3
CRIME. O SEDUTOR QUE BURLAVA E ROUBAVA AS SUAS CONQUISTAS Segurança

O novo capitão Roby

  • Upload
    ntpinto

  • View
    1.890

  • Download
    2

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Durante anos, José Nogueira Perestrelo terá seduzido, enganado e ameaçado mulheres solteiras e fragilizadas a quem se apresentou como piloto de aviões. Preso pela PJ, foi acusado pelo Ministério Público de Benavente.

Citation preview

Page 1: O novo capitão Roby

CRIME.OSEDUTORQUEBURLAVAEROUBAVAASSUASCONQUISTAS

Segurança

Page 2: O novo capitão Roby

67SÁBADO

Com as mãos no volante e o pé noacelerador do seu carro, M. estavaemfrenteaon.º136 daAvenidaEs-tados Unidos da América, em Lis-boa. Queixava-sede,noúltimoano,

ter sido enganada, ameaçada, perseguida einsultada. Não aguentava mais. Estava dis-postaavingar-se. Láem cima, no sétimo an-dar,conseguiaveralguémaobservá-la. “Vemcá abaixo”, disse. “É hoje que te mato.”

Passava das 24h de uma noite de meadosde2010. M. estevelámaisdeumahora. Comoninguémdesceu,voltouparacasa. No diase-guinte foi à Polícia Judiciária. A inspectoraque a recebeu já a conhecia bem. Há mesesque atentavaacalmare aconselhavaaserpa-ciente enquanto a brigada da secção de bur-las da PJ de Lisboa reunia provas para deterJosé Perestrelo Nogueira. Elanão conseguia.“Perditudo porcausadaquelacriatura: ami-nhaprofissão e aminhavida”, contaàSÁBA-DO a mulher que, como as restantes quatrovítimas que aceitaram falar do caso pela pri-meiravez, pediuparao seunome não serdi-vulgado.

No fim de 2008, M. tinha uma loja de de-coração no Ribatejo. Estava a passar por umdivórcio complicado quando umhomemde1,80m entrou à procura de uma peça para alareira. “Apresentou-secomocomandantedaTAP”,recorda. Aessavisitaseguiram-semui-tas outras. Em algumas surgiafardado. Sim-pático, José Perestrelo contava detalhes dasua vida: que tinha sido piloto nos Asas dePortugal,quetinhaumaherdadeemGalveiasequeestavaseparadodeumajuízadoTribu-nal da Relação de Lisboa.

No início de 2009 envolveram-se. “Comoestava à procura de casa, ele disse-me: ‘Vens

viver comigo, vamos casar’”. A 9 de Janeiro,mudou-se para uma moradia de três pisos eoitoassoalhadas emBenavente. “Contou-meque atinhacomprado por!125 milaprontonumnegócio feito porJoão Nabais. Mais tar-de soube que era mentira”, conta. Em casa,M. viu fardas, armas, distintivos, condecora-ções e documentos que depois soube seremfalsos. “Eratantacoisaqueeraimpossívelnãoser verdade”, justifica.

José Perestrelo parecia ter dinheiro. Unsdias guiava uma carrinha Audi, noutros umMini Cooper vermelho. Mostrava os extrac-tos das contas bancárias com depósitos de!10 mil e !15 mil que dizia serem das horasde voo extraordinárias. Ao mesmo tempo,

mostrava-se preocupado com as finanças dacompanheira. “Convenceu-me a vender ac-ções e atirar o meu dinheiro dacontaque ti-nhacomomeuex-maridoeacolocá-lonumaque estava em nome da Leonilde [supostajuíza]. Mas nunca me deram um cartão parao movimentar”, diz M. “Ao todo, com o ma-terial da loja que fechei, perdi uns !30 mil.”

