasileira no contexto de

mundialização de nossa economia, implicou na sazonalidade do trabalho, expansão

dos complexos agroindustriais, além da exclusão da agricultura camponesa

enquanto atividade produtiva ou mesmo enquanto reserva da mão-de-obra para a

grande propriedade capitalista, pois

[...] esse processo foi profundamente desigual, eu diria até mesmo parcial; seja por região, produto, tipo de lavoura, tipo de cultura, tipo de produtor, principalmente; ou seja, aqueles produtores menos favorecidos tiveram menos acesso às facilidades de crédito,

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aquisição de insumos, máquinas, equipamentos, etc. e apresentaram graus menores de evolução, principalmente da sua produtividade. [...] Uma segunda característica é que ele foi excludente [...] ele atingiu uns poucos e fez com que alguns poucos chegassem ao final do processo. (GRAZIANO DA SILVA, 1994, p. 138 – 139).

Discorrendo sobre esta temática, OLIVEIRA (1994) esclarece que o Estado garantiu

a expansão do capital por meio da compra de grandes propriedades vinculando-as à

agroindústria processadora, valendo-se do trabalho assalariado dos bóias-frias,

fundindo capitalista industrial e dono de terra em uma mesma figura, através do

processo de territorialização do capital. Em relação à expansão da capacidade de

ação do capital agroindustrial e comercial, cuja presença recria e/ou preserva o

campesinato, mas lhe extrai a renda da terra através das cadeias de integração e

comercialização da produção, “esse processo contraditório revela que o capital

monopoliza o território sem entretanto se territorializar. Estamos, pois, diante do

processo de monopolização do território pelo capital monopolista” (OLIVEIRA, 2001,

p. 24 – 25).

O capitalista enquanto proprietário fundiário extrai a mais valia relativa através da

submissão real do trabalhador, ou seja: assalariando. Na forma comercial ou como

industria processadora, o capital exerce a submissão formal do trabalho: apesar de

ser proprietário dos meios de produção, até certo ponto manter o controle sobre o

ritmo do trabalho, liberdade que pode não existir caso seja formalizado contratos de

integração, o camponês produz mercadorias na quantidade e qualidade que o

capital requer, muitas vezes depende de adiantamentos, tecnologia, assistência

técnica e até financiamento por este concedido, numa relação através da qual

exerce um sobretrabalho transferindo para o capital a mais valia absoluta (TAVARES

DOS SANTOS, 1978).

Contestando esta análise teórica, MARTINS (1995) entende que

Na medida em que o produtor preserva a propriedade da terra e nela trabalha sem o recurso do trabalho assalariado, utilizando unicamente o seu trabalho e o da sua família, ao mesmo tempo que cresce sua dependência em relação ao capital, o que temos não é a sujeição formal do trabalho ao capital. O que essa relação nos indica é outra coisa, bem distinta: estamos diante da sujeição da renda da

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terra ao capital. Esse é o processo que se observa hoje claramente em nosso país, tanto em relação à grande propriedade, quanto em relação à propriedade familiar, de tipo camponês. (MARTINS, 1995, p. 175, grifos do autor).

Os apontamentos históricos, políticos e os mecanismos expressos no quadro teórico

efetivam uma realidade socioeconômica de exclusão e subordinação crescente do

campesinato brasileiro. A ainda na década de 1970 e apesar da repressão do

regime militar que prendeu, expulsou ou mesmo assassinou as lideranças das lutas

no campo da primeira metade da década de 1960, os indígenas, trabalhadores

rurais e os camponeses organizam frentes de luta e as espacializaram em vários

pontos do território nacional, demonstrando a insatisfação para com a realidade

vivenciada, co-participando na luta geral pela redemocratização do país, expressa

também na luta dos trabalhadores e entidades urbanas, que por razão da alienação

do pragmatismo doutrinário marxista ortodoxo que impregnava sua direção e a dos

partidos políticos, não conseguiam perceber a força política e organizativa dessas

lutas, pois compreendiam o campesinato como um grupo alienado dentro da classe

trabalhadora.

Apesar dos complicados meandros políticos, a expansão do campesinato é um dos

elementos centrais da estruturação do capitalismo no campo brasileiro, pois o capital

mantém, subordina, destrói e ao mesmo tempo recria o campesinato na suas

variadas formas: pequeno agricultor, posseiro, parceiro, meeiro, arrendatário, foreiro.

Contraditoriamente, este processo redunda na geração do tanto do trabalhador

assalariado quanto numa massa de trabalhadores sem-terra, sem emprego, sem

coisa alguma, que encontra na luta pela terra a possibilidade de se inserir, via

pressão política, novamente como produtor rural.

O mecanismo mais intenso da reterritorialização do campesinato é a

desterritorialização do capital engendrada nas ações de desobediência civil das

ocupações de terra (FERNANDES, 2000) que, desde a década de 1970 até a

atualidade (2004), tem resultado em políticas de assentamentos rurais que

recolocam os camponeses e suas entidades de luta enquanto importantes agentes

políticos e sócioterritoriais na discussão e busca de resolução da questão agrária via

Reforma Agrária.

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Partícipe desta dinâmica, o MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

destaca-se enquanto uma das entidades mais ativas, realidade que se deve pela

articulação nacional alcançada pelo Movimento ao longo dos últimos 20 anos

quando surgiu, estando hoje organizado em 25 Estados, e as suas ações que tem

apontando novas perspectivas de organização social, gestão do trabalho,

sustentabilidade agrícola, condicionando um outro patamar no desenvolvimento local

e novos embates na relação capital X trabalho e, dentro desta, da questão

camponesa.

Sendo assim, nos capítulos subseqüentes prevalecerá a análise do estudo de caso

do município de Querência do Norte – PR, numa perspectiva histórico geográfica,

buscando o entendimento de como a questão agrária brasileira, grosso modo,

repercute diferencialmente nos Estados, nas regiões e nos municípios e como o

MST coloca-se como agente de contraposição ao processo, levando os camponeses

à resistência contra o capital lutando pela terra e na terra.

QUERÊNCIA DO NORTE: UM ESPAÇO DE CONFLITOS NO NOROESTE PARANAENSE

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2 QUERÊNCIA DO NORTE: UM ESPAÇO DE CONFLITOS NO NOROESTE PARANAENSE.

O processo de ocupação da poção norte do território do Estado do Paraná entre as

décadas de 1930 a 1960 ocorreu vinculado à ação hegemônica de empresas

colonizadoras que, adquirindo terras públicas, mediaram o acesso à terra agrícola

para os camponeses, oferecendo facilidades para o pagamento e infra-estruturas

básicas, como estradas e pontos de apoio para a comercialização, que mais tarde

assumiram funções urbanas, transformando-se em cidades.

Esta espécie de “reforma agrária liberal” ocorreu vinculada aos interesses do capital

fundiário. As levas de migrantes que acorreram a região eram compostas,

sobretudo, por descendentes da segunda e terceira gerações de imigrantes

europeus que trabalharam como colonos e/ou parceiros nos Estados de São Paulo e

Minas Gerais, diferentemente de seus pais e avós, através da colonização

realizaram o sonho da propriedade da terra.

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Os pontos chave para a criação de novos proprietários de terra foram os baixos

preços da mercadoria, negócio facilitado pelo sistema de prestações “a perder de

vista”, a qualidade das terras (o que garantia altas produções) e o tipo de cultura

implantada, notadamente o café (apesar dos problemas relativos a preço e clima). A

partir da década de 1960, tanto a queda abrupta dos preços relativos a

megaprodução de café, como graves problemas climáticos, principalmente as

geadas, geraram uma crise no setor, abatendo a possibilidade de resistência (e

existência) destes produtores e de outros trabalhadores, neste caso, os parceiros e

meeiros envolvidos na produção

Isto posto, é importante destacar que a história e a formação do espaço geográfico

do Noroeste paranaense contém elementos (colonização, pequenas propriedades,

desenvolvimento da cafeicultura, crise do café, êxodo rural, mudanças profundas na

agropecuária, com destaque para a pecuária extensiva) que a aproximam da

realidade de desenvolvimento da agricultura capitalista no Norte paranaense, mas

com características impares.

Neste segundo capítulo, analisando documentos históricos, trabalhos científicos,

dados diversos, procura-se esclarecer como a região foi incorporada ao circuito

produtivo do café, demonstrando as contradições e as fraturas no processo de

desenvolvimento regional, inserindo nesta análise as especificidade do município de

Querência do Norte.

2.1 O processo de ocupação regional e a questão fundiária.

Inicialmente, destaca-se que a região é uma categoria chave para a Geografia.

Neste trabalho, utilizamos o referencial teórico-metodológico proposto por OLIVEIRA

(1977), para quem a região é uma forma delimitável no espaço geográfico, um

campo de forças onde os agentes do capital, nas suas relações com o Estado e a

sociedade, elabora o processo geral de divisão do trabalho, fundamentando a

produção e reprodução ampliada do capital.

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O que preside o possesso de constituição das “regiões” é o modo de produção capitalista, e dentro dele, as “regiões” são apenas espaços sócio-econômicos onde uma das formas de capital se sobrepões às demais, homogeneizando a “região” exatamente pela sua predominância e pela conseqüente constituição de classes sociais cuja hierarquia e poder são determinados pelo lugar e forma em que são personas do capital e de sua contradição básica. (OLIVEIRA, 1977, p. 30).

No desafio de conceber cientificamente a região enquanto objeto de análise

aproveitou-se as indagações expressas por CASTRO (1992).

Mas como delimitá-la? O espaço geográfico incorpora os tempos da natureza e os tempos das sociedades, não há cortes bruscos em seu interior, e as diferenças vão se delineando progressivamente. Esta é então uma questão sem solução empírica [...] a delimitação da região jamais poderá ser rígida, pela própria dinâmica do espaço e pela dificuldade de segmentar linearmente sua complexidade. (CASTRO, 1992, p. 33).

Complementando o entendimento destes autores, aproveitamos o pensamento

elaborado por SANTOS (1985), para quem a região é o lócus estruturado pela

sociedade no decorrer do tempo histórico, a partir da inserção territorial de

instrumentos de trabalho fixos, ligados as etapas do processo produtivo, ordenando

por sua vez o trabalho e a produção. Assim, a região pode ser definida “[...] como o

resultado das possibilidades ligadas a uma certa presença, nela, de capitais fixos

exercendo determinado papel ou determinadas funções técnicas e das condições de

seu funcionamento econômico” (SANTOS, 1985, p. 67).

Através de relações econômicas, políticas, sociais, geográficas, a sociedade cria,

destrói, molda e transforma os objetos socialmente construídos, e neste processo,

as regiões. Neste sentido,

Compreender uma região passa pelo entendimento do funcionamento da economia ao nível mundial e seu rebatimento no território de um país, com a intermediação do Estado, das demais instituições e do conjunto de agentes da economia, a começar pelos seus atores hegemônicos. Estudar uma região significa penetrar num mar de relações, formas, funções, estruturas etc., com seus mais distintos níveis de interação e contradição. (SANTOS, 1996, p. 46).

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Utilizando as categorias de análise expressas por estes autores, exploraremos o

processo de formação e estruturação do Noroeste paranaense no decorrer do tempo

histórico, tendo como parâmetro o método expresso por José Ferrari Leite na

consecução da obra “A ocupação do Pontal do Paranapanema”. Como aquele,

procuramos identificar processos políticos, contradições, agentes hegemônicos,

visando demonstrar como o capital processa a incorporação e gestão territorial à sua

lógica, criando, destruindo e recriando o campesinato, através das suas

necessidades de mão-de-obra, consumidores e extração/acumulação da renda da

terra, processos e interações que ocorrem de maneira desigual e contraditória,

sobretudo por conta dos graves conflitos (grilagem de terras, posse e luta pela terra)

inerentes à esta lógica.

Durante centenas de anos, a grande região Norte do Paraná, que se estende do rio

Paranapanema, na divisa com o Estado de São Paulo, até o rio Piquiri, apesar da

presença de tribos dos índios Caiuá e Caigang, foi caracterizada enquanto um

sertão despovoado, ideário criado e transmitido oralmente por aventureiros e

desbravadores dos seus rios, além de militares e viajantes que cruzaram a região

rumo à Província do Mato Grosso do Sul. Porém é importante relembrar que os

territórios entre os rios Tibagi, Ivaí e Piquiri [...] nunca estiveram vazios, desde a sua humanização – chegada dos primeiros homens – há mais de dez mil anos. Também não eram “sertões desconhecidos” como quer fazer acreditar certa historiografia. Desde o século XVI existem relatos sobre a região e seus habitantes indígenas. Nos séculos seguintes, várias expedições de exploração percorreram o interior e produziram relatos de vários de seus aspectos. Lendo esses relatos, verifica-se que as invasões e a conquista das terras indígenas sempre foram intencionadas pela violência, em contraste com a idéia que se quer passar ao grande público sobre sua “colonização pacífica e harmoniosa” (MOTA e NOELLI, 1999, p. 50).

Envolvidos com as atividades extrativas da erva-mate, da araucária e participando

nas rotas tropeiras interligando as zonas de charque do Sul do Rio Grande do Sul a

feira de Sorocaba, na Província de São Paulo, aos habitantes e agentes econômicos

dos campos gerais e do litoral paranaense pouco lhes interessava colonizar a

porção norte da Província, pois não vislumbravam ali qualquer atividade econômica

que compensasse a empreitada.

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Este quadro de estagnação socioeconômica foi rompido por volta da década de

1836, quando levas de posseiros mineiros e paulistas, ávidos por terras virgens tanto

para o cultivo, quanto para o domínio territorial, cruzaram o alto Paranapanema e

incorporaram a região ao complexo rural do café, fluxo de posseiros que aumentou

enormemente após a edição da Lei no 601 de 1850 (Lei de Terras), que proibiu a

concessão de sesmarias e estatuiu o mercado de terras.

Num anúncio público do fim do acesso a terra por meio de concessões pelo Estado, a Lei de Terras estabelece o mercado com regra do caminho. Doravante, só se adquire terra mediante compra. Por conseguinte, só a quem a pode comprar fica ela assim franqueada, excluindo-se desse acesso quem não tem recurso, o que quer dizer a quase totalidade da população. Dessa forma, embora seja um instrumento de regulação mercantil da circulação da terra, a Lei de Terras se combina com a lei da regulação do mercado de trabalho, uma vez que exclui automaticamente do acesso á terra a quase totalidade da população colonial, à qual só resta oferecer-se em trabalho aos proprietários fundiários. A um só tempo, a Lei de Terras preserva o latifúndio e organiza a nova relação de trabalho. (MOREIRA, 1990, p. 36)

O fluxo migratório iniciado por mineiros e paulistas redundou na formação de

núcleos urbanos (Tomazina, Ibaiti, Santo Antônio da Platina, Jacarezinho, Cambará,

Bandeirantes, Cornélio Procópio, etc), na organização de um espaço agrário

estruturado em torno dos médios e grandes estabelecimentos agropecuário voltados

para a cultura do café, utilizando o trabalho livre. Conforme aponta CANCIÁN (1977),

as especificidades desta área configurou o que se conhece hoje por Norte Velho ou

Norte Pioneiro.

Seguindo as orientações presentes no texto definitivo da Lei de Terras, o Império

repassou às Províncias o poder de regular a questão fundiária em seus territórios.

Para garantir a propriedade da terra ocupada por suas famílias os posseiros foram

obrigados a iniciar processos de registro fundiário junto a paróquias e cartórios civis

localizados em vilas e cidades. Para tanto, os requerentes deveriam atestar morada

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habitual e o cultivo das terras por eles ocupadas, anexando o título de sesmaria se

este fosse o caso.

As áreas não tituladas, mesmo que houvessem famílias morando e produzindo,

foram alienadas ao patrimônio público das Províncias, que por sua vez estipularam

preço ao hectare de terras para a venda, medidas estas que passariam por leis

criadas e regulamentadas pelas respectivas assembléias legislativas provinciais. Na

medida em que nasceu e se aprimorou o mercado de terras, pouco a pouco se

desestruturou o processo de territorialização dos pequenos posseiros, sobretudo

pelo cerceamento das terras livres (não tituladas).

Aproveitando as brechas na legislação vigente, durante o período de transição entre

a fase de terras livres e a fase de terra mercadoria (1850 – 1856), grileiros passaram

a agir em vários pontos do território nacional garantindo para si, de forma

fraudulenta, extensões de terras devolutas, processo que se asseverou nos anos

posteriores a 1856, como veremos adiante.

Falsificando títulos de propriedade (documentos paroquiais) ou mesmo usando de

má fé, muitos posseiros requeriam e obtinham titulo de propriedade sobre uma

determinada área de terras e, de maneira ilícita, expandiam as cercas das fazendas

para além dos limites legalmente titulados, não se interessando se tais atos

afetavam pequenos posseiros, outros fazendeiros e até mesmo outros grileiros.

Estes fatos acabaram gerando disputas de limites muitas vezes sangrentos, além de

casos recorrentes de vendas de terras sobre as quais repousavam documentos de

propriedade falsos, atestando para mais de um dono a propriedade sobre tal área.

No Paraná, o primeiro Presidente da Província, Zacarias de Góes e Vasconcellos, declarava, em 1854, haver encontrado confuso e desordenado o estado da propriedade territorial, freqüentes os conflitos pelas questões de posses e limites. Os relatórios dos demais Presidentes de Província, quasi todos, contém observações relativas às questões de terras. (WESTPHALEN, M.C; MACHADO, B. P; BALHANA, A. P, 1968, p. 11).

Reconhecendo a gravidade de situação fundiária da Província do Paraná, durante

varias gestões o Poder Público Provincial impetrou processos para analisar a trama

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dominial das terras paranaenses, conseguindo, com este instrumento, discriminar,

dimensionar e localizar os grilos, o que facilitou a formalização de processos de

desapropriação das áreas ilicitamente adquiridas, revertendo ao patrimônio público

milhares de hectares de terras.

Apesar da representatividade histórica destes atos, as ações não foram direcionadas

somente para a correção nas fraudes no acesso a terra, mas sim dotar a Província

de um poder regulador sobre um produto – a própria terra, altamente valorizado por

grupos nacionais (oligarquias) e internacionais ligados à economia e a política.

A conjugação da questão fundiária erigiu outras questões (política e econômica),

rebatendo por sua vez na configuração regional paranaense, sobretudo após a

retomada de terras para o poder público e as concessões de terras a empresas

construtoras e operadoras de linhas férreas. Uma das várias ações que

exemplificam esta realidade ocorreu em 09 de novembro de 1889 quando, através

do Decreto Imperial no 10.432, o engenheiro João Teixeira Soares obteve

autorização para construir uma estrada de ferro ligando a cidade paranaense de

Sengés, na divisa com a Província de São Paulo, a Marcelino Ramos, no Rio

Grande do Sul, obra que contaria com uma série de ramais nas províncias

entrecortadas por sua rota.

Sem dinheiro para efetivar a consecução desta infra-estrutura, ALCÂNTARA (1987)

aponta que ao empreendedor o Império ofereceu e garantiu três formas de

pagamento: a concessão econômica da ferrovia por um período de 90 anos, a

exploração de uma faixa contínua de 10 km de terras no entorno e por toda a

extensão da ferrovia, além de uma área de terras devolutas em qualquer região da

Província do Paraná, na obrigação de colonizá-la no prazo máximo de 50 anos, sob

pena de perder a concessão fundiária da área.

No inicio do período de governo Republicano, reconhecendo a importância

geopolítica dos contratos lavrados pelo Império, em 07 de abril de 1890 o Governo

Provisório aprovou o Decreto no 305, declarando válida a concessão feita a João

Teixeira Soares. Garantida a obra e confirmando como ocorreria o ressarcimento

pela execução da mesma, o titular vendeu a concessão contratada à companhia

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francesa Chemins de Fer Sud Ouest Brésiliens que, por sua vez, autorizada pelo

Decreto no 397 de 20 de junho de 1891, repassou a empreita à Companhia Industrial

dos Estados Unidos do Brasil. Autorizado pelo Decreto no 1386 de 06 de maio de

1893, nova negociata ocorreu quando a Companhia Estrada de Ferro São Paulo –

Rio Grande (CEFSPRG), que era subsidiária da empresa inglesa Brazil Raiway

Company, assumiu as obras e o patrimônio das empresas antecessoras

(ALCÂNTARA, 1987).

Em 10 de abril de 1913 foi promulgada na Assembléia Legislativa paranaense a Lei

no 1340, cujo texto, entre outras prerrogativas, permitia ao Poder Executivo o poder

de aceitar ou não qualquer concessão sobre ferrovias a serem implantadas no

território do Estado do Paraná.

Somente em 04 de setembro de 1917 foram efetivados os acordos iniciados em

novembro de 1889 para regulamentar qual a dimensão da concessão de terras

empenhada para cobrir as despejas da CEFSPRG. Assinado pelo Governador

Affonso Alves de Camargo, o Decreto no 613 garantiu 2.100.000 hectares de terras a

esta Companhia, permitindo o direito da empresa organizar filiada ou contratar

subsidiaria para demarcar e colonizar, no prazo máximo de 2 anos, as terras

devolutas recebidas, reservando ao Estado o poder de revogar os contratos e

retomar o direito de propriedade se a CEFSPRG, ou qualquer outra empresa por ela

autorizada, não realizasse o aproveitamento social e econômico das terras.

O impasse entre a efetiva ação da companhia ferroviária e o poder regulador do

Estado se arrasta até o ano de 1920, quando em 18 de fevereiro, através da Lei no

1909, ocorreu a prorrogação por mais dois anos no contrato anterior. Em 23 de

agosto, a CEFSPRG recebeu nova concessão para construção de dois ramais, o

primeiro ligando Curitiba a Foz do Iguaçu, com o prazo de usufruto estabelecido em

80 anos de todas as rendas de frete e transporte, e o segundo a partir da cidade de

Guarapuava, garantindo à empresa 09 quilômetros de terras devolutas de cada lado

por toda a extensão linear das referidas obras.

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Como no seu trajeto as ferrovias cruzavam predominantemente a zona dos campos

gerais onde estava consolidada uma ocupação tradicional, a concessão fundiária

negociada pelo Governo priorizou os espaços desabitados do território do Estado.

Discorrendo sobre os contratos de concessão, WALCHOWICZ (1985) aponta que o

Poder Público concedeu terras nas áreas desabitadas do grande Norte, Oeste e

Sudoeste, visando, respectivamente, a ocupação socioeconômica, a integração

regional e o desenvolvimento dessas regiões.

No dia 05 de outubro de 1920 a CEFSPRG transferiu à “Companhia Brasileira de

Viação e Commércio” (BRAVIACO) a concessão contratada junto ao Governo aos

23 de agosto daquele ano, relativo ao ramal Guarapuava - Foz do Iguaçu. Em 22 de

novembro, procuradores destacados pelas duas empresas encontraram-se com o

Secretário Geral do Estado na cidade de Curitiba, assinando o termo de

transferência do contrato, momento em que a BRAVIACO assumiu a

responsabilidade sobre a obra e os 2.500.000 hectares de terras devolutas a serem

colonizados. [...] porém ficaram excluídas as terras já tituladas à CEFSPRG, ou seja as seguintes áreas: Santa Maria, com 11.327 ha e 6.500 m2; Silva Jardim, com 76.746 ha, Riosinho, com 551 ha e 5.189 m2; e Missões, com 425.731 ha, num total de 614.355 ha e 5.189 m2. (ALCÂNTARA, 1987, p. 35).

Entre 1919 e 1921, o Governo do Paraná autorizou uma série de concessões por

todo o Norte paranaense, conforme apontam os trabalhos de SERRA (1991) e

WESTPHALEN et all, (1968). Em 1922, o Estado alterou a legislação fundiária,

priorizando a venda de terras a agentes do capital, sobretudo empresas

colonizadoras cuja função era efetivamente acelerar o processo de ocupação no

interior do Estado.

Desta data até 1930, novas concessões foram realizadas. Porém, o foram através de vendas, em transações diretas entre o Estado e as Empresas, que se tornaram revendedoras de terras devolutas, e não mais com o pagamento dos colonos, Deste novo sistema de concessões nasce a Companhia de Terras Norte do Paraná. (LIMA, 1993, p. 57).

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A ação reguladora do Estado resultou na entrada do capital fundiário na parte central

da porção norte do território do Paraná. Através da ação da Companhia de Terras

Norte do Paraná (CTNP), configurou-se uma nova frente de ocupação, voltada à

pequena propriedade ligada à dinâmica produtiva do café. Através do

desenvolvimento rural e urbano de municípios como Londrina, Apucarana,

Arapongas, Mandaguari, Maringá, etc, estruturou-se uma segunda região, contígua

e diferencial do Norte Velho: o chamado Norte Novo.

Assim, a fronteira ainda desabitada e sem nenhuma iniciativa econômica ficou

delimitada à porção oriental do norte do território do Paraná, sobretudo pela

morosidade do Poder Público e das companhias em chegar a acordos concretos

para sua ocupação efetiva. Quando o processo de incorporação territorial atingiu

esta área, iniciou-se o processo de formação da chamada região Noroeste23, mas

com elementos constitutivos dissociados das regiões anteriormente retratadas.

A emergência da região Noroeste paranaense iniciou-se no dia 20 de março de 1925

quando, cumprindo com os deveres e os direitos assumidos junto à CEFSPRG e o

Estado, a BRAVIACO tentou delimitar dentre as terras devolutas dessa área uma

gleba de terras circunscrita ao médio e baixo leito dos rios Paranapanema e Ivaí,

visando o estabelecimento de rotas comerciais com o Paraguai e a Argentina, tendo

suas intenções frustradas pela ação do empresário Coronel Alfredo Soares

Marcondes e sua empresa, a “Companhia Marcondes de Colonização, Indústria e

Commércio24”, que anos antes titulou uma gleba de terras na região, abrangendo

grande parte da área visada pela BRAVIACO, conforme Figura 1.

23 Em alusão ao Norte Velho e ao Norte Novo, cuja ocupação precedeu a do Noroeste, esta região também é conhecida como Norte Novíssimo de Paranavaí, expressão adotada pelo IBGE para caracterizar a microrregião capitaneada por esta cidade, definição esta exposta nas publicações desta entidade pública. 24 Sediada na cidade paulista de Presidente Prudente, esta empresa detinha títulos fundiários no Pontal do Paranapanema paulista e na região Norte Velho do Paraná (municípios de São Jerônimo da Serra e Tibagi).

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Figura 1: Concessões de terras no Noroeste do Estado do Paraná, 1925. Fonte: Mapa das Concessões de Terras a Empresas colonizadoras e Ferroviárias –

Governo do Paraná, 1925 (sem escala). Organização e desenho: Sérgio Gonçalves.

Segundo MARX (1985), um dos limites25 que restringe o domínio pleno de um

capitalista sobre o território é a presença de outros capitalistas fundiários que

também disputam este território, fraturando o processo através da cobrança do

pagamento da renda absoluta da terra do capitalista que deseja a propriedade

territorial.

Para garantir a propriedade plena e efetiva das terras, os administradores da

BRAVIACO fizeram uma série de negociações com o Coronel Marcondes. Através

25 O segundo limite é o fracionamento da terra em favor dos camponeses para que o processo de acumulação avance, o que revela a contradição no desenvolvimento do capital.

BRAVIACOColonizadora Marcondes C.E.F.S.P.R.G

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de um acordo entre as partes, a Companhia paulista cedeu 500.000 hectares de

terra localizados no Noroeste paranaense à BRAVIACO, recebendo em troca

250.000 hectares de terras localizados em outras regiões do Estado.

Para complementar a diferença territorial, em 02 de maio de 1925 a BRAVIACO

recebeu do Secretário Geral do Estado do Paraná dois títulos de terras da gleba

Cantú, sendo que o primeiro, com área de 42.400 hectares foi repassado à

Colonizadora Marcondes e o outro, de 193.600 hectares, destinou-se à empresa

inglesa Brasil Plantations Syndicate Limited, que os revendeu à Colonizadora

Marcondes.

Deste momento em diante, ficou livre o caminho para a BRAVIACO dominar as

desejadas terras do Noroeste paranaense, ato que a empresa consumou em 31 de

julho de 1925, com o registro definitivo de parte das terras devolutas da gleba

Pirapó26 e das terras adquiridas junto à colonizadora Marcondes ao patrimônio da

empresa.

Garantida a concessão, a segunda tarefa da empresa foi a de expulsar os grileiros e

posseiros que ocupavam a mesma e processar a ocupação produtiva da área. Sob a

denominação de Colônia Paranavaí, nos idos de 1928 a empresa fundou a fazenda

Brasileira, dando início às ações de plantio de dois mil e quatrocentos hectares de

café, além de quinhentos hectares de pastagens para a criação de gado bovino.

Inicialmente, a BRAVIACO abriu uma estrada de rodagem ligando a fazenda até o

rio Paranapanema, estabelecendo uma rota para Presidente Prudente, e outro

caminho rumo ao rio Paraná, para escoar a futura produção cafeeira de barco para a

26 [...] está situado no município de Tibagy, é limitado ao norte pelo Rio Paranapanema, do sul pelo rio Yvahy, a leste por uma linha recta que partindo da origem da Corredeira do Estreito no Rio Paranapanema ao rio Ivahy, confrontando com terras do Estado, reservadas a Companhia Marcondes de Colonização, Indústria e Commércio e a oeste por linha entre os rios Paranapanema e Ivahy em dois rumos sucessivos, cujos extremos são indicados por marcos, confrontando com terras reservadas para a Companhia Brasileira de Viação e Commércio. (ALCANTARA, jornal diário do Noroeste).

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República Argentina e o Porto Epitácio – SP, de onde a carga seria deslocada de

trem até São Paulo.

Mediante a inexistência de vilas e patrimônios na região para dotar de mão-de-obra

o empreendimento, seus administradores27 encontraram na migração de

trabalhadores da região do semi-árido nordestino e mineiro a fonte de abastecimento

desta mercadoria. Em 1927, cerca de 600 famílias – algo em torno de 1.200

pessoas, arregimentadas no Pernambuco, Piauí, Ceará, Alagoas, Sergipe, Bahia e

do Vale do Jequitinhonha (Minas Gerais) fizeram o trajeto de seus Estados, onde

eram selecionadas, até Pirapora – MG. Desta cidade viajaram em trem fretado até

São Paulo, fazendo a baldeação para nova composição no sentido Capital –

Presidente Prudente, cidade onde pernoitaram e de onde foram deslocadas de

caminhão até a fazenda Brasileira.

Alojadas em casas de pau-a-pique, as famílias eram inseridas nos serviços de

derrubada da mata para cultivo do café e da pastagem. Quando a BRAVIACO

instalou uma serraria na fazenda, direcionou parte das madeiras à construção de

casas, organizando colônias em determinados pontos da propriedade, melhorando

assim o padrão de moradia dos empregados e racionalizando a lida com o cafezal.

Em 1929, povoada por algo em torno de 1.400 famílias alojadas, segundo

ALCÂNTARA (1987), a Brasileira chegou ao auge de seu desenvolvimento, sendo o

único ponto na região que contava com aparelhos públicos importantes, como o

Cartório de Paz e uma junta policial, através dos quais o Estado garantia a

segurança do núcleo populacional, a celebração de casamento civil e o registro do

contrato de trabalho dos colonos com a empresa, configurando uma espécie de

patrimônio.

Na década de 1930, o Brasil vivenciou um conturbado período político-institucional,

cujas especificidades repercutiram fortemente na região. Grupos políticos

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descontentes com os resultados do pleito eleitoral para a presidência da República

desencadearam uma Revolução a partir do Rio Grande do Sul, permitindo a

chegada de Getúlio Vargas – um dos candidatos derrotados, ao Poder Federal.

Visando expurgar do quadro público os dirigentes políticos que se contrapuseram à

emergência do novo regime, Getúlio instituiu a nomeação de interventores para

comandar o Governo nos estados da Federação, designando para tal cargo no

Paraná o senhor Mario Tourinho Neto28.

Este, por sua vez, feriu os interesses da oligarquia agrária que dominava econômica

e politicamente o Estado. Afora o embate e a diversidade de problemas que

envolviam a gestão pública, na questão agrária estadual a principal ação

desencadeada pelo Interventor foi a revisão total da política fundiária que

historicamente vinha sendo praticada no Estado. Auditando as concessões de terras

públicas e revisando a situação dominial das mesmas, a gestão de Tourinho Neto

tornou pública a dimensão da grilagem de terras no Paraná, conforme tabela e figura

a seguir.

Tabela 3: Grandes grilos de terra no Paraná

Código Grilos Alqueires 1 Reconquista 446.280 2 Guaviriva 171.000 3 São Manuel 71.000 4 Boa Ventura 5.000 5 Laranjeiras 38.000 6 Ubá 100.000 7 Corumbataí 216.300 8 Bandeirantes 403.740 9 São João do Rio Claro 30.000

10 Colônia de Baixo 5.887 11 Boa Esperança 255.980

27 Os proprietários da BRAVIACO eram os senhores Geraldo Rocha, do jornal “A Noite” carioca; o alagoano Lindolfo Collor, avô do ex-presidente Fernando Collor de Mello; além do baiano Landulfo Alves. 28 Á época, governava o Paraná Affonso Alves de Camargo. Mário Tourinho Neto comandou o cargo até 1932, ano em que foi afastado das funções. No seu posto assumiu Manoel Ribas, cujo governo durou até o fim da Ditadura Vargas no ano de 1945.

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12 Pirapó 369.570 13 Ribeirão Vermelho 45.000 14 Barra do Tibagi 148.290 15 Tigre 17.660 16 Barra Bonita 16.270 17 Pontal do Rio Cinzas 13.590 18 São João do Rio Pardo 38.000 19 Ipiranguinha 21.000 20 Flores Conceição 22.000

Total 2.434.567 Fonte: WESTPHALEN, M.C; MACHADO, B. P; BALHANA, A. P. (1968, p.25).

Figura 2: Grandes grilos de terra no Paraná. Fonte: WESTPHALEN, M.C; MACHADO, B. P; BALHANA, A. P. (1968, p.25). Organização e desenho: Sérgio Gonçalves (Nota: sem escala). Conforme dados presentes na Tabela 3 e os elementos da Figura 2, os grileiros de

terras agiam principalmente na porção norte do Estado do Paraná. De posse destas

informações, o Interventor desencadeou um amplo processo de desapropriação

tanto dos grilos como das concessões que não haviam atingido os seus objetivos,

utilizando para tanto o Decreto no 300, editado em 30 de novembro de 1930. Sobre a

situação das terras da BRAVIACO, o art. 2o desta Lei referendava que:

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São declarados nulos e de nenhum efeito, todos os títulos de domínio expendidos em razão dos contratos rescindidos e dos anteriores por eles alterados em favor da Companhia Brasileira de Viação e Commércio e da Companhia Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande, devendo ser responsabilizadas as mesmas companhias pelas aéreas de terras, porventura alienadas ou que, por sua autorização, constarem de títulos diretamente expedidos pelo governo em nome de terceiros (WALCHOWICZ, 1985, p. 179 – 180).

Para limitar a formação de latifúndios nas terras recuperadas, garantir a exploração

socioeconômica, incrementar a colonização e mediar a partição da terra agrícola no

Estado, em 08 de agosto de 1931 o Interventor promulgou o Decreto no 800,

estabelecendo entre outras providências que as terras devolutas só poderiam ser

adquiridas por meio de compra, ficando obrigados os adquirentes a morar e

desenvolver atividades agropecuárias nas mesmas (art. 1o), fixando em 200

hectares a área máxima a ser loteada, além de um preço máximo de 18$000

(dezoito mil réis), com variação para menos dependendo da localização da gleba

(art. 5o), conforme aponta SERRA (1991).

Nesta conturbada conjuntura, os diretores da Brasileira abandonaram o imóvel,

deixando sem receber salários e obrigações trabalhistas os colonos residentes no

imóvel. Com o tempo, pouco a pouco estes migraram, restando na fazenda somente

lavouras tomadas pelo mato e a degradação das casas depredadas e desabitadas

(ALCANTARA, 1987).

Em 1932, devido a pressão política da oligarquia agrária, Tourinho Neto foi afastado,

assumindo a interventoria estadual o senhor Manoel Ribas que, apesar das criticas e

da pressão sofrida pelo seu antecessor, deu continuidade à política fundiária

desenvolvida por este.

Preocupado com o avanço da Revolução Constitucionalista desencadeada no

Estado de São Paulo para retirar do poder Getúlio Vargas, Ribas ordenou a abertura

de uma estrada boiadeira ligando a antiga sede da fazenda Brasileira ao município

de Arapongas, impedindo o fluxo de mercadorias do Noroeste paranaense pelas

antigas ligações com Porto Euclides da Cunha Paulista, nas margens do rio

Paranapanema, cujo destino final era a cidade de Presidente Prudente.

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Ao publicar a Lei no 46 de 10 de dezembro de 1935, o Estado reordenou a

participação da iniciativa privada enquanto parceira na colonização de terras

devolutas, estipulando uma série de “blindagens” para garantir os interesses do

Estado em relação ao desenvolvimento social e econômico dessas áreas, bem como

a efetiva realização dos contratos estabelecidos, evitando as fraudes e desvios

ocorridos nos contratos até então praticados.

[...] ao mesmo tempo em que procurava manter um pé no freio das distorções, o Estado procurava colocar o pé no acelerador dos estímulos, oferecendo vantagens que viessem a despertar o interesse das empresas colonizadoras. O principal estímulo se constituía no preço e nas condições facilitadas em que as terras devolutas eram oferecidas à iniciativa privada. (SERRA, 1991, p. 78).

O re-ordenamento do processo de colonização no espaço agrário do Noroeste

paranaense ocorreu com a fundação, em 1942, do Departamento de Geografia,

Terras e Colonização (DGTC), que centralizou a política fundiária do Estado do

Paraná, promovendo discriminações de títulos dominiais, levantamentos

cartográficos e topográficos, colonizando novas áreas e fiscalizando aquelas

repassadas às colonizadoras privadas.

Na região Noroeste, a fase de relativo abandono por parte do poder público e de

falta de dinamismo no processo de ocupação humana foi encerrada no ano de 1943,

quando o Governo deu ordens para o DGTC elaborar um plano de colonização

regional. Sob o codinome de “Colônia Paranavaí”, um grupo de agrimensores do

órgão planejou a divisão das terras arrecadadas da BRAVIACO em 30 grandes

glebas, com cerca de 15.000 alqueires cada uma, traçando a rede viária e definindo

um mosaico de localizações onde seriam organizados os núcleos de colonização

que centralizariam as funções urbanas de comercialização da produção, venda de

produtos manufaturados e industrializados, além de atividades bancárias e de

administração pública, conforme Figura 3.

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Figura 3: Divisão de Terras na Colônia Paranavaí, 1944. Fonte: Croqui da Colônia Paranavaí. INCRA, 2003 (sem escala).

Em 1944 foi demarcada a primeira área de terras, denominada Gleba - 1A, no

entorno da sede da antiga fazenda Brasileira. Mediante a venda de lotes rurais e

urbanos, levas de colonos plantadores de café deslocaram-se de várias partes do

país. A melhoria nas condições das estradas viabilizou uma linha de ônibus ligando

a administração central da colônia à cidade de Londrina, facilitando o deslocamento

(fluxo) de compradores de terras, influenciando o desenvolvimento local e o

surgimento da cidade de Paranavaí.

Porém, nos rincões da colônia grassava a ação de aventureiros e grileiros que

aproveitavam a falta de controle territorial desde a derrocada da BRAVIACO para

conquistar áreas de terra, envolvendo-se em freqüentes conflitos fundiários e todo o

tipo de violência, inclusive mortes, castigando principalmente os pequenos

posseiros, que por conta da ação de jagunços - os famosos “quebra-milho”,

acabavam perdendo as áreas desmatadas para os grandes latifundiários, desordens

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que obrigaram o Estado a criar destacamentos policiais para controlar os conflitos,

enquanto o lento processo de colonização era desenvolvido para (re) mediar o

acesso a terra.

A partir de 1946, o Estado permitiu a organização de empresas particulares que se

dedicaram de forma paralela e complementar, a organizar e desenvolver projetos de

colonização no Noroeste, a exemplo do que ocorria no circuito Norte Novo, Norte

Velho. Neste movimento, empreendedores como Enio Pipino e Antônio Franchello

receberam autorização para colonizar milhares de hectares de terras no Noroeste,

fundando, respectivamente, os municípios de Terra Rica e Querência do Norte.

Apesar de possuir poder político, estrutura técnica e administrativa (os funcionários e

equipamentos do DGTC) e milhares de hectares de terras devolutas para

desencadear o acesso à terra dos camponeses através de uma ampla reforma

agrária, o Estado pouco a pouco repassou à iniciativa privada o domínio sobre este

processo.

Ao autorizar a participação de empresas particulares no processo de colonização

regional, o Estado permitiu o desenvolvimento da reforma agrária liberal, cuja base

contém duas lógicas distintas e até certo ponto, contraditórias: a fragmentação da

terra e a expansão da propriedade privada no sentido da ocupação socioeconômica,

e a fragmentação da terra visando a extração/acumulação da renda fundiária.

2.2 Concentração da terra agrícola, (re) estruturação das atividades agropecuárias e exclusão social no noroeste paranaense.

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Coordenando o dimensionando de lotes rurais e urbanos de tamanhos variados,

facilitando o credito, garantindo o pagamento das terras com prazos de três a cinco

anos, organizando o espaço rural intra-regional, as ações coordenadas pelo Estado

e empresas colonizadoras foram muito importantes para garantir o boom

populacional e econômico no Noroeste paranaense, que na década de 1950 perdia

em população somente para a região Norte Novo de Londrina, suplantando áreas

core importantes, como era o caso de Maringá (ALCANTARA, 1987).

Mediante a inserção de novos agentes territoriais, entre eles outros capitalistas

fundiários, os médios e os grandes proprietários, os camponeses proprietários, e nas

relações de trabalho estabelecidas no interior das propriedades agropecuárias, os

estabelecimentos rurais administrados por camponeses desterreados (meeiros,

parceiros e arrendatários), os pequenos posseiros pouco a pouco perderam a

possibilidade de reprodução e existência, pois em meados da década de 1960 a

fronteira agrícola estava ocupada e fechada.

A partir da década de 1960, o desenvolvimento regional entra em declínio,

impactado, sobretudo, pela crise do café, cultura que na fase inicial da colonização

garantiu às famílias proprietárias a fonte de renda para pagar os lotes comprados a

prazo, além de demandar um contingente considerável de mão-de-obra durante o

ano todo nos tratos culturais e nas colheitas, principalmente dos parceiros,

arrendatários e meeiros.

Tabela 4 - Microrregião Norte Novíssimo de Paranavaí: Número

de Estabelecimentos Rurais por Classes de Área. Ano Grupo de Área em hectares

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– de 100 ha

100 a – de 500 ha

500 a + de 14.000 ha

Total

No % No % No % No % 1960 15.102 92,94% 980 6,03% 169 1,03% 16.251 100%1970 21.082 93,40% 1.199 5,31% 290 1,29% 22.571 100%1975 23.190 93,97% 1.199 4,86% 290 1,17% 24.679 100%1980 12.076 86,63% 1.474 10,57% 390 2,80% 13.940 100%1985 14.750 88,73% 1.490 8,96% 384 2,31% 16.624 100%1995/ 1996 9.774 84,02% 1.478 12,7% 382 3,28% 11.634 100%

Fonte: IBGE - Censo Agrícola 1960, Censos Agropecuários 1970, 1975, 1980, 1985 e 1995/1996.

Tabela 5 - Microrregião Norte Novíssimo de Paranavaí: Área Ocupada pelos

Estabelecimentos Rurais, segundo as Classes de Área. Classes de Área em hectares

– de 100 ha

100 a – de 500 ha

500 a + de 14.000 ha

Total Ano

Área % Área % Área % Área % 1960 383.375 44,20% 214.461 24,72% 269.694 31,08% 867.530 100%1970 263.126 29,71% 263.714 29,77% 358.863 40,52% 885.703 100%1975 340.247 35,34% 263.714 27,39% 358.863 37,27% 962.824 100%1980 248.294 24,78% 320.885 32,02% 432.873 43,20% 1.002.052 100%1985 155.078 17,40% 324.570 36,42% 411.653 46,18% 891.301 100%1995/ 1996 206.534 21,66% 326.905 34,29% 419.971 44,05% 953.410 100%Fonte: IBGE - Censo Agrícola 1960, Censos Agropecuários 1970, 1975, 1980, 1985 e

1995/1996.

Territorialmente, a região Norte Novíssimo de Paranavaí adotada pelo IBGE é a área

ocupada pela região Noroeste paranaense até então analisada no presente trabalho.

Colocadas as devidas considerações, segundo os dados expostos na Tabela 4 e na

Tabela 5, os estabelecimentos com área inferior a 100 ha, no ano de 1960,

representavam 92,94% do total de unidades produtivas recenseadas, ou 15.102

estabelecimentos, ocupando 44,20% da área total, ou 383.375 ha.

Afora o aumento ou a diminuição significativa dos valores relativos e absolutos tanto

da área ocupada, quanto do número de estabelecimentos nos valores coletados

junto aos censos de 1970, 1975, 1980, 1985, para o Censo de 1995/1996, apesar de

participar com 84,02% do total de estabelecimentos, neste ano base os pequenos

estabelecimentos somaram somente 9.774 unidades, em 21,66% da área total, ou

206.534 ha terras.

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Para as unidades médias (100 a menos de 500 ha), enquanto em 1960 somavam

apenas 980 estabelecimentos, ou 6,03% do total recenseado, desfrutando 214.461

hectares, ou 24,72% do total de terras, ainda que os dados absolutos e relativos dos

Censos de 1970, 1975, 1980 e 1995 revelassem aumento ou diminuição relativa e

absoluta em relação à área ocupada e ao número de estabelecimentos, o Censo de

1995/1996 aponta uma situação na qual o número de unidades é de 1.478, ou

12.7% do total recenseado, ocupando a área de 326.905 hectares, ou 34,29% do

total.

Já os grandes estabelecimentos, para o ano de 1960 os dados censitários

demonstravam existir somente 169 unidades, representando cerca de 1,03% dos

estabelecimentos, mas ocupando uma área de 269.694 ha, ou 31,08% do total das

terras recenseadas. Apontando uma tendência cíclica de crescimento nos números

relativos e percentuais tanto no número de estabelecimentos quanto na área

ocupada, conforme o balanço dos dados censitários de 1970, 1975, 1980, 1985, o

Censo de 1995/1996 confirma esta tendência, pois o número de unidades dessa

classe foi de 382, ou 3,28% do total recenseado, ocupando a área de 419.971

hectares, ou a incrível soma de 44,05% do total de terras ocupadas.

Os números revelam, sem margem de dúvidas, o surgimento e a consolidação de

um processo crescente de exclusão dos estabelecimentos com área inferior a 100

hectares, confirmando a lógica de exclusão e a impossibilidade de incorporação do

campesinato à terra de trabalho. Por outro lado, os médios (área situada entre 100 e

menos de 500 ha) e grandes (área de 500 a mais de 14.000 hectares)

estabelecimentos despontam como os grandes beneficiados por esta situação, pois

a soma da área ocupada por estes extratos de 55,80% das terras ocupadas chegou

a tingir 82,60% da área explorada no ano de 1985.

Vinculado ao processo de expansão do capitalismo no campo, que causa o

apartamento entre o trabalhador e os meios de produção, criando novos capitalistas

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e o trabalho assalariado, o capital pode recriar o campesinato (OLIVEIRA, 2001),

subordinando-o por meio da lógica de extração da renda capitalizada da terra

(MARTINS, 1995). Esta contradição fica evidente quando se analisam os dados

presentes na Tabela 6 e na Tabela 7, onde se verifica um descompasso entre a

expansão no número e na área ocupada pelos estabelecimentos rurais

administrados por proprietários, parceiros, ocupantes e arrendatários.

Tabela 6 – Norte Novíssimo de Paranavaí: Número de Estabelecimentos

Agropecuários segundo a Condição do Produtor. Condição de acesso a terra

Proprietário Arrendatário Parceiro Ocupante Total

Ano

No % No % No % No % No % 1960 12.650 57,78% 1.256 5,74% 4.905 22,40% 3.084 14,08% 21.895 100%1970 12.031 50,75% 2.837 11,50% 7.907 30,04% 1.903 7,71% 24.678 100%1975 11.681 72,01% 470 2,90% 3.274 20,18% 797 4,91% 16.222 100%1980 11.387 78,08% 534 3,66% 1.984 13,60% 684 4,69% 14.589 100%1985 10.448 62,82% 1.573 9,46% 3.522 21,18% 1.088 6,54 % 16.631 100%1995/ 1996 9.076 77,94% 848 7,28% 1.079 9,26% 643 5,52% 11.646 100%

Fonte: IBGE - Censo Agrícola 1960, Censos Agropecuários 1970, 1975, 1980, 1985 e 1995/1996.

Tabela 7 – Norte Novíssimo de Paranavaí: Área Ocupada pelos Estabelecimentos

Agropecuários segundo a Condição do Produtor. Proprietário Arrendatário Parceiro Ocupante Total Ano

no % no % no % no % no % 1960 691.693 79,45% 16.198 1,86% 70.857 8,13% 91.919 10,56% 870.667 100%1970 827.496 85,94% 34.710 3,61% 81.260 8,44% 19.358 2,01% 962.824 100%1975 964.765 95,21% 8.725 3,12% 31.629 3,12% 8.218 0,81% 1.013.337 100%1980 965.506 95,41% 13.509 2,20% 22.765 2,20% 9.223 1,00% 1.011.003 100%

1985 892.057 89,99% 40.568 3,97% 39.385 3,97% 19.298 1,95% 991.308 100%1995/ 1996

879.107 96,11% 43.904 0,76% 14.586 0,76% 15.814 0,83% 953.411 100%

Fonte: IBGE - Censo Agrícola 1960, Censos Agropecuários 1970, 1975, 1980, 1985 e 1995/1996.

Para se compreender a dinâmica dos números, é necessário entender que a

realidade da inclusão ou da exclusão do campesinato marginal (parceiros, meeiros,

arrendatários e ocupantes) insere-se na lógica estrutural e conjuntural da questão

agrária, sobretudo naqueles aspectos ligados à manutenção da propriedade da terra

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pelo capital, a valorização ou desvalorização de determinadas culturas, bem como a

condução de uma política agrícola e fundiária por parte do Estado.

Quando o capital fundiário exerce o domínio territorial aproveitando plenamente da

conjuntura econômica, o resultado é o abatimento das formas camponesas de

trabalho, desde os camponeses proprietários, passando pelos parceiros, meeiros,

posseiros e os arrendatários, podendo deixar a terra sem produção (realizando a

especulação imobiliária) ou utilizando largamente do trabalho assalariado nas

atividades agropecuárias implementadas.

Por outro lado, quando se verifica a expansão do campesinato, tal processo está

amplamente condicionado às exigências do capital, que para manter a hegemonia,

condiciona a “abertura territorial” aos camponeses através de relações precárias e

marginais de trabalho, ou seja: o retorno do camponês expropriado a terra é

dificultado, restando-lhe trabalhar enquanto arrendatário, parceiro ou meeiro por

alguns anos até novamente ser excluído no processo e se tornar um assalariado

rural.

Esse movimento de inclusão/exclusão é mediado pela conjuntura agrícola do país

que influencia na expansão/retração de determinadas atividades – como a

mandiocultura, a cafeicultura, a bovinocultura, a cotonicultura, etc -, momentos em

que é de interesse do capital a presença do camponês na terra através das formas

supracitadas.

Analisando a complexa realidade inerente ao campesinato e suas formas,

destacando a diferenciação existente entre os mesmos. Assim, como parceiro

entende-se aquele produtor rural desterreado ou com terra em dimensão diminuta

que obtém o direito de explorar uma área agrícola cedida por um proprietário.

Dominando as técnicas de plantio, cultivo e colheita, paga uma quantidade pré-

estabelecida de renda em produto ao dono da área tomada em parceria.

Nesta região, historicamente ocorrem importantes variações nos contratos de

parceria, indo do contrato informal, através da relação de confiança ou de costume,

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ao formal, com o contrato lavrado em cartório. Geralmente, a relação de parceria

ocorre em períodos variáveis de 3 a 5 anos. Há casos onde o proprietário tem uma

lavoura formada (café, por exemplo) e a repassa ao parceiro; noutros o proprietário

retira financiamento bancário em seu nome e repassa o dinheiro ao parceiro, que o

investe na realização do cultivo e tratos culturais.

Apesar das variações, o traço fundamental da parceria é que o camponês parceiro

detém as ferramentas e equipamentos necessários ao cultivo e tratos culturais,

utiliza a força de trabalho de sua família e, ao realizar a colheita, paga uma

determinada renda em produto (vinte, trinta, quarenta e até cinqüenta por cento da

produção) ao dono da terra. Desta forma, quanto mais valorizado estiver o produto

no mercado, maior o montante de dinheiro repartido e amealhado por cada sujeito

envolvido na parceria.

