71
ANAIS CONGRESSO DO MESTRADO EM DIREITO E SOCIEDADE DO UNILASALLE GT – O NOVO CONSTITUCIONALISMO LATINO- AMERICANO CANOAS, 2015

o novo constitucionalismo latino-americano

  • Upload
    buidieu

  • View
    235

  • Download
    3

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: o novo constitucionalismo latino-americano

ANAIS

CONGRESSO DO MESTRADO EM DIREITO E

SOCIEDADE DO UNILASALLE

GT – O NOVO CONSTITUCIONALISMO LATINO-AMERICANO

CANOAS, 2015

Page 2: o novo constitucionalismo latino-americano

1877

CONSTITUCIONALISMO LATINO-AMERICANO E A INSURGÊNCIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS

Antonio Carlos Wolkmer1

Lucas Machado Fagundes2

RESUMO: O presente estudo se propõe resgatar a importância dos sujeitos produzidos como negados no contexto social latino-americano, enumerando os aspectos que emergem e produzem a insurgência popular e a complexidade das demandas políticas, sociais e culturais que comprovam a pauta das dos movimentos populares responsáveis diretos da eclosão das assembleias constituintes nos países andinos, em especial a insurgência boliviana. A verificação de que por parte dos movimentos populares nas assembleias constituintes, dado a constituição do poder político jurídico e o desenvolvimento histórico regional, apropriar-se do direito e das esferas do Estado não é suficiente, mas se deve manter permanente processo de transformação destas instituições. No presente contexto a presença da leitura sobre os novos movimentos sociais como sujeitos que inauguram outras formas jurídicas a partir das suas necessidades cotidianas ganha relevância e possibilita uma reflexão críticas dos fenômenos constituinte e propriamente do constitucionalismo latino-americano. Portanto, as mudanças nos modelos político e jurídico hegemônicos, devem obrigatoriamente estar inseridas nos debates que objetivam a junção de questões relacionadas a estes setores, pois existem ideias semeadas nas propostas de outras tipologias democráticas que demandam este tipo de compreensão a partir dos movimentos constituintes. Ora, não se poder avançar na história sem cancelar as dívidas que o passado colonial e uma visualização jurídica crítica na disputa do poder e para isto os movimentos sociais inauguram um vasto arsenal crítico-construtivo na constituição de outras formas institucionais.

1 Professor do Mestrado em Direito e Sociedade da UNILASALLE-RS, e do Programa de Pós-

Graduação da UFSC. Doutor em Direito. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (RJ). É pesquisador nível 1-A do CNPq, e consultor Ad Hoc da CAPES. Membro da Sociedad Argentina de Sociologia Jurídica. Professor visitante de cursos de pós-graduação em várias universidades do Brasil e do exterior (Argentina, Peru, Colômbia, Chile, Venezuela, Costa Rica, México, Espanha e Itália). [email protected]

2 Doutor e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Membro do NEPE – Núcleo de Estudo e Práticas Emancipatórias/UFSC. Membro do Grupo de Crítica Jurídica CEIICH/UNAM. Professor e Pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Direitos Humanos e Cidadania da Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC. Professor do Mestrado em Direitos Humanos da Universidade Autônoma de San Luís de Potosí - UASLP, México. [email protected]

Page 3: o novo constitucionalismo latino-americano

1878

PALAVRAS-CHAVE: novo constitucionalismo; américa latina; movimentos sociais.

1 INTRODUÇÃO

O presente estudo comporta um panorama sobre tema de relevância no

atual contexto sócio-político que envolve o Estado e o constitucionalismo na

América Latina, em destaque, os países sul-americanos, num processo de

mudanças paradigmáticas no direito e na política. Os hodiernos movimentos

populares que fundaram os poderes constituintes desde a Equador, em 2008, até

a Bolívia, de 2007 a 2009, e o produto que os constituíram, novos paradigmas no

direito constitucional têm mostrado outra faceta emergente no pensamento

político e jurídico no continente.

Propõe-se resgatar a importância dos sujeitos produzidos como negados

no contexto social latino-americano, elencando a ocultação dos aspectos que

outrora emergem, produzindo a insurgência popular e a complexidade das

demandas políticas, sociais e culturais que irão compor a pauta dos movimentos

populares responsáveis diretos pela eclosão da assembleia constituinte boliviana

no ano de 2007.

Objetiva-se demonstrar a importância de um cenário político de

transformação, bem como elencar alguns tópicos principais do processo

constituinte no referido país andino, analisando o momento inovador traduzido na

carta constituinte de 2009. Dessa forma, intentar-se-á explorar a ideia de

transição dos paradigmas no pensamento situado em um espaço geopolítico

periférico, em que possam ser semeadas novas culturas jurídicas e políticas para

produzir uma permanentemente visão descolonizadora, plural e intercultural.

Portanto, as mudanças nos modelos político e jurídico hegemônicos, devem

obrigatoriamente estar inseridas nos debates que objetivam a junção de questões

relacionadas à interculturalidade, pois existem ideias semeadas nas propostas de

outras tipologias democráticas que demandam este tipo de compreensão a partir

dos movimentos constituintes. Ora, não se poder avançar na história sem

cancelar as dívidas que o passado colonial e monocultural suscitam, e para isto

Page 4: o novo constitucionalismo latino-americano

1879

os movimentos sociais inauguram um vasto arsenal crítico-construtivo na

constituição de outras formas institucionais.

2 AMÉRICA LATINA, JURIDICIDADE E OS SUJEITOS SOCIAIS

Partindo das premissas que as novas fontes de produção jurídica deverão

ser encontradas na própria sociedade (no âmbito campesino e urbano), nada

mais correto do que realçar o processo de regulamentação e controle social em

função das contradições, interesses e necessidades dos novos sujeitos sociais.

Este direcionamento ressalta a relevância de se buscarem formas plurais de

fundamentação para a instância da juridicidade oficial, contemplando uma

construção comunitária solidificada em plena realização existencial, material e

cultural de atores emergenciais. Trata-se, principalmente, daqueles sujeitos que,

na prática cotidiana de uma cultura política-institucional e um modelo

socioeconômico regional (periférico), são atingidos na sua dignidade pelo efeito

perverso e injusto das condições de vida impostas pelo alijamento do processo de

participação e desenvolvimento social e pela repressão e sufocamento da

satisfação das mínimas necessidades. Na singularidade da crise que atravessam

as instituições sociais, que degenera as relações de vida cotidiana e que

pauperiza amplas maiorias populacionais, a resposta para transcender as

privações provêm da força contingente de novas sociabilidades que, por vontade

própria e pela consciência de seus reais interesses, são capazes de criar e

instituir outros direitos, refundando instituto e instituições jurídicas. Assim, as

contradições de vida experimentadas pelos diversos grupos voluntários,

organizações sociais e movimentos coletivos, basicamente aquelas condições

negadoras da situação das necessidades identificadas com a sobrevivência e a

subsistência, acabam produzindo reivindicações que exigem e afirmam direitos.

Não há dúvida que a situação de privação, carência e marginalidade constituem a

razão motivadora e condição de possibilidade do aparecimento plural de direitos,

engendrados por novos sujeitos sociais.

Page 5: o novo constitucionalismo latino-americano

1880

2.1 A juridicidade reivindicada pela sociedade

Primeiramente, cabe diferenciar os antigos dos novos sujeitos coletivos

enquanto fonte de titularidade de uma juridicidade emancipadora. Ora, se o

metafísico "sujeito em si", o "sujeito privado" da tradição liberal-nacionalista, é o

sujeito cognoscente "a priori", que se adéqua às condições do objeto dado e à

realidade global estabelecida, o "novo sujeito coletivo" é um sujeito vivo, atuante e

livre, que participa, autodetermina-se e modifica a mundialidade do processo

histórico-social. Por conseguinte, o "novo" e o "coletivo" não devem ser pensados

em termos de identidades humanas que sempre existiram, segundo critério de

classe, etnia, sexo, religião ou necessidade, mas em função da postura que

permitiu que sujeitos inertes, dominados, submissos e espectadores, passassem

a sujeitos emancipadores, participantes e criadores de sua própria história. Trata-

se da retomada e ampliação de um conceito de "sujeito", fortemente associado a

uma tradição revolucionária de lutas e resistências, que vai do "proletariado" ou

das massas trabalhadoras (tradição identificada por K. Marx), dos

"marginalizados" da sociedade industrial (H. Marcuse), dos "condenados da terra"

(F. Fanon) até o "povo oprimido" dos filósofos e teólogos da libertação latino-

americanos (Enrique D. Dussel, J. C. Scannone, Gustavo Gutiérrez, Leonardo

Boff).

Na verdade, o "novo sujeito" histórico coletivo articula-se em torno "do

sofrimento - às vezes centenário - e das exigências cada vez mais claras de

dignidade, de participação, de satisfação mais justa e igualitária" (WOLKMER,

2001, p. 238)3 das necessidades humanas fundamentais de grandes parcelas

sociais excluídas, dominadas e exploradas da sociedade.

É deste modo que, caracterizando a noção do sujeito enquanto identidade,

que implica o "novo" e o "coletivo", privilegia-se, numa pluralidade de sujeitos, os

chamados novos movimentos sociais. De fato, na medida em que os novos

movimentos sociais são encarados, quer como sujeitos detentores de uma nova 3 Ainda sobre sujeito histórico consultar também: DUSSEL, Enrique D. Ética comunitária. Petrópolis:

Vozes, 1986. P.96-97; GUTIERREZ, Gustavo. A Força Histórica dos Pobres. Petrópolis: Vozes, 1984.p. 160-161; DE LA TORRE RANGEL, Jesus Antonio. El Derecho que Nasce Del Pueblo. México: CIRA, 1986. P.12-19.

Page 6: o novo constitucionalismo latino-americano

1881

cidadania apta a lutar e a fazer valer direitos já conquistados, quer como uma

nova fonte de legitimação da produção jurídica, nada mais natural do que

equipará-los à categoria "novos sujeitos coletivos de Direito" (SOUSA JÚNIOR,

2002, p.53). Sendo assim, a presente designação, para os movimentos sociais,

não implica, de forma alguma, qualquer alusão ou aproximação à mítica

abstração liberal-individualista de "sujeito de Direito", própria do velho paradigma

do formalismo legal positivista.

Investigações mais recentes, de teor crítico-interdisciplinar, tendem a

reconhecer nos novos movimentos sociais sujeitos coletivos titulares de Direitos.

Por essa via vem se alinhando, dentre tantos autores, José Geraldo de Sousa

Júnior, para quem a significação político-sociológico dos novos movimentos

sociais como potencial prático-teórico de enunciação e articulação de Direitos

possibilita e justifica seu enquadramento na esfera de incidência jurídica. Com

efeito, o empenho do jurista da Universidade de Brasília é demonstrar a relação

entre a condição social de sujeitos populares em sua luta por reparar carências e

injustiças (SOUSA JÚNIOR, 2002, p.53).

É neste contexto de exclusão, carências e necessidades materiais que se

situam as práticas cotidianas e insurgentes dos movimentos sociais, que, ainda

que com certas limitações, são portadores potenciais de novas formas de se fazer

política, bem como fonte informal geradora de produção jurídica.

2.2 Novos movimentos sociais - fontes de produção jurídica

Certamente, a inoperosidade da instância jurisdicional e a desatualização

da legislação positiva dogmática proporcionam a expansão plural de

procedimentos extrajudiciais e práticas normativas não-estatais, exercidas e

consensualizadas por movimentos sociais que, ainda que marginalizados e

inseridos na condição de "ilegalidade" para as diversas esferas do sistema oficial,

definem uma nova forma de legitimação.