Só noiníciode2010M. descobriuaverda-de: “Um amigo falou com um conhecido daPJ e soubemos que ele era procurado desde1999 e estava referenciado por burla, falsifi-cação,possedearmas,furtoemais outras coi-sas.”Ficoudesorientada. Quandodecidiudei-xá-lo definitivamente, o falso comandanteagarrou numa das suas armas. “Fechou-nos

na casa de banho e apontou-me a pistola àcabeçae ao peito. Disse que me matavae quedepois se matavaaele.” Foisalvapelo telefo-nema de uma amiga. Mas passou a ser per-seguida dia e noite. “Ele montava guarda àcasaondeeuestavaeseguia-me. Umdiaten-touabalroar-menaA1 enaPontedaLezíria.”

A16DEMARÇOAPRESENTOUqueixanaGNR.No dia seguinte, José Perestrelo foi preso àordem de um mandado de captura penden-te desde 2008 e levado para a prisão das Cal-das daRainha. Nos meses seguintes, M. des-cobriu mais coisas. “Tudo o que tínhamosemcasaerade umasenhoramadeirense queele enganou”, diz. Soube ainda que a mora-

diatambémnãoerado“comandan-te”. Era alugada: “Quem pagava arendaeraumasenhorados arredo-res de Lisboa a quem ele extorquiu!150 mil. As transferências que memostrava eram feitas por ela.”

Depois de José Perestrelo sair daprisão,voltouareceberameaças. Foiaíquees-teve disposta a atropelá-lo. Aos poucos co-meçou a ser contactada por outras vítimas.“Soube dasituação daM. e procurei-a”, diz àSÁBADOP.,queconviveucomo“comandan-te” entre Agosto e Setembro de 2010. “Co-nheci-o através do siteClube daAmizade. Eledizia que era piloto, forcado de Montemor eque tinhasido casado comumajuíza. Poucodepois já queria casar”, recorda.

Devezemquando,o “comandante” desa-parecia por alguns dias, supostamente paravoar. Na realidade, estava na zona de Tomar– com outra vítima. “Também o conheci noClube da Amizade”, diz à SÁBADO a empre-sáriaA. “Nodiaemquenosencontrámosdeu-

“Vemcáabaixo(...) éhojequetemato”,disse-lheumadasmuitasmulheresqueenganou

O falso pilotogostava detouradas.Uma dasmentiras quecontava eraque fazia par-te do grupode forcadosdeMontemor

!

D.R.

Page 3: O novo capitão Roby

68 21 JUNHO 2012 SÁBADO

-meavoltaeficounaminhacasa: querialogocasar. Ao fim de uns dias tentou convencer--me a vender as minhas casas na praia. Dis-se-lhe que não e ele levantou-me a mão. En-frentei-o e ele pediu perdão.”

Umdia, o “comandante” pediu-lhe o car-ro emprestado parairaum encontro de pi-lotos. A. deu-lhe as chaves da carrinha Pas-sat. Não reparou que, de uma gaveta, tinhadesaparecido umenvelope com!2.500 emnotas. E foiao volante desse automóvelqueJosé Perestrelo foi ao encontro de P.: “Dis-se-mequetinhavendido acarrinhaaumco-lega, mas que, como ele não a pagou, ia fi-carparamim. Nessediafomos jantaràExpo.Pediuacontadeixou-me umanotade !500e foifumar.” Mais tarde P. percebeude ondevinha o dinheiro: da gaveta de A.

A empresária ainda lhe emprestou umamala e o computador portátil para ele levarpara um suposto encontro de aviadores emFrança. “Nessaalturaumamigo que descon-fiou dele falou paraaTAP e ficou asaber quenão havia nenhum comandante Perestrelo.Alémdisso,umafamiliardessemeuamigoco-nhecia a senhora madeirense que ele tinhaenganado e colocou-nos em contacto. Apre-sentei queixa por roubo”, diz A.

Foientão queJoséPerestrelo apareceuemcasa de P. com a mala e o portátil. Dormiuuma noite. “No dia seguinte discutimos emeti-onarua”,recordaP. Sóovoltouaverre-centemente quando foicondenado pelo Tri-bunal de Tomar a uma multa de 960 eurosou 106 dias de prisão pelo que tirou a A.

