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O Negocio e Ser Pequeno

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  • 2osebodigital.blogspot.com

  • 3O NEGCIO SER PEQUENO(SMALL IS BEAUTIFUL)

    Um Estudo de Economiaque leva em conta as pessoas

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  • 5E. F. SCHUMACHER

    O NEGCIO SER PEQUENO(SMALL IS BEAUTIFUL)

    Um Estudo de Economiaque leva em conta as pessoas

    Quarta Edio

    Traduo deOCTVIO ALVES FILHO

    ZAHAR EDITORES

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  • 7Poucos podem contemplar sem um sentimento de regozijo as es-plndidas realizaes de energia prtica e habilidade tcnica que, a partir do final do sculo XVII, vm transformando a face da civili-zao material, e de que a Inglaterra foi ousada, ainda que no por demais escrupulosa, pioneira. Se, contudo, as ambies econmi-cas so bons servios, tambm so maus patres. Os fatos mais bvios so os mais facilmente esquecidos. Tanto a ordem econmi-ca existente quanto um nmero excessivo de projetos apresentados para sua reconstruo esboroam-se ao ser negligenciado o lugar-comum segundo o qual j que at homens bem comuns possuem alma, nenhum aumento da riqueza material os compensar por medidas que insultem seu amor prprio e depreciem sua liberdade. Uma avaliao razovel da organizao econmica tem de levar em conta o fato de que, para a indstria no ser paralisada por repeti-das revoltas da natureza humana ultrajada, ela precisa satisfazer critrios que no sejam puramente econmicos.

    R. H. Tawney Religion and lhe Rise of Capitalism

    Em termos gerais, nosso problema atual o de atitudes e imple-mentos. Estamos remodelando o Alhambra com uma p mecnica e orgulhamo-nos do volume de trabalho efetuado. Dificilmente lar-garemos a p, que afinal de contas apresenta muitas vantagens, mas carecemos de critrios mais delicados e mais objetivos para bem utiliz-la.

    Aldo Leopold A Sand County Almanac

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  • 9Parte I

    O Mundo Moderno

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    1. O Problema da Produo *

    Um dos mais funestos erros de nossa era crer que o problema da produo foi resolvido. No s esta crena firmemente defendida por pessoas alheias produo e, por conseguinte, profissionalmente desconhecedoras dos fatos tambm o por praticamente todos os especialistas, os ca-pites da indstria, os gestores econmicos dos governos do mundo, os economistas acadmicos e os no to acadmicos, para no mencionar os jornalistas econmicos. Talvez dis-cordem em muitas coisas, mas todos so unnimes em que o problema da produo foi resolvido, em que a humanidade afinal tornou-se adulta. Para os pases ricos, afirmam eles, a tarefa mais importante agora educao para o lazer e, para os pobres, a transferncia de tecnologia.

    O fato de as coisas no estarem indo to bem quanto deveriam s pode ser por causa da perversidade humana. Cumpre-nos, portanto, construir um sistema poltico to perfeito que a maldade humana desaparea e todos se com-portem bem, no importa quanto de maldade possa haver neles. De fato, geralmente alegado que todos nascem bons;

    * Baseado em uma conferncia realizada no Instituto Gottlieb Dut-tweiler, em Rschlikon, perto dc Zurique, Sua, 4 de fevereiro de 1972.

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    se algum vira criminoso ou explorador, isso culpa do sis-tema. Sem dvida, o sistema mau de muitas maneiras e deve ser modificado. Uma das principais razes de ele ser mau e poder sobreviver, a despeito de sua ruindade, essa opinio errnea de que o problema da produo foi resolvi-do. Como esse erro impregna todos os atuais sistemas, no h muito o que escolher presentemente entre eles.

    O surto deste erro, to flagrante e firmemente enraiza-do, est intimamente vinculado s transformaes filosficas, para no dizer religiosas, dos ltimos trs ou quatro sculos na atitude do homem face natureza. Eu talvez devesse di-zer: a atitude do homem ocidental face natureza, mas j que o mundo inteiro est agora em processo de ocidentali-zao, parece justificar-se a afirmativa mais generalizada. O homem moderno no se experiencia a si mesmo como uma parte da natureza, mas como uma fora exterior destinada a domin-la e a conquist-la. Ele fala mesmo de uma bata-lha contra a natureza, esquecendo que, se ganhar a batalha, estar do lado perdedor. At data recente, a batalha parecia ir suficientemente bem para dar-lhe a iluso de poderes ili-mitados, mas no tanto para tornar visvel a possibilidade de vitria total. Esta agora est vista, conquanto s uma minoria esteja comeando a perceber o que isto significa para a continuidade da existncia do gnero humano.

    A iluso de poderes ilimitados, sustentada por espan-tosos feitos cientficos e tcnicos, produziu a concomitante iluso de ter resolvido o problema da produo. Esta ltima baseia-se na incapacidade para distinguir entre renda e ca-pital onde tal distino mais importa. Todo economista e ho-mem de negcios est familiarizado com esta distino e apli-ca-a conscientemente, e com considervel sutileza, a todos os assuntos econmicos exceto onde realmente importa: ou seja, o capital insubstituvel que o homem no fez, porm simplesmente encontrou, e sem o qual nada pode fazer.

    Um homem de negcios no consideraria que uma fir-ma resolveu seus problemas de produo e se tornou vivel se a visse rapidamente consumindo seu capital. Como, pois,

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    poderia ele menosprezar esse fato vital quando se trata dessa firma imensa, a economia da Nave Espacial Terra, e, em par-ticular, a economia de seus ricos passageiros?

    Uma razo para deixar escapar esse fato vital estarmos alheados da realidade e inclinados a tratar como desvalioso tudo o que no foi feito por ns mesmos. At o grande Dr. Marx incorreu nesse devastador erro ao formular a chamada teoria do valor-trabalho. Ora, de fato labutamos para criar uma parte do capital que hoje nos auxilia a produzir um vasto acervo de conhecimentos cientficos, tcnicos e outros; uma requintada infraestrutura material; inmeros tipos de sofisticado equipamento de capital; etc. tudo isso, porm, apenas uma pequena parte do capital total que utilizamos. Bem maior o capital proporcionado pela natureza e no pelo homem e nem sequer o reconhecemos como tal. Esta parte maior est agora sendo consumida em ritmo alarmante e por isso um erro absurdo e suicida acreditar, e agir em funo desta crena, de que foi solucionado o problema da produo.

    Vejamos mais de perto este capital natural. Antes de mais nada, e mais evidentemente, h os combustveis fs-seis. Ningum, estou seguro, negar que os estamos tratan-do como bens de renda, embora sejam inegavelmente bens de capital. Se os tratssemos como bens de capital, deveramos preocupar-nos com sua conservao; deveramos fazer tudo ao nosso alcance para tentar reduzir seu ritmo de utilizao; poderamos, por exemplo, dizer que o dinheiro obtido da con-cretizao desses recursos esses insubstituveis recursos deve ser colocado em um fundo especial exclusivamente dedicado ao desenvolvimento de mtodos de produo e mo-delos de vida que no dependam de combustveis fsseis de forma alguma ou s dependam deles em escassa medida. Estas e muitas outras coisas deveramos estar fazendo se tratssemos os combustveis fsseis como capital e no como renda. E no fazemos nada disso, mas exatamente o contr-rio: no estamos absolutamente interessados em conservao de recursos; estamos maximizando, ao invs de minimizar,

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    os ritmos atuais de utilizao; e, longe de estarmos interes-sados em estudar as possibilidades de mtodos alternativos de produo e modelos de vida de molde a sairmos do itinerrio de coliso no qual nos deslocamos com velocidade crescente falamos alegremente de progresso ilimitado na trilha j batida, de educao para o lazer nos pases ricos e de transferncia de tecnologia nos pases pobres.

    A liquidao destes recursos de capital est se proces-sando to velozmente que mesmo no supostamente mais rico pas do mundo, os Estados Unidos da Amrica, h muitas pessoas aflitas, at no elevado nvel da Casa Branca, ape-lando pela converso macia de carvo em leo e gs, exi-gindo cada vez maiores esforos para pesquisar e explorar os restantes tesouros da terra. Veja-se os nmeros que esto sendo apresentados sob o ttulo Necessidades Mundiais de Combustvel no Ano 2000. Se estamos usando agora algo parecido com 7 bilhes de toneladas de equivalente a carvo, a necessidade dentro de 28 anos* ser trs vezes maior cerca de 20 bilhes de toneladas! O que so 28 anos? Olhan-do retrospectivamente, isso nos leva, grosso modo, ao fim da II Guerra Mundial, e, est claro, desde ento o consumo de combustvel triplicou; mas a triplicao acarretou um au-mento de menos de 5 bilhes de toneladas de equivalente de carvo. Agora estamos falando tranqilamente de um acrs-cimo trs vezes maior que esse.

    A gente pergunta: isso poder ser feito? E a resposta vem: tem de ser feito e, por conseguinte, ser feito. Pode-se dizer (com desculpas a John Kenneth Galbraith) que este o caso do suave guiando o cego**. Mas, por que repartir acusaes? A questo em si mesma est mal intitulada, por-quanto traz a suposio implcita de estarmos lidando com renda e no com capital. O que h de to especial acerca do ano 2000? O que dizer do ano 2008, quando as crianas que

    * Refere-se data original de redao deste livro em ingls: 1972. (N. do T.)

    ** Em ingls, h um interessante jogo de palavras: The bland lea-ding the blind. (N. do T.)

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    hoje correm dum lado para o outro estaro planejando sua aposentadoria? Outra triplicao a essa altura? Todas estas perguntas e respostas so vistas como absurdas no momen-to em que nos damos conta de estarmos tratando com capital e no com renda: os combustveis fsseis no so feitos pelo homem, no podem ser reciclados. Uma vez gastos, esto para sempre gastos.

    Mas, o que dizer ser perguntado a respeito dos combustveis de renda?* Sim, com efeito, o que dizer deles? Presentemente, eles contribuem (avaliados em calorias) com menos de 4% do total mundial. No futuro previsvel, tero de contribuir com 70, 80 ou 90%. Fazer uma coisa em escala pequena uma estria: fazer o mesmo em escala gigantesca muito diferente, e para causar impacto no problema mun-dial de combustveis as contribuies tero de ser verdadei-ramente gigantescas. Quem dir que o problema da produo foi solucionado quando se cogita de combustveis de renda exigidos em escala verdadeiramente gigantescas?

    Os combustveis fsseis so mera parte do capital na-tural que insistimos inflexivelmente em tratar como consu-mveis, como se fossem renda, mas de modo nenhum a par-te mais importante. Se malbaratarmos nossos combustveis fsseis, ameaaremos a civilizao; mas se malbaratarmos o capital representado pela natureza viva que nos cerca, ameaaremos a prpria vida. As pessoas esto despertando para esta ameaa e exigem que se ponha paradeiro polui-o. Consideram a poluio como um hbito bastante repro-vvel de pessoas descuidadas ou vorazes que, por assim di-zer, atiram o lixo por cima da cerca para o jardim do vizinho. Um comportamento mais civilizado, elas percebem, implica-ria mais custos e, por conseguinte, precisamos dum ritmo mais acelerado de crescimento econmico para ter condies de pagar isso. A partir de agora, dizem, devemos usar pelo menos parte dos frutos de nossa constantemente crescente produtividade, a fim de melhorar a qualidade de vida e no

    * No original income fuels, em contraste com os fsseis (capital fuels). (N. do T.)

