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Após romper com A fotogrAfiA comerciAl e se isolAr dA fAmA no HAvAí, o fotógrAfo mAis pop

dos Anos 1990 sAiu dA ilHA pArA fAlAr e mostrAr As imAgens –inéditAs no BrAsil– de suA novA fAse

o nirvana de

David LaChapelle é o fotógrafo

de celebridades mais célebre do

mundo. Nos últimos 25 anos, suas

imagens extravagantes e de cores

saturadas estamparam capas de

revistas, campanhas publicitárias

milionárias e clipes de música pop

premiados. De tal forma que, hoje,

cobiçadas por galeristas de olho

nos colecionadores que podem

pagar US$ 30 mil por uma obra,

suas fotos são familiares para

qualquer um que leu revistas,

assistiu à TV, comprou CDs ou foi

ao cinema nos anos 1990.

As mais recentes manifesta-

ções de reconhecimento de seu

trabalho foram o prolongamento

da exposição, “The Rape of

Africa”, na galeria Robilant +

Voena, em Londres, por um mês

(até 23 de junho) em razão do

interesse do público e da

imprensa –sem precedentes na

casa; e ainda a bilheteria recorde

de sua mostra na Monnaie de

Paris, em 2009. Claro, LaChapelle

também recebe muitas críticas

negativas. A principal delas é que

seu trabalho não é arte.

“Eu não vejo nenhuma dife-

rença entre ser fotógrafo e

artista. Os críticos não gostam

quando alguém usa imagens pop

para falar sobre algo profundo.

Eu quero fazer algo que as pes-

soas entendam, não quero ser

conceitualmente obscuro, como

muita coisa é na arte contem-

porânea”, falou à serafina, por

telefone, de Londres, na semana

de abertura de sua exposição,

no final de abril.

LaChapelle sempre quis ser

artista. Mudou-se de Connecticut

(EUA) para Nova York com essa

intenção aos 18 anos, em 1981.

A carreira na fotografia começou

de forma circunstancial. Pupilo

de Andy Warhol (1928-1987),

LaChapelle viu o artista pela pri-

meira vez na lendária boate

Studio 54, aos 14 anos, numa

festa da banda norte-americana

Village People. Como não conse-

guia viver de sua arte quando che-

gou à cidade, foi procurar Warhol

para mostrar as fotos que produ-

zia quando estudava na Escola de

Artes da Carolina do Norte.

Warhol o convidou para ser fotó-

grafo de sua revista, “Interview”

–para LaChapelle, “suas páginas

eram paredes de galerias”.

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FOLHA DE S.PAULO MAIO 2010 POr iArA crEPALDi FOTOS DAVID LACHAPELLEcApA

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A vida em Nova York com

Warhol e na cena do Studio 54

era uma montanha-russa de

sexo, drogas e rock’n’roll. No

começo, ele fotografava somente

em preto e branco, imagens escu-

ras e densas. Muito depois de ter

mudado para cor, entendeu o por-

quê do período sombrio e expli-

cou que tinha uma atitude muito

séria, circunspecta, diante de tudo

na época, por achar que iria mor-

rer como seu primeiro namorado,

HIV positivo –LaChapelle não é

portador do vírus.

Com a cor, começou a criar

imagens icônicas, que registra-

vam o mundo sem reproduzir o

que é visível e retratavam as

obsessões da cultura ocidental

–glamour, cirurgia plástica, fama,

para pagar as contas no começo

da carreira e de suas passagens

em clínicas psiquiátricas (ele sofre

de transtorno bipolar), ajudaram

a forjar o mito. Workaholic,

durante duas décadas trabalhou

meses seguidos sem tirar folgas,

até perceber que a fotografia

comercial já não era o que que-

ria e que aquele estilo de vida o

desequilibrava. “Eu senti que já

havia dito tudo através do meu

trabalho, e não aguentava mais

aquele ritmo. Precisava levar

uma vida saudável, fazer exercí-

cios”, afirma.

Então, em 2006, no topo da

indústria, LaChapelle virou o jogo

e rompeu com a mídia publicitá-

ria e editorial. Comprou a área

de uma antiga colônia de nudismo,

de 80 mil m2, em Maui, no Havaí,

e a transformou em uma fazenda

orgânica, para viver de modo

saudável e fotografar cenas que

comunicassem seus ideais.