Noutra conjuntura, quando o preço da mercadoria no mercado está baixo, quando

ocorre uma quebra de safa ou mesmo nenhuma produção devido à ocorrência de

pragas, granizo ou geada, a parceria condiciona a divisão dos prejuízos. Estas

especificidades fazem com que o parceiro não tenha muita independência em

escolher o que plantar na área obtida, pois geralmente são contratados produtos de

maior valor agregado, sobretudo o café.

Por sua vez, arrendatário é aquele camponês que detém os equipamentos (tratores,

colheitadeiras, arados) para o cultivo e colheita de lavouras, além de disponibilidade

de mão-de-obra da família ou até de alguns assalariados para fazê-lo. Alguns

possuem pequenas propriedades de terras e arrendam parcelas de outros

proprietários para obter uma renda extra ou aproveitar os períodos de ociosidade de

seus equipamentos agrícolas, mas é muito comum encontrar arrendatários sem-terra

que se valem dos seus bens e conhecimentos agrícolas para garantir o sustento da

família.

Difere do parceiro porque a relação sempre é mediada por um contrato lavrado em

cartório, com clausula específica onde consta um valor fixo (renda em dinheiro)

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previamente estipulado que deve ser pago ao dono da terra. Assim, se ocorrer um

problema climático ou mesmo o preço do produto colhido for muito baixo, o

arrendatário fica obrigado a ressarcir o proprietário fundiário mesmo que esse

pagamento não cubra os custos de produção empenhados no início da atividade

agrícola. Assim, ao ficar a seu encargo os riscos da atividade agropecuária, o

arrendatário preserva o dono da terra de sofrer os impactos negativos dos possíveis

prejuízos agrícolas.

Dependendo do tipo de produto cultivado e das relações de trabalho inerentes ao

estabelecimento agropecuário, constata-se no Noroeste paranaense uma

diferenciação entre os arrendatários. Arrendatário camponês é aquele que explora

áreas situadas de 1 a 20 ha e que efetua todas as atividades com a mão-de-obra

familiar, nos moldes expostos anteriormente. Geralmente, sua ação está ligada ao

cultivo da mandioca, do algodão e de produtos da chamada lavoura branca, como o

arroz, o milho e o feijão.

Já o chamado arrendatário capitalista trabalha no modelo empresarial; em muitos

casos está vinculado a programas estaduais de arrendamento de terras29, possui

empregados assalariados para fazer as tarefas de plantio, tratos culturais e colheita,

explora de dezenas a milhares de hectares de terra, podendo ser uma empresa,

como as destilarias de álcool e usinas de açúcar, por exemplo. De maneira geral,

trabalha com as lavouras de cana-de-açúcar, desenvolve a orizicultura nas áreas de

várzea do baixo Ivaí, cultiva o trigo, o soja, o milho safrinha ou efetua a criação de

gado bovino.

Por sua vez, o posseiro é aquele camponês que se reproduz em terras não tituladas.

No avanço da colonização, grande parte destes foram mortos ou expulsos para

29 Implantando no ano 2000, um destes programas é o do Arenito Caiuá Nova Fronteira, onde o Governo do Paraná e a EMATER tem incentivado a prática do arrendamento de terras dedicadas a pastagens para agricultores que, recebendo orientação agronômica e tecnologias específicas, estão introduzindo e expandindo cultivos anuais como o soja, o milho safrinha, a aveia. Em cinco anos, período médio da duração dos contratos, a expectativa dos fazendeiros é a de receber um valor X em dinheiro pelo usufruto da terra concedida em parceria e receber suas terras fertilizadas e novamente cultivadas com forrageiras, elementos que certamente irão garantir uma maior produtividade de massa verde, e conseqüentemente, de carne, por hectare, sem, no entanto, adiantar nenhum tostão de capital próprio para que tal realidade se configure.

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outras frentes de expansão, notadamente Mato Grosso do Sul (década de 1970 –

1980).

Sobretudo no final da década de 1980, período em que o processo de exclusão

camponesa foi maior que o de inclusão, os trabalhadores encontraram nos

movimentos de luta pela terra o elemento político mais eficaz de pressão ao Estado

e de insurgência contra o capital no sentido de reverter sua lógica de

exclusão/subordinação.

Através da ocupação de terras, os movimentos sociais do campo colocaram o

Noroeste paranaense como um dos principais focos de conflitos fundiários do País.

Como não possuem o título de propriedade das terras ocupadas ou mesmo

daquelas onde já estava regulamentado o assentamento, os assentados e os sem-

terra foram recenseados como ocupantes, impactando nos dados referentes ao

número de posseiros do Censo Agropecuário 1995/1996.

Pari passu aos processos de concentração fundiária e ordenamento da propriedade

ou formas precárias no acesso a terra, verifica-se uma mudança profunda no perfil

produtivo regional. No período de 1940 a 1970 rapidamente as matas foram postas

abaixo para o plantio do café, que foi ocupou cerca de 50% da área cultivada, e das

lavouras de subsistência intercalares, culturas que sustentaram a ocupação de

várias formas de mão-de-obra e o desenvolvimento socioeconômico desta zona

pioneira.

Tabela 8 - Microrregião Norte Novíssimo de Paranavaí: Evolução no Uso do Solo

Agrícola (1960, 1970, 1975, 1980, 1985, 1998/1996, 2000). Uso do solo 1960 1970 1975 1980 1985 1995/96 1998/99

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Lavouras perenes 278.149 168.485 146.549 120.870 78.715 25.045 50.610Lavouras anuais 86.517 87.045 47.331 60.574 113.907 111.064 95.243Pastagens naturais 21.083 21.727 6.724 33.700 27.886 38.706 11.309Pastagens plantadas 106.843 703.268 549.169 713.905 709.285 690.755

762.579

Vegetação nativa 341.582 45.874 102.226 38.010 33.175 42.118 29.919Reflorestamento 5.506 2.089 1.400 3.717 7.169 7.775 12.936Terras produtivas em descanso

14.959

20.371 23.401 13.042 8.474

3.846 s. i.

Fonte: IBGE - Censo Agrícola 1960, Censos Agropecuários 1970, 1975, 1980, 1985 e 1995/1996; EMATER-PR 2000.

s.i = sem informação

0

50.000

100.000

150.000

200.000

250.000

300.000

350.000

400.000

450.000

500.000

550.000

600.000

650.000

700.000

750.000

800.000

1960 1970 1975 1980 1985 1995/96 1998/1999*

área

em

hec

tare

s

Lavouras perenes Lavouras anuais Pastagens Vegetação nativa Reflorestamento

Figura 4: Dinâmica de uso do solo na Microrregião Norte Novíssimo de

Paranavaí 1970, 1975, 1980, 1995/96 e 2000. Fonte: IBGE: Censo Agrícola 1960; Censos Agropecuários 1970, 1975, 1980, 1985, 1995/96. EMATER 2000.

Conforme os dados da Tabela 8 e da Figura 4, observa-se que no ano de 1960 as

culturas perenes, onde o café se destacava, ocupavam 278.149 ha plantados,

ficando em segundo lugar as pastagens (naturais e plantadas) com 127.926 ha, e

em terceiro as lavouras anuais, cultivadas em 86.517 ha.

O Censo de 1970, porém, revelou uma profunda alteração nesta dinâmica, pois a

área plantada com culturas permanentes diminui para 168.485 ha, a de lavouras

anuais foi acrescida em pouco mais de 500 ha e as pastagens atingiram o patamar

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de 724.995 ha. Isto ocorreu vinculado à baixa dos preços do café no mercado, às

fortes geadas que afetaram a cultura na década de 1960, causando a “quebra” da

safra, elementos que resultaram em baixa produtividade e prejuízos, impactando

negativamente sobre a categoria dos pequenos estabelecimentos administrados por

proprietários e parceiros cafeicultores, que dependiam destas culturas para pagar

seus financiamentos e sustentar as famílias.

Mais resistentes às crises devido à capitalização monetária ou mesmo favorecidos

por programas de crédito agrícola governamental e privado, os médios e grandes

estabelecimentos atravessaram a crise abandonando a agricultura em geral,

sobretudo a cafeicultura, incorporando as terras dos proprietários rurais que não

resistiram às dificuldades financeiras. A ocupação (in) produtiva mais difundida e que

passou a marcar a atividade agropecuária na região é a pecuária extensiva.

Devido o pisoteio constante dos animais, a inexistência de curvas de nível para

conter a erosão laminar, a nula incorporação de adubos, no decorrer dos anos

verifica-se uma progressiva degradação dos solos, afetando a produtividade das

pastagens no que toca à taxa de lotação animal (bovinos por hectare). Em raros

casos, sobretudo pelo pensamento retrógrado dos pecuaristas para os quais depois

de “formado” o pasto e o solo não necessitam nenhum investimento em adubação e

tratos culturais, ocorrem ações concretas dos pecuaristas no sentido de buscar

melhorar a condição produtiva e a lucratividade da bovinocultura.

Mesmo sendo uma pequena parcela em relação ao todo, os fazendeiros agem de

duas maneiras: ou investem capitais próprios ou financiados para reformar as

pastagens, ou cedem terras a arrendatários e parceiros que, cultivando o algodão, o

milho, a mandioca e o soja (os dois últimos os principais produtos) durante alguns

anos, devolvem a terra plantada com o capim e ainda asseguram ao proprietário da

terra uma renda no fim do ciclo, contribuindo para o aumento ou a diminuição destes

sujeitos no rol dos estabelecimentos agropecuários, conforme os números

apresentados na Tabela 6 e na Tabela 7 expressas anteriormente.

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A questão que se coloca é que a mandiocultura, por conta do elevado número de

fecularias e farinheiras que industrializam a matéria-prima, colocam o Noroeste e o

Estado do Paraná como os principais pólos de produção da cultura no País.

Desenvolvida sobretudo em estabelecimentos de pequenos e médios arrendatários

(área até 20 hectares), demanda muita mão-de-obra nas fases de tratos culturais e

colheita, representando um importante fator de geração de emprego e renda nos

municípios onde é cultivada. Apesar dos elementos favoráveis, nos últimos 10 anos

a atividade tem sido impactada pos períodos alternados de alta e baixa nos preços

pagos aos produtores, conjuntura agrícola que favorece a efetivação de contratos de

parceria para um ano agrícola, determinando uma maior rotatividade no processo de

recriação/destruição do campesinato.

Já o soja vem sendo cultivado basicamente por grandes arrendatários, demanda alta

tecnologia no plantio (tratores, implementos sofisticados), nos tratos culturais (uso de

herbicidas e avião) e na colheita. Sendo assim, incorpora pouca mão-de-obra

durante seu ciclo de produção, além de ser um produto altamente valorizado no

mercado externo.

Os fazendeiros que mantém a atividade pecuária nos moldes tradicionais

reconhecem que esta, apesar da menor geração de riqueza por hectare em relação

às lavouras temporárias e permanentes30, demanda menor adiantamento de capital

(máquinas, implementos, peças de reposição, insumos, financiamentos bancários,

etc), incorpora menos trabalho (mão-de-obra permanente e temporária) e encargos

trabalhistas, elementos o que no conjunto requerem uma administração rural mais

tranqüila por parte do proprietário fundiário e total falta de riscos nos investimentos

feitos.

30 Informações obtidas no Escritório Regional da Emater em Paranavaí.

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800000

1970 1975 1980 1985

Figura 5: Microrregião Norte Novíssimo de Paranavaí – área cultivada com pastagens,

lavouras anuais e café 1970, 1975, 1980 e 1985. Fonte: IBGE: Censos Agropecuários 1970, 1975, 1980 e 1985.

Analisando a Figura 5, constata-se que no ano de 1970 ocorreu uma brusca

diminuição na área cultivada com o café, despontando culturas como o amendoim, o

arroz, o feijão, e, principalmente, o algodão e o milho.

Apesar disso, a cafeicultura voltou a ocupar posição de destaque na área ocupada

no censo 1975, devido principalmente a recuperação das plantas, mas com uma

tendência de baixa na área ocupada nos anos subseqüentes, o que se confirma até

o ano de 1985. Em relação às demais culturas, não se verificam a sustentação da

sua participação, pois também ocorrem ciclos de crescimento e retração nas áreas

cultivadas.

Nesta conjuntura agrária e agrícola, o campo do Noroeste paranaense tem perdido a

função de contribuir no desenvolvimento socioeconômico regional e local, sobretudo

porque as principais atividades agropecuárias desenvolvidas (bovinocultura,

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sobretudo) são poupadoras de mão-de-obra, não gerando emprego e renda

permanente para parte da população dos municípios onde as propriedades rurais se

localizam

Tabela 9: Microrregião Norte Novíssimo de Paranavaí:: Mão de obra ocupada nos

estabelecimentos rurais segundo a origem 1970, 1975, 1980, 1985, 1995/1996.

Mão-de-obra 1970 1975 1980 1985 1995/1996 Familiar 64.951 48.353 36.736 39.247 17.284Empregado permanente 8.959 16.669 17.453 11.169 6.752Empregado temporário 9.928 8.234 8.912 9.309 5.376Parceiro 539 5.358 6.855 4.665 1.172Total geral 84.377 78.614 69.956 64.390 30.584 Total de famílias residentes nos estabelecimentos rurais

sem informação 57.923 49.412 38.717 21.470

Fonte: IBGE - Censo Agrícola 1960, Censos Agropecuários 1970, 1975, 1980, 1985 e 1995/1996.

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90000

Total Própria Família Permanente Temporário Parceiros Residente

núm

ero

de p

esso

as tr

abal

halh

ando

1960 1970 1975 1980 1985 1995/1996

Figura 6 – Microrregião Norte Novíssimo de Paranavaí: Mão de obra ocupada nos estabelecimentos rurais segundo a origem 1970, 1975, 1980, 1985, 1995/1996.

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Fonte: IBGE - Censo Agrícola 1960, Censos Agropecuários 1970, 1975, 1980, 1985 e 1995/1996. Analisando as informações apresentadas na Tabela 9 e na Figura 6, nota-se que o

total da mão-de-obra ocupada nas atividades agropecuárias no Noroeste

paranaense diminuiu consubstancialmente em cada período representado. No ano

de 1970, enquanto foram declarados 84.377 postos de trabalho, lentamente estes

números decaíram nos censos seguintes, atingindo seu menor patamar no Censo de

1995/1996, onde se constata somente 30.584 pessoas ocupadas nos

estabelecimentos rurais.

Realizado principalmente nas unidades camponesas de produção, a mão-de-obra

familiar também apresenta decréscimo abrupto nos dados recenseados, pois de

64.951 pessoas que trabalhavam no campo em 1970, no ano agrícola de 1995/1996

foram recenseadas somente 17.284 trabalhadores familiares, o que confirma a

tendência geral de exclusão dos estabelecimentos organizados em bases familiares.

Outra informação importante verificada é a inconstante participação da mão-de-obra

dos empregados permanentes (representa os assalariados mensalistas), dos

parceiros e dos empregados temporários, o que evidencia que além da precarização

nas relações de trabalho, que tende a valorizar o trabalhador sazonal (bóia-fria) em

detrimento dos contratados por períodos mais longos (empregados permanentes,

mensalistas), todos estes postos de trabalho estão em retração na região.

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25.000

50.000

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325.000

350.000

375.000

1960 1970 1980 1991 2.000

Urbana Rural

Figura 7 – Microrregião Norte Novíssimo de Paranavaí: População total, urbana e rural 1960, 1970, 1980, 1990 e 2000.

Fonte: Censos Populacionais 1960, 1970, 1980, 1990 e 2000.

Conforme as informações da Figura 6, a população urbana intra-regional apresenta

um crescimento sustentado no período situado entre os anos 1960 e 2.000. A

população rural, ao contrário, sofreu uma diminuição lenta entre a década 1960 e

1970, a partir da qual sofreu brusca diminuição, tendência que se manteve até o

censo do ano de 2000.

O resultado deste quadro é o aumento populacional verificado no período 1960 –

1970. Entre 1970 e 1990 ocorreu uma diminuição da população regional, cuja

alteração positiva (aumento populacional) ocorreu entre os anos 1990 e 2000.

Assim, pode-se inferir que a conjugação dos elementos da realidade agrária

(concentração da terra), da realidade agrícola (atividades agropecuárias

desenvolvidas) e da realidade social (ocupação da mão-de-obra) anteriormente

expostos, tornaram o espaço agrário do Noroeste paranaense um espaço de

exclusão e a região um pólo de migração populacional.

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116

2.3 A formação do município de Querência do Norte.

No ano de 1947, assumiu o Governo do Estado do Paraná o Sr. Moisés Lupion.

Aproveitando as facilidades do poder, este dirigente utilizou amplamente o aparelho

de Estado para distribuir benesses para representantes da oligarquia agrária e

urbano-industrial que lhe apoiaram durante a vitoriosa campanha eleitoral de 1946.

Desvirtualizando as tendências da política fundiária praticada no Estado desde a

década de 1930 com Tourinho Neto e Manoel Ribas, na qual o Estado

freou/remodelou a farra com o patrimônio público nas negociatas com terras

devolutas e coordenou a colonização oficial e particular (empresas privadas de

capital nacional e internacional), em sua administração Lupion asseverou a maneira

lesiva de tratar o Patrimônio Público Fundiário, pois assinou várias concessões de

terras no Sudoeste, Oeste, Norte e Noroeste paranaense, transferindo milhares de

hectares de terras a correligionários ligados à indústria, ao comércio, às companhias

colonizadoras e madeireiras.

O grande problema é que em frações destas regiões, pequenos sitiantes que

adquiram terras junto a colonizadoras ilegalmente constituídas, portanto, que não

tinham o direito de propriedade para lotear tais terras, além de vários posseiros, que

há anos viviam a expectativa de que o Estado regulamentasse a situação fundiária

das terras por eles ocupadas, passaram a sofrer a ação territorial destes agentes

territoriais.

A sobreposição entre os interesses das centenas de habitantes desses espaços e os

interesses das empresas que vislumbravam obter lucros com o comércio de terras e

de madeira gerou uma série de conflitos fundiários no interior do Estado31.

31 Em 1950, camponeses revoltados desencadearam a Guerrilha de Porecatú, na região Norte do Estado (MARTINS, 1995).

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A história começa na década de 50 quando o governador do Estado do Paraná, Moisés Lupion, avô do atual líder da bancada ruralista, deputado federal Abelardo Lupion, que resolveu distribuir fartos títulos de terra na faixa de fronteira do Estado do Paraná, em terras de domínio da União. Além de titular terras que não eram de domínio do Estado do Paraná, o senhor Lupion as titulou para pessoas inexistentes (“fantasmas” anteriores aos “fantasmas” do corrupto período collorido) que, incrivelmente, as venderam para terceiros que não ocupavam as terras adquiridas, já que as mesmas estavam sendo cultivadas por agricultores familiares posseiros que, legitimamente, as reivindicavam para si e suas famílias. (RUSSO, < http://www.pt.org.br/san/oincraeagrilagemnoparana.doc > Acesso: 20 out. 2001)

No Noroeste paranaense, adotando a política do clientelismo, Lupion interferiu na

ação do DGTC e garantiu a pessoas correligionários lotes destacados da colônia

Paranavaí. No caso das Glebas 29, 27-A e 28, em cujo espaço assenta-se

atualmente o território do município de Querência do Norte, segundo análises

efetuadas por nós em documentos cartorários e levantamentos cartográficos das

plantas elaboradas pelo DGTC, até 1948 foram dimensionados 214 lotes rurais, em

33.676,93 hectares de terras, contabilizando cerca de 65% da área total destas

glebas.

Em relação à dimensão dos lotes envolvidos em negociatas, 118 possuíam área

situada na faixa de 5 a 50 hectares, somando 3.435,8 hectares; 3 lotes possuíam

área situada entre 50 a 100 hectares, ocupando a dimensão de 273 hectares e

outros 93 lotes com áreas situadas no intervalo de 100 a 454 hectares, ocupando

juntos 29.968,13 hectares, ou 88,98% da área total destas glebas.

Apesar de organizar alguns lotes de dimensão reduzida, o Governo desconsiderou o

Decreto no 800 promulgado em 08 de agosto de 1931 pelo Interventor tourinho Neto,

que regulava em 200 hectares a porção máxima de terra a ser repassada para a

iniciativa privada, obrigando ainda o adquirente a habitar e colocar em produção o

lote adquirido. Em relação aos beneficiários que receberam terras públicas, tal

repasse priorizou empresários influentes da cidade de Londrina e Curitiba, com

destaque descendentes de Sírios e Libaneses que, no afã de obter mais de uma

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concessão, colocavam áreas em nome de familiares, aproveitando-se do baixo

preço das terras e até de doações efetuadas pelo Estado.

Tabela 10: Famílias beneficiadas com lotes destacados

das Glebas 27-A, 28 e 29 da Colônia Paranavaí.

Família NO de Lotes

Área (ha)

Aburad 1 394 Burica 1 205,25 Postar 1 237,25 Camargo 1 245,2 Hoffmann 1 250 Rosa 1 317,25 Hordochinski 1 319,28 Fonseca 1 325,25 Grabowski 1 337,25 Lopes 1 337,25 Boer 1 349,25 Matioski 1 350,25 Sahyum 1 357,25 Abraham 1 358,25 Boer 1 361,25 Agge 1 379 Abib 1 400,6 Dipp 1 403,25 Salum 1 437 Dacca 1 448,8 Calixto 1 454 Miranda 2 504 Barbosa dos Santos 2 520 Costa 2 661,25 Azevedo 2 694,5 Macul 2 740,8 Aborian 2 805 Lopes da Silva 2 805,4 Carvalho 2 857,6 Sayão 4 1525,4 Sahão 12 4.950,6 Total 53 19.331,43 Fonte: Plantas das Glebas 27-A, 28 e 29. DGTC, 1948.

Como não é objetivo deste tranalho analisar a situação dominial relativa às outras

glebas onde se assentam hoje os demais municípios da região, podemos informar

que a realização de uma pesquisa aprofundada nestas áreas revelaria, com certeza,

os desmandos da pratica política do grupo que controlava o poder no Estado a

época.

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Figura 8 LOTEAMENTO QNE

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Analisando os dados expostos na Tabela 10 e estabelecendo uma relação com as

informações presentes no cartograma da Figura 8, percebe-se que afora a questão

de algumas famílias possuírem mais de um lote de terras, e apesar da existência de

um planejamento visando criar pequenas propriedades, o processo de partição da

terra agrícola priorizou a grande propriedade.

Interessados na valorização futura da terra, ou seja, na especulação imobiliária, os

empresários priorizaram, sobretudo, a compra (ou recebimento) dos lotes maiores,

desinteressando-se pelos de menor dimensão. No ano de 1952, quando Carlos

Antônio Franchello, João Cândido Monteiro de Andrade, Ângelo José Bertóglio,

Jayme Pereira Borba e Waldomiro Elias fundam na cidade de Londrina a BRAPAR -

Brasil Paraná Loteamentos e Colonização, o elemento motivador - a realização da

renda da terra - para a compra ou a escolha de terras no Nororeste paranaense se

confirmou, só que desta vez foi redimensionado.

Em 1953, mediante autorização do Estado, o grupo adquiriu as terras das glebas 27-

A e 28 da colônia Paranavaí que estavam distribuídos entre vários proprietários.

Após a compra destas terras, a empresa (re)estruturou o projeto de colonização,

fundando um novo município no Noroeste paranaense: Querência do Norte,

ordenando na base da pequena propriedade a colonização das glebas, atraindo

sobretudo migrantes sulistas, visando atender às demandas de reprodução dos

descendentes de imigrantes.

Segundo consta, os camponeses de origem alemã e italiana das regiões Oeste e

Sudoeste dos estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina possuíam famílias

numerosas, algumas atingindo em torno de 6 a 8 membros. Quando casavam os

filhos homem, por tradição regional os pais doavam um lote de terras partilhado

dentro da propriedade da família ou adquiriam uma área no município, garantindo a

formação de uma nova unidade familiar de produção.

Acontece que esta prática gerava uma situação sui generis: em primeiro lugar, com

o passar dos anos e o casamento de outros rapazes, a partição da terra paterna

gerava minifúndios pequenos e insustentáveis; em segundo lugar, a generalização

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da prática produzia uma demanda crescente que projetava para cima o preço do

hectare de terra, impedindo as famílias pobres de adquiri-la ou de inserir a nova

família num minifúndio. A opção possível para a sobrevivência das novas famílias

cada vez mais tendia à migração para as cidades ou para outros estados.

Conhecendo esta realidade e demonstrando um bom tino comercial, os

administradores da BRAPAR organizaram uma rede de corretores encarregados de

distribuir material de propaganda (encartes e folhetos) nas zonas gaúchas e

catarinenses colonizadas por italianos e germânicos, no intuito de estimular a vinda

desses camponeses para seu projeto de colonização. A mercadoria oferecida era a

terra fértil do norte paranaense, onde o café enriquecera rapidamente os

agricultores, ao preço do hectare muito mais barato do que aqueles praticados nas

suas regiões de origem, o que permitiria a conquista de sítios maiores, além de

financiamento facilitado pela própria empresa, gama de fatores que atraiu levas de

colonos.

Abordando este processo de colonização, HARACENKO (2002) evidencia que o

sucesso da BRAPAR foi balizado nos seguintes pilares: o nome do projeto, pois

Querência na cultura gauchesca é o “lugar querido, terra querida”, signo de

prosperidade para os migrantes sulistas; a propaganda utilizada, ainda que de forma

muitas vezes enganosa, pois nos encartes apareciam informações de uma colônia

bem urbanizada, com água encanada, hotel e pontos de apoio para comercialização

da safra, infra-estruturas que em muitos casos não se configuravam como

verdadeiras, ou seja, eram inexistentes; o discurso do desenvolvimento e da riqueza

do “Norte do Paraná”, da terra roxa e da cultura do café, onde tais elementos

perpetravam a riqueza e o desenvolvimento pessoal daqueles que nesta região

viviam, apesar de as terras do município serem arenosas (arenito Caiuá) e não

suportarem cultura tão agressiva o café; além das facilidades de compra da terra

garantidas pela própria empresa, como o financiamento a juros baixos e o

pagamento facilitado em até 36 parcelas.

Em três anos, Querência do Norte despontou como uma colônia pioneira do

Noroeste paranaense, para cujo destino convergiram cerca de 3.000 famílias.

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Estruturada a partir das pequenas propriedades (cerca de 10 alqueires cada)

voltadas ao cultivo do café, no dia 5 de agosto de 1953 a colônia foi elevada à

condição de Distrito do município de Paranavaí, através da Lei Municipal no 13. Em

26 de novembro de 1954, a Lei Estadual no 253 elevou o Distrito à condição de

município, data de seu desmembramento do município de Paranavaí.

Com área total de 914,76 km quadrados, Querência do Norte limita-se a Norte com o

município de Porto Rico, a Leste com o município de Santa Cruz do Monte Castelo.

Margeando o rio Ivaí até sua foz, confronta-se a Sudeste com Umuarama e ao Sul

com Icaraíma. A Oeste faz fronteira com o Estado do Mato Grosso do Sul, cujo limite

é o rio Paraná, onde existem dezenas de ilhas, conforme Figura 9.

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Figura 9- perímetro municipal de querência do norte

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2.4 Problemas fundiários e violência no campo.

Apesar da ação do Estado partilhando a terra agrícola em favor de pessoas físicas e

jurídicas e da ascensão da BRAPAR coordenando o processo, o território da Gleba-

29 e as áreas não loteadas (figura 8), foram alvos de um lento processo de

intrusagem (final da década de 1940 e início da década de 1950), resultando na

presença efetiva de centenas de posseiros.

Preocupados com esta situação, os administradores da BRAPAR divulgavam entre

os compradores a lisura e idoneidade quanto à propriedade das terras e o

planejamento territorial desenvolvido para garantir a incorporação dos pequenos

produtores. Assim, a empresa demonstrava não ser de seu interesse o repasse da

informação da grilagem e intrusagem em Querência do Norte, impedindo a fuga dos

compradores pelo risco de compra de terras griladas, realidade que “não acontecia”

nas terras apropriadas pela empresa.

Por outro lado, impedindo a disseminação da informação dos graves problemas

fundiários que ocorriam ao sul do município (terras devolutas), a BRAPAR fechava a

possibilidade de vinda de mais aventureiros interessados em abrir uma posse.

Assim, o capital impedia a concorrência dos camponeses que acessando

gratuitamente um pedaço de chão, poderiam fraturar o processo local de extração da

renda absoluta da terra.

Segundo MARX (1985), a renda absoluta da terra é a renda do monopólio do capital

sobre uma fração territorial. Sua existência está ligada a demanda social de áreas

para produção agropecuária e moradia, por exemplo, e se realiza a partir do

momento em que a terra é comercializada. Assim, exercendo o monopólio da terra e

da informação sobre a terra livre, a empresa preservava seus interesses.

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A questão da grilagem de terras no município tem inicio no ano de 1958, quando

Tuffy Felício Jorge, um descendente de migrantes Síros cuja atividade era o

comércio na cidade de Paranavaí, procedeu a ocupação efetiva das terras da Gleba-

29 declarando ter recebido a concessão dos cerca de 9.000 alqueires32 da área do

Governador Moisés Lupion.

Para “abrir” sua fazenda, inicialmente Felício Jorge utilizou a mão-de-obra de alguns

parceiros para os trabalhos de desmatamento, construção da casa sede e formação

de pastagem, reservando a estes o direito de cultivo das terras com lavouras

comerciais e de subsistência por três anos, período após o qual ficavam obrigados a

devolver a terra cultivada com o capim. Com estas ações, Felício Jorge entrou em

confronto direto com dezenas de posseiros que há anos ocupavam a área.

Apesar do conflito de interesses, os anos passaram e na ocasião da renovação dos

contratos dos parceiros com o fazendeiro, os trabalhadores recebiam novas áreas

cobertas pela mata, relação cíclica que garantia a sustentação dos camponeses e

permita ao fazendeiro estruturar uma fazenda pronta para o apascentamento do

gado bovino sem adiantar um centavo de capital próprio, o que em muito valorizava

“suas” terras através do trabalho dos camponeses.

Ao incorporar construções e lavouras (trabalho, portanto), o fazendeiro atendia aos

requisitos assumidos junto ao Estado de produzir na terra, além de promover um

avanço contínuo sobre as terras inabitadas, estendendo pouco a pouco os limites de

sua exploração em direção à área ocupada pelos posseiros que “ilegalmente” viviam

em “sua” fazenda.

Apesar do sigilo que envolvia a situação fundiária das terras do município, levas e

levas de trabalhadores assalariados e parceiros, sobretudo os nordestinos pobres

que chegavam a Querência do Norte a procura de trabalho, animaram-se a realizar a

intrusagem e abrir uma posse no interior da Gleba-29, frustrando as expectativas do

fazendeiros e da BRAPAR, que a cada ano viam mais e mais camponeses

avançarem sobre as terras livres.

32 Exatos 21.980 hectares.

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Desmatando alguns alqueires de terra, construindo ranchos de pau-a-pique e

cultivando produtos alimentares e comerciais em parcas roças de mamona, feijão,

arroz e frutíferas, os novos (e os antigos) posseiros vivenciaram a miséria e as

incertezas da disputa territorial em suas

[...] casas simples e tristes, marcas de pobreza e de sobrevivência. Em alguns clarões são algumas casas reunidas, em outras são habitações solitárias e cinzentas. [...] Nos olhos e nos rostos curtidos e rudes “homens da terra” atestam-se medo do despejo e valentia na luta de vida, que prossegue cotidianamente, adiando o pior (que virá, inevitavelmente). “Sou o habitante mais velho da Gleba 29” - é a primeira informação de Orlando, de 69 anos. [...] Orlando afirma estar em situação regular: “Em 1955 eu comprei uma Ordem de Procuração. Naquela época 486 lotes foram entregues assim, regularmente. Era o tempo do governador Bento Munhoz da Rocha. Depois o Moisés Lupion assumiu o governo e vendeu a fazenda toda, com todos nós dentro ao ‘turco’. Daí ele ameaçava um, assustava outro com despejo. E estou aguardando até hoje”. (MENESES, 1973).

A luta pelas terras da Gleba-29 ocorreu opondo sujeitos com forças e ações

diferenciadas. De um lado os posseiros, cuja iniciativa foi a de ocupar o chão,

cultivar roças e questionar a propriedade da terra, mesclando maioridade numérica e

desorganização. Contra eles, o fazendeiro Tuffy Felício Jorge, cujo poder econômico

sustentava o uso da violência dos jagunços contratados para assassinar lideranças,

destruir roças, raptar a produção e as madeiras vendidas pelos camponeses às

serrarias e cerealistas localizados na cidade, alimentando o mito e a realidade pela

qual ficou conhecido o município – “Querência da Morte”.

Preocupado com a possibilidade de um grupo de parceiros, contratados anos antes,

não abandonarem as terras da fazenda e assim engrossar o contingente de

posseiros “ilegais”, em 1969 Tuffy Felício Jorge impetrou várias ações de despejo

contra as famílias, tanto dos posseiros quanto a dos parceiros, exercendo o poder

de posse sobre a área, mas não obteve sucesso.

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O desfecho da contenta ocorreu quando Felício Jorge repartiu as terras da Gleba-29

criando as fazendas Florão, que ficou sob a sua administração, e a 29 Pontal do

Tigre, cujos 10.896 hectares ele vendeu ao megalatifundiários Jorge Wolney Atalla33

e Jorge Rudney Atalla, que exigiram para a consecução da negociação a retirada

imediata dos posseiros da área.

Para não perder o negócio, Felício Jorge acionou novamente a justiça. Com pessoas

influentes envolvidas na questão fundiária local, neste ínterim o INCRA – Instituto

Nacional de Colonização e Reforma Agrária e a FETAEP – Federação dos

Trabalhadores na Agricultura do Estado do Paraná, deslocaram equipes para a

região a fim de intermediar o conflito. Como medida cautelar, propôs-se ao grupo de

posseiros que sofreu ação de despejo a oportunidade de assentamento em áreas de

colonização federal na Amazônia Legal (MENESES, 1973).

Interessado na saída imediata dos camponeses, Tuffy Felício Jorge garantiu a uma

parte dos trabalhadores indenização para o imediato abandono das terras, mas

poucos aceitaram a proposta. Na contenda, a FETAEP apontou aos posseiros que,

no rigor da lei, todos seriam expulsos da fazenda.

Depois de várias discussões, foi referendado um acordo que garantiu a uma parte

das famílias o assentamento definitivo em projetos de colonização situados em

Altamira (Pará), no Mato Grosso e em Rondônia, reforçando as práticas de

desmobilização dos movimentos sociais no campo praticado pelo Governo Militar,

ações que contavam com a participação de técnicos do INCRA, sindicalistas

pelegos, políticos locais/regionais ou mesmo a polícia, cuja função principal era

forçar os “revoltosos” a aceitarem a migração projetos de colonização situados no

norte do País, preservando os interesses do capital nos lugares onde a luta pela

terra surgia como uma forma de contestação do status quo.

33 Integrantes da família Atalla, cujo grupo possui cerca de 150 fazendas no interior do Brasil destinadas à criação de gado de corte, nelore mocho, café, e cana-de-açúcar, envolvido também na agroindustrialização do açúcar e do álcool no Norte do Paraná (Porecatú) e no interior paulista (Brotas) i, proprietários de transportadoras e também de uma industria de cimento portland em Brasília, segundo informações coletadas pelo autor.

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A colonização de novas terras pode ser analisada como uma técnica social que utiliza mecanismos de controle do espaço e de controle dos homens, para se reproduzir enquanto forma de dominação exercida pelas classes sociais no poder, componentes do bloco-industrial-agrário, sobre as classes subalternas da sociedade brasileira. (TAVARES DOS SANTOS, 1989, p.106).

Garantida a saída “pacífica” para o conflito, os irmãos Atalla efetivaram a compra da

fazenda, tomando posse efetiva da área após a saída de todos os posseiros. Ato

contínuo, os vestígios (roças, casas de pau-a-pique, pomares, etc) foram destruídos.

Como as medidas do INCRA não “beneficiaram” a todos os trabalhadores, sobretudo

aqueles que há poucos anos ocuparam a fazenda, os posseiros que não foram

inseridos nos projetos de colonização viram-se obrigados a moldar outras formas de

trabalho para garantir a sobrevivência de suas famílias.

Negando o processo de exclusão definitivo da terra de trabalho, uma parte das

famílias ocupou “as diversas ilhas existentes no rio Paraná, onde continuaram

produzindo gêneros alimentícios até as enchentes de 1982 e 1983. As que

permaneceram na sede municipal ocuparam lotes urbanos em litígio e tornaram-se

bóias-frias”. (ROSA, 1996, p. 29).

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2.5 O projeto Adecon: a mutação de bóia-frias em camponeses a serviço do capital.

A conjuntura agrária do município de Querência do Norte no início da década de

1980 era de incertezas e dificuldades para os pequenos produtores rurais, sobretudo

os parceiros, arrendatários e ocupantes, que pouco a pouco eram expulsos de suas

terras, contribuindo para esta situação dois elementos: o alagamento das ilhas

devido o avanço das águas do rio Paraná, além do vencimento ou a negação da

renovação dos contratos de parceria e arrendamento.

Em relação ao segundo caso, o reordenamento nas atividades agropecuárias

implementado pelos fazendeiros na década de 1970 priorizou a expansão da

pecuária de corte e o trabalho com médios e grandes arrendatários que, possuindo

capital para investir em maquinaria e insumos mais modernos, mudaram o perfil

produtivo local das lavouras tradicionais como o café, o amendoim, a mandioca, a

mamona e o milho crioulo e, em parte, o algodão, para lavouras ligadas a circuitos

comerciais e agroindustriais, como o trigo, a soja, o milho, em parte o algodão e,

principalmente, o arroz irrigado na várzea, lavouras cujo desenvolvimento técnico,

financeiro e comercial (insumos, estrutura de comercialização, armazenagem e

comercialização) foram sustentados a partir da ação COPAGRA - Cooperativa

Agrária dos Cafeicultores de Nova Londrina, criada em 1979.

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0100020003000400050006000700080009000

10000110001200013000140001500016000

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1977/78 1978/79 1979/80 1980/81 1981/82

Figura 10: Querência do Norte – área ocupada com as principais culturas anuais e perenes.

Fonte: Secretaria de Agricultura do Estado do Paraná. Perfil Regional, Paranavaí 1977 a 1982.

Nesta conjuntura, verificou-se uma aceleração no processo de subsunção real dos

camponeses ao capital, ou seja, perdendo a terra, tornaram-se proletários, mas de

uma forma totalmente precarizada, tendo em vista a tendência de geração de postos

de trabalho temporário em detrimento do trabalho permanente.

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Tabela 11: Querência do Norte - Utilização de mão-de-obra temporária segundo os meses de trabalho nos anos de 1975, 1980 e 1985.

Mês 1975 1980 1985 Janeiro 143 430 1155 Fevereiro 296 778 3482 Março 477 964 6066 Abril 382 879 2986 Maio 190 383 1070 Junho 128 410 1047 Julho 181 415 1005 Agosto 138 425 993 Setembro 158 512 1353 outubro 129 627 1662 Novembro 105 688 2465 Dezembro 84 912 2167 Número de Informantes 146 168 494

Fonte: IBGE – Censos Agropecuários 1975, 1980 e 1985.

No contexto de crise social, coube ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais do

município pressionar as autoridades locais e estaduais visando a elaboração de

projetos que concretamente gerassem postos de trabalho e renda para os

trabalhadores, priorizando o trabalho permanente, quebrando assim a sazonalidade

do trabalho e o processo de expulsão populacional.

Nas discussões com órgãos públicos, entidades patronais e trabalhistas, produtores

e empresários, fechou-se acordo em torno da proposta de organização de uma

bolsa de arrendamento de terras enquanto alternativa para viabilizar o

desenvolvimento local. Apesar das discussões, os grandes proprietários de terra

pouco fizeram para expandir a presença dos arrendatários camponeses: ao

contrário, preferiam estabelecer relações contratuais com arrendatários capitalistas.

Em 1980 o Banco do Brasil criou o FUNDEC – Fundo de Desenvolvimento

Comunitário para Programas Cooperativos ou Comunitários de Infra-Estruturas

Rurais, no objetivo maior de estimular ações locais para conter o êxodo rural em

municípios com núcleos urbanos situados entre 500 e 5.000 habitantes. No conjunto

das ações passíveis de financiamento, citam-se estímulos às atividades artesanais;

industria caseira rural; obras de infra-estrutura (açudes, estradas rurais, serviços de

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água, energia, armazenagem); construção, reforma e ampliação de escolas, postos

de saúde e centros comunitários.

Para receber o financiamento, as comunidades interessadas deveriam organizar

uma associação formalmente constituída, sem fins lucrativos, com um quadro social

e administrativo representativo da região ou do município, recaindo uma carga anual

de 5% de juros sobre o empréstimo concedido, além de uma correção monetária de

80% da variação do índice das ORTNs (Obrigações Reajustáveis do Tesouro

Nacional). Na contrapartida, o Governo do Estado se obrigava a incorporar o valor

concedido pelo banco na forma de assistência técnica e os trabalhadores, por sua

vez, o mesmo valor na forma de horas de trabalho na execução das obras

projetadas.

Em 1982, interessados nos recursos do FUNDEC que possivelmente viabilizaria os

projetos discutidos no município para estimular a expansão do mercado de trabalho,

várias reuniões foram feitas envolvendo assessoria da EMATER – Empresa

Assistência Técnica e Extensão Rural, representantes do Banco do Brasil, Sindicato

dos Trabalhadores Rurais de Querência do Norte (STR-QNE), COPAGRA,

proprietários e produtores rurais, cerealistas, comerciantes e políticos

locais/regionais. A partir das discussões desses agentes, redigiu-se um amplo

projeto de desenvolvimento composto por três programas setoriais.

1 - Programa de Apoio à produção e Comercialização, envolvendo:

• Aproveitamento de várzeas;

• Construção de rede elétrica para irrigação de arroz em Porto Jundiá;

• Incorporação de novas áreas ao processo produtivo (5.300 ha de capoeiras)

e instalação de 300 famílias;

• Melhoria do nível técnico das explorações agrícolas;

• Construção de unidades de beneficiamento e armazenagem da produção

agrícola;

• Assistência técnica aos produtores;

• Diversificação de culturas;

• Melhoria na produtividade do rebanho bovino;

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• Extensão da rede elética na sede do núcleo e distrito de Porto Brasílio.

2 – Programa de Melhoria da Infra-Estrutura Econômica-Social:

• Recuperação de estradas que ligam as comunidades à sede;

• Construção do matadouro municipal;

• Melhoria do equipamento do posto de saúde de Icatú e do hospital da sede,

além da construção de posto de saúde em Porto Brasílio;

• Ampliação e reforma de escolas rurais, aquisição de mobílias e treinamento

de professores leigos;

• Melhoria do sistema de saneamento nos distritos de Icatú e Porto Brasílio;

• Construção do mercado municipal;

• Construção de biblioteca municipal.

3 – Programa de Aperfeiçoamento comunitário e Institucional:

• Implantação de hortas comunitárias e caseiras;

• Construção da Sede da Associação de Desenvolvimento Comunitário;

• Melhoramento da praça municipal;

• Apoio ao artesanato e confecção de bordados;

• Construção de creche, asilo e albergue.

Em 1983, reconhecendo a importância das propostas para o desenvolvimento local,

o Banco do Brasil aprovou recursos do FUNDEC, destinando-os a implementar na

íntegra o projeto supracitado.

Para gestar as verbas destinadas ao projeto e responder pela administração dos

Programas e das ações, foi constituída a Adecon (Associação de Desenvolvimento

Comunitário de Querência do Norte), composta por uma Diretoria, um Conselho

Consultivo e Conselho Fiscal, contanto ainda de um Gerente e dez trabalhadores

assalariados fixos, podendo ainda incluir trabalhadores temporários na época de

safra.

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Discutindo o “assentamento” produtivo de bóias-frias (terceiro ponto da parte 1 do

projeto), Jorge R. Atalla, a COPAGRA e a Adecon firmaram uma parceria agrícola

abrangendo 484,71 alqueires em parte das terras da fazenda 29 Pontal do Tigre.

Para reger a relação entre o fazendeiro e os futuros camponeses arrendatários, as

partes envolvidas na negociação fundamentaram as seguintes obrigações

contratuais:

• Cada lote tem dimensão de 2 a 2,5 alqueires paulistas;

• A terra destinava-se aos cultivos de milho, soja e algodão;

• A quantia correspondente à renda, fixada na mesma proporção do primeiro

contrato, deverias ser entregue no entreposto da COPAGRA em Querência

do Norte, sem ônus para a Cooperativa no transporte até a usina situada em

Nova Londrina;

• A Adecon podia assinar carta de anuência aos seus

subarrendatários/parceiros, sendo obrigatória a elaboração de projeto

técnico para a viabilidade da lavoura financiada;

• A Associação caucionou nota promissória de sua emissão como garantia do

pagamento da renda;

• Deveria, obrigatoriamente, cultivar a área sob contrato na totalidade, em

qualquer dos anos agrícolas dentro do prazo contratual;

• A Adecon deveria associar-se à COPAGRA, comprometendo-se a associar

seus subarrendatários/parceiros. Somente da COPAGRA os arrendat’arios

poderiam adquirir insumos e entregar a produção agrícola em depósito no

aguardo do preço compensador.

A Adecon divulgou as informações contratuais e organizou uma lista de inscrição

para cadastrar famílias interessadas em participar do projeto. Neste processo, cerca

de 300 famílias preencheram as fichas, respondendo a um questionário

socioeconômico amplo que versava sobre questões como o número de pessoas na

família, seus conhecimentos agrícolas, a posse de ferramentas agrícolas (arado,

pulverizador, semeadeira, além de animais), qual era a experiência de trabalho no

campo (bóia-fria, arrendatário, posseiro, parceiro), além de indicar três pessoas

como referência para confirmar as informações.

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Para escolher as famílias beneficiadas, constitui-se uma comissão de seleção

municipal, em cuja composição constava membro da Diretoria da Adecon,

representante do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Querência do Norte, dois

representantes das maiores cerealistas do município, representante do Banco do

Brasil e um técnico da ACARPA (Associação de Crédito Rural do Paraná).

No decorrer de seus trabalhos, a comissão priorizou as famílias que contavam com

maior número de componentes, que não possuíam vínculo de propriedade com a

terra e dominavam o cultivo do algodão, além de critérios subjetivos “[...] como bons

antecedentes, aspiração de melhoria na condição de vida, dedicação ao trabalho,

bom comportamento, etc” (ROSA, 1996, p. 97).

Após a seleção inicial e os trâmites legais (associação a Adecon, registro dos

contratos, etc), 78 famílias receberam os lotes prometidos, ocupando juntas 178,46

alqueires de terra dos 484,71 alqueires cedidos por Jorge R. Atalla.

Analisando a origem das famílias beneficiadas, ROSA (1996, p. 99) demonstra que

58% dos novos arrendatários eram bóias-frias, 1% parceiros e 14% posseiros

expulsos das ilhas após as enchentes no rio Paraná. Entre 1983 e 1987, 22 famílias

desistiram ou foram substituídas, chegando o projeto a contar com 89 lotes

ocupados, conforme Figura 11 e Figura 12.

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Figura 11 – fazenda 29

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Figura 12- Parte da fazenda 29 pontal do tigre e lotes da Adecon.

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De maneira geral, o acesso a terra trouxe dignidade para as famílias “assentadas”,

pois até então as mesmas vivenciavam um processo de exclusão e miséria na

periferia da cidade, devido a sazonalidade com que acessavam trabalho e renda.

Nos primeiros anos, após preparar o solo e realizar a colheita do algodão, os

produtores da Adecon contribuíram para a expansão do assalariamento no campo

(ver Tabela 11), colaborando com a geração de renda para bóias-frias do município,

ativando a circulação de mercadorias no comércio local.

Todavia, as peias contratuais impediam um maior desenvolvimento dos

trabalhadores no que toca à gestão do lote e as condições de desenvolvimento e

qualidade de vida no campo (moradia, acesso à escola, água, energia elétrica, etc),

conforme elementos da Figura 13 e Figura 14.

F

igura 12: Família

Figura 13: Família camponesa “assentada” na fazenda 29 Pontal do Tigre. Fonte: Arquivo de fotos da Adecon.

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Figura 13:

C

a

s Figura 14: Casebre de um “assentado” em meio a uma viçosa plantação de

algodão, cuja produtividade ultrapassava as 700 arrobas por alqueire.

Fonte: Arquivo de fotos da Adecon.

Na esteira do processo de formação da Adecon e dos financiamentos do FUNDEC,

a COPAGRA arrendou dos irmãos Atalla, por um período de desfrute de 5 anos,

outros 1.500 alqueires de terras, sendo 800 alqueires de várzea e 700 alqueires de

vertente, destinados, respectivamente, ao cultivo do arroz, soja algodão, milho, feijão

e trigo.

Através deste contrato, os irmãos Atalla garantiram à cooperativa o direito de sub-

arrendar a qualquer pessoa de seu interesse partes da área arrendada, desde que a

mesma honrasse o pagamento de renda em produto ao fazendeiro, renda esta

estipulada em 15 sacas por alqueire nas áreas cultivadas com soja, milho e arroz,

além de 45 arrobas nas áreas cultivadas com algodão, ficando livres de renda os

cultivos de inverno como o feijão e o trigo.

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Ademais, os sub-arrendatários ficavam obrigados a preservar as benfeitorias

(cercas, casas, estábulos, etc) encontradas na fazenda, sendo que todo bem imóvel

construído pelos arrendatários, excetuando-se galpões e barracos, não poderiam ser

retirados, ficando o fazendeiro livre de ressarcimento dos mesmos, conforme

explicitou ROSA (1996, p. 94 -95).

Intermediando os processos de arrendamento, a Cooperativa registrou os

interessados na Adecon e deu um grande passo para garantir a seus associados, na

verdade médios e grandes arrendatários, o acesso a terras até então incultas da

fazenda 29 Pontal do Tigre que, a partir da dotação das infra-estruturas planejadas

no projeto Adecon (represas para acúmulo de água, expansão da rede de canais de

irrigação, drenos de várzeas alagadas, estradas de acesso), estariam aptas ao

cultivo do arroz irrigado, beneficiando tanto os arrendatários quanto a própria

cooperativa.

Entre os beneficiados dos arrendamento, destacava-se à época a presença de

comerciantes e proprietários rurais do município de Querência do Norte e Santa

Cruz do Monte Castelo que, ao contrário do ocorrido com os camponeses da

Adecon, não tiveram que passar por nenhuma triagem para serem incluídos no

“esquema”34.

Do processo de formulação até a consecução da Adecon, pode-se afirmar que o

elemento norteador do projeto – o “desenvolvimento” socioeconômico do município e

a inserção produtiva dos bóias-frias, apesar dos impactos inegáveis para a

população envolvida (77 famílias anteriormente excluídas, além da melhoria nos

aparelhos públicos urbanos35), serviu para encobrir os interesses políticos e

financeiros de cidadãos e grupos cuja condição de vida era superior à camada

média da população local alardeada como público alvo do projeto.

34 Informações coletadas em março de 2003 com produtores que participaram como arrendatários na fazenda 29 Pontal do Tigre à época (1986). 35 As estradas, biblioteca, praça pública, posto de saúde no distrito, asilo, albergue.

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Isto ocorreu porque um dos idealizadores do Projeto, que mais tarde tornou-se

Presidente da Adecon, o senhor José Edegar, aproveitou o impacto do projeto,

consolidou seu nome, candidatou-se e acabou eleito Prefeito municipal.

Noutra ponta do processo, a COPAGRA e as empresas cerealistas36 de Querência

do Norte e Santa Cruz do Monte Castelo, aproveitando o crescimento vertiginoso da

produção agropecuária, investiram na ampliação das unidades processadoras,

novos silos, armazéns, contratando mais funcionários, o que lhes garantiu o

aumento de receitas e sua consolidação no mercado local.

Outra questão importante a ser destacada diz respeito ao impacto das infra-

estruturas implantadas com dinheiro público nas terras de fazendas particulares do

município, possibilitando aos seus proprietários uma supervalorização da

propriedade, além de garantir os meios técnicos para entrar no processo de

produção do arroz irrigado.

Assim, conforme a Figura 15, representando o pátio da sede administrativa da

Adecon, e a Figura 16, focando a colheita do arroz nas várzeas irrigadas, o mote dos

projetos não foi o desenvolvimento sustentado dos camponeses, mas sim dos

agricultores capitalistas.37

36 A expansão da rede de drenagem e de irrigação permitiu que solos incultos de outras fazendas fossem incorporados ao processo produtivo. Não estando obrigados por contrato a comercializar a produção com a COPAGRA, estes produtores direcionaram a produção obtida para as cerealisatas locais e regionais. 37 Visitando a sede da Adecon, várias fotos demonstrando os canais e dutos de irrigação, máquinas colhendo arroz, reuniões entre fazendeiros enfeitam até hoje a sala principal. Escondido num depósito, encontrou-se um book de fotos onde aparecem os camponeses e a miserabilidade de sua

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Figura 15: Pátio situado atrás da Sede da Adecon onde se vêem

máquinas e implementos estacionados. Fonte: Arquivo de fotos da Adecon.

condição de moradia, ou seja: da “porta pra fora” alardeavam o quadro social do projeto, mas da “porta pra dentro” explicitavam os grandes beneficiados: os agricultores capitalistas.