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    simplesmente aumentar a quantidade de consumo. Tudo isto bem justo, mas s toca a periferia do problema.

    Para chegar ao ponto crucial do assunto, faremos bem perguntando por que todos estes nomes poluio, meio ambiente, ecologia etc. to subitamente adquiriram proe-minncia. Afinal de contas, h bastante tempo temos a um sistema industrial, e no entanto h uns cinco ou dez anos apenas esses nomes eram praticamente desconhecidos. uma novidade repentina, uma moda tola, ou talvez uma s-bita histeria?

    No difcil encontrar a explicao. Como no caso dos combustveis fsseis, temos de fato vivido do capital da na-tureza viva faz algum tempo, mas em ritmo bem modesto. S depois do trmino da II Guerra Mundial conseguimos acele-rar esse ritmo at propores assustadoras. Em comparao com o que est acontecendo agora e com o que veio ocor-rendo progressivamente no ltimo quarto de sculo, todas as atividades industriais da humanidade at, inclusive, a II Guerra Mundial nada representam. Os prximos quatro ou cinco anos provavelmente vero mais produo industrial, considerando o mundo como um todo, do que a humanidade realizou at 1945. Por outras palavras, bem recentemente to recentemente que a maioria de ns ainda mal se deu conta disso houve um salto quantitativo mpar na produ-o industrial.

    Em parte como causa e em parte como efeito tambm, houve igualmente um extraordinrio salto qualitativo. Nos-sos cientistas e tcnicos aprenderam a compor substncias desconhecidas da natureza. Contra muitos deles, a nature-za est virtualmente indefesa. No h agentes naturais para atacar e decompor tais materiais. como se aborgenes fos-sem de repente atacados por fogo de metralhadora: seus ar-cos e flexas de nada servem. Esses materiais, desconhecidos da natureza, devem sua eficcia quase mgica justamente indefensibilidade da natureza e isso responde tambm por seu perigoso impacto ecolgico. Foi s nos ltimos vinte anos aproximadamente que apareceram em massa. Por no terem

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    inimigos naturais, eles tendem a acumular-se, e as conse-qncias a longo prazo deste acmulo, segundo se sabe, em muitos casos so extremamente perigosas e, em outros, to-talmente imprevisveis.

    Por outras palavras, as mudanas dos ltimos 25 anos, tanto na quantidade quanto na qualidade dos processos in-dustriais do homem, produziram uma situao inteiramente nova situao essa resultante no apenas de nossos insu-cessos como do que imaginamos terem sido nossos maiores sucessos. E isto veio to de sbito que mal notamos o fato de estarmos gastando muito rapidamente uma certa espcie de recurso de capital insubstituvel, ou sejam as margens de tolerncia que a bondosa natureza sempre fornece.

    Retornemos agora questo dos combustveis de renda, que tratei antes de maneira um tanto displicente. Ningum est sugerindo que o sistema industrial de mbito mundial que se prev estar em vigor no ano 2000, uma ge-rao adiante, venha a ser alimentado primordialmente pela gua ou pela fora do vento. No, dizem-nos que estamos avanando rapidamente para a era nuclear. claro que as-sim tem sido h j algum tempo e, contudo, a contribuio da energia nuclear para as exigncias totais de combustvel e energia do homem ainda minscula. Em 1970, elevou-se a 2,7% na Gr-Bretanha; 0,6% na Comunidade Europia e 0,3% nos Estados Unidos, para s mencionar os pases que mais se adiantaram. Talvez possamos admitir que as mar-gens de tolerncia da natureza sero capazes de fazer face a tais pequenas imposies, embora haja muitas pessoas ain-da hoje profundamente preocupadas, e o Dr. Edward D. Da-vid, Consultor Cientfico do Presidente Nixon, falando acerca do armazenamento de detritos radiativos, diz que a gente tem uma sensao desagradvel a respeito de uma coisa que tem de ficar enterrada e hermeticamente fechada durante 25 mil anos at se tornar inofensiva.

    Seja como for, o que quero acentuar muito simples: a proposta de substituir bilhes de toneladas de combustveis fsseis, anualmente, por energia nuclear significa solucio-

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    nar o problema de combustveis criando um problema am-biental e ecolgico de to monstruosa amplitude que o Dr. David no ser o nico a ter uma sensao desagradvel. Consiste em resolver um problema transferindo-o para outra esfera para a criar um problema infinitamente maior.

    Dito isto, estou certo de que me defrontarei com outra proposio ainda mais audaciosa: ou seja, a de que os futu-ros cientistas e tecnlogos sero capazes de criar regulamen-tos e precaues de segurana to perfeitas que a utilizao, o transporte, o beneficiamento e a armazenagem dos mate-riais radioativos em quantidades sempre crescente tornar-se-o inteiramente seguros; tambm que caber aos polti-cos e cientistas sociais criar uma sociedade mundial na qual nunca possam ocorrer guerras ou distrbios civis. Uma vez mais, uma proposta para solucionar um problema pela sua simples transferncia para outra esfera, a do comportamen-to humano cotidiano. E isto nos conduz terceira categoria de capital natural que estamos imprudentemente malba-ratando porque a tratamos como se fosse rendimento: como se fosse algo que tivssemos produzido por ns mesmos e pudesse ser facilmente substitudo graas nossa assaz ga-bada e rapidamente crescente produtividade.

    No evidente que nossos mtodos atuais de produo j esto corroendo a prpria substncia do homem indus-trial? Para muita gente, isto no de forma alguma evidente. Agora que resolvemos o problema da produo, dizem, algu-ma vez tivemos uma vida to boa quanto agora? No estamos melhor alimentados, melhor vestidos, melhor alojados que nunca e melhor educados? Claro que estamos: a maioria mas de forma alguma todos nos pases ricos. Mas isso no o que entendo por substncia. A substncia do homem no pode ser medida pelo Produto Nacional Bruto. Talvez no possa mesmo ser medida, exceto por determinados sintomas de perda. No este, porm, o lugar apropriado para entrar nas estatsticas desses sintomas, tais como a criminalidade, o uso de txicos, o vandalismo, o colapso mental, a rebelio etc. As estatsticas jamais provam coisa alguma.

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    Comecei por dizer que um dos erros mais fatdicos da nossa era a crena em que se resolveu o problema da pro-duo. Sugeri que essa iluso se deve principalmente nos-sa incapacidade para reconhecer que o sistema industrial moderno, com todo o seu refinamento intelectual, devora a prpria base sobre que se ergueu. Para empregar a lingua-gem do economista, o sistema vive de capital insubstituvel, que ele trata jovialmente como renda. Especifiquei trs ca-tegorias desse capital: combustveis fsseis, as margens de tolerncia da natureza e a substncia humana. Mesmo que alguns leitores recusem aceitar todas as tres partes da mi-nha argumentao, eu diria que qualquer uma delas basta, isoladamente, para amparar a minha tese.

    E qual a minha tese? Simplesmente, que a nossa ta-refa de maior importncia consiste em nos desviar de nossa atual rota de coliso. E a quem incumbe essa tarefa? Creio que a todos ns, velhos e jovens, poderosos e desvalidos, ri-cos e pobres, influentes e insignificantes. Falar sobre o fu-turo s til se levar ao agora. E o que podemos fazer agora, enquanto ainda estamos em condies de afirmar que a vida nunca foi to boa? Para dizer o mnimo e j dizer muito cumpre-nos entender perfeitamente o problema e comear a ver a possibilidade de criar um novo estilo de vida, dotado de novos mtodos de produo e novos padres de consumo; um estilo de vida planejado para ser permanen-te. S para dar trs exemplos preliminares: em agricultura e horticultura, poderemos interessar-nos no aperfeioamento de mtodos de produo que sejam biologicamente corretos, incrementar a fertilidade do solo, e produzir sade, beleza e permanncia. A produtividade cuidar ento de si mesma. Na indstria, podemos interessar-nos pela evoluo da tec-nologia em pequena escala, uma tecnologia relativamente no-violenta, com uma fisionomia humana, para que as pessoas tenham uma oportunidade de sentir prazer no tra-balho que realizam, em vez de trabalharem exclusivamente pelo salrio e na esperana, usualmente frustrada, de se di-vertirem to-s nas horas de lazer. Ainda na indstria pois

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    ela, sem dvida, que marca o ritmo da vida moderna podemos interessar-nos em novas formas de parceria entre administrao e empregados, ou mesmo em alguma forma de propriedade comunal.

    Ouvimos freqentemente dizer que estamos ingressan-do na era da Sociedade do Estudo. Esperemos que isso seja verdade. Ainda temos de aprender como viver em paz, no s com os nossos semelhantes mas tambm com a natureza, e, principalmente, com aqueles Poderes Superiores que fizeram a natureza e nos fizeram a ns; pois com certeza no surgi-mos por acidente nem nos fizemos a ns mesmos.

    Os temas que foram meramente aflorados neste cap-tulo tero de ser desenvolvidos medida que avanarmos. Poucas pessoas sero facilmente convencidas de que o desa-fio ao futuro do homem no possa ser enfrentado por alguns ajustamentos marginais aqui e ali ou, possivelmente, pela mudana do sistema poltico.

    O captulo a seguir uma tentativa de reexame de toda a situao, sob o ngulo da paz e da permanncia. Agora que o homem adquiriu os meios fsicos de autodestruio, a questo da paz avulta, obviamente, mais do que em qual-quer outra poca da histria da humanidade. E como poderia a paz ser construda sem alguma garantia de permanncia quanto nossa vida econmica?

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    2. Paz e Permanncia *

    A crena moderna dominante de que a mais slida fundao da paz seria a prosperidade universal. Pode-se buscar em vo provas histricas de que os ricos tm sido regularmente mais pacficos que os pobres, mas tambm possvel argumentar, nesse caso, que eles nunca se sentiram garantidos contra os pobres; que sua agressividade fruto do medo; e que a situao seria bem diferente se todos fossem ricos. Por que iria um homem rico guerra? Ele nada tem a ganhar. No so os pobres, os explorados, os oprimidos, que tm maior probabilidade de faz-la, j que nada tm a perder se no seus grilhes? A estrada para a paz, sustenta-se, o caminho para a riqueza.

    Esta crena moderna dominante tem um atrativo quase irresistvel ao insinuar que quanto mais depressa se conse-gue uma coisa desejvel, mais certo alcanar uma outra. duplamente atraente ao evitar por completo a questo tica: no h necessidade de renncia ou sacrifcio, pelo contrrio! Temos a cincia e a tcnica para ajudar-nos a percorrer a estrada da paz e da abundncia e tudo o que h a fazer

    * Publicado primeiramente em Resurgence, Journal of the Fourth World, Vol. III, N. 1, maio/junho de 1970.

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    no nos comportarmos estpida e irracionalmente, cortando nossa prpria carne. A mensagem para os pobres e descon-tentes , que no devem impacientar-se ou matar a galinha que, por certo, no momento devido, por ovos de ouro tam-bm para eles. E a mensagem para os ricos que devem ser suficientemente inteligentes para de vez em quando ajudar aos pobres, pois essa a forma pela qual se tornaro ainda mais ricos.