Ele conta que, após a ruptura,

ficou meses sem atender a tele-

fonemas de revistas. Em algu-

mas entrevistas, chegou a se

referir a Hollywood como um

“mundo de merda”.

Mas, aos poucos, LaChapelle

se reconcilia com o circo da

fama. Voltou à cena para expor,

segundo ele, o que está no cen-

tro do seu coração em galerias

e museus.

A seguir, o fotógrafo norte-

americano fala sobre a nova

vida. “Para mim, viver e foto-

grafar são uma coisa só.”

(A assessora da galeria em

londres coloca lachapelle na

linha e ele começa a falar em

português.)

Tudo bem? Vitamina de aba-

cate (risos). Essas são as únicas

coisas que sei falar em portu-

guês. Aprendi quando estive no

Brasil. Não sabia que o abacate

poderia ser doce, amei. Na minha

fazenda, tem muitos abacatei-

ros, e adoçamos a vitamina com

o mel das abelhas de lá. Já temos

tantas espécies de abacate que,

em alguns anos, vamos ter a

fruta o ano inteiro (risos).

como foi sua viagem ao Brasil?

Os brasileiros são incríveis, gen-

tis, pacíficos. Passei meu Ano

Novo favorito no Brasil em 1992.

“Eu quero fazer algo que as pessoas entendam, não quero ser obscuro”

Fui fotografar a noite em

Ipanema. Todos os grupos reli-

giosos vestidos de branco, as

pessoas cantando para Iemanjá

e mandando oferendas ao mar.

A festa na favela me assustou

um pouco. Mas foi a noite mais

mágica da minha vida.

e o que você tem feito no

Havaí? Eu continuo fotografando

na floresta, isolado, conectado

pela internet. Eu recebo artistas

famosos ou pouco privilegiados

de vários países para trabalhar na

fazenda, aprender sobre susten-

tabilidade e se inspirar. Todo

mundo ajuda a cuidar da natureza,

dos bichos, da cozinha, e tem de

deixar dois livros na biblioteca

antes de partir. Lady Gaga esteve

lá no verão passado e cozinhou

massa no meu aniversário. É uma

troca de ideias, eles me interes-

sam, quero saber o que fazem,

leem, escutam, fotografam.

Qual foi o primeiro trabalho que

fez depois de se mudar para a

ilha? Fui para Los Angeles criar

a série “Deluge”, que é uma relei-

tura do dilúvio de Michelangelo

na Capela Sistina e em museus

cheios de água, uma tragédia que

destrói a arte, a Igreja. Uma refle-

xão sobre excesso, dinheiro, con-

sumo, fanatismo. Mas já fiz muita

coisa lá. No começo, pensei que

nunca mais iria trabalhar para

revistas e campanhas. Mas, vez

ou outra, farei algo que me inte-

resse, mas apenas do meu jeito.

Fotografei Lady Gaga para a

capa da ”Rolling Stone” ameri-

cana no ano passado.

você ainda usa celebridades

como modelos e cenários pro-

duzidos em suas novas ima-

gens. o que as difere das fotos

comercias? Eu amadureci tra-

balhando para revistas e

Na página anterior, autorretrato do artista (2009) feito com elementos usados em várias de suas fotos.Acima, da esq. para a dir.: “the Kindgom come” (2009), parte da série “Deluge” (dilúvio), faz referência ao trabalho de Maurizio Cattelan (que mostra um meteoro caído sobre o papa); “fleur du mal” (2009), inspirada na obra homônima do francês Charles Baudelaire e fotografada no Havaí; “American Jesus: Hold me, carry me Boldly” (2009), reprodução de “Pietá”, de Michelangelo, com Jesus carregando Michael Jackson

riqueza, sexo, religião. “Eu bus-

cava alguma forma de escapismo

para o peso de tudo o que havia

vivido”, explica.