O problema das fontes do Direito, numa sociedade periférica e/ou pós-

colonial, marcada por uma cultura autoritária e formalista, não está mais

unicamente na priorização de regras técnico-formais e nas ordenações teórico-

Page 7: o novo constitucionalismo latino-americano

1882

abstratas, mas também na interação de uma práxis do cotidiano e na

materialização normativa comprometida com a dignidade de um novo sujeito

social. Os centros geradores de Direito não se reduzem tão somente às

instituições e aos órgãos representativos do monopólio do Estado, pois o Direito,

por estar inserido nas e ser fruto das relações sociais cotidianas, emerge de

vários e diversos centros de produção normativa (WOLKMER, 2001).

Trata-se de uma forma plural de gerar legitimidade, a partir de práticas e

relações sociais surgidas na concretude efetiva da sociedade. Naturalmente que a

consequência desse processo de redefinição das fontes de produção jurídica

envolve também a transformação do Estado como núcleo exclusivo e absoluto do

poder societário. Encarar o Estado sob novas funções implica não mais vê-lo

como tutor permanente da Sociedade e detentor único do monopólio de criação

jurídica, mas, agora, como uma instância democratizada mandatária da

Comunidade, habilitado a prestar serviços a uma ordem pública plenamente

organizada pelo exercício e pela participação da cidadania individual e coletiva.

As novas exigências, necessidades e conflitos em espaços sociais e

políticos periféricos, tensos e desiguais, torna, presentemente, significativo

reconhecer, nos movimentos sociais emergentes (tais como, os que fundaram o

processo constituinte boliviano a partir dos fatos como a guerra da água e do

gás), uma fonte geradora de outras formas jurídicas menos formalizados4.

Ainda que possa haver resistência por parte da cultura oficial normativa e

de seus aparatos burocráticos, a comprovação dessas manifestações de

"legalidade paralela ou concorrente" a partir da luta por direitos à terra torna-se,

gradativamente, inconteste e por demais evidente.

A partir das práticas sociais cotidianas e necessidades efetivas,

internalizadas por movimentos sociais que têm consciência, identidade e

autonomia, emerge uma nova concepção de direitos mais mutáveis, elástica e 4 Sobre a natureza e o poder dos movimentos sociais, constatar: TARROW, Sidney. El Poder en

Movimiento. Los Movimientos sociales, La acción colectiva y la Política. Madrid: Alianza, 1997; SCOTT, James C. Los Dominados y El Arte de La Resistencia. Pais Vasco: Txalapata, 2003; DALTON , Russell J. & KUECHLER, Manfred (Comps.). Los Nuevos Movimientos sociales. Valencia: Alfons El Magnamin, 1992; GOHN, Maria da Gloria. Teoria dos Movimentos Sociais. Paradigmas Clássicos e Contemporâneos. São Paulo: Loyola,1997; ALBERNAZ, Renata O. & WOLKMER, Antonio C. Pluralismo Jurídico, Estado e Movimentos dos Trabalhadores Sem Terra (MST) no Brasil. Crítica Jurídica. México: UNAM, v.33, 2012.p.141-178.

Page 8: o novo constitucionalismo latino-americano

1883

plural que transcende aos direitos estatais consagrados nos limites da doutrina

imperante e da legislação positiva. Materializa-se, assim, a compreensão não

apenas por direitos estáticos, ritualizados e equidistantes dos conflitos sociais,

mas "direitos" vivos referentes à qualidade de vida, ou seja, à subsistência, à

saúde, à moradia, à educação, ao trabalho, à segurança, à dignidade humana etc.

Assim, esses novos direitos têm sua eficácia na legitimidade dos múltiplos

"sujeitos da juridicidade", legitimidade assentada nos critérios das necessidades,

participação e aceitação. É inegável, em um processo de luta por justiça, a

importância e a interferência destes novos movimentos sociais, como na

experiência andina, para dar eficácia a uma nova legalidade, uma legalidade

advinda de práticas políticas insurgentes e resultantes de demandas e carências.

3 AS ASSEMBLEIAS CONSTITUINTES DO NOVO CONSTITUCIONALISMO

SUL-AMERICANO E A EMERGÊNCIA POLÍTICA INSURGENTE

Diante da exposição sobre a importância dos sujeitos sociais no processo

de construção de novo cenário jurídico no continente, neste momento, tendo em

vista a abordagem da formação política do Estado na América Latina não ter sido

construída pela força popular dos sujeitos negados da história oficial, passar-se-á,

para uma breve análise do processo constituinte na Bolívia, proferindo

embasamento a partir das manifestações populares.

Os movimentos sociais na Bolívia, principalmente o indígena, inauguraram,

durante o final do século passado e início do século XXI, verdadeiras lutas

políticas e sociais contra os poderes estabelecidos e suas formas de perpetuação

no comando do país. E, como todo embate entre o que está dado e aquilo que se

propõe a mudança, é impregnado de avanços e retrocessos, traduzindo em

período de crise e superação desta. Na Bolívia, não foi diferente, entretanto, vale

referir que o processo constituinte boliviano, de acordo com o constitucionalista

espanhol Rubén Dalmau (2011b, p. 39), é o mais complexo da história latino-

americana, No sólo por su extensión, sino también por sus elementos endógenos – mal planteamiento de la hipótesis constituyente, difíciles condiciones de trabajo de la Asamblea Constituyente – y, principalmente, por lo

Page 9: o novo constitucionalismo latino-americano

1884

exógenos: los obstáculos planteados por grupos minoritários que han apostado por el fracasso del proceso desde un primero momento, y por el mantenimiento del status quo en el país. Un proceso que ha legitimado una constituición, la boliviana de 2009, que, a pesar de los cambios de última hora introducidos por el poder constituido, se convertirá en un texto de referencia en el marco del nuevo constitucionalismo latinoamericano.

Nesse sentido, quais seriam os fatores que motivaram a eclosão do

movimento? Essa pergunta pode ser respondida por vários ângulos convergentes,

desde o político, jurídico, cultural e social. Vale lembrar que, em outro momento

(WOLKMER; MACHADO, 2011) já foi mencionado que talvez o processo

constituinte boliviano esteja encerrando um ciclo constitucional no continente e,

inaugura um período político de insurgência e transição de paradigmas.

Isso leva concluir que a construção do seu Estado se deu da mesma forma.

Como lembra Dalmau uma forma democrática chamada “democracia pactada”,

“[...] fórmula de gobierno partidocrático experimentado en Bolívia durante

prácticamente la totalidad de su vida republicana, se fundamentaba en la

exclusión de la mayor parte de la población y la toma de decisión en el marco del

acuerdo interpartidarista […]”(2011b, p. 41), tem-se, assim, um dos primeiros

fatores motivadores da sua assembléia constituinte.

Não obstante este problema de ordem política soma-se às questões sociais

de exclusão ou marginalização, do qual a democracia representativa e o sistema

político não davam conta das respostas às demandas sociais e, ainda,

perpetuava a opressão por meio da institucionalização da corrupção e dos

beneficiamentos a empresas privadas em detrimento dos interesses públicos. O

pesquisador Albert Noguera Fernandez relembra que “[...]estas rebeliones tienen

como elemento común el ataque a un sistema político y de partidos marcado por

la corrupción, el manejo privado de empresas proveedoras de servicios públicos y

el llamado de atención sobre la desigualdad y la inequidad social”. (2011, p. 63).

Complementa o autor espanhol, dizendo que, La corrupción y la profundización de la escasa identidad de interés entre los representantes políticos y los representados, fue otra de las contradicciones que dio lugar a las revueltas indígenas-populares de septiembre de 2003 la citada guerra del gas, y que fomentó la reivindicación de convocatoria de una Asamblea Constituyente para proceder a una democratización del Estado y la sociedad. (NOGUERA FERNANDEZ, 2001, p. 69).

Page 10: o novo constitucionalismo latino-americano

1885

Dessa maneira, duas mobilizações populares de contestação devem ser

especificadas, traduzindo o significado da chamada guerra do gás e da água, pois

ambas representaram mais que simples manifestação contra a ordem política da

tomada de decisões, mas também uma exigibilidade de inserção dos movimentos

populares na defesa dos assuntos de gestão dos recursos naturais e as

consequências diretas no cotidiano dos sujeitos envolvidos. Perpassam as

manifestações um critério de ingerência política nas decisões das quais eram

somente partes passivas, entretanto, os efeitos das atitudes políticas das elites

eram altamente incidentes na vida das maiorias alijadas do poder. Os movimentos

populares, em ambas as ocasiões de rebelião, denunciaram a incapacidade da

gestão elitizada dos bens públicos e em torno dos recursos naturais, assim: Frente a esta coopatació de ambos poderes, lo más interesante de la Guerra del Gas es cómo la sociedad civil propuso, no sólo el campo discursivo sino en su misma acción la alternativa política a las formas de organización y representación liberalas. […] los movimientos sociales se presentaron a sí mismos como la fuente fáctica de un modo diferente de hacer política con posibilidades reales de enfrentar y cuestionar las maneras partidario-electorales que hasta ese momento habían sido impuestas cómo las únicas posibles. (CHÁVEZ; MOKRANI, 2007, p.64).

Ademais, com a politização das demandas sociais, tais movimentos

populares tomaram consciência que havia a necessidade de expandir o horizonte

de crítica ao sistema político institucional da forma que estava estabelecido,

integrando questões de ordem econômica em suas lutas e de fatores intimamente

ligados ao chamado modelo neocolonial de fazer gestão pública, passaram a

exigir mais que a ingerência em questões de recursos naturais, Por su parte, las organizaciones sociales iban más allá de un proceso de renovación o ampliación de las elites políticas. Además de una reforma del ordenamieno político, exigían una transformación del ordenamiento económico. Las medidas capitalizadoras habían enajenado el control de la explotación de los recursos naturales y de los beneficios económicos que estos reportaban. Por eso, y ante el fracaso, de este modelo, la intención básica de los sectores populares movilizados era la nacionalización, es decir, la recuperación del uso y el beneficio de los recursos naturales y su devolución a la potestad de la nación. (CHÁVEZ; MOKRANI, 2007, p. 64).

A partir das reflexões de Noguera Fernandez (2011), verifica-se que existia

um contexto de luta entre um modelo de Estado neoliberal elitizado contra um

modelo de Estado gestionado no seio dos movimentos populares, que

transformaram suas lutas pontuais em exigibilidades mais amplas, num horizonte

de transformação, ao invés de reforma do velho sistema. Isso é representativo do

Page 11: o novo constitucionalismo latino-americano

1886

chamado esgotamento e crise do Estado Moderno com seus modos de

manifestação política. Quando emergiu nas demandas populares a ideia de

assembleia constituinte, ficou clara a intencionalidade de refundar outra

perspectiva político-jurídica em que os sujeitos sociais, até então ausentes,

pudessem ter vez e voz no processo de construção daquilo que gera

consequência em seus próprios interesses. Ora, tratou-se de realocar os

interesses de empresas privadas (muitas multinacionais) para interesses coletivos

de maiorias subjugadas e marginalizadas.

A estratégia utilizada pelos movimentos populares descontentes se traduziu

na escolha do campo jurídico constitucional, para mobilizar e transformar as

estruturas de poder a partir do próprio modelo em crise, superando suas

contradições históricas vinculadas aos privilégios. A mobilização popular por uma

constituinte é um dos traços que caracteriza a nova constituição boliviana, dentro

daquilo que vem sendo denominado como Novo Constitucionalismo latino-

americano.

Sendo assim, apesar do uso dos poderes políticos tradicionais (constituinte

e constitucionalismo – via institucional) pelos movimentos populares, não se

traduz em uma contradição, no sentido que: La explosión popular que supusieron las asambleas constituyentes del nuevo constitucionalismo provocaran por lo tanto la ruptura con un sistema jurídico – y, cuando fue posible, también político – del pasado, depositando las esperanzas de la ciudadanía en la transformación social a través del cambio constitucional. (DALMAU, 2011b, p. 38).