    Gandhi costumava falar desdenhosamente de sonhar com sistemas to perfeitos que ningum precisar ser bom. Mas no esse, precisamente, o sonho que podemos agora concretizar com nossos maravilhosos poderes da cincia e da tcnica? Por que bradar por virtudes, que o homem talvez nunca adquira, quando a racionalidade cientfica e a compe-tncia tcnica so tudo o que se requer?

    Em vez de dar ouvidos a Gandhi, no nos sentimos mais inclinados a ouvir a um dos mais influentes economistas de nosso sculo, o grande Lord Keynes? Em 1930, durante a depresso econmica em escala mundial, ele sentiu-se im-pelido a especular a respeito das possibilidades econmicas para nossos netos e concluiu que talvez no estivesse muito longe o dia em que todos seriam ricos. Voltaremos ento, dis-se ele, a valorizar mais os fins do que os meios e a preferir o bom ao til.

    Mas, cuidado! prosseguiu. Ainda no chegou o tempo de tudo isso. Por mais cem anos, no mnimo, devemos simu-lar para ns e para todos que o justo injusto e o injusto justo; pois o injusto til e o justo no o . Avareza, usura e precauo ainda tm de ser nossos deuses por mais algum tempo. Pois s elas podem tirar-nos do tnel da necessidade econmica para a luz do dia.

    Isto foi escrito h quarenta anos e desde ento, cla-ro, as coisas se aceleraram consideravelmente. Talvez nem tenhamos de esperar outros sessenta anos para ser alcana-da a abundncia universal. De qualquer forma, a mensagem keynesiana bastante clara: Cuidado! Consideraes ticas no so meramente irrelevantes, elas so um impedimento

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    real, pois o injusto til e o justo no o . No soou ainda a hora de ser justo. O caminho para o cu est calado com ms intenes.

    Examinarei agora essa proposio, que pode ser dividi-da em trs partes:

    Primeiro: que a prosperidade universal possvel; Segundo: que sua obteno exeqvel, baseada na fi-

    losofia materialista do enriqueam-se; Terceiro: que este o caminho para a paz.

    A pergunta para iniciar minha investigao eviden-temente esta: h o bastante para fechar o crculo? Imedia-tamente deparamo-nos com uma dificuldade sria: o que bastante? Quem nos pode explic-lo? Por certo no ser o economista que busca o crescimento econmico como o valor mximo e, por conseguinte, no concebe o bastante. H sociedades pobres que tm excessivamente pouco; mas, onde est a sociedade rica que diga: Chega! Temos bastan-te? No existe nenhuma.

    Talvez possamos esquecer-nos do bastante e con-tentar-nos em explorar o aumento da demanda de recursos mundiais que surge quando todos simplesmente se esforam para ter mais. Como no podemos estudar todos os recur-sos, proponho-me focalizar um tipo de recurso que se acha em posio de certo modo central: o combustvel. Mais pros-peridade significa maior uso de combustvel no pode ha-ver dvida quanto a isto. No presente, o hiato de prosperida-de entre os pobres e os ricos deste mundo de fato enorme, o que claramente revelado em seus respectivos consumos de combustvel. Definamos como ricas todas as populaes de pases com um consumo mdio de combustvel em 1966 superior a uma tonelada mtrica de equivalente a carvo (abreviatura: e.c.) per capita e como pobres as abaixo desse nvel. Partindo dessas definies, podemos traar o quadro seguinte (utilizando dados das Naes Unidas):

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    QUADRO I (1966)

    Ricos % Pobres % Mundo %Populao (milhes)

    1060 31 2284 69 3384 100

    Consumo de combustvel(milhes de tons)

    4788 87 721 13 5509 100

    Consumo de combustvel per capita (tons)

    4,52 0,32 1,65

    O consumo mdio per capita de combustvel pelos po-bres apenas 0,32 tonelada grosso modo, 1/14 do consu-mo dos ricos; e h muitssimos povos pobres no mundo segundo estas definies, quase sete dcimos da populao mundial. Se os pobres usassem de sbito tanto combust-vel quanto os ricos, o consumo mundial triplicaria imedia-tamente.

    Isto no pode acontecer, porm, j que tudo demanda tempo. E, com o tempo, tanto os ricos como os pobres esto crescendo em desejos e em nmero. Faamos, pois um clculo exploratrio. Se as populaes ricas crescem ra-zo de 1,25% e as pobres de 2,5% ao ano, a populao mundial atingir cerca de 6,9 bilhes no ano 2000 um n-mero no muito diferente das mais categorizadas previses atuais. Se, ao mesmo tempo, o consumo de combustvel per capita da populao rica aumentar 2,25%, enquanto o da pobre aumenta 4,5% ao ano, os seguintes dados surgiro para o ano 2000:

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    QUADRO II (2000)

    Ricos % Pobres % Mundo %Populao (milhes)

    1617 23 5292 77 6909 100

    Consumo de combustvel(milhes de tons)

    15588 67 7568 33 23156 100

    Consumo de combustvel per capita (tons)

    9,64 1,43 3,35

    O resultado total no consumo mundial de combustvel seria um aumento de 5,5 bilhes de toneladas em 1966 para 23,2 bilhes no ano 2000 uma multiplicao por um n-mero superior a 4, metade do qual seria atribuvel ao cresci-mento da populao e a outra ao aumento de consumo per capita.

    Esta diviso meio a meio bem interessante. Mas a di-viso entre ricos e pobres ainda mais interessante. Do aumento total de consumo mundial de combustvel de 5,5 para 23,2 bilhes de toneladas e.c, isto , um incremento de 17,7 bilhes de toneladas, os ricos responderiam por quase dois teros e os pobres por apenas pouco mais de um ter-o. Durante o perodo total de 34 anos, o mundo usaria 425 bilhes de toneladas de equivalente carvo, com os ricos usando 321 bilhes ou 75% e os pobres, 104 bilhes.

    Ora, no lana isto uma luz muito interessante em toda a situao? Estes nmeros, est claro, no so predies: trata-se do que podemos chamar de clculos exploratrios. Presumi um bem modesto incremento demogrfico dos ri-cos, e uma taxa de crescimento duas vezes maior da popu-lao pobre; todavia, so os ricos e no os pobres que de

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    longe causam a maior parte dos danos se se pode denomi-nar isso de danos. Mesmo que as populaes classificadas como pobres crescessem somente mesma taxa pressu-posta para as ricas, o efeito sobre as necessidades totais de combustvel do mundo dificilmente seria significativo uma reduo de pouco mais de 10%. Mas se as ricas decidissem e no estou afirmando ser isso provvel que seu atual consumo de combustvel per capita j bastante elevado e que no deveriam permitir ampli-lo mais, considerando-se j ser 14 vezes mais elevado que o das pobres bem, isso faria uma diferena: a despeito do aumento presumido das populaes ricas, haveria uma reduo de mais de um ter-o nas necessidades mundiais totais de combustvel no ano 2000.

    O mais importante comentrio, entretanto, uma in-terrogao: Ser plausvel supor que o consumo mundial de combustvel pudesse aumentar para algo parecido com 23 bilhes de toneladas e.c. anuais no ano 2000, usando 425 bilhes de toneladas e.c. durante os 34 anos intermedirios? luz de nossos atuais conhecimentos de reservas de com-bustveis fsseis, essa uma cifra implausvel, mesmo admi-tindo que um quarto ou um tero do total mundial pudesse originar-se da fisso nuclear.

    claro que os ricos esto em pleno processo de des-pojar o mundo de uma vez para sempre da sua dotao de combustveis relativamente baratos e simples. o contnuo crescimento econmico deles que gera demandas cada vez mais exorbitantes, com a conseqncia de os combustveis baratos e simples do mundo poderem facilmente tornar-se caros e escassos muito antes dos pases pobres terem adqui-rido a riqueza, educao, refinamento industrial e poderio de capital acumulado necessrios aplicao de combustveis alternativos em qualquer escala expressiva.

    Clculos exploratrios, naturalmente, no provam coi-sa alguma. Uma prova sobre o futuro de qualquer maneira impossvel e foi sabiamente observado que todas as predi-es so falveis, sobretudo as referentes ao futuro. O que

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    se precisa de bom senso e os clculos exploratrios podem pelo menos auxiliar a informar nosso juzo. Em qualquer caso, sob um aspecto muito importante, os nossos clculos subestimam a amplitude do problema. No realista tratar o mundo como se fora uma unidade. Os recursos de com-bustveis esto muito desigualmente distribudos, e qualquer escassez de suprimentos, por menor que seja, imediatamen-te dividiria o mundo entre os que tm e os que no tm, segundo linhas inteiramente novas. As regies especialmente favorecidas, tais como o Oriente Mdio e o Norte da frica, atrairiam ateno invejosa em escala dificilmente imaginvel hoje,* enquanto algumas reas de consumo elevado, como a Europa Ocidental e o Japo, passariam posio no inve-jvel de legatrios residuais. Essa seria uma fonte de conflito como talvez jamais tenha havido outra igual.

    Como nada pode ser provado sobre o futuro nem mesmo sobre o futuro a relativamente curto prazo dos prxi-mos trinta anos sempre possvel pr de lado at os mais ameaadores problemas alegando que aluma coisa surgir. Poderia simplesmente ocorrer, por exemplo, a descoberta de enormes e inditas reservas de petrleo, gs natural ou at carvo. E por que razo a energia nuclear h-de ficar con-finada a fornecer um quarto ou um tero das necessidades totais? O problema pode ser assim transferido para outro plano, mas recusa-se a desaparecer. Pois o consumo de com-bustvel na escala indicada admitindo no haver insuper-veis dificuldades de abastecimento produziria riscos sem precedentes para o meio ambiente.

    Veja-se o caso da energia nuclear. Algumas pessoas di-zem que os recursos mundiais de urnio relativamente con-centrado so insuficientes para sustentar um programa nu-clear realmente grande suficientemente grande para ter um impacto significativo na situao mundial de combust-veis, onde temos de contar com bilhes, no apenas milhes, de toneladas de equivalente carvo. Suponha-se, todavia, que

    * Note-se que o autor escreveu isto em 1972. (N. do T.)

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    essa gente est errada. Ser descoberto urnio suficiente; ele ser apanhado nos mais remotos cantos da terra, trazido para os principais centros demogrficos e tornado altamen-te radiativo. difcil imaginar uma ameaa biolgica maior, para no mencionar o perigo poltico de algum poder usar um minsculo fragmento dessa terrvel substncia para fina-lidades no de todo pacficas.

    Por outro lado, se fantsticos descobrimentos de com-bustveis fsseis tornassem desnecessrio forar o ritmo da energia nuclear, existiria um problema de poluio trmica de escala bastante diversa de tudo quanto foi at aqui en-frentado.

    No importa qual seja o combustvel, incrementos no consumo dele por um fator de quatro, e depois cinco e seis... no h resposta plausvel para o problema da poluio.