Em pouco tempo, um dos pri-

meiros fotógrafos a manipular

suas imagens digitalmente para

criar cenas surreais e barrocas,

LaChapelle havia conseguido

fotografar uma série de perso-

nagens do showbiz –de Madonna,

Uma Thurman e Elton John a

Drew Barrymore , Naomi

Campbell e Gisele Bündchen–

em situações extremamente ima-

ginativas e, frequentemente, com

forte conotação sexual.

A virAdA

Histórias de suas festas, do tra-

balho como garoto de programa

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cinema

celebridades

música livros

videoclipes

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Não confunda o fotógrafo David

LaChapelle, 47, com o comediante Dave

Chappelle, 36, que apresentava a série

“Chapelle’s Show” e participou do filme

“O Professor Aloprado”.

o outro chapelle

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íDiA

LaChapelle diz que seus retra-

tos de personalidades do showbiz

“definem as pessoas, captam sua

essência e criam uma imagem que

se soma à imagem delas”.

A atriz Angelina Jolie (1), Andy

Warhol (2) em seu último retrato

antes de morrer, a cantora Björk

(3), o ator Leonardo DiCaprio (4),

a transexual Amanda Lepore (5,

sua musa) como a Marilyn de

Warhol, o estilista Alexander

McQueen (6) com a stylist Isabella

Blow e a atriz Liz Taylor (7)

Antes de desistir de trabalhar com Madonna em

“Hung Up” por não concordar com as ideias dela,

LaChapelle fez muitas fotos para discos e DVDs da

cantora e de outros músicos famosos, como Mariah

Carrey, Janet Jackson, Tom Jones, Elton John e Liza

Minnelli, só para citar alguns

LaChapelle tem 14 livros publica-

dos, como o primeiro, “LaChapelle Land”

(1996), “Hotel LaChapelle” (1999),

“Heaven to Hell” (2005), Lady Gaga

Book (2009) e “Rape of Africa” (2009),

tema de sua atual exposição

Além de fazer cartazes para filmes como

“Tomb Raider” e “Show de Truman”, o fotó-

grafo financiou seu próprio filme, “Rize”, sobre

o estilo de dança urbana krumping. Lançado

internacionalmente em 2005, o filme foi acla-

mado pela crítica e abriu o “Tribeca Film

Festival”, em Nova York, naquele ano

Considerado por Richard Avedon o fotógrafo de ima-

gens surreais com maior potencial para se tornar o

Magritte do seu gênero, LaChapelle fotografou capas e

ensaios para revistas prestigiadas como “I-D”,

“Interview”, “The Face”, “Vogue” e “Rolling Stone”

Pouco impressionado pela foto-

grafia contemporânea, Helmut

Newton disse que LaChapelle era

muito bom e o fazia rir. Marca carac-

terística do fotógrafo, o humor está

presente em todos os seus trabalhos,

inclusive em suas campanhas publi-

citárias para grandes grifes, como

Lavazza (à esq.), Jean Paul Gaultier,

Phillip Morris, Cadillac, Lexus etc.

Entre outros, LaChapelle ganhou os prêmios de Melhor Vídeo

no MTV Europe Music Awards por “Natural Blues”, de Moby, além

de Vídeo do Ano e Diretor do Ano no Annual MVPA Awards, por

“This Trains Don’t Stop Here Anymore”, de Elton John, e por “It’s

My Life”, do No Doubt. Filmou ainda clipes para Amy Winehouse,

Jennifer Lopez, Britney Spears e Christina Aguilera (à esq.)

o a

rco-

íris

de

lac

hape

lle

capas de revistas

campanhas publicitárias

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FOLHA DE S.PAULO MAIO 2010

campanhas de publicidade,

aprendi a me comunicar. Eu con-

tinuo amando moda, glamour e

beleza, mas, agora, comunico

ideias para tocar as pessoas. Eu

quero que elas saiam diferentes

da galeria. Estou tentando

expressar a ideia de iluminação

pela natureza, a ideia do paraíso

perdido, mas mantendo as coi-

sas que amo nessas imagens.

como foi fotografar michael

Jackson? Eu nunca o fotografei.

então as imagens com ele são

montagens? Sempre quis foto-

grafá-lo, mas nunca deu certo.

Eu usei um sósia e manipulei a

imagem para criar o rosto que

o Michael tinha nos anos 1990.