Portanto, pode-se concluir a análise da importância dos sujeitos políticos

(maioria indígenas ou de origem autóctone), no sentido que foram os verdadeiros

responsáveis pela eclosão de um processo constituinte no país, tendo não só

participado do período pré-assembleia constituinte como também intervieram

durante o desenvolvimento (de forma menos intensa e participativa). En Bolivia, el proceso constituyente no se inicia con la instalación de la Asamblea Constituyente el 06 agosto pasado, sino que nace en los momentos de insurrección colectiva, en los diferentes ciclos de movilización social, que fueron en sí mismos momentos de disputas por el sentido de lo político. fueron los momentos de insurrección popular en los que se modificó el escenario político, creando las condiciones de posibilidad para la refundación del Estado. […] La presencia de los movimientos sociales en la Asamblea constituyente implica producir los espacios y formas de lucha abiertos por estos ahora en este nuevo

Page 12: o novo constitucionalismo latino-americano

1887

terreno de deliberación, tanto en lo que cabe al proceso como en los resultados que de él emane. (CHÁVEZ; MOKRANI, 2007, p. 55).

E cabe relembrar que tais exigibilidades são frutos da acumulação

histórica, afinal: Desde esta perspectiva, la Asamblea Constituyente es fruto de un proceso de acumulación abierto en el que las luchas de unos, en momentos específicos, cobran sentido a partir de, o en diálogo con, luchas anteriores en un proceso de articulación de atores, vivencias y tiempos diversos que permitieron pensar en un nuevo sentido y un nuevo horizonte común en construcción. (CHÁVEZ; MOKRANI, 2007, p. 57).

Entretanto, vale lembrar que o desenrolar da discussão constitucional se

deu a partir do poder constituído (DALMAU, 2011b), ainda que atendendo as

reivindicações populares, importando destacar que En definitiva, la Asamblea constituyente surgió con los lastres teóricos y prácticos de los acuerdos políticos de 2005 y las elecciones del año siguiente, lo que condicionó su función y su desarrollo, sin que en ningún momento se propusiera optar por la ruptura. Como afirma BAUDOIN, resulta claro que el pueblo boliviano, y particularmente los pueblos indígenas originarios, acudieron a la asamblea constituyente en condiciones precarias, y prácticamente en manos del poder constituido. (DALMAU, 2011b, p. 47).

Diante disso, avaliados os intentos transformadores desde os aspectos

político e social, cabe referendar também que se tem uma leitura voltada às

questões culturais com forte impregnação descolonial, pois os componentes

destes movimentos sociais são, em sua ampla maioria, indígenas ou

descendentes de indígenas, fator natural, já que estes compõe significativa parte

do povo boliviano. Nesse sentido, Noguera Fernandez menciona que os

movimentos sociais são compostos por sujeitos sociais de primeira linha (2008, p.

153) e, em seu discurso, surgem palavras de ordem cultural, as quais são

extraídas da leitura de um processo violento de dizimação da cultura autóctone

pela produção da homogeneidade dos dominadores. Logo, fica evidente o caráter

de exigibilidade transformadora, presente nos movimentos indígenas

contestadores no período pré-constituinte, a insurgência é estabelecida a partir da

emergência de outras formas de vivência e deliberação, ocultadas historicamente

na homogênea ideia do Estado nação moderno.

E, é justamente na questão da formação homogeneizada do conceito de

nação que emerge a necessidade de questionamento da exclusão das diversas

outras perspectivas culturais encobertas. Ora, tal assertiva vem sendo trabalhada

por Boaventura de Sousa Santos (2009), com a ideia de exigibilidade do conceito

Page 13: o novo constitucionalismo latino-americano

1888

de Estado Plurinacional, afirmado pelo entendimento de que a lógica liberal

moderna de nação é um processo inconcluso no contexto de países como a

Bolívia.

As contestações de fundo plurinacional, na composição do Estado

boliviano, necessariamente não se confunde apenas com a exigibilidade cultural,

mas também inclui as diversas formas de deliberação política, jurídica, econômica

e social de questão de interesses comuns ou coletivos. Em segundo plano, a ideia

de aceitar um Estado plurinacional, sob bandeira única, não se encontra em

contradição teórica, no sentido de que a perspectiva de Estado Plurinacional é

justamente a interlocução e inter-relação social das diversas culturas existentes

dentro de um mesmo paradigma comum de proteção de seus próprios interesses,

não sendo confundindo com a perspectiva liberal multicultural de diversidade com

hegemonia de uma cultura “mediadora”, esta é substituída pela interculturalidade

relacional do diálogo e da própria interpretação de vida comunitária. Especifica

Noguera Fernández que, Los pueblos y comunidades indígenas se constituyen, por tanto, como sujetos sociales y políticos de primera línea, y ello plantea poner en primera página del debate político sus reivindicaciones, entre la que destaca el Estado plurinacional. La reivindicación del Estado plurinacional abarca derechos territoriales, por un lado, y derechos culturales y de autodeterminación, por otro. […] Su primera reivindicación es el derecho a un territorio propio y adecuado a su realidad histórica y cultural. Y, en segundo lugar, en cuanto a los derechos culturales o de autodeterminación, exigen: derecho a desarrollar sus propios sistemas económicos, políticos, jurídicos y sociales para acceder, de acuerdo a sus propios referentes culturales, a la contemporaneidad; derecho al autodesarrollo, de acuerdo a sus propias estrategias; y derecho a la integridad cultural, lo que implica el resurgimiento, manifestación y desarrollo de la diferencia. (NOGUERA FERNANDEZ, 2008, P. 153).

Contudo, a ingerência plurinacional implica em um deslocamento na

internalização cognitiva violentada, qual seja, relembrando a maneira que foi

produzida a hegemonia cultural eurocêntrica: violência e encobrimento de culturas

“incivilizadas”, perante a concepção moderna, entende-se que o caminho para

afirmação da plurinacionalidade, em termos de um Estado político, estará

inconfundivelmente ligada à ideia de descolonizar o pensamento dos sujeitos,

para que possa ser captada a realidade cotidiana da diversidade, oculta aos seus

olhos, mas não pela visão nua que consegue absorver as diferenças, mas sim,

Page 14: o novo constitucionalismo latino-americano

1889

pela visão interpretativa que distorce aquilo que vê através do método histórico

em que foram se reproduzindo a opressão.

Dessa forma, diretamente relacionada à questão da emergência do Estado

plurinacional, encontra-se a ordem do pensamento descolonizador, cujos

aspectos complexos do seu debate demandariam um estudo à parte, mas, neste

texto em específico, ficará restrito ao superficial entendimento colacionado do

pensamento de Oscar Vega Camacho, mencionando que: Descolonizar es, primeramente, asumir en todas sus consecuencias el carácter multicultural y plurilinguístico del país, que en la reforma de la constitución de 1994 – luego de 169 años de republicanismo – terminó aceptando y acatando -; sin embargo, aún así, la forma de Estado-nación fundada en esa Constitución funcionó de modo monocultural y monolinguístico y es políticamente eficaz a los grupos de poder tradicional. Por ello, descolonizar es empezar a entender y practicar en una sociedad plural, diversa y multidimensional. De allí la capacidad de democratizar al Estado y la sociedad, entendiendo la democratización, de la forma más elemental, como la capacidad de tener igualdad de oportunidades y facilidades para todos. (CAMACHO, 2010, p. 63).

No âmbito das lutas pró-constituinte com aspectos de insurgência dos

sujeitos construídos como negados social, cultural, jurídica e politicamente, nada

mais natural esperar que a própria constituição do Estado possa ser um aparato

de legitimidade do embate proporcionado. A recuperação histórica somada à

emergência das lutas populares cumpre essa tarefa de curar a patologia ocular

dos sujeitos sociais, reafirmando identidades e autonomias, e reconhecendo-se a

si próprios no contexto local, a partir da escolha pela refundação do poder político

estatal desde sua constituição, ou seja: El profundo replanteamiento del debate sobre el Estado está fundado a partir de la memoria y experiencia de las luchas y organizaciones indígenas que han tejido las propuestas para iniciar un verdadero proceso constituyente, de allí la fuerza y contundencia de sus iniciativas y, así mismo, las resistencias y violencia de sus opositores. Por ello, es tan importante entender el proceso constituyente, la transformación del Estado y el pluralismo en todos sus ámbitos, como parte de una visión comprometida con la descolonización. (CAMACHO, 2010, p. 63).

Contudo, inerente a toda mudança paradigmática ou transição em uma

sociedade incrustada no tradicional (des)mando das oligarquias locais, implica em

profundas disputas no campo político ideológico e confrontos sociais nos cenários

das ruas. Em razão disso, não podem ser olvidadas as dificuldades enfrentadas

durante o processo constituinte e as implicações que emergiram das lutas

Page 15: o novo constitucionalismo latino-americano

1890

populares em uma tensão violenta, ocasionando a submissão das exigibilidades

ao jogo político institucional,

Diante disso, somam-se aos fatores materiais da assembleia constituinte

algumas questões que podem ser divididas em três tipos: forma, procedimento e

político. A ordem formal boliviana, diferentemente do processo equatoriano (que

teve desde seu princípio submetido às regras do jogo a consulta popular), deixou

a cargo dos poderes instituídos a incumbência da elaboração constitucional e

definição formalizada da operacionalidade, relembrando Rúben Dalmau (2011b): [...] lo cierto es que el diseño de la Asamblea, como demostraría el tiempo, cometió un error formal que acabaría siendo importante en la dinámica en el seno del órgano constituyente: la convocatoria de una asamblea excesivamente amplia, que duplicaba en número de integrantes a las de otras experiencias constituyentes de la región. Como ocurriría en el caso de las mayorías necesarias para la aprobación del texto final, se confundió la voluntad de representación con el carácter esencialmente originario de la asamblea constituyente, que no propiamente el representativo. (2011b, p. 47).

Com as formas gestionadas ao “atropelo” e a configuração de uma

arquitetura não devidamente calculada frente à realidade política institucional da

assembleia constituinte, e ainda, tendo se afastado do fervor popular que lhe dera

origem; ficou comprometida a procedimentalidade, pois vale frisar que os

interesses oligárquicos secularmente dominantes reagiram à ameaça de perda da

hegemonia, utilizando-se de todos os seus aparados e expedientes institucionais

e não institucionais, inclusive, a utilização do método até então eficaz para oprimir

os sujeitos negados, a violência.

Enfim, todo esforço em fazer fracassar as demandas populares da

constituinte e mesmo desestruturar o próprio processo de engenharia

constitucional, acabaram fortalecendo os argumentos dos riscos que as

conquistas populares poderia auferir caso obtivesse sucesso tal empreitada

política.

Em síntese, a procedimentalidade parida da elaboração formal do

processo: […] habilitó un plenario difícil de convocar, con numerosos turnos de palabra para ordenar, heterogéneo en su composición hasta límites difíciles de entender, así como veintiuna comisiones de trabajo complejas por su especificidad, fraccionadas, que entrañaban una dificultad intrínseca para su coordinación a pesar de los intentos, ya

Page 16: o novo constitucionalismo latino-americano

1891

avanzado el proceso, de crear comisiones mixtas para facilitar la labor de complementariedad de los informes. (DALMAU, 2011b, p. 47).