    Dei o combustvel como mero exemplo para ilustrar uma tese muito simples: a de que o crescimento econmico, que, encarado do ponto de vista da Economia, da Fsica, da Qumica, e da Tecnologia, no tem limites discernveis, de-frontar-se- necessariamente com congestionamentos deci-sivos quando encarado pelo prisma das cincias ambientais. Uma atitude face vida que busque realizao na procura obstinada de riqueza em suma, o materialismo no se ajusta a este mundo, por no conter em si qualquer princ-pio limitador, enquanto o ambiente no qual est situada estritamente limitado. O ambiente j procura dizer-nos que certas tenses esto se tornando excessivas. medida que um problema est sendo solucionado, aparecem dez novos problemas resultantes da primeira soluo. Como ressalta o Professor Barry Commoner, os novos problemas no so conseqncias de insucessos casuais mas do sucesso tecno-lgico.

    Muita gente, entretanto, insistir em discutir tambm, estes tpicos unicamente em termos de otimismo e pessi-mismo, orgulhando-se, em seu prprio otimismo, de que a cincia encontrar uma sada. S podero estar certos, sus-tento, se houver uma mudana consciente e fundamental na

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    direo do esforo cientfico. Os progressos da cincia e da tecnologia nestes ltimos cem anos tm sido tais que os peri-gos cresceram mais depressa ainda do que as oportunidades. Voltarei a falar sobro isto mais adiante.

    J existem provas esmagadoras de que o grande siste-ma de autoequilbrio da natureza est ficando cada vez mais desequilibrado em aspectos particulares e pontos especfi-cos. Iramos muito longe se eu tentasse reunir aqui as pro-vas disso. A situao do Lago Eri, para a qual o Professor Barry Commoner, entre outros, chamou a ateno, serviria como suficiente alerta. Mais uma ou duas dcadas e todos os sistemas de hidrovias internas dos Estados Unidos podero ficar em situao anloga. Por outras palavras, o estado de desequilbrio talvez no mais se aplique a pontos especficos, por ter-se generalizado. Quanto mais se deixar este processo avanar, tanto mais rduo ser invert-lo, se de fato no tiver sido j ultrapassado o limite de reversibilidade.*

    Constatamos, assim, que a idia de ilimitado cresci-mento econmico at todos estarem saturados de riqueza, tem de ser seriamente questionada em pelo menos duas im-putaes: a disponibilidade de recursos bsicos e, alternati-va ou adicionalmente, a capacidade do meio-ambiente para fazer face ao grau de interferncia implcita. Quanto ao as-pecto fsico-material do assunto no preciso dizer mais. Passemos agora a certos aspectos no-materiais.

    No pode haver dvida quanto idia de enriquecimen-to pessoal exercer atrao muito forte sobre a natureza hu-mana. Keynes, no ensaio j citado, alertou-nos de ainda no ter chegado a hora para um retorno a alguns dos mais se-guros e certos princpios da religio e da virtude tradicional: de que a avareza um vcio, a extorso do usurrio uma contraveno e o amor ao dinheiro detestvel.

    O progresso econmico, opinou ele, s alcanvel se empregamos aqueles poderosos impulsos humanos do egos-mo, a que a religio e a sabedoria tradicional universalmente nos convidam a resistir. A economia moderna, impelida por

    * No original: point of no return. (N. do T.)

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    um frenesi de voracidade e entrega-se a uma orgia de inve-ja, e isto no so caractersticas acidentais mas as prprias causas de seu sucesso expansionista. A questo saber se tais causas podem ser eficazes por muito tempo ou se trazem em seu bojo as sementes da prpria destruio. Se Keynes diz que o injusto til e o justo no o , ele enuncia uma afirmao de fatos que pode ser verdadeira ou falsa, ou pode parecer verdadeira a curto prazo e mostrar-se falsa a prazo mais longo. Qual a realidade?

    Penso j haver agora provas suficientes para demons-trar que o enunciado falso em uma acepo muito direta e prtica. Se vcios humanos como a cobia e a inveja fo-rem sistematicamente cultivados, o resultado inevitvel ser nada menos que o colapso da inteligncia. Um homem movi-do pela cobia ou inveja perde a capacidade de ver as coisas como realmente so, de v-las em sua plenitude e integrida-de, e seus prprios sucessos viram derrotas. Se sociedades inteiras forem contaminadas por tais vcios, elas podero, de fato, realizar coisas espantosas mas tornam-se cada vez mais incapazes de solucionar os mais elementares problemas da existncia cotidiana. O Produto Nacional Bruto pode subir rapidamente, medido por estatsticas, mas no vivenciado por pessoas reais, que se sentem oprimidas por crescente frustrao, alienao, insegurana e assim por diante. Aps algum tempo, at o Produto Nacional Bruto recusa-se a con-tinuar a crescer, no por causa de um malogro cientfico ou tecnolgico, mas devido a uma insidiosa paralisia de no-cooperaao, manifestada em vrios tipos de escapismo por parte, no s dos oprimidos e explorados, mas at de grupos altamente privilegiados.

    Pode-se prosseguir longamente deplorando a irraciona-lidade e estupidez de homens e mulheres em posies ele-vadas ou inferiores se as pessoas se dessem conta ao menos de onde esto seus verdadeiros interesses! Mas por que no se apercebem disso? Ou porque sua inteligncia foi abafada pela cobia e a inveja, ou porque no fundo de seus coraes entendem que seus reais interesses esto em lugar

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    muito diferente. H um ditado revolucionrio segundo o qual O homem no viver de po apenas, mas de cada palavra de Deus.

    Tambm a este respeito nada pode ser provado. Mas, ainda parecer provvel ou plausvel que as graves doenas sociais que infectam hoje muitas sociedades ricas so me-ros fenmenos passageiros que um governo capaz - se pelo menos pudssemos arranjar um governo realmente capaz! poder erradicar se fizer simplesmente um uso mais r-pido da cincia e da tecnologia ou mais radical emprego do sistema penal?

    Proponho que os alicerces da paz no podem ser as-sentados pela prosperidade universal, na acepo moderna, porque tal prosperidade, se de fato fr alcanvel, s o ser cultivando impulsos tais da natureza humana como a cobia e inveja, os quais destrem a inteligncia, felicidade, sereni-dade e, por conseguinte, o esprito pacfico do homem. Bem podia ser que as pessoas ricas prezassem a paz mais inten-samente que as pobres, mas s se elas se sentissem abso-lutamente seguras e esta uma contradio em termos. A riqueza delas depende de fazerem exigncias exorbitantes aos limitados recursos do mundo e, assim, isso coloca-as numa inevitvel rota de coliso no primordialmente com os pobres (que so fracos e indefesos) mas com outras pes-soas ricas.

    Resumindo, podemos hoje dizer que o homem por de-mais esperto para ser capaz de sobreviver sem sabedoria. Ningum est verdadeiramente trabalhando pela paz a me-nos que esteja agindo primordialmente pela restaurao da sabedoria. A assertiva de que o injusto intil e o justo no o vem a ser a anttese da sabedoria. A esperana de que a busca da bondade e da virtude poder ser adiada at termos alcanado a prosperidade universal e de que, pela obstinada busca de riqueza, sem esquentar nossas cabeas com ques-tes espirituais e morais, poderemos instaurar paz na terra, uma esperana irrealista, anti-cientfica e irracional. Excluir a sabedoria da economia, cincia e tecnologia, foi algo com

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    que a gente pde arrumar-se por algum tempo, enquanto ramos relativamente mal sucedidos; agora, porm, que nos tornamos bastante bem sucedidos, o problema da verdade espiritual e moral passa a ocupar posio central.

    Sob um ponto de vista econmico, o conceito central da sabedoria a permanncia. Temos de estudar a economia da permanncia. Nada faz sentido economicamente salvo se sua continuidade por longo tempo puder ser projetada sem incorrer em absurdos. Pode haver crescimento rumo a um objetivo limitado, mas no pode haver crescimento ilimitado e generalizado. mais do que provvel, como disse Gandhi, que a Terra proporciona o bastante, para satisfazer a ne-cessidade de cada homem mas no a voracidade de todos os homens. A permanncia incompatvel com uma atitude predatria que se rejubila com o fato de o que era luxo para nossos pais tornou-se necessidade para ns.

    O cultivo e a expanso das necessidades a anttese da sabedoria. igualmente a anttese da liberdade e da paz. Cada aumento de necessidades tende a agravar a dependn-cia de uma pessoa de foras externas sobre as quais no pode exercer controle, e, portanto, agrava o medo existencial. S com uma reduo de necessidades pode-se promover uma genuna reduo naquelas tenses que so as causas funda-mentais da discrdia e da guerra.

    A economia da permanncia implica uma profunda re-orientao da cincia e da tecnologia, que tm de abrir suas portas sabedoria e, de fato, tm de incorporar esta sua prpria estrutura. Solues cientficas ou tecnolgicas que envenenem o ambiente ou degradem a estrutura social e o prprio homem no so benfazejas, por mais brilhantemente concebidas ou por maior que seja seu atrativo superficial. Cada vez maiores mquinas, impondo concentraes ainda maiores de poderio econmico e exercendo violncia sempre maior contra o meio ambiente, no constituem progresso: elas so uma negao da sabedoria. A sabedoria exige uma nova orientao da cincia e da tecnologia para o orgnico, o suave, o no-violento, o elegante e o belo. A paz, conforme tem

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    sido repetido com freqncia, indivisvel; como, ento, po-deria ser ela construda sobre alicerces de cincia indiferente e tecnologia violenta? Temos de contar com uma revoluo na tecnologia que nos d invenes e mquinas capazes de inverterem as tendncias destrutivas que ora ameaam todos ns.

    O que realmente pedimos aos cientistas e tcnicos? Responderei: precisamos de mtodos e equipamentos que sejam:

    suficientemente baratos para serem acessveis pra-ticamente a todos;

    adequados aplicao em pequena escala; e compatveis com a necessidade humana de criativi-

    dade.Dessas trs caractersticas nascem a no-violncia e

    um relacionamento do homem com a natureza que assegura a permanncia. Se apenas uma das trs for desprezada, as coisas tendero a sair erradas. Examinemos cada uma de-las.

    Mtodos e mquinas suficientemente baratos para se-rem acessveis praticamente a todos por que supor que nossos cientistas e tecnlogos so incapazes de cri-los? Esta era uma preocupao primordial de Gandhi: Quero que os milhes silenciosos de nossa terra sejam sadios e felizes e quero que cresam espiritualmente... Se sentirmos a neces-sidade de mquinas, certamente as teremos. Cada mquina que auxilia todo e qualquer indivduo certamente tem seu lugar, disse ele, mas no deve haver lugar para mquinas que concentram o poder em poucas mos e transformam as massas em meros guardadores de mquinas, se que no as lanam no desemprego.