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Figura 16: Os agricultores capitalistas foram os grandes beneficiários do Projeto Adecon.

Fonte: Arquivo de fotos da Adecon. Entre todos os agentes envolvidos, sem margem de dúvidas, os maiores

beneficiados foram os irmãos Atalla que, em poucos anos, viram sua fazenda

improdutiva ser altamente valorizada38 pela inserção das infra-estruturas de

irrigação, estradas e melhorias nas condições de solo voltadas para a produção

agrícola.

Dessa forma, durante a vigência dos contratos de arrendamento, os donos da área

amealhariam uma renda anual de cerca de 18.00039 arrobas de algodão dos

pequenos e médios arrendatários, além de 16.50040 sacas da soma da produção de

arroz, soja e milho dos médios e grandes arrendatários, valores superiores ao que

possivelmente seria recebido se continuassem desenvolvendo a criação de gado

bovino, levando-se nesta perspectiva a condição das pastagens e o baixo índice de

investimentos praticado pelos fazendeiros.

Além destes elementos, após o vencimento dos contratos de arrendamento, os

fazendeiros receberiam de volta uma terra “amansada” (destocada e livre de ervas

daninhas) apropriada para o desenvolvimento da agricultura, contrastando – em

muito - com a situação de abandono (presença de tocos, capoeiras, etc) verificada

antes de os arrendatários capitalistas e camponeses trabalharem na área, conforme

a Figura 11, onde estão representados os levantamentos topográficos e geodésicos

elaborados pelos fazendeiros para reconhecer a situação da fazenda e medir os

lotes destinado aos arrendatários, tanto os camponeses como os capitalistas.

38 Desde o ano em que adquiram a área de Tuffy Felício Felício Jorge, os irmão Atalla não haviam realizado nenhum investimento significativo. Antes do projeto da Adecon, a mesma encontrava-se recoberta pelo capim rabo-de-burro, um tipo de pastagem natural de baixa qualidade que mal sustenta 0,3 cabeça de gado por hectare/ano, conforme informações da Emater. 39 Ao preço de 29 de julho de 2003, 9.000 arrobas de algodão representam, a R$ 19,00 reais a arroba, R$ 171.000,00 Reais de renda anual. 40 Ao preço de R$ 22,00 a saca de milho, R$ 30,00 reais a saca do arroz e R$ 35,00 a saca de soja, o fazendeiro poderia amealhar hoje renda situada em torno de R$ 480.000,00 Reais/ano.

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2.6 Exclusão social e a afirmação do latifúndio.

A colonização e o discurso do desenvolvimento territorial que esta permitiu no

espaço agrário do Norte e Noroeste paranaense encobre tanto a cadeia dominial

ilícita que traduz parte da realidade da posse da terra nestas regiões e em seus

municípios, quanto o jogo de influências motivado pelo capital para viabilizar, através

da intermediação do acesso a terra aos camponeses, a extração da renda fundiária,

base de sua reprodução ampliada.

Nestes empreendimentos, a relação estabelecida entre o agente econômico

(colonizadora) e o colono foi efetivamente comercial: uma aplicando dinheiro na

compra de terras e o outro realizando a extração da renda absoluta da terra. O

grande problema é que nas zonas pioneiras a massa de migrantes traduziu-se tanto

nas pessoas com poder aquisitivo que lhes permitiu ascender à condição de

proprietários rurais quanto àquelas que nada possuíam, o que lhes obrigou a

participar como mão-de-obra, ou ainda, de forma marginal, buscar outras

possibilidades para efetivar o acesso a terra, dentre elas o arrendamento, a parceria,

e a posse, multiplicidade de relações que num mesmo espaço resultou na realidade

da inclusão e da exclusão social dos camponeses.

Atraindo pessoas de áreas tradicionais de expulsão da população camponesa, como

os sulinos e os nordestinos, fatores como origem, condição socioeconômica e a

trajetória dos sujeitos que se instalaram em Querência do Norte nos primórdios da

colonização implicaram numa diferenciação social gritante entre os habitantes, pois,

“[...] enquanto o gaúcho e o catarinense chegavam na expectativa de conquistar o

acesso a terra, na condição de proprietário, o nordestino visava mais ao mercado de

trabalho, procurando emprego junto aos proprietários sulistas. (HARACENKO, 2002,

p. 83).

No final da década de 1950, a colonização de Querência do Norte enquanto

processo de inserção do campesinato entrou em falência. Grande parte dos

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proprietários que adquiriram terras da BRAPAR, apesar de terem estruturado

propriedades rurais onde desenvolviam a cultura do café mesclada com lavouras de

subsistência, encontraram-se em situação financeira precária para saldar suas

dívidas e para garantir a sobrevivência familiar.

Problemas como a dificuldade de escoar a produção por conta das precárias

condições das estradas, baixa nos preços do café e principalmente as fortes geadas

que destruíam as plantações em 1955 resultaram em sérios prejuízos,

desestruturando a perspectiva de muitos colonos que visavam através da colheita do

café gerar uma renda tal que permitisse o pagamento do financiamento contratado

junto a BRAPAR. Este quadro elementar implicou na venda de muitas propriedades

em um curto período de tempo, fundamentando um acelerado processo de

concentração fundiária, êxodo rural e expulsão populacional para o espaço urbano

local e/ou centros urbanos maiores.

A ascensão das médias e das grandes propriedades, em detrimento das pequenas,

foi acompanhada por uma efetiva reorganização do espaço agrário local para

atividades mais lucrativas e menos dependentes de braços (mão-de-obra) na

realização dos tratos culturais, destacando-se a presença das pastagens, do milho, o

soja e o arroz irrigado. Num segundo plano, a existência (e resistência) de pequenos

proprietários e arrendatários esteve condicionado ao cultivo de lavouras menos

intensivas em insumos e maquinaria, como o algodão, o amendoim, acompanhando

a tendência regional de expansão ou retração dessas culturas.

No final da década de 1960 e começo de 1970, a conjuntura que (se) abateu (sobre)

os pequenos camponeses mudou. Contrariando a lógica capitalista da terra

mercadoria, muitos encontraram na posse a saída para o processo de exclusão,

principalmente aqueles grupos de migrantes nordestinos que vieram para Querência

do Norte no intuito de trabalhar em terras alheias.

O problema é que a reação do capital, conforme o exemplo de Tuffy Felício Jorge,

não tardou em acontecer, freou o processo e desterrou os posseiros. Em outra

frente, a mudança do perfil produtivo demandou mudanças profundas nas relações

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de trabalho, resultando na expansão dos arrendatários para garantir a exploração da

terra nas grandes propriedades e a lucratividade aos proprietários das mesmas. Tabela - 12: Querência do Norte: Número de estabelecimentos rurais segundo as classes de área.

Estabelecimentos, segundo os Grupos de Área De - 1 a

– de 50 ha De 50 a

- de 500 ha De 500 a

- 10.500 ha

Total

Ano

no % no % no % no % 1960 281 89 % 23 7,3 % 12 3,7 % 316 100 %1970 1.110 94% 48 4 % 29 2,5 % 1.187 100 %1975 531 85 % 53 8,5 % 38 6,1 % 622 100 %1980 419 81% 66 13 % 35 6,7 % 520 100 %1985 754 87 % 80 9,2 % 36 4,2 % 870 100 %1995/96 532 82 % 86 13 % 35 5,3 % 653 100 %Fonte: IBGE - Censo Agrícola 1960, Censos Agropecuários 1970, 1975, 1980,

1985 e 1995/1996.

Tabela – 13: Querência do Norte: Área Ocupada pelos Estabelecimentos Rurais, segundo as Classes de Área.

Área Ocupada pelos Estabelecimentos Rurais De – 1 a

– de 100 ha De 100 a

- de 500 ha De 500 a

- 25.000 ha

Total

Ano no % no % no % no %

1960 6629 8,8 % 5.695 7,5 % 63.327 84 % 75.561 100 %1970 12.503 16 % 12.577 16 % 54.869 69 % 79.949 100 %1975 8.026 9,3 % 12.650 15 % 65.178 76 % 85.854 100 %1980 8.009 11 % 15.005 21 % 49.195 68 % 72.209 100 %1985 13.011 17 % 19.200 34 % 46.335 59 % 78.546 100 %1995/96 10.716 82 % 20.222 28 % 42.550 58 % 73.488 100 %Fonte: IBGE - Censo Agrícola 1960, Censos Agropecuários 1970, 1975, 1980,

1985 e 1995/1996.

Analisando os dados da tabela 12 e tabela 13, percebe-se que em 1960, 12

estabelecimentos recenseados, apesar de representar somente 3,7% do total de

unidades produtivas, dominavam juntos 63.327 hectares, ou 84% das terras

exploradas no município. Assim, podemos inferir que em menos de 5 anos a

colonização de Querência do Norte perdera o seu atributo principal - possibilitar o

acesso dos camponeses a terra agrícola através da pequena propriedade.

Variando entre 2,5% e 6,7% do número de unidades produtivas, na breve historia de

Querência do Norte é o grande estabelecimento agropecuário quem domina a maior

parcela do espaço rural deste município, ocupando - segundo os Censos analisados

- de 58% e 84% das terras do total da área explorada.

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Subjugado ao potentado territorial dos grandes estabelecimentos, o campesinato

local, sobretudo nos anos 80, valeu-se do arrendamento e da parceria para acessar

a terra agrícola. No caso dos posseiros, o avanço da apropriação comercial cerceou

as terras livres até a década de 1970, mas a resistência praticada no final da década

de 1980 pelos sem-terra, como veremos no Capítulo 3, projetou uma maior

participação deste grupo nos anos 1990, como se pode analisar na Tabelas 14 e

Tabela 15.

Tabela 14 - Querência do Norte: Número de estabelecimentos agropecuários segundo a condição do produtor.

Proprietário Arrendatário Parceiro Ocupante Total Ano No % No % No % No % No %

1960 273 86,4% 6 1,9% 7 2,2% 30 9,5% 316 100%1970 300 25,3% 231 19,5% 9 0,8% 647 54,5% 1.187 100%1975 419 67,4% 20 3,2% 67 10,8% 116 18,6% 622 100%1980 305 58,7% 10 2% 76 14,6% 129 24,8% 520 100%1985 359 41,3% 374 43% 20 2,3% 117 13,4% 870 100%1995/96 311 47,5% 11 1,7% 5 0,8% 326 50% 653 100%

Fonte: IBGE - Censo Agrícola 1960, Censos Agropecuários 1970, 1975, 1980, 1985 e 1995/1996.

Tabela 15 - Querência do Norte: Área pelos estabelecimentos ocupada segundo a

condição do produtor Proprietário Arrendatário Parceiro Ocupante Total Ano No % No % No % No % No %

1960 73.733 97,5% 41 0,05% 124 0,16% 1.753 2,3% 75.561 100%1970 70.543 88,2% 3.049 3,8% 78 0,1% 6.280 7,9% 79.950 100%1975 83.901 97,7% 489 0,6% 986 1,2% 478 0,5% 85.854 100%1980 65.151 90,2% 885 1,20% 4.736 6,6% 1.441 2% 72.213 100%1985 67.545 83,4% 8.227 10,1% 275 3,4% 2.501 3,1% 78.548 100%1995/96 65.293 83,4% 1.497 2% 228 0,3% 6.470 8,9% 73.488 100%Fonte: IBGE - Censo Agrícola 1960, Censos Agropecuários 1970, 1975, 1980, 1985 e

1995/1996.

Aprofundando a análise da Tabela 14 e Tabela 15, pode-se afirmar que as relações

estabelecidas entre quem possui a propriedade da terra e quem realiza a

produção apresenta inconstâncias, pois há anos em que o número de

estabelecimentos agropecuários, bem como a área explorada pelos proprietários

aumenta e outros em que ocorre uma retração.

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Esta dinâmica está relacionada diretamente à maior ou menor participação dos

parceiros e arrendatários (ver o repique do Projeto Adecon nos dados de

arrendatários para o ano de 1985) e, conforme os dados para 1980 e 1995/1996,

dos posseiros na produção e organização de estabelecimentos agropecuários. Nos

dois primeiros casos, afirma-se a relação de recriação camponesa através da

dinâmica gestada pelo capital. Em relação aos posseiros e sem-terras (ocupantes e

assentados foram relacionados no censo 1995/96 como Ocupante), sua existência

enquanto produtores rurais afronta a lógica da terra mercadoria e da propriedade

territorial.

0102030405060708090

100110120130140150160170180190200210220230240250260270280290

1960 1970 1975 1980 1985 1995/96

área

em

hec

tare

s

Proprietário Arrendatário Parceiro Ocupante

Figura 17 – Área média dos estabelecimentos de proprietários, arrendatários, parceiros e ocupantes do municio de Querência do Norte.

Fonte: IBGE - Censo Agrícola 1960 e Censos Agropecuários 1970, 1975, 1980, 1985 e 1995/1996.

Analisando a Figura 17, percebe-se a mudança no perfil do arrendamento e da

parceria. Enquanto nos censos 1960, 1970 e 1975 a área média trabalhada por

arrendatários e parceiros esteve situada entre 3 e 25 hectares, o censo 1980

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confirma a diminuição dos pequenos arrendatários e o aumento da área explorada

por estes produtores, respectivamente 88,5 ha e 62,32 ha.

Em 1995/96 verifica-se um aumento considerável na área média trabalhada pelos

arrendatários (136,1 ha), realidade relacionada ao menor número de unidades

arrendadas (11) e a presença territorial dos arrendatários capitalistas, envolvidos

principalmente na produção do arroz irrigado, da soja, do trigo e do milho safrinha.

No balanço histórico do acesso a terra, variando de 30 a 647 o número de

estabelecimentos explorados por proprietários, confirma-se a tendência de ser este o

grupo que possui a melhor condição de acesso e explora a maior área média,

situada entre 188,15 ha a 270,08 ha, dependendo do ano censitário analisado,

Ao longo do processo histórico de formação do município de Querência do Norte,

verifica-se que o desenvolvimento de sua economia está atrelado basicamente à

dinâmica do espaço agrário. Mas, enquanto a agricultura camponesa vivencia uma

forte crise, cujos resultados sociais são consideráveis, a agricultura capitalista capital

intensiva dos grãos (soja, trigo, milho e arroz irrigado) e a pecuária extensiva têm

avançado, concentrando a riqueza socialmente produzida. Esta dinâmica provoca

profundas alterações na organização do espaço produtivo e nas relações de

trabalho, desestruturando social e economicamente parcela considerável da

população local, forçando a sua migração para outros espaços.

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0500

100015002000250030003500400045005000550060006500700075008000850090009500

1000010500110001150012000125001300013500140001450015000

1960 1970 1.980 1.990

Urbana Rural

Figura 18 – Querência do Norte: População total, urbana e rural. Fonte: IBGE – Censo Populacional 1960, 1970, 1980.

Conforme os dados da Figura 18, no período 1960 – 1970 ocorreu aumento

considerável da população rural, pois o número total de habitantes do campo

aumentou de 6.094 para 11.890 habitantes, ou seja, crescimento de 95,1%. Neste

período, a população urbana também apresentou crescimento, passando de 1.432

para 2.342 habitantes, ou 63,64%. A grande diferença é que enquanto o espaço

urbano foi povoado por 910 habitantes, o espaço agrário apresentou aumento

absoluto de 5.796 habitantes.

Ente 1970 e 1980, a população total apresentou decréscimo de 36,31%, baixando

de 14.232 para 9.064 habitantes (menos 5.168 habitantes). Como a população

residente no sítio urbano aumentou de 2.342 para 5.551 habitantes (crescimento de

36,31% ou 3.209 pessoas), a dinâmica verificada no campo pressionou os números

para baixo, com um decréscimo percentual de 70,45% no número de habitantes

(menos 8.377 pessoas).

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Se no período 1960-1970 a população total (soma da urbana com a rural) cresceu

de 7.512 para 14.232 habitantes, ou seja 89% (6.720 habitantes), no período 1970-

1980 verifica-se uma involução populacional, pois de 14.232 habitantes, restaram no

município somente 9.064 pessoas, um decréscimo de 36% (menos 5.168

habitantes).

Pari passu ao processo de concentração da terra agrícola, ocorreu uma mudança

importante na gestão e na organização do espaço agrário local, sobretudo a partir da

década de 1970, com a espacialização e desenvolvimento da pecuária extensiva,

segundos dados censitários apresentados na Tabela 16.

Tabela 16: Querência do Norte - Diferentes usos do solo agrícola segundo o

percentual da área ocupada e o ano censitário. Percentagem/Ano Usos do Solo

Agrícola 1960 1970 1975 1980 1985 1995/96 Lavouras perenes 7,62 % 4,20 % 1,81 % 1,61 % 0,97 % 0,17 %Lavouras anuais 2,64 % 18,31 % 4,17 % 11,91 % 16,40 % 19,34 %Pastagem 15,82 % 81,69 % 83,84 % 78,56 % 77,78 % 72,56 %Vegetação nativa 73,92 % 1,34 % 10,18 % 7,85 % 4,76 % 7,49 %Reflorestamento 0% 0,007 % 0% 0,07 % 0,09 % 0,44 %Total 100% 100% 1005 100% 1005 100%Fonte: IBGE – Censo Agrícola 1960, Censos Agropecuários 1970, 1975, 1980, 1985, 1995/96.

Complementando esta analise com as informações da Figura 19, percebe-se a

diminuição da área plantada com as lavouras perenes e a tendência de aumento na

área cultivada com lavouras anuais a partir de 1975, além da expressividade da

pastagem enquanto cultura principal, voltada notadamente para a criação de

bovinos.

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02.5005.0007.500

10.00012.50015.00017.50020.00022.50025.00027.50030.00032.50035.00037.50040.00042.50045.00047.50050.00052.50055.00057.50060.00062.50065.00067.50070.000

1960 1970 1975 1980 1985 1995/1996

área

em

hec

tes

Lavouras perenes Lavouras anuais Pastagem Vegetação nativa Reflorestamento

Figura 19 – Área ocupada pelos diferentes usos da terra em Querência do Norte.

Fonte: IBGE – Censo Agrícola 1960, Censos Agropecuários 1970, 1975, 1980, 1985.

Apesar da dinâmica de aumento e diminuição da área plantada com lavouras e

pastagens, somente após análise dos dados referentes ao valor da produção

agropecuária constantes na Tabela 17 é que podemos inferir tendências gerais no

desenvolvimento da agricultura no espaço agrário deste município.

Tabela 17: Valor percentual da produção agropecuária do município de

Querência do Norte. Porcentagem /Ano Tipo de Produção

1970 1975 1980 1995/96 Animais de grande porte 39,27% 66,76% 71,39% 44,92%Animais de médio porte 2,72% 1,54% 0,5% 0,38%Animais de pequeno porte 2,65% 1,135 0,49% 1,04%Lavoura perene 0,88% 12,475 10% 0,77%Lavoura temporária 54,47% 18,055 17,38% 52,03%Silvicultura 0% 0% 0,17% 0,01%Horticultura 0% 0,01% 0,01% 0%Extração vegetal 0,01% 0,04% 0,06% 0,82%Fonte: IBGE – Censos Agropecuários 1970, 1975, 1980, 1995/96.

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Conforme a Tabela 17, o percentual no valor da produção de grandes animais, onde

se destaca a bovinocultura, que representou 39,27% da riqueza produzida no ano de

1970, correspondeu a 66,76% em 1975, 71,39% em 1980 e decaiu para 44,92% no

ano agrícola de 1995/96.

Entremeios, as lavouras temporárias que representaram 54,47 da riqueza produzida

em 1970 decaiu nos períodos seguinte, atingindo 18,05% em 1975, decaiu para

17,38% em 1980 e teve aumento relativo considerável no censo seguinte, chegando

a 52,03% da riqueza agropecuária local, valor puxado, sobretudo, pelo alto valor

comercial da soja, do milho e do arroz irrigado, praticado nas áreas de várzea

beneficiadas pelo Projeto Adecon.

Apesar de recente, como veremos com mais ênfase no Capítulo 4, no período

censitário 1995/96 o aumento da área plantada é um impacto direto da incorporação

de 336 famílias assentadas, cujo processo de organização e luta pela terra serão

explorados no próximo capítulo.

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FORMAÇÃO, ESPACIALIZAÇÃO E TERRITORIALIZAÇÃO DO MST EM QUERÊNCIA DO NORTE E NO

NOROESTE PARANAENSE

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3 FORMAÇÃO, ESPACIALIZAÇÃO E TERRITORIALIZAÇÃO DO MST EM QUERÊNCIA DO NORTE E NO NOROESTE PARANAENSE.

No período da Ditadura Militar (1964 -1985), os governantes militares que se

alternaram no poder priorizaram o desenvolvimento do capitalismo no campo,

acirrando a questão agrária brasileira a partir de mudanças estruturais na questão

agrícola (mudança na base técnica da produção, desenvolvimento da agricultura

capitalista - amparada em políticas de crédito, retração da agricultura camponesa, o

avanço das agroindústrias processadoras, o cultivo de produtos voltados à

exportação, etc) e fundiária (políticas de colonização em áreas de fronteira agrícola

vinculada a capitais urbano-industriais nacionais e internacionais, aceleração do

processo de concentração da terra).

Apesar da desestruturação provocada pela repressão coordenada pelo regime,

durante as décadas de 1960 e 1980, os trabalhadores rurais tornaram a se organizar

e, participando em movimentos sociais apoiados por partidos e instituições

(destaque para a igreja católica e luterana), tornaram-se importante força política

visando a reforma agrária e a retomada na democracia política no País.

A gênese da luta pela terra em Querência do Norte deriva deste contexto de

ebulição social, quando grupos (des)organizados de sem-terra estruturados em

outros contextos sócioterritoriais, sobretudo do Oeste e Sudoeste paranaense -

berço de formação do MASTRO (Movimento Sem Terra do Oeste) e tantos outros

movimentos que, unidos, fundaram o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais

Sem Terra), deslocaram para este município em busca da realização do sonho da

terra.

Inicialmente (1988), o foco de tensão foi a fazenda 29 Pontal do Tigre, cuja história

de grilagem, expulsão de camponeses e projetos contraditórios de desenvolvimento

abordamos nos capítulos anteriores. Após vincularem-se ao MST, no ano de 1995

336 famílias conquistaram assentamento nesta área e, conjugando esforços, vem

desde então coordenando o processo de espacialização do MST em fazendas do

município e da região.

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Apesar da reação do capital (perseguição a lideranças, assassinatos, despejos

violentos, etc), que muitas vezes interage com o aparelho de Estado (violência

policial, atos jurídicos contestáveis, grampos telefônicos, etc), o MST vem

conquistando sua territorialização em vários projetos de assentamento, contribuindo

para a reinserção do campesinato definitivamente na terra de trabalho. Através de

discussões teóricas, entrevistas, documentos, artigos de jornal e material

cartográfico, o presente capítulo aborda estas e outras questões.

3.1 Movimentos sociais no campo brasileiro. Após o Golpe Militar de 1964, o novo regime atuou para frear as lutas no campo.

Praticando o assassinato de lideranças (GRZYBOWSKI, 1987), o cerceamento de

direitos fundamentais como o trabalhista, o de propriedade, o de ir e vir, a liberdade

de expressão, enfim, “direitos civis que são lugares-comuns em outras sociedades”

(MARTINS, 1984, p. 88), em menos de 10 anos os militares destruíram as

experiências de lutas do campesinato e dos assalariados rurais41, no momento

histórico em estas se encontravam no auge do seu desenvolvimento político e social,

proibindo a participação ativa do conjunto de trabalhadores na tomada de decisões

sobre o contexto político, econômico e social.

Em seu projeto para o campo brasileiro, os militares primaram pela expansão de um

modelo de exploração agrícola e padrão de acumulação renovado em relação

àqueles verificados nas décadas anteriores, re-estruturando os elementos fundiários

e agrícolas que compunha a questão agrária brasileira até o início da década de

196042.

Modernizando a agricultura brasileira (GRAZIANO DA SILVA, 1982), desenvolvendo

circuitos produtivos ligados a agroindústrias processadoras (KAGEYAMA et al, 1990)

e acelerando a expansão da fronteira agrícola para os cerrados e Amazônia Legal

41 Sobretudo as ULTABs e as Ligas Camponesas, em cujo lugar o Estado condicionou o surgimento de centenas de sindicatos “pelegos”. 42 Para se compreender as especificidades do agro brasileiro neste período, é salutar a análise dos trabalhos de PRADO JÚNIOR (1979) e GUIMARÃES (1977).

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(OLIVEIRA, 1991; MARTINS, 1988; MARTINS, 1988) – neste caso, favorecendo

grupos urbanos industriais mais interessados na especulação fundiária do que

propriamente a produção agropecuária - o Estado impactou negativamente na

possibilidade de sustentação e inserção social de parcela considerável do

campesinato brasileiro, acelerando a expropriação da terra de trabalho,

subordinando o processo de trabalho à ação do capital comercial, financeiro e

industrial, o que impulsionou o crescimento da população urbana pelo

“assentamento” dos sem-terra nas periferias das cidades (BENJAMIN, 1998, p. 84).

Desse modo, o desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro priorizou o

aumento da área plantada e/ou da produtividade de alguns produtos (soja, cana-de-

açúcar, laranja, etc), a integração entre os capitais industrial-agrário-comercial-

financeiro e a expansão das grandes propriedades, em detrimento do

desenvolvimento socioeconômico de parcela considerável da população do campo e

da cidade envolvidos nas atividades agro-produtivas.

Desafiando a repressão, a partir da segunda metade da década de 1970

“pipocaram” em vários pontos do território nacional uma variedade de manifestações

de insubordinação (greves de bóias-frias, ocupação de terras, manifestações de

atingidos por barragens, contestações dos preços recebidos pelos produtores

integrados, conflitos envolvendo posseiros, etc) contra o regime militar e contra os

processos anteriormente descritos, demonstrando a insatisfação social frente à

realidade vivida.

Trazendo em seu seio o caráter anárquico, anti-institucional e contestador do status

quo, as manifestações sociais (re)surgidas no campo enfrentaram o aparelho de

coerção do Estado (polícia, Poder Judiciário, Exército) e do capital (jagunços),

lutaram contra a subordinação econômica (preço dos produtos), física (tempo de

trabalho), territorial (grilagem) e trabalhista (valor dos salários, diárias, condições

contratuais de parceria e arrendamento), exercido pelas industrias processadoras,

pelos fazendeiros e grileiros.

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Contra as várias faces da exploração social, os trabalhadores dinamizaram a sua

consciência crítica acerca dos problemas inerentes à realidade, lutando para a sua

transformação. Neste processo, os trabalhadores do campo moldaram agentes

mediadores, pautaram a negociação política com o Estado, patrões e empresas

processadores, enfim, retomaram, criaram e projetaram diferenciadas experiências

de luta, colocando-se na berlinda sóciopolítica enquanto sujeitos de suas histórias,

criticando a situação de exclusão e fortalecendo a perspectiva da re-inserção social

e da cidadania através da participação ativa.

É justamente aí que está o núcleo da questão popular, da participação democrática, suas possibilidades e limites. Se, de um lado, as classes dominantes têm demonstrado uma ampla capacidade de se aliarem e de estabelecer o cerco político das classes trabalhadoras, a possibilidade de que este cerco continue está no limite. É que o cerco se tornou anacrônico e incompetente porque é, justamente, no espaço político da falta de legitimidade de governos e alianças por ele mesmo criada, que os excluídos e marginalizados do processo político organizaram e fazem crescer os movimentos populares. Esse desencontro nem é circunstancial nem conjuntural – ele é estrutural. (MARTINS, 1988, p. 38).

Ao teorizar sobre a gênese e “metamorfose” dos movimentos sociais, GHON (1997)

evidencia que esta forma de organização da sociedade civil nasce a partir da

situação de carências; seus participantes possuem um conjunto de idéias, metas e

valores a atingir; possuem um número reduzido de pessoas (lideranças e

assessorias) que formulam as demandas através das quais são aglutinadas mais e

mais participantes que, no conjunto, as transforma em reivindicações; formulam

estratégias de pressão e luta; utilizam amplamente as práticas coletivas

(assembléias, reuniões e atos públicos), apoiados ou não por meios de difusão

massiva, como jornais, teatro, rádios comunitárias; encaminham as reivindicações e

negociam com intermediários e interlocutores. Considerando que estes elementos

podem estar ou não presentes e ocorrem não necessariamente nesta ordem,

dependendo da organicidade e os objetivos do grupo social ativo, pode ocorrer sua

consolidação, institucionalização, a aglutinação de dois ou mais movimentos em um

só, e até mesmo o fim dos movimentos sociais pela conquista ou não de suas

reivindicações.

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Participando desta discussão, GRZYBOWSKI (1987) aponta que, através de um

amplo processo de socialização política em movimento, onde se vivencia uma

espécie de pedagogia político-educativa, os trabalhadores almejam a cidadania

colocando-se enquanto classe e cidadãos nas relações com a sociedade, o poder

econômico e o Estado.

Enquanto espaços de socialização política, os movimentos permitem aos trabalhadores, em primeiro lugar, o aprendizado prático de como se unir, organizar, participar, negociar e lutar; em segundo lugar, a elaboração da identidade social, a consciência de seus interesses, direitos e reivindicações; finalmente a apreensão crítica de seu mundo, de suas práticas e representações, sociais e culturais. (GRZYBOWSK, 1987, p. 59 – 60)

Reconhecendo que a situação de miséria no campo de per si não gera o

reconhecimento do direito dos excluídos, SCHERER-WARREN (1993) acrescenta

ao pensamento de GRZYBOWSKI (1987) outras duas categorias: o reconhecimento

coletivo de um direito e a formação de identidades.

A primeira trata da importância da ação coletiva para a discussão, a geração e a luta

por demandas, bem como as instituições responsáveis pela sua ausência, sobretudo

o Estado. A segunda está ligada ao nível de discussão política e a participação ativa

das pessoas, bem como a importância de agentes externos – os mediadores, que

assessoram os movimentos sociais, com destaque histórico para os agentes

pastorais influenciados pela Teoria da Libertação43, que pregavam não só a

consciência do direito a ter direito, mas o direito e o dever de lutar e de participar no

seu próprio destino, além da importância da construção de um projeto de

transformação pleno da sociedade, visando uma heterotopia onde as relações

43 Discutida inicialmente na II Conferência Episcopal Latino-Americana de Medelím, Colômbia (1968) e formalizada em 1979 na Conferência ocorrida em Puebla (México), a Teologia da Libertação incorporou em sua raiz doutrinária elementos do marxismo (categorias histórico-científicas) conjugando-o com as práticas metafísicas teológicas da Igreja para responder de forma crítica e participativa aos problemas da realidade político sociais vivenciados pelas pastorais em suas comunidades, condenando o capitalismo enquanto sistema pela geração crescente da miséria e concentrada da riqueza. No acontecer destas mudanças, difundiram-se as CEBs – Comunidades Eclesiais de Base, onde se realizavam as discussões sociais, surgindo também importantes pastorais voltadas para as causas operárias, da juventude rural e para a discussão da questão agrária, como a CPT – Comissão Pastoral da Terra, criada em 1975 na cidade de Goiânia – GO.

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comunitárias e societárias ocorram de forma totalmente diferenciadas das

vivenciadas no cotidiano de exclusão, onde a conquista da cidadania fosse integral,

abordando as relações políticas, de gênero, a diversidade cultural, etc.

Em seu entendimento, SCHERER-WARREN (1993), esclarece ainda que quando

estas categorias não estão presentes ou o movimento social conquistou as

reivindicações que norteou o processo de luta, há a tendência de se encerrar a luta

e o próprio movimento social.

Devido à ebulição social processada pela emergência dos movimentos sociais e, de

certa forma, dos partidos, o comportamento de setores da classe dominante, desde

então, tem sido o de pressionar o Estado para frear as lutas ou mesmo resolver o

problema a partir da sua ação política e econômica. Colocando para a sociedade o

“perigo” das organizações populares, tais agentes têm usado e abusado dos

recursos da mídia, a violência dos jagunços, milícias armadas, a organização de

movimentos reacionários de extrema direita (UDR44 – União Democrática Ruralista e

PCR45 – Primeiro Comando Rural; esquadrões da morte que assassinam meninos

de rua nas cidades), a pressão sobre os Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo,

entre outras ações, articulando a contraposição de forças no sentido de frear as

práticas populares.

Em relação aos movimentos camponeses, a reboque da dinâmica social age o

Estado, institucionalizando os conflitos, mas sua ação tem ocorrido de maneira

ambígua, pois os instrumentos políticos gestados (criação de Leis, órgãos públicos,

projetos e um conjunto de ações) tem servido tanto para massacrar os movimentos

sociais quanto para atenuar as situações-problema por eles invocadas.

44 Em 1986, o Presidente José Sarney promulgou o PNRA – Plano Nacional de Reforma Agrária, um dos compromissos assumidos pelo seu antecessor (Tancredo Neves - morreu antes de tomar posse) junto aos movimentos sociais e entidades do campo. Preocupados, os fazendeiros criaram a UDR e passaram a fazer doações e leilões para levantar dinheiro para financiar políticos voltados aos seus interesses durante os pleitos eleitorais que redundaria na Assembléia Constituinte de 1988. Nesta, o grupo de apoio unido pelo lobbie dos fazendeiros ficou conhecido como “Bancada Ruralista”, famoso pela defesa dos interesses das classes patronais e oligárquicas do campo brasileiro. 45 O PCR surgiu em 2003 no sul do estado do Paraná, em alusão ao chamado PCC – Primeiro Comando da Capital, uma organização criminosa capitaneada por bandidos paulistanos. Atualmente,

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No campo, é este o viés político por traz das ações do Estado contra os

trabalhadores, bem como “a favor” deles (projetos de assentamentos rurais

implementados nos municípios onde ocorrem ocupações de terras, os programas de

crédito e de educação muitas vezes ineficientes, as Secretarias, autarquias e

Institutos voltados para o trato com os problemas fundiários).

No geral, por mais que as respostas do Estado beneficiem de maneira imediata os

trabalhadores, garantindo a terra de trabalho, por exemplo, estas ações não atacam

a questão agrária na sua estrutura basilar, ou seja, a questão fundiária e agrícola.

Na verdade, grande parte das políticas voltadas pra o que erroneamente se nomeia

“reforma agrária brasileira” tem condicionado o arrefecimento e a criminalização das

lutas, sobretudo via expansão de projetos de assentamentos em terras com falta de

infra-estrutura, inférteis, distantes do mercado consumidor e que sem a perspectiva

de desenvolvimento asseveram ainda mais a crise social, o Banco da Terra que

desloca para os terratenentes mediar o acesso a terra através da “reforma agrária

liberal”, o sucateamento e a desorganização dos Institutos de Terra e do INCRA ou

mesmo as Medida Provisória 1.577/97 que impede vistorias em área ocupadas e

emperra a desapropriação fundiária.

com representações em todas as regiões do Paraná, o PCR coordenou vários conflitos contra sem-terra e assassinato de lideranças, colocando o Estado na berlinda da violência no campo.

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3.2 Gênese dos movimentos de luta pela terra no Paraná e sua contribuição para o desenvolvimento do MST no Brasil.

A partir das análises dos Censos Agropecuários do IBGE para o ano de 1970 e

1980, MARTINE E GARCIA (1987) apontam que neste período o processo de

concentração fundiária, a mudança do perfil produtivo agropecuário com a

introdução do binômio soja/trigo, a diminuição da área cultivada com o café e o

avanço da modernização agrícola via introdução da maquinaria, influenciaram para

que no espaço agrário paranaense 110.290 estabelecimentos agropecuários

desaparecessem. Destes, 109.600 possuíam área inferior a 50 hectares, sendo

15.250 administrados por proprietários, 26.798 por arrendatários, 59.969 por

parceiros e 7.583 por ocupantes, números que dimensionam a desagregação do

campesinato no espaço agrário paranaense.

Analisando esta questão, GRAZIANO DA SILVA (1982) afirma que devemos

entender a modernização da agricultura como parcial, conservadora, e dolorosa.

Parcial porque se limitou a algumas regiões do país, a alguns produtos específicos e

a certas fases da organização da produção. Conservadora porque não rompeu com

a tradicional concentração fundiária da posse da terra. Dolorosa porque concorreu

para espoliar no campo milhares de pessoas ligadas às atividades agropecuárias,

acentuando o êxodo rural e a miséria.

A crise social no campo paranaense, afora a questão da concentração fundiária,

redundou na expulsão de um contingente 1.258.857 habitantes da zona rural para os

centros urbanos paranaenses (MARTINE e GARCIA, 1987), onde passaram a se

proletarizar, e para outros estados da Federação, especialmente Mato Grosso, Mato

Grosso do Sul e Rondônia, onde os trabalhadores emigrados procuraram reconstruir

a condição de camponês, ocupando terras livres ou participando em projetos de

colonização nas áreas de fronteira agrícola destes estados, sobretudo porque no

Paraná esta possibilidade já não era possível.

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Afora o desencadeamento de amplos processos configurando a crise social no agro

paranaense, neste mesmo período, as iniciativas pontuais de trabalhadores rurais

que conheciam sobre si a realidade da exclusão da terra permitiram elementos

centrais para aglutiná-los politicamente visando criar ações políticas para

contraposição de forças contra a situação problema e, a partir de suas experiências

e de seu exemplo, outras foram formuladas, redimensionadas, massificadas e

projetadas no tempo histórico até a atualidade através de movimentos sociais

complexos como o MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

Os primeiros movimentos de luta pela terra organizados no Paraná surgiram

vinculados à crise provocada pela construção de hidrelétricas no território do Estado

no final dos anos 1970. Uma destas obras de infra-estrutura - a usina de Salto

Santiago, demandou a formação de um lago que desalojou 170 famílias ribeirinhas

dos municípios de Laranjeiras do Sul, Coronel Vivida, Mangueirinha e Chopinzinho.

Devido à falta de organização dos produtores rurais, a Eletrosul, empresa estatal

responsável pelas obras, negociou as indenizações de terras em valores abaixo

daqueles praticados no mercado regional, impedindo ou dificultando a possibilidade

dos produtores comprarem propriedade com área à que seria atingida.

Temendo no futuro serem impactados com a mesma violência e autoritarismo que

desterreou as famílias do entorno do lago de Salto Santiago, os ribeirinhos dos rios

Paraná e Iguaçu, prioritários para implantação de novas centrais hidrelétricas na

época, passaram a discutir o que fazer para se contrapor à iminente exclusão

territorial e para frear a construção de novas centrais energéticas, sobretudo a Itaipu,

mega-hidrelétrica que atingiria cerca de 3.000 famílias.

Inicialmente, as comissões organizadas pelos ribeirinhos tentaram negociar com a

Eletrosul a melhoria no valor nas indenizações, o que lhes garantiria o retorno à terra

de trabalho enquanto proprietários. Respaldados no poder centralizador e autoritário

do Governo Federal, os administradores da Empresa negaram-se a aceitar as

reivindicações dos trabalhadores, fechando os canais de negociações.

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Inconformados com a atitude do Estado, os ribeirinhos organizaram o movimento

“Justiça e Terra”, acrescentando ao processo de negociação o ato político dos

acampamentos de lona preta, escancarando para a sociedade a previsível situação

de exclusão.

Entre 14 e 31 de julho de 1980 (SERRA, 1991) mil famílias organizaram

acampamento defronte o escritório da Itaipú situado no município de Santa Helena.

Um ano após, o dobro de famílias participou no acampamento de 57 dias no trevo

de acesso ao Centro Executivo da Itaipu binacional em Foz do Iguaçu.

Em suas assembléias, que contavam com a participação de agentes da CPT, de

partidos de esquerda, da Federação de Trabalhadores na Agricultura do Paraná

(FETAP), os agricultores decidiram que a luta englobaria indenizações mais justas,

reassentamento das famílias expulsas pelas águas da barragem no Estado do

Paraná e nas regiões de origem, terra para parceiros, agregados e posseiros,

indenização das estruturas comerciais, entre outros aspectos.

Somente em 1981 a Diretoria da Itaipu cedeu às pressões dos agricultores e aceitou

aumentar o valor das indenizações por hectare, com um gatilho para evitar a

desvalorização durante o processo de tramitação do desalojo, garantindo ainda o

pagamento de metade do valor das terras aos não proprietários (posseiros,

arrendatários e meeiros), bem como das benfeitorias construídas. “Além disso, os

agricultores conseguiram dois assentamentos no Paraná – em Arapoti (para 40

famílias) e Toledo (para 20 famílias)” (FERREIRA, 1987, p. 22).

Discorrendo sobre a experiência dessas lutas, cujas mobilizações e negociações se

estenderam por cerca de quatro anos, SERRA (1991) aponta que “[...] pode-se dizer

sem medo de errar que Itaipu foi o laboratório para as primeiras aulas práticas que

levaram ao aprendizado da mobilização camponesa, nos períodos mais recentes”

(SERRA, 1991, p. 297).

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De fato, levas de posseiros, arrendatários, bóias-frias e outros trabalhadores rurais

paranaenses excluídos ou em situação de miséria se uniram a militantes

progressistas das Igrejas Católica, Luterana e Sindicatos Rurais, bem como agentes

mediadores como políticos de direita e esquerda, líderes populares carismáticos e,

conscientes das conquistas dos atingidos pela hidrelétrica de Itaipu, tais

trabalhadores organizaram novos movimentos vislumbrando a conquista da terra,

tornando-se agentes políticos ativos, o que lhes permitiu pesar e interferir

politicamente na dinâmica da sociedade.

Em 1981 foi organizado o MASTRO (Movimento Sem-Terra do Oeste do Paraná),

que utilizou as mesmas estratégias dos ribeirinhos de Salto Santiago para pressionar

os gestores da Itaipu. Cadastrando cerca de seis mil famílias em vários municípios

do Oeste, os Sem Terra abriram frentes de negociação com o INCRA exigindo o

assentamento imediato de seus militantes. Na contrapartida, o Instituto ofereceu a

transferência de parte das famílias para os projetos de colonização situados na

Amazônia Legal.

Como vários camponeses que anos antes haviam se inserido nestes projetos

desistiram e estavam voltando para o Paraná ainda mais pobres do que quando

emigraram, a organização refutou as propostas do INCRA, exigindo assentamentos

no território do Estado do Paraná. Um ano após o reconhecimento político de suas

reivindicações junto aos órgãos do Estado, os camponeses do MASTRO

conseguiram a criação dos primeiros assentamentos rurais no Paraná.

Como conseqüência surgem, neste mesmo ano de 1982 os seguintes novos movimentos de sem-terra: MASTES – Movimento dos Agricultores Sem Terra do Sudoeste do Paraná; MASTEL - Movimento dos Agricultores Sem Terra do Litoral do Paraná; MASTEN – Movimento dos Agricultores Sem Terra do Norte do Paraná; MASTRECO – Movimento dos Agricultores Sem Terra do Centro-Oeste do Paraná”. (SERRA, 1991, p. 299).

Em junho de 1982, lideranças provenientes de várias localidades do País se

reuniram em Medianeira, Sudoeste paranaense, para discutir temas políticos, a

realidade da luta nas localidades de origem e trocar experiências. Um ano depois,

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novo encontro aconteceu na cidade catarinense de Chapecó. Em 1984, na cidade

de Cascavel, como diretriz fundamental os movimentos participantes interligaram

suas discussões e ações a um comando central, redimensionado a dinâmica de

lutas que se consolidava em vários rincões pelo País.

Compreendendo a necessidade de amalgamar as variadas frentes de luta

organizadas sob uma só bandeira de lutas e uma coordenação nacional, nasceu a

principal organização da luta camponesa estruturada no Brasil: o MST – Movimento

dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Apesar do avanço na constituição desta

organização, espalhados pelo território paranaense contabilizavam-se à época

(1984) uma série de movimentos sociais circunscritos a dezenas de municípios no

interior do Estado, possuindo as mais variadas tendências políticas e organizativas.

Ao formular o MST, os camponeses definiram as melhores táticas e estratégias para

a ação, não mais vinculada somente à conquista de assentamentos rurais, mas

visando a realização da Reforma Agrária. Organizados nacionalmente, os

camponeses do MST redefiniram e criaram diferentes formas de luta pela terra

(acampamentos, marchas, discussões em grupos, etc) e, a partir da conquista dos

espaços de cidadania - os assentamentos rurais (trunfos da luta e lugar de

reprodução da família campesina), tornaram-se também agentes no

desenvolvimento de meios necessários para ampliar a luta pela terra em luta por

outros direitos: educação, política agrícola, saúde, etc, construindo as condições

para conquistá-los nos municípios e regiões onde o Movimento atua.

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3.3 A luta pela terra em Querência do Norte: diferenciação política e social entre os sem-terra.

Em 1984, vislumbrando as conquistas dos atingidos por barragens, o Sindicato dos

Trabalhadores Rurais de São Miguel do Iguaçu (co-participante da estruturação do

MASTRO) iniciou uma série de trabalhos de base nos municípios da região Oeste e

Sudoeste paranaense.

O público alvo destas ações foram os (ex) arrendatários, (ex) posseiros, filhos de

pequenos proprietários que moravam como agregados nas terras dos pais sem

perspectiva de possuir a sua propriedade através de compra ou herança, ex-

proprietários rurais, famílias que seriam desalojadas pelas barragens (ribeirinhos e

ilhéus), bóias-frias e até trabalhadores urbanos, para ingressar na luta pela terra,

conscientização política que resultou em cerca de 100 famílias organizadas, cujo

primeiro desafio foi o acampamento nas areias que margeiam o lago da hidrelétrica

de Itaipu na cidade de São Miguel do Iguaçu.

As reuniões realizadas nos trabalhos de base são espaços geradores de sujeitos construindo suas próprias existências. Essas reuniões podem durar um, três, seis meses ou até anos, dependendo da conjuntura. Podem envolver um município, vários municípios de uma microrregião, vários municípios de várias microrregiões, ou até mais de um estado em áreas de fronteira. Nos anos da ditadura, essas reuniões precisava ser feitas com bastante sigilo por causa da repressão. Com a territorialização da luta e o aumento da participação das famílias, estas reuniões se multiplicaram, deixando de ser reuniões com dezenas para contar com centenas de famílias. (Fernandes, 2000 p. 284).

Paralelamente, no decorrer de seis meses de acampamento na “praia” de Itaipu,

novos grupos de sem-terra foram organizados nos municípios de Matelândia, São

Miguel do Iguaçu, Catanduva, Guaraniaçú, Santa Tereza, Foz do Iguaçu,

Medianeira, entre outras localidades, socialização política feita por militantes do

MASTRO, políticos locais, Sindicatos Rurais e pessoas dessas comunidades,

resultando em vários acampamentos localizados em beiras das estradas e áreas

públicas cedidas pelas prefeituras municipais.

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Expondo sua participação num destes movimentos, o agricultor Delfino José Becker

aponta que o seu grupo de sem-terra

[...] era um movimento espontâneo [...]. Fazia umas conversas com o Mastro, mas [...] uma espécie de “chefe”, Fredolino. [...] Juntou 800 família numa vilinha lá, chamada Vila Góes. Então ele ganhava dinheiro fácil, porque ele estabelecia uma mensalidade, o pessoal trabalhava durante o dia colhendo feijão e pagava, tipo hoje, um terço da diária, né? Uns três real. Se ganhasse dez, pagava três pro acampamento. E isso era dinheiro pra ele. [...] Vinha até Cascavel, dava umas telefonada pra Curitiba, e a noite, final de semana enrolava nóis. Falava “Não, nóis não tamo no Movimento, mas vamo fazer a coisa mais bonita, já conversei com o Bispo, e tal. Vamo fazer tipo uma romaria, então ele fazia uma oratória muito bonita, mas na verdade não assentou nem uma família[...] (Entrevista concedida em novembro de 2002).

Nesta fala, percebe-se o caráter centralizador do agente mediador (Fredolino), as

influências da Igreja católica na montagem do discurso e da prática política, além da

insistência da liderança em preservar o “seu” movimento das influências do

MASTRO, o que lhe retiraria poder político e, até certo ponto, econômico.

Possuindo a informação da localização e quais as fazendas o INCRA havia

vistoriado e impetrado ações de desapropriação nos municípios de Guarapuava,

Mangueirinha, São Miguel do Iguaçu, Laranjeiras do Sul, Morretes e Medianeira para

assentar os futuros atingidos pela barragem de Itaipu, os movimentos sociais se

mobilizaram para ocupar tais fazendas e incluir no processo de assentamentos

aquelas famílias que encontravam-se em estado de exclusão parcial ou total,

vinculadas ou não ao problema das barragens. (SERRA, 1990, p. 302).

Mesclando famílias destas frentes de luta, em 1985 ocorreu a ocupação de duas

fazendas declaradas áreas de interesse para desapropriação fundiária: a fazenda

Mineira46 (1.032 hectares) situada entre São Miguel do Iguaçu e Medianeira, e a

Fazenda Padroeira (1.019 hectares) localizada em Matelândia, onde

respectivamente, os sem-terra organizaram dois grandes acampamentos com cerca

de 1.000 famílias cada um.

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Expondo as táticas e estratégias de luta nas terras da fazenda Padroeira, o

agricultor Alexandre Anghinoni esclarece que

[...] a fazenda Padroeira, nós ficamos lá por um ano quase dois anos. Aí por várias vezes tivemos que fazer [...] mudanças dentro da própria área, por que a área era distribuída em arrendamentos né, e eram vários os donos desses arrendamentos, e aí a gente ocupava um latifúndio, um arrendamento, e entrava na justiça, conseguia a reintegração de posse, e nós mudamos pro Trento I, depois [...] mudamos pro arrendatário Trento II, e em terceiro último [...]nós [...] mudamos pruma área que era considerada do Estado né, os 1.019. (Entrevista concedida em novembro de 2002).

Em 1985, no extremo Sudoeste paranaense, influenciados pelo discurso de

personalidades políticas locais/regionais como o Deputado Caíto Quintana e o

prefeito Edgar Paulo, cerca de 400 famílias participaram na formação da Associação

dos Sem Terra no município de Capanema, cuja liderança era o agente mediador

Francisco da Silva, popularmente conhecido como “Chiquinho”.

Em sua estratégia de ação, os políticos e o coordenador deste grupo de sem terra

atraíam participantes informando que para conquistar a terra não seria necessário

ocupar fazendas, mas sim participar de uma série de reuniões com o Instituto de

Terras Cartografia e Florestas do Paraná e o INCRA e, após aguardar a

desapropriação de fazendas, as famílias participantes da Associação seriam

“pacificamente” assentadas. Nestes termos, este grupo entendia a propriedade da

terra como um direito intocável, colocando-se ideológica e politicamente contra as

ações do MST e de outros movimentos sociais que utilizavam o expediente da

ocupação de fazendas para conquistar o assentamento de seus militantes.

Neste mesmo ano, no contexto da região Noroeste paranaense, cerca de 80 famílias

de trabalhadores rurais (bóias-frias) de Amaporã, influenciados pela ação do

Sindicato dos Trabalhadores Rurais, organizaram-se e montaram acampamento no

trevo rodoviário entre Piracema e Mandiocaba, distritos de Paranavaí.

46 Segundo BECKER (2003) e GOMES (2002), na fazenda Padroeira encontravam-se acampadas famílias provenientes de 22 municípios das regiões Oeste e Sudoeste do Paraná, além de brasiguaios.

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Num contexto de lutas em que as principais ações e organizações estavam

massificadas no Oeste e Sudoeste do Estado, de início este grupo sofreu um

desgaste no apoio político recebido pelo STR e uma negativa do MST em dar-lhe o

apoio político requisitado. Discorrendo sobre estes contratempos, BRANDÃO (2003)

aponta que

Os presidentes dos sindicatos entendiam que o fato de os bóias-frias acamparem na beira da estrada resultaria em assentamento. Como não aconteceu o assentamento na forma esperada, os sem-terra começaram a cobrá-los e o resultado foi a ruptura com os presidentes dos sindicatos. [...] na época, tentaram integrar-se ao MST do Paraná, mas a coordenação estadual não acreditou no grupo. (BRANDÃO, 2003, p. 75).

Recebendo o apoio da CPT e outros agentes mediadores ligados à Igreja que

intercederam no processo de luta, estes sem-terra alcançaram uma unidade de

grupo, uma consistência ideológica e uma prática política47 que lhes permitiu resistir

às adversidades e desenvolver suas práticas de luta.

A ebulição social desencadeada no campo paranaense exigiu articulação cada vez

maior dos mediadores e assessores. Nesta perspectiva, os Sindicatos dos

Trabalhadores Rurais localizados em vários municípios do Paraná desempenharam

um papel fundamental tanto no processo de luta quanto na pressão institucional

junto ao Poder Público.

Em 1985, apesar de ter co-participado no contraditório projeto da Adecon48, o STR

de Querência do Norte enviou ofícios ao Secretário da Agricultura do Paraná,

declarando os notórios problemas fundiários que recaíam sobre parte das

“propriedades” localizadas neste município, vislumbrando, a partir de orientações

recebidas da Confederação paranaense, a realização de assentamentos no

47 Entre 1985 e 1987, as famílias acamparam duas outras vezes no entorno das rodovias da região e ocuparam uma área pública, de onde foram despejadas. 48 Vide o Capítulo II do presente trabalho.