Destarte, os trabalhos restaram dificultados e as demandas originárias das

mobilizações populares pouco a pouco foram sendo subsumidas aos contextos

internos do debate constituinte e da lógica tradicional do poder constituído,

quando da elaboração de uma nova constituição. É um expediente político

sonegador dos anseios que embasam qualquer poder constituinte originário (que

seja entendido o povo e seu desejo de revolução), na medida em que,

discordando dos doutrinadores tradicionais, o verdadeiro “poder” que constitui a

origem de uma constituição emana das necessidades que justificam sua

existência, e esta reside no seio das reivindicações populares, sendo que a

institucionalização política originária é um poder que deve obedecer (DUSSEL,

2007) fielmente às exigibilidades que o legitimam. Apesar das vertigens que

afligem todo e qualquer poder constituinte tradicional, é inegável que o insurgente

movimento pela assembleia constituinte na Bolívia ainda não conseguiu superar e

continuou à barganha política dos interesses partidários oportunistas, quiçá,

obstrucionista, como dirá Dalmau: En definitiva, el proceso constituyente boliviano quedaba formado por una Asamblea de considerables dimensiones y de difícil comportamiento político, heterogénea en su esencia, dudosa respecto a sus capacidades originarias al no haber sido activada directamente por el pueblo y que, por la ley de convocatoria, requería de dos tercios de sus integrantes para tomar las decisiones esenciales; dos tercios que, por el propio sistema de asignación de escaños, no contaba con ninguna mayoría, y requería siempre de la participación de la oposición, esencialmente obstruccionista e interesada en el fracaso de la Asamblea. (2011b, p. 49).

Não obstante a percepção política acima é inegável reconhecer que houve

avanços constitucionais apresentados no texto político-jurídico de 2009, tanto pelo

alto grau de inclusão de complexidades, como por inúmeras redefinições na

ordem cultural, formal e material da constituição. Em outras oportunidades, já foi

reafirmada que a promulgação do texto boliviano não representa apenas o

esgotamento de um ciclo constitucional na América Latina, e que, talvez, deve ser

lido como um período transicional, em que a representação da mobilização

constituinte popular é um início de tomada de consciência, em que se aposta na

insurgência política e cognitiva permanente, capaz de não se abater pela

patologia ocular social excludente e marginalizadora de outros tempos. Afinal,

Page 17: o novo constitucionalismo latino-americano

1892

Las circunstancias constituyentes bolivianas no parece que vayan finalizar con la Asamblea Constituyente de 2006-2008; por el contrario, es posible que plantee el nuevo texto como una norma de transición, y que avance hacia el afianzamiento de la democracia participativa y el crecimiento de Bolivia como comunidad plurinacional, integrada y decidida a constituirse en un referente mundial. (DALMAU, 2011b, p. 58).

Até mesmo porque é demasiado precoce para realizar um aprofundado

diagnóstico dos resultados sociais, não se podem esperar efeitos imediatos, Se trata de un texto prolijo pero escrito para su entendimiento; amplio, pero necesario para hacerse efectivo; complejo y a la vez comprensible; que se funda en princípios y no sólo en normas. Se trata de un texto que coloca as bases para la inserción de una sociedad madura, dispuesta a convivir en paz, en un nuevo Estado, a la vez que se es consciente de que los plenos efectos de la nueva Constituición no serán inmediatos. (DALMAU, 2011b, p. 59).

Por conseguinte, objetivou-se apresentar uma introdução ao debate sobre

o chamado novo constitucionalismo latino-americano desde seus aspectos

elementares (como sujeitos envolvidos, sua história, sua condição social, sua

conscientização e mecanismo para transformação), elencando informações

necessárias a reflexão crítica sobre o rico processo constituinte que recentemente

balançou as ideias no contexto geopolítico marcado pela violência social,

exclusão e marginalização de sujeitos e encobrimento de culturas originárias,

campesinas.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta reflexiva acima, tratou de algumas preocupações que incidem no

contexto de sociedades periféricas pós-coloniais e que ainda se encontram, neste

início do século, marcadas por crises políticos-institucionais, por intensos conflitos

políticos e por uma cultura jurídica tradicional, liberal e formalista, que não

consegue responder, com eficácia, às novas formas, os conflitos coletivos e às

crescentes demandas sociais. Isso permite discutir a questão dos fundamentos

(crise e mudança dos paradigmas), dos novos sujeitos coletivos de legitimação,

bem como das formas plurais de revelação jurídica (fontes alternativas de

juridicidade). Trata-se, em suma, de uma discussão hoje essencial para redefinir e

fazer avançar o projeto de uma justiça mais democrática, pluralista e participativa,

adequada às contingências histórico-sociais das sociedades latino-americanas.

Page 18: o novo constitucionalismo latino-americano

1893

A refundação das concepções políticas e jurídicas do Estado está sofrendo

nesse período caracterizado como de transição importantes mudanças. Não se

descarta a hipótese de retrocessos e reações contrárias ao movimento, até

mesmo em razão do grau de pressão política que realizam os setores

conservadores da sociedade, porém, indubitavelmente, acredita-se que os países

sul-americanos (principalmente Venezuela, Equador e Bolívia) jamais retornarão à

submissão velada de um silêncio violentado e oprimido pelo processo colonizador

e neocolonizador. Tem-se presente que a insurgência popular nos processos

constituintes inaugurou um novo período no constitucionalismo da região,

concluindo-se que se trata de um importante momento no amadurecimento das

concepções políticas pensadas para a realidade descolonizadora da América

Latina.

Portanto, os movimentos populares na Bolívia compreenderam, através da

história latino-americana, que se apropriar do direito e do Estado não basta, é

preciso um processo de transformação destas instituições para que uma “outra”

história seja narrada a partir de um viés insurgente e libertário dos povos que

contornam seu passado, marcado por genocídios e verdadeiras catástrofes, com

a justificativa civilizatória moderna.

REFERÊNCIAS ALBERNAZ, R. O. & WOLKMER, A. C. Pluralismo Jurídico, Estado e Movimentos dos Trabalhadores Sem Terra (MST) no Brasil. Revista Crítica Jurídica. México: UNAM, v.33, 2012.p.141-178. CAMACHO, O. V. Los caminos para vivir bien: el proceso constituyente boliviano. VACA, Vanesa Castedo (Coord.). Ensayos: hacia una democracia plurinacional en Bolivia. San Juan, Puerto Rico: Pasillo del Sur, Editores, 2010. CHÁVEZ; P.; MOKRANI; D. Los movimientos sociales en la Asamblea Constituyente: Hacia la reconfiguración de la política. In: SVAMPA, Maristella; STEFANONI, Pablo. (Coords.) Bolivia: memoria, insurgencia y movimientos sociales- 1a ed. - El Colectivo, Clacso, 2007. CLAVERO, B. Bolívia entre Constitucionalismo Colonial y Constitucionalismo Emancipatorio. Agencia Latinoamericana de Información. América em

Page 19: o novo constitucionalismo latino-americano

1894

movimiento. 2009-05-09. Disponível em: <http://alainet.org/active/303117lang=es>. Acesso em: 15 jul. 2011. DALMAU, R. M. ¿Se puede hablar de un nuevo constitucionalismo latinoamericano como corriente doctrinal sistematizada? Disponível em: <www.juridicas.unam.mx/wccl/ponencias/13/245.pdf>. Acesso em: 10 jul. 2011a. _____________. El proceso constituyente: la activación de la soberania. In: ERREJÓ, Í.; SERRANO, A. (Coords). Ahora es cuándo carajo!: Del asalto a la transformación del Estado en Bolívia. España: El Viejo Topo edición, 2011b. _____________. Los nuevos paradigmas constitucionales de Ecuador y Bolivia, La Tendencia. Revista de Análisis Político. N° 9, marzo-abril 2009. pp. 37-41. DALTON , R. J. & KUECHLER, M. (Comps.). Los Nuevos Movimientos sociales. Valencia: Alfons El Magnamin, 1992 DUSSEL, E. 20 Teses de Política. 1° Edição. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales – CLACSO; São Paulo: Expressão Popular, 2007. _________. 1492, o encobrimento do outro: a origem do mito da modernidade, conferencias de Frankfurt. Tradução de Jaime A. Classen. Petrópolis: Vozes, 1993. _________. Ética comunitária. Petrópolis: Vozes, 1986. DE LA TORRE RANGEL, J. A. El Derecho que Nasce Del Pueblo. México: CIRA, 1986. FERNÁNDEZ, A. N. Plurinacionalidad y atuonomías. Comentários entorno al nuevoproyecto de constituición Bolívia. Revista Española de Derecho Constitucional. Núm. 84, septiembre-diciembre, 2008. Págs. 147.177. ____. Constituición, Plurinacionalidad y pluralismo jurídico em Bolívia. Oxfam Gran Bretaña, La Paz: 1ª Edición, Colección Enlaces, 2008. GARCÍA LINERA, Á. A potência plebéia: ação coletiva e identidades indígenas, operárias e populares na Bolívia. São Paulo: Boitempo, 2010. GUTIERREZ, G. A Força Histórica dos Pobres. Petrópolis: Vozes, 1984. SANTOS, B. S. Pensar el estado y la sociedad: desafíos actuales. 1ª ed. Clacson – Buenos Aires: Waldhuter Editores, 2009. _____. (org.). Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. 3°Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.

Page 20: o novo constitucionalismo latino-americano

1895

____. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. (Coleção para um novo senso comum; V. 4). São Paulo: Cortez, 2006. ____. Refundación del Estado en América Latina: perspectivas desde una epistemología del Sur. Lima: Instituto Internacional de Derecho y Sociedad, 2010. SCOTT, J. C. Los Dominados y El Arte de La Resistencia. Pais Vasco: Txalapata, 2003. SILVA FILHO, J. C. M. da. Da “invasão” da América aos sistemas penais de hoje: o discurso da “inferioridade” latino-americana. In: WOLKMER, A. C. (Org.) Fundamentos de História do Direito. 4° Ed. Ver. E Atual. Belo Horizonte: Editora Del Rey. SOUSA JÚNIOR, J. G. Sociologia Jurídica: condições sociais e possibilidades teóricas. Porto Alegre: Sérgio A. Fabris, 2002. TARROW, S. El Poder en Movimiento. Los Movimientos sociales, La acción colectiva y la Política. Madrid: Alianza, 1997. WOLKMER, A. C. História do Direito no Brasil. 8° Edição Revista com alterações. Rio de Janeiro: Forense, 2015. ____. Elementos para uma Crítica do Estado. Porto Alegre: Sergio Antonio, Fabris, 1990. ____. Pluralismo Jurídico: Fundamentos de uma Nova cultura no direito. 4ed. São Paulo: Saraiva, 2015. ____. MACHADO, L. Tendências Contemporâneas do Constitucionalismo Latino-americano: Estado plurinacional e pluralismo jurídico. Pensar. Revista de Ciências Jurídicas. Fortaleza: Unifor. V.16, nº 02, jul./dez. 2011. p. 371-408.

Page 21: o novo constitucionalismo latino-americano

1896

NOVAS FACES JURÍDICAS LATINO-AMERICANAS: UMA

ANÁLISE DO NOVO CONSTITUCIONALISMO ATRAVÉS DE DOIS

CASOS DO TRIBUNAL PLURINACIONAL BOLIVIANO

João Victor Antunes Krieger5 Matheus Caetano Gomes de Oliveira6

Micaela Day da Silva7

RESUMO: Uma nova realidade concretiza-se em solo latino-americano a partir da manifestação de novos sujeitos sociais, até então encobertos em uma estrutura social hierarquicamente racializada. Buscando legitimidade nestes atores emergentes, o fenômeno político e jurídico denominado Novo Constitucionalismo Latino-americano apresenta novas maneiras de pensar o Direito e o Estado. Formas estas que, identificadas com o pluralismo existente nas sociedades periféricas, propõem romper com o mito da homogeneidade do Estado Nação e com o monólogo cultural eurocêntrico. Tendo como base os marcos teóricos do pluralismo jurídico, da interculturalidade crítica e do discurso descolonial, optou-se por desenvolver, através de pesquisas bibliográficas, o fundamento crítico sobre o qual, em um segundo momento, constrói-se uma análise de caso a partir de decisões do Tribunal Constitucional Plurinacional da Bolívia. Trata-se então de examinar de que maneira as novas práticas jurídicas, ao recepcionarem marcos teóricos pluralistas, descolonizadores e interculturais, transformam-se, e como contribuem para a emancipação dos povos indígenas e comunidades tradicionais na América Latina. Por fim, partindo de duas decisões do mencionado Tribunal

5 Graduando da 7ª fase do curso de Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Bolsista de Iniciação Científica no projeto Brasilidade Criminológica e pesquisador da área de

Pluralismo Jurídico, Interculturalidade, Descolonização, Criminologia Crítica, Criminologia na

América Latina e Justiça Restaurativa. Participante do Núcleo de Estudos e Práticas

Emancipatórias (NEPE/UFSC) e do projeto de extensão Universidade Sem Muros (USM/UFSC).