    Suponha-se que se torne propsito declarado de inven-tores e engenheiros, comentou Aldous Huxley, dotar as pes-soas comuns de meios para realizarem trabalho lucrativo e intrinsecamente significativo, para ajudarem homens e mu-lheres a conseguir sua independncia dos patres, de modo a poderem tornar-se seus prprios empregadores ou mem-

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    bros de um grupo autogovernado, cooperativo, trabalhando para a sua subsistncia e para um mercado local... este pro-gresso tecnolgico diferentemente orientado (resultaria em) uma progressiva descentralizao da populao, do acesso terra, da propriedade dos meios de produo, de poder eco-nmico e poltico. Outras vantagens, disse Huxley, seriam uma vida mais humanamente satisfatria para mais pesso-as, maior grau de genuna democracia de autogoverno e uma abenoada libertao da tola ou perniciosa educao adulta fornecida pelos produtores em massa de bens de consumo atravs da publicidade.1

    Para que mtodos e mquinas sejam suficientemente baratos de modo a serem geralmente acessveis, isso quer dizer que seu custo deve situar-se numa relao definvel com o nvel de renda da sociedade onde vo ser usados. Eu mesmo cheguei concluso de que o limite superior para a mdia de investimento de capital por posto de trabalho dado provavelmente pelos vencimentos anuais de um ope-rrio capaz e ambicioso. Quer dizer, se tal homem pode ga-nhar normalmente, digamos, $5.000 por ano, (Cr$ 60.000), o custo mdio para instalar seu posto de trabalho de maneira alguma deve exceder esses cinco mil dlares. Se o custo for significativamente mais elevado, a sociedade em questo tal-vez; se veja em srias dificuldades, com uma indevida con-centrao de riqueza e poder entre os poucos privilegiados; um problema crescente de inadaptados* que no podem ser integrados na sociedade e constituem uma ameaa sem-pre crescente; desemprego estrutural; m distribuio da populao por causa da excessiva urbanizao; e frustrao e alienao geral, com taxas de criminalidade disparadas e assim sucessivamente.

    A segunda exigncia a convenincia para aplicao em pequena escala. Sobre o problema de escala, o Profes-sor Leopold Kohr escreveu brilhante e convincentemente; sua

    1 Towards New Horizons, Pyarelal, Navajivan Publishing House, Ah-medabad, 1959.

    * No original: drop-outs. (N. do T.)

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    relevncia para a economia da permanncia bvia. Opera-es em pequena escala, no importa quo numerosas, so sempre menos propensas a prejudicar o ambiente natural do que as em escala grande, simplesmente por sua fora indivi-dual ser pequena comparada com as foras regenerativas da natureza. H sabedoria na pequenez pelo menos devido pe-quenez e fragmentao do conhecimento humano, que confia bem mais na experincia do que na compreenso. O maior perigo invariavelmente provm da aplicao desumana, em vasta escala, de conhecimento parcial, tal como estamos pre-sentemente assistindo na aplicao da energia nuclear, da nova qumica agricultura, da tecnologia dos transportes, e inmeras outras coisas.

    Embora at pequenas comunidades sejam s vezes cul-padas de provocar eroso grave, geralmente por ignorncia, esta insignificante comparada com as devastaes causa-das por grupos gigantescos motivadas por ganncia, inveja e nsia de poder. bvio, alm disso, que homens organizados em pequenas unidades tomaro mais cuidado de seu peda-o de terra ou outros recursos naturais do que companhias annimas ou governos megalomanacos que fingem para si mesmos que o universo inteiro sua legtima presa.

    O terceiro requisito talvez seja o mais importante de to-dos, a saber: que os mtodos e o equipamento devam ser de molde a deixar amplo espao para o exerccio da criatividade humana. Nos ltimos cem anos ningum falou mais alar-mante e insistentemente sobre este tpico do que os pontfi-ces romanos. O que sucede ao homem se o curso da produ-o afasta do trabalho qualquer vislumbre de humanidade, convertendo-o em mera atividade mecnica? O prprio tra-balhador transformado em perverso dum ser livre.

    E assim o trabalho corporal (disse Pio XI), que, mesmo aps o pecado original ter sido decretado pela Providncia para o bem do corpo e da alma do homem, em muitos casos transformado em instrumento de perverso; pois da fbrica a matria morta sai melhorada, ao passo que os homens nela so corrompidos e degradados.

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    Tambm este assunto to amplo que no posso fazer mais do que aflor-lo. Acima de qualquer outra coisa h ne-cessidade de uma apropriada filosofia do trabalho que o en-tenda no como aquilo em que de fato se tornou, um servio desumano a ser abolido logo que possvel pela automao, mas como algo decretado pela Providncia para o bem do corpo e da alma do homem. Em seguida famlia, vm o tra-balho e as relaes por ele estabelecidas como os verdadeiros alicerces da sociedade. Se os alicerces forem instveis, como poder a sociedade ser slida? E se a sociedade est doente, como pode deixar de ser um perigo para a paz?

    A guerra um julgamento. disse Dorothy L. Sayers, que se apodera das sociedades quando se alimentam de idias que conflitam, com demasiada violncia, com as leis que governam o universo... Nunca pense que as guerras so catstrofes irracionais: elas surgem quando modos errados de pensar e viver suscitam situaes intolerveis.2 No plano econmico, a nossa maneira de viver errada consiste sobre-tudo em cultivar sistematicamente cobia e inveja, formando, destarte, uma vasta coleo de necessidades injustificadas. Foi o pecado da cobia que nos entregou ao poder da mqui-na. Se a cobia no fosse o senhor do homem moderno muito bem auxiliada pela inveja como poderia ocorrer que o frenesi do economismo no se atenue quando so alcana-dos padres-de-vida mais elevados e serem precisamente as sociedades mais ricas que porfiam por sua vantagem econ-mica com maior implacabilidade? Como poderamos explicar a quase universal recusa de parte dos governantes das socie-dades ricas sejam organizadas com empreendimentos pri-vados, seja segundo linhas de empresas coletivistas para atuar pela humanizao do trabalho? Basta asseverar que al-guma coisa reduzir o padro de vida e todos os debates so instantaneamente encerrados. Que o trabalho destruidor da alma, desprovido de significado, mecnico, montono e im-becilizante um insulto natureza humana, a qual tem de,

    2 Creed or Chaos, Dorothy L. Sayers, Methuen & Co. Ltd., Londres, 1947.

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    necessria e inevitavelmente, produzir escapismo ou agres-so, e que nenhuma quantidade de po e circo pode com-pensar os danos inflingidos estes so fatos no contesta-dos nem reconhecidos mas que se prefere enfrentar com uma imperturbvel conspirao de silncio porquanto neg-los seria por demais absurdo e reconhec-los seria condenar a preocupao central da sociedade moderna como um crime de lesa-humanidade.

    O desdm, ou melhor, a rejeio, da sabedoria chegou ao ponto de a maioria de nossos intelectuais nem terem a mais tnue idia do que esse termo significa. Em conse-qncia, so sempre propensos a tentar curar uma doena intensificando suas causas. Tendo ela sido provocada por se permitir esperteza desalojar a sabedoria, nenhum volume de pesquisa arguta poder produzir uma cura. Mas, o que sabedoria? Onde pode ser encontrada? Aqui chegamos ao cerne da questo: pode-se ler a seu respeito em numerosas publicaes, mas a explicao s pode ser encontrada em nosso prprio ntimo. Para se poder encontr-la, tem-se de primeiro libertar-se de senhores como a cobia e a inveja. A tranqilidade aps essa libertao ainda que s momen-tnea produz os vislumbres da sabedoria no alcanveis de qualquer outra maneira.

    Eles nos habilitam a ver a vacuidade e a fundamental insatisfao de uma vida devotada primordialmente pro-cura de fins materiais, desprezando o espiritual. Uma vida dessas forosamente coloca o homem contra o homem e as naes contra as naes, porquanto as necessidades do ho-mem so infinitas e a infinitude somente pode ser atingida no reino espiritual, nunca no material. O homem certamente tem de elevar-se acima deste mundo enfadonho; a sabe-doria ensina-lhe o caminho para tanto; sem sabedoria, ele levado a construir uma economia monstruosa, que destri o mundo, e a almejar por satisfaes fantsticas, como fazer um homem pousar na Lua. Em vez de vencer o mundo ca-minhando para a santidade, ele tenta venc-lo conquistando primazia em riqueza, poder, cincia ou de fato, qualquer es-

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    porte imaginvel.Estas so as causas reais da guerra e quimrico ten-

    tar lanar as fundaes da paz sem primeiro remov-las. duplamente quimrico erguer a paz sobre alicerces econ-micos que, por sua vez, assentam no cultivo sistemtico da cobia e da inveja, as prprias foras que impelem o homem para os conflitos.

    Como poderamos ao menos comear a desarmar a co-bia e a inveja? Talvez sendo muito menos cobiosos e inve-josos ns mesmos; talvez resistindo tentao de permitir nossos luxos converterem-se em necessidades; e talvez at examinando nossas necessidades para ver se no podem ser simplificadas ou reduzidas. Se no tivermos a fortaleza bas-tante para fazer qualquer destas coisas, poderamos parar de aplaudir talvez o tipo de progresso econmico a que palpa-velmente falta a base da permanncia e dar o nosso apoio, por modesto que seja, aos que, sem temerem ser denuncia-dos como doidos, trabalham em prol da no-violncia, como conservacionistas, ecologistas, protetores da vida silvestre, promotores da agricultura orgnica, distributivistas, produ-tores minifundirios,* e assim por diante? Cem gramas de prtica geralmente valem mais do que uma tonelada de teo-ria.

    Sero precisos, entretanto, muitos quilos para assentar as fundaes econmicas da paz. Onde se pode encontrar foras para continuar a lutar contra tais obstculos eviden-temente estarrecedores? E o que mais: onde se pode encon-trar foras para superar a violncia da cobia, da inveja, do dio e da concupiscncia dentro de cada um?

    Creio que Gandhi deu a resposta: Deve ser reconheci-da a existncia da alma separada do corpo, e de sua natureza permanente, e este reconhecimento deve chegar ao ponto de tornar-se uma f viva; e, em ltimo recurso, a no-violncia de nada adianta aos que no possuem uma f viva no Deus do Amor.

    * No original: distributists (distributivistas) e cottage producers (produtores de pequenos stios). (N. do T.)

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    3. O Papel da Economia *

    Dizer que nosso futuro econmico est sendo determi-nado pelos economistas seria um exagero; mas que sua in-fluncia, ou de qualquer maneira a da Economia, de grande alcance no pode ser posto em dvida. A Economia desempe-nha um papel central na formao das atividades do mundo moderno, visto fornecer os critrios do que econmico e do que antieconmico, e no existir outro conjunto de critrios que exera maior peso, tanto nas aes de in-divduos e grupos como dos governos. Pode ser imaginado, ento, que devemos procurar os economistas para conselhos sobre como superar os perigos e dificuldades com que se de-bate o mundo moderno, e como tomar providncias econmi-cas que garantam a paz e a estabilidade.

    Como de fato a Economia se relaciona com os proble-mas debatidos nos captulos anteriores? Quando o econo-mista formula um veredito de que esta ou aquela atividade economicamente correta ou antieconmica, surgem duas questes importantes e intimamente relacionadas: em pri-meiro lugar, o que o veredito significa? E, em segundo lugar,

    * Parcialmente baseado na The Des Voeux Memorial Lecture, 1967, Ar Limpo e Energia Futura, publicada pela National Society for Clean Air, Londres, 1967.

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    o veredito ser conclusivo no sentido de que alguma ao prtica pode basear-se nele?