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município. Segundo o Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de

Querência do Norte, senhor Eufrásio Soares de Souza, naquela época

[...] nós do Sindicato levantamos, fizemos um expediente para o Secretário de Agricultura da época [...] e ele achou viável e enviou um pessoal do Incra para fazer inspeção das áreas [...]. E fizeram inspeção da Pontal, da, daquela outra que está dentro da área da 29 também, que é do Tuffy Felício Jorge, né, era na época que hoje já não é mais, a Florão, e aqui do outro lado na gleba 27 e 27-A, foi levantado também a fazenda Todos os Santos e a Porangaba II [...] (Entrevista concedida em março de 2003).

Entre 1985 e 1986, o INCRA efetivou desapropriações de fazendas nos municípios

de Castro, Reserva, Chopinzinho, Telêmaco Borba, Mangueirinha para assentar

parte das famílias ocupantes das fazendas Padroeira e Mineira. Deslocadas para as

áreas, muitas famílias desistiram de aceitar a proposta de assentamento coordenada

pelo INCRA, sobretudo porque o Estado fazia a negociação garantindo

assentamento para as famílias em terras férteis e próprias para a agricultura familiar,

mas na verdade, quando visitaram as fazendas desapropriadas, os sem-terra

percebiam que as mesmas eram isoladas, com problemas de acesso (estradas

ruins), falta d’água (lençol freático profundo), solo impróprio para o cultivo, com

problemas de fertilidade e declividade acentuada.

Discorrendo sobre a situação dos remanejados para assentamento e que estavam

acampados na Padroeira, Alexandre Anghinoni declara que

[...] ou nós partiríamos pruma área que o próprio Governo da época determinou pra assentamento aqui no município de Reserva, então a gente não tinha, não tivemos opção senão sairmos da Padroeira [...] pra Reserva. Chegando nessa [...] fazenda Criciuma, [...] deparamo com uma realidade totalmente ao contrário, onde que a área não tinha condições pra ser um assentamento, não. Aí a gente procurou conhecer melhor a área que nós não tinha de conhecimento. Não tinha água pro sustento de todas as família né, e a área mesmo era inviável pra assentamento por causa de muito, a região e a própria fazenda muito dobrada49 né. Então não tinha condições da área pra agricultura, e aí brigamos, fomos pra, já reunimo a coordenação do acampamento, o pessoal viajou pra Curitiba, por várias vezes

49 “Dobrada” é uma expressão popular utilizada no Sudoeste paranaense para descrever áreas de planalto com relevo com alta declividade.

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negociamos, negociamos a saída de lá, inclusive o próprio Governo do Estado e o INCRA não queria que, não permitia o deslocamento nosso pra outra área, e aí com insistência a gente conseguimo faze com que o Estado mesmo permitisse a saída nossa de lá [...] (Entrevista concedida em novembro de 2002).

Em 1988, após fazer as vistorias nas fazendas Porangaba II, Florão, Todos os

Santos e 29 Pontal do Tigre, o INCRA indicou a última como área prioritária para

desapropriação e Reforma Agrária, ação confirmada através do Decreto Presidencial

no 95.784 de 4 de março daquele ano.

Pressionados pelos movimentos sociais, os técnicos do INCRA e do ITCF que

integravam as comissões de negociação com as lideranças de vários

acampamentos no interior do Estado apontaram que uma alternativa possível de

assentamento em terras férteis era tentar a sorte em Querência do Norte, tendo em

vista que os fazendeiros do Oeste, Sul, Sudoeste e Sudeste só facilitavam a

desapropriação de áreas desvalorizadas e com problemas como os apontados pelos

sem-terra.

Após tomarem conhecimento das informações até então sigilosas da situação

jurídico-fundiária da fazenda 29 Pontal do Tigre, onde havia a possibilidade concreta

de assentamento imediato de cerca de 500 famílias, os coordenados de

acampamentos e grupos de sem-terra retornaram as suas áreas e municípios de

origem e, cada qual à sua maneira, iniciaram o trabalho de convencimento,

discussão política e preparação para optar ou não pela viajem a Querência do Norte,

onde reiniciariam a luta pela terra.

Mais cautelosos, os grupos acampados nas fazendas Padroeira e Mineira, que se

frustraram ao receber terras para assentamento em outra oportunidade, deslocaram

primeiramente os coordenadores do acampamento para analisar a qualidade do

solo, o acesso à água e o relevo, ou seja, os fatores primordiais para se ter um

assentamento de qualidade. Feito este trabalho, quando retornaram à suas bases

referendaram em reunião o que viram, encaminhando a migração e o translado do

acampamento para a fazenda 29 Pontal do Tigre.

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Devido à miserabilidade das famílias acampadas e a distância entre as áreas onde

se encontravam organizadas/acampadas e o município de Querência do Norte, para

financiar o translado e a migração, os sem-terra organizaram arrecadações de

dinheiro junto às famílias50, negociaram com prefeituras locais para colaborar com

ônibus e caminhões no transporte dos acampados, o que, aliás, era de interesse dos

políticos locais, sobretudo para expulsar para longe os sem-terra situados nas

cercanias das cidades.

Em períodos diferentes, cerca de 30 famílias provenientes do município de Castro,

45 de Amaporã, 70 famílias de Reserva51 e 65 famílias de Capanema migraram e

ocuparam a fazenda 29 Pontal do Tigre.

Em 26 de junho de 1988 ocorreu a chegada das primeiras dezenas de carros,

ônibus e caminhões trazendo as famílias sem-terras organizadas nestes grupos,

fixando os barracos de lona em terras da 29 Pontal do Tigre, no mesmo ano em que

as 86 famílias do projeto Adecon seriam expulsas das terras arrendadas, pois aquele

era o ano de vencimento dos contratos de arrendamento.

No acontecer do processo de luta pela terra ficou patente a riqueza estrutural dos

grupos de Reserva e Castro, que vivenciaram a organicidade do MASTRO, e de

Amaporã, ligado à CPT. Há anos acampados, os militantes destes grupos

conheciam a dureza da vida nos barracos de lona preta, a indiferença da sociedade

em relação aos sem-terra, a incompetência do Estado em atender as reivindicações,

as incontáveis reuniões que resultavam em nenhuma ação concreta por parte dos

órgãos públicos vinculados à Reforma Agrária.

Politicamente, estes grupos possuíam uma coordenação participativa, onde as

famílias escolhiam coordenadores responsáveis por 10 a 15 famílias, dividiam

tarefas e responsabilidades acerca da saúde (promovendo cuidados básicos com

50 Segundo informações colhidas junto aos assentados oriundos de Capanema, só veio para o acampamento em Querência do Norte aquelas famílias “escolhidas” pelo mediador, escolha esta que demandava a doação para o mesmo de bens, valores em dinheiro, espécies de “caixinha” para ingressar na luta, excluindo os mais pobres e denotando os vícios organizativos do agente mediador. 51 As famílias de Amaporã e Reserva participaram na ocupação da Fazenda Mineira.

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mulheres gestantes, idosos e crianças), da segurança do acampamento, da

educação (coordenando grupos de estudo com jovens e adultos, além de reforçar a

educação das crianças onde as prefeituras negavam-se a inserir salas de aula ou

transporte para as sedes municipais), da mística e religião (cultos e invocação da

subjetividade), organizanvam comissões de negociação, grupos de trabalho para

angariar renda, enfim, elementos que no conjunto permitiam o controle de todas as

situações problema pelo coletivo, garantiam a organicidade e a resistência.

Já o grupo de Capanema, cujas famílias no início da trajetória participaram da

Associação dos Sem Terra de Capanema e optaram por não ocupar terras e

enfrentar a vida nos barracos de lona para serem assentadas, desconheciam a

realidade da luta na qual os grupos de Reserva, Amaporã e Castro já tinham plena

experiência.

Ademais, as famílias provenientes de Capanema estavam a mercê de uma liderança

centralizadora de informações (o famoso “Chiquinho”). Segundo relatos coletados

em trabalhos de campo, o agente mediador participava sozinho ou acompanhado

por políticos nas reuniões com o INCRA e técnicos do Estado, repassando as

informações que lhe interessava aos companheiros.

Uma das exigências mais comuns criadas por esta liderança era a cobrança de

taxas das famílias por ele coordenadas, cujo montante e destino não eram

especificados. Valendo-se de seu poder, Chiquinho expulsava as pessoas que não

se submetiam às suas ordens.

Pressionadas pelas agruras do acampamento, as dificuldades relativas à fome, a

miséria e a demora no assentamento (muitas famílias acreditaram piamente que em

poucos meses seriam assentadas), o aprendizado durante a convivência com os

outros grupos de acampados permitiu um crescimento da consciência política dos

acampados de Capanema e, no ano 1990, as famílias expulsaram o agente

mediador e passaram a compartilhar os exemplos e a organicidade dos grupos de

Castro e Reserva.

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Já os camponeses da Adecon, apesar de um certo estranhamento com os

acampados, mas cientes de que o futuro próximo era a expulsão da terra e o retorno

à condição de bóias-frias, depois de algumas reuniões entre si e com os acampados,

resolveram que juntas iriam participar na luta e esta seria a única alternativa possível

para conquistar definitivamente a fazenda e o assentamento para todas as famílias

presentes.

Entre desistências de algumas famílias, reorganização de lideranças, criação de

uma unidade de lutas, chegada de novas famílias vindas de Capanema e de Tibagi

no ano de 1992, as influências e as práticas políticas do MASTRO e da CPT, pouco

a pouco as diferenças político-ideológicas foram vencidas e as famílias se

organizaram através de uma “coordenação geral” do acampamento, responsável

pelo encaminhamento no processo de lutas.

Devido à importância política do acampamento no Estado, o MST passou a

influenciar os sem-terra de Querência do Norte que, absorvendo os princípios

políticos e organizativos do Movimento, acabaram incorporados, co-participando no

processo geral de espacialização e territorialização do MST no município, na região,

no Estado e no País.

Colocadas as considerações sobre o processo de luta dos sem-terra ocupantes da

fazenda 29 Pontal do Tigre levando-se em conta sua diferenciação a sua vinculação

ao MST, no próximo item apresentamos o processo geral de espacialização do MST

em Querência do Norte e no Noroeste paranaense, destacando a centralidade das

ações, a violência dos agentes do capital e do Estado frente as ocupações de terra,

bem como a conquista dos assentamentos rurais, história que baliza as ações

políticas estruturadas pelo MST, demandando constante dimensionamento da

socialização política para mediar a ação e a resistência contra o capital.

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3.3.1 Formação do MST.

A presença dos sem-terra causou um forte impacto na opinião pública municipal e

regional, sobretudo porque a área ocupada feria os interesses políticos do prefeito52

e vereadores locais, além dos interesses econômicos dos irmãos Atalla, dos grandes

e médios arrendatários que cultivavam extensões de várzea nas terras da 29 Pontal

do Tigre, e dos fazendeiros da região que viam na organização dos sem-terra e na

ocupação de fazendas um risco para sua integridade patrimonial, sobretudo porque

o Noroeste, segundo análises presentes no Capítulo 2, é uma região de alta

concentração fundiária, possui problemas históricos de titularidade duvidosa da

propriedade da terra, além de baixos índices de produtividade, portanto, áreas

passíveis de desapropriação e reforma agrária.

Visando expulsar os acampados e reverter o Decreto de desapropriação, os irmãos

Atalla impetraram ações na Justiça e, devido à morosidade no trâmite dos

processos, ganharam tempo para reverter o processo, apesar de que pesava sobre

sua família, organizada em torno do Grupo Atalla uma dívida com o Banco do

Estado do Paraná (Banestado), tornando de interesse do Governo do Estado a

desapropriação da fazenda 29 Pontal do Tigre para que parte dos débitos com o

erário fossem quitados, amenizando no mesmo processo a questão de parte dos

milhares de sem-terra acampados no Paraná.

Paralelamente à ação legal na justiça, os Atalla deslocaram jagunços provenientes

de Porecatú53 para fazer a segurança da fazenda, na tentativa de impedir que os

grupos de sem-terra ocupassem áreas cada vez maiores no interior da mesma.

52 Não se pode esquecer que o Prefeito à época era o senhor José Edegar e que o mesmo fora eleito sob os impactos socioeconômicos da criação da Adecon, entidade que ele dirigiu como Presidente antes de ser eleito. 53 Situado no Norte do Estado, a cerca de 80 KM de Londrina, em Porecatú o grupo Atalla possui a maior usina de açúcar do Paraná, com canaviais cultivados nos territórios de 8 municípios, empregando cerca de 10.000 trabalhadores na época de safra (informações do autor).

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Frustrando as expectativas, os trabalhadores organizaram-se e um a um expulsaram

todos os 235 arrendatários que estavam produzindo nas terras da fazenda 29 Pontal

do Tigre (analisar Figura 11, página 135, onde se distingue as áreas ocupadas por

arrendatários no interior da fazenda 29 Pontal do Tigre), o que causou um impacto

muito forte na opinião pública local. Esta ação foi importante para os sem-terra

porque as áreas desocupadas foram divididas entre os acampados e destinadas à

produção agropecuária (leite, algodão, milho, etc) e gêneros alimentícios.

Procurando demonstrar para a população que a sua luta era justa, todos eram

trabalhadores e que a conquista do assentamento traria dignidade para as famílias,

além de riquezas e trabalho para a população, elementos que sabidamente o

latifúndio não dava conta de favorecer, contrapondo a desinformação veiculada

através da imprensa e agentes locais, os sem-terra organizaram passeatas, reuniões

e informativos.

Neste processo, um veículo importante foi o informativo “A Voz dos Trabalhadores”,

(ANEXO – 2) distribuído em abril de 1990, onde os acampados rebateram às críticas

e manobras políticas do Prefeito José Edegar, apresentando um balanço da

produção alcançada no interior da fazenda, apesar da falta de recursos e

equipamentos.

Para frear a ação dos sem-terra, arrefecer o ânimo das famílias acampadas e minar

sua resistência econômica, os irmãos Atalla ordenaram a seus funcionários o

deslocamento de levas e levas de bovinos trazidas de outras fazendas do Grupo,

resultando, segundo depoimentos, em mais de 3.000 animais que, avançado sobre

as lavouras comerciais e de subsistência cultivadas pelos acampados, da noite para

o dia destruíam as lavouras, desestruturando a fonte de renda e alimentação das

famílias, além de amedrontar mulheres e crianças.

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Pressionados, sofrendo ameaça de despejo54, problemas de saúde, isolacionismo,

(os acampados habitavam núcleos que distavam de 15 a 30 15 km da sede

municipal), a questão das roças destruídas impedindo-as de auferir renda, muitas

famílias conheceram a fome e o medo, elementos que causaram a desistência de

muitos acampados. Demonstrando a dimensão dos problemas vivenciados neste

período, Delfino José Becker afirma que

Aí ficou um período de uns trinta a sessenta dias, foi assim uma situação de fome mesmo. E aí o povo começou a buscar alternativa. Tinha muito maxixe então o pessoal cozinhava. Muitas família inteira passou assim quinze dia, um mês comendo praticamente só maxixe, né. Alguns tentava ir trabalhar não conseguia, teve problemas de desmaio, por desnutrição mesmo, e aí começou a achar outras alternativa, que nos dreno aí tem lambari, tal. [...] o pessoal pegava um lambari mas não tinha banha pra fritar, só passava um sal e sapecava na chapa. (Entrevista concedida em novembro de 2002).

Para reverter a situação-problema e frear o processo de intimidação iniciado pelo

fazendeiro, em uma assembléia com a presença de todas as famílias acampadas, a

coordenação do MST encaminhou que cabia ao Estado o dever de obrigar o

fazendeiro a conter o gado para os mesmos não avançassem mais sobre as áreas

ocupadas, impedindo assim a destruição das lavouras e o amedrontamento das

famílias.

[...] chegou um momento em que as famílias pressionaram o Estado e foi numa audiência com o Osmar Dias falou “Ó, se não resolver nós vamos começar a comer este gado”. A partir que o pessoal perceber que boi dá de comer também, que é bom de comer, foi matando pra comer, né? E aí, mesmo assim eles não retiraram o gado. Então deu uma situação difícil também porque era muito gado, mesmo o pessoal abatendo estes animal pra comer, ficava aquele jogo mole nem o Estado assumia e nem eles também assumia. Daí, né, numa data que eu não me lembro agora, a Coordenação toda da área decidiu reunir este gado na sede principal da fazenda [...].(Delfino José Becker, entrevista concedida em novembro de 2002).

54 Os sem-terra cultivavam cerca de 950 alqueires de terras e no dia 11 de abril de 1991 o juiz Shiroshi Yendo, da 2a Vara Criminal de Maringá determinou o desalojo das famílias e a reintegração de posse em favor de Jorge W. Atalla. Pressionando o Estado, os sem-terra conseguiram que o Governador Roberto Requião impetrasse ação de anulação dos despejo, alegando a alta produtividade dos sem-terra nas áreas cultivadas, o trâmite do processo de desapropriação na Justiça e que o Grupo Atalla devia US$ 170 milhões de dólares ao Estado, segundo LIMA E GUERRA VILLALOBOS (2001, p. 61 – 63).

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É importante esclarecer que o abate dos animais teve o caráter político de luta e

resistência contra o capital, destinando-se a alimentar as famílias, tendo em vista a

situação famélica e de miserabilidade em que estas se encontravam. A decisão de

reunir as cerca de 3.000 cabeças de gado em um pasto ao redor da sede da

fazenda, impedindo assim que os animais andassem livremente sobre as suas

roças, foi a única alternativa possível encontrada para amenizar a situação e

pressionar o Estado a tomar providências efetivas para reverter as ações

desencadeadas pelos fazendeiros.

Dia após dia, o pasto onde os animais foram fechados se degradou. Famintas,

dezenas de cabeças de gado morriam de inanição. Mesmo sofrendo prejuízos em

seu patrimônio, os fazendeiros optaram por não retirar os animais.

Acompanhando a “violência” dos sem-terra contra o gado e os fazendeiros, a mídia

fez uma ampla cobertura jornalística, impactando a opinião pública do Estado em

relação àquela situação. Pressionado, o Secretário de Agricultura do Estado do

Paraná à época (Osmar Dias), decretou a ida de um grupo de funcionários públicos

da Secretaria de Agricultura para medicar e alimentar os animais, onerando os

cofres públicos com uma medida paliativa e contraditória, pois enquanto as famílias

acampadas não recebiam nenhuma cesta básica e medicamentos para seu

sustento, os animais foram “agraciados” com a “assistência social-bovina” !!!

Passados 30 dias, como o fazendeiro não retirou o gado, o Estado determinou o

seqüestro dos animais e os comercializou em leilão. Com o dinheiro arrecadado,

cobriu as despejas o erário público teve durante a manutenção dos animais e o valor

excedente depositou em juízo para posterior alienação por parte dos irmãos Atalla.

No longo processo de lutas, somente em 22 de outubro de 1995 foi decretada a

imissão da posse da fazenda 29 Pontal do Tigre em favor do INCRA. Segundo

informações, técnicos do INCRA chegaram a propor assentamento para 800 famílias

na fazenda, que na época contava com cerca de 287 famílias acampadas.

Politicamente, tendo em vista o tamanho da fazenda 29 pontal do Tigre e o total de

acampados no Paraná, era de interesse do Governo Estadual assentar o máximo de

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famílias, sem se importar se os estabelecimentos rurais assim criados poderiam

permitir o sustento e o desenvolvimento socioeconômico das famílias.

Apoiados pelo Setor Estadual de Produção do MST, os acampados negaram-se a

acatar tal proposta, sobretudo porque de maneira contraditória o INCRA queria

incluir na área desapropriada pessoas que não participaram da ocupação, ação que

certamente excluiria do processo de assentamento os agregados (filhos adultos e

parentes dependentes) e casais que se formaram entre as famílias acampadas.

Nesta refrega final, em 19 de dezembro de 1995, regulamentado pela Portaria 79, o

INCRA garantiu o acesso a terra para 336 famílias e a constituição formal do

assentamento Pontal do Tigre.

3.3.2 Espacialização e territorialização do MST no município e região.

Para entendermos o processo de espacialização e territorialização, faz-se

necessário discutir as especificidades organizativas que diferenciam o MST de

outros movimentos sociais do campo e que lhe permite se inserir enquanto um

agente na produção de demandas sóciopolíticas e mudanças espaciais.

FERNANDES (1996) aponta que o MST avança na organização dos trabalhadores a

partir do espaço de socialização política, cuja estruturação ocorre vinculada à

presença dinâmica de três categorias de análises complementares: o espaço

comunicativo, o espaço interativo e o espaço de luta e resistência.

Discorrendo sobre estas categorias, FERNANDES (1996) aponta que o espaço comunicativo surge a partir do momento em que o(s) indivíduo(s) passa (m) a

conhecer a realidade e os aspectos coletivos de luta.

Até este momento, os únicos espaços comunicativos que os indivíduos acessam são

a escola, a família, o partido que – quase sempre – não permitem o conhecimento

das contradições da realidade. O MST valoriza a comunicação enquanto um

importante espaço para aglutinar pessoas, ouvir estórias de vida, desenvolvendo

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com estas ações dinâmicas uma pedagogia humanista onde os militantes do MST

repassam à população o lado oculto da realidade, os porquês dos problemas e a

importância de lutar para reverter a situação de exclusão.

Já o espaço interativo ocorre em um momento posterior e a partir de um nível de

consciência maior. Configura-se quando os trabalhadores passam a fazer a leitura

crítica da realidade, principalmente através da leitura de sua trajetória de vida,

reconhecendo que elementos como miséria, exclusão da terra são situações comuns

a todos e que alguma coisa na realidade está errada.

Neste momento, códigos, normas sociais e conceitos da cultura dominante são re-

trabalhados e o sujeito começa a entender que a exclusão social decorre do

processo de desenvolvimento do sistema capitalista. Por outro lado, se este espaço

interativo for mal trabalhado, podem surgir lideranças populistas ou aquelas que

destroem internamente o avanço do movimento social.

Já o espaço de luta e resistência se efetiva quando o MST parte para a luta

concreta, seja nos barracos de lona, seja ocupando fazendas, demonstrando para a

sociedade, de forma nua e crua, a realidade da exclusão social e a necessidade do

Estado agir para reverter tal o processo.

No acampamento e na ocupação (o primeiro são os barracos de lonas situados em

beiras de estradas, o segundo ocorre no interior de fazendas), os espaços

comunicativo, interativo e de luta e resistência são permanentemente criados e

retrabalhados, pois o MST organiza dinâmica de grupos, divide as tarefas entre os

acampados que administram questões relativas à saúde, alimentação, coordenação

da área, mística, finanças, etc. Àquelas pessoas que se destacam entre os

militantes, seja pela facilidade em se comunicar, de discutir os problemas, ou mesmo

pelo esforço e dedicação aos estudos, o MST lhes oferece tarefas políticas como

coordenar o grupo, por exemplo, oferecendo num segundo momento o

aperfeiçoamento em cursos de formação política, retroalimentando a luta com novos

quadros, o que dinamiza o processo como um todo.

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Desta maneira, a ocupação e o acampamento tornam-se espaços de

multidimensionamento da socialização política para os sem-terra envolvidos e para a

sociedade. De maneira geral, são locais onde são geradas lideranças, cujas tarefas

principais são organizar reuniões, atrair mais sem-terras, levando a luta adiante

através de novos acampamentos e ocupações.

Para FERNANDES (1996), teoricamente pode-se conceber o conjunto de ações

desencadeadas pelo MST no espaço geográfico (acampamentos, marchas,

reuniões, ocupações de bancos e prédios públicos, distribuição de informativos e

jornais, etc) visando o multidimensionamento dos espaços de socialização política

enquanto um processo de espacialização. Quando o MST conquista frações do

território do capital, efetiva a sua territorialização.

O MST, esse sujeito coletivo, se espacializa pela sua práxis, por meio da (re)produção das suas experiências de luta. Este processo é desenvolvido pelo trabalho, pela ação criativa, reconstruindo os espaços de socialização política. Espacializar, portanto, é conquistar novos espaços, novos lugares, novas experiências, desenvolver novas formas de luta e, conseqüentemente, novas conquistas, transformando a realidade, lutando pelo futuro. Espacializar é registrar no espaço social um processo de luta. É o multidimensionamento do espaço de socialização política. É “escrever” no espaço por intermédio de ações concretas como manifestações, passeatas, caminhadas, ocupações de prédios públicos, negociações, ocupações e reocupações de terras, etc. É na espacialização da luta pela terra que os trabalhadores organizados no MST conquistam a fração do território e, dessa forma, desenvolvem o processo de territorialização do MST. (FERNANDES, 1996, p. 136).

Quando os sem-terra localizados em Querência do Norte integraram-se ao MST,

novas perspectivas no processo de socialização política se abriram. Reforçando a

unidade dos grupos (base de sustentação) através de apoio político-pedagógico,

acompanhamento político, trabalho de formação, o MST lançou em solo fértil a

semente que possibilitou a espacialização de suas ações e, conseqüentemente, sua

territorialização, não só neste, mas em vários municípios da região Noroeste

paranaense.

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Para planejar e executar ações de luta pela terra no Noroeste paranaense, o MST

fundou uma secretaria regional em Querência do Norte e outra em Paranacity55.

Reconhecendo que a política de assentamentos só avança mediante a organização

e a ação dos trabalhadores, o MST estruturou o setor de frente de massas nestas

secretarias, visando acelerar os trabalhos de base em municípios da região,

trazendo também famílias do Oeste e Sudoeste paranaense para participar nos

acampamentos situados nas beiras das estradas e nas ocupações de terras.

O acampamento é na sua concretude o espaço de luta e resistência, é quando os trabalhadores partem para o enfrentamento direto com o Estado e com os latifundiários. O acampamento é a ocupação do latifúndio, cujas conseqüências são (im)previsíveis. Neste espaço está colocada em questão a luta e, portanto, o enfrentamento com o Estado, por intermédio da negociação política, e com os latifundiários, pelo conflito direto. Dependendo da forma do encaminhamento e da relação de poder entre as forças políticas vão se dar diferentes situações de luta. Com relação ao Estado acontece o despejo, freqüentemente, por meio do uso de violência pela força policial. Com relação aos latifundiários o enfrentamento violento contra jagunços contratados para fazer o serviço. [...] mas o despejo não significa o fim. O Acampamento é removido para a beira de uma rodovia, de onde se reiniciam as negociações no plano político, jurídico e social. (FERNANDES, 1996, p. 238-239).

Massificando a luta e realizando ocupações, os sem-terra têm forçado o Estado a

tomar a iniciativa de coordenar novas vistorias através do INCRA, cumprindo com

suas atribuições de fiscalizar se as fazendas cumprem a sua função social em

relação à preservação do meio ambiente, a garantia dos direitos trabalhistas e a

manutenção de determinados índices de produtividade, elementos que a

Constituição Federal obriga estarem presentes para garantir a propriedade da terra

em favor do proprietário, conforme assevera STROZAKE (2000).

A primeira ocupação de terras após a territorialização do MST na fazenda Pontal do

Tigre ocorreu na madrugada do dia 13 de agosto de 1995, quando cerca de 200

famílias ocuparam a fazenda Porangaba II, uma área de 2.700 hectares situada ao

norte do Município de Querência do Norte, às margens do rio Paraná, que 1985

55 Ocupando a fazenda Santa Maria em 30 de janeiro de 1993 com 26 famílias, provenientes de Ibema e Cascavel , após um ano de lutas o MST conquistou o assentamento definitivo para estas famílias que fundaram a COPAVI – Cooperativa Agropecuária Vitória.

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havia sido vistoriada e declarada para fins de reforma agrária conjuntamente com as

fazendas Florão, Todos os Santos e a 29 Pontal do Tigre.

Devido à morosidade nas negociações com o INCRA em relação à desapropriação

de áreas para assentamento e seguindo os princípios da organização, na

madrugada do dia 6 de novembro de 1995 os sem-terra ocuparam a fazenda

Saudade, espacializando a luta pela terra para o município de Santa Izabel do Ivaí,

gerando uma série de críticas por parte dos fazendeiros organizados pela Federação

dos Agricultores do Estado do Paraná (FAEP) ao Governo do Estado (Jaime Lerner)

exigindo a intervenção da Justiça contra o esbulho possessório, a garantia do direito

de propriedade e a expulsão dos “invasores”.

Pressionado, a proprietária da área acionou a justiça e obteve uma liminar de

reintegração de posse. No dia 8 de novembro, um destacamento de 90 soldados da

Polícia Militar do Paraná foi deslocado para cumprir a ação de despejo.

Utilizando cassetes, armas de fogo, bombas de gás lacrimogêneo, os policiais

avançaram sobre os sem-terra e, no confronto, seis policiais e 17 trabalhadores

ficaram feridos56. Entre os sem-terra, quatro tiveram ferimentos à bala pelo corpo, o

que resultou na amputação de uma das pernas do acampado Pedro Lopes dos

Santos (Figura 20).

56 MASCHIO, José; SANTANA, Mônica. Conflito deixa pelo menos 21 feridos no PR. Acusada de jogar bombas de gás e atirar nas pernas dos sem-terra, polícia diz que apenas reagiu às agressões Folha de São Paulo, São Paulo, 10 nov. 1995. Brasil, p. 1 – 12.

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Figura 20: Sem-terra cuja perna foi amputada após

receber um tiro disparado pela PM durante despejo da fazenda Saudade.

Fonte: Arquivo da COANA, 1995.

Após expulsar os sem-terra, os policiais atearam fogo nos barracos de lona,

destruindo colchões, roupas, documentos e demais pertences das famílias, fato que

ficou gravado como o primeiro da série de conflitos violentos entre a polícia do

Estado e o MST. Reconhecendo a gravidade da situação, o Secretário de Justiça,

Cândido Martins de Carvalho, admitiu publicamente que a PM se excedeu,

assumindo o ônus da culpa pelo evento ocorrida na fazenda, declarando "Se tem um

pecador nessa história, o pecador sou eu” 57.

57 MASCHIO, José; SANTANA, Mônica. Governo manda investigar. Folha de São Paulo, São Paulo, 10 nov. 1995. Brasil, p. 1- 14.

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Apesar das dificuldades iniciais, o MST intensificou os levantamentos jurídicos e a

análise da situação produtiva de médias e grandes fazendas da região. No período

1995 -2001, os trabalhos de base realizados em municípios do Noroeste paranaense

possibilitaram um crescimento vertiginoso da organização e de suas formas de luta

(acampamentos, marchas, protestos, etc), com destaque para as ocupações de

terra, expressa ano a ano no Quadro 1 e em seu conjunto na Figura 21.

Fonte: CPT 2002.

Quadro 1: Noroeste Paranaense – Ocupações de terra segundo o município e o ano no período 1995 a 2001.

Município 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 TotalDiamante do Norte

- - - - 1 - - 1

Nova Londrina - - - - 1 - - 1 Santa Mônica - - - 1 - - - 1 São João do Caiuá

- - - 1 - - - 1

Paranacity - - - - 2 - - 2 Planaltina do Paraná

- - 1 - 1 - - 2

São Pedro do Paraná

- - - 2 - - - 2

Cruzeiro do Sul - 2 1 - - - - 3 Guairaçá - - - 1 1 1 - 3 Itaúna do Sul - - - - 3 - - 3 Sta. Izabel do Ivaí

1 1 1 - - - - 3

Jardim Olinda - - 2 2 - - - 4 Marilena - - 2 1 2 - - 5 Mirador - - - - 6 - - 6 Terra Rica - - - 5 2 - - 7 Sta. Cruz do Monte Castelo

- 1 2 1 6 - - 10

Querência do Norte

1 4 8 11 7 3 - 34

Total 2 8 17 25 32 4 0 88

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Figura 21 . noroeste paranaense. Ocupações de terra 1995 a 2000.

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Analisando as informações presentes no Quadro 1 e na Figura 21, pode-se perceber

que somente em 12 dos 29 municípios existentes na região Noroeste do Paraná

(Alto Paraná, Amaporã, Inajá, Loanda, Nova Aliança do Ivaí, Paraíso do Norte,

Paranapoema, Paranavaí, Porto Rico, Santo Antônio do Caiuá, São Carlos do Ivaí e

São Pedro do Paraná) não se registraram ocupações de terras no período 1995 –

2001, considerando que estão excetuados nesta base de dados os acampamentos

em beiras de rodovias.

Outra informação importante diz respeito à polarização da luta pela terra praticada

pela secretaria do MST situada em Querência do Norte, tanto pelo número de

ocupações (34) no território deste município, quanto pelo raio de ação, coordenando

outras 44 ocupações em 13 municípios diferentes, enquanto o Pólo de Paranacity

coordenou 10 ocupações em 4 municípios.

Esta força na gestão espacial se deve, em grande medida, à capacidade

organizativa e o rol de lideranças que militam nesta secretaria, cuja história de lutas

é anterior ao próprio MST no Brasil, conforme ficou demostrado no início deste

Capítulo 3.

Ao se espacializar, o MST pouco a pouco tem se colocado como uma nova força no

pacto político regional. Provocando a contraposição de forças, as elites municipais e

regional também tem se organizado, utilizando para tanto uma série de medidas,

como o arrendamento de terras visando aumentar os índices de produtividade das

fazendas, dissociação de grandes áreas em duas ou três fazendas em nomes de

familiares, maquiando os latifúndios extensos enquanto médias propriedades.

Mas, dentre as iniciativas, as que “melhor” tem respondido aos anseios da oligarquia

agrária é a violência praticada contra os trabalhadores rurais organizados pelo MST,

violência desencadeada tanto por jagunços a soldo dos fazendeiros, quando pelo

Estado, sobretudo durante o segundo mandato do Governador Jaime Lerner (1999 –

2002), em resposta aos anseios e pressões da UDR e da bancada ruralista

assentada na Assembléia Legislativa paranaense. Espacialmente, no cartograma da

Figura 22 estão relacionados os municípios onde tais conflitos ocorreram.

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Figura 22 . noroeste paranaense. Conflitos fundiários 1995 a 2001.

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Antes de discutir a espacialidade e a natureza dos conflitos, faz-se necessário

observar o Quadro 2, cruzar suas informações com o Quadro 1 e cartograma da

Figura 22 anteriormente expostos.

Fonte: CPT 2002

Espacialmente, podemos inferir que a violência contra os sem-terra cresceu na

mesma proporção em se intensificaram anualmente as ocupações de terra, com

destaque para o período 1997 e 2000, quando ocorreu o maior número de

ocupações pelo MST e aconteceram os principais embates com jagunços e a polícia.

A escalada na violência contra os sem-terra acampados, ocupantes, assentados e

lideranças foi processada na forma de espancamentos, assassinatos, prisões,

representando uma efetiva criminalização dos movimentos de luta pela terra.

Quadro 2: Noroeste Paranaense – Conflitos fundiários segundo o município e o ano, no período 1995 a 2001.

Município 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 TotalCruzeiro do Sul - 1 - - - - - 1 Diamante do Norte

- - - - 1 1 - 2

Guairaçá - - - 1 1 1 - 3 Itaúna do Sul - - - - 3 - - 3 Jardim Olinda - - - 9 - - 9 Loanda - - - - 1 - - 1 Marilena - - 2 1 1 1 - 5 Mirador - - - - 5 2 - 7 Paranacity - - - - 1 - 1 Planaltina do Paraná

- - 1 - 2 - - 3

Querência do Norte

- 4 12 - 7 3 -- 26

Santa Mônica - - - 1 - - - 1 São João do Caiuá

- - - - -

São Pedro do Paraná

- - - 2 - - - 2

Sta. Cruz do Monte Castelo

- 1 2 1 5 - - 9

Sta. Izabel do Ivaí

1 1 1 1 1 - -- 5

Terra Rica - - 1 5 4 1 1 12 Total 1 7 19 21 31 10 1 90

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Em entrevista concedida a um jornalista da Folha de São Paulo58, em 28 de agosto

de 1997 o presidente da UDR do Noroeste do Paraná, Marcos Prochet, declarou que

os fazendeiros estavam se organizando para cumprir, por conta própria, as

reintegrações de posse de fazendas ocupadas na região.

Agravando a situação de conflito, fazendeiros contrabandeavam armas de grosso

calibre do Paraguai para armar funcionários e constituir milícias próprias e coletivas,

visando “proteger” as fazendas contra ocupações. Infiltrando pessoas de confiança

nos acampamentos e ocupações, os fazendeiros recebiam, através de telefones

celulares e recados informações sobre quem eram as lideranças, como era a

organização da segurança nos acampamentos, além de informações colhidas nas

reuniões de quais as próximas áreas seriam ocupadas. Com este trabalho, os

fazendeiros podiam movimentar previamente o grupo de seguranças para proteger

as áreas ameaçadas ou acionar a polícia.

Nesta “guerra de nervos”, organizou-se em Paranavaí várias empresas de

segurança, entre elas a “Lopes Serviços de Segurança59”, oferecendo como produto

a proteção às fazendas de clientes localizadas em áreas de conflitos como

Querência do Norte, Santa Izabel do Ivaí, Santa Cruz do Monte Castelo, Loanda e

até no Pontal do Paranapanema (Estado de São Paulo).

No campo, estas milícias armadas causaram uma série de atentados contra os sem-

terra. No dia 12 de setembro de 1997, oito homens encapuzados atiraram contra 40

famílias acampadas à margem da Rodovia PR-!80, no bairro Itapoã, em Terra Rica,

ateando fogo ao carro de uma família acampada. Após a ocorrência, a Polícia Militar

encontrou vários cartuchos de revólver calibre 38 e escopeta calibre 12, mas

ninguém se feriu. Pressionados, os sem-terra montaram novo acampamento em

outro ponto da rodovia, defronte a fazenda Videira60.

58 MASCHIO, José. UDR ameaça desocupar áreas invadidas. Folha de São Paulo, São Paulo, 28 ago. 1997. Brasil, p. 1 – 14. 59 TARDE, Jornal da. PR: Milícia contra sem-terra. Disponível em: < http://www.jt.estadao.com.br/notici97/97-09-28/po3.htm.>. Acesso em: 8 out. de 2002. 60 FADEL, Evandro. Encapuzados atiram em acampamento de sem-terra. O Estado de São Paulo, p. 1-6. São Paulo, 12 set. 1997.

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Na madrugada do dia 16 de setembro, na fazenda Saudade, município de Santa

Izabel do Ivaí, cerca de 80 homens encapuzados61e fortemente armados, portando

coletes à prova de balas e sem mandado judicial ou qualquer identificação, iniciaram

uma ação de despejo contra 150 famílias ocupantes desta fazenda

Os sem-terra foram colocados à força em caminhões e despachados para fora da

fazenda, alguns recebendo agressões verbais e físicas. Quando conseguiram

expulsar as famílias, um trator foi utilizado para destruir os barracos e os agressores

atearam fogo no acampamento, destruindo o que sobrara da ocupação, bem como

os pertences das famílias62. Acompanhando o despejo, uma equipe de reportagem

da Rede Globo de televisão gravou as cenas que foram ao ar em cadeia nacional

pela emissora. Ao prestarem queixas na delegacia de Santa Izabel do Ivaí, o

Delegado negou-se a preencher o boletim de ocorrência em favor do sem-terra.

No dia 18 de setembro de 1997, a Juíza de Loanda63, Elizabeth Khater, decretou a

prisão preventiva de cinco lideranças regionais do MST. Cumprindo com a

determinação da justiça, a Polícia Militar destacou um grupo de soldados para

Querência do Norte. Nesta ação, foram presas as lideranças Delfino José Becker e

Celso Anghinoni, encaminhados à Delegacia local. Os demais mediadores (Pedro

Alves Cabral, Arlei Escher e Juscelino Antônio Gonçalves) conseguiram escapar de

um cerco organizando pela PM64, que fechou as rodovias de acesso à cidade.

61 ARANTES, Flávio; MENDONÇA, Fernando. Grupo de proprietários entra em fazenda e expulsa 40 famílias que havia invadido terra há dois anos. Folha de São Paulo, São Paulo, 17 set. 1997. Brasil, p. 1 – 14. 62 MENDONÇA, Fernando. Ruralistas tiram sem-terra de área no PR. Folha de São Paulo, São Paulo, 17 set. 1997. Brasil, p. 1 – 14. 63 O município de Querência do Norte compõe, juntamente com Santa Cruz do Monte Castelo a Comarca de Loanda. Desta forma, todo problema jurídico é protocolado e resolvido no fórum de Loanda. 64 FOLHA, Agência. PM bloqueia acesso a cidade. Folha de São Paulo, São Paulo, 19 set. 1997. Brasil, p. 1 – 12.

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Ao tomar conhecimento das prisões preventivas decretadas e realizadas, cerca de

400 sem-terra acorreram para a sede da COANA65 (Cooperativa Agropecuária

Avante) visando organizar protestos na delegacia e soltar as lideranças detidas.

Temendo a revolta social, a polícia transferiu os presos para a Paranavaí e 150

soldados da PM deram guarida ao Delegado Mário Sérgio “Bradock”, responsável

pelas prisões.

Figura 23: Mário Sérgio Zachesky, Delegado de

Querência do Norte, vestido a caráter para uma diligência contra os sem-terra, o eu lhe assegurou o codinome de “Bradock”, em alusão ao personagem do filme americano.

Fonte: MORISSAWA,Mitssue, 2001, p. 177.

65 RABINOVICI, Moisés. Encapuzados aumentam a violência no campo. O Estado de São Paulo, p. 1-6. São Paulo, 21 set. 1997.

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Em entrevista concedida no dia 19 de setembro ao jornal O Globo, do Rio de

Janeiro, o delegado de Querência do Norte, que trabalhou no DOI-CODI, DOPS, SNI

e Polícia Federal, declarou ter sido convidado pelo secretário de Segurança do

Paraná, Cândido Martins, a pedido do governador Jaime Lerner, para "acabar com o

controle total que o MST tinha da cidade". O delegado disse ainda: "podem vir me

pegar; eu estou ligando pouco se morrer, mas eu encho eles de tiro primeiro"66.

Em resposta à ação política do Governo contra as lideranças, a violência praticada

contra os acampados e a pressão exercida por Bradock, o MST organizou uma

marcha que partiu dia 23 de setembro de 1997 rumo a Curitiba, exigindo entre

outros aspectos a aceleração no processo de assentamentos, a demissão do

Secretário de Segurança Pública e a libertação das 24 lideranças presas no Estado.

Na tarde daquele dia, enquanto o destacamento da polícia militar que acompanhava

o grupo, de carro, se distraiu, ao passar defronte a fazenda Saudade, em Santa

Izabel do Ivaí, os cerca de 600 marchantes pularam as cercas da fazenda e

realizaram uma ocupação67. No dia seguinte, um grupo de 40 famílias ergueu

novamente os barracos de lona no local, re-iniciando a luta pela terra na região.

Cedendo à pressão dos sem-terra, nesta mesma data o Governador do Paraná

exonerou do cargo o Delegado Bradock68, mas preservou o Secretário de

Segurança.

Andando de 15 a 30 quilômetros por dia, os sem-terra receberam apoio de várias

entidades na sua trajetória rumo a Curitiba. Espacializando a luta pela terra através

da marcha, em cada município onde atravessaram e acamparam os sem-terra

redimensionaram o espaço de socialização política através da distribuição de

panfletos, palestras para a população, entrevistas, enfim, levando às comunidades o

66 PT, Página Agrária do. Ofensiva contra o MST. Boletim Semanal da Secretaria Agrária Nacional do PT. São Paulo ano 1 – no 23, 20 a 29 set. 1997. Disponível em: http://www.pt.org.br/san/san23.htm. Acesso: 13 out. de 2002. 67 FOLHA, Agência. Marcha começa com invasão no Paraná. Folha de São Paulo, São Paulo, 24 set. 1997. Colunão, p. 1 – 11. 68 FOLHA, Agência. Delegado de Querência do Norte é exonerado. Folha de São Paulo, São Paulo, 24 set. 1997. Colunão, p. 1 – 11.

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conhecimento da realidade vivida na luta pela terra que instigava as formas de luta

do MST.

Neste processo, no dia 3 de outubro a marcha apresentou vitórias para o MST, pois

16 lideranças foram libertar através de hábeas corpus obtidos pelos advogados do

Movimento69.

Em 23 de outubro a marcha chegou à Curitiba. Na frente do Palácio Iguaçu, sede do

Governo, os sem-terra almoçaram e receberam apoio de sindicalistas, pastorais

sociais, movimentos populares, professores, estudantes, punks, além do apoio

político dos senadores Roberto Requião (PMDB), Eduardo Suplicy (PT), o presidente

do PT (José Dirceu), além de deputados estaduais e vereadores de partidos de

esquerda.

Figura 24: Chegada da Marcha do MST em Curitiba. Fonte: Arquivo da COANA, set. 1997.

69 MASCHIO, José. Justiça do Paraná liberta 16 lideranças do MST em 3 dias. Folha de São Paulo, São Paulo, 04 out. 1997. Brasil, p. 1 – 14.

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À tarde, contabilizando cerca de dez mil pessoas, a marcha se dirigiu à Boca

Maldita, onde os sem-terra continuaram a manifestação. Neste dia, a juíza de

Loanda, Elizabeth Khater, após colher os depoimentos dos líderes Delfino J. Becker

e Celso Anghinoni, determinou que eles respondessem aos processos em liberdade,

depois de mais de um mês presos na delegacia de Paranavaí, acusados de

formação de quadrilha e não cumprimento de ordem judicial. Quando souberam da

libertação dos companheiros presos, os sem-terra comemoraram a vitória política da

marcha70.

No segundo dia em Curitiba, lideranças do MST, representantes do INCRA e o

Governador do Estado se reuniram para discutir a pauta proposta pelo MST,

resultando em um acordo para acelerar as vistorias em fazendas, a desapropriação

de novas áreas, além da imissão de posse e a criação de novos assentamentos.

Outra questão importante inerente à violência diz respeito aos assassinatos contra

integrantes do MST, ações que já resultaram em 4 mortes na região Noroeste:

Sebastião Camargo Filho71, morto no dia 7 de fevereiro de 1998, durante despejo

efetuado por jagunços na fazenda Santo Ângelo, município de Marilena; em

Querência do Norte, morreram Sétimo Garibaldi (dia 27 de novembro de 1998),

durante despejo praticado por jagunços contra os acampados da fazenda São

Francisco; Eduardo Anghinoni72, (dia 31 de março de 1999), assassinado dentro da

casa de seu irmão73; além de Sebastião da Maia74, durante uma tentativa de re-

ocupação da fazenda Água da Prata, no dia 21 de novembro de 2000.

70 FADEL, Evandro. Depois de caminhar 650 km, sem-terra conseguem a libertação de dois líderes. Jornal da Tarde, São Paulo, 07 out. 1997. Disponível em: < http://www.jt.estadao.com.br/notici97/97-10-23/po5.htm >. Acesso em: 15 set. 2002. 71 NOTICIAS, Agência. Sem-terra morto em confronto. Conflito aconteceu em fazenda no Noroeste do Paraná.. Disponível em: <http://www.an.com.br/1998/fev/08/0pai.htm>. Acesso em: 16 set. 2002. 72 FADEL, Evandro; MENDES, Carlos; TALENTO, Biaggio. Irmão de líder do MST é assassinado no PR. Moviemnto Relaciona crime a nota publicada nos meios de comunicação pela UDR. Jornal O Estado de São Paulo, São Paulo, 31 mar. 1999. Disponível em: <http://www.estado.estadao.com.br/edicao/pano/99/03/30/ger644.html>. Acesso em: 16 set. 2002. 73 Assentado no projeto Pontal do Tigre, Celso Anghinoni tem uma história de lutas que se iniciou antes do MST, pois foi um dos fundadores do MASTRO. Na noite deste dia, enquanto ele e seu irmão dialogavam e assistiam a programação da TV, cinco tiros disparados do quintal da propriedade atingiram Eduardo. Segundo relatos, por engano o atirador errou a pessoa a quem deveria matar: no caso, Celso Anghinoni.

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O cerco final contra o processo de espacialização do MST na região e no Estado foi

desencadeado no dia 6 de maio de 1999, quando o Governador Jaime Lerner deu

ordens75 para a Secretaria de Segurança Pública cumprir com todas as 44

reintegrações de posse ajuizadas até aquele momento, visando com estes atos a

“pacificação do campo”.

Para cumprir as determinações, uma megaoperação da polícia militar foi organizada,

contando com a presença articulada de 8.000 soldados da PM deslocados de

batalhões situados na capital e no interior. Segundo o Secretário de Segurança do

Estado76, os critérios para reintegrar a posse aos fazendeiros eram a existência de

ordem judicial, a declaração de produtividade da área e a decisão do proprietário de

não negociá-la com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).

Em Querência do Norte, considerado o principal pólo de lutas no Estado à época,

um efetivo de 2.00077 policiais composto por integrantes de grupos anti-sequestro,

anti-guerilha e da tropa de choque da polícia militar organizou barreiras para impedir

o acesso da imprensa e de qualquer cidadão que desejasse entrar ou sair da cidade.

Utilizando helicóptero, 30 ônibus, cães treinados e mais de 100 viaturas, os policiais

desalojaram 6 fazendas. Nestas ações, ao cercar os acampamentos os policiais

agrediram homens, mulheres e crianças com xingamentos e pontapés, obrigado-os

a se deitar, de bruços, com o rosto virado para o chão por até três horas. Coagidos a

revelar a região de origem, os sem-terra passavam por uma triagem, sendo

obrigados a entrar em ônibus especialmente destinados a transportá-los de volta aos

74 FADEL, Evandro. Invasão de fazenda acaba em morte no PR. Polícia suspeita que assentado tenha sido mortp com um tiro disparado por seguranças. Jornal do Estado de São Paulo, São Paulo, 22 nov. 2000. 75 COMMERCIO, Jornal do. Sem-terra. PM do Paraná fará megaoperação para desocupar 45 áreas invadidas. Jornal do Commércio, Recife,7 mai. 1999. Disponível em: <http://www2.uol.com.br/JC/_1999/0705/br0705d.htm>. Acesso em: 16 set. 2002. 76 FADEL, Evandro. PM desocupa seis fazendas e prende 18 no PR. Operação, na madrugada de ontem, contou com cerca de 700 policiais de vários batalhões do Estado. Jornal do Estado de São Paulo, São Paulo, 8 mai. 1999. Disponível em: <http://www.estado.estadao.com.br/edicao/pano/99/05/07/ger839.html>. Acesso em: 16 set. 2002. 77 Segundo informações obtidas na Secretaria Estadual do MST em Curitiba e Secretaria Regional do MST em Querência do Norte.

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lugares donde emigraram78. Por fim, todos os barracos e pertences era queimados.

Somente na noite do dia 7 de maio o acesso à cidade foi liberado.

Na noite do primeiro dia de operação, fazendeiros promoveram uma festa na cidade

de Loanda para comemorar as ações de despejo na região Noroeste. No meio da

animação, um fato pitoresco envolvendo a juíza Elizabeth Kather aconteceu, pois:

Cobrindo a recente desocupação de fazendas, o jornalista José Maschio, correspondente da Folha de São Paulo, circulou bastante pela central de operações e pelo Fórum de Loanda em meio a integrantes, todos à paisana, do GOE (Grupo de Operações Especiais da PM). À noite, chegando para jantar no restaurante "Balaio de Frango", Maschio foi saudado efusivamente pela juíza Elizabeth Kather, que dividia a mesa com alguns casais. - Parabéns! Parabéns pelo excelente trabalho. E o major, como é que está? Estava comentando aqui para os meus amigos fazendeiros o sucesso da operação. O repórter se aproximou da juíza, curvou-se e sussurrou: - Doutora, eu não sou policial, sou jornalista da Folha de São Paulo. Maschio conta que a cobertura da ação policial foi fácil. Difícil foi conseguir jantar, depois, com a juíza o tempo todo insistindo em tentar explicar a ele as contingências que levam uma magistrada, em uma cidade pequena, a se tornar amiga de fazendeiros. (http://www.correiocidadania.com.br/ed143/politica2.htm)

Segundo declarações prestadas a imprensa, o Secretário de Segurança Pública

afirmou que "A operação de desocupação faz parte de um plano global de

segurança pública do Estado, que é o desarmamento" (Jornal o Estado de São

Paulo, 8/05/1999). Elogiando a ação do Poder Público, o Coordenador da UDR no

Noroeste paranaense, Tarcísio de Souza afirmou: “Temos que parabenizar o

governo pela maneira eficaz e sem conflito, que é o que queremos. Estamos

confiantes que a reforma agrária seja feita de acordo com a Justiça, trazendo paz ao

campo”. (Jornal o Estado de São Paulo, 8/05/1999).

Durante dois dias, a presença ostensiva de policiais em Querência do Norte proibiu

qualquer forma de manifestação pública. Ao final da operação, mesmo com

ameaças de prisão e lideranças detidas, no dia 14 de maio de 2000 o MST

78 Neste período, sem-terras do Oeste e sudoeste paranaense compunham cerca de 30% do número de acampados, mas havia também brasiguaios e migrantes de outros estados, como Mato Grosso do Sul.

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organizou um ato público (participaram mais de 5.000 pessoas) para denunciar a

situação de violência contra os sem-terra no Paraná.