NojulgamentoestevetambémI.,umapro-fessorados arredores deLisboaque,emMar-ço de 2011, conheceu José Perestrelo atravésdo Clube da Amizade. “Além de piloto e co-roneldaForçaAéreareformado,diziaqueeraaristocrata e que a avó era marquesa de Sal-vaterra”, diz àSÁBADO. “Contou-me que es-tava a sofrer porque se apaixonou por uma

pessoasemnívelqueaproveitouumaviagemdele a Toulouse para lhe roubar o recheio dacasa. Aex-mulher confirmou-me tudo ao te-lefone. Tive pena dele.”

Naépoca, o “comandante” viviacomLeo-nilde Santos em Lisboa. I. ajudou-o a esco-lher um apartamento em Cascais. “Fui à as-sinaturadocontratodealuguere,comoasu-posta juíza não apareceu, servi de fiadora”.

Poucotempodepois,emAbril,disseàprofes-soraqueia15 diasparaFrança. Edesapareceu.

Na mesma altura, uma cidadã brasileiraque conheceu José Perestrelo pelaInternetchegouaPortugalcompromessas de casa-mento. Ficou com ele no apartamento de

Cascais. Durante umasemanasaírame jan-taram fora. Numa das ocasiões, C. deu-lheo cartão multibanco para pagar a conta efoiàcasade banho. Quando voltou, ele dis-se que não funcionava – o que se repetiuoutras vezes. “Estranhei porque vim mui-tas vezes a Portugal e deu sempre”, diz C.

De súbito, José Perestrelo disse-lhe quenão se iam casar e era melhor ela ir embora.

“Comotinhaviagemderegressosódaí a seis meses, disse que não. En-tão, ele e a ex-mulher ameaçaram-me com aPSP e o SEF”. Acabou pora levar para o Hotel Roma, a 11 deAbril. “Foiestacionaro carro e nun-ca mais apareceu. Fiz o check-in e vi

quemefaltavam!2.500eas jóias. O meusal-dodos cartões estavaazero. Elegastoutudo.”

Aotodo,ficousemcercade!4milemjóiase!1.000dos cartões. Sobreviveugraças aumamigo. Nunca mais viu José Perestrelo. Masficoucommedo. “Eleameaçou-mepelaInter-net”,garante. Guardoutodas as provas ejun-tou-àsàqueixa-crimequefazpartedoproces-so quereúnemais cinco mulheres ecujaacu-sação foi deduzida na semana passada peloMinistério Público. Perestrelo (que está pre-so preventivamente) responderá pelos cri-mes deburlaqualificada,falsificaçãodedocu-mentos,furtoedano. ContactadopelaSÁBA-DO, o seu advogado preferiu não entrar emdetalhes: “Depois de sernotificado ele pode-rá ter alguma coisa a dizer.” Quanto à acusa-ção de que José Perestrelo se faziapassarporpiloto, diz apenas: “Terum capacete de avia-dor e umas miniaturas não quer dizer nada.E a participação da Leonilde – sua cúmplice,também acusada de burla – é ridícula.”

APJestáconvictado contrário edequeha-verá dezenas de vítimas. De tal modo que

quando revistaramo quarto deI. as inspec-toras disseram-lhe: “Você temaquiumCa-

pitão Roby.” !

Para impressionar,dizia queeraaristocrataequeaavóeramarquesadeSalvaterra

Àesquerda,JoséPerestrelonum restau-rante; aolado, LeonildeSantos, umadasmulherescom quemchegoua viver

!

OsquatropassosparaocrimeperfeitoA TÁCTICA ERA TÃO EFICAZ QUE RARAMENTEVARIAVADE CASO PARA CASO

123

4

Abordavamulheres sozinhas e demeia-idade, sobretudo através da Net

Apresentava-se comopiloto ou comoreformado da Força Aérea

Mudava-se para casa delas. Depois oucontrolava as finanças ou desviava di-nheiro, jóias emobiliário

Para escapar impune,ameaçava-as

FOTOSD.R.