    Recuando na histria, podemos recordar-nos de que quando se falou em fundar uma cadeia de Economia Poltica em Oxford, h 150 anos, muitas pessoas no ficaram abso-lutamente felizes ante a possibilidade. Edward Copleston, o grande Prefeito do Oriel Collge, no quis admitir no curr-culo da Universidade uma cincia to propensa a usurpar as demais; mesmo Henry Drummond, de Albury Park, que dotou a cadeira com recursos em 1825, julgou necessrio deixar clara sua esperana de que Universidade mantivesse o novo estudo em seu lugar. O primeiro professor, Nassau Senior, no estava certamente disposto a ser mantido em lugar inferior. Imediatamente, em sua conferncia inaugural, predisse que a nova cincia se colocar na estima pblica entre as primeiras das cincias morais em interesse e em uti-lidade e afirmou que a busca da riqueza... , para a massa da humanidade, a grande fonte de aperfeioamento moral. Nem todos os economistas, por certo, exageraram tanto em suas afirmaes. John Stuart Mill (1806-1873) encarou a Economia Poltica no como uma coisa em si mesmo, mas como um fragmento de algo maior; um ramo da Filosofia So-cial, to entrelaado com todos os outros ramos que suas concluses, mesmo dentro de seu campo particular, s so verdicas condicionalmente, sujeitas interferncia e oposi-es de causas no diretamente enquadradas em seu mbi-to. E mesmo Keynes, contradizendo seu prprio conselho (j citado) de que a avareza, a usura e a precauo tm de ser nossos deuses por mais ainda algum tempo, advertiu-nos para no superestimar a importncia do problema econmi-co ou sacrificar s suas alegadas necessidades outros assun-tos de significado maior e mais permanente.

    Tais opinies, entretanto, so raramente ouvidas hoje em dia. No chega a ser um exagero dizer que, com a cres-cente prosperidade, a Economia deslocou-se para o prprio centro da preocupao do pblico, e desempenho econmico, crescimento econmico, expanso econmica etc, tornaram-

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    se o interesse constante, se no obsessivo, de todas as so-ciedades modernas. No vocabulrio atual de condenao so poucas as palavras to finais e conclusivas como o qualifi-cativo antieconmico. Se uma atividade foi estigmatizada como antieconmica, seu direito existncia no simples-mente posto em dvida mas energicamente negado. Qual-quer coisa que se ache ser um estorvo ao crescimento econ-mico algo vergonhosa, e se as pessoas continuam apegadas a ela so consideradas sabotadores ou imbecis. Chamar algo de imoral ou feio, nocivo alma ou degradante do homem, um perigo para a paz do mundo ou o bem-estar das geraes futuras, no nada: enquanto no se mostrou ser ele antie-conmico realmente no se questionou seu direito a existir, crescer e prosperar.

    Porm, o que significa dizer que uma coisa antiecon-mica? No estou perguntando o que a maioria tem em mente ao dizer isto, pois bastante claro. Eles simplesmente que-rem dizer que como uma doena: voc passa melhor sem ela. O economista julgado capaz de diagnosticar a doena e, a seguir, com sorte e habilidade, remov-la. Reconhecida-mente, os economistas amide discordam entre si quanto ao diagnstico e, mais freqentemente ainda, quanto cura; mas isso somente prova que a matria incomumente difcil e os economistas, como os demais humanos, so falveis.

    No, estou perguntando o que isso significa, que esp-cie de significado o mtodo da Economia realmente produz. E a resposta indubitvel: uma coisa antieconmica quando deixa de grangear um lucro adequado em termos de dinhei-ro. O mtodo da Economia no produz, nem pode produzir, qualquer outro significado. Numerosas tentativas foram fei-tas para obscurecer este fato, e causaram mesmo bastante confuso, mas o fato continua de p. A sociedade, um grupo ou um indivduo dentro da sociedade, pode decidir apegar-se a uma atividade ou um bem por razes no-econmicas sociais, estticas, morais ou polticas mas isto de forma alguma altera a sua natureza antieconmica. O julgamento pela Economia, em outras palavras, extremamente frag-

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    mentrio: dentro do grande nmero de aspectos que, na vida real, devem ser vistos e avaliados juntos antes de ser tomada uma deciso, a Economia s proporciona um se uma coi-sa rende um lucro em dinheiro aos que dela se incumbem ou no.

    No se passe por alto as palavras aos que dela se in-cumbem. um grande erro admitir, por exemplo, que a metodologia da Economia seja aplicada normalmente para determinar se uma atividade levada a cabo por um grupo dentro da sociedade rende lucro para a sociedade como um todo. Mesmo as indstrias nacionalizadas* no so conside-radas deste ponto de vista mais abrangente. Cada uma delas recebe uma meta financeira que , de fato, uma obrigao e espera-se que se esforce por atingir tal meta sem con-siderar se est causando danos a outros setores da econo-mia. Com efeito, o credo predominante, sustentado com fer-vor por todos os partidos polticos, que o bem comum ser necessariamente maximizado se todos, todas as indstrias e ramos de negcio, quer nacionalizados ou no, labutem para conseguir uma retribuio do capital empregado. Nem mesmo Adam Smith tinha f mais implcita na mo oculta para garantir que o que bom para a General Motors bom para os Estados Unidos.

    Seja como for, no pode haver dvida alguma quan-to natureza fragmentria dos julgamentos pela Economia. Ainda no mbito escasso do clculo econmico, esses julga-mentos so necessria e metodicamente limitados. Por um lado, eles atribuem imensamente maior peso ao prazo curto do que ao longo, porque neste, conforme Keynes expressou com brutalidade jovial, todos estaremos mortos. E, em se-gundo, porque se baseiam em uma definio de custo que exclui todos os bens gratuitos, isto , todo o meio-ambiente dado por Deus, excetuando as partes de que se apropriaram entidades privadas. Isto quer dizer que uma atividade pode ser econmica embora infernize o meio-ambiente, e que uma

    * Ou, em nossa terminologia, estatizadas. (N. do T.)

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    atividade competidora, se a um certo custo protege e conser-va o meio-ambiente, ser antieconmica.

    A Economia, alm do mais, lida com os bens de acordo com seu valor de mercado e no com o que realmente so. Os mesmos critrios e regras aplicam-se a bens primrios, que o homem tem de adquirir da natureza, e bens secundrios, que pressupem a existncia de bens primrios e tm de ser feitos a partir deles. Todos os bens so tratados igualmente, porque o ponto de vista fundamentalmente o de lucrativi-dade privada, e isto significa ser inerente metodologia da Economia ignorar a dependncia do homem face ao mundo natural.

    Outra maneira de enunciar isto dizer que a Economia lida com bens e servios sob o ponto de vista do mercado, onde o que est disposto a comprar se encontra com o que quer vender. O comprador essencialmente um caador de pechinchas; ele no est interessado na origem dos bens ou nas condies sob as quais foram produzidos. Sua nica pre-ocupao como conseguir o mximo com seu dinheiro.

    O mercado, portanto, representa apenas a superfcie da sociedade e sua significncia relaciona-se com a situao momentnea existente ali e ento. No h pesquisa sobre o que existe no fundo das coisas, nos fatos naturais e sociais que jazem por trs delas. Em certo sentido, o mercado a institucionalizao do individualismo e da no-responsabi-lidade. Nem o comprador nem o vendedor so responsveis por qualquer coisa a no ser por si prprios. Seria antie-conmico para um vendedor rico reduzir seus preos para fregueses pobres s por estes estarem necessitados, ou para um comprador rico pagar um preo maior s por seu forne-cedor ser pobre. Igualmente, seria antieconmico para um comprador dar preferncia a bens produzidos nacionalmente se os importados forem mais baratos. Ele no aceita, nem se espera que aceite, responsabilidade pelo balano de paga-mentos de seu pas.

    No referente no-responsabilidade do comprador, h uma exceo significativa: ele deve ter cuidado para no ad-

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    quirir bens roubados. H um regulamento contra o qual nem ignorncia nem inocncia servem como defesa e que pode acarretar resultados extraordinariamente injustos e moles-tos. No obstante imposto pela santidade da propriedade privada, da qual d testemunho.

    Ser exonerado de toda responsabilidade exceto por si mesmo, implica, claro, uma enorme simplificao dos ne-gcios. Podemos reconhecer ser isso prtico e no se precisa ficar surpreso ao ver como altamente popular entre os ho-mens de negcio. O que pode causar surpresa tambm ser considerado virtuoso usar ao mximo essa iseno da res-ponsabilidade. Se um comprador recusasse uma boa pechin-cha por suspeitar que a barateza dos bens em questo provi-nha da explorao ou de outros procedimentos desprezveis (exceto roubo), ficaria exposto crtica de comportar-se an-tieconomicamente, o que visto como nada menos do que cair em desfavor. Os economistas e outros costumam tratar um comportamento assim excntrico com escrnio quando no com indignao. A religio da Economia possui seu pr-prio cdigo de tica, e o Primeiro Mandamento comportar-se economicamente de qualquer forma, quando se est produzindo, vendendo ou comprando. s quando o caador de pechinchas vai para casa e torna-se um consumidor que o Primeiro Mandamento deixa de ser aplicvel: ele , ento, encorajado a divertir-se de qualquer maneira que lhe agra-de. No que toca religio da Economia, o consumidor ex-traterritorial. Este estranho e expressivo aspecto do mundo moderno merece maior exame do que at agora recebeu.

    No mercado, por motivos prticos, inmeras diferenas qualitativas de importncia vital para o homem e a sociedade so ali suprimidas; nem se lhes permite vir tona. Assim, o reino da quantidade comemora seus maiores triunfos no Mercado. Tudo igual a tudo o mais. Igualar coisas quer dizer atribuir-lhes um preo e assim torn-las intercambi-veis. Na medida em que o pensamento econmico baseia-se no mercado, ele retira a sacralidade da vida, porquanto nada pode haver de sagrado em algo que tem um preo. No de

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    surpreender, por conseguinte, j que o pensamento econmi-co impregna a sociedade inteira, que mesmo simples valores no econmicos como beleza, sade ou limpeza s possam sobreviver se provarem ser econmicos.

    Para impor valores no-econmicos ao quadro do clcu-lo econmico, os economistas utilizam o mtodo da anlise custo/benefcio. Isto geralmente visto como uma criao esclarecida e progressista, posto ser pelo menos uma tentati-va para levar em conta custos e benefcios que poderiam, de outra forma, ser de todo desprezados. De fato, entretanto, um procedimento por meio do qual o superior reduzido ao nvel do inferior e ao inaprecivel fixado um preo. Nunca pode servir, portanto, para esclarecer a situao e conduzir a uma deciso bem informada. Tudo que pode fazer levar al-gum a iludir-se ou a iludir os outros; porquanto, propor-se a medir o imensurvel absurdo e constitui to-somente um mtodo de passar de noes preconcebidas para concluses antecipadas; tudo o que se tem a fazer para alcanar os re-sultados desejados imputar valores apropriados aos custos e benefcios imensurveis. O absurdo lgico, contudo, no o maior defeito do empreendimento: o que pior e destruidor da civilizao a pretenso de que tudo tem um preo ou, em outras palavras, de que o dinheiro o mais elevado valor.