Em junho deste ano de 1999, motivada pelo conteúdo de 150 fitas gravadas por

meio de grampos efetuados em telefones da COANA e da Adecon79, a Juíza

Elizabeth Kather requereu proteção policial para si e para o Fórum de Loanda, haja

visto que em alguns diálogos os sem-terra afirmavam o desejo de “incendiar o prédio

da justiça e/ou degolar a Juíza”.

Acionado o Setor de Direitos Humanos e a RENAP - Rede Nacional de Advogados

Populares, o MST entrou com um pedido de exoneração da Juíza e do Secretário de

Segurança Pública do Estado, Cândido Martins de Carvalho, acusando que os

grampos foram feitos de forma ilícita, sem autorização judicial, utilizando métodos

que remetem ao período da Ditadura Militar80.

Segundo Coordenadores do MST na região, no período em que o grampo foi feito

(10 a 25 de maio de 199981), havia a desconfiança de que os telefones estavam

grampeados. Assim, algumas conversas com frases de efeito, como o da morte da

Juíza e sua degola, foram efetuadas para testar se realmente acontecia o grampo.

Após tornar público o caso, as lideranças do MST confirmaram as suspeitas e

descobriram a rede de manobras ilegais feitas para cercear a luta pela terra.

Protestando contra a violência praticada pelo Estado contra acampados durante

novas ações de despejo na região, no dia 28 de junho de 1999, envolvendo famílias

assentadas e acampadas, o MST montou um acampamento na praça da Matriz em

Querência do Norte (Figura 25) , pressionando as autoridades locais e fazendo um

trabalho de socialização política com a população.

79 Após o assentamento na fazenda Pontal do Tigre e a obtenção de créditos pelos assentados, o MST organizou a COANA e, como parte dos investimentos, comprou o espólio da Adecon incorporando escritórios, galpões e máquina de beneficiamento à cooperativa. 80 FOLHA, Agência. Lerner diz que não foi informado sobre escuta: MST quer exoneração de Secretário do PR. Folha de São Paulo, São Paulo, 10 junho 1999. Brasil, p. 1 – 6. 81 CALDAS, Andressa. De volta para o futuro IV. Associação Direito e Cidadania, UFPR, Curitiba. Disponível em: < http://www.cahs.org.br/publicacoes/fa126/center20.html>. Acesso: 16 set. 2002.

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Figura 25: Acampamento do MST na praça da Matriz em Querência do Norte. Fonte: Arquivo da COANA, jun.1999.

À violência praticada pela polícia e milícias armadas dos fazendeiros no período

1996-2000, somou-se em março de 2001 as portarias número 62 e 101 (assinadas

pelo Ministro do Desenvolvimento Agrário, Raúl Jungmann), proibindo,

respectivamente, o INCRA de elaborar, no prazo de dois anos, vistorias em fazendas

com ação de esbulho possessório (ocupação) de movimentos sociais e excluindo do

processo de assentamento todas famílias que participassem em ações dessa

natureza.

Por conta destas medidas, durante os anos de 2.001 e 2.002, nenhuma ocupação

de terras foi organizada no Noroeste paranaense, quiçá, o mesmo retrocesso da luta

pela terra aconteceu em todo território Nacional.

Os impactos negativos da conjuntura política sobre a luta pela terra desmobilizou as

famílias sem-terra acampadas e desestruturou a possibilidade de ação/reação do

MST, sobretudo porque novas famílias dos municípios, por medo da violência,

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passaram não mais responder aos trabalhos de base, negando-se a participar de

novas ocupações de terras. Assim, fechou-se o território para a espacialização do

MST e as ocupações deixaram de acontecer por conta da conjuntura política.

Quadro 3 Noroeste Paranaense – Número de famílias envolvidas em ocupações

de terra no período 1995 a 2001 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 Total Cruzeiro do Sul - 160 - - - - - 160 Diamante do Norte

- - 110 - 24 - - 134

Guairaçá - - - 300 30 90 - 420 Itaúna do Sul - - - - 120 - - 120 Marilena - - 110 150 100 - - 360 Mirador - - - - 386 - - 386 Nova Londrina - - - - 110 - - 110 Paranacity - - - - 120 - - 120 Planaltina do Paraná

- - 50 - 60 - - 110

Querência do Norte

200 660 790 580 931 140 - 3301

Sta. Cruz do Monte Castelo

- 350 130 30 230 - - 740

Santa Izabel do Ivaí

60 100 40 - - - - 200

Santa Mônica - - - 60 - - - 60 São João do Caiuá

- - - 46 - - - 46

São Pedro do Paraná

- - - 200 - - - 200

Terra Rica - - - 370 200 - - 570 Total 260 1270 1230 1736 2311 230 0 7037 Fonte: CPT 2002

Segundo FERNANDES (2001), na história brasileira os movimentos sociais criaram

a possibilidade de inserção dos camponeses a partir da ocupação de terra,

ampliando o rol de possibilidades até então circunscritos à compra, herança ou

posse.

Negando-se a resolver a questão fundiária na sua raiz, cujo ponto fundamental é a

realização de um amplo processo de reforma agrária, o Estado permanece a

reboque dos movimentos sociais do campo, desenvolvendo uma incipiente política

de criação de projetos de assentamentos rurais nos municípios e regiões onde a

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crise agrária é mais crítica, como ocorre no Noroeste paranaense (cartograma da

Figura 26), onde as ações do MST redundaram na sua territorialização..

Figura 26: noroeste paranaense. Assentamentos rurais e territorialidade do MST – 2003.

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Fonte: INCRA e MST, 2003.

Impossibilitado de organizar novas ocupações, o MST re-estruturou seu projeto de

gestão política e territorial, vinculando sua organicidade no contexto regional à luta

na terra, ou seja, a participação produtiva e busca de qualidade de vida no campo

pelos 1.392 (Quadro 4) “neocamponeses” que lutaram, sofreram e hoje são

produtores rurais assentados, somando, neste caso, as 75 famílias que desde 1996

ocupam a fazenda Porangaba II em Querência do Norte e outras 35 famílias que

ocupam a fazenda Jofram desde 1997, cujo trabalho na terra lhes garante, via MST,

a condição de acesso à terra, cujo patrimônio o Estado ainda não teve capacidade

de lhes garantir.

Devido à importância política do seu quadro de militantes, o MST reestruturou sua

territorialidade. Como resultado, em 2001 Terra Rica despontou como um pólo

Quadro 4: Noroeste Paranaense – Assentamentos Rurais implantados, segundo o município, o número de famílias e a área em hectares.

Município

No de assentamentos

No de famílias

assentadas

No de áreas loteadas pelo MST

No de famílias

ocupantes

Soma das áreas (hectares) dos assentamentos

e ocupações Amaporã 2 65 - 1.749 Jardim Olinda 1 53 - 1.258 Cruzeiro do Sul

- - 1 35 700

Marilena 3 106 - - 2.530 Mirador 1 29 - - 617 Nova Londrina

1 27 - - 685

Paranacity 1 20 - - 256 Querência do Norte

8 671 1 75 19.210

Santa Mônica 1 37 - - 1.256 São João do Caiuá

1 34 - - 726

Santa Cruz do Monte Castelo

4 154 - - 3.930

Terra Rica 5 196 - - 4.110 Total 28 1.392 2 110 37.027

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regional, coordenando 13 projetos de assentamentos, Paranacity 3 assentamentos e

1 ocupação, e Querência do Norte 12 assentamentos e 1 ocupação.

A presença do MST no município de Querência do Norte, sobretudo construindo a

história abordada nos capítulos anteriores, permitiu a implantação de oito projetos de

assentamentos (Pontal do Tigre, Chico Mendes, Che Guevara, Margarida Alves,

Zumbi dos Palmares, Luiz Carlos Prestes, Unidos pela Terra e Antônio Tavares

Pereira) e a manutenção de 75 famílias na ocupação Porangaba II, conforme Figura

27.

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FIGURA 27 – TODOS OS ASSENTA JUNTOS

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No Capítulo 4, abordaremos as especificidades da dinâmica social, organizativa e

produtiva dessas frações de território conquistadas pelos sem-terra, destacando um

conjunto de ações (cooperação, projetos de desenvolvimento, lutas por educação,

etc) gestadas pelo MST na busca de melhoria da condição de existência, trabalho e

renda dos assentados no campo, ou seja, a luta na terra...

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A LUTA NA TERRA

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4 A LUTA NA TERRA

Fruto da luta pela terra, a luta na terra é o ponto de convergência (e divergência)

entre os interesses e ações territoriais do MST e dos camponeses que compõem (ou

não) sua base (des) organizada. Em nosso modelo teórico, é na luta na terra e não

na luta pela terra que se pode confirmar a territorialização do MST.

Num contexto sócioterritorial onde os elementos estruturais da questão agrária

permanecem inalterados, salvo aqueles que se referem ao acesso à terra de

trabalho, a condição de assentados demanda novas articulações do MST e seus

militantes para continuar exercendo a contraposição ao capital, ao Estado e aos

processos inerentes à questão agrária, cujas ações e interações produzem a

diferenciação e exclusão do campesinato, controlam a política de preços e

financiamentos agrícolas, influenciam no padrão tecnológico adotado no campo, etc.

No acontecer da luta na terra, o MST de Querência do Norte tem construído um

amplo processo de gestão territorial que vai do setor de frente de massas82, passa

pelo setor de produção e chega ao de educação. O resultado são avanços salutares

nos assentamentos e acampamentos no que diz respeito à renda, às experiências

cooperativas, ao embate com o capital agro-comercial, o trato com a saúde das

famílias acampadas e assentadas, a reformulação na base produtiva da

agropecuária local, via experiências agroecológicas.

Devido à centralidade de ações dos sem-terras, além de um reordenamento

espacial, o município vivencia um renovado processo de desenvolvimento local a

partir do campo. O grande desafio deste capítulo é dimensionar este rol de

questões, contribuir para o seu entendimento e para a ampla discussão sobre a

política de assentamentos rurais, as experiências construídas pelos trabalhadores

rurais em movimento e a necessidade de uma reforma agrária no País.

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4.1 Assentamentos rurais, (re)ordenamento espacial e novas

territorialidades.

Antes de discutir os assentamentos de trabalhadores rurais, faz-se necessário tecer

algumas considerações sobre as especificidades do Estado no contexto da questão

agrária brasileira e a relação de apropriação do território no conflito capitalismo X

campesinato, bem como as categorias forma, fixos e fluxos.

Em relação à discussão sobre o Estado, destacamos LÊNIN (1986) quando este

autor afirma que

O Estado é o produto e a manifestação do antagonismo inconciliável das classes. O Estado aparece onde e na medida em que os antagonismos de classe não podem objetivamente ser conciliados. E reciprocamente a existência do Estado prova que as contradições de classe são inconciliáveis. (LÊNIN, 1986, p. 9).

Participando nesta discussão, ENGELS (1960) conclui que o papel do Estado é

mediar os conflitos no interior da sociedade visando manter a ordem e o

desenvolvimento econômico e social. Com base nestes autores, pode-se afirmar que

o Estado é ao mesmo tempo produtor e produto da dinâmica social, mas está

diretamente vinculado aos interesses da burguesia.

Cruzando estas premissas com os elementos históricos, político, econômicos e

sociais presentes nos Capítulos I, Capítulo II e Capítulo III desta dissertação, pode-

se concluir que no espaço agrário brasileiro, seja na escala do País, dos Estados,

das regiões e dos municípios, politicamente há um favorecimento político e

econômico do capital em detrimento da classe trabalhadora, sobretudo do

campesinato.

82Responsável por organizar a luta pela terra.

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Nesta perspectiva, quando os movimentos camponeses se organizam e lutam pela

terra e pela reforma agrária, colocam em xeque o lócus de sustentação e reprodução

ampliada do capitalismo no campo (a propriedade fundiária, onde se assenta a

territorialidade do capital), colocando na pauta política a questão agrária e a questão

camponesa, exigindo, portanto, uma nova forma de estruturação do agro brasileiro.

Por sua magnitude, este caráter dinâmico impele os agentes do capital a acirrar a

luta de classes contra os trabalhadores na disputa pelo território, entrando aí toda a

ação paramilitar dos jagunços ou a intercessão institucional do Estado a seu favor.

Assim, a luta pela terra é, antes de mais nada, uma luta contra o capital, e acima de

tudo, uma luta que visa a conquista de frações do território83 dominadas pelo capital,

na tentativa de transformar estes território em lócus de reprodução da agricultura

camponesa84, produzindo assim, uma nova configuração espacial.

(Des)ordenando o processo social, o Estado age “resolvendo” os conflitos através de

duas medidas centrais: a violência, cujo resultado direto é a desmobilização dos

acampados/ocupantes, ou aplicando uma incipiente política de assentamentos

rurais.

Na sua origem e magnitude, as ações do Estado são paliativas e pragmáticas,

sobretudo porque estão circunscritas aos municípios e regiões onde a luta pela terra

ocorre (FERNANDES, 2001), maquiando um processo de reforma agrária que só

poderia ser assim chamado se ocorresse na amplitude do território brasileiro.

Contudo, apesar das deficiências e no tipo de resposta do aparelho público

atendendo aos interesses dos movimentos sociais do campo, a presença dos

assentamentos rurais de maneira concentrada nos municípios e nas regiões permite

83 O domínio do capitalismo no campo ocorre a partir do controle físico-institucional assentado na propriedade privada da terra e/ou grilagem, e se complementa através das redes que fazem o encadeamento dos circuitos produtivos estruturadas pelo capital comercial, “atravessando” o território e drenando a renda da terra dos produtores, sejam eles outros capitalistas ou camponeses83. 84 Sobre a questão das territorialidades do capital no espaço geográfico, ver SOUZA (1995). Em relação à ação do capital no agro brasileiro, uma importante contribuição encontra-se em MARTINS (2001).

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uma nova dinâmica na configuração espacial, gerando impactos importantes, como

asseveram os trabalhos de BERGAMASCO & NORDER (1999), MEDEIROS &

LEITE (2000) analisando o nível escalar da região, além de RAMALHO (2002)

discorrendo sobre tais mudanças sócioespaciais na escala municipal.

No intuito de co-participar no debate sobre a realidade dos assentamentos e seus

impactos locais/regionais, apontamos que a presença dos assentamentos permite

uma (re)estruturação espacial, sobretudo porque os assentamentos se comportam

enquanto fixos diferenciados em relação aos existentes, que por sua vez

(re)estruturam novos fluxos no espaço geográfico.

Discorrendo sobre o conceito de espaço, SANTOS (1991) entende que o espaço

geográfico é formado pelos fixos (os instrumentos de trabalho, os objetos

construídos e as forças produtivas em geral, possuindo características técnicas e

organizacionais) e os fluxos (movimento e circulação de mercadorias, matérias-

primas, dinheiro, pessoas, informações, poder, etc, dependendo da presença ou da

dinâmica de um, ou mais, fixo-s correspondente-s), cuja existência, crescimento e

destruição estão ligados ao “[...] poder econômico, político ou social, poder que por

isso é maior ou menor segundo as firmas, as instituições e os homens em ação

(SANTOS, 1996, p. 78).

Com base neste método e, sobretudo, com os elementos apresentados no decorrer

do Capítulo III, podemos identificar, tanto no município de Querência do Norte,

quanto na região Noroeste paranaense, a interação entre o Estado (instituição -

coordenou o processo de colonização, detém o poder de ação e controle sobre as

políticas públicas), o capital (firma – pode ser tanto as empresas colonizadoras, as

agroindústrias existentes ou as figuras físicas detentoras de terras) e os homens

(fazendeiros, pequenos proprietários, arrendatários) que interagiram/interagem para

a efetivação da grande propriedade (um fixo regional) voltada para a bovinocultura

extensiva de corte e/ou as lavouras capitalistas da laranja, da soja, do milho

safrinha, do trigo e da cana-de-açúcar.

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Identificando estes agentes e os respectivos produtos de suas ações políticas,

sociais e econômicas, pode-se afirmar que Querência do Norte e a região Noroeste

paranaense estão inseridos no contexto da divisão regional do trabalho e da

produção, dentro da lógica intra-regional, nacional e global dos circuitos de

comercialização (fluxos de mercadorias), cuja mercadoria de destaque é, em grande

medida, o gado de corte e, em parte, os grãos e a mandioca.

Ao dominar os fixos (fazendas = propriedade da terra), receber as benesses das

políticas públicas, os principais agentes econômicos locais/regionais ditam o ritmo do

processo de acumulação de riquezas e “fecham” o território a ação de outro (s)

agente (s), de fora ou de dentro da região, que tenha interesse diferenciado,

pretenda modificar tal estrutura econômica ou se negue a participar no processo de

produção de maneira subordinanda (por exemplo, pagando a renda capitalizada

para ter acesso a terra) aos interesses do grupo dominante. Assim

O “fechamento” de uma região pelas suas classes dominantes requer, exige e somente se dá, portanto, enquanto essas classes dominantes conseguem reproduzir a relação social de dominação ou, mais claramente, as relações de produção. E nessa reprodução obstaculizam e bloqueiam a penetração de formas diferenciadas de geração de valor e de novas relações de produção. (OLIVEIRA, 1977, p. 31).

Apesar da centralidade de ação e o domínio político-econômico das elites regionais

e locais, respaldadas no Estado, contraditoriamente, o sistema capitalista cria e se

recria a partir do conflito entre as força sociais. Assim, podem emergir outros

agentes sociais, novas experiências organizativas, governos com propostas de

desenvolvimento e participação renovados, etc, gerando um embate entre as forças

econômicas, sociais e o Estado, reorientando o modelo vigente, ou seja,

(re)estruturando as formas, gerando novos fixos e fluxos, o que, conseqüentemente,

dinamiza a produção do espaço, haja visto que

[...] o espaço, num primeiro momento, se mostra como um lugar de encontro, um lugar onde podem se desenvolver ações sociais dos mais diversos tipos; no entanto, fazendo uma análise um pouco mais aprofundada, se percebe que o espaço, longe de estar aberto a todas as possibilidades, se encontra “fechado” em função de ser considerado como uma mercadoria e como um espaço normatizado

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pelo vetor poder; o conflito social “reabre” o território, propondo usos alternativos. (LÓPEZ SÁNCHEZ, 1997 apud MONTENEGRO GÓMEZ, 2002, p. 36)

De posse destas categorias, pode-se afirmar que a presença do MST no Noroeste

paranaense, e de maneira mais concentrada e combativa em Querência do Norte,

desenvolvendo seu movimento de espacialização, configura para a burguesia

local/regional/nacional um risco eminente, daí as ações de classe e do Estado para

frear o processo de lutas através da violência ou fazer “concessões” (assentamentos

rurais) aos trabalhadores.

Ao dominar frações do território, o MST territorializa o campesinato, permitindo uma

reetruturação espacial importante, transformando grandes fazendas em minifúndios,

rompendo a concentrada estrutura fundiária.

Tabela 18: Querência do Norte – Número de Propriedades Rurais

segundo as Classes de Área. Número de Propriedades

De - 1 a

- 100 De 100 a - de 500

De 500 a + 14.000

Total Ano

no % no % no % no % 1998 324 72,97 93 20,95 27 6,08 444 100% 1999 638 89,23 54 7,55 23 3,22 715 100% Fonte: Cadastro do Imposto Territorial Rural, INCRA – 1998 e 1999. Tabela 19: Querência do Norte – Área das Propriedades Rurais

segundo as Classes de Área. Área em hectares

De - 1 a

- 100 De 100 a - de 500

De 500 a + 14.000

Total Ano

no % no % no % no % 1998 9.084,9 15,17 20.925,8 34,94 29.874,4 49,89 59.885,1 100%1999 15.294,7 26,93 11.988,1 21,11 29.514,1 51,96 56.796,9 100%

Fonte: Cadastro do Imposto Territorial Rural, INCRA – 1998 e 1999.

Segundo os dados do Cadastro do Imposto Territorial Rural (ITR) elaborado pelo

INCRA em 1998 e em 1999, em número e em área as pequenas propriedades tem

ampliado sua participação no espaço agrário local, passando do número de 324

(9.084,9 hectares) para 638 propriedades (15.294,7 hectares).

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Apesar de diminuir em número, passando de 27 para 23, as grandes propriedades

praticamente mantiveram a área total ocupada, passando de 29.874,4 hectares para

29.514,1 hectares, com área média passando de 1.106,45 hectares em 1998, para

1.283,22 hectares em 1999.

No período verificado, as médias propriedades rurais com área situada entre 100 e

500 hectares foram as mais afetadas, apresentando diminuição em número (93

propriedades para 54) e área (de 20.925,8 hectares para 11.988,1 hectares).

Como os dados estão defasados, o INCRA iniciou no ano de 2003 um

recadastramento dos proprietários rurais, dados que estarão disponíveis a partir de

agosto de 2004, segundo informações da Secretaria do INCRA em Curitiba. Apesar

das dificuldades representadas pela base estatística do INCRA e do IBGE, o

processo de luta pela terra atingiu dezenas de fazendas em Querência do Norte,

inserindo centenas de novas pequenas propriedades neste espaço, conforme

informações presentes no Quadro 5. O cômputo dos novos assentamentos no banco

de dados do INCRA certamente modificará os número até então analisados,

permitindo uma outra leitura sobre a realidade agrária do município.

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Quadro 5: Querência do Norte - Projetos de Assentamentos Rurais (P.A.) Nome do P. A.

Situação No de famílias

Área (ha)

Decreto De Desapropriação

Imissão de posse

Portaria de Criação

Pontal do Tigre

Definitivo 336 8.096 04.03.1995 22.10.1995 Port. 79 19.12.1995

Chico Mendes

Definitivo 79 2.297 25.03. 1995 14.12. 1995 Port. 80 De 18.12. 1995

Che Guevara

Definitivo 70 2.4534 15.01. 1997 26.06. 1997 Port. 23 14.10. 1997

Margarida Alves

Definitivo 20 557 24.03. 1995 24.09. 1997 Port. 44 04.12. 1997

Zumbi dos Palmares

Definitivo 22 802 24.01. 1998 s.i. Port. 90 07.09.1998

Luiz Carlos Prestes

Definitivo 50 1.256 04.11.1998 11.02.99 Port. 510 07.10.98

Unidos Pela Terra

Definitivo 21 549 s.i. s.i. Port. 42 07.11.2000

Antonio Tavares Pereira

Definitivo 73 1.000 s.i. s.i. 2001

Porangaba II

Em fase De Criação

75 2.200 s.i. s.i. s.i.

Total 09 746 40.035 Fonte: INCRA, 2003

No contexto da implementação dos assentamentos rurais, a presença dos militantes

assentados e acampados do MST transforma os fixos territorializados nas grandes

fazendas e seus respectivos fluxos (créditos bancários concentrados, animais de cria

destinados a frigoríficos e consumidores situados fora do espaço local e da região,

arrendatários capitalistas ativando circuitos produtivos externos à região)

historicamente constituídos, em novos tipos de fixos (o pequeno estabelecimento,

infra-estruturas no campo, aparelhos públicos como escola, posto de saúde, etc) e

fluxos (créditos bancários pulverizados, máquinas, implementos, peças, mão-de-

obra, sementes e insumos, produtos de primeira necessidade, bens de consumo

duráveis, serviços sociais e comerciais, produção de leite, mandioca, produtos da

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lavoura branca, seda, arroz, animais de pequeno, médio e grande porte direcionados

ao comércio querenciano, etc), contribuindo para o desenvolvimento rural local.

Todavia, as transformações políticas, econômicas e territoriais não estão restritas

somente aos assentamentos. No período 1998 e 2001, a presença dos sem-terra

favoreceu a entrada de médios proprietários, pois o preço do alqueire de terras caiu

em relação ao valor histórico, além de ser de interesse dos grandes proprietários

venderem as suas terras no espaço local, por conta do “risco iminente” da ocupação.

Fazendo negócios o quanto antes, conseguiam evitar a desvalorização das fazendas

e podiam adquirir área de dimensões parecidas em regiões de outros Estados, como

o Mato Grosso, elementos que denotam um rearranjo territorial importante.

No período 2002-2004, pari passu à questão das medidas provisórias que coibiram

as ações dos sem-terra, verifica-se uma expansão vertiginosa dos contratos de

arrendamento de terras envolvendo arrendatários capitalistas e grandes fazendeiros

ligados à pecuária extensiva, vinculados sobretudo ao programa Arenito Caiuá –

Nova Fronteira, representando em seu conjunto as manobras políticas e econômicas

do Estado para afastar o risco representado pelo MST, favorecer um processo de

modernização da agricultura intra-regional e, na ponta do processo, dinamizar a

acumulação capitalista.

Abordando esta realidade, MONTENEGRO GÓMES (2002) destaca que o Convênio

Arenito Caiuá – Nova Fronteira foi assinado em 2001 pela COCAMAR85

(Cooperativa Agroindustrial de Maringá) e o Governo do Paraná, visando a troca de

tecnologias de produção entre a empresa, universidades públicas e Emater, maior

articulação entre entidades públicas (Secretaria Estadual de Abastecimento, além de

secretarias municipais), financeiras (Banco do Brasil) e privadas (Federação dos

Agricultores do Estado do Paraná, que congrega os sindicatos patronais) no sentido

85 Em 1963, a COCAMAR tinha como razão social Cooperativa dos Cafeicultores de Maringá. Em 1970, a entrada da cooperativa em amplos setores produtivos requereu a mudança no nome da empresa, que passou a se denominar Cooperativa dos Agropecuaristas de Maringá. Já o nome atual passou a vigorar no ano de 2000 (nota do autor).

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de expandir o cultivo se soja no Noroeste paranaense, onde grassam milhares de

hectares de pastagens degradadas. Assim

A articulação institucional em torno do Convênio Arenito Caiuá – Nova Fronteira se apresenta como um exemplo paradigmático das novas políticas públicas de desenvolvimento rural. Convênio entre o público e o privado, alarde de representação social limitada a instituições e agentes sociais não críticos, e participação como espectadores de um projeto com um direcionamento muito concreto: maior eficácia nos instrumentos de reprodução do capital paralela à maior submissão do trabalho. (MONTENEGRO GÓMES, 2002, p. 123).

Segundo o Presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Querência do Norte86,

no contexto da expansão da soja e do milho safrinha, sobretudo no período 2001-

2004, o alqueire de terras voltou a se valorizar. Isto se deve, em grande medida, à

combinação de preço, clima e tecnologia que permitem um ganho de produtividade

crescente na sojicultura, além de elementos conjunturais como a expansão dos

créditos destinados ao financiamento dos plantios elaborados por médios e grandes

produtores, geralmente arrendatários, o impacto do Programa do Arenito Caiuá –

Nova Fronteira, além da ação da COCAMAR e da COPAGRA, adquirindo a

produção e prestando assistência técnica a estes agentes.

Por outro lado, a expansão da soja e do milho safrinha serviu para mudar

profundamente o caráter nos negócios com terra pois, a alguns anos, o preço de

terras era cotado em reais e, segundo o Departamento de Economia Rural

(DERAL), em janeiro de 2001 os negócios com terra no município tiveram o valor do

hectare variando de R$ 1.415,00 a R$ 1.727,00 Reais, algo em torno de 50 sacas de

soja por hectare, em valores da época.

Na atualidade o mercado de terras tem se valorizado e a saca de soja se

transformou em valor de troca, servindo como valor de referência para o mercado

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imobiliário intra-regional. Essas circunstâncias tem favorecido negócios com terra em

valores que variam de 300 a 400 sacas de soja por hectare de terra.

Ao lado da especulação imobiliária, verifica-se um aumento no valor dos contratos

de arrendamento e parceria. Segundo produtores de Querência do Norte,

fazendeiros que cobravam pouco menos de 20% do total produzido com soja para

os parceiros ou estipulavam 15 sacas de soja por alqueire para os arrendatários,

estão requerendo de 30 a 35% da produção dos parceiros e fala-se até em 30 sacas

de soja por alqueire arrendado, valores que inviabilizariam tanto os arrendatário

quanto os parceiros que, enquanto capitalistas, requerem uma alta taxa de retorno

pelo capital investido (máquinas, equipamentos, créditos bancários e insumos) para

assumir os riscos climáticos e de mercado inerentes á atividade agrícola.

Na verdade, em relação à expansão e/ou retração da parceria e do arrendamento,

os fatos verificados na atualidade têm uma correspondência histórica com os fatos

analisados no Capítulo II. Apesar de se comportarem enquanto capitalistas usurários

(arrendantes de terras) os fazendeiros não abandonam de todo sua condição social,

econômica e cultural de conduzir tradicionalmente a propriedade rural.

Quando percebem que o soja, as demais culturas e a terra se valorizam no mercado,

os pecuaristas tendem a aumentar os valores pela permissão de usufruto de seus

imóveis. Conforme MARX (1986), isto ocorre porque a valorização no preço do

hectare de terra demanda para o capital um aumento na taxa média da renda da

terra.

É importante destacar que a “abertura” do território pelos capitalistas fundiários

mediante a incorporação de outros sujeitos sociais (arrendatários e parceiros)

nada mais é do que um movimento concreto, porém passageiro, de preservar

86 Este sindicato reúne a classe de proprietários patronais que, para ser sindicalizado, deve possuir, no mínimo, dois funcionários assalariados (permanentes ou temporários) e deter 60 hectares de terras, conforme declarações do Secretário da entidade.

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sua base de reprodução (a terra) de agentes territoriais indesejáveis (os sem-terra,

principalmente).

Quando a relação arrendante/arrendatário permite uma valorização da terra através

da incorporação de trabalho e verificam-se melhorias substanciais nas qualidades

físico-químicas do solo, materializam uma importante condição sócioterritoriai,

econômica e política que garante a preservação da propriedade da terra: o aumento

da produtividade do solo. Colocadas tais circunstâncias, os fazendeiros retornam à

sua atividade tradicional, replantando pastagens e apascentando bovinos com uma

condição de produtividade superior àquela verificada quando temporariamente

abandonaram a atividade.

Frisa-se ainda, que na sua dinâmica de expansão o Convênio Arenito Caiuá Nova –

Fronteira tem impactado na elevação do preço venal das terras, outro fator que

certamente vai dificultar a desapropriação de fazendas pelo INCRA. Assim, reforça-

se a presença da propriedade e dos capitalistas e dificulta-se a ascensão do

campesinato.

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4.2 Impactos políticos e socioeconômicos dos assentamentos rurais em Querência do Norte.

Nos últimos 16 anos de lutas, o MST conquistou 8 assentamentos, sustenta uma

área de ocupação e (re) inseriu 746 famílias de camponeses em 40.035 hectares de

terra. Por meio da luta na terra, políticas como linhas de crédito para investimento,

estradas, escolas, postos de saúde e energia elétrica vem sendo obtidas junto ao

Estado.

Como não é prioridade das instituições públicas, a política de assentamentos

esbarra em uma série de problemas estruturais, entre eles a falta de assistência

técnica aos (novos) produtores (a Emater e o próprio INCRA não tem recursos e

quadro técnico para fazer o acompanhamento junto ás famílias, uma política de

garantia dos preços mínimos que favoreça os agricultores ligados ao circuito de

lavouras brancas (milho, arroz, mandioca) e comerciais (algodão), financiamentos

que supram as necessidades de crédito, incentivo técnicos, fiscais e creditícios para

as experiências associativas, os problemas em relação à alocação/expansão dos

serviços saúde e educação no campo, entre outros aspectos.

Vencendo os contratempos, o MST trabalha na organização de sua base de

militantes (acampados e assentados), elabora discussões, coordena projetos e tece

uma teia de relações que em muitos casos suprem as falhas e necessidades acima

expostas e ajudam a alavancar o desenvolvimento tanto das famílias assentadas

quanto do município, pois os grupos de indivíduos anteriormente excluídos têm a

oportunidade de se inserir enquanto produtores rurais.

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No contexto de uma economia local que até meados dos anos 1990 encontrava-se

estagnada, cuja população urbana é pobre, comércio pouco desenvolvido, indústria

praticamente inexistente e vida econômica dependente da riqueza gerada no campo,

a ascensão econômica dos camponeses assentados tem produzido uma série de

impactos (aumento da população local, sobretudo a rural, aumento da arrecadação

de impostos, crescimento do número de pessoas com dinheiro para consumir no

comércio local, etc) e reordenado as demandas econômicas, sociais e territoriais por

terra, trabalho, saúde, escola, cultura, dentre outras, elementos que tentaremos

qualificar e discutir nos itens a seguir.

4.2.1 As propostas de cooperação e desenvolvimento agrícola gestadas pelo MST.

Compreendendo a matiz estrutural da questão agrária e, sobretudo, do viés político-

institucional inerente ao conjunto de forças hegemônicas na sociedade brasileira, o

qual, em grande medida, abordamos no decorrer do Capítulo I, o MST, além de lutar

pela terra, tem a preocupação de elaborar projetos que contribuam na resistência

dos assentados na terra de trabalho num contexto onde as bases para a sua

exclusão continuam presente e, politicamente, se asseverando ainda mais.

No processo de luta pela reforma agrária ideal, o MST co-participa na efetivação da

reforma agrária possível, ou seja, a política de assentamentos rurais, mas com a

preocupação de ter a primeira como uma realidade a ser construída. Nesta

dinâmica, os sem-terra dimensionam duas ações concretas distintas e

complementares: a luta pela terra e a luta na terra.

A primeira está vinculada à constituição do espaço de socialização política amplo

(contendo os espaço comunicativo, interativo e de luta e resistência) que possibilita a

construção da identidade coletiva, visando a conquista do direito a terra, lócus de

(re) criação do campesinato, consolidando a cidadania plena ou num estágio

superior àquele de exclusão onde os indivíduos se encontravam quando entraram

no processo.

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O segundo acontece nas frações conquistadas do território do capital fundiário: os

assentamentos rurais, onde o MST redimensiona o processo de luta visando a

conquista de elementos infra-estruturais (estradas, escola, energia elétrica,

abastecimento de água, etc), econômicos (financiamentos para construção de

moradia, plantio, compra de máquinas e animais, constituição de cooperativas, etc) e

participativos (núcleos de base, centros de formação, grupos de jovens, grupo de

mulheres, instâncias organizativas do MST – setores de produção, comunicação,

frente de massas, educação, cultura, etc), cuja dinâmica sustenta o desenvolvimento

econômico, político-ideológico e a participação ativa dos neo-camponeses

assentados na terra conquistada, retro-alimentando a luta e pesando no pacto

político-institucional através do acúmulo de forças.

Devemos entender como acúmulo de forças, a conquista do espaço, social e geográfico, e sua manutenção através da intervenção organizada das pessoas ou de um movimento de massas, elevando o nível de consciência através da perseguição de objetivos que se queiram alcançar a curto, médio e longo prazo. [...] Nos assentamentos, o acúmulo de forças está relacionado com o desenvolvimento das diferentes dimensões da vida do assentado. (BOGO, 1999, p. 138).

Inserindo novos agentes no processo e gestando suas formas de luta, o MST

difunde um conceito amplo de reforma agrária que abarca todas as categorias de

agricultores excluídos ou com pouca terra, e que se complementa com uma

reconstrução da sociedade e do campo brasileiro, conforme salienta Alentejano

(1996).

Através de ações concentradas, o MST possui uma unidade de discurso, um

conjunto de ações e uma prática política que, na dinâmica da luta pela terra,

permitem a conquista de frações do território do capital fundiário, inserindo aí o

campesinato.

Mas, na mediação com o Estado, os agentes de mercado e os próprios assentados,

ocorre uma diferenciação regional dentro do MST na fase de proposição e gestação

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de estratégias de luta na terra87, que limita, extingue ou projeta sua territorialização

em outro domínio: o mercado, onde o capital monopolista exerce seu poder

cobrando da sociedade e do camponês a renda capitalizada da terra.

Assim, friza-se que nos lugares (municípios e regiões) onde o MST não consegue

reproduzir suas instâncias organizativas, a territorialização do MST é parcial, pois

não dá contra de alçar política e economicamente os trabalhadores no sentido de

projetá-los para fora das redes de domínio estabelecidas e coordenadas pelo capital.

Desde a década 1970, a construção de experiências de luta pela terra, sobretudo

vinculada ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, tem colocado novos

desafios aos camponeses: a discussão sobre a questão agrária, quais os elementos

que forjam a exclusão e a exploração da riqueza produzida pelo camponês, e quais

as alternativas possíveis de serem construídas para desterritorializar o capital agro-

comercial e agroindustrial e reverter o processo de drenagem da renda da terra.

Nacionalmente, é o Setor de Produção do MST, apoiado na contribuição de

trabalhos de teóricos militantes e acadêmicos (CARVALHO, 2002; MST 1999; MST,

1998: MST, 1997; MST, 1993: ZAMBERLAM, 1990; MORAIS, 1986), quem estrutura

as macro-propostas que são discutidas pelos mediadores na base, junto às famílias

assentadas e acampadas.

Demonstrando que a conquista de um lote de terra é um grande avanço social, mas

ainda muito tímida frente aos desafios da classe trabalhadora de

contraposição/resistência ao capital e de ascensão ao socialismo, é mostrado aos

camponeses que, apesar de no processo de territorialização da luta pela terra o MST

excluir o latifundiário, a falta de uma reforma agrária plena, que re-estruture a

agricultura brasileira, faz com que os novos produtores rurais assentados sofram os

impactos do processo paulatino de empobrecimento e de exclusão social que (se)

abate (sobre) o campesinato, pois continuam atrelados à estrutura viciada de

domínio do capital agro-comercial e agroindustrial no campo – responsáveis pela

87 Aqui compreendida num sentido amplo, passando pela produção até a circulação das mercadorias, incluindo elementos de desenvolvimento sociocultural dos assentados, como saúde, cultura, lazer, educação, conscientização política, dentre outros elementos que o MST, enquanto uma entidade Nacional, propõe enquanto plano de ações.

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drenagem da renda da terra – além de um Estado que se nega a praticar políticas

que beneficiem estes produtores, como acesso ao crédito agrícola, tecnologia,

educação no/do campo, cultura, assistência técnica, saúde, etc.

A conquista do assentamento rural impacta positivamente na criação/ demanda de

unidades familiares de produção, cooperativas, armazéns, silos, agroindústrias

processadoras, reordenando os fluxos de dinheiro, riquezas, pessoas, mercadorias,

impostos, capitais, renda, etc.

No atual estágio de desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro, a

cooperação agrícola comparece para o MST como uma das alternativas viáveis,

desde um ponto de vista teórico e prático, para mediar os conflitos entre o

campesinato, o Estado e os agentes de mercado em sua luta na terra.

Entretanto, esta cooperação não é pensada visando resolver os aspectos

econômicos que envolvem o produtor (aumento do capital constante, produtividade

do trabalho, divisão do trabalho e especialização, racionalização da produção e do

desfrute dos recursos naturais, uso da tecnologia, preço dos produtos no mercado,

incorporação da agroindústria e eliminação do atravessador garantindo maior renda)

como acontece nas cooperativas tradicionais.

Enquanto experiências, os 23 estados onde está organizado o Movimento possuem

400 associações, 32 cooperativas de prestação de serviços, 49 cooperativas de

produção agropecuária baseadas no trabalho coletivo, 2 cooperativas regionais de

comercialização, 2 cooperativas de crédito, além de dezenas de ações menores,

mas muito importantes, como os mutirões coletivos de trabalho; associações de

trabalhadores para compra de maquinas e insumos; organização de semi coletivos

de trabalho para compra/desfrute de máquinas e equipamentos; o tradicional modo

familiar de gestão da terra, da produção e do trabalho (lotes individuais), além de

propostas diversas que incluem a montagem unidades processadoras, cursos

técnicos para requalificar o produtor e dinamizar a produção, uso de tecnologias

alternativas para baratear o custo de produção (energia solar, medicina alternativa),

difusão do conceito de produção e dos produtos orgânicos, criação de estruturas

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funcionais e alocação de técnicos para fomentar a pesquisa e a extensão (corpo de

técnicos agropecuários, engenheiros agrônomos, zootecnistas, campos

experimentais e centros de excelência, hortas medicinais), dentre outros, que se

complementam na forma de uma rede agro-estrutural voltada para o crescimento

econômico em bases locais/regionais.

O enriquecimento do conceito de cooperação ocorre com a agregação dos

elementos sociais (melhoria nas condições de moradia, bens coletivos como energia

elétrica, postos de saúde, escolas, rádios comunitárias, centros culturais, salões de

festas, além de ações sócioeducativas e culturais, como a alfabetização de jovens e

adultos, os teatros, as cirandas infantis, os grupos de mulheres, jogos, a religião, o

folclore) e políticos (ampliar a resistência ao capitalismo, efetivar as propostas

políticas do Movimento para a reforma agrária, garantir a formação de militante e

dirigentes, desenvolvimento da consciência política dos camponeses, promover

articulações políticas e acumular forças para alcançar a transformação social).

Desse modo, a proposta de desenvolvimento rural proposta e que lentamente vem

sendo executada pelo MST fomenta uma ruralidade onde o espaço agrário é

(re)estruturado, tornando-se lócus de realização plena da socialização humana,

recolocando o camponês enquanto um importante contribuinte na geração da

riqueza, na produção de alimentos e principalmente, com voz e vez nos pactos

políticos.

No seu conjunto, as conquistas e propostas do MST “quebram” as bases que

sustentam o pensamento marxista ortodoxo, com destaque para a ideologia da

superioridade da grande propriedade em detrimento da pequena exploração familiar,

da importância do mercado e da grande unidade processadora em relação às

pequenas e médias agroindústrias e da produção de auto-consumo, entre outros

aspectos.

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Recebendo as influências políticas e ideológicas das discussões e formação

realizadas no seio de sua organização, os militantes o MST em Querência do Norte

tem por prática fazer a discussão da luta na terra ainda na fase de acampamento,

trabalhando os conceitos e a diversidade de formas de cooperação agrícola, a

acessibilidade ao crédito bancário, a necessidade da presença dos grupos de família

organizados nos assentamentos, a discussão política sobre temas como venda de

lotes, organização produtiva, coordenação do assentamento, etc.

Historicamente, esta forma de articulação do MST local surgiu a partir das

influências da Secretaria Estadual do MST durante a fase do acampamento na

fazenda Pontal do Tigre, quando técnicos, agrônomos e militantes faziam os

trabalhos de base mesclando a assistência técnica com a orientação das famílias

visando a produção e sua organização.

Um marco político e territorial do MST na fazenda 29 Pontal do Tigre foi a questão

da expulsão dos arrendatários do interior da fazenda, cujo impacto imediato foi o

forte apelo da opinião pública local questionando os sem-terra do MST sobre a

perspectiva de “abandono” das terras cultivadas pelos arrendatários. Sem crédito

para investir, falta de tecnologia (sobretudo máquinas), sementes, mas com o

desafio de “tocar” uma área de 5.000 hectares de várzeas somada com outros 5.000

hectares de terras altas, a saída encontrada ocorreu mediante a soma das forças em

grupos, marcando o início da cooperação agrícola.

Neste trabalho de alavancar a produção, em 1990 passou a se destacar um grupo

de 4 famílias proveniente de Reserva passou a organizar a gestão das terras

ocupada de maneira cooperativa visando, num estágio avançado, estabelecer a

coletivização total da terra.

Na fase de gestação do coletivo (1990 -1993), as famílias optaram por morar

próximas umas às outras. Isso facilitava fazer reuniões, se precaver dos despejos

acionados pelo fazendeiro, trocar serviços nas tarefas de plantio e construção de

moradias, adquirir um trator para cultivar a terra, entre outras ações.

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Aos poucos, as famílias que moravam em barracos de lona evoluíram da situação de

miséria e fome, tendo somente vontade, força de trabalho e um pedaço de terra para

plantar, para uma situação um estável de sobrevivência, pois a renda da produção

permitiu a melhoria nas condições de alimentação e moradia e renda.

Neste espaço de tempo, a socialização política efetuada por técnicos do MST,

trabalhando com questões relativas a depreciação de bens de capital (máquinas e

implementos), representando um custo alto para uma família sozinha ter de arcar na

compra e manutenção desses bens, o uso racional dos recursos terra, capital e

trabalho, além das vantagens em adquirir e dispor dos recursos bancários após o

assentamento definitivo, instigou estas famílias a montar um grupo coletivo

(COPACO – Cooperativa Agropecuária Conquista) e um outro grupo de pessoas a

organizar um grupo semi-coletivo, denominado “Grupo União”.

Segundo entrevistas realizadas junto a famílias assentadas na COPACO, em 20 de

maio de 1993, 17 famílias decidiram participar na fundação da Cooperativa, reunindo

todos os bens destinados à produção que possuíam: 4 cabeças de gado, alguns

porcos e galinhas, ferramentas e um cavalo.

Durante o primeiro ano, a opção feita nas reuniões foi a de cultivar gêneros

alimentícios (batata, mandioca, arroz, frutas, animais de pequeno porte, gado de

leite) para garantir a subsistência. Apesar de sua condição legal não permitir

naquele momento acessar linhas de crédito bancário, a cooperativa ocupava uma

ampla área de várzea a ser explorada com arroz irrigado. Como não possuíam

máquinas e equipamentos para explorar a várzea mas sabiam que daquelas terras

poderiam obter alta produção e renda, os cooperados adquiriam crédito junto ao

comércio e compraram um trator com o prazo de pagamento para três anos. Desta

maneira, no primeiro ano foram cultivados 13 alqueires de arroz.

No segundo ano, a situação financeira melhorou. Acessando créditos bancários, os

assentados da COPACO ampliaram a área de lavoura, adquiriram alguns animais e

dinamizaram as fontes de alimentação.

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Apesar dos avanços, entre o segundo e o terceiro anos abandonaram o coletivo

duas famílias, mas as que restaram continuaram estruturando a cooperativa, um fixo

diferenciado dentro do assentamento, sobretudo em relação à diferença de gestão

de trabalho entre a COPACO e os lotes individuais dos camponeses que ocupam a

fazenda Pontal do Tigre.

Conforme os dados do Quadro 5, no ano de 1995 a territorialização definitiva do

MST no assentamento Pontal do Tigre e no assentamento Chico Mendes, permitiu a

inserção de 415 camponeses no espaço agrário local.

Vinculado a esta conjuntura, o MST deslocou militantes do Setor de Produção

localizando em outras regionais para Querência do Norte a fim de elaborar

discussões mais amplas com os assentados. Fruto deste trabalho, os assentados

passaram a entender que cada família, ao receber o lote de terras, tinha direito a

receber três formas básicas de crédito do INCRA, ligado ao PROCERA – Programa

de Crédito Especial da Reforma Agrária88, nas seguintes rubricas:

• Crédito Fomento: destinado basicamente à alimentação durante a fase de

transição do acampamento para o assentamento. Segundo consta, cada família

tinha direito de receber R$ 1.000,00 para auxiliar no seu sustento nos 3 a 4

primeiros meses no assentamento. Sobre este crédito não recaia nenhuma taxa

de juros;

• Crédito Habitação: com valor de R$ 2.500, 00, destinava-se à compra de

materiais de construção para construção de moradia. Devido ao baixo valor, não

permitia a compra de todos os materiais para a construção da casa, haja visto o

tamanho médio das famílias assentadas (4 a 6 pessoas);

• PROCERA Investimento: popularmente conhecido como “Procerão”. Com valor

de R$ 7.500,00, destinava-se a compra de bens de produção como gado de leite,

cerca, ferramentas, maquinas, insumos, etc. Mas, para receber tal quantia, o

88 Criado em 1986, durante o Governo de José Sarney, o PROCERA foi uma das principais conquistas econômicas do MST para viabilizar os assentamentos rurais e o desenvolvimento da cooperação agrícola.

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assentado recebia a orientação de um técnico (agrônomo, veterinário e/ou

técnico agrícola) para examinar a pertinência da linha de produção que o

produtor planejava desenvolver. Além disso, ficava a cargo da assistência técnica

atestar a sanidade dos animais adquiridos, preservando as famílias do risco de

obterem animais doentes. Para saldar os financiamentos obtidos, o montante de

capital era dividido em 8 parcelas anuais, com prazo de carência de 5 anos para

o pagamento da primeira parcela. Como forma de subsídio, ao saldar em dia seu

débito anual, o assentado receberia desconto de 50% calculado sobre o valor da

parcela;

• PROCERA Teto Dois: com o dobro do valor do PROCERA Investimento e a

mesma carga de juros e subsídio, este financiamento tinha duplo destino: metade

do valor era recebido pelo assentado, nos moldes do PROCERA Investimento, e

a outra metade era repassado a uma cooperativa existente ou a ser constituída.

Desta forma, esta modalidade de crédito incentivava a formação de novas

experiências cooperativas, que para iniciar suas atividades obrigatoriamente

deveriam contar, no mínimo, com 20 famílias;

• PROCERA Custeio: com valor de R$ 2.000.00, destinava-se ao financiamento

das safras, como a compra de sementes, insumos, ferramentas e animais.

Afora a questão da produção, outras linhas de crédito ofertadas aos assentados são

os programas Estadual e Federal de energia elétrica rural, o primeiro administrado

pela Copel (Companhia Paranaense de Energia Elétrica) e o segundo pelo INCRA,

através do programa Luz da Terra.

No ano de 1995, as 415 famílias assentadas acessaram os financiamentos do

PROCERA, fato que permitiu incrementar a capacidade de investimento daqueles

que já cultivavam suas terras e inserir produtivamente as famílias pobres cuja

situação de sobrevivência era precária.

Fruto do trabalho de base desenvolvido pelo MST visando a cooperação agrícola,

em 05 de dezembro de 1995, 330 famílias fundaram a COANA – Cooperativa

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Agropecuária Avante. A partir de então, R$ 2.475.000,00 (dois milhões e

quatrocentos e setenta e cinco Reais) relativos ao PROCERA Teto Dois foram

investidos na construção de um prédio no município de Querência do Norte, na

compra de equipamentos, veículos, máquinas agrícolas e caminhão.

Contando em seu quadro militantes do MST e técnicos contratados pelos sem-terra,

a COANA é um fixo territorial tático e estratégico tanto para a luta pela terra

(organização de acampamentos, ocupações, trabalhos de base, ações junto à

sociedade civil e partidos políticos, etc) quanto para a luta na terra (coordenação de

projetos de financiamento entre os assentados e o Banco do Brasil, serviços de

acompanhamento e assistência técnica às famílias, elaboração de planos de

desenvolvimento e novos projetos para os assentamentos, prestação de serviços

com equipamentos e máquinas agrícolas da cooperativa - tratores, valetadeiras,

máquina de beneficiamento de arroz - para auxiliar no desenvolvimento agrícola,

sobretudo nos 5.000 hectares de várzea89 situados no assentamento Pontal do

Tigre, coordenação dos trabalhos de base dentro dos assentamentos através dos

grupos de famílias, oferta de insumos aos produtores com preços mais em conta que

aqueles praticados no comércio local, etc).

Aliás, no episódio descrito no capítulo anterior, relativo aos grampos telefônicos em

aparelhos da cooperativa, ficou clara a importância da cooperativa nas ações de

pressão sóciopolítica contra o Estado e o capital.

Devido à conquista dos assentamentos Che Guevara (70 famílias) e Margarida Alves

(20 famílias) em 1997 e Zumbi dos Palmares (22 famílias) em 1998, afora a

intensificação da luta pela terra neste período, o raio de atuação da COANA

aumentou90, exigindo uma maior articulação para colocar em prática os

89 A aquisição destas máquinas permitiu ampliar os canais de irrigação e canais de drenagem, construção de taipas e nivelamento de terrenos, regulando a inundação das várzeas alagáveis e incorporando terras secas à área agriculturável com arroz. 90 Devido à proximidades de 4 assentamentos rurais do município de Santa Cruz do Monte Castelo, a COANA presta assistência às 188 famílias assentadas, raio de atuação que permite na atualidade contar com 615 famílias cooperadas. Apesar de não ser assentamento definitivo, desde 1996, ano em que foi ocupada a fazenda Porangaba II, as 75 famílias deste pré-projeto também recebem assistência técnica da COANA, de maneira paralela aos trabalhos de base do MST.

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planejamentos de assistência técnica, cooperação agrícola e coordenação da luta

pela terra.

Tabela 20: Querência do Norte – Índice de Cooperação Agrícola nos assentamentos

rurais. Assenta- mento

No Ques- tioná- rios

COANA

%

COANA/COPA- GRA

%

COPA-GRA

%

COCA- MAR

%

Nenhum

%

Pontal do Tigre

286 197 68,88 38 13,29 19 6,64 0 0 32 11,19

Chico Mendes

79 58 73,42 3 3,80 0 0 0 0 18 22,78

Che Guevara

59 46 71,74 3 6,52 0 0 0 0 10 21,74

Margarida Alves

20 14 70 1 5 1 5 0 0 4 20

Zumbi dos Palmares

22 9 40,91 3 13,64 2 9,09 0 0 8 36,36

Luiz Carlos Prestes

46 1 2,17 0 0 0 0 0 0 45 97,83

Unidos pela Terra

21 0 0 0 0 2 9,52 0 0 19 90,48

Antonio Tavares Pereira

38 1 2,63 0 0 0 0 2 5,26 35 92,11

Total 571 326 57,10 48 8,40 24 4,20 2 0,35 171 29,95Fonte: Mutirão do MST, dezembro de 2002. Tabulação e organização: Sérgio Gonçalves.