Correio Eletrônico: <[email protected]> 6 Graduando da 3ª fase do curso de Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Bolsista de Iniciação Científica do Núcleo de Estudos e Práticas Emancipatórias (NEPE/UFSC).

Correio eletrônico: <[email protected]> 7 Graduanda da 3ª fase do curso de Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Bolsista de Iniciação Científica do Núcleo de Estudos e Práticas Emancipatórias (NEPE/UFSC).

Correio Eletrônico: <[email protected]>

Page 22: o novo constitucionalismo latino-americano

1897

Plurinacional, pretende-se verificar, sob um viés crítico, a efetividade da abordagem descolonial e intercultural desse órgão judicial. Procurou-se evidenciar o caráter progressista e descolonial de uma das decisões, mas sem esquecer o teor claramente conservador e colonizador da outra. Sendo possível, assim, então, destacaram-se elementos progressistas, frutos de um diálogo horizontal, e, ao mesmo tempo, elementos conservadores, resultantes do monólogo eurocêntrico. Demonstra-se, assim, que a emancipação propiciada por essas novas práticas jurídicas é um processo ainda em desenvolvimento, concretizado em uma dinâmica de avanços e retrocessos, fazendo com que não seja possível afirmar a ruptura completa com a estrutura colonizadora e com o Estado monista. PALAVRAS-CHAVE: novo constitucionalismo; descolonização; interculturalidade. Tribunal Plurinacional

1 INTRODUÇÃO

Nos primeiros anos do século XXI, pudemos observar na América Latina o

surgimento de cartas constitucionais bastante inovadoras. Apesar de possuírem

significativas particularidades, é possível identificar uma matriz de pensamento,

uma orientação política e até uma construção histórica comum. Importantes

estudiosos do direito constitucional denominam esse movimento jurídico de Novo

Constitucionalismo Latino-americano.

As constituições da Venezuela, Equador e Bolívia são as principais

representantes dessa corrente epistemológica constitucional. De acordo com

Pisarello (2014), trata-se de normativas que rompem com a ordem neoliberal e

com as teorias e práticas jurídicas reformistas como faz, por exemplo, o

neoconstitucionalismo. Nesse sentido, os três países dão um passo à frente nas

discussões sobre direitos iniciadas nas nações vizinhas como Brasil e Colômbia.

Rompendo também com a tradição eurocêntrica de liberalismo político e

jurídico, o Novo Constitucionalismo visa formular uma cultura jurídica

emancipadora e autenticamente latino-americana. Para tanto, ele se fundamenta

em marcos teóricos críticos. Adotando princípios pluralistas, as constituições

referidas prezam pela interculturalidade e pela atuação descolonial em todas as

suas esferas de poder. Exemplo evidente dessa proposta é o Tribunal

Constitucional Plurinacional da Bolívia.

Page 23: o novo constitucionalismo latino-americano

1898

Absorvendo a matriz crítica de pensamento, esse órgão jurisdicional tem

alto potencial de criar e consolidar uma prática jurídica diferenciada do que se

tinha até então. Como o próprio nome indica, os princípios da plurinacionalidade

e, consequentemente, da interculturalidade são aqui priorizados. Além disso, sua

composição possibilita uma atuação descolonial e comprometida com a demanda

dos grupos sociais marginalizados.

Sabemos, porém, que não basta a criação de um órgão inovador e com

propostas revolucionárias para solucionar em curto prazo todos os conflitos

sociais pendentes. Fatores como a estruturação profissional dessas instituições, a

cultura dos julgadores, pressões políticas e acontecimentos externos, entre outras

variáveis, podem desvirtuar os melhores projetos.

Pretendemos, então, realizar uma análise jurisdicional: estudaremos dois

casos já julgados pelo Tribunal Plurinacional e, através deles, discutiremos o grau

de compatibilidade ou incompatibilidade prática desse Tribunal com a proposta

revolucionária do Novo Constitucionalismo Latino-americano, bem como seus

efeitos concretos sobre o povo boliviano.

Primeiramente, então, cabe uma descrição e aprofundamento das teorias

críticas que sustentam tanto o Tribunal Plurinacional como o Novo

Constitucionalismo. Evidentemente não esgotaremos todos os princípios

abarcados, mas optamos por importantes marcos teóricos, a partir dos quais os

demais se desenvolvem: o descolinialismo e a interculturalidade.

2 DESCOLONIZAÇÃO E INTERCULTURALIDADE NO NOVO CONSTITUCIONALISMO

Com a proposta de romper com a tradição constitucional europeia, o Novo

Constitucionalismo incorporou marcos teóricos inovadores e de grande relevância

para o contexto histórico, político e social da América Latina. Buscou-se, assim,

conjugar o discurso pós-colonial com o exercício da interculturalidade de forma a

se desvincular da matriz colonial de poder. Torna-se possível, então, a

transformação da estrutura do Estado moderno ocidental.

Page 24: o novo constitucionalismo latino-americano

1899

A emergência de sujeitos historicamente marginalizados possibilitou, nos

países do Novo Constitucionalismo, repensar o direito a partir da sua pluralidade

de fontes. Essa prática carrega um potencial descolonial que só é capaz de

concretizar-se em um espaço cultural não-hierarquizado, fruto da prática

intercultural.

3 AS TEORIAS PÓS-COLONIAIS – DESCOLONIZANDO OS CÂNONES

OCIDENTAIS

Os estudos pós-coloniais dizem respeito a um grupo de teorias que, em

ramos diversos do saber, busca denunciar a narrativa centralizada que encoberta

outras formas de conhecimento e vivência. Analisa-se, assim, as consequências

da ação dos países colonizadores sob suas colônias, e, posteriormente, da

articulação do poder mundial. A opção teórica para este trabalho levou em conta

um recorte histórico e geográfico específico. Ao tratar de novas formas de pensar

o Direito, que possibilitem o rompimento com o monólogo eurocêntrico em solo

latino-americano, torna-se fundamental trabalhar com autores que contribuíram

para a inserção da América Latina no debate pós-colonial. Dessa forma, são aqui

descritas suas categorias fundamentais, que orientam a posterior análise de caso

do Tribunal Constitucional Plurinacional boliviano.

É com o Grupo Latino-americano de Estudos Subalternos, na década de

90, e posteriormente, desde o chamado “giro decolonial”, o Grupo

Modernidade/Colonialidade, que a América Latina torna-se objeto de uma análise

comprometida à ruptura com a razão eurocêntrica e vista desde o Sul. Neste

agrupamento de teóricos, destacam-se diversos autores que contribuíram para

uma crítica latino-americana, tais como Walter Mignolo, Enrique Dussel e Aníbal

Quijano. Aqui, são trabalhadas especificamente algumas das categorias de

Quijano, fundamentais para uma análise crítica a partir do sul global, com vistas a

um saber jurídico descolonizado.

Page 25: o novo constitucionalismo latino-americano

1900

4 A ARTICULAÇÃO DO PODER: DA COLONIZAÇÃO À COLONIALIDADE

A categoria da Colonialidade do Poder desenvolvida por Aníbal Quijano no

final da década de 80 é essencial para compreender de que forma operam as

relações de poder, racializadas de maneira hierárquica, na América Latina. O

sociólogo peruano toma a Colonialidade como elemento constitutivo e específico,

na articulação do poder capitalista, que tem origem a partir da América

(QUIJANO, 2010). Deve-se ter por esclarecido a diferença que esta categoria

guarda em relação ao Colonialismo, um modelo de dominação político-jurídica, de

uma população sobre a outra, mais antigo. Iniciado com o fenômeno histórico da

colonização, o Colonizalismo se finda com processos de independência formais.

Por outro lado, a Colonialidade, apesar de ter sido construída no bojo do

Colonialismo, guarda marcantes distinções em relação a ele, mostrando-se “[...]

mais profunda e duradoura” (QUIJANO, 2010, p. 84), apta a manter as relações

de dominação mesmo após a independência das Colônias.

A categoria, aqui trabalhada, tem como fim mostrar o papel de um eixo

específico do padrão de poder capitalista colonial/moderno: o uso da categoria

raça como modelo organizacional hierárquico, que afeta “[...] cada um dos planos,

meios e dimensões, materiais e subjetivos, da existência social quotidiana e da

escala societal [sic]” (QUIJANO, 2010, p. 84). Este instrumento de racialização e

diferenciação biológica dos sujeitos foi empregado pela primeira vez a partir da

colonização da América, funcionando como elemento legitimador da dominação

europeia. A raça é, então, tomada como categoria natural, apesar da origem

subjetiva, e fundamentada cientificamente, mesmo que não passe de uma “[...]

produção de um imaginário mitológico” (QUIJANO, 2010, p. 125), ou seja, uma

categoria forjada.

Assim, a ideia de “raça” e a hierarquização que a acompanha, juntamente

com as “[...] formas de históricas de controle do trabalho, de seus recursos e de

seus produtos, em torno do capital e do mercado mundial” (QUIJANO, 2005,

página 107), constituem elementos essenciais da construção da modernidade.

Tanto é verdade que pode-se afirmar que a modernidade é fruto da dominação

colonial e a articulação do poder passa a ser construída a partir das relações de

Page 26: o novo constitucionalismo latino-americano

1901

dominação coloniais, que se mantém sob o aspecto da colonialidade. Contudo,

não se resume ao “poder”, mas se reproduz em mais duas dimensões: do ser e

do saber. Esta última de importância fundamental para o trabalho.

5 A COLONIALIDADE DO SABER

No plano teórico, a produção de conhecimento nas ciências sociais tratou

de, a partir de uma visão eurocentrada, desvincular a ligação intrínseca entre a

modernidade e o colonialismo. Projeta-se, então, o que Castro-Gómez (2005)

chama de “Europa autogerada”, um conceito que desconsidera a espoliação do

colonialismo, e a substitui pelo processo civilizatório de desenvolvimento, que

culmina na modernidade. Aqui se mostra evidente a tarefa dos estudos e

propostas pós-coloniais: reescrever as narrativas históricas sob o ponto de vista

do subalterno, rompendo, assim, com o imaginário colonial sob o qual é

construída a produção do conhecimento nas ciências sociais. Nesse sentido,

Santiago Castro-Gómez (2005) aponta o caráter excludente das teorias sociais

acerca do progresso das sociedades, que possuem o duplo papel de “aparelho

ideológico” da modernidade e “máquina produtora de alteridade”: […] das portas para dentro, legitimava a exclusão e o disciplinamento daquelas pessoas que não se ajustavam aos perfis de subjetividade de que necessitava o Estado para implementar suas políticas de modernização; das portas para fora, por outro lado, as ciências sociais legitimavam a divisão internacional do trabalho e a desigualdade dos termos de troca e de comércio entre o centro e a periferia, ou seja, os grandes benefícios sociais e econômicos que as potências européias [sic] obtinham do domínio sobre suas colônias. A produção da alteridade para dentro e a produção da alteridade para fora formavam parte de um mesmo dispositivo de poder. A colonialidade do poder e a colonialidade do saber se localizadas numa mesma matriz genética. (CASTRO-GÓMEZ, 2005, página 84, grifos do autor).