    A Economia opera legtima e utilmente dentro de uma dada estrutura que fica totalmente fora do clculo econ-mico. Podemos dizer que a Economia no se mantm sobre os prprios ps ou que um corpo de pensamento deriva-do derivado da Meta-Economia. Se o economista deixa de estudar Meta-Economia, ou, pior ainda, se permanece alheio ao fato de haver limites para a aplicabilidade do clculo eco-nmico, provvel que incorra em tipo semelhante de erro ao de certos telogos medievais que tentaram acertar questes de Fsica por meio de citaes bblicas. Toda cincia ben-fica dentro de suas prprias fronteiras, mas torna-se m e destrutiva logo que as ultrapassa.

    A cincia da Economia to inclinada a usurpar o res-to mais ainda hoje do que h 150 anos, quando Edward

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    Copleston apontou esse perigo porque se relaciona com certos impulsos muito robustos da natureza humana, tais como inveja e cobia. Tanto maior o dever de seus especia-listas, os economistas, de entender e esclarecer suas limita-es, o que equivale a entender a Meta-Economia.

    O que , pois, Meta-Economia? Como a Economia tra-ta do homem em seu meio-ambiente, podemos esperar que a Meta-Economia consista de duas partes uma tratando do homem e a outra do meio-ambiente. Por outras palavras, podemos esperar que a Economia infira suas metas e seus objetivos dum estudo do homem e extraia pelo menos grande parte de sua metodologia dum estudo da natureza.

    No prximo captulo, tentarei mostrar como as conclu-ses e prescries da Economia mudam na medida em que se modifica a imagem fundamental do homem e de sua fina-lidade na terra. Neste captulo, limitar-me-ei a um exame da segunda parte da Meta-Economia, isto , a maneira pela qual uma parte vital da metodologia da Economia deve ser dedu-zida de um estudo da natureza. Como j salientei antes, no mercado todos os bens so tratados da mesma forma, por ser ele essencialmente um instrumento de ilimitada caa s pe-chinchas, o que equivale a dizer que inerente metodologia da moderna Economia, to largamente orientada pelo merca-do, ignorar a dependncia do homem em relao ao mundo natural. O Professor E. H. Phelps Brown, em seu discurso de posse na presidncia da Real Sociedade de Economia sobre O Subdesenvolvimento da Economia, falou acerca da exi-gidade da contribuio que os mais destacados avanos da Economia no ltimo quarto de sculo deram para a soluo dos mais prementes problemas de nossa poca, e entre es-tes relaciona controlar os efeitos adversos, no ambiente e na qualidade de vida, da industrializao, do crescimento demo-grfico e da urbanizao.

    O fato que falar da exigidade da contribuio em-pregar um eufemismo, posto no haver contribuio algu-ma; pelo contrrio, no seria injusto dizer que a Economia, tal como hoje constituda e praticada, age como a barreira

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    sumamente eficaz contra a compreenso desses problemas, devido sua inclinao para a anlise estritamente quantita-tiva e sua tmida recusa em encarar a verdadeira natureza das coisas.

    A Economia lida com uma variedade praticamente ili-mitada de bens e servios, produzidos e consumidos por uma variedade igualmente ilimitada de pessoas. Seria obviamente impossvel criar qualquer teoria econmica, a no ser que se esteja disposto a desprezar um imenso elenco de distin-es qualitativas. Mas deveria ser igualmente bvio que a supresso total de diferenas qualitativas, conquanto facilite a teorizao, a torna ao mesmo tempo inteiramente estril. A maioria dos mais destacados avanos da Economia no lti-mo quarto de sculo (citadas pelo Professor Phelps Brown) voltam-se para a quantificao, s expensas do entendimen-to de diferenas qualitativas. De fato, pode-se dizer que a Economia tolera cada vez menos estas ltimas, porquanto no se enquadram no seu mtodo e fazem exigncias com-preenso prtica e capacidade de discernimento dos eco-nomistas, que no esto com vontade ou no se sentem ca-pazes de atender. Por exemplo, tendo estabelecido por seus mtodos puramente quantitativos que o Produto Nacional Bruto de um pas elevou-se, digamos, de 5%, o economis-ta-convertido-em-econometrista reluta em e geralmente incapaz de enfrentar a questo de saber se isso deve ser visto como uma coisa boa ou ruim. Ele perderia todas as suas certezas se jamais acolhesse uma pergunta assim: o crescimento do PNB deve ser algo bom, independente do que cresceu e de quem, se algum, disso se beneficiou. A idia de poder haver crescimento patolgico, malso, demolidor ou destrutivo para ele uma idia pervertida que no pode sequer surgir tona. Pequena minoria de economistas est hoje comeando a indagar at que ponto ser possvel mais crescimento, visto o crescimento infinito em um ambiente finito ser uma impossibilidade evidente; mesmo eles, porm, no conseguem afastar-se do conceito de crescimento pura-mente quantitativo. Em vez de insistirem no primado das di-

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    ferenas qualitativas, simplesmente substituem crescimento por no-crescimento, isto , um vazio por outro.

    verdade, naturalmente, que a qualidade muito mais difcil de ser manipulada do que a quantidade, assim como o exerccio da capacidade de julgar uma funo mais ele-vada do que a capacidade de contar e calcular. Diferenas quantitativas podem ser mais facilmente apreendidas e por certo mais facilmente definidas do que as qualitativas; sua aparncia concreta enganadora e d-lhes foros de preciso cientfica, ainda quando essa preciso foi adquirida pela su-presso de diferenas vitais de qualidade. A grande maioria dos economistas ainda est perseguindo o ideal absurdo de tornar sua cincia to cientfica e exata quanto a Fsica, como se no houvesse diferena qualitativa entre tomos ir-racionais e o homem criado imagem de Deus.

    O principal objeto de estudo da Economia so os bens. Os economistas fazem algumas diferenas rudimentares en-tre categorias de bens sob o ponto de vista do comprador, tal como a distino entre bens de consumo e bens de produo, mas no h virtualmente nenhum esforo para tomar conhe-cimento do que esses bens so na realidade; por exemplo, se so produzidos pelo homem ou dados por Deus, se so reproduzveis gratuitamente ou no. Uma vez que quaisquer bens, seja qual fr seu carter meta-econmico, tenham apa-recido no mercado, so tratados da mesma maneira, como objetos venda, e a Economia est interessada sobretudo em teorizar acerca das atividades de caa s pechinchas pelo comprador.

    um fato todavia, existirem diferenas fundamentais e vitais entre vrias categorias de bens que no podem ser desprezadas sem se perder o contato com a realidade. O se-guinte pode ser denominado um programa mnimo de cate-gorizao:

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    Dificilmente poderia haver uma diferena mais impor-tante, para comeo de conversa, do que a entre bens prim-rios e secundrios, porquanto estes ltimos pressupem a disponibilidade dos anteriores. Uma expanso da capacidade do homem para dar origem a produtos secundrios intil a menos que seja precedida por uma ampliao de sua capaci-dade para extrair produtos primrios da terra, pois o homem no um produtor, mas um mero transformador, e para cada tarefa de transformao ele carece de produtos prim-rios. Em particular, seu poder para transformar. depende de energia primria, que imediatamente indica a necessidade de uma diferena vital dentro do campo dos bens primrios, a entre no-renovveis e renovveis. No atinente aos bens secundrios, h uma distino bvia e bsica entre manufa-turas e servios. Chegamos, assim, a um mnimo de quatro categorias, cada uma das quais essencialmente diversa de cada uma das outras trs.

    O mercado nada sabe destas diferenas. Ele fornece uma etiqueta de preos para todos os bens e, desta forma, permite-nos fingir que todos so de igual significado. O valor de dois quilos de petrleo (categoria 1) iguala o de dois quilos de trigo (categoria 2), que iguala o de dois quilos de sapatos (categoria 3) ou dois quilos de acomodao num hotel (ca-tegoria 4). O nico critrio para determinar a importncia relativa desses diferentes bens a taxa do lucro que pode ser

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    obtido em seu fornecimento. Se as categorias 3 e 4 rendem mais lucro do que as categorias 1 e 2, isto tomado como um sinal de que racional pr recursos adicionais nos primeiros e retirar recursos aplicados nas ltimas.

    No estou interessado aqui em discutir a confiabilida-de ou racionalidade do mecanismo do mercado, daquilo a que os economistas do o nome de mo invisvel. Isto tem sido discutido interminavelmente, mas invariavelmente sem se dar ateno incomensurabilidade bsica das quatro ca-tegorias acima especificadas. No foi reparado, por exemplo, ou se reparado, nunca foi levado a srio na formulao da teoria econmica que o conceito de custo essen-cialmente diferente entre bens renovveis e no-renovveis, tanto quanto entre manufaturas e servios. Com efeito, sem entrar em maiores mincias, pode ser dito que a Economia, como constituda atualmente, s se aplica plenamente s manufaturas, porm vem sendo aplicada sem discriminao a todos os bens e servios, por estar inteiramente ausente uma apreciao das diferenas qualitativas essenciais entre as quatro categorias.

    Essas diferenas podem ser chamadas meta-econmi-cas, na medida em que tm de ser identificadas antes de ser iniciada a anlise econmica. Ainda mais importante o reconhecimento da existncia de bens que nunca apa-recem no mercado, por no poderem, ou por no terem sido apropriados por uma entidade privada, mas que so, sem embargo, uma pr-condio essencial de toda atividade hu-mana, tais como ar, gua, solo, e de fato todo o arcabouo da natureza viva.

    At data recente, os economistas sentiam-se autoriza-dos, com toleravelmente boa razo, para tratar toda a es-trutura em cujo interior tem lugar a atividade econmica como dada, ou seja, como permanente e indestrutvel. No era parte de sua tarefa nem, de fato, de sua competncia profissional, estudar os efeitos da atividade econmica sobre essa estrutura. Como existem hoje provas crescentes de de-teriorao ambiental, particularmente na natureza viva, es-

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    to sendo contestadas todas as perspectivas e a metodologia da Economia. O estudo da Economia demasiado estreito e fragmentrio para conduzir a discernimentos vlidos, a me-nos que sejam complementados e completados por um estu-do de Meta-Economia.

    O inconveniente de dar maior valor aos meios do que aos fins o que, como foi confirmado por Keynes, a atitude da Economia moderna consiste em destruir a liberdade e o poder do homem de escolher os fins que realmente favorece; como se a evoluo dos meios ditasse a escolha dos fins. Exemplos bvios so a procura de velocidades supersnicas no transporte e os imensos esforos para desembarcar ho-mens na Lua. A concepo dessas metas no resultou de um discernimento acerca das reais necessidades e aspiraes humanas, a que a tecnologia se prope servir, mas unica-mente do fato de parecer que se dispunha dos meios tcnicos necessrios.

    Como vimos, a Economia uma cincia derivada que aceita instrues do que eu denomino Meta-Economia. Na medida em que as instrues so mudadas, assim tambm muda o contedo da Economia. No captulo seguinte, explo-raremos as leis econmicas e definies dos conceitos eco-nmico e antieconmico que resultam quando abando-nada a base metaeconmica do materialismo e posto em seu lugar o ensinamento do budismo. A escolha do budismo para esta finalidade puramente incidental; os ensinamentos do cristianismo, islamismo ou judasmo poderiam ter sido utili-zados da mesma maneira, assim como os de qualquer outra das grandes tradies do Oriente.