Segundo as informações apresentadas na Tabela 20, 57,10% das 571 famílias

entrevistadas estão filiadas a COANA, 4,20% são filiadas somente a COPAGRA,

8,40% mantém filiação tanto com a COANA quanto com a COPAGRA. Afora a

presença insignificante da COCAMAR com 0,35% de assentados filiados desde o

ano de 2002 quando montou uma unidade de beneficiamento de soja em Querência

do Norte, 70,05% das famílias entrevistadas mantém vínculos cooperativos,

enquanto 29,95% delas não possuem.

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Há que se destacar que o número de assentados não cooperados tem íntima

relação com do fim dos créditos do PROCERA Teto Dois e a ascensão do PRONAF,

que não tem rubrica destinada a criação de experiências cooperativas, o que

desestimula a participação das famílias neste tipo de estrutura. Como basicamente

os assentados dos projetos Luiz Carlos Prestes, Unidos pela Terra e Antonio

Tavares não receberam créditos do PROCERA, este elemento de ordem política e

econômica explica o alto índice de não-filiação observado nestes assentamentos.

Apesar disso, a COANA atua junto a estas famílias, seja através da compra da

produção de leite, prestação de serviços ou participação de técnicos/militantes

executando a assistência técnica rural e o trabalho de base.

As mudanças no financiamento agrícola cujos impactos atrofiaram o processo de

organização de cooperativas pelos assentados remontam ao ano de 1999, quando o

Governo Federal extinguiu o PROCERA e criou o PRONAF91 – Programa Nacional

de Fortalecimento da Agricultura Familiar, cujas rubricas estão presentes no Quadro

6.

91 Em 1995, o Governo Federal criou o PLANAF – Plano Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar. Em 1996, o programa passou a ser chamado PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, seguindo as orientações do Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA, de coordenar sob um novo patamar a implementação de políticas públicas para os pequenos produtores. Sobre estas políticas, ver Carneiro (1997), Mattei (2001) e Montenegro Gómes (2002).

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Quadro 6: Grupos e Produtores Financiáveis pelo PRONAF.

Grupos Mão-de-obra Renda Familiar. Público Alvo

A Exclusiva-mente familiar

Não determina percentual de renda mínima dentro do estabelecimento.

Agricultores familiares assentados, excluídos os que se beneficiaram pelo PROCERA Investimento.

B Exclusiva-mente familiar

Não determina percentual de renda dentro do estabelecimento; Renda até R$ 1.500,00, excluída a aposentadoria rural.

Agricultores familiares descapitalizados, trabalhadores rurais descapitalizados com atividades não agropecuárias em estabelecimento rural.

C Familiar com possibilidade de contratação eventual de terceiros

Renda situada entre R$ 1.500,00 e R$ 8.000,00, sendo 80% no mínimo, proveniente da exploração agrícola e não-agrícola do estabelecimento, podendo atingir até R$ 16.000,00 para as atividades de avicultura, bovinocultura de leite, aqüicultura, caprinocultura, ovinocultura, fruticultrura, olericultura, sericicultura e suinocultura.

Agricultores familiares ou trabalhadores rurais descapitalizados, com atividades não agropecuárias em estabelecimento rural

D Familiar e/ou até 2 empregados permanentes

80% da renda familiar deve provir do estabelecimento de exploração agropecuária ou não agropecuária; Renda bruta anual entre R$ 8.000 e R$ 27.500.

Agricultores familiares e trabalhadores rurais com maior nível de capitalização que exerçam atividades agropecuárias ou não agropecuárias em estabelecimento rural.

Fonte: DESER (1999) Organização: Sérgio Gonçalves, 2000.

O fim do PROCERA gerou uma série de críticas dos sem-terra de várias

organizações existentes no Brasil em relação ao Governo Federal, pois a mudança

na forma de financiamento passou a ser um empecilho a mais para o

desenvolvimento de cooperativas, representava um custo muito alto no dinheiro

repassado aos assentados, tendo em vista o nível de subsídio que existia nesta

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modalidade de financiamento e o possibilidade de desenvolvimento para famílias

assentadas.

Isso foi do governo passado, do FHC e quem operacionalizou isso foi o Jungmann que era o ministro do MDA, ele entendia e entende até hoje, de que o agricultor assentado tinha que se enquadrar nas mesmas normas, nas mesmas formas que um pequeno agricultor, sem privilégio como dizia ele. Ele entendia que o PROCERA era um privilégio. E ai foi isso, extinguiu simplesmente o PROCERA e estendeu, ficou no lugar o PRONAF. (COELHO, 2003).

Na verdade, as preocupações que instigam o MST a criticar o PRONAF ocorrem

pela não inclusão de facilidades para uniões cooperativas e porque o assentado é

um produtor diferenciado, sua trajetória de vida é de exclusão, quando acessa a

terra não possui nenhum bem, deve organizar uma nova unidade produtiva e crescer

a partir da estaca zero.

No PRONAF, os assentados têm de disputar créditos com produtores consolidados,

o que é uma concorrência absurda, pois qualifica enquanto iguais sujeitos sociais

que na sua condição de existência são extremamente diferentes. Desta forma, sem

um projeto diferenciado de financiamento aos neocamponeses assentados, o Estado

dificulta a ascensão social e produtiva destes trabalhadores, abandonando uma

política creditícia (o PROCERA) que por todo o Brasil permitiu o desenvolvimento

econômico e social consolidado de experiências cooperativas e individuais.

Críticas à parte, entre 1999 e 2000 foram imitidos na posse os assentamentos Luiz

Carlos Prestes (50 famílias) e Unidos Pela Terra (21 famílias). Após a mudança no

sistema de financiamento, estas famílias foram as primeiras a acessarem os créditos

do PRONAF.

Devido à conflituosa conjuntura de luta pela terra desenvolvida pelo MST no

Noroeste e no Estado do Paraná, entre 1999 e 2001 a COANA foi impedida de

elaborar os projetos de financiamento destes assentamentos, ocorrendo o

descredenciamento da cooperativa junto ao INCRA. Através dessa manobra, o

Estado tentou cortar as fontes de financiamento do MST, cujo eixo principal era a

cooperativa. Desestruturando as instâncias do MST para o trabalho de base e

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orientação técnica, em seu lugar a EMATER local assumiu as atividades técnicas e

operacionais junto aos assentados.

Após esta decisão, o INCRA passou a exigir nacionalmente a elaboração de Planos

de Desenvolvimento Agropecuário (conhecido como “PDA”) para conhecer as

especificidades socioeconômicas das famílias assentadas e delimitar as

potencialidades estruturais (solo, clima, relevo, mercado consumidor, produção

agropecuária, escolas, etc) para o desenvolvimento econômico das mesmas,

documentos que foram elaborados pela EMATER local.92

Afora a questão de qual entidade (COANA ou EMATER) coordenaria a elaboração

dos projetos direcionados aos assentados, até dezembro de 2002, de 645 famílias

entrevistadas em 9 assentamentos, 498 famílias de 6 projetos declararam, juntas, ter

acessado a quantia de R$ 6.982.433,00 (seis milhões, novecentos e oitenta e dois

mil, quatrocentos e trinta e três mil Reais), conforme dados da Tabela 21.

Tabela 21: Soma dos Créditos Destinados às Famílias Assentadas de Querência do

Norte. Assentamento No

Famílias No

Famílias Entrevistadas

% de Entrevistas em Relação

ao No de Famílias

No Questionários sem resposta

Soma dos Créditos

(R$)

Média de Crédito

por Família (R$)

Pontal do Tigre 336 286 85,11% 8 4.352.341,00 15.656,00Chico Mendes 79 79 100% 4 900.550,00 12.008,00Che Guevara 70 59 82,28% 0 613.312,00 10.396,00Margarida Alves 20 20 100% 0 262.930,00 13.147,00Zumbi dos Palmares

22 22 100% 0 231.800,00 10.537,00

Luiz Carlos Prestes

50 46 92% 2 621.500,00 14.125,00

Unidos Pela Terra

21 21 100% 0 0 0

Antonio Tavares Pereira

73 38 52,05% 0 0 0

Porangaba II 75 74 98,67% 0 0 0Total 746 645 86,46% 14 6.982.433,00 11.066,00

Fonte: Mutirão do MST - Querência do Norte, dezembro de 2002. Tabulação e organização: Sérgio Gonçalves.

92 O resultado destes trabalhos são os Planos de Desenvolvimento Sustentável dos Assentamentos Santana e Luiz Carlos Prestes, conforme EMATER (2000), citado na bibliografia.

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Analisando as informações expostas na Tabela 21, 571 famílias assentadas (77,34%

do total) tiveram acesso a diferentes linhas de crédito93, o que lhes permitiu, na

média, acessar valores em torno de R$ 11.066,00 (onze mil e sessenta e seis Reais)

com a menor média de crédito bancário para o assentamento Che Guevara (R$

10.396,00) e a maior para o assentamento Pontal do Tigre (R$ 15.656,00).

Na luta na terra o MST orienta os assentados a defender seus direitos na busca por

crédito agrícola. Para tanto, uma das saídas encontradas é a pressão frente aos o

Estado, na tentativa de acesso ou mesmo liberalização de créditos (custeio ou

investimento), salutares para alçar em bases mais sólidas o desenvolvimento

econômico das famílias.

Figura 28: Protesto do MST em frente à agência do Banestado, 1998. Fonte: Arquivo da Coana, 1998.

93 Neste ano de 2003, as 73 famílias assentadas no P.A. Antonio Tavares Pereira acessaram cada uma R$ 12.000,00 (doze mil Reais) do PRONAF para investimento e outras 550 famílias receberam R$ 2.000,00 (dois mil Reais) de custeio. Juntos, tais financiamentos representam a injeção de R$ 1.976.000,00 (um milhão, novecentos e setenta e seis mil Reais) na economia local.

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Apesar da ação consolidada dos sem-terra, o MST acusa o Governo Federal (sob a

tutela de Fernando Henrique Cardoso) de executar uma política de liberalização de

recursos a conta-gotas, pois há anos em que há dotação de recursos (geralmente,

fora das épocas de plantio, situação que acarreta sérias dificuldades aos

produtores), e há anos em que estes créditos são prometidos e não vem.

Por outro lado, um dos pontos de descontentamento e acirramento de conflitos diz

respeito ao descontrole dos órgãos públicos no trato com as famílias assentadas,

pois enquanto há assentamentos que acessaram diferentes linhas de crédito

(eletrificação, investimento, habitação, dois ou três custeios) há outros em que o

acesso se deu em uma (eletrificação, custeio ou investimento) ou nenhuma destas

políticas públicas, retardando seu processo de desenvolvimento.

Estas distorções em relação às verbas direcionadas aos assentamentos podem ser

percebidas nas informações presentes na Tabela 22, frisando que os assentados

que possuem dívidas maiores acessaram mais de uma linha de crédito94.

Tabela 22: Classificação dos Créditos Obtidos pelas Famílias Assentadas de Querência do Norte, em Mil Reais (R$).

Classes de Crédito – Mil Reais

Assentamento 1 a 5

5 a 9

9 a 13

13 a 17

17 a 21

21 a 24

24 a 37

Famílias Entrevistadas

Pontal do Tigre 10 28 39 81 49 64 7 278 Chico Mendes 3 15 21 31 4 0 1 75 Che Guevara 3 14 29 11 1 0 1 59 Margarida Alves 0 0 15 3 1 0 1 20 Zumbi dos Palmares 1 0 13 8 0 0 0 22

Luiz Carlos Prestes 0 0 5 35 4 0 0 44

Total 17 57 122 169 59 64 10 498 Fonte: Mutirão do MST - Querência do Norte, dezembro de 2002. Tabulação e organização: Sérgio Gonçalves.

94 Por exemplo, um crédito de investimento e dois créditos de custeio da safra.

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De modo geral, o maior ou menor valor de créditos acessados pelas famílias

assentadas está ligado, entre outros fatores, ao tipo de financiamento, ao número de

vezes que a família acessou os créditos de custeio, a condição de geração de renda

da família, que a livra de fontes de investimento externo, e à própria adimplência ou

inadimplência das famílias, abrindo ou fechando a possibilidade de acesso a novos

créditos pelos assentados.

Apesar dos avanços e retrocessos, o crédito bancário é uma política pública salutar

para alavancar tanto o desenvolvimento socioeconômico das famílias assentadas e

do município de Querência do Norte como um todo, pois, antes de acessar os

créditos bancários, os assentados encontram-se em precárias condições de

sobrevivência: dificuldades para cultivar a terra, comprar animais de produção

(vacas leiteiras) e trabalho (cavalo), ferramentas e equipamentos (enxadas,

carroças, implementos de tração animal).

Nos primeiros meses no lote, as famílias moram em precários barracos de lona e

madeira, dependem de trabalho externo á unidade produtiva (na maioria dos casos,

na condição de bóia-fria) para garantir alimentos, roupas e remédios para a família.

Uma situação comum encontrada é a falta de água e energia elétrica para higiene,

trabalho e qualidade de vida, realidade que no início do processo de lutas levava a

população em geral a desacreditar nas famílias sem-terra, chamando os

assentamentos de favelas rurais, depredadores de fazendas que não as punha para

produzir, etc.

Além disso, a presença no município de acampamentos e assentamentos recém

criados fazia com que uma massa de população pobre que não produzia um nível de

renda capaz de garantir o sustento dos integrantes dessas famílias, pressionando os

precários serviços públicos de saúde, educação (neste quesito, incluso merenda e

transporte) e assistência social prestados pela Prefeitura, contribuindo para degradar

os níveis de qualidade de vida.

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Apesar das criticas, o MST permaneceu organizando a base e, a cada conquista de

créditos, novos assentamentos e infra-estruturas (estradas, eletrificação, posto de

saúde, etc), participou ativamente no processo de consolidação do assentados

enquanto produtores rurais independentes.

De uma situação problemática de existência e participação social, hoje as famílias

que vivem e trabalham nos assentamentos do MST vivenciam uma revolução

econômica e social, pois desempenham relevante função econômica no município

de Querência do Norte, respondendo por uma parcela importante na circulação de

mercadorias e serviços no comércio local, impactos estes que são permanentes,

mas cuja percepção ocorre com mais ênfase após a capitalização dos assentados

quando do recebimento da venda da produção (grãos, animais, leite, etc) e após o

recebimento de linhas de crédito para a compra de insumos, implementos,

máquinas, materiais de construção, animais de produção e trabalho.

Enquanto produtores rurais consolidados ou em processo de consolidação, os

assentados do MST são responsáveis por importantes mudanças estruturais e

produtivas no espaço agrário local, realidade abordada com maior ênfase no

próximo ítem.

4.2.2 A produção agropecuária

Quando falamos em reestruturação produtiva, queremos tratar não somente do fato

relacionado à presença da pequena propriedade em Querência do Norte, que per si,

social, territorial e economicamente, já configura uma mudança profunda no espaço

agrário local, mas sim, acrescentar que, através da organização, os militantes do

MST desvendam o rol de questões inerentes à questão agrária, construindo (no caso

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dos assentamentos rurais) e influenciando (no caso dos demais produtores), as

bases de uma nova dinâmica de desenvolvimento rural local.

Um dos elementos estruturais desta realidade diz respeito às transformações

observadas na produção agrícola nos últimos 16 anos. Antes de fazer qualquer

consideração, é necessário analisar os dados do Quadro 8, onde estão expostos

informações relacionadas à área cultivada nos últimos vinte anos, além das

informações presentes no Quadro 9, contendo dados da produção agropecuária

neste período de tempo.

Nestes quadros, percebe-se que no período 1984-1989, tanto em área plantada

como em quantidade produzida, Querência do Norte apresentava um padrão de

agricultura consolidado em relação ao cultivo/colheita do arroz, do algodão, do milho

e da carne, reflexos das fazendas ligadas à bovinocultura e aos contratos da

ADECON e demais arrendatários.

Mediante a chegada dos sem-terra em 1988 e suas ações de expulsão das centenas

de arrendatários que exploravam as terras da fazenda 29 Pontal do Tigre, a

estruturação da agropecuária local muda substancialmente.

Sem capital, animais e máquinas para investir, os sem-terra transformaram-se num

fator de atraso para a agropecuária local, estagnando e até diminuindo o balanço

agrícola das principais atividades produtivas (bovinos para carne, arroz, soja, milho,

etc) cultivadas e colhidas nas safras do período que vai de 1988 a 1996, quando

estes produtos agropecuários apresentaram redução na quantidade colhida ou

produzida. No seu conjunto, estes elementos favoreceram a criação de um clima de

animosidade dos fazendeiros, comerciantes locais e população em geral contra os

sem-terras.

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Quadro 7: Querência do Norte – Área Plantada com

lavouras anuais no período 1984 a 2003. Ano

Arroz

irrigado Algodão

Soja

Mandioca

Milho

Área total

1984 5.848 2.400 1.600 0 1.910 11.758 1985 4.912 4.400 525 0 848 10.685 1986 5.100 3.968 36 0 1.076 10.180 1987 5.000 3.500 560 0 2.800 11.860 1988 4.400 4.200 1.182 0 4.834 14.616 1989 3.300 3.000 1.200 0 2.000 9.500 1990 2.090 3.715 660 100 1.900 8.465 1991 1.300 5.604 820 50 2.150 9.924 1992 1.450 7.742 413 50 1.832 11.487 1993 1.150 3.250 1.430 100 1.832 7.762 1994 1.050 3.142 900 800 800 6.692 1995 2.050 3.700 1.000 800 550 8.100 1996 2.550 2.500 1.800 700 1.000 8.550 1997 1.830 300 2.500 1.600 1.500 7.730 1998 1.960 1.500 2.500 1.850 1.000 8.810 1999 4.915 300 1.200 3.700 2.400 12.515 2000 4.900 500 1.800 4.000 1.300 12.500 2001 4.100 500 1.895 4.400 1.000 11.895 2002 4.000 240 3.000 2.400 3.000 12.640 2003 4.000 240 3.000 2.408 3.000 12.648

Fonte: EMATER Querência do Norte, 2003.

Quadro 8: Querência do Norte – Produção Agropecuária 1984 a 2003 Produtos e Quantidade Produzida

Ano

Arroz Irrigado (mil kg)

Algodão (mil kg)

Soja (mil kg)

Mandioca(mil kg)

Milho (mil kg)

Carne (mil kg)

Leite (mil litros)

1.984 12.322 4.760 1.984 0 4.327 3.720 9501.985 13.395 9.680 1.050 0 2.499 2.772 1.7331.986 15.940 8.606 63 0 1.867 1.620 1.3001.987 15.480 7.600 1.179 0 9.716 2.167 1.2301.988 10.300 9.100 2.490 0 1.300 1.444 4.0501.989 11.250 6.600 2.640 0 7.000 1.831 2.0001.990 6.278 10.000 1.990 2.500 6.650 1.974 2.0001.991 4.270 14.700 1.230 1.250 4.278 1.810 2.0001.992 4.470 9.906 512 1.200 3.632 1.411 4.131

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1.993 3.737 7.250 2.126 2.400 3.632 3.616 4.6801.994 3.575 7.009 1.784 16.800 2.975 2.207 4.7001.995 6.075 6.882 2.230 14.400 926 2.243 5.5081.996 10.100 3.870 4.014 12.950 3.200 6.030 5.4001.997 6.220 558 5.250 32.000 4.650 6.000 7.0561.998 6.982 2.790 4.500 46.250 3.100 6.000 7.2541.999 14.550 540 2.500 77.700 8.120 6.000 7.5002.000 15.560 950 3.420 72.000 3.640 6.000 8.8202.001 14.400 950 5.120 74.800 3.700 6.000 9.4602.002 18.000 456 8.850 56.400 11.100 6.000 9.0002.003 24.000 456 8.850 56.588 11.100 6.000 9.000

Fonte: EMATER Querência do Norte, 2003. Por outro lado, culturas menos intensivas em créditos (mandioca e milho crioulo) ou

financiadas pela COPAGRA (algodão), lentamente apresentaram aumento na área

ocupada e nas quantidades produzidas no período analisado.

A partir de dezembro de 1995, a conquista do assentamento na fazenda 29 Pontal

do Tigre, bem como os créditos do PROCERA destinados aos assentados, somado-

se nos anos posteriores o acesso de novas famílias à terra de trabalho, bem como a

atribuição de financiamentos para custeio de safras e toda a questão da aceleração

do arrendamento de terras pelos fazendeiros, ligados sobretudo ao Programa

Arenito Caiuá – Nova Fronteira, são elementos da realidade local que se somam e

acabam por configurar uma nova tendência nos anos subseqüentes.

Entre estas tendências, está o aumento, tanto em área cultivada como em

quantidade produzida, de milho e soja por arrendatários e assentados; de arroz

irrigado, ligado aos sem-terra e arrendatários; da produção de mandioca e de leite,

com destaque para os assentados; e da produção de carne.

Em relação à carne, esta situação é reflexo secundário de duas situações paralelas

e complementares: o aumento na produtividade de gado de corte nas fazendas

voltadas a esta atividade, devido à melhoria na condição das pastagens (resulta no

aumento da lotação animais/hectare), além da entrada dos assentados no circuito

produtivo de animais de grande porte, repassando bezerros, novilhas e animais

adultos para recria e abate. Segundo a Secretaria de Abastecimento, onde constam

as informações relativas à vacinação de animais contra a febre aftosa e todos os

produtores e animais estão cadastrados, os sem-terra controlam cerca de 30% do

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rebanho bovino do município. Como anos atrás não possuíam uma única cabeça, ao

alçarem-se enquanto criadores os assentados passaram a contribuir no aumento do

número de cabeças e nos resultados econômicos da atividade.

Por conta desta dinâmica, nos anos posteriores a 1996, o aumento na área plantada

e/ou o aumento na produção de arroz irrigado, algodão, soja, mandioca, milho, carne

e leite refletiram no aumento anual sustentado do valor total da produção

agropecuária no município de Querência do Norte.

Para compreender esta realidade, no dia 02 de outubro de 2.002 realizou-se uma

pesquisa de preços dos principais produtos agrícolas do município junto ao DERAL

(Departamento de Economia Rural) para saber o valor da tonelada de raiz de

mandioca, da saca de 60 quilos de soja e milho, saca de 50 quilos de arroz, além

dos valores da arroba do algodão, da arroba do boi gordo e do litro de leite.

Dividindo o total da produção presente no Quadro 8 pelo equivalente de mercado

(litro, arroba, tonelada, saca), e multiplicando o total dessa produção pelos preços

atualizados destes produtos, foi possível saber qual a dimensão econômica das

mudanças no espaço agrário local em relação ao total da produção agropecuária e à

cota correspondente de cada produto nesta dinâmica, conforme informações

expostas na Figura 29.

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R$ 0,00R$ 2.500.000,00R$ 5.000.000,00R$ 7.500.000,00

R$ 10.000.000,00R$ 12.500.000,00R$ 15.000.000,00R$ 17.500.000,00R$ 20.000.000,00R$ 22.500.000,00R$ 25.000.000,00R$ 27.500.000,00R$ 30.000.000,00R$ 32.500.000,00R$ 35.000.000,00R$ 37.500.000,00R$ 40.000.000,00R$ 42.500.000,00R$ 45.000.000,00R$ 47.500.000,00R$ 50.000.000,00R$ 52.500.000,00R$ 55.000.000,00R$ 57.500.000,00R$ 60.000.000,00

1.984 1.985 1.986 1.987 1.988 1.989 1.990 1.991 1.992 1.993 1.994 1.995 1.996 1.997 1.998 1.999 2.000 2.001 2.002 2.003

Carne algodão Arroz Irrigado Milho Soja Mandioca Leite

Figura 29: Querência do Norte – Valor da produção agropecuária (milhões de Reais) segundo a produção total e os principais produtos no período 1984 – 2003.

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Analisando-se os dados presentes na figura anterior, percebe-se a tendência de

baixa geral no nível de geração de riquezas na agropecuária local no período 1988-

1995, em sintonia direta com a diminuição da área plantada, as quantidades

colhidas e a falta de capacidade produtiva dos sem-terra para os produtos capital

intensivo como arroz e carne, atividades que demandavam altos investimentos.

Como destaque, no período ocorre uma presença marcante da lavoura de algodão,

capitaneada, sobretudo, a partir dos esforços da COPAGRA através da oferta de

créditos, insumos, sementes e compra da produção.

Por outro lado, a partir de 1996, quando os sem-terra conquistam a condição de

assentados, o algodão deixa de ser a única alternativa viável, perdendo espaço para

culturas mais rentáveis. Assim, arroz, gado (de corte e leiteiro) e mandioca

despontam como os principais produtos que compõe cerca de 80% do total da

riqueza produzida no campo.

Ao se inserir nos circuitos produtivos existentes (carne, leite, arroz, soja, milho) e

fundar outros (mandioca e, em menor escala, portanto, não contanto nas fontes,

bicho-da-seda), os assentados tem contribuído decisivamente para sua

dinamização. Apesar dos esforços, vivenciar a condição de produtores rurais lhes

imputa as contradições inerentes à questão agrícola, como a falta de política de

preços mínimos, os problemas relativos ao acesso e quantidade de crédito agrícola,

a ação dos conglomerados agroindustriais, etc.

Dentre as linhas de produção apresentadas, o leite se consolidou como a atividade

principal de geração de renda para os assentados, pois em todos os projetos 50% a

80% dos financiamentos obtidos foram direcionados à compra de vacas leiteiras.

Esta preferência pela pecuária leiteira ocorre por conta de elementos como a

garantia de uma renda mensal, a obtenção de animais de descarte ano a ano

possibilitando investimentos no lote, o baixo risco na atividade (se descontado,

evidentemente, os períodos de seca e geadas) em relação à lavoura.

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Apesar de acreditar na rentabilidade da atividade, entre 1996-1997 os assentados

vivenciaram uma severa crise de preços, decorrente da ação dos laticínios situados

em Querência do Norte e Santa Cruz do Monte Castelo que se uniram e passaram a

praticar uma política conjunta de arrocho no preço pago pelo litro de leite

proveniente dos assentamentos.

Segundo entrevistas com coordenadores da cooperativa e assentados, enquanto

produtores não assentados recebiam R$ 0,18 (dezoito centavos) por litro de leite, os

laticínios pagavam aos assentados somente R$ 0,08 (oito centavos) por litro de leite,

forçando por este instrumento uma absurda drenagem de renda da terra para as

agroindústrias do setor leiteiro.

Preocupado com a situação, a COANA-MST iniciou um amplo trabalho de orientação

junto às famílias no sentido de encontrar soluções para se contrapor ao capital

comercial e reverter a crise envolvendo os produtores de leite e agroindústrias

processadoras. Nestas reuniões, ficou decidido que a única possibilidade de os

trabalhadores escaparem do poder hegemônico do capital era se contrapor a ele.

Elaborando estudos, procurando agências de financiamento, reuniões com o INCRA

e os assentados, a COANA-MST decidiu montar um laticínio. Como não havia verba

suficiente para construir a agroindústria ou mesmo comprar uma unidade

processadora no município, a coordenação do MST decidiu colocar em prática um

projeto menor (um posto de resfriamento de leite), mas com uma plataforma que

num futuro possa ser reorientada, tornando-se parte de um laticínio.

Em 2002, foi aberta uma linha de crédito para a COANA implementar o posto de

resfriamento. Após conversa com proprietários rurais simpáticos ao MST, a COANA

adquiriu um terreno localizado na rodovia que liga a sede municipal ao

assentamento Pontal do Tigre e ali montou a unidade de recepção e resfriamento de

leite (Figura 30).

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247

Para bancar a infra-estrutura e entrar no mercado comprador de leite, a cooperativa

fez acordos com a CONFEPAR (Confederação das Cooperativas do Paraná),

adquiriu dois caminhões tanque, organizou as famílias, passou a transportar leite

dos assentados para o posto de resfriamento do MST e deste para a unidade da

CONFEPAR situado em Nova Londrina.

Figura 30: COANA – Posto de resfriamento de Leite. Fonte: Nájia Furlan, 2003.

Praticando uma política de preços acima da média local, a COANA forçou os

laticínios a equipararem o preço pago aos produtores por seu leite. Assim, forçando

a concorrência comercial, a cooperativa beneficia os assentados e demais

produtores, estimulando-os a investir ainda mais na atividade.

Preocupado comas as leis sanitárias que a partir de 2005 proibirão o beneficiamento

de leite transportado em latões do campo para as agroindústrias processadoras,

norma que exigirá total higiene no trato com a matéria-prima respeitando padrões

internacionais, a cooperativa financiou centenas de equipamentos de resfriamento

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de leite destinados aos assentados, adquiriu dois caminhões tanque refrigerados

para fazer a coleta e orientou as famílias a ter total higiene na hora da ordenha.

O resultado destes investimentos em equipamentos e orientação técnica é a coleta e

armazenamento diário de 10.000 litros de leite com qualidade superior àquele

recolhido pelos demais laticínios que, devido aos problemas de acidez e baixa

qualidade, só conseguem industrializar o leite de seus fornecedores como matéria-

prima para a fabricação de queijo. Por ser uma matéria-prima de qualidade, o leite

obtido pela COANA é muito valorizado no mercado industrial, pois se destina ao

beneficiamento na forma de leite longa vida e/ou iogurte, comercializado pela

CONFEPAR sob a marca Cativa.

Devido ao menor custo na fase de coleta e melhor preço na revenda, a COANA

consegue cobrir os custos operacionais, manter uma equipe responsável pelo setor

de produção (técnicos de laboratório, técnicos de campo, operadores do resfriador,

dois caminhões e seus motoristas, uma zootecnista e uma veterinária), e, acima de

tudo, se inserir e competir no mercado.

Num primeiro momento, a ação da cooperativa gerou um impacto positivo do ponto

de vista dos produtores, pois o preço do leite voltou a ser praticado em níveis

aceitáveis mediante a concorrência, inclusive em alguns meses a cooperativa paga

alguns centavos a mais pelo litro do produto, contribuindo para o aumento na renda

das famílias assentadas.

Mas, preocupados com a concorrência da COANA, no decorrer dos últimos meses

os laticínios, de uma maneira totalmente diferenciada, têm elaborado uma espécie

de trabalho de base oferecendo para as famílias assentadas alguns centavos a mais

pelo litro de leite, competindo para conquistar o leite de fornecedores da cooperativa.

Por conta das articulações do capital, durante um certo período o preço do leite pago

ao produtor pelos laticínios particulares foi superior ao preço praticado pela COANA

que, não conseguindo igualar o preço, perdeu fornecedores nos assentamentos.

Praticando preços elevados, a taxa média de retorno do capital caiu a tal ponto que

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um dos laticínios que atraiu as famílias com este tipo de política de mercado faliu,

não pagando aos assentados os milhares de litros de leite coletados, gerando sérios

prejuízos para as famílias enganadas.

Em relação às famílias que migraram da COANA para outros laticínios, estes fatos

revelam a dificuldade que as organizações do campo tem de trabalhar com os

camponeses, pois sua visão imediatista a procura de um preço melhor pela sua

mercadoria lhes imputa perder o contexto de luta contra o capital, esquecendo ou

renegando o trabalho de base, onde aprenderam que somente a união e a

cooperação podem garantir maior renda e resistência à expropriação da renda e da

própria terra.

Apesar dos embates que fragilizam sua base de coleta, a COANA tem cumprido seu

papel de melhorar a produção leiteira e a renda dos produtores de leite assentados,

recebendo também leite de produtores não assentados que contribuem para reforçar

a importância da cooperativa no contexto local. Em relação á briga comercial, se

num mês um laticínio paga um valor maior, a Cooperativa complementa o valor e no

mês seguinte paga um percentual a mais, criando uma constante briga comercial.

Há que se destacar que a ação da COANA não fica presa somente à questão do

preço, pois oferece a seus fornecedores assistência técnica veterinária e zootécnica,

insumos com preços reduzidos em relação ao comércio e cooperativa local,

elementos importantíssimos para que os custos dos produtores diminuam e para que

a sanidade do rebanho e a produção aumentem, especificidades que os laticínios

particulares não possuem, sobretudo por não ser de interesse de seus proprietários

o que acontece “da porteira do lote para dentro”. Desta forma, a COANA age no

sentido de garantir uma sustentabilidade aos assentados, mesmo que em um

determinado mês eles recebam um ou dois centavos a menos pelo leite direcionado

à cooperativa.

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250

Segundo técnicos da COANA-MST, uma prática que os proprietários dos laticínios

privados têm feito nos bastidores é oferecer aos administradores da COANA

participar em reuniões de monopólio95, com o firme propósito de tabelar o preço do

leite a um só nível, para que todos possam subsistir no mercado. Negando-se a

participar nas negociatas, a direção da COANA gera um descontentamento geral

das empresas privadas do setor, concorre no mercado e consegue sustentar um

preço razoável nesta linha de produção.

Apesar das adversidades e em alguns casos, da dificuldade de fazer a coleta de

leite junto aos assentados localizados em projetos mais distantes, o que força a

cooperativa a não poder atuar em todos os assentamentos de Querência do Norte e

Santa Cruz do Monte Castelo, sobretudo por conta das enormes distâncias e

estradas ruins, a COANA recebe uma boa quantidade do produto, absorvendo cerca

de 30% da produção diária de leite produzido no município96. Discorrendo sobre o

resfriador e a produção diária recebida pela unidade, o coordenador do tanque de

resfriamento, Cláudio Roberto de Souza Pereira, evidencia que

Aqui nós resfriamos o leite, industrializamos e vendemos para a CONFEPAR. Esses produtos vêm dos assentados, 215 produtores hoje, com uma faixa de 8 mil litros que nós mandamos para fora, um dia sim, um dia não. Uma faixa de 120 mil litros no mês, 125. Isso varia muito, no verão chega a 10 mil litros no dia. Nós recebemos ele quente e resfriamos. No outro dia mandamos para Nova Londrina, na CONFEPAR. Lá, eles resfriam e mandam para Londrina, local onde é industrializado, feito iogurte e longa vida. (Entrevista concedida em 6 de setembro de 2003).

A segunda linha de produção mais importante realizada pelos assentados é o arroz.

Desde 1995, visando agregar valor ao produto, o MST acionou a CCA –PR (Central

de Cooperativas dos Assentados do Paraná), situada em Curitiba, adquiriu uma

máquina de beneficiamento de arroz no município de Querência do Norte e passou a

95 Na forma de monopsônio, ou seja: as poucas agroindústrias existentes, no caso a COANA e o laticínio Querência, neste município, e o laticínio Castelão, em Santa Cruz do Monte Castelo, sentariam, discutiriam e combinariam um preço tal que mantivesse a margem de lucro a um nível que otimizasse investimentos e retorno de capital, ou seja: enquanto as agroindústrias geram lucros, os produtores têm o preço da matéria-prima reduzido, transferindo renda da terra para sustentar a falta de dinamismo das empresas. 96 Esta porcentagem não é maior porque a COANA não tem recursos suficientes para acessar todos os assentamentos rurais. Parte do leite coletado vem do município de Santa Cruz do Monte Castelo.

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fazer o processo de secagem, beneficiamento, classificação e empacotamento do

produto, colocando uma marca de arroz agulhinha no mercado.

Após a conquista dos assentamentos definitivos e créditos, em 1998 a COANA

comprou o espólio da ADECON e suas infra-estruturas (silos, secador de arroz,

armazém), dinamizando o processamento e a armazenagem do arroz, contribuindo

para elevar a margem de renda dos produtores envolvidos com a cultura.

Apesar dos avanços, a iniciativa de controlar a produção, o beneficiamento, a

industrialização e a venda do arroz empacotado demonstrou ser inviável ao longo

dos anos, pois, em grande medida, as empresas do setor orrizícola têm grande

poder de ação no mercado de massas e a COANA não conseguiu fazer a

contraposição ao capital com a mesma performance verificada na atividade leiteira.

Em parte, isto se deve à sonegação fiscal praticada pelas empresas do setor, pois

mesmo tendo um custo maior para obter matéria-prima, encarecida pela compra do

produto nas regiões produtoras do Paraná, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina, Rio

Grande do Sul e importada do Uruguai, o que imputa em custos de transportes e

armazenagem muito maiores, estas empresas conseguem colocar o arroz no

mercado com um preço bem menor que o praticado pela COANA que, por ser uma

entidade cooperativa, sofre uma rígida fiscalização.

Na atualidade, a COANA vem desenvolvendo uma série de ações no sentido de

desenvolver experiências agroecológicas vinculadas tanto à produção leiteira,

quanto orrizícola, co-participando no processo geral de mudança no padrão de

desenvolvimento tecnológico da agropecuária em Querência do Norte.

No caso do arroz, a Coana organizou visitas técnicas em áreas de produção desta

cultura situadas no Rio Grande do Sul, demonstrando aos assentados as inovações

técnicas e o manejo destes produtores com o arroz orgânico e a orrizipiscicultura.

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A primeira prática agrícola (arroz orgânico) diz respeito ao cultivo de arroz sem o uso

de agro-químicos para controle de pragas e adubação. A segunda (orrizipiscicultura)

é uma técnica especial onde alevinos de peixes são soltos no alagado onde se

cultivou o arroz, logo após a colheita, fazendo com que os animais comam as pragas

e sementes que ficaram no campo, permitindo a retirada de algumas toneladas de

peixe nos seis meses do inverno, período no qual a várzea está ociosa, pois a

cultura do arroz traz rentabilidade somente nos 4 meses do verão.

Assim, no verão vende-se arroz e no inverno, peixe, que além de adubar a terra,

permite uma rentabilidade extra ao produtor. Segundo os técnicos da COANA, no

Rio Grande do Sul há uma grande procura pelo arroz agroecológico por parte das

agroindústrias e uma dificuldade de venda do arroz convencional por parte dos

produtores que operam nos moldes da “revolução verde” americana e sua base

agro-química.

Em relação ao leite, a COANA firmou um convênio de extensão com a Universidade

Federal de Santa Catarina (UFESC) de Florianópolis, para desenvolver o projeto de

leite orgânico, cuja base é a alimentação de gado de leite somente a pasto (sistema

voison97 ), mesclado com o uso de ervas medicinais para tratamento fito-sanitário

dos animais.

Mediante a aplicação destas técnicas, os animais diminuem o ritmo de degradação

das pastagens, acessando as fontes de alimentação em condições ideais para o

consumo, o que lhes garante melhor ganho de peso e produtividade leiteira. Outras

vantagens verificadas com esta prática são o aumento na lotação animal

(cabeças/hectare/ano) e a recuperação do capim sem a necessidade de se investir

em máquinas para preparar a terra, sementes melhoradas de pastagens para o

cultivo ou mesmo adubação.

97 Técnica de manejo cuja base é a divisão dos lote em uma série de piquetes (pequenos pastos) com cerca de 60 m2, mediante o uso de cerca elétrica. Nestas condições, o manejo exige a introdução dos animais de maneira diferenciada nas pastagens: durante um dia, acessam o pasto as vacas de produção, no segundo, com o pasto já na parte menos tenra, as vacas secas e novilhas, e no terceiro dia, os bezerros. Desta forma, em uma área degradada ou não, pode-se elevar a lotação de 2 animais/hectare para 10 animais/hectare, gerando a independência do produtor em relação a rações adquiridas no mercado.

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Os elementos que diferenciam o cultivo do arroz e a produção de leite agroecológico

diz respeito à não incorporação de agroquímicos: no caso do arroz, os produtores

são orientados a usar a urina de gado ao invés de uréia comercial, o esterco de

curral e o “super-magro” no lugar de fertilizantes químicos, as resinas de plantas

com propriedades alopáticas e inseticidas no lugar de defensivos agrícolas tóxicos,

entre outras possibilidades.

Para municiar de matérias-primas os assentados envolvidos nestes projetos, a

COANA implantou algumas hortas medicinais e pequenos laboratórios de

processamento, onde famílias administram o cultivo, colheita, beneficiamento

(seleção e secagem) das matérias-primas, desenvolvendo pomadas, extratos

concentrados, tinturas ou mesmo pequenos saches com própolis, alfavaca, arruda,

etc, que posteriormente são usados no tratamento de enfermidades humanas e dos

animais.

Seguindo orientações técnicas, estes produtos são administrados aos animais

doentes ou acometidos de verminoses em substituição aos antibióticos, vermífugos

e carrapaticidas químicos, contribuindo para manter a sanidade humana e animal

com recursos e matérias-primas disponíveis no próprio lote.

O desenvolvimento da agroecologia nos assentamentos rurais se configura como

uma aposta de futuro da COANA/MST Apesar de estar em fase de gestação, os

produtores envolvidos nos projetos têm conseguindo aumentar a renda

redimensionando conhecimentos que fazem parte da cultura camponesa esquecidos

ao longo dos anos, quebrando com a lógica presente no pacote tecnológico da

chamada Revolução Verde, ou seja, tecnologias caras (máquinas, venenos, adubos

químicos), portanto excludentes, nocivas ao homem e ao meio ambiente, ligadas às

empresas multinacionais.

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Assim, pouco a pouco o MST desenvolve uma série de alternativas viáveis para a

manutenção e a resistência dos camponeses na terra de trabalho. É certo que não

atinge (ainda) todos os produtores, mas o rebaixamento dos custos e a produção de

matérias-primas altamente valorizadas no mercado, bem como a inserção do MST

gestando o processo de compra destas mercadorias, certamente contribui para uma

melhoria na renda das famílias assentadas e, através de seu sucesso, novos

produtores têm aderido ás práticas agrícolas agroecológicas.

Apesar da condição financeira da cooperativa não permitir a construção de um

laticínio, o que garantiria o fechamento da cadeia produtiva do leite através de sua

agroindustrialização, no ano de 2001 o MST deu um passo importante na

consecução deste projeto.

Aproveitando parte da produção de leite orgânico já produzido nos assentamentos, o

MST montou uma pequena queijaria e está produzindo, em escala comercial, cerca

de 200 quilos de queijo provolone e mussarela por dia. Desta maneira, enquanto o

projeto de produção de leite orgânico não atinge a todas as famílias assentadas e a

COANA não constrói um laticínio para beneficiar sua produção, o MST forma

quadros capacitados para assumir uma queijaria (orgânica) no futuro.

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Figura 31: Fabricação de Queijo Orgânico. Fonte: Trabalho de campo, Set. 2003.

Figura 32: Queijo Orgânico em processo de defumação. Fonte: Trabalho de campo, Set. 2003.

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Os produtos principais na atividade agropecuária desempenhada pelos assentados

são o leite, o arroz irrigado, o algodão, a mandioca e o milho. Mas, devido às

influências da COANA, das agroindústrias locais/regionais (fecularia, laticínios,

avícolas, empresas sericículas como a BRATAC ), da EMATER (atua oferecendo

cursos através do SENAR – Serviço Nacional de Aprendizagem Rural) e da

conjuntura do mercado ao preço dos produtos agrícolas, há uma crescente

tendência de retração e/ou expansão destas atividades tradicionais e

desenvolvimento de novas atividades agrícolas, todavia, de maneira paralela e

complementar, diversificando a produção no lote com duas ou três linhas de

produção ao mesmo tempo.

Conforme informações da Tabela 23, as atividades de interesse dos assentados que

diferem das tradicionais são o frango de corte, a piscicultura, o suíno de corte, o

café, a fruticultura, o bicho-da-seda e o ginseng, diversidade que demonstra a

preocupação que famílias têm em acessar circuitos produtivos múltiplos que lhes

permita a conquista de uma maior renda nas atividades agropecuárias, mesmo que

para tanto haja a necessidade de aceitar regras (controle do tempo de trabalho, do

processo produtivo, preço controlado, dificuldade de escoamento da produção,

financiamento com altas taxas de juros) impostas pelas empresas processadoras e

os atravessadores que vão adquirir tais matérias-primas, ou mesmo que tal opção

seja tomada sob o impacto dos preços praticados no mercado num dado período de

tempo.

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Tabela 23: Atividades agropecuárias que os assentados querem dinamizar ou inserir no lote.

Assenta-mento

L e i t e

F r a n g o

P e i x e

A r r o z

S u í n o

M i l h o

C a f é

S o j a

M a n d i o c a

F r u t a s

B i c h o d a s e d a

G i n s e n g

O v o s

T r i g o

Pontal do Tigre 143 25 33 63 15 19 - 8 6 1 6 11 1 2Chico Mendes 58 5 3 - 5 1 2 2 - 1 3 - 3 - Che Guevara 34 - 4 9 1 5 2 - 3 1 - - - - Margarida Alves 10 6 2 - 1 3 3 - 3 - - - - - Zumbi dos Palmares 12 3 5 4 1 - - - - - - - - - Unidos pela Terra 9 3 1 1 - 2 2 - 1 2 - - - - Luiz Carlos Prestes 20 31 19 5 21 5 15 6 1 3 3 - 1 5Antonio Tavares Pereira 23 6 5 - 8 7 6 3 5 5 2 - 4 -Total 309 79 72 82 52 42 30 19 19 13 14 11 9 7

Fonte: Mutirão do MST - Querência do Norte, dezembro de 2002. Base de dados: 571 entrevistas. Tabulação e organização: Sérgio Gonçalves.

Esta última premissa é confirmada pelo descrédito das famílias com a mandioca,

cultura que durante o período 1999-2000 teve preço de venda atrativo aos

assentados, mas que sofreram sérios prejuízos quando o preço da tonelada caiu a

irrisórios R$ 20,00 (vinte reais) a tonelada nas safras 2001 e 2002. Neste fevereiro

de 2004, com a tonelada da raiz de mandioca cotada a R$ 280,00 (duzentos e

oitenta Reais) e a soja mantendo-se a um preço atrativo (cerca de R$ 38,00 a saca),

muitos assentados têm abandonado determinadas culturas e atividades, como o

milho e a própria bovinocultura leiteira, e se aventurado ao cultivo de mandioca e

soja, expondo-se aos riscos do preço flutuante destas culturas.

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Por outro lado, é importante destacar a importância que as famílias dão à

bovinocultura leiteira, tanto aqueles que não possuem o leite como atividade

principal (assentados que não tiveram crédito e possuem poucas cabeças de gado),

como aqueles que já possuem animais e querem aumentar a produção, adquirindo

matrizes ou investindo em pastagens.

Com 309 respostas num universo de 571 entrevistas, ou seja, 54,2% dos

assentados, a criação de gado leiteiro mostra-se altamente viável para as famílias

devido ao fato de ser esta uma atividade de baixo risco em relação ao clima, permite

uma renda mensal e proporcional muito boa em relação ao tamanho do lote e as

ações da cooperativa organizando a produção e trabalhando para a manutenção do

preço do leite funcionam como fatores atrativos para que tal linha de produção se

dinamize ainda mais.

Um outro ponto diz respeito à produção de arroz, sobretudo porque nos

assentamentos Pontal do Tigre, Che Guevara e Zumbi dos Palmares há extensas

áreas de várzea que para sua exploração demandam um investimento altíssimo por

hectares, situado em torno de R$ 1.200,00 reais em gastos com horas/máquina,

sementes, adubos e defensivos químicos, o que impede grande parte de famílias

assentadas de produzir, pois o crédito de custeio do PRONAF é ínfimo (R$ 2.000,00)

perto do nível de demanda por crédito presente tanto para esta como para as

demais culturas.

Projetos como a produção e leite e do arroz orgânicos configuram apostas de futuro

da COANA para cobrir as lacunas técnica e produtiva que envolve os produtores

engajados nestas atividades produtivas, barateando-lhe custos, permitindo uma

menor dependência de créditos e insumos, o que redunda em maior geração de

renda.

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Tabela 24: Que fator(es) impede(m) o desenvolvimento das atividades produtivas no lote?

Assentamento Recursos Preços Irrigação Assistência Técnica

Pontal do Tigre 104 - 21 - Chico Mendes 49 - 1 - Che Guevara 34 - 8 - Margarida Alves 19 - - -

Zumbi dos Palmares 15 - 3 -

Luiz Carlos Prestes 38 30 - 4

Unidos pela Terra 10 - - -

Antonio Tavares Pereira 38 - - -

Total 307 30 33 4 Fonte: Mutirão do MST - Querência do Norte, dezembro de

2002. Base de dados: 571 entrevistas. Tabulação e organização: Sérgio Gonçalves.

Como atesta a tabela 24, a questão relativa ao crédito rural aflige 53,8% das 645

famílias entrevistadas, em segundo lugar a necessidade de ampliação da rede de

canais de drenagem e irrigação com 5,8%, em terceiro a garantia de preços mínimos

com 5,3%, e em menor escala, a necessidade de assistência técnica, com 0,7%,

dado este que revela a qualidade da COANA em prestar a assistência aos

assentados, complementando a nula prestação de serviços executada pelo INCRA e

a deficiente presença da Emater desempenhando esta função.

Apesar das dificuldades vivenciadas pelo MST na captação de recursos para

manutenção de veículos, equipamentos e quadros técnicos, bem como gestar

concomitantemente a luta na terra e a luta pela terra, tais barreiras vem sendo

vencidas através da organização de núcleos de famílias, assunto que abordaremos

com mais rigor no decorrer deste capítulo.

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Tabela 25: Querência do Norte - Destino da produção agropecuária dos assentados.

Assentamento

Cooperativa

Agroindústria

Comércio

Atravessador

Direta ao

Consumidor Pontal do Tigre 124 107 28 168 1

Chico Mendes 21 56 14 25 2 Che Guevara 5 24 5 48 - Margarida Alves 9 16 10 - - Zumbi dos Palmares 5 22 6 12 1 Luiz Carlos Prestes 12 46 18 14 - Unidos pela Terra 11 11 1 6 - Antonio Tavares Pereira 24 17 3 7 - Total 211 299 85 280 4 Percentagem (base = 645 famílias) 32,71% 46,36% 13,18% 43,41% 0.62%

Fonte: Mutirão do MST - Querência do Norte, dezembro de 2002. Tabulação e organização: Sérgio Gonçalves.

Antes de tecer considerações sobre a Tabela 25, é necessário explicitar algumas

informações pertinentes. Em primeiro lugar, muitos assentados vendem seus

produtos a um ou mais agentes presentes no mercado ou aos consumidores98, o

que favorece a duplicidade de respostas quanto a este tipo de informação.

A segunda informação pertinente é que como cooperativa considerou-se a COANA,

a COPAGRA e a COCAMAR; agroindústria foram agrupadas as respostas relativas

às farinheiras, fecularias, laticínios e indústrias da seda (BRATAC); comércio refere-

se a cerealistas, mercearias e supermercados e os atravessadores todos os agentes

que atuam no mercado de compra e venda de produtos agropecuários e que não

possuem nenhum vínculo jurídico ou empresa constituída, entrando aí os

98 Em um dos questionários aparece uma família que vende leite para a COANA, arroz para um atravessador, mandioca para a agroindústria e leite para o consumidor na cidade.

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compradores de gado e produtos agrícolas que revendem a produção dos

assentados, obtendo um lucro nesta intermediação (os famosos “picaretas”).

Considerado o universo de 645 famílias e as diferentes possibilidades de venda de

produtos agropecuários pelas famílias assentadas, afora os 46,35% de famílias que

vendem diretamente para as agroindústrias e 32,71% de famílias que repassam

produtos para as cooperativas, é alarmante a dependência dos produtores em

relação aos atravessadores que, trabalhando família a família, atingem 43,41% dos

produtores assentados, não pagam nenhuma taxa de impostos, não geram

empregos na cidade e extraem uma parte da renda da terra dos homens do campo.

A presença dos atravessadores decorre de uma situação complexa que envolve

praticamente todos os circuitos produtivos agropecuários. Sua origem se prende ao

fato de muitos produtores possuírem uma determinada quantia de cabeças de gado,

sacas de grãos (feijão, milho, soja, gergelim, etc) ou arrobas de algodão para vender

cujo volume não preenche a carga total de um caminhão ou mesmo necessitaria

uma ida à cidade para agenciar um caminhão para posteriormente fazer o transporte

até a agroindústria que, no caso dos bezerros e vacas de descarte, não compra tais

animais.

No seu conjunto, estas ações são percebidas pelo camponês como um gasto de

tempo e dinheiro. Desta forma, no momento em que os compradores passam de lote

em lote oferecendo um valor X pela produção, mesmo que seja um valor abaixo do

praticado no mercado regional e na cooperativa, os elementos anteriormente

expostos contribuem para que o camponês faça sua leitura da realidade e concretize

o negócio, mesmo percebendo que pode – e na maioria dos casos, esta premissa é

verdadeira – perder dinheiro.

É importante considerar que nem a COPAGRA muito menos a COANA tem força

suficiente para gerenciar todos os circuitos produtivos existentes no espaço agrário

local e competir com uma articulada rede de pequenos e médios capitalistas que nas

épocas de safra e entressafra aglutinam, de dezena de quilos em dezena de quilos,

cargas e mais cargas de animais, fibras, grãos e raízes.

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Para contornar tal situação, o MST poderia arriscar uma organização das famílias

visando a venda de mercadorias em condomínio, estruturando armazéns

comunitário. Com dezenas de produtores reunidos em seus respectivos núcleos de

famílias, cada um colocaria uma quantidade X de tal produto – uma saca de milho ou

quinhentas delas, até que se completasse uma carga num caminhão, com os custos

de frete divididos proporcionalmente pela quantidade de mercadoria

transportada/alocada. Um outro aspecto a ser trabalhado diz respeito à fidelidade

cooperativa, ou seja: cada produtor teria sua plantação monitorada, do plantio à

colheita, cuja produção só poderia ser comercializada com o condomínio ou

cooperativa.