Ao evidenciar a produção do conhecimento como pertencente a um espaço

geopolítico determinado, ao situá-la fisicamente, os estudos pós-coloniais

rompem com as análises do mundo ocidental, em que o sujeito enunciador é

sempre oculto. Trata-se, segundo Grosfoguel (2010), de demonstrar a ligação

entre o sujeito cognocente e seu lugar epistêmico e, como consequência,

desconstruir a mítica ocidental de um conhecimento universal, que desconsidera

as estruturas de poder que atravessam o enunciador. O autor, então, demonstra,

acompanhando Dussel (1988), o embate entre uma “geopolítica do

Page 27: o novo constitucionalismo latino-americano

1902

conhecimento”, que se preocupa com a posição do enunciador, e uma

“egopolítica do conhecimento”, fundada na mítica ocidental de uma objetividade

que não precisa ser situada, possuindo consequentemente uma pretensão

universalista.

A ideia de uma egopolítica do conhecimento encontra seu fundamento nas

origens da filosofia ocidental moderna com René Descartes. Quando Deus é

substituído pelo Homem como novo fundamento do conhecimento, desconstrói-se

toda a teopolítica do conhecimento existente na Europa medieval. No lugar dela, é

edificada uma nova maneira de se alcançar a verdade universal, atemporal e não

situada (GROSFOGUEL, 2010). É o homem ocidental que, agora, tem acesso à

verdade e é na fórmula cartesiana “ego-cogito” ("penso, logo existo”) que se

fundamenta a produção do conhecimento científico. A essa forma de conhecer

“desinteressada”, Grosfoguel, na esteira de Santiago Castro-Gómez (2003), dá o

nome de “lógica do ponto zero”. O 'ponto zero' é o ponto de vista que se esconde e, escondendo-se, se coloca para lá de qualquer ponto de vista, ou seja, é o ponto de vista que se representa como não tendo um ponto de vista. É esta visão através do olhar de Deus que esconde sempre a sua perspectiva local e concreta sob um universalismo abstrato (GROSFOGUEL, 2010, p. 460).

Fica demonstrada, assim, uma estratégia do campo do conhecimento, que

proporciona ao homem europeu a possibilidade de dizer a “verdade” sob um

manto de neutralidade, negando a materialidade (seu corpo e sua posição

geopolítica). Torna-se possível, então, desconsiderar formas de conhecimento

diversas que não alcancem a mesma pretensão de universalidade. Cria-se,

assim, uma hierarquia epistêmica, que é inserida e encontra a sua razão de ser

na articulação de um padrão de poder específico: o padrão de poder colonial.

6 O PENSAMENTO ABISSAL

Tendo exposto a estrutura de poder na qual se insere a produção do

conhecimento e sua relação com a manutenção desta estrutura, torna-se

fundamental, para os fins deste trabalho, analisar o papel do Direito moderno

como manifestação do que Boaventura de Sousa Santos (2010) chama de

“Pensamento Abissal”. Segundo o sociólogo português, o pensamento do mundo

moderno ocidental pode ser caracterizado como um pensamento abissal. Neste,

Page 28: o novo constitucionalismo latino-americano

1903

são criadas radicais distinções expressas numa linha que separa dois universos:

o oficial, regulado por paradigmas próprios, de onde emergem os enunciados

tidos como verdadeiros; e um “outro” universo, que já nasce excluído por sua

“inexistência”, que não pode ser compreendido do outro lado da linha. Assim, o

que existe de um lado não pode jamais existir do outro. Na verdade, a

constituição e a própria existência de um lado significa a negação do outro.

O Pensamento Abissal descrito por Boaventura de Souza Santos (2010)

manifesta-se de forma clara em dois campos: o conhecimento e o direito, que

guardam estreita ligação entre si. As palavras do autor elucidam parte do

problema: Cada um cria um subsistema de distinções visíveis e invisíveis de tal forma que as invisíveis se tornam o fundamento das visíveis. No campo do conhecimento, o pensamento abissal consiste na concessão à ciência moderna o monopólio da distinção universal do verdadeiro e o falso, em detrimento de dois conhecimentos alternativos: a filosofia e a teologia (SANTOS, 2010, página 33).

Ainda que tidas como “formas alternativas”, a filosofia e a teologia são

“vistas” e existem em um lado da linha (divisão visível). Por outro lado, os saberes

leigos e populares encontram-se “do lado de lá” da linha abissal. A eles não se

aplica a distinção entre verdadeiro e falso. É um conjunto de saberes negado, tido

como inexistente a partir da divisão invisível da linha abissal. O campo do saber já

foi tratado anteriormente neste trabalho. Trata-se agora de analisar a incidência

do pensamento abissal no campo do Direito moderno.

O autor português aponta que as construções jurídicas modernas dividem,

a partir de uma diferenciação visível, no direito oficial estatal e internacional, os

acontecimentos como legais ou ilegais. Isto acontece apenas em um lado da linha

abissal, excluindo assim: “[...] todo um território social onde ela seria impensável

como princípio organizador, isto é [...], o território do a-legal [sic], ou mesmo do

legal e ilegal de acordo com direitos não oficialmente reconhecidos”. (SANTOS, p.

34, 2010). Neste último ponto mostra-se evidente a importância do tópico do

pluralismo jurídico como elemento essencial na refundação do Estado boliviano

sob um paradigma descolonizador, relacionado diretamente com a ideia de

diálogo intercultural, consagrada inclusive no Preâmbulo da Constituição

boliviana.

Page 29: o novo constitucionalismo latino-americano

1904

Assim, o direito moderno constrói-se a partir da negação do outro lado da

linha abissal. No campo jurídico, a existência do moderno se dá sob a não

existência do colonial, pois este é entendido como o território em que não há lei.

Esta negação jurídica caminha lado a lado com a epistêmica, formando um

conjunto que caracteriza um lado da linha como civilizado e o outro como

selvagem. De tal maneira que para o pensamento europeu contratualista, é

fundamental a negação do espaço colonial como um espaço jurídico. Na medida

em que só é possível universalizar o colonizador se for declarada a inexistência

jurídica e epistêmica do colonizado, estabelece-se uma humanidade sobre e a

partir de uma sub-humanidade. As teorias do contrato social […] são tão importantes pelo o que dizem como pelo que silenciam. O que dizem é que os indivíduos modernos, ou seja, os homens metropolitanos, entram no contrato social abandonando o estado de natureza para formarem a sociedade civil. O que silenciam é que, desta forma, se cria uma vasta região do mundo em estado de natureza […] A modernidade ocidental, em vez de significar o abandono do estado de natureza e a passagem à sociedade civil, significa a coexistência da sociedade civil com o estado de natureza, separados por uma linha abissal com base na qual o olhar hegemônico, localizado na sociedade civil, deixa de ver e declara efetivamente como não-existente [sic] o estado de natureza (SANTOS, 2010, página 36).

A manifestação jurídica deste pensamento impôs paradigmas distintos para

cada lado da linha abissal. A modernidade ocidental funciona, segundo Santos

(2010), sobre o paradigma da regulamentação/emancipação, uma distinção

visível, que por sua vez é fundamentada em uma invisível, separando o mundo

moderno do colonial. Há no lado negado da linha um paradigma distinto, fundado

no modelo da apropriação/violência, que encontra especial significado nas

diversas formas de dominação e espoliação praticadas pelos colonizadores: Enquanto a lógica da regulamentação/emancipação é impensável sem a distinção matricial entre o direito das pessoas e o direito das coisas, a lógica da apropriação/violência reconhece apenas o direito das coisas, sejam elas humanas ou não (SANTOS, 2010, página 38).

O que importa destacar, a partir destes conceitos, é a permanência e

constante mutação nas manifestações das linhas abissais, especialmente no

campo do direito. Assim, Boaventura demonstra, a partir do final do século XX,

um duplo movimento de transformação: o regresso do colonial e do colonizador e,

como contramovimento, o cosmopolitismo subalterno. Enquanto o regresso do

colonial seria a “[...] resposta abissal ao que é percebido como uma intromissão

Page 30: o novo constitucionalismo latino-americano

1905

ameaçadora do colonial nas sociedades metropolitanas” (SANTOS, 2010, página

42), o regresso do colonizador, por sua vez, implicaria no retorno de “formas de

governo colonial”. Este cenário é descrito pelo autor como o surgimento do

“fascismo social”, uma forma de dominação até então inédita, pois, sendo

baseada na dinâmica e disparidade das forças sociais, pode conviver com a

democracia ancorada em princípios liberais. O autor descreve, como uma das

formas deste sistema (socialmente fascista, ainda que politicamente identificado

com características democráticas), o denominado “fascismo contratual”: Ocorre nas situações em que a diferença de poder entre as partes do contrato de direito civil (seja ele um contrato de trabalho ou um contrato de fornecimento de bens ou serviços) é de tal ordem que a parte mais fraca, vulnerabilizada por não ter alternativa ao contrato, aceita as condições que lhe são impostas pela parte mais poderosa, por mais onerosas e despóticas que sejam. […] esta forma de fascismo ocorre frequentemente nas situações de privatização dos serviços públicos, da saúde, da segurança social, eletricidade e água etc. (SANTOS, 2010, página 46).

Demonstra-se, então, um dos inúmeros reflexos da continuidade do

pensamento abissal no campo jurídico. O exemplo do fascismo contratual é

emblemático para a América Latina e encontra respaldo na realidade boliviana.

Trata-se da chamada “Guerra da Água de Cochabamba”, ocorrida nos anos 2000,

em que a população revoltou-se contra as investidas neoliberais, a respeito da

privatização do sistema de água potável. Por fim, destaca-se a identificação do

contramovimento evidenciado por Boaventura, o chamado Cosmopolitismo

Subalterno, com o trabalho dos movimentos indígenas e campesinos em solo

latino-americano, com destaque na Bolívia, uma vez que, graças às

reivindicações destes movimentos insurgentes, práticas descolonizadoras vêm

sendo implementadas neste país. Construiu-se, assim, um modelo de Estado

Plurinacional, incompatível com o paradigma monista. Torna-se evidente a

necessidade de que, para a descolonização do Direito, é preciso pensá-lo a partir

do Pluralismo Jurídico, em sua multiplicidade de fontes, que, por sua vez,

precisam ser articuladas em um exercício de interculturalidade.

Page 31: o novo constitucionalismo latino-americano

1906

7 INTERCULTURALIDADE – UMA NOVA VISÃO PARA AS RELAÇÕES SOCIAIS8

Paralelamente à teoria descolonial, o Novo Constitucionalismo Latino-

americano coloca a interculturalidade entre seus princípios norteadores. Este,

entretanto, é um preceito bastante aberto, permitindo dentro dele diversas

perspectivas e posições políticas. É importante, então, evidenciar qual é o modelo

de interculturalidade foi adotada pelos países envolvidos nesse projeto.

“A cultura nunca é questão de propriedade, de emprestar e tomar

emprestado com credores absolutos, mas antes de apropriações, experiências

em comuns e interdependências de todo tipo entre culturas diferentes” (SAID,

2011, p. 339). De fato, é inegável a permeabilidade das culturas. Diferentes

povos, quando interagem em relação próxima, compartilham, mesmo que

involuntariamente, seus saberes, práticas e tradições. Esse intercâmbio, porém,

pode acontecer pelas mais diversas formas e motivos: uma convivência pacífica e

simbiótica, uma relação de dominação e opressão, o enriquecimento egoístico e

unilateral de um só dos polos envolvidos etc. O fato da troca não impede uma

coexistência conflituosa e desigual. Por essa razão, destaca-se a importância de

um programa teórico emancipador e transformador para o contato entre os

diversos povos e suas culturas.

Entende-se interculturalidade como um projeto de relações sociais que tem

por meta o contato, interação e intercâmbio harmonioso entre os povos.

Aproximando diferentes identidades culturais, esse pressuposto visa promover a

troca de conhecimentos, histórias, tradições, manifestações artísticas, modos de

vida e outros elementos relevantes de forma continuada, mútua e construtiva.