O que fiz é uma foto, não um

retrato. Mas não há dúvida de

que é Michael Jackson, uma pes-

soa que viveu extremos, foi

amada e odiada pela sociedade,

como um personagem bíblico.

suas fotos recentes interpre-

tam temas mitológicos e reli-

giosos. você tem alguma

crença? Eu acredito na possibili-

dade de milagres. Tenho muita fé,

sei que há algo além desta vida.

Alteraria algo em sua própria

realidade, como faz com suas

fotos? Não mudaria o que já foi,

mas o que é. Estou constante-

mente tentando melhorar. Ainda

tenho muita dificuldade de lidar

com a raiva, digo coisas desa-

gradáveis, fico com remorso,

peço desculpas. Mas está acon-

tecendo menos. Controlo as

oscilações de humor com dieta,

exercícios e remédios. Estou

saudável, tenho energia, não

vivo mais aquela insanidade,

como se o mundo fosse acabar

se não cumprisse um prazo.

“Eu não vejo diferença entre ser fotógrafo e artista. Os críticos não gostam quando alguém usa imagens pop para falar sobre algo profundo”

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“the Birth of venus” (2009), inspirado no quadro de mesmo nome do pintor Botticelli e clicado no Havaí; e “rape of Africa” (2008), com a modelo Naomi Campbell, critica o consumismo do mundo ocidental e suas consequências no continente africano

O trabalho de LaChapelle é desses que pro-voca paixão e ira na mesma voltagem. Jamais indiferença. Transitando entre o glamour e o bizarro com o apoio de toda a tecnologia possível para pós-produzir sua imagens, seus retratos de cele-bridades, há até pouco tempo, eram aguardados como se espera o novo filme do galã da vez.

Ter sido um dos melhores amigos de Andy Warhol foi algo que lhe formatou cabeça e olho. Herdou a forma de pensar celebridades como produtos de consumo. Contra a tradição do retrato que investiga personalidades, LaChapelle optou por sublinhar exatamente o inverso: a pes-soa como um invólucro, um ser automatizado, robotizado, irreal.

A fama e, portanto, as fantasias que o público projeta sobre os ídolos é o seu material de traba-lho. Esse é o processo que o faz trazer à luz, de forma precisa, imagens que rondam o (in)cons-ciente coletivo, como os lábios de Angelina Jolie, flagrados como no ápice de um orgasmo.

Esse “Fellini da fotografia”, como o ”New York Times” certa vez o chamou, passa meses pen-sando como resolver uma foto. A literatura de Tennessee Williams, os filmes de horror, o mundo gay nova-iorquino e a pintura surrealista são fon-tes de inspiração.

A usina de formatação de celebridades que é, ou era, a câmera de LaChapelle, acabou por transformar criador em criatura. Hoje, ele é tão

celebridade quanto qualquer um dos mega- astros que fotografou. Tão celebridade que plan-tar abacates se tornou mais sedutor que acumular dinheiro, poder, reconhecimento.

Mas nem tanto assim. LaChapelle agora se regozija em ser um artista popular, menospre-zando contratos publicitários. Aos 47 anos, parece só ter a preocupação em inscrever seu nome na história. No ano passado, em uma grande retros-pectiva de sua obra em Paris, o público ficava horas numa fila sob o frio para ver uma exposi-ção delirante, algo semelhante com o que ocorre agora em Londres.

Sua fotografia, hoje, surge despudoradamente como esculturas tridimensionais, cenários gigan-tescos, histórias épicas completas. Tudo muito barroco, excessivo, brilhante, colorido. É a catarse de um louco genial, de um provocador que tem pleno domínio de sua linguagem a ponto de sub-vertê-la sem medo. Mas isso é arte? É publici-dade? É só Photoshop?, perguntam os eternos e ranzinzas vigilantes da arte tentando, às cegas, separar o que é arte culta de arte popular, como se isso ainda fosse possível ou necessário.

Que plantem eles os abacates! Assim libe-ram LaChapelle para fecundar museus com sua loucura inclassificável.

Eder Chiodetto é jornalista, fotógrafo, curador e

autor do livro “O Lugar do Escritor” (Cosac Naify)

o fellini da fotografiaEDEr cHiODETTO especial para a Serafina

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