Como os produtores estão pulverizados em centenas de lotes, não existem

financiamentos para a construção de silos e armazéns nos assentamentos, a

organização dos núcleos de base propostos pelo MST ainda não estão voltados a

estas questões, as articulações para desestruturar os atravessadores estão longe de

se concretizar e, certamente, no decorrer de muitos anos a renda drenada por estes

agentes de mercado vai continuar saindo do bolso das famílias assentadas.

Sem dúvida, as informações referentes à forma de inserção da produção no

mercado revela as saídas e opções (ou falta de) dos sem-terra na busca pelo melhor

preço, e por outro lado, a dificuldade em alavancar e sustentar propostas de

cooperação que dinamizem a rentabilidade dos assentados.

É esta dependência dos produtores em relação aos agentes do mercado que precisa

ser quebrada para garantir um aumento na renda dos trabalhadores assentados. É

aqui que se situa o maior desafio do MST: avançar na questão agrícola, pois

enquanto os assentados não construírem alternativas para fechar a cadeia produtiva

(produção, industrialização, comercialização), continuarão com preços aviltados e a

possibilidade de desenvolvimento econômico cada vez mais longe de se configurar

como realidade para muitos dos assentados.

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Para tanto, o Estado é um importante agente para favorecer, via políticas públicas e

projetos de investimento, um conjunto de ações que alavanque o desenvolvimento

das experiências que vem dando certo, como no caso do leite e arroz orgânicos, e

permita a estruturação de novos fixos (silos, armazéns, etc), da cooperação intra-

assentamentos (condomínio de produtores), bem como a presença de pequenas

agroindústrias nestes territórios.

4.2.3 Educação e cultura

É impossível discutir a educação sem vincular tal realidade ao histórico da luta pela

terra, pois a preocupação com esta questão surgiu no acontecer dos primeiros

acampamentos e é uma das frentes de ação mais importantes para o campesinato e

o MST na atualidade.

No final da década de 1970, um dos desafios estruturais para as cerca de 1.000

famílias de sem-terras acampadas na região Sudoeste paranaense, vinculadas ao

MASTRO ou a outros grupos, girava em torno de como intervir para educar as

crianças em idade escolar que moravam nestes espaços de luta e resistência.

Seguindo as orientações tanto da CPT como da Pastoral Luterana, paralelamente às

equipes responsáveis pela negociação, pela saúde e segurança, foram estruturadas

equipes responsáveis pela educação. Enquanto função, estas equipes negociavam

com prefeituras o transporte escolar dos acampamentos para a cidade ou exigiam a

montagem de salas e a oferta de aulas no acampamento, evitando assim prejudicar

as crianças. Como muitas vezes as prefeituras se negavam a colaborar cedendo

ônibus e/ou professores, os sem-terra e as assessorias perceberam que aquilo que

se buscava fora do acampamento poderia ser encontrado e formado ali

mesmo:pessoas dispostas a trabalhar a educação popular.

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A partir dessa conjectura, o desafio passou a ser a formação de educadores e

educadoras utilizando as próprias famílias acampadas, além da construção de salas

de aula com paredes feitas de pau-a-pique, cobertas de sapê ou lona preta. Ao lado

do trabalho com as crianças, as equipes desenvolveram ações com os jovens e

adultos analfabetos, re-socializando homens e mulheres cujas trajetórias de vida não

lhes permitiu acessar a educação formal.

Per si, tal atividade produziu conhecimentos mais dinâmicos em relação ao

aprendizado da luta pela terra, permitindo avanços em outros campos das relações e

das atividades humana, como gênero, saúde preventiva, socialização política,

mística, entre outros.

Nos trabalhos com as crianças, os jovens e os adultos, o método utilizado era

baseado nos ensinamentos do mestre Paulo Freire, cujo eixo norteador são os

temas geradores (historias de vida, dia-a-dia no acampamento, por exemplo)

propostos pelos educandos, aos quais, pouco a pouco, são aglutinadas novas

palavras e temas geradores que fundamentam o rol de atividades educativas

(escrita, leitura, cálculo, discussão política, etc).

No decorrer do processo de lutas que redundou na gestação do MST, as discussões

em torno da educação avançaram muito e, ao lado de educadores orgânicos e

assessorias, o movimento recebeu a colaboração de extensionistas e intelectuais

militantes.

Unindo esforços, pesquisando as áreas de assentamentos e acampamentos,

fazendo discussões na base, os militantes do MST fundaram dois anos depois do 1o

Congresso Nacional do MST o Setor de Educação, responsável por articular uma

proposta de educação a partir da realidade do campo, com conteúdos e elementos

alternativos e diferenciados daqueles ofertados nas escolas tradicionais.

De modo geral, o questionamento da realidade educacional do País e as práticas

coletivas organizadas no campo evidenciaram que algo estava errado e que a

organização poderia avançar em relação à educação e, reconstruindo as práticas

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educativas, contribuir para o avanço da organização (MST, Setor de Educação,

1990).

Quando as primeiras levas de sem-terra ocuparam a fazenda 29 Pontal do Tigre, em

Querência do Norte, a bagagem trazida pelos grupos de Reserva, Castro e Nova

Medianeira foi salutar para mediar o debate sobre educação com as outras famílias

e, através da formação de educadores e da organização de salas de aula e

educandos, concretizar conquistas para todos os acampados.

O processo de seleção dos educadores foi realizado pelos pais e pela comunidade local. Os educadores não precisavam ir em busca de educandos, pois os mesmo já havia sido matriculados anteriormente na área onde moravam. [...] As pessoas que tinha boa vontade pra enfrentar a realidade foi os voluntários. Então chamou-se as pessoas que queriam enfrentar os desafios e possuía algum grau de formação (na época era a formação primária) para realizar o trabalho de educação com as crianças e adolescentes. (LIMA e GUERRA VILLALOBOS, 2001, p. 87).

Nos primeiros meses da ocupação na fazenda 29 Pontal do Tigre, o trabalho da

equipe de educação permitiu a construção de cinco unidades escolares voltadas

para atender a demanda por educação, cada qual organizada no interior de um

grupo de famílias: a Escola de Emergência I do Grupo Capanema, Escola de

Emergência II do Grupo de Castro, Escola de Emergência III do Grupo Reserva,

Escola de Emergência IV do Grupo Amaporâ e Escola de Emergência Cinco de

Dezembro do Grupo Adecon.

Nestas escolas emergenciais eram trabalhadas a educação formal e a educação

religiosa, realizavam-se reuniões com a Pastoral da Criança, haviam cursos sobre

plantas medicinais (cultivo e uso), aconteciam ações culturais junto aos jovens,

trabalhos de base, educação e socialização política com os adultos.

Quando ocorreu a conquista do assentamento Pontal do Tigre, uma das primeiras

reivindicações feitas pelos sem-terra ao INCRA, à prefeitura e ao Governo do

Estado foi a urgência na construção de uma escola e posto de saúde no

assentamento.

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Devido à fragilidade do erário público em atender a demanda por educação de

crianças em idade escolar primária e secundária, a luta por escola no campo

necessitou a pressão sobre o Governo do Estado que, de início, não destinou verbas

para a construção destas infra-estruturas no campo, pois a política na época era

concentrar a educação no espaço urbano, com o deslocamento da população

estudantil para as cidades, fato que também ocorreu aos jovens do ciclo secundário.

No acontecer de acaloradas discussões, em 1996 a Secretaria Estadual de

Educação autorizou a implantação e o funcionamento de uma unidade escolar neste

assentamento. Devido a um desarranjo entre Estado e Prefeitura, o primeiro

assumiu o ensino médio e a segunda o ensino fundamental. Destinando cada qual

sua verba, deste contraponto fundou-se num espaço cedido pela comunidade a

“Escola Estadual Centrão”, destinada ao ensino médio, e a ”Escola Municipal Chico

Mendes”, onde ocorre o ensino fundamental.

Após a conquista dos colégios, uma norma que gerou descontentamentos para os

assentados foi a obrigatoriedade de concurso para contratação de professores, o

que acabou excluindo grande parte das professoras acampadas e que há anos

desempenhavam a função de educar as crianças, permitindo que somente três

dessas pessoas obtivessem a vaga definitiva no espaço conquistado pelos próprios

sem-terra.

Segundo registros, no início de suas atividades a Escola recebeu “[...] a matrícula de

159 educandos no Ensino Fundamental (E.F.), sendo 3 turmas de 5a séries e 2

turmas de 6 a séries, com 5 professores ministrando disciplinas do E.F.[...]. (LIMA e

GUERRA VILLALOBOS, 2001, p. 90). Atualmente, os colégios atendem a demanda

tanto das famílias do assentamento Pontal do Tigre como do assentamento Che

Guevara, bem como de fazendas situada no entorno destas áreas. Enquanto área

social do assentamento Pontal do Tigre, o Centrão é referência para as atividades

político-educativas do MST e das comunidades do assentamento.

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Figura 33: Colégio Estadual “Centrão” e Escola Rural Municipal “Chico Mendes”,

conquistas do MST na área da Educação.

No assentamento Chico Mendes, a antiga sede da fazenda Porangaba I, cujas terras

deram origem ao P.A., tornou-se uma escola municipal em 1998. Nos

assentamentos Margarida Alves, pré-projeto Porangaba II, Zumbi dos Palmares, Luis

Carlos Prestes, Unidos pela Terra e Antonio Tavares Pereira não existem escolas e,

para atender a demanda da população local, a Prefeitura disponibiliza ônibus que

percorrem cerca de 900 km nas estradas rurais entre o período da manhã e da noite,

transportando os alunos destes assentamentos e da zona rural como um todo para a

sede municipal. É certo que isto causa um impacto negativo sobre os educandos,

devido às distâncias, mas por enquanto não há a perspectiva de serem construídos

novos prédios escolares nestes assentamentos.

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Tabela 26: Querência do Norte – Distribuição dos Morados dos Assentamentos Rurais, segundo a faixa etária, anos de

estudo e sexo, em dezembro de 2000.

Fonte: Mutirão do MST - Querência do Norte, dezembro de 2002. Tabulação e organização: Sérgio Gonçalves.

Distribuição dos Moradores %

Condição e Anos de Estudos Abaixo da

Idade Escolar

Analfabeto

Menos 1 ano

Menos 1 ano

3 a 4 anos

5 a 6 anos

7 a 8 anos

9 a 11 anos

Superior

APAE

Faixa Etária Masc. Fem. Masc. Fem. Masc. Fem. Masc. Fem. Masc. Fem. Masc. Fem. Masc. Fem. Masc. Fem. Masc. Fem. Masc. Fem.

Total Faixa Etária

% - de 9 anos 7,54 6,23 - - 0,71 0,56 2,31 1,87 0,97 0,82 - - - - - - - - - - 21,01 10 a 14 anos - - - - - - 0,52 0,15 2,16 1,72 2,35 2,39 1,38 1,38 0,04 0,07 - - - 0,04 12,2 15 a 19 anos - - - - - - 0,22 0,22 0,41 0,3 0,86 0,78 1,68 1,57 3,62 2,21 - - - 0,04 11,91 20 a 24 anos - - 0,04 0,07 - - 0,41 0,11 0,45 0,82 0,56 0,45 0,82 0,93 2,58 1,49 0,04 0,04 - - 8,81 25 a 29 anos - - 0,11 0,11 - - 0,41 0,26 0,37 1,34 0,6 0,82 0,49 0,56 1,23 0,41 - 0,07 0,04 - 6,82 30 a 34 anos - - 0,07 0,15 - - 0,49 0,49 1,42 1,05 1,05 0,82 0,52 0,26 0,45 0,34 - 0,04 - - 7,15 35 a 39 anos - - 0,26 0,6 - 0,04 0,6 0,45 1,6 1,46 0,63 0,71 0,15 0,41 0,22 0,45 0,04 - - - 7,62 40 a 44 anos - - 0,34 0,52 - 0,04 0,67 0,22 1,16 0,97 0,67 0,26 0,37 0,52 0,15 0,11 - - - - 6 45 a 49 anos - - 0,52 0,63 - 0,07 0,75 0,6 0,78 0,86 0,34 0,11 0,26 0,15 0,22 0,11 - - - - 5,4 50 a 54 anos - - 0,34 0,86 - 0,04 0,49 0,56 0,82 0,6 0,22 0,07 0,07 - 0,19 0,04 - - - - 4,3 55 a 59 anos - - 0,49 0,6 - 0,04 0,63 0,49 0,41 0,41 0,04 0,07 0,07 - 0,04 - - - - - 3,29 60 a 64 anos - - 0,6 0,56 - 0,04 0,63 0,3 0,45 0,19 0,07 0,04 0,04 - - - - - - - 2,92 65 a 69 anos - - 0,26 0,3 - 0,04 0,19 - 0,22 0,11 - - - - 0,04 - - - - - 1,16 70 a 74 anos - - 0,15 0,3 - - 0,22 0,07 0,11 - - - - - - - - - - - 0,85 75 ou mais - - 0,22 0,3 - - - 0,04 - - - - - - - - - - - - 0,56

7,54 6,23 3,4 5 0,71 0,87 8,54 5,83 11,33 10,65 7,39 6,52 5,85 5,78 8,78 5,23 0,08 0,15 0,04 0,08 Total dos Anos de Estudos 13,77% 8,4% 1,58% 14,37% 21,98% 13,91% 11,63% 23,19% 0,23% 0,125

100

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Base de dados: 645 famílias entrevistadas = 2.679 pessoas.

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Segundo a Tabela 26, 33,3% dos moradores nos assentamentos rurais tem idade

inferior a 14 anos. Entre a faixa etária considerada ativa (15 a 59 anos) estão 61,3%

das pessoas, e na faixa etária passível de aposentadoria, somente 5,40%. Na

população total há 46,34% de mulheres e outros 53,66% de homens.

Em relação ao acesso à educação e aos anos de estudo, afora no quesito educação

superior, em todas as classes de anos de estudo os homens se destacam em

relação às mulheres, fato que talvez tenha ligação direta com o maior número de

homens ou maior predisposição desse grupo em encarar as dificuldades inerentes à

busca por educação no assentamento ou fora dele, que em ambos os casos,

demanda viajar até uma hora de ônibus, após uma cansativa jornada de trabalho.

Há que se destacar que cerca de um quarto da população assentada possui mais de

9 anos de estudos e que o número de analfabetos é baixo, se comparado à situação

da situação da população do Estado como um todo. Enquanto no Paraná a taxa de

analfabetismo para a população com 10 anos a mais de idade gira em torno de 8,6%

e Querência do Norte contabiliza 18,7%, segundo estatísticas do Censo

Populacional do IBGE – 2000.

Nos assentamentos rurais, com todas as dificuldades já retratadas, o índice

encontrado foi de 8,4%. Isto se deve, em grande medida, à conquista da escola nas

áreas de assentamento e ao trabalho de educação popular desenvolvido pelo Setor

de Educação do MST. Por outro lado, estando esta população compondo a base de

pesquisa do Censo Populacional do IBGE, pode-se inferir que a situação

educacional no centro urbano é crítica, sobretudo pela falta de programas voltados

para a alfabetização de jovens e adultos.

Mesmo quando o MST não tinha verbas ou as facilidades de programas públicos

como o PRONERA para auxiliar no desenvolvimento de ações de Educação de

Jovens e Adultos (EJA), esta tarefa nunca foi abandonada.

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Nos últimos 3 anos, o MST tem desenvolvido um importante trabalho com as

crianças assentadas, os sem-terrinhas. Utilizando o espaço da escola situada no

assentamento Pontal do Tigre (Centrão), as crianças de vários assentamentos

participam anualmente de encontros onde brincam e recebem uma formação inicial

da prática militante e dos símbolos da Organização, formando no presente um grupo

de pessoas que no futuro irão redimensionar a luta pela terra/na terra.

Em relação à escola, à presença do MST e aos sem-terrinha, MAIA (2002) aponta

que com estas ações e nestes espaços educativos

Existe a presença dos símbolos do MST, crianças identificados com camisetas, bonés, a Bandeira hasteada, em algumas salas de aulas cartazes, frases produzidas na luta, cartazes. As publicações dos cadernos dos diferentes setores do MST o jornal e revista Sem Terra, são procurados para realizar pesquisa, estudo, elaboração e preparação das aulas. As crianças, educandos e Educadoras e Educadores cantam o hino de sua organização, gritam seus gritos de ordem da luta e, mobilizando os Sem Terrinhas, aos poucos vem sendo construído e cultivado as raízes da lutas dos pais Sem Terra. A maioria das crianças se identifica e chama uns aos outros de Sem Terrinha, transparecendo em seus sorrisos e olhares e o orgulho de poder se identificar com o MST, assumir postura crítica e disciplinas quando constroem os espaços de socialização e cultivos e revivem as místicas em momentos organizados com a escola e presença da comunidade. (MAIA, 2002, p.48).

É interessante registrar que nas escolas urbanas, em toda e qualquer atividade que

envolva crianças, jovens e adultos dos assentamentos, a bandeira e o boné do MST

estão sempre presentes. Aliás, nas ruas da cidade é possível ver os assentados

espacializando o MST através de um dos principais símbolos da organização: o

boné. Assim, educação, ação e pertença criaram uma integração comunitária que

destruiu totalmente o preconceito que a população em geral tinha dos sem-terras.

Outro avanço considerável do MST no campo da educação começou a ser gestado

em 1997. Preocupado com a formação de quadros, o MST decidiu envolver as

famílias até então assentadas em um projeto amplo: a construção de um centro de

formação, cujo objetivo inicial era formar quadro de militantes e técnicos para fazer

estes trabalhos em assentamentos e acampamentos da região e no Paraná.

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Em 1998, mediante doações (animais, tijolos, pedra, cimento, etc) e trabalho

voluntário das famílias, construiu-se no assentamento Oziel Alves, no município de

Santa Cruz do Monte Castelo, o CEPAG – Centro de Formação e Pesquisa Ernesto

Che Guevara.

Dotado com uma infra-estrutura de alojamento, cozinha, biblioteca, horta, vários

cursos foram organizados. No contexto da luta pela terra, chegou-se a anunciar na

imprensa que este era um local de treinamento de guerrilheiros, deturpando para a

opinião pública seus objetivos. Até o ano de 2000, ocorreram vários cursos de

formação (ANEXO – 2), mas pouco a pouco estas atividades cessaram. Em

princípio, as dificuldades em angariar recursos através de projetos e colaboradores,

a própria dinâmica da luta pela terra que cerceou a ação da coordenação regional,

bem como a dificuldade dos jovens camponeses em permanecer num sistema de

internato, levaram o MST a abandonar o Centro de Formação para estas atividades,

destacando jovens militantes para outros locais situados no Rio Grande do Sul e do

Paraná.

Nos últimos doís anos, o CEPAG está passando por uma reestruturação em seus

objetivos e nas suas infra-estruturas: servir como um local de cursos menos

extensos para os novos militantes, receber reuniões da militância regional e ser um

núcleo de produção e repasse de tecnologia, sobretudo em relação ao sistema

voison99 e leite orgânico, para os assentados.

No processo de luta pela terra e processo de luta na terra, afora os exemplos

apresentados, utilizando os espaços da COANA, do CEPAG, das escolas e os

núcleos comunitários dos assentamentos, o MST promoveu no decorrer de 17 anos

dezenas de cursos de formação, discussão de gênero, leite orgânico, extensão rural,

plantio, café, mecanização, produção agrícola, saúde, administração rural, ervas

medicinais, tratorista, inseminação artificial, entre outros, segundo demonstram os

dados do Mutirão que questionou qual tipo de cursos os assentados fizeram junto ao

MST. .

99 Técnica de repartição da pastagem em piquetes, visando aumentar a lotação animal/hectare sem demandar maiores investimentos em melhoria das pastagens.

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Estas ações têm permitido a formação, a renovação e o crescimento político do

quadro de militantes envolvidos nos trabalhos de base, na administração cooperativa

e nos núcleos familiares.

Articulado numa rede estadual e nacional, por sua vez o MST local envia estes

militantes para fazer o acompanhamento de programas como o PRONERA

(Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária), realizado em parceria com a

Universidade Estadual de Maringá no período 1999 a 2001, participar nos encontros

e congressos regionais, estadual e nacional, fazer cursos promovidos pela

Secretaria Nacional do MST (Escola Nacional, Escola Sindical, Realidade Brasileira),

etc, dinamizando a capacidade dos militantes em analisar a conjuntura, fazer lutas e

avançar na organização.

Outra preocupação constante no campo da educação tem sido a articulação para a

inserção de militantes nas universidades regionais. Mediante a conquista de vagas

em cursinhos pré-vestibulares, desde 1999 oito estudantes do MST em Querência

do Norte conseguiram o acesso a cursos em universidades pública (Universidade

Estadual de Maringá) ou privada (Centro Superior de Ensino de Maringá –

CESUMAR), através de parceria e concessão de bolsas. Apesar das dificuldades em

se sustentar, o que forçou a desistência de quase todos os estudantes, uma

assentada logrou o grau de jornalista e neste ano de 2004 vai assumir tarefas no

Setor de Comunicação da Secretaria Estadual do MST em Curitiba, e um jovem

inicia este ano o curso de Direito.

Em 2002, através de uma parceria com a Prefeitura do município de Maringá

(administrada pelo Partido dos Trabalhadores – PT), o MST recebeu a concessão de

uso de uma propriedade municipal situada na zona rural para implantar um centro de

formação. O local, que durante anos foi utilizado por uma empresa concessionária

que construiu galpões e trabalhava no setor oleiro, estava bem degradado, com as

paredes das construções parcialmente destruídas, sem cobertura, recebendo o

apelido de “ruínas” pelos sem-terras.

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Deste então, o local tem passado por uma série de transformações, pois o MST tem

mobilizado um grande número de militantes com a tarefa de transformar as infra-

estruturas existentes na “Escola Milton Santos”, através da reconstrução dos

prédios, reboque e pintura das paredes, construção de divisórias e instalações

sanitárias, enfim. Através de doações e parcerias, a escola tem uma grade de ensino

voltada ao curso de Técnico Em Agropecuária com ênfase na Agroecologia e recebe

jovens militantes provenientes das regiões Norte e Noroeste do Paraná.

Reconhecido pela Secretaria Estadual de Educação do Paraná, através da Escola

Milton Santos o MST pretende fechar a lacuna que existe em relação à assistência

técnica que, para os assentados, é cara de se obter (o custo do salário de um

agrônomo ou veterinário é muito alto para ser bancado pela cooperativa ou mesmo

as famílias), é débil (a assistência oferecida pelo INCRA e a Emater não atende as

necessidades das famílias assentadas por falta de quadros e investimento do setor

público) e não atende as respostas políticas que a organização demanda.

Percebe-se, assim, a busca incessante do MST em formar quadros que atuem como

técnicos militantes nos assentamentos, pois somente desta forma as ações de

implementação, condução e dinamização de propostas de produção orgânica,

cooperação agrícola e trabalho de base podem ser fortalecidas e ampliadas nos

assentamentos.

Desde 2003, o MST vem desenvolvendo um trabalho de reestruturação da militância

nos assentamentos rurais, buscando com esta tarefa melhorar a participação da

organização junto aos assentados e dos assentados com a organização, fazendo o

trabalho de base com maior ênfase em quatro frentes de ação: a educação, a

coordenação do assentamento, a saúde e a educação.

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Um avanço considerável do MST neste ano de 2003 ocorreu com a criação de uma

estação de rádio no município dentro de um acampamento100. Com a potência de

transmissão para um raio de 50 km, a “Rádio Transformação FM“ acrescenta uma

nova ferramenta tanto para a luta pela terra quanto a luta na terra: repassar as

informações e os ideais do MST com maior fluidez, rompendo as barreiras

geográficas e econômicas inerentes ao processo de luta.

Não tendo o registro comercial e não se enquadrando no perfil de rádio comunitária

(alcance de até 9 km de raio, segundo as leis de radiodifusão) a Rádio

Transformação FM é uma rádio livre. Nos cinco meses em que está no ar,

conquistou o gosto da população de Querência do Norte, que assiduamente

sintoniza a emissora, e até de empresas do comércio local, que lhe concedem apoio

cultural como forma de obter inserções diárias em sua programação, visando

aumentar as vendas.

Uma outra ação importante da rádio é a transmissão de notícias, mas com uma

leitura diferenciada efetuada pela coordenação do MST. Há inserção de músicas de

viola tocada ao vivo nas manhãs de domingo, ação que visa resgatar a cultura

camponesa. Além disso, bailes em assentamentos e atividades da luta são

veiculados, aumentando a presença de pessoas da região nestas atividades.

Desta forma, o trabalho de base e a conscientização política junto tanto à população

em geral como aos assentados e acampados ocorre diariamente, sem o gasto com

transporte e mobilização de um grande número de pessoas, mas num rádio de ação

territorial nunca antes alcançado com tal qualidade e dimensão.

100 Atualmente, devido à conjuntura, a rádio é itinerante, acompanha o acampamento e já se deslocou duas vezes desde que foi implantada.

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Figura 34: Estúdio da Rádio Transformação FM – Acampamento Luiz Carlos

Prestes. Fonte: Trabalho de campo, março de 2003.

De maneira geral, a presença da Rádio Transformação FM, a ação da COANA e a

reestruturação do MST nos assentamentos rurais dinamiza os canais de

socialização política para quem está vinculado à luta na terra, à luta pela terra, bem

como fora dela. Articulado em rede, a gestão territorial fomentada pelo MST permite

avanços políticos e econômicos na luta contra o capital, colocando os camponeses –

ainda que a um preço muito caro (sofrimento, mortes, por exemplo) e de maneira

fracionada (política de assentamentos e de crédito aquém das necessidades) –

como público-alvo da ação do Estado.

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277

4.2.4 Renda

Entende-se por renda o valor econômico gerado por um grupo familiar101, cujo

destino é o sustento material e fisiológico (alimentação, saúde, educação, transporte,

etc), do (s) indivíduo (s) que a compõe, bem como a reposição dos elementos

necessários para a realização do trabalho e da manutenção da moradia. No caso do

campesinato, esta segunda função da renda está intimamente ligada ao

investimento na atividade agropecuária (compra de insumos, sementes, ferramentas,

peças e máquinas) que no conjunto garantem a manutenção e reprodução das

atividades produtivas na terra de trabalho.

No Brasil, a discussão sobre renda presente em pesquisas que abordam a realidade

dos assentamentos tende a seguir os parâmetros teórico-metodológicos

pioneiramente propostos e executados pela FAO (Fundo das Nações Unidas para a

Agricultura e a Fome), instituição que no início da década de 1990 conduziu um

importante levantamento das condições socioeconômicas das famílias assentadas

(FAO, 1992).

Em suas análises, a FAO utilizou um amplo conceito de renda, composto por

categorias intermediárias e complementares, entre elas a renda agrícola, ligada à

produção de grãos, a renda animal, relacionada a venda de animais e seus produtos

(leite, peles, etc), a renda de autoconsumo (produção agrícola ou animal voltada à

manutenção da família e animais), a renda de outros trabalhos (remuneração como

empregado temporário ou permanente obtida por membros da família fora da

unidade produtiva) e a renda de outras receitas, cuja base são produtos da industria

rural e/ou extrativismo comercializados, conforme GUANZIROLI (1994).

101 Composto, basicamente, pelo pai, a mãe e os filhos (família nuclear), podendo agregar outros elementos em relação ao chefe da família: avós, irmãos, parentes distantes, afilhados, ou mesmo moradores de condição que desempenham trabalho no lote (família extensa), sem no entanto pagar um valor monetário, mas todos com uma característica de dependência, solidariedade e afetividade. No caso de pessoas solteiras que não possuem cônjuge ou agregados, a mesma é contada como uma família.

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Entre 1996 e 1997, um projeto importante para a análise da realidade dos

assentamentos rurais no Brasil ocorreu mediante a divulgação dos dados do I Censo

da Reforma Agrária, trazendo novas informações para a discussão sobre a política

de assentamentos e seus resultados.

Paralelamente, centenas de pesquisas elaboradas por todo o País, abordando um

assentamento rural, vários assentamentos em um município, uma região ou um

Estado, têm compartilhado as metodologias propostas pela FAO, ou se lançado a

criação de propostas renovadas, como os RISTs (Relatórios de Impactos

Sócioterritoriais), metodologia proposta pela equipe do NERA – Núcleo de

Pesquisas, Estudos e Projetos de Reforma Agrária, da FCT/Unesp de Presidente

Prudente. No seu conjunto e a partir de métodos particulares, os pesquisadores vêm

revelando em suas análises a importância dos assentamentos rurais para a

recriação do campesinato, para a renovação no patamar de desenvolvimento rural

local/regional, entre outras questões.

Apesar dos avanços no campo da pesquisa, cujos resultados permitem (re)pensar a

questão dos assentamentos e propor projetos e ações para resolução dos

problemas levantados, severas são as críticas propostas por pesquisadores

contrários à política de assentamento e à reforma agrária, sobretudo em relação à

metodologia utilizada para levantar a renda das famílias assentadas.

Na pesquisa realizada pela equipe da FAO em 1994, a renda familiar média dos assentados foi calculada em 3,7 salários mínimos por mês. O valor tornou-se motivo de controvérsias, pois 37% daquela renda era definido como “renda de autoconsumo”, enquanto outros 26% representavam rendimento de atividades “não agrícolas”. Monetariamente, portanto, as famílias assentadas apresentavam baixo rendimento advindo da produção rural. (GRAZIANO NETO, 1998, p. 167).

Em dezembro de 2002, visando o planejamento territorial, o MST elaborou e

desenvolveu nacionalmente um processo intensivo de formação política em todos os

assentamentos rurais e, paralelamente, família a família, colocou em prática uma

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metodologia de pesquisa para levantar a realidade política, econômica e social dos

assentados.

De maneira geral, os dados obtidos neste “Mutirão do MST”, como ficou conhecido,

serviriam para obter um “raio X” dos assentamentos rurais. Posteriormente, ações

políticas junto ao INCRA, Governo Federal e à militância, seriam elaboradas para se

resolver os problemas levantados. Assim, pesquisa, planejamento e ação se

configuravam enquanto uma aposta do MST para avançar na resolução das

questões inerentes aos assentamentos rurais e acampamentos.

No questionário socioeconômico, o MST optou por fazer o levantamento de renda

das famílias assentadas tomando como referência o ciclo produtivo do ano civil (12

meses de 2002), anotando todas as informações referentes à venda de produtos

agrícolas efetuada no período (renda agrícola - proveniente da venda de arroz, soja,

milho, feijão, algodão, etc), bem como a renda de origem animal (obtida pela venda

do leite, carne, animais), renda proveniente de aposentadorias e pensões, a renda

de trabalho fora do lote (assalariamento temporário e permanente) e a renda

proveniente de programas de auxílio social promovidas pelo Estado (Bolsa Escola).

Participando junto à militância nos cursos de preparação e formação para o Mutirão,

onde se discutiu a metodologia para o correto preenchimento dos questionários e

divisão de equipe (duas pessoas) e tarefas, bem como os elementos imprescindíveis

para o trabalho de base e a formação política junto às famílias pesquisadas,

ingressamos no processo, fizemos a discussão com todos cerca de 50 militnates e,

durante 21 dias, assumimos, juntamente com um companheiro da regional, a tarefa

de desenvolver o trabalho no pré-assentamento Porangaba II, compartindo o

trabalho de base e a pesquisa com suas 75 famílias.

Durante o mês de dezembro, praticamente todas as famílias foram visitadas e os

questionários foram enviados a Curitiba para catalogação e digitação em um banco

de dados. Mediante uma discussão com a Secretaria Regional do MST em

Querência do Norte e Secretaria Estadual do MST em Curitiba, em reconhecimento

ao trabalho de pesquisa e ação política, foi-nos autorizado acessar os questionários

referentes às famílias assentadas em Querência do Norte, o que nos forçou pensar

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uma metodologia específica para o tratamento e a representação das informações

presentes no material analisado.

Em relação à renda, os dados por hora apresentados têm conexão com a

metodologia de coleta, mas enquanto representação, nos preocupamos em agregá-

los de forma a pensar uma metodologia que quebrasse o clássico agrupamento

simples elaborado por quase todos os pesquisadores voltados à temática (Tabela

27) que, na rigidez do método, impede uma discussão mais aprofundada sobre o

caráter da renda dos assentados, cujo elemento central é a realidade de cada

família e não seu agrupamento ou conjunto, o que abre brecha toda a sorte de

críticas por parte de pesquisadores contrários á reforma agrária. Além disso,

dependendo da maneira como se organizam e são representados os dados, fica

difícil o diagnóstico que permita o planejamento de políticas para reverter as

situações-problema em relação às famílias que possuem baixa renda em suas

atividades cotidianas, sobretudo porque as médias tendem a mitigar a dimensão dos

problemas..

Tabela 27: Querência do Norte – Renda das Famílias assentadas em salários mínimos.

Classes de Renda (Salários Mínimos por Mês SM/M )

Pontal do Tigre

Chico Mendes

Che Gue-vara

Marga-rida

Alves

Zumbi dos

Palmares

Luiz C. Prestes

Unidos pela Terra

Antonio Tavares

Poran- gaba II

%

- de 1 1,71 1,41 0,93 0,32 - 0,62 - 1,4 2,64 9,03%1 a –2 15,97 5,58 3,42 0,62 - 3,88 0,93 3,26 4,34 38,00%2 a – 3 11,35 2,48 2,02 0,48 0,48 1,55 0,93 0,32 2,03 21,64%3 a – 4 8,68 1,71 0,47 1,41 0,76 0,62 0,31 0,32 1,09 15,37%4 a – 5 3,72 0,76 0,93 - 0,76 0,32 0,62 0,48 0,32 7,91%5 a – 6 1,24 0,32 0,62 - 0,32 - 0,31 0,16 - 2,97%6 a – 7 0,48 - 0,33 0,16 0,76 0,16 - - 0,47 2,36%7 a – 8 0,48 - 0,16 0,16 0,16 - 0,16 - 0,32 1,44%8 a – 10 - - - - 0,16 - - - - 0,16%10 a – 12 0,16 - - - - - - - 0,16 0,32%12 a – 14 0,16 - - - - - - - - 0,16%19 - - - - - - - 0,16 0,16%22 0,16 - - - - - - - - 0,16%35 - - 0,16 - - - - - - 0,16%42 - - 0,16 - - - - - - 0,16%Total 44,11 12,26 9,2 3,15 3,4 7,15 3,26 5,94 11,53 100%

Fonte: Mutirão do MST - Querência do Norte, dezembro de 2002. Tabulação e organização: Sérgio Gonçalves.

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Base de dados: 645 famílias. Valor do Salário Mínimo - R$ 200,00

Segundo estas informações, 9,3% da população assentada tem dificuldades

financeiras, pois sua renda é inferior a um salário mínimo. Por outro lado, 38% das

famílias assentadas alcançam renda na faixa de um a dois salários mínimos por

mês, um grupo que se pode classificar enquanto de transição entre um nível de

renda satisfatório e um nível de renda ruim. Apesar dessas famílias estarem em

situação financeira compatível com a renda do trabalhador urbano deste

município102, este nível de renda dificulta elaborar investimentos na unidade

produtiva familiar.

Em situação regular de renda (2 a 3 salários mínimos) estão 21,64% dos

assentados. Por outro lado, 31,33% das famílias assentadas possuem renda situada

na faixa que vai dos 3 aos 42 salários mínimos.

Se por um lado esta disparidade nos números demonstra um forte processo de

diferenciação entre os assentados, sua base não é meramente econômica e social,

como reza a teoria clássica.

Na verdade, não existem problemas sociais cuja existência não esteja vinculado à

questão política. No caso dos assentamentos, a diferenciação ocorre a partir da

conjugação dos elementos da questão agrária e do destrato do Estado na gestação

da política de financiamento à agricultura camponesa, a quantidade de anos em que

o P.A. foi regularizado, a presença de infra-infraestruturas sociais (energia, elétrica,

água, escola, etc), o tamanho dos lotes em hectares, presença de agroindústrias, a

distância e o poder de compra do mercado consumidor, a relação com as redes de

comercialização, a fertilidade do solo (renda diferencial), se a família se dedica a

uma atividade agropecuária valorizada (arroz, leite) ou não (milho, mandioca, etc) e

em que escala é feita esta produção, o direito à seguridade social (aposentadoria e

pensão), etc.

102 Segundo informações da Associação Comercial e Industrial de Querência do Norte – ACIQUEN.

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A conjunção destes elementos concorre para que haja diferentes níveis de

consolidação socioeconômica das famílias assentadas. A questão central é que esta

metodologia permite o reconhecimento do perfil macroeconômico do (s)

assentamento (s) rural (is), mas uma série de questões pertinentes, como o perfil

produtivo das famílias, a história do lugar e o aceso a créditos, por exemplo, não são

contemplados. Desta forma, os números têm mais valor que os fatos.

Organizando de uma forma particular os dados de renda referentes a cada família

assentada e expondo sua relação com os elementos políticos, sociais e econômicos

dos assentamentos pesquisados, podemos avançar em relação à apreensão do

maior nível possível de informações sobre a realidade econômica e o perfil produtivo

dessas famílias.

Priorizando a apresentação das informações sobre as atividades econômicas

desenvolvidas no lote (agricultura, leite), além de seus complementos, como as

rendas externas (programas sociais para populações carentes como o bolsa-escola,

aposentadorias, venda da força de trabalho e o recebimento de salários e diárias

fora do lote, via assalariamento permanente e/ou temporário), pode-se chegar ao

nível de conhecer tanto a realidade macro dos assentamentos rurais, como caso a

caso a organização produtiva da unidade familiar de produção.

Neste sentido, a Figura 35 possui quadros que correspondem a um assentamento

rural, cada traço horizontal destes quadros demarcam o valor monetário de um

salário mínimo de renda numa escala de 0 a 10, cada barra vertical representa a

renda obtida por uma família nestes assentamentos, observando-se ainda as

especificidades da origem dessa renda (leite, agricultura, bolsa escola, renda obtida

fora do lote, aposentadoria, pensão). Para as famílias que possuem renda mensal

acima de 10 salários mínimos, fez-se necessário criar um quadro à parte com

valores até 42 salários mínimos por mês.

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FIGURA 35: RENDA DAS FAMÍLIAS ASSENTADAS SEGUNDO A ORIGEM, 2002.

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Trabalhando as informações sobre renda, organização do lote, bem como as

discussões presentes neste texto em relação a créditos obtidos, tempo de

assentamento das famílias (há quantos anos estão na terra?), podemos enfim,

discutir qual não só o perfil produtivo das famílias e qual o nível de consolidação econômica das mesmas, mas também porquê elas estão nesta situação e o que se pode fazer para contorná-la. Neste exercício, inferimos que:

• Assentamentos novos como os projetos Antônio Tavares Pereira, Luis Carlos

Prestes e o pré-projeto Porangaba II apresentam níveis de renda variando

entre valores baixos (2 SM/M - Salários Mínimos por Mês) e baixos (menos de

1 SM/M).

• Nos extratos que superam esta faixa de renda, ou mesmo nestes extratos de

renda, sobretudo no P.A. Antonio Tavares Pereira e na Porangaba II, é muito

alta a participação de renda proveniente de trabalhos fora do lote, sobretudo

na condição de bóia-fria.

• Entre os fatores que condicionam a existência de rendas baixas e a

dependência ao trabalho externo ao lote estão o não acesso aos créditos

bancários para investimentos por estas famílias (rever as tabelas 21, 22 e 24)

e a imobilidade do INCRA em arrecadar a fazenda Porangaba II e assentar

definitivamente as famílias ocupantes e que desde 1996 estão produzindo na

área. Por outro lado, com uma base produtiva excessivamente agrícola –

salvo o P.A. Luiz Carlos Prestes, onde a renda proveniente da venda de leite

é expressiva, estes produtores rurais desenvolvem uma agricultura de baixa

produtividade, pois é caro investir em insumos e equipamentos, produzem

lavoura de baixo valor comercial, com destaque para o milho, o feijão e o

algodão. É certo que há aqueles que investem em soja e até na mandioca,

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mas os dissabores do mercado, sobretudo em relação aos preços obtidos

pelos produtores 103, impactam de maneira mais consistente agricultores

pouco consolidados economicamente.

• Em relação aos assentamentos Chico Mendes, Che Guevara, Margarida

Alves, Zumbi dos Palmares, Unidos pela Terra e, em parte, Pontal do Tigre, o

acesso aos créditos e a condição de assentamento conquistada a mais tempo

permitiram a inserção produtiva dos assentados e a conquista de um nível de

renda satisfatório (2 SM/M e acima desse patamar), atestando a consolidação

das famílias via inserção em um ou mais circuitos produtivos.

• É claro que há problemas, pois é expressivo o número de pessoas com

rendas inferiores a 2 SM/M no assentamento Pontal do Tigre, e ainda, nesta

área, naqueles extratos superiores a este valor, é grande o número de

famílias cuja renda depende da injeção de dinheiro externo ao lote ao lote,

sobretudo aposentadoria. Mas é importante notar que as famílias com menor

renda geralmente se dedicam a uma linha de produção e, no caso do leite, as

ações do MST certamente vão contribuir para modificar e dinamizar tais

unidades produtivas. Em relação à questão das aposentadorias, apesar de

sua importância em relação ao total da renda familiar, este é um direito

conquistado pelos assentados e muitas vezes a falta de jovens para

desempenhar as atividades produtivas fazem com que o assentado idoso se

insira em atividades menos intensivas em trabalho, como a coleta do leite.

• Há que se destacar a importância do leite na geração de riquezas nos

assentamentos Margarida Alves, Unidos pela Terra, Chico Mendes, Pontal do

103 Apesar das condições de solo permitirem uma alta produtividade desta cultura, nos último anos o preço da mandioca esteve situado em patamares muito elevados. Para se ter uma idéia, em 2001 a raiz chegou a valer R$ 170,00 a tonelada. Em dezembro de 2002, quando foi realizado Mutirão do MST, a tonelada da raiz estava cotada em pouco mais de R$ 30,00, causando uma série crise no setor e prejuízos aos produtores. Com o preço em recuperação, no final de 2003 esteve cotada a R$ 200,00 a tonelada e neste início de 2004, R$ 280,00. Esta dinâmica de preços prejudica as famílias assentadas e os demais produtores. Por falta de planejamento, quando um produto X está valorizado, centenas de famílias se inserem naquele circuito produtivo. O conseqüente aumento do total produzido faz com que as agroindústrias paguem preços irrisórios aos produtores. Sem acesso ao seguro agrícola, os prejuízos dos camponeses tendem a causar um impacto negativo que atrasa por meses e até anos a possibilidade de recuperação da renda das famílias afetadas.

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Tigre e Luis Carlos Prestes, sobretudo pela expressividade do número de

SM/M obtidos por alguns assentados.

• Em relação à agricultura, há que se destacar que produtores assentados nos

projetos Pontal do Tigre, Che Guevara e Zumbi dos Palmares, cujas rendas

ultrapassam os 5 SM/M, ocorrem geralmente nos lotes situados na várzea,

favorável ao desenvolvimento da valorizada cultura do arroz. Por outro lado,

muitos assentados também situados na várzea não possuem capital e

maquinaria específica para explorar produtivamente sua terra. Como

pastagens e outras lavouras não se desenvolvem satisfatoriamente neste tipo

de solo, criam-se as condições para o subdesenvolvimento de famílias que

através de linhas de créditos específicos poderiam constar no rol das mais

consolidadas, e não no patamar de subdesenvolvimento onde se encontram.

• De maneira geral, a dinâmica de organização do lote, o acesso a recursos

financeiros, a inserção em circuitos produtivos valorizados (arroz, soja, leite,

etc) ou flutuantes entre a crise e a expansão (mandioca), voltados para a

subsistência ou pouco valorizados (algodão, milho, etc), bem como a

dinâmica inerente ao mercado (preços recebidos pelos produtores, a ação

dos atravessadores e a própria cooperação agrícola), contribuem para um

processo de diferenciação dos camponeses dentro e entre os assentamentos

rurais.

Apesar dos limites estruturais e políticos do processo de assentamento e da própria

questão agrícola brasileira no que toca a garantia de preços mínimos para produtos

da agricultura camponesa, de maneira geral e apesar das dificuldades, os

trabalhadores assentados possuem emprego, moradia e acesso a bens de consumo

duráveis que, a priori, denotam o sucesso do processo de assentamento rural

enquanto política de inclusão social.

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Tabela 28: Querência do Norte – Acesso a energia elétrica e posse de bens de

consumo duráveis nos assentamentos rurais, 2002.

Assentamento

Energia Elétrica

TV

Geladeira

Freezer

Fogãoa Gás

Moto

Carro

Nenhum destes Bens

Pontal do Tigre 286 265 232 184 277 7 95 1Chico Mendes 79 61 55 18 74 2 33 3Che Guevara 59 53 52 17 59 - 11 - Margarida Alves 20 16 17 7 19 - 2 - Zumbi dos Palmares 22 21 15 14 22 2 13 - Luiz Carlos Prestes 46 39 36 19 45 2 10 - Unidos pela Terra 21 17 19 9 21 - 3 - Antonio Tavares Pereira 2 13 13 7 34 - 4 2Total 535 485 439 275 551 13 171 6Percentual 93,7% 85% 76,9% 48,2% 96,5% 2,3% 30% 1,1%Fonte: Mutirão do MST, dezembro de 2002. Organização: Sérgio Gonçalves. Base de cálculo: 571 questionários. Tabela 29: Querência do Norte – Condição de moradia nos assentamentos

rurais, 2002. Assentamento

Madeira

Madeira e Alvenaria

Alvenaria

Lona

N. A.

Tábua e Lona

Total

Pontal do Tigre 35 12 238 - 1 - 286Chico Mendes 1 78 - - - - 79Che Guevara 1 - 58 - - - 59Margarida Alves 1 - 19 - - - 20Zumbi dos Palmares 1 - 20 1 - - 22Luiz Carlos Prestes 6 1 39 - - - 46Unidos pela Terra 1 2 18 - - - 21Antonio Tavares Pereira 17 2 8 8 2 1 38Total 63 95 400 9 3 1 571Percentual 11% 16,6% 70,1% 1,6% 0,5% 0,2% 100

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%Fonte: Mutirão do MST, dezembro de 2002. Organização: Sérgio Gonçalves. Base de cálculo: 571 questionários.

Reconhecendo o rol de questões que envolvem as famílias assentadas, a luta na

terra processada pelo MST agrega pouco a pouco os trabalhadores no sentido de

alavancar seu desenvolvimento social, econômico e político. Analisando os dados

por hora apresentados, muitos cientistas diriam que o MST não tem atingido 100%

seu objetivo, que a reforma agrária não dá certo, que as famílias possuem um nível

de renda baixo, etc. Ora, a questão dos assentamentos rurais não pode ser

compreendida somente através das informações econômicas. Não devemos

esquecer que entre 1998 e 2002, em meio a todo tipo de perseguição política e

policial, dezenas de projetos foram negados ao MST, mas mesmo assim os sem-

terras conseguiram criar condições objetivas (cooperativas, resfriador, projetos, ação

educativa, etc) para avançar em seu projeto.

Há que se destacar que este é um trabalho lento e que a própria reminiscência do

que é a questão agrária e seus elementos norteadores contribuem para que haja um

avanço salutar na condição de vida dos trabalhadores antes excluídos, mas que, a

cada dia, o desenvolvimento do capitalismo no campo e a omissão do Estado em

relação à agricultura camponesa forçam a continuidade do processo de

diferenciação e exclusão social no campo.

Assim, o desafio de organizar a base, de gestar experiências coletivas e associativas

mais consolidadas, de fechar ou participar das cadeias produtivas, oferecendo

melhor preço aos produtos do campo, a luta por crédito e assistência técnica, as

ações visando mudar a base técnica da produção agropecuária, entre outras

questões, são elementos da realidade que o MST tenta mediar e, entre sucessos e

insucessos, dá a sua contribuição no sentido de apontar uma nova e diversificada

forma de tratar a questão da agricultura camponesa neste País.

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Neste mês de fevereiro de 2004, o MST está envolvido negociações que poderão

melhorar a renda das famílias assentadas e consolidar a produção de leite: a compra

de um laticínio situado no município ou a construção de uma unidade produtiva. A

principio, já existe uma linha de crédito disponível, mas as articulações do capital

exigem uma análise profunda da situação para que a sustentabilidade do negócio

ocorre sem problemas, isto porque o laticínio em voga custaria ao MST

R$ 600.000,00 (seiscentos mil Reais), possui uma estrutura um pouco defasada e

dívidas a pagar.

Apesar de a construção de um laticínio moderno demandar o mesmo valor,

investimento que seria mais prático de ser elaborado pelas condições técnicas, a

rede de laticínios Líder104 também está tentando comprar o laticínio Querência, mas

a COANA tem preferência no negócio. Assim, a confirmação da compra resultaria no

investimento em uma planta defasada, mas a não consecução do negócio levará à

presença de um concorrente de peso no mercado local, podendo frustrar as

expectativas da cooperativa.

4.2.5 A luta pela terra hoje

Durante a campanha para Presidente da República e Governador de Estado

transcorrida no ano de 2002, o MST apoiou os candidatos do PT (Partido dos

Trabalhadores). No caso do Paraná, o candidato do partido não chegou ao segundo

turno. Apesar da frustração, o MST e o PT apoiaram o candidato Roberto Requião,

ligado ao PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro).

Nesta fase da campanha, PT e PMDB uniram forças. Apoiando a coligação política,

o MST destacou centenas de sem-terras para fazer a militância nos principais

centros urbanos do Estado (Londrina, Maringá, Ponta Grossa, etc) e na Capital.

Após a vitória de Roberto Requião, o Estado criou uma Secretaria de Assuntos

104 Mega-empresa que está em terceiro lugar no ranking de envasamento de leite no Brasil, perdendo somente para as companhias Nestlé e Parmalat.

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290

Fundiários para mediar os conflitos, coordenada pelo candidato derrotado do PT,

Padre Roque Zimermann.

Enquanto transcorria o pleito político, todas as regionais do MST aceleraram os

trabalhos de base. Em Querência do Norte, o Setor de Frente de Massas conseguiu

coordenar uma série de reuniões no município e em localidades vizinhas. Essa

retomada da força organizativa do MST esteve vinculada às perspectivas de

ascensão de Luis Inácio Lula da Silva a Presidente da República.

Na sede da COANA, o MST organizou reuniões massivas contando com mais de

500 famílias. Neste espaço, as lideranças discutiam a luta pela terra na região, as

perspectivas da conjuntura política em relação à reforma agrária, além das

possibilidades de retrocesso (ações de contra-reforma agrária) desenvolvida pelo

capital contra os sem-terra.

Em 2003, já definida a questão política nacional e estadual, cresceu a preocupação

do MST em relação ao risco iminente de conflitos, haja visto que neste ano no

Estado do Paraná, membros da UDR e outros grupos, sobretudo o chamado PCR –

Primeiro Comando Rural105, divulgavam amplamente na mídia sua discórdia contra

as organizações de luta por terra, declarando veementemente a possibilidade de

novos atritos, inclusive armados, para a defesa da propriedade rural.

Cientes de que o avanço da luta pela terra demanda organização, formação política

e ações concretas e que a contra-reforma agrária encontra-se na pauta política das

classes reacionárias (latifúndio), o MST desenvolveu uma nova forma de ação

territorial para contornar a situação: montar acampamentos em assentamentos

rurais, em não mais em beiras de estradas e fazendas para evitar conflitos.

Em fevereiro de 2003, o MST realizou reuniões com a coordenação e as famílias

assentadas do projeto Luiz Carlos Prestes, que aceitaram a organização de um

acampamento de sem-terras na área social do assentamento.

105 Em alusão ao PCC – Primeiro Comando da Capital, uma organização criminosa organizada no interior de presídios estaduais que criou uma rede criminosa no Estado de São Paulo.

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Em menos de um mês, 628 famílias foram reunidas e montaram um grande

acampamento no assentamento, sendo batizado de “Luiz Carlos Prestes”. Apoiando

ainda mais a luta, as famílias assentadas permitiram o uso da água de um poço

artesiano, acesso à rede de energia elétrica (todos os barracos possuíam luz, alguns

contavam até com geladeira e máquina de lavar roupas, garantidos através do rateio

da energia elétrica consumida), construíram um parque para as crianças brincar e

uma família cedeu a casa onde estava morando para funcionar no imóvel um posto

de saúde106 e rádio.

Figura 36: Acampamento Luiz Carlos Prestes. Fonte: Trabalho de Campo, março de 2003

No espaço coletivo do acampamento, o MST dividiu as tarefas organizativas em uma

Coordenação, composta por coordenadores eleitos entre as pessoas organizadas

em núcleos de 10 a 20 famílias. Além disso, cada núcleo familiar recebeu a

incumbência de indicar pessoas responsáveis para assumir as coordenadorias de

saúde, educação, limpeza, mística, segurança e finanças.