Importa destacar também uma transformação da atual visão epistemológica, pois

8A seguinte seção trata da continuação da discussão que o autor João Victor A. Krieger iniciara

em artigo científico anterior. Voltando-se para a área da pedagogia intercultural e sua importância para curso superior de direito, o trabalho serviu para uma preliminar discussão acerca desse pressuposto cultural. Pode-se conferir em: KRIEGER, João Victor Antunes. Ensino Intercultural do Direito: Uma alternativa ao método tradicional. In: WOLKMER, Antonio Carlos; LIXA, Ivone Fernandes M. Constitucionalismo, Descolonización y Pluralismo Jurídico en América Latina. Aguascalientes/Florianópolis: CENEJUS/UFSC-NEPE, 2015. p. 245-262. Disponível em: <http://antoniocarloswolkmer.blogspot.com.br/2015/02/livro-constitucionalismo-descolonizacao.html>. Acesso em: 14 abr. 2015.

Page 32: o novo constitucionalismo latino-americano

1907

o aprendizado constante com racionalidades tão diversas abala as verdades

científicas anteriores. Isso implica na “[...] reformulação de nossos meios de

conhecimento a partir do pleito das vozes da razão ou das culturas no marco da

comunicação aberta, e não pela reconstrução de teorias monoculturalmente

constituídas” (FORNET-BETANCOURT, 1994, p. 19). A postura intelectual aqui

indicada deve ser de curiosidade, sempre aberta às novidades e em contínua

mutação, já que novas visões e formas de se relacionar com o mundo afrontam

as estagnadas e rígidas certezas da racionalidade moderna. Aponta-se, dessa

forma, para uma epistemologia mais inclusiva e volúvel através da: [...] invenção de entrelugares [sic] em que outras relações tornem-se possíveis. Nestes espaços liminares, as diferenças não se diluem imediatamente num caldo comum, nem são hierarquizadas, tratadas como superiores ou inferiores, melhores ou piores, mas permanecem em tensão, em ebulição, fazendo com que as mesmas palavras, as mesmas imagens, os mesmos símbolos, não apenas produzam diversas interpretações, mas se mantenham ambivalentes. E assim mantenham também a flexibilidade, a possibilidade de continuar interagindo e mudando, des-locando [sic] relações de poder (AZIBEIRO, 2006, p. 246).

A interculturalidade, entretanto, não é um projeto neutro e descolado de

orientação política-ideológica. Seu conceito pode abarcar objetivos, metodologias

e práticas bastante distintas. Eles vão variar de acordo com os fundamentos

teóricos adotados e os interesses dos atores envolvidos.

Guzmán (2011) adota terminologias diferentes para identificar duas

contrastantes abordagens políticas que o conceito interculturalidade tem

manifestado nos anos recente. Ele chama por multiculturalidade o projeto de teor

neoliberal e meramente funcional baseado na tolerância hierárquica e na

assimilação forçada das culturas periféricas pela cultura dita central. De outro

lado, o autor usa a palavra intercultural para a matriz de relações sociais pautadas

no intercâmbio mútuo horizontal entre culturas diversas visando o enriquecimento

conjunto.

Essa interculturalidade de matriz crítica, diferentemente do modelo

multiculturalista, abre um campo amplo, plural e aberto para o contato entre as

diversas culturas, possibilitando um espaço plural e não-hierarquizado de diálogo.

Não se trata aqui de mera assimilação de saberes e práticas por um só grupo em

detrimento dos demais, uma vez que o intercâmbio é mútuo.

Page 33: o novo constitucionalismo latino-americano

1908

É importante frisar que a interculturalidade não se baseia na pretensa

igualdade formal entre as culturas. Não se ignora as diferenças de poder e

representatividade política que há entre os diversos povos culturalmente distintos.

A inferioridade que os processos colonizadores modernos produziram sobre as

formas de vida que divergiam do modelo eurocêntrico resultaram na

marginalização de povos em todo o mundo. Como apontado por Said (2011, cap.

1), além da exclusão social, a racionalidade europeia, alicerçada no positivismo

científico, determinou a desvalorização do conhecimento, história, narrativa, arte e

cultura desses grupos, criando falsos imaginários como o de povos selvagens,

bárbaros, irracionais, ou dependentes.

Desconsiderar esse desequilíbrio entre cultura hegemônica e culturas

periféricas implica na manutenção dessa relação. Ao não questionar esse lócus

privilegiado, as formas de ser e saber de origens europeias permanecerão como

centrais e predominantes. É esse um dos erros que reproduz o multiculturalismo:

A crítica que se faz ao multiculturalismo é que ele designa uma estratégia política que mantem [sic] a assimetria do poder entre as culturas, ao não colocar em xeque o marco estabelecido pela cultura hegemônica. Sendo assim, o respeito e a tolerância, tão difundida pela retórica do multiculturalismo, estão fortemente limitados por uma ideologia semicolonialista que consagra a cultura ocidental como cultura dominante (VIEIRA, 2015, p. 234-235).

A interculturalidade crítica, ao contrário, rompe com a hegemonia da cultura

eurocêntrica. Não se toma como base a igualdade meramente formal, mas sim a

igualdade material entre os povos. Privilegiam-se as expressões dos grupos

historicamente segregados, amplificando as vozes que foram silenciadas.

Procura-se, assim, “[...] uma forma de racionalidade que transpasse os limites

atuais da nossa teoria do entender e nos possibilite, assim, ver o mundo e a

história a partir da perspectiva da ainda periférica exterioridade do outro”

(FORNET-BETANCOURT, 1994, p. 30). Na América Latina, comunidades

indígenas, quilombolas, negras, campesinas e ribeirinhas, entre outras, são

exemplos dessas culturas que sofreram o processo de inferiorização e

ocultamento histórico decorrente da colonização.

Page 34: o novo constitucionalismo latino-americano

1909

Eis aqui o ponto de intersecção entre a interculturalidade e o discurso

descolonial. Ambas as teorias, ao reconhecer o predomínio de uma cultura em

detrimento das demais, incentivam e promovem as manifestações daqueles

sujeitos que sofreram o processo histórico de ocultação e silenciamento. Ambas

promovem uma postura engajada de questionamento da ordem vigente e de

ruptura com o hegemônico.

É evidente, por fim, que o Novo Constitucionalismo Latino-Americano optou

pela adoção da interculturalidade de teor crítico. Como descreve Pisarello (2014,

cap. 5), ao pretender refundar a soberania do Estado em bases populares e

plurais, as constituições andinas buscaram valorizar os saberes e tradições

principalmente indígenas, mas também de demais povos marginalizados. Em

decorrência, reconheceu-se a independência e a autonomia das jurisdições

periféricas e criaram-se órgãos públicos destinados a promover essas culturas no

espaço estatal democrático, estimulando, assim, a interculturalidade. Exemplo

direto desse desígnio institucional pluralista é o Tribunal Plurinacional da Bolívia,

que será discutido na sequência.

8 O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL PLURINACIONAL: INSTITUIÇÃO,

ORGANIZAÇÃO E PROPOSTA DESCOLONIAL

Em 1995, por meio do disposto no artigo 116, IV da Constituição então

vigente na Bolívia, insere-se em tal contexto a figura do Tribunal Constitucional,

responsável pelo controle de constitucionalidade no país. Em 2009, graças às

mudanças político-jurídicas estabelecidas com a promulgação da nova

Constituição Política do Estado, tal órgão recebe nova denominação, sendo a

partir de então conhecido como Tribunal Constitucional Plurinacional da Bolívia,

além de agregar novas funções, imprescindíveis para a concretização do

pluralismo jurídico e do discurso descolonial, conforme prescrição do artigo 179,

III.

Além da justiça constitucional, o Tribunal assumiu em 2009 o encargo de

responder às consultas de autoridades indígenas originárias campesinas acerca

da aplicação de suas normas a casos concretos, resolvendo também possíveis

Page 35: o novo constitucionalismo latino-americano

1910

conflitos entre as jurisdições reconhecidas constitucionalmente. Ademais, é

importante ressaltar que aplicam-se critérios de plurinacionalidade na própria

eleição dos magistrados, integrando, assim, representantes das comunidades

indígenas originárias e campesinas, que possuem ao menos duas vagas

reservadas, de acordo com o artigo 13, 2 da lei 027 de 06 de julho de 2010,

incumbida de sistematizar a organização do Tribunal. A questão da igualdade

entre os gêneros também foi debatida durante o período de reestruturação do

órgão, sendo que atualmente duas magistradas têm participação efetiva no

Tribunal.

Ainda de acordo com a lei 027/2010, o Tribunal Constitucional Plurinacional

é dividido em três salas, sendo que uma destas trata exclusivamente das

consultas propostas pelas comunidades indígenas originárias e campesinas

(BOLÍVIA, 2010, art. 32).

Além disso, há também a Secretaria Técnica de Descolonização,

diretamente vinculada à Presidência do Tribunal. Tal Secretaria, ademais de sua

formação multidisciplinar, é subdividida em Unidade de Justiça Indígena

Originária e Campesina – composta por um cientista político, um sociólogo, um

advogado constitucionalista e três especialistas em justiça indígena originária

campesina – e em Unidade de Descolonização, constituída, por sua vez, por dois

antropólogos, um sociólogo, um historiador, um advogado constitucionalista, um

linguista e um especialista em descentralização.

A equipe interdisciplinar dessa mesma unidade (a de Descolonização)

elabora relatórios técnicos relevantes e dirigidas para a instrumentalização das

intervenções do Tribunal, interpretando, com base nos direitos humanos vistos a

partir do marco da interculturalidade, as peculiaridades de cada um dos universo

nos quais se desencadeiam os conflitos em questão e, dessa forma, agindo rumo

à concretização dos novos valores políticos e jurídicos postos pela Constituição

de 2009. Nos dizeres de Rosembert Santamaría: Este relatório contribui com a decisão que o Tribunal Constitucional Plurinacional toma a respeito da matéria submetida ao seu conhecimento e, sem dúvida, avança em relação ao que o modelo jurídico conhecia até então em termos de perícia cultural. Os elementos aportados pela própria comunidade adquirem relevância em um sistema que procura

Page 36: o novo constitucionalismo latino-americano

1911

avançar à interculturalidade e não ater-se ao mero “formalismo” (SANTAMARÍA, 2015, p. 174).

Ainda segundo Santamaría (2015, p. 172-173), a proposta desenvolvida

pela Unidade de Descolonização possui, ao menos, três elementos inovadores: a)

a perícia intercultural é feita por conhecedores de vários sistemas de direito

(trabalho interdisciplinar); b) a comunidade étnica envolvida participa efetivamente

do processo e c) sua validade depende diretamente da legitimidade sociocultural

e não do método jurídico.

Por fim, importa trazer à tona o princípio de “ponderação intercultural”

desenvolvido pelo Tribunal Plurinacional e norteado pelos elementos fáticos

apresentados pelos membros das supracitadas unidades. Com base em tal

método, o Tribunal age em quatro momentos distintos: primeiro, compara os fins

almejados aos meios empregados de modo a verificar sua coerência; depois, sob

o mesmo esquema, compara a decisão emanada pela comunidade à sua

cosmovisão; logo em seguida, analisa se a decisão é harmônica com os ritos e

procedimentos tradicionalmente adotados na comunidade; e, finalmente, o

Tribunal estabelece se há proporcionalidade entre a natureza e a gravidade dos

fatos praticados e a sanção aplicada pela decisão da comunidade, bem como, a

estrita necessidade no caso de as sanções serem graves.