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    4. Economia Budista *

    Subsistncia Correta uma das exigncias do Nobre Caminho ctuplo de Buda. lgico, portanto, que deva exis-tir uma economia budista.

    Pases budistas tm muitas vezes declarado que dese-jam permanecer fiis sua herana. Assim, a Birmnia: A Nova Birmnia no v conflito entre valores religiosos e pro-gresso econmico. Sade espiritual e bem-estar material no so inimigos: so aliados naturais.3 Ou: Podemos combinar com sucesso os valores religiosos e espirituais de nossa he-rana com os benefcios da tecnologia moderna.4 Ou: Ns, birmaneses, temos um sagrado dever de harmonizar tanto os nossos sonhos quanto os nossos atos com nossa f. Isto sempre faremos.5

    De igual maneira, tais pases invariavelmente admitem poder afeioar seus planos de desenvolvimento econmico de acordo com a Economia moderna, e convocam economistas

    * Publicado primeiramente em Asia: A Handbook, organizado por Guy Wint e editado por Anthony Blond Ltda., Londres, 1966.

    3 The New Burma (Economic and Social Board, Government of the Union of Burma, 1954).

    4 lbid.5 lbid.

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    modernos dos chamados pases adiantados para assessor-los, formular polticas a seguir e traar o grande projeto de desenvolvimento, o Plano Qinqenal ou seja l qual for o nome que tenha. Ningum parece pensar que um estilo de vida budista exigiria Economia budista, exatamente como o moderno estilo materialista de vida suscitou a moderna Eco-nomia.

    Os prprios economistas, como a maioria dos especia-listas, normalmente sofrem de uma espcie de cegueira me-tafsica, supondo que a sua uma cincia de verdades ab-solutas e invariveis, sem quaisquer premissas. Alguns vo ao ponto de alegar que as leis econmicas so to isentas de metafsica ou valores quanto a lei da gravidade. No temos, contudo, de envolver-nos em discusses de metodolo-gia. Ao invs, tomemos algumas noes fundamentais e ve-jamos como parecem quando encaradas por um economista moderno e um economista budista.

    H universal concordncia quanto ao trabalho humano ser uma fonte fundamental de riqueza. Ora, o economista moderno foi levado a reputar o trabalho ou mo-de-obra como pouco mais de um mal necessrio. Sob o ponto de vis-ta do empregador, , de qualquer forma, uma parcela dos custos, a ser reduzida ao mnimo se no puder ser de todo eliminada, digamos, pela automao. Sob o ponto de vista do trabalhador, uma desutilidade; trabalhar sacrificar seu prprio lazer e conforto, e os salrios so uma espcie de compensao pelo sacrifcio. Da o ideal, sob o ponto de vista do empregador, ser o de conseguir produo sem emprega-dos, e o do empregado ter rendimento sem emprego.

    As conseqncias destas atitudes, quer na teoria como na prtica, so, est claro, de alcance extremamente longo. Se o ideal com relao ao trabalho livrar-se dele, todo m-todo que reduz a carga do trabalho bom. O mtodo mais poderoso, abaixo da automao, a chamada diviso do trabalho e o exemplo clssico a fbrica de alfinetes elogia-da na Riqueza das Naes de Adam Smith.6 No se trata a

    6 A Riqueza das Naes, Adam Smith.

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    de uma questo de especializao ordinria, mas de dividir todo processo completo de produo em partes diminutas, de sorte a que o produto final possa ser produzido a grande velocidade sem ningum ter de contribuir com mais do que um movimento dos membros, totalmente insignificante e, na maior parte dos casos, dispensando qualquer treinamento ou qualificao.

    O ponto de vista budista considera a funo do trabalho como sendo no mnimo trplice: dar a um homem a oportuni-dade de utilizar e desenvolver suas faculdades; possibilit-lo a superar seu egocentrismo unindo-se a outras pessoas em uma tarefa comum; e gerar os produtos e servios necess-rios a uma existncia digna. Uma vez mais, so infinitas as conseqncias que decorrem desta concepo. Organizar o trabalho de maneira que se torne desprovido de significado, maante, embrutecedor ou irritante para o trabalhador seria uma atitude quase criminosa; indicaria maior interesse nos bens que nas pessoas, uma malvada falta de compaixo e um grau de apego, espiritualmente nocivo, ao lado mais pri-mitivo desta existncia mundana. Igualmente, sonhar com o lazer como alternativa para o trabalho seria julgado uma completa incompreenso de uma das verdades bsicas da existncia humana, qual seja a do trabalho e o lazer serem partes complementares do mesmo processo vital e no po-derem ser separadas sem destruir a alegria do trabalho e a satisfao do lazer.

    Sob o ponto de vista budista, h pois dois tipos de me-canizao que devem ser claramente distinguidos: um que realce a habilidade e o poder do homem e um que transfere o trabalho do homem para um escravo mecnico, deixando o homem na posio de servir ao escravo. Como distinguir um do outro? O prprio arteso, diz Ananda Coomaraswamy, um homem igualmente competente para falar do Ocidente moderno quanto do antigo Oriente, pode sempre, se deixa-do, traar uma distino delicada entre a mquina e a ferra-menta. O tear do tapeceiro uma ferramenta, um aparelho para manter esticados fios do urdume de uma pilha, a fim

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    de serem tecidos em volta dele pelos dedos do arteso; o tear mecnico, porm, uma mquina, e seu significado como destruidor de cultura, reside no fato de executar a parte es-sencialmente humana do servio.7 claro, por conseguinte, que a Economia budista tem de ser muito diferente da Econo-mia do moderno materialismo, j que o budismo v a essn-cia da civilizao no em uma multiplicao de necessidades mas na purificao do carter humano. O carter, ao mesmo tempo, formado sobretudo pelo trabalho do homem. E o trabalho, apropriadamente conduzido em condies de dig-nidade e liberdade humana, abenoa aos que o executam e igualmente a seus produtos. O filsofo e economista indiano J. C. Kumarappa resume o tema da forma seguinte:

    Se a natureza do trabalho adequadamente apreciada e aplicada, ficar na mesma relao com as faculdades su-periores que o alimento face ao corpo fsico. Ele nutre e vivi-fica o homem superior e incita-o a produzir o melhor de que capaz. Dirige sua vontade livre para canais progressistas. Fornece um excelente pano-de-fundo para o homem exibir sua escala de valores e aperfeioar sua personalidade.8

    Se um homem no tem oportunidade de arranjar tra-balho, fica em posio desesperada, no simplesmente por lhe faltar uma renda mas por carecer desse fator nutritivo e vivificante do trabalho disciplinado que nada pode subs-tituir. Um economista moderno pode empenhar-se em cl-culos altamente elaborados para saber se o pleno emprego compensa ou se seria mais econmico dirigir uma econo-mia abaixo do pleno emprego de maneira a assegurar maior mobilidade da mo-de-obra, melhor estabilidade salarial, e assim por diante. Seu critrio fundamental de sucesso sim-plesmente a quantidade total de bens produzidos em dado perodo de tempo. Se o impulso marginal dos bens baixo, diz o Professor Galbraith em The Affluent Society, tambm

    7 Art and Swadeshi por Ananda K. Coomaraswamy (Ganesh & Co., Madras).

    8 Economy of Performance, J. C. Kumarappa (Sarva-Seva Sangh Pu-blication, Rajghat, Kashi, 4a ed., 1958).

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    o , ento, o de empregar o ltimo homem ou o ltimo mi-lho de homens da fora de trabalho.9 E adiante: Se... po-demos tolerar algum desemprego no interesse da estabilida-de uma proposta, diga-se de passagem, de antecedentes impecavelmente conservadores ento podemos tolerar dar aos desempregados os bens que os habilitem a sustentar seu habitual padro-de-vida.

    Sob um ponto de vista budista, isto corresponde a virar a verdade de cabea para baixo por considerar-se os bens mais importantes do que pessoas e o consumo mais impor-tante do que a atividade criadora. Significa passar a nfase do trabalhador para o produto do trabalho, isto , do huma-no para o subumano, uma rendio ante as foras do mal. O incio mesmo do planejamento econmico budista seria um planejamento para pleno emprego e a finalidade prin-cipal disto seria, de fato, emprego para todos que precisem de um emprego fora: no seria a maximizao do emprego nem da produo. As mulheres, em geral, no precisam dum emprego fora, e o emprego em grande escala de mulheres em escritrios ou fbricas seria considerado sinal de grave insucesso econmico. Em particular, deixar mes de filhos pequenos trabalhar em fbricas enquanto as crianas ficam largadas seria to antieconmico aos olhos dum economis-ta budista quanto empregar um operrio especializado como soldado aos olhos dum economista moderno.

    Enquanto o materialista est sobretudo interessado em bens, o budista o est em libertao. Mas o budismo O Caminho do Meio e, assim, de maneira alguma antagoniza o bem-estar fsico. No a riqueza que atrapalha a libertao, porm, o apego riqueza; no a fruio de coisas agradveis, mas o desejo exagerado delas. A tnica da Economia budista, portanto, simplicidade e no-violncia. Sob o ponto de vista dum economista, a maravilha do estilo de vida budista a racionalidade absoluta de seu modelo meios espantosa-mente reduzidos levando a resultados extraordinariamente

    9 The Affluent Society, John Kenneth Galbraith (Penguin Books Ltd., 1962).

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    satisfatrios.Para o economista moderno isto bastante difcil en-

    tender. Ele est acostumado a medir o padro-de-vida pela quantidade de consumo anual, supondo sempre que um ho-mem que consome mais est em melhor situao do que outro que consome menos. Um economista budista consi-deraria este enfoque extremamente irracional: como consu-mo simplesmente um meio para o bem-estar humano, a meta deveria ser obter o mximo de bem-estar com o mnimo de consumo. Assim, se a finalidade das roupas uma certa dose de conforto trmico e uma aparncia atraente, a tare-fa consiste em atingir esta finalidade com o mnimo esforo possvel, isto , com a menor destruio anual de tecido e com a ajuda de desenhos que acarretem o mnimo possvel de esforo. Quanto menos esforo houver, tanto mais tempo e vigor restam para a criatividade artstica. Seria altamente antieconmico, por exemplo, ir atrs de complicado trabalho de alfaiataria, como no moderno Ocidente, quando se pode chegar a resultado muito mais bonito com colgaduras de te-cidos no recortados. Seria o auge da loucura fazer pano que gastasse depressa e o auge da barbrie fazer qualquer coi-sa feia, esmolambada ou medocre. O que acaba de ser dito a respeito de roupa aplica-se igualmente a todas as outras necessidades humanas. A posse e o consumo de bens um meio para chegar a um fim, e a Economia budista o estu-do sistemtico de como alcanar determinados fins com os meios mnimos.

    A Economia moderna, pelo contrrio, considera o con-sumo como sendo o nico fim e propsito de toda atividade econmica, tomando como meios os fatores de produo: ter-ra, trabalho e capital. Aquela, em suma, procura maximizar as satisfaes humanas pelo modelo timo de consumo, en-quanto esta tenta maximizar o consumo pelo modelo timo de esforo produtivo. fcil ver que o esforo