106 No mesmo imóvel passou a funcionar tempos depois a Rádio Transformação FM. A família que cedeu a casa foi morar num barraco de lona com os demais acampados.

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Desta forma, todo e qualquer problema ocorrido no interior dos grupos poderia ser

contornado e as informações discutidas nas assembléias realizadas pelos

coodenadores chegariam à base. Além disso, durante as manhãs de domingo

aconteciam grandes assembléias, contando com a participação massiva das

famílias.

Em relação à educação, o assentamento Luiz C. Prestes não contava com unidade

escolar. Para contornar a situação, a coordenação do acampamento levantou o

número de alunos, organizou reuniões com a Secretaria Municipal de Educação e,

aproveitando um barracão do assentamento, ali organizou uma escola rural, com

seriação de 1a a 4a série do ensino fundamental, com professores deslocados da

cidade e pagos pela Prefeitura.

Para os demais estudantes, a Prefeitura disponibilizou ônibus para fazer o transporte

até o centro urbano. Preocupado com o alto índice de analfabetos, o MST articulou o

Setor de Educação, trouxe militantes de outras regionais (Pólo de Terra Rica),

preparou educadores no acampamento e montou turmas de alfabetização de jovens

e adultos.

Promovendo festas e bailes, um dos quais contou com cerca de 4.000 pessoas

provenientes de municípios da região, os acampados montaram uma rádio

comunitária (Rádio Transformação FM) com alcance de 50 km de raio, dinamizando

a socialização política. Para fazer o abastecimento interno, organizaram um barraco

que funcionava como mercado, oferecendo uma diversidade de produtos (arroz,

feijão, embutidos, carne, etc) com preços mais acessíveis que os da cidade. Além

disso, o acampamento contava com um posto de saúde, onde os acampados

assumiram as tarefas de cuidar da unidade de saúde e da diversidade de problemas

relativos a esta questão, como curativos, primeiros socorros, inalação, aplicação de

injeções, medição de pressão arterial, etc.

Durante as assembléias, o tema ocupação de fazendas era recorrente. Inclusive, um

grupo de 80 famílias provenientes de Santa Izabel do Ivaí, descontentes com a

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aparente inércia do MST, rompeu com a organização e, por conta própria,

abandonou o acampamento e realizou uma ocupação neste município.

A impaciência das demais famílias chegou ao fim no dia 06 de agosto de 2003,

quando 490 famílias 107ocuparam as terras da fazenda Água da Prata, que nos

últimos 07 anos foi ocupada outras três vezes108, redundando na morte de um sem-

terra. Em homenagem a sua memória, o acampamento foi denominado “Sebastião

da Maia”, conforme Figura 37.

107 As 58 famílias restantes ficaram guardando a rádio Transformação no acampamento Luis Carlos Prestes. Somente em 31 de agosto as famílias, bem como os equipamentos da rádio foram deslocados para a ocupação da fazenda Água da Prata. 108 Na última das três ocupações anteriores, o INCRA proibiu a área de vistoria por dois anos. Neste ínterim, o fazendeiro arrendou a fazenda para grandes agricultores da região, visando aumentar os índices de produtividade da área. No dia da ocupação, o acampamento foi organizado em meio uma ampla plantação de milho e aveia.

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Figura 37: Acampamento Sebastião da Maia (fazenda Água da Prata). Fonte: Trabalho de Campo, 22 de agosto de 2003.

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Uma grande diferença do contexto atual da luta pela terra em relação ao processo

de lutas desencadeadas pelo MST nos últimos anos é a presença massiva de bóias-

frias e habitantes de Querência do Norte nesta ocupação. No município, o

proletariado rural (bóias-frias, assalariados) e os pequenos arrendatários, devido a

sua condição de reprodução e trabalho, dificilmente se inseriam nos acampamentos

e ocupações, pois lutando contra os fazendeiros estes lhes negavam trabalho em

suas propriedades rurais.

Tabela 30: Acampamento Água da Prata – profissão do chefe da

família anterior ao acampamento. Profissão No de Informantes % Serviços Gerais 1 2,2%Arrendatário 1 2,2%Servente de Pedreiro 1 2,2%Marceneiro 1 2,2%Motorista 1 2,2%Tratorista 2 4,4%Pedreiro 2 4,4%Filho de Pequeno Proprietário 6 13%Bóia-fria 31 67,2%Total 46 100%

Fonte: Trabalho de campo, agosto de 2003.

Outra característica é que a pobreza das famílias fazia com que as dificuldades do

dia-a-dia no acampamento se multiplicassem. Somada a esta situação, a violência

praticada por jagunços e polícia forçavam a desistência dos acampados. Sem

alternativas, muitos ainda retornavam quando a situação de violência melhorava ou

havia notícias de novos assentamentos, mas quando as dificuldades cresciam,

novamente se concretizavam as desistências.

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Tabela 31: Acampamento Água da Prata – Trajetória da família na luta pela terra.

Na ocupação, passou por quantas fazendas? Havia acampado anteriormente?

Primeira Vez

Uma Fazenda

Duas Fazendas

De Três a Cinco

Fazendas

Total

Não acampou 22 22Sim: menos de 1 mês 1 1Sim: de 1 a 2 meses 1 1Sim: de 3 a 5 meses 9 1 10Sim: de 6 meses a 3 anos

3 1 8 12

Total 22 14 2 8 46Fonte: Trabalho de campo, agosto de 2003.

Na atualidade, a presença de bóias-frias e trabalhadores temporários em geral no

acampamento representa uma aposta destes trabalhadores em um outro caminho

para vencer as dificuldades representadas pela sazonalidade e baixa remuneração

da sua mão-de-obra no mercado de trabalho, haja visto que 73,9% dos chefes de

família entrevistados não tinham renda, ou ganhavam até R$ 250,00 (duzentos e

cinqüenta reais) por mês, ou seja: pouco mais de 1,2 salários mínimos por mês

(valor de referência – R$ 200,00)

Tabela 32: Acampamento Água da Prata – renda do chefe da

família. Faixa de Renda No de Informantes % Acumulado Sem renda 2 4,4% 4,4% Menos de R$ 150,00 11 23,8% 28,2% R$ 151,00 a R$ 200,00 13 28,3% 56,5% R$ 201,00 a R$ 250,00 8 17,4% 73,9% R$ 251,00 a R$ 300,00 6 13% 86,9% R$ 301,00 a R$ 350,00 2 4,4% 91,3% R$ 500,00 a R$ 600,00 4 8,7% 100% Total 46 100%

Fonte: Trabalho de campo, agosto de 2003.

Outra informação pertinente diz respeito a origem dos acampados. Apesar de 50%

dos trabalhadores serem provenientes de Querência do Norte, a outra metade das

famílias conta com pessoas das regiões Noroeste, Sul e Oeste do Paraná, além de

trabalhadores do Rio Grande do Sul e brasiguaios (brasileiros que viveram no

Paraguay e estão retornando para o Brasil).

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Tabela 33: Acampamento Água da Prata – origem da família segundo o Estado/País e o local de moradia.

Município Estado/País Urbano Rural Total % Laranjal Paraguai 0 1 1 2,17% Caxias do Sul RS 1 0 1 2,17% Douradina PR 1 0 1 2,17% Icaraíma PR 1 0 1 2,17% Loanda PR 1 0 1 2,17% Maripá PR 1 0 1 2,17% Monte Alegre PR 1 0 1 2,17% Planalto PR 0 1 1 2,17% Sta. Izabel do Ivaí

PR 1 0 1 2,17%

Sta. Mônica PR 0 1 1 2,17% Tamboara PR 0 1 1 2,17% Tuneiras do Oeste

PR 1 0 1 2,17%

Porto Rico PR 1 1 2 4,36% Santa C. M. Castelo

PR 6 3 9 19,6%

Querência do Norte

PR 14 9 23 50%

Total 16 29 16 45 100% Fonte: Trabalho de campo, agosto de 2003.

Apesar das críticas da mídia e dos fazendeiros, nos últimos 15 anos a luta pela terra

configura-se como o único instrumento político capaz de conter o êxodo rural,

recriar o campesinato e permitir a existência e reprodução social de centenas de

pessoas com dignidade, trabalho diário, renda e qualidade de vida. Assim, 95,81%

das famílias assentadas no município tiveram que acampar para conquistar

definitivamente109 a terra de trabalho.

109 Apesar de 1,86% dos assentados terem comprado os lotes rurais onde vivem, simplesmente ocorre a saída de um produtor e a entrada de outro em seu lugar. Como uma pessoa não pode possuir mais de um lote, a contradição da propriedade da terra não avança no sentido da concentração fundiária que é uma das bases da exclusão camponesa.

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300

Tabela 34: Querência do Norte - forma de acesso a terra pelos assentados. Assentamento Acampamento Ex-funcionário Compra Troca N.A. Posse Total

Pontal do Tigre

268 1 9 - 6 2 286

Chico Mendes 74 - 3 2 - - 79Che Guevara 59 - - - - - 59Margarida Alves

19 - 1 - 20

Zumbi dos Palmares

22 - - - - - 22

Luiz Carlos Prestes

43 3 - - - - 46

Unidos pela Terra

21 - - - - - 21

Antonio Tavares Pereira

38 - - - - - 38

Porangaba II 74 - - - - 74Total 618 4 12 3 6 2 645Percentual 95,81% 0,62% 1,86% 0,47% 0,93% 0,31% 100%

Fonte: Mutirão do MST, dezembro de 2002. Organização: Sérgio Gonçalves. Base de cálculo:645 questionários

Por conta das articulações políticas entre o MST, o INCRA e principalmente, o

Governo do Estado, sobretudo através da Secretaria de Assuntos Fundiários, a luta

pela terra não está recebendo um tratamento diferenciado, pois as instâncias do

poder público vem agindo no sentido de arrefecer os ânimos das partes envolvidas

(fazendeiros e sem-terras), organizando ações de desarmamento de grupos

paramilitares, estabelecendo visitas pacíficas da polícia nos acampamentos, enfim,

entendendo a luta pela terra como uma ação de desobediência civil, e não como

caso de polícia.

A relação amistosa entre o MST e o Estado quase foi quebrada no dia 6 de

novembro de 2003, data em que a Justiça, através de um despacho da Juíza de

Loanda, determinou o despejo das famílias acampadas e a imediata reintegração de

posse da fazenda Água da Prata em favor de seus proprietários.

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Ao tomar conhecimento por telefone do deslocamento da polícia, rapidamente a

coordenação do MST acionou a rádio Transformação, colocando no ar a notícia do

despejo. Conclamando assentados, militantes e citadinos a se deslocarem rumo ao

acampamento (dista 10 km da cidade) para uma ação de reforço, quando os cerca

de 600 policiais da tropa de choque chegaram ao local, encontraram duas pontes

totalmente destruídas e somente uma estrada de acesso totalmente bloqueada,

além de milhares de pessoas em círculo obstruindo a possibilidade de ação da

polícia na área.

Figura 38: Acampamento Sebastião da Maia – mobilização de acampados contra o despejo. Fonte: Acervo de Fotos da COANA, novembro de 2003

Percebendo o risco iminente de conflito, já que os acampados portavam suas

ferramentas de trabalho, fizeram várias barricadas, queimaram algumas fogueiras,

fizeram várias armadilhas nos arredores da fazenda e seus negociadores se

negavam a organizar a saída pacífica da área, a polícia teve de recuar e desistir de

sua ação, o que significou uma grande vitória para o MST e confirmou a importância

tática e estratégica da rádio a favor da luta pela terra e pela reforma agrária.

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Durante duas semanas, o clima de medo marcou profundamente as famílias,

sobretudo porquê quebrou a idéia de que conflitos nunca mais ocorreriam no

município. Muitos passaram a temer ações como a ida à cidade, imaginado o risco

de serem presas. Contornando a situação, a Secretaria Estadual do MST (sede em

Curitiba) firmou um acordo com o Governo Requião para que até finais de março de

2004 nenhuma reintegração de posse seja desencadeada.

Em dezembro, as fortes chuvas e ventanias de verão destruíram dezenas de

barracos. A conjugação entre o desconforto da moradia, dificuldade de obter

trabalho e renda, a questão do despejo, entre outros elementos, geraram um clima

de abatimento e desesperança entre os acampados, forçando sua desistência do

processo de luta.

Em entrevista realizada em fevereiro de 2004, esta questão é vista pelos

coordenadores do Setor de Frente de Massas e pelos acampados mais experientes

como uma espécie de “vestibular do acampamento”, onde as famílias menos

resistentes abandonam as áreas pelo fato de que o assentamento vai demorar em

ocorrer, apesar de saber que há fazendas onde as lutas demoraram mais de 5 anos

para resultar em assentamento.

Atualmente, 260 famílias estão acampadas, organizadas em 26 grupos. Desde finais

de dezembro de 2003, cerca de 130 hectares de terra foram preparados para o

cultivo de milho, algodão, mandioca, abóbora, hortaliças e em fevereiro outros 50

hectares serão preparados com feijão. Além disso, encontra-se na área mais de 50

vacas leiteiras produzindo para o comércio e abastecimento das crianças

acampadas.

Desta forma, configura-se uma situação de trabalho no acampamento que

certamente, ao acontecerem as primeiras colheitas (mês de abril), permitirá a

sustentação econômica e a alimentação das famílias. Por outro lado, como em abril

o prazo acordado com o Governo estará vencido, a presença das lavouras será um

elemento reforçador da unidade de lutas para resistir a novas ações da polícia.

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É importante destacar que ainda neste mês o Estado desocupou as famílias que

racharam com o MST durante a fase de acampamento no assentamento Luiz Carlos

Prestes e ocupavam uma fazenda em Santa Izabel do Ivaí, bem como outros 37

acampamentos no interior do Estado, todos sem vínculo político com o MST.

Apoiados pela igreja católica deste município, os sem-terras despejados estão

acampados numa área ao lado da igreja matriz, no centro da cidade.

De certa forma, o Governador Roberto Requião demonstra concretamente que o

MST é o único movimento social reconhecido pelo Estado nas negociações visando

a reforma agrária. Resta saber até quando este encantamento mútuo, que teve início

durante a campanha política e se solidificou com uma série de ações contra os

pedágios no Paraná, uma das bandeiras de luta do Governador, vai continuar.

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4.3 O papel dos assentamentos rurais para o desenvolvimento rural e a crítica ao agronegócio enquanto potencializador deste processo.

Em que pese os problemas atinentes ao conflito entre movimentos sociais e Estado

tanto na luta pela implantação dos assentamentos rurais quanto nas lutas

posteriores visando a consolidação dos produtores e projetos, via repasse de

créditos bancários, elaboração de obras de infra-estrutura, etc, a pressão exercida

pelos trabalhadores sem-terra tem contribuído para amenizar os efeitos do

excludente processo de estruturação do espaço agrário de Querência do Norte –

cuja eixo norteador é a questão agrária brasileira - assentando em renovadas bases

(o pequeno estabelecimento rural e a agricultura familiar) o desenvolvimento local.

Ao conquistar o lote, os trabalhadores assentados têm a possibilidade de enveredar

pelo longo e dificultoso caminho da ressocialização cidadã, cujos elementos iniciais

são a conquista de trabalho, moradia, alimentação, renda e bens de consumo

duráveis. Na sua plenitude, essa ressocialização se configura através da

consolidação política e socioeconômica, a conquista de infra-estruturas (estradas,

escolas, posto de saúde, energia elétrica, água, entre outros), ou seja, todas as

dimensões que permitem a qualidade de vida no campo.

A centralidade de ações do MST permite um constante criar e recriar processos de

luta neste município. Por conta destas especificidades, muitos trabalhadores em

processo de exclusão social têm encontrado nos acampamentos de sem-terra a

possibilidade de inserção social e conquista da dignidade. A mescla dos elementos

da ação política e da renovação produtiva faz com que o município de Querência do

Norte apresente profundas mudanças em seu perfil populacional (Figura 39),

partindo de uma situação de êxodo rural e decréscimo populacional para outra, com

crescimento da população rural e total.

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0500

100015002000250030003500400045005000550060006500700075008000850090009500

1000010500110001150012000125001300013500140001450015000

1960 1970 1.980 1.990 1.996 2.000

núm

ero

de h

abita

ntes

Urbana Rural

Figura 39 – Querência do Norte: População total, urbana e rural, 1960 a 2000. Fonte: IBGE – Censos Populacionais 1960, 1970, 1980, 1990 e 2000. Contagem da População 1996.

Tabela 35: Querência do Norte - População total, urbana e rural, 1960 a 2000.

Ano Urbana Rural Total

1960 1423 6094 7512

1970 2.342 11.890 14.232

1.980 5.551 3.513 9.064

1.990 6.820 3.564 10.384

1.996 7.022 3.426 10.448

2.000 7.005 4.434 11.439 Fonte: IBGE – Censos Populacionais 1960, 1970, 1980, 1990 e 2000. Contagem da População 1996.

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Desta forma, pouco a pouco o processo de êxodo rural e de declínio populacional

vem sendo desestruturado, contrariando as tendências apontadas nos estudos

efetuados pelo IPARDES110 (Tabela 35), que apontavam uma estimativa de apenas

10.329 habitantes para o município de Querência do Norte no ano 2000, quando na

realidade a dinâmica da luta pela terra fomentou um aumento populacional

considerável, pois o Censo de 2.000 elaborado pelo IBGE contabilizou 11.439

habitantes.

Tabela 36 - População total projetada para os municípios paranaenses - 2000-2010.

Ano 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Querência do Norte

10.329 10.283 10.233 10.173 10.110 10.045 9.970 9.879 9.799 9.707 9.603

Fonte: IPARDES, 2000.

Desde o período 1970/1980, contrariando as previsões futuras dos demógrafos do

IPARDES, Querência do Norte apresenta um crescimento da população total, com

destaque para a população rural, enquanto que o número de habitante na cidade

encontra-se estagnado.

No contexto atual, certamente a ação de luta pela terra e a conquista de novos

assentamentos vai dinamizar ainda mais o processo de crescimento populacional do

município. Aliás, o crescimento da população rural tem demandado um maior

planejamento do poder Público Municipal em atender as necessidades de saúde e

educação. Dentre os assentamentos rurais, o único que possui posto de saúde é o

assentamento Pontal do Tigre. Os demais assentados dependem de transporte

privado para acessar a infra-estrutura, nos bairros rurais111 ou na cidade.

110 Conforme o relatório Paraná – projeções das populações municipais por sexo e idade 2000 – 2010 editado pelo IPARDES (2000), cuja metodologia é a comparação entre os resultados do Censo Demográfico 1991 e Contagem da População de 1996. 111 No caso do pré-projeto Porangaba II e Chico Mendes, o posto de saúde mais próximo é aquele situado no distrito de Porto Brasílio. Mesmo assim, fica a mais de 20 km das casas dos assentados.

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Segundo a enfermeira Maria Gatti, responsável pelo programa municipal de saúde

da família, na tentativa de garantir a assistência médica preventiva aos assentados,

foram constituídas 3 equipes, cuja alocação são os postos de saúde do Pontal do

Tigre, além dos distritos de Porto Brasílio e Icatú e, recentemente, no acampamento

Sebastião da Maia.

A pé ou de bicicleta, os agentes de saúde se deslocam dos postos para atender as

famílias da zona rural, mas a ação é incipiente devido às distâncias e a grande

quantidade de casas. Após percorrer os postos de saúde em trabalhos de campo,

pode-se afirmar como grave a situação da saúde pública nos três postos de saúde

acima descritos. Falta de medicamentos básicos doados pelo Ministério da Saúde,

ausência de médicos permanentemente nestas unidades112, poucas guias de

atendimento quando estes ocorrem, frustrando pacientes que se deslocaram para as

unidades de saúde e não são atendidos, distância entre as casas e os postos

agravada pela dificuldade de acesso, etc.

Apesar da presença dos postos de saúde no campo, a descentralização do

atendimento é precária e, infelizmente, o acesso ao serviço com um mínimo de

qualidade só ocorre na cidade, no hospital municipal.

No contexto em que o MST trabalha para articular nos assentamentos e

acampamentos o setor de saúde, desenvolve trabalhos com ervas medicinais,

elabora discussões sobre saúde preventiva e higiene, entre outras questões,

certamente os problemas relativos ao planejamento e levantamento sobre a situação

da saúde dos acampados e assentados tenderá a melhorar.

Apesar da falta de parcerias ente os Governos Estadual e Federal para a atribuição

de verbas e tentativa de solução dos problemas ligados à saúde, estradas rurais,

assistência social, educação, transporte escolar, dentre outros, não só uma maior

pressão aos serviços públicos acompanham a presença dos sem-terras neste

112 Apesar de o programa saúde da família preconizar a permanência diária de um médico para o atendimento à população perto do seu local de moradia nas unidades básicas de saúde (posto médico), o médico atende uma ou duas vezes por semana nos postos de saúde rurais, isto é, quando vem, pois há semanas em que este atendimento não é prestado.

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município. Há que se destacar que as profundas mudanças no que toca a produção

agropecuária e a inserção dos sem-terra enquanto produtores rurais e consumidores

fomentam o aumento na arrecadação de impostos, sobretudo o ICMS – Imposto

Sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços, cujo repasse é dado pelo Fundo de

Participação dos Municípios, o FPM.

Segundo a Secretaria de Fazenda Estadual, durante o ano civil, os municípios têm

direito a receber 25% do total de ICMS arrecadado. Só que para ter direito ao

repasse, foi criado um índice – o FPM (Fundo de Participação dos Municípios), que

na sua base de cálculo premia os municípios com maior atividade agropecuária,

comercial e industrial, incentivando-os com mais verbas, e pune aqueles onde a

economia está estagnada.

A base de cálculo para o FPM é a seguinte: 75% do Valor Adicionado113, 08%

Produção Agropecuária, 06% Número de Habitantes Rurais, 05% Fator Ambiental

(cobertura vegetal), 02% Número de Propriedades Rurais, 02% Área Territorial 02%

(fator fixo).

Em relação a esta base de cálculo, Querência do Norte apresenta crescimento no

valor adicionado, na produção agropecuária, no número de habitantes e

propriedades rurais. Desta forma, há um aumento crescente no valor de ICMS

arrecadado e no total de verbas do FPM repassados ao município, situação que

contrasta com os demais municípios da região, cujas atividades agrícolas estão

estagnadas e a arrecadação de ICMS e do FPM encontra-se em queda.

113 Para efetuar o cálculo do Valor Adicionado, são utilizadas 3 fontes de informação: o no de estabelecimentos Industriais, Comerciais e Prestadores de Serviços de Transportes e de Comunicações, que apresentam a Declaração Fisco-Contábil – DFC; o no de Produtores Rurais que apresentam a Nota Fiscal do Produtor; as Agências de Rendas e Prefeituras, que informam os valores da comercialização de produtos primários em sua primeira etapa, quando a venda é efetuada entre não inscritos.

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Figura 40: Querência do Norte: valor anual (milhares de Reais) do repasse do FPM, 1995 a 2004.

Fonte: Secretaria da Fazenda do Paraná, 2004.

Pari passu ao crescimento sustentado na arrecadação anual de ICMS, o aumento no

número de propriedades e população rurais contabilizados pelo IBGE (Censos

Agropecuário e Contagem da População 1995/96 e Populacional 2000), a injeção de

milhões de reais na economia local, o aumento nas atividades econômicas no

campo e na cidade, a injeção de créditos fundiários provenientes dos assentados, o

município apresentou repiques no total de FPM arrecadado, particularmente para os

períodos 1995/1996 e 1999/2000, conforme Figura 41 e Tabela 36.

R$ 0,00

R$ 250.000,00

R$ 500.000,00

R$ 750.000,00

R$ 1.000.000,00

R$ 1.250.000,00

R$ 1.500.000,00

R$ 1.750.000,00

R$ 2.000.000,00

R$ 2.250.000,00

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

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310

0,00%2,50%5,00%7,50%

10,00%12,50%15,00%17,50%20,00%22,50%25,00%27,50%30,00%32,50%35,00%37,50%40,00%42,50%45,00%47,50%50,00%52,50%55,00%

95/96 96/97 97/98 98/99 99/2000 2000/01 2001/02 2002/03 2003/04

Figura 41: Taxa de crescimento dos repasses do FPM, 1995 a 2004. Fonte: Secretaria da Fazenda do Paraná, 2004.

Além dos impactos relativos à injeção de créditos agropecuários, os assentados são

responsáveis por grande parte do movimento do comércio local no que toca a

alimentação, bens de consumo, insumos, implementos, peças de reposição,

combustíveis, serviços de mecânica, roupas, calçados, etc.

Segundo o Presidente da Associação Comercial e Industrial de Querência do Norte

(ACIQUEN), Amaury Spósito, o poder aquisitivo dos assentados contrasta em muito

com o poder aquisitivo de grande parcela da população urbana do município.

[...] em Querência a gente tem de classe média a classe mais pobre que você pode imaginar. Nos arrebaldes da cidade a gente vê coisas assim que é coisa de chegar dar dó. O poder aquisitivo do pessoal é muito pequeno, por não ter emprego, não têm uma renda suficiente, o município não tem vida própria (Entrevista concedida em março de 2003).

Esta situação de miséria acontece porque o comércio e a industria locais não

oferecem maiores oportunidades de emprego e porque, infelizmente, boa parte da

população urbana depende das safras colhidas por fazendeiros e assentados para

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sobreviver. Apesar de em muitos casos terem os assentados uma renda

relativamente baixa (cerca de um terço das famílias, segundo dados da Tabela 27,

página 273) esta ainda é superior àquela auferida por considerável parcela da

população local, sendo igualada ou suplantada somente pela renda dos profissionais

liberais, empregados do setor público, comerciantes, fazendeiros e pequenos

industriais. Em relação aos demais trabalhadores, os assentados estão em melhor

situação.

Atentos para esta situação, é praxe o comércio, sobretudo os donos de

supermercado, bancar transporte aos assentados, principalmente entre os dias 20 e

25 de cada mês, quando as famílias recebem o pagamento dos laticínios e da

COANA. Praticando esta forma de concorrência, os comerciantes procuram cativar

as famílias e garantir que o seu estabelecimento seja favorecido com os gastos

mensais da família e, inclusive, esta prática tem sido feita por comerciantes de Santa

Cruz do Monte Castelo.

Apesar da questão concorrencial, o comércio local tem uma visão muito boa dos

impactos econômicos causados pelos assentamentos rurais e pelo MST em

Querência do Norte. Para Amaury Spósito,

Depois de feito o assentamento, pra nós, no município é uma coisa que melhora bastante, eles começam a ter uma renda, ter uma vida própria de um consumo melhor no município. [...] muda totalmente a questão de uma fazenda assentada com uma fazenda que é de um único dono, vamos dizer assim. Eles acabam produzindo, eles acabam vendendo, eles acabam gastando no município, e isto pro município é muito bom. A Associação sempre teve pra aquilo que fosse melhor. Nós, a questão de se manifestar a favor ou contra, nós sempre ficamos naquilo que fosse melhor para o município. Nós, se a gente puder dar a opinião, a Associação e o comércio em geral, nós sempre estivemos lá pra sentar. Porque, se a gente for dar uma abalizada, o fazendeiro quase não gasta, o levantamento que foi feito, o fazendeiro praticamente traz muita coisa de fora. O assentado não: ele gasta no município. Por isso o comerciante, não só eu que sou presidente da Associação, mas eu represento a classe, e a classe vê desse lado, que pra ele, pra nós comerciantes, é melhor a gente ficar sempre do lado do Movimento, por ele ter um número maior de consumidores. (Entrevista concedida em março de 2003).

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Este entendimento da realidade local também é partilhado pelo Presidente do

Sindicato Patronal, Denílson Aita, que mantém paralelamente à atividade

agropecuária uma loja de peças para tratores e máquinas agrícolas.

Em entrevista in off, Denílson revela que os grandes fazendeiros, particularmente os

dedicados à atividade da pecuária extensiva, pouco representam para o comércio

local, pois grande parte dos insumos e animais utilizados nestas fazendas vem de

outros municípios. Quando comercializam suas boiadas, os fazendeiros geralmente

falsificam guias de transporte, aferindo que estão levando gado de suas fazendas de

Querência do Norte para outros municípios, quando na verdade estão levando ao

frigorífico, burlando o fisco e sonegando impostos, atestando seu descompromisso

com o desenvolvimento local.

Em relação à sua loja, o dinheiro proveniente dos assentados representa 30% do

faturamento mensal, enquanto pequenos e médios proprietários e arrendatários os

70% restante. No seu ponto de vista, a reforma agrária tem sim um papel primordial

para o desenvolvimento, mas deveria ser feita em todos os municípios da região,

utilizando parte das terras de grandes fazendas, com infra-estruturas básicas

(estradas, energia-elétrica, água, etc), financiamentos e a população beneficiada ser

proveniente dos próprios municípios.

Apesar do descompasso que marca a implementação dos assentamentos na região

e, sobretudo, em Querência do Norte, Denílson entende que economicamente esta

tem sido uma política válida, pois amplia o mercado de trabalho e gera uma massa

de riqueza que é repassada ao município via comércio, indústria e cooperativa local.

Segundo informações colhidas no comércio local, em meados da década de 1980 a

crise social vivenciada na cidade expulsou grande parte da população e com ela

muitos comerciantes abandonaram suas atividades e procuraram outros municípios

da região ou fora dela para trabalhar. Desde a chegada dos sem-terra e a conquista

dos primeiros assentamentos rurais, o quadro de estagnação vem sendo quebrado.

Desta forma, apesar das críticas ainda reinantes sobre as práticas do MST na luta

pela terra, os assentamentos rurais e as benesses da reforma agrária são

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analisadas como necessárias para redimensionar o desenvolvimento local. A esse

respeito, Amaury Spósito reintera que

Eu acho que o MST invadia, antes invadia porque é...não tinha outro meio de fazer se não fosse por ocupação, né? Mas eu acho que a reforma agrária tem que ser feita. Hoje a turma vê que é uma necessidade, antes achavam que era uma bagunça de algumas pessoas, de algum grupo. Hoje não: todo mundo vê, até o Presidente vê, que é necessário fazer, e para o município é muito bom isso aí. É coisa necessária assentar e eu não vejo uma outra forma a não ser trazer o homem que tá lá na cidade sem emprego, trazer pro campo de volta pra produzir grãos. Então acho que pra um município pequeno a saída que existe é a questão do assentamento. (Entrevista concedida em março de 2003).

Analisando os índices de desenvolvimento humano para os anos de 1980 e 1991,

percebe-se que os indicadores sociais, devido a conjuntura conturbada, sofreram

baixa considerável (Tabela 37). Tabela 37: Querência do Norte: Dados sobre o Índice de

Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) 1980, 1991 e 2000.

Índice 1980 1991 2000

IDH-M Longevidade 0,621 0,665 0,704

IDH-M Educação 0,461 0,531 0,789

IDH-M Renda 0,784 0,566 0,622 Taxa de Alfabetização de Adultos - 70,99% 78,67% Esperança de Vida ao Nascer - 64,76 67,26

IDH-M 0,622 0,587 0,705 Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, 1980, 1991 e 2000.

No período 1991 – 2000, todos os índices relativos à população de Querência do

Norte apresentaram melhorias, redundando na elevação da qualidade de vida

medida pelo Indice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M).

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Levando-se em conta que nos últimos 15 anos a população total cresceu sustentada

pela presença massiva de migrantes pobres, sobretudo os sem-terras, e que as

principais mudanças econômicas verificadas no município referem-se aos

assentamentos rurais, podemos inferir que é o MST o agente territorial motivador

destas transformações, cujo alcance é, efetivamente, um renovado patamar de

desenvolvimento político, social, cultural, econômico no espaço local.

Esta compreensão da realidade também é partilhada pelo técnico da Emater, Jadir

Francisco dos Santos, pois segundo ele, somente a pequena e a média propriedade

contribuem efetivamente para o desenvolvimento local, pois ativam um fluxo

circulatório da cidade para o campo (insumos, créditos, mão-de-obra, serviços

públicos e privados, combustíveis, etc), do campo para a cidade (venda da

produção, depósitos bancários, matérias-primas para as agroindústrias locais, e da

cidade para a região-Estado-País-Mercado externo (impostos, mercadorias, etc). Em

todos os momentos, a acumulação de capital acaba, no todo ou na parte, reinvestida

no espaço local.

Na contra partida, as grandes propriedades, sobretudo as bovinocultoras e as

envolvidas no circuito soja, pouco impactam na demanda de mão-de-obra, mas

absorvem boa parte do crédito e dominam a maior área territorial. Quando

comercializam sua produção, no máximo a mesma é estocada no município, indo

diretamente para grandes centros fora da região (Maringá) e do Estado (Mato

Grosso do Sul) onde ocorre seu beneficiamento, industrialização. Controladas por

pessoas físicas e jurídicas estabelecidas em cidades médias fora do município e da

região, os lucros retirados do espaço agrário local são investidos em outros lugares.

Assim, contribuem de maneira tímida para a arrecadação de impostos no espaço

local e exercem uma poderosa drenagem da renda da terra para fora do município.

De maneira geral, somente a expansão do campesinato pode consolidar moradores

do campo e da cidade com trabalho, renda, serviços públicos de qualidade, enfim,

com um nível de vida digna.

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No presente estudo, fica demonstrado que enquanto as grandes unidades

produtivas voltadas ao agronegócio da carne e dos grãos ascenderam territorial e

economicamente, a população urbana e rural sofreu impacto negativo e que,

mediante a expansão territorial, econômica, política e social do campesinato, pouco

a pouco o quadro de exclusão tem se revertido para um a situação de inclusão

social

Em nosso ponto de vista, esta (re)-estruturação sócio-espacial tem haver com a

passagem de um modo de organizar o campo visando o desenvolvimento

econômico conjugado com a concentração da riqueza e exclusão social (baixa oferta

de trabalho, êxodo rural, etc) para um modelo de desenvolvimento sócio-econômico,

com inclusão e justiça social tanto para os camponeses como para os demais

trabalhadores que se beneficiam de sua presença.

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4.4 MST, organicidade, diferenciação e (des) territorialização

No processo de luta pela terra, as frentes organizadas pelo MST em vários

municípios e regiões do País demonstram, num primeiro momento, a capacidade de

articulação e o considerável alcance geográfico deste movimento social. Apesar das

distâncias e das diferenças de ponto de vista dos militantes, os mesmos signos (a

bandeira, as cantorias, os acampamentos, as ocupações, as marchas, a forma de

conduzir uma reunião, etc), organicidade na divisão de tarefas (lideranças,

coordenadores, militantes), as mesmas práticas desenvolvidas por militantes do sul

do Pará são utilizadas por militantes situados no oeste do Rio Grande do Sul, por

exemplo.

Mas, mantendo uma rede articulada de ações, uma unidade no acontecer da luta

pela terra, a partir do momento em que o MST se territorializa, territorializando

consigo o campesinato, o acontecer da luta na terra descortina uma série de fatores

conjunturais e estruturais que, contraditoriamente, podem desterritorializar o MST,

fechando sua ação nos assentamentos rurais, o lócus que dá sua dimensão

territorial.

Quando a desterritorialização acontece, as famílias que durante anos ficaram

acampadas, compondo a base organizada do MST, não mais participam de suas

instâncias representativas (setor de produção, setor de educação, setor de cultura,

setor de saúde, etc), fechando a possibilidade de avançar na luta contra o capital,

não mais o fundiário, mas sim o capital agro-comercial.

Em grande medida, a desterritorialização do MST acontece quando o movimento

não consegue pluralizar e multidimensionar o espaço de socialização

política114(espaço comunicativo, espaço interativo, espaço de luta e resistência)

durante os trabalhos de base nos acampamentos, cujo reflexo negativo configura-se

após o assentamento das famílias.

114 FERNANDES, 1996.

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Ao estudar a realidade dos assentamentos rurais e das propostas de cooperação do

MST no Pontal do Paranapanema, região situada no extremo Oeste paulista,

ALMEIDA (1996), RAMALHO (2002) e RIBAS (2001)115 apontam as dificuldades que

o movimento encontra para aglutinar os trabalhadores assentados em torno das

propostas de cooperação agrícola gestadas nacional e regionalmente pela

organização.

Abordando as especificidades da cooperação agrícola nos assentamentos rurais da

região Centro-Oeste paranaense, FABRINI (2002) aponta a resistência dos

camponeses em se inserir nas propostas elaboradas e gestadas pelo MST,

trabalhando como conceito chave às especificidades do campesinato que tem uma

ação política importante, mas sempre procura reproduzir seu modo de vida e se

nega a participar de tudo aquilo que configure um controle externo à unidade

camponesa.

No debate relativo aos caminhos e descaminhos da luta na terra coordenadas pelo

MST, deve-se considerar que há uma série de fatores externos (ação do Estado e do

capital) e internos (dificuldades de gestão do próprio MST, inexperiência

administrativa, participação militante dos assentados, a conquista de um lote pelos

camponeses e seu afastamento político-ideológico do MST, entre outros) que

dificultam a inserção e a possibilidade de avanço do campesinato n’outro domínio

territorial do capital - o mercado, esta espécie de “lugar comum” – na verdade, uma

série de relações - onde se configura o empobrecimento e a exclusão do camponês.

Percebe-se, também, que os avanços organizativos do MST na luta contra o capital

mescla um elemento conjuntural e um elemento estrutural. O primeiro diz respeito

aos recursos, que dinamizam a possibilidade de desenvolvimento dos assentado e

de todas as formas de cooperação, assistência técnica, agroindustrialização, etc. O

segundo elemento diz respeito à própria organicidade do MST.

115 Almeida (1996) trabalhou as diferentes especificidades dos assentamentos rurais no Pontal do Paranapanema, Ramalho (2002) abordou o processo de formação e desenvolvimento dos assentamentos rurais do município de Mirante do Paranapanema e Ribas (2001) estudou a cooperativa regional implantada pelo MST naquela região.

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Mesmo inserido numa conjuntura política e econômica desfavorável, o MST pode

continuar territorializado num assentamento. Contudo, a partir do momento em que

as famílias assentadas não mantém nenhum vínculo político ideológico com a

organização, não co-participam nas instâncias representativas do MST, não se

vinculam e comercializam produtos com a cooperativa do Movimento, não há

participação nos coletivos e setores ligados à saúde, educação, etc, cada território

(assentamento) destes não mais se configura enquanto lócus da territorialização do

MST. São, portanto, somente lócus de reprodução da existência camponesa.

Estas especificidades são perceptíveis no Pontal do Paranapanema, onde o

processo de luta pela terra coordenado pelo MST foi massivo na re-inserção

camponesa, mas contraditório, pois os camponeses não mais se relacionam com o

MST, o que impede o movimento social de organizar e coordenar a luta na terra.

Sem gerar militantes que coordenem e sustentem setores e coletivos, o MST se

desterritorializa e não dá conta de contribuir para que as amarras da questão

agrária, do capital e da própria ação política do Estado se desfaçam e permitam o

desenvolvimento do campesinato.

Feitas as considerações iniciais, em Querência do Norte, o relativo sucesso do MST

em coordenar o processo de luta contra o capital agro-comercial, de colocar em

prática formas de cooperação agrícola, desenvolver projetos de renovação do

processo produtivo, os fortes vínculos organizativos que ligam acampamentos-

assentamento-cooperativa, os trabalhos voltados á busca de soluções para as

questões ligadas à saúde, educação, o trabalho com a cultura, enfim, são exemplos

de uma rede de articulação e gestão territorial que per si configuram – de fato, a

territorialização do MST.

A priori, o MST de Querência do Norte é particular. É um exemplo de organização

camponesa que contrasta e se diferencia com qualquer outro grupo de sem-terras

organizado nos municípios e regiões do País.

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Colocadas estas premissas, a territorialização do MST, conceito cunhado por

FERNANDES (1996) e amplamente utilizado na geografia, em nosso ponto se vista

não só se configura quando o Movimento conquista o assentamento e territorializa o

campesinato, conceito este que se transformou numa teoria para explicar o MST e

outros movimentos sociais.

Em nosso ponto de vista, a territorialização do MST só se configura como tal quando

o Movimento exerce uma ação coletiva integrada e dinâmica, conduz um processo

de gestão territorial das frações conquistadas do capital fundiário (os assentamentos

rurais), fomentando ações de contraposição ao capital agro-comercial,

desenvolvendo e realmente fazendo funcionar a amplitude de setores e coletivos

internos ao MST (gênero, saúde, educação, produção, frente de massas, etc), nos

acampamentos, nos assentamentos, no campo e na cidade.

Quando estes elementos não estão presentes, ou seja, não ocorre a presença

organizativa do MST nos assentamentos rurais, via núcleos de famílias, apesar de

ter territorializado o campesinato, o MST apresenta-se em um processo de

desterritorialização, cuja dimensão, prioritariamente, é perceptível quando ocorre a

luta na terra. Desta forma, a conquista de um assentamento rural nem sempre é a

territorialização do MST.

Ao contrário da realidade presente em regiões importantes como no Pontal do

Paranapanema, onde sou assentado e iniciei minhas pesquisas, em Querência no

Norte a territorialização do MST é um fato concreto, e não meramente uma

abstração. Esta realidade é perceptível quando se questiona os

acampados/assentados querencianos sobre sua vinculação político/ideológica com o

MST, além de suas práticas militantes, o que em parte podemos perceber na Tabela

– 38.

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Tabela 38: Vínculos políticos das famílias assentadas com o MST.

Assentamento Membro % Neutro % Simapa- tizante

% Total %

Pontal do Tigre

276 96,5% 7 2,46% 3 1,04% 286 100%

Chico Mendes 76 96,2% 3 3,8% - 0% 79 100%Che Guevara 56 94,92% - 0% 3 5,08% 59 100%Margarida Alves

15 75% 1 5% 4 20% 20 100%

Zumbi dos Palmares

20 90,9% 1 4,555 1 4,55% 22 100%

Luiz Carlos Prestes

37 80,44% 1 2,17% 8 17,39% 46 100%

Unidos pela Terra

21 100% - 0% - 0% 21 100%

Antonio Tavares Pereira

37 97,37% - 0% 1 2,63% 38 100%

Total 538 94,22% 13 2,28% 20 3,5% 571 100%Fonte: Mutirão do MST, dezembro de 2002. Organização: Sérgio Gonçalves.

Colocados estes elementos para o debate, entendo que a territorialização do MST

se faz a partir da ação e controle da organização num dado raio de ação no espaço

geográfico – o assentamento rural, através de uma articulada rede de relações

orgânicas (organicidade, pertença, distribuição de tarefas) que envolve todos os

militantes (acampados, técnicos, assentados, direção em seus diversos níveis).

Na tentativa de cartografar o “desenho” da rede de gestão fundamentado pelo MST

em Querência do Norte, que a priori dimensiona e explicita o padrão territorial do

MST, produziu-se o cartograma da Figura 42, onde estão representados os

assentamentos rurais, a centralidade da COANA-MST, bem como os fluxos

territoriais que tem como ponto final os coordenadores (produção, saúde, educação,

coordenador e coordenadora de área) dos núcleos de famílias situados nos

assentamentos, além do acampamento Sebastião da Maia onde funciona a Rádio

Transformação FM e seu respectivo raio de difusão.

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Figura 42 - TERRITORILIDADE

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

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CONSIDERAÇÕES FINAIS.

A questão agrária é um processo estrutural do desenvolvimento do capitalismo no

campo que, conseqüentemente, afeta o desenvolvimento social. Em suas bases (o

que priorizou-se chamar por questão agrícola e fundiária), estão colocados uma

série de elementos que desencadeiam a diferenciação e exclusão do campesinato

bem como amplos processos (concentração da solo agrícola e outras questões

sociais, por exemplo).

Apesar de no pensamento dos expoentes da teoria clássica sobre a questão agrária

ser apontado a mudança no sistema capitalista como a única alternativa para

resolvê-la ou minorá-la, vários pensadores e partidos políticos pensaram políticas

públicas de desenvolvimento rural para amenizá-la, apontando saídas dentro do

modo de produção capitalista. É neste contexto que as teses da social democracia

ganharam fôlego, nasceram um conjunto de ações (subsídios agrícolas, expansão

do crédito, criação de patrulhas mecanizadas, garantia de preços mínimos para os

produtos do campo, para os camponeses, etc), sustentando um pacto político com o

campesinato.

Colocando em análise a questão agrária brasileira desde uma perspectiva histórica,

política, econômica e social, percebe-se claramente que o desenvolvimento do

capitalismo não de dá de maneira unilinear, ou seja, desestruturando, desintegrando

e/ou destruindo o campesinato somente. Ao contrário: este desenvolvimento é

desigual, contraditório e, motivado pelo conflito de classes e a ação política e

sócioterritorial dos camponeses, a cada dia, em vários lugares neste País, o

campesinato teima em resistir e, por meio da luta ou da alienação do trabalho, vê ser

produzida ou produz ele próprio a sua existência, que pode ocorrer através de

relações dependentes do capital (arrendatário, parceiro, meeiro, etc) ou

contraproducente a ele (ocupante, posseiro, sem-terra, assentado).

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Apesar de a reforma agrária (radical ou não) ou mesmo políticas de desenvolvimento

rural serem apontadas como essenciais, no caso brasileiro este tipo de ação

estrutural desenvolvida pelo Estado nunca foram implementadas visando atender as

demandas do campesinato. O que se tem são ações pontuais nas zonas de conflito,

no caso da política de assentamentos. De maneira geral, as políticas pensadas para

o campo sempre priorizaram o desenvolvimento da agricultura capitalista e de seus

agentes: os grandes proprietários de terras, as agroindústrias e os capitalistas

urbano- industriais que estenderam seus tentáculos econômicos no campo.

Verticalizando o entendimento da questão agrária para seu rebatimento sobre o

território do Estado do Paraná, quando se analisa a realidade de suas regiões e

municípios, percebe-se que em dados momentos da história deste Estado as bases

territoriais para a implementação de uma reforma agrária estavam colocadas

(existência de milhares de hectares de terras públicas com baixa ocupação humana,

grande quantidade de mão-de-obra camponesa em condições precárias de acesso à

terra, possibilidade de introdução de migrantes, etc), mas o Estado – respondendo

às elites que o controlam - negou-se a fazê-la e, no caso das regiões Oeste,

Sudoeste, Norte e Noroeste paranaenses, priorizou os agentes do capital para

conduzir um processo de partilhamento do solo totalmente voltado para extração da

renda fundiária – a colonização.

As contradições da questão agrária, da ação do Estado, do capital e a própria

dinâmica social produzem interações e possibilidades de avanços e recuos.

Inseridas neste contexto, as organizações de luta pela terra vem rompendo o ranço

político que existiria em relação à capacidade de organização e tutela dos

camponeses. Enquanto sujeitos ativos, no interior dos movimentos sociais o

campesinato brasileiro vêm redimensionando positivamente seu processo de

recriação em alguns níveis escalares (região e município), ainda que o processo

geral, no caso brasileiro, seja sua exclusão definitiva da terra de trabalho.

Isto posto, analisando o rebatimento da questão agrária brasileira na região

Noroeste paranaense e em particular no município de Querência do Norte, conclui-

se que no período situado entre a década de 1950 a 1960, tais áreas apresentaram

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um período de desenvolvimento rural, sob a égide dos processos de colonização,

cuja base sócioprodutiva eram as pequenas propriedades e a agricultura

camponesa.

Nas décadas de 1970 a 1980, rapidamente desenvolve-se uma crise no espaço

agrário da região, acelera-se a exclusão do campesinato em sua diversidade de

formas de reprodução social (parceiros, meeiros, arrendatários, pequenos

proprietários, posseiros). Na contrapartida, o espaço agrário é organizado sob o

comando da grande propriedade, envolvida basicamente na criação de bovinos de

corte de maneira extensiva e pouco produtiva.

A partir da década de 1990, timidamente outros circuitos produtivos começam a ser

organizados na região (soja, laranja, milho, etc), irrigados pelos recursos técnicos e

financeiros do Estado, presença de agroindústria processadora (COCAMAR,

sobretudo), inserindo a região num renovado rol de relações produtivas - o

agronegócio.

Neste contexto, a recriação do campesinato ficou subjulgada aos interesses do

capital que em alguns períodos “abriu” o território para estes sujeitos, envolvidos na

produção na condição de meeiros, parceiros e arrendatários. Mas, no período atual,

o nível de relações mudou e não mais o capital aceita o campesinato como agente

da produção, mas sim outros capitalistas (médios e grandes arrendatários, parceiros

e meeiros, que trabalham 100, 500 e até mais de 1000 hectares), que colaboram

para dinamizar cada vez mais o valorizado bem que lhes é repassado: a terra.

No início da década de 1980, as contradições do desenvolvimento rural se

asseveram a tal ponto, que o município de Querência do Norte, de uma zona de

atração, transformou-se em zona de expulsão populacional. Tentando contornar a

situação, Estado, Sindicato dos Trabalhadores Rurais e capitalistas se uniram para

encontrar saídas para a crise social, e por assim dizer, do capital, pois sem

trabalhadores a explorar, não há geração de mais-valia. O resultado foi a

constituição do projeto ADECON, que renovou o processo de desenvolvimento da

agricultura capitalista e, em certa medida, a camponesa.

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Gestadas inicialmente nas regiões Oeste e Sudoeste do Paraná, dezenas de

organizações de luta pela terra passam a cobrar medidas do Estado visando a

reforma agrária. Provenientes deste lócus e organizações, centenas de famílias

sem-terras vieram a Querência do Norte e, através de sua luta, inserção no MST e

conseqüente conquista da fazenda 29 Pontal do Tigre, passam a organizar novas

famílias, acelerar a luta contra o capital e contribuir para a recriação do campesinato

tanto no município, quanto na região.

Desde então, a centralidade de ações políticas, sociais, econômicas e territoriais do

MST de Querência do Norte giram em torno da coordenação tanto da luta pela terra

quanto da luta na terra, dimensões onde se inserem os militantes do MST

sustentando um projeto de gestão que corrobora nosso entendimento sobre a

territorialidade e a territorialização deste movimento social. Em ambos os casos,

dão-se os embates contra o capital (fundiário e agro-comercial), pressão sobre o

Estado em suas diversas instâncias representativas (federal, estadual e municipal),

preservando os interesses dos trabalhadores e gerando importantes impactos locais.

Dentre os impactos, estão a desconcentração da propriedade fundiária, a inclusão

de trabalhadores que viviam em estado de pobreza via inclusão social e melhoria

nas suas condições de consumo e renda, mudanças expressivas no espaço agrário

local, atestados pelo aumento da produção de riqueza, emprego, impostos,

alimentos, melhoria nas condições de vida, etc.

Em sua matriz organizativa, o MST contribui para a renovação do modelo de

agricultura familiar no país, desenvolve um outro projeto de associação e

cooperativismo, voltado para a questão econômica, para a ação política e,

sobretudo, visando a resolução da gama de inerentes à população brasileira, como

saúde, educação, formação política, cultura, etc.

Participando no processo político local de maneira ativa, os sem-terra possuem um

vereador ligado ao PT, contabilizando três legislaturas na Câmara Municipal de

Querência do Norte, e o apoio político da organização é salutar para os partidos

elegerem prefeito e vereadores.

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Apesar dos reveses, o MST redimensiona a importância e a necessidade da reforma

agrária para o desenvolvimento local, conquistando o apoio da sociedade para o seu

desencadeamento.

No momento, podemos confirmar a premissa de que a política de assentamentos

rurais redunda em impactos positivos e permanentes de melhoria da qualidade de

vida que, dentro de uma política maior de investimentos e novos assentamentos,

pode alavancar o desenvolvimento local de municípios pobres que vivenciavam uma

forte exclusão social de sua população e cuja economia encontrava-se estagnada,

realidade esta que o agronegócio não tem condição de oferecer.

A priori, os resultados da pesquisa também demonstram problemas internos aos

assentamentos (algumas famílias possuem com renda baixa, dificuldades

organizativas para a venda da produção e conquista de melhor preço) e fora dele (a

ação dos agentes que compram produtos dos assentados, dificuldades de resposta

dos poderes públicos em atender as demandas dos assentados em relação a

serviços básicos de saúde, escolas, transporte, créditos, etc).

Enquanto informações pormenorizadas, há a possibilidade de se pensar e executar

planos de desenvolvimento, ações coletivas, projetos e novas pesquisas que dêem

respostas aos problemas aqui elencados, contribuindo para o desenvolvimento

consolidado de todas as famílias assentadas e acampadas. Neste sentido, Estado,

MST, cooperativas e agentes locais necessitam maior articulação.

Ainda que muitos tentem desqualificar as ações do MST, dizendo que os

assentamentos rurais são favelas rurais, nossa pesquisa se soma àquelas que

demonstram o contrário: os assentamentos são uma alternativa viável para

promover a eqüidade social e o desenvolvimento local, ampliando a capacidade de

oferta de trabalho, oferta de alimentos, geração de impostos, tanto no campo quanto

na cidade.

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Assim, luta pela terra e luta na terra configuram-se como ações afirmativas dos

trabalhadores do MST na sua busca pelas transformações sociais neste País,

demonstrando na prática, que reforma agrária dá certo e, contrariando as teorias,

que o campesinato desempenha sim um papel fundamental para os avanços

políticos e socioeconômicos em nossa sociedade.

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REFERÊNCIAS

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