9 AVANÇOS E RETROCESSOS NA ATIVIDADE DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL PLURINACIONAL: ANÁLISE JURISPRUDENCIAL

Desenvolve-se, a seguir, a análise crítica de duas sentenças proferidas

pelo Tribunal Constitucional Plurinacional boliviano, uma de caráter progressista e

evidentemente descolonizado e outra de caráter conservador, que subordina a

justiça indígena originária campesina à justiça ordinária. Demonstra-se, assim,

que apesar dos importantes avanços de tal Tribunal no sentido de descolonizar a

justiça no país, sua atuação não é, e nem poderia ser, imune a críticas, uma vez

que tem se tornado, em diversas situações, instrumento de manutenção da

colonização jurídica e política, afastando-se do projeto de construção de um

Page 37: o novo constitucionalismo latino-americano

1912

Estado verdadeiramente plurinacional ao desapropriar as justiças indígenas

originárias campesinas de suas prerrogativas constitucionais.

SENTENÇA CONSTITUCIONAL PLURINACIONAL 1422/2012

Em 2012, alguns membros de uma comunidade integrante do sistema de

justiça indígena originário campesino interpuseram uma Ação de Liberdade -

prevista no artigo 125 da Constituição de 2009, é um instrumento que confere

proteção a toda e qualquer pessoa que considere sua vida ou liberdade em risco,

que considere ter sido indevidamente processada ou, ainda, que considere ter

tido seu direito ao devido processo ofendido – contra os dirigentes de tal

comunidade, situada no município de Poroma.

O contexto fático de tal situação dá-se a partir de um caso de roubo

ocorrido na localidade. Mesmo após acordo e restituição integral do dano, a

comunidade decidiu pela expulsão de toda a família do autor, que já vinha sendo

obrigada a lidar com maus tratos e discriminação.

Eles, então, alegando violação de inúmeros direitos, entre os quais o direito

à vida e à integridade física e psicológica, através inclusive da suspensão do

fornecimento de água, entraram com a referida ação. Alegou-se, também, ofensa

ao devido processo legal e que a decisão afetou, além do próprio autor, mulheres

e crianças que não haviam cometido nenhum ato sancionável.

A perícia solicitada à Unidade de Descolonização do Tribunal

Constitucional Plurinacional, acionado devido à natureza da contenda, excluiu o

argumento dos autores da ação de que o corpo social demandado não poderia

ser considerado uma organização portadora de tradições ancestrais. Para a

Unidade, a comunidade de Poroma possuía, sim, existência pré-colonial e

subsistência posterior à colonização, fundando seus rituais em sua cosmovisão,

em suas tradições e em seus elementos específicos. Além disso, a expulsão era,

também, sanção admitida aos que traíssem a comunidade motivados por

interesses pessoais ou reincidissem em faltas que afetassem a convivência

pacífica dos indivíduos, sendo tal reincidência demonstrada por meio de atas.

Assim, o Tribunal considerou inequívoca sua condição de povo indígena originário

Page 38: o novo constitucionalismo latino-americano

1913

campesino, bem como a titularidade de direitos coletivos referentes ao

desenvolvimento de seu próprio sistema jurídico.

Destarte, partiu-se para a aplicação do método da ponderação intercultural

ao caso concreto apresentado. Segundo tal mecanismo, chegou-se ao

entendimento de que a decisão da comunidade de expulsar toda a família do

autor do crime não era harmônica aos valores plurais expressos - como

igualdade, solidariedade, inclusão, bem estar comum, etc. - e que a adoção da

medida não poderia ser justificada nem mesmo à luz da preservação do interesse

coletivo.

Também percebeu-se que o julgamento, além de desproporcional e não

estritamente necessário, contradizia a cosmovisão da comunidade – que,

constatou-se por meio da perícia, implicava em devolver à ordem a desordem

causada por uma conduta não adequada – já que apenas uma das pessoas

expulsas era de fato responsável pelo acontecido.

Por fim, o Tribunal Constitucional Plurinacional entendeu ainda que a

decisão da comunidade afetava dois grupos em condição de vulnerabilidade,

mulheres e menores, determinando, dessa forma, que os atos considerados

ofensivos aos autores da ação cessassem imediatamente, devendo a sentença,

traduzida para quéchua e aymara, ser socializada com toda a comunidade de

Poroma.

Tal sentença é claro exemplo de uma atuação descolonizada por parte do

Tribunal e de seus órgãos internos, visando uma solução para o conflito

apresentado capaz de respeitar tanto os direitos coletivos da comunidade

indígena originária campesina – realizando um controle plural de

constitucionalidade e não subordinando a jurisdição indígena originária campesina

à jurisdição originária - quanto os direitos dos membros da família do autor do

crime, penalizados apesar de não terem atuado de maneira inadequada, em

cristalina interpretação dos direitos fundamentais a partir de contextos inter e

intraculturais.

DECLARAÇÃO CONSTITUCIONAL PLURINACIONAL 0043/2014

Page 39: o novo constitucionalismo latino-americano

1914

No ano de 2014, uma das autoridades da comunidade originária Portada

Corapata, representada pela então autoridade do Conselho Amawtico de Justiça,

Jach'a Kamchinak Cheqa Phoqhayirinaka, entrou com um pedido de consulta ao

Tribunal Constitucional Plurinacional a partir do seguinte contexto fático: em 2012,

uma decisão proferida pela autoridade da referida comunidade, do sistema de

justiça indígena originária campesina, decidiu pelo despejo de “usurpadores de

terras” que vinham agindo em prejuízo à harmonia comunal. Procurou-se, então,

os órgãos estatais – no presente caso, o Comando Departamental de Polícia –

para a obtenção de auxílio no cumprimento da decisão, em concordância com o

princípio da cooperação entre os diferentes sistemas de justiça.

O Comando, ignorando completamente os princípios da descolonização, da

interculturalidade, do pluralismo jurídico e do respeito aos costumes e práticas da

jurisdição indígena, exigiu a assinatura de um advogado na decisão de despejo,

além da documentação reunida durante o processo. Ou seja, subordinou a

validade do julgamento da comunidade a uma série de rigores processuais típicos

da jurisdição ordinária.

Apenas depois de cumpridas tais exigências, fixou a data para o despejo –

divergente, e posterior, ressalta-se, da fixada pela autoridade indígena. No dia

marcado, compareceu à comunidade e “escoltou” os que deveriam ser

despejados, que regressaram, logo em seguida, acompanhados por policiais e

estranhos. Utilizaram pedras e outras armas brancas para atacar inúmeros

membros da comunidade, inclusive crianças, mulheres e idosos.

Efetuou-se denúncia, por parte da comunidade, contra os agressores,

incluindo o Comando de Polícia, sendo ela recusada sob a justificativa de que a

jurisdição indígena originária campesina não era, de acordo com os âmbitos

prescritos pela Lei de Deslinde Jurisdicional, competente para proferir a decisão

de despejo.

Remeteu-se o caso, então, aos estratos locais da jurisdição ordinária, na

qual foi arquivado a pedido do Ministério Público por ausência do que foi chamado

de “impulso processual” por parte do denunciante. A comunidade, buscando a

efetivação de suas prerrogativas constitucionais sistematicamente negadas,

acionou o Tribunal Constitucional Plurinacional através de um procedimento de

Page 40: o novo constitucionalismo latino-americano

1915

consulta, no qual questionava, entre outros aspectos, qual o procedimento

necessário para a obtenção de proteção às vítimas do caso e, principalmente,

qual o sentido da existência de uma jurisdição indígena originário e campesina se

não se verificava a possibilidade de sua real efetivação, além de qual seria a

concepção de pluralismo jurídico na ordem vigente frente a tantas e tão graves

violações, inclusive institucionais.

A decisão do Tribunal chega a causar perplexidade, em especial quando

levam-se em consideração os valores político-jurídicos que deveria defender e

consumar: assinalando a necessidade de cumprimento dos requisitos

processualmente previstos para que se dê a admissão de uma consulta, recusou

a procedência de tal procedimento, pois, segundo ele, não havia, no caso

concreto, dúvida acerca da aplicação constitucionalmente válida de uma norma

originária. Dessa forma, apesar de reconhecer a prática de atos lesivos pela

polícia, opta por não tomar medida alguma – nem para punir nem para prevenir

futuras violações no mesmo sentido - além de apenas determinar a tradução e a

socialização da mesma decisão.

Fica claro, portanto, como a justiça indígena originária campesina foi

repetidamente subjugada pelas mais diversas instituições da justiça estatal, o que

dá fundamento à percepção de que todos os seus âmbitos, e não apenas o

judicial, necessitam de urgente e constante avaliação e reestruturação para que

possam efetivamente consolidar um horizonte descolonizador e plural, tão

necessário à concretização do novo modelo de Estado estabelecido pela

Constituição, evitando, portanto, a predominância do rigor processual e do estrito

tecnicismo, sólidas bases sobre as quais o juspositivismo ocidental legitima a

negação seletiva da justiça.

10 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do exposto, nota-se claramente o caráter latente de ruptura e

inovação aos últimos textos constitucionais latino-americanos sob o marco do

Novo Constitucionalismo que tem se desenvolvido na região, em especial no caso

da Bolívia, nação das mais ricas em diversidade cultural e cujas cosmovisões têm

Page 41: o novo constitucionalismo latino-americano

1916

se mantido permanentemente em luta frente ao modelo hegemônico de

incorporação e aculturação.

Tal caráter manifesta-se desde princípios e valores transformadores da

ordem jurídica vigente. Em especial o fato de que, em tal contexto e a partir da

noção de plurinacionalidade, os povos indígenas originários campesinos

abandonam o “lado invisível” da linha abissal estabelecida pelo pensamento do

mundo moderno ocidental – no qual seus saberes são negados e

sistematicamente tidos como inexistentes – não para serem apenas

“reconhecidos” ou “incorporados” pelo Estado monista, mas para se colocarem

como efetivos sujeitos de direito. Para tanto, os preceitos da interculturalidade e

da descolonização, ademais da busca pela igualdade material dos povos, tornam-

se imprescindíveis.

Contudo, a análise jurisprudencial demonstra que o processo de

concretização desses valores e princípios afasta-se do ideal e, através de uma

conflitante percepção dos avanços e retrocessos, deixa claro um conjunto de

significativas limitações, das quais surge a necessidade de encarar a nova ordem

jurídico-política boliviana, instituída pela Constituição de 2009, sob uma ótica de

formação e reavaliação contínuas.

REFERÊNCIAS

AZIBEIRO, N. E.. Educação Intercultural e Comunidades de Periferia: limiares da formação de educador@s. 2006. 338 p. Tese (Doutorado)-Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2006. Disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/89448>. Acesso em: 10 abr. 2015. CASTRO-GÓMEZ, S.. La Hybris del Punto Cero: ciencia, raza e ilustración em la Nueva Granada (1750-1816). Bogotá: Editora Pontifica Universidade Jeveriana, 2003. ______. Ciências sociais, violência epistêmica e o problema da "invenção do outro". In: LANDER, Edgardo (Org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Argentina: Colécción Sur Sur, CLACSO, set. 2005. p. 80-87. Disponível em: <http://www.geografia.fflch.usp.br/graduacao/apoio/Apoio/Apoio_Tonico/2s2012/Texto_1.pdf>. Acesso em: 11/04/2015.

Page 42: o novo constitucionalismo latino-americano

1917

DUSSEL, E.. Beyond the Eurocentrism. The Word-system and the Limits of Modernity. In: JAMESON, Frederic; MYOSHI, Masao (Orgs.). The Cultures of Globalization. Durham, NC: Duke Univerity Press, 1998, p. 3-31. FORNET-BETANCOURT, R.. Questões de Método para uma Filosofia Intercultural a partir da Ibero-América. São Leopoldo: UNISINOS, 1994. GROSFOGUEL, R.. Para descolonizar os estudos de economia política e os estudos pós-coloniais: transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade global. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (Org.). Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010. Cap. 13. p. 455-491. GUZMÁN, B. R.. Colonialidade, Interculturalidade e Educação: Desdobramentos na Relação do povo Mapuche e o Estado do Chile. 2011. Dissertação (Mestrado em Educação)-Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2011. Disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/94931 >. Acesso em: 15 dez. 2013. PISARELLO, G.. Procesos Constituyentes: Caminos para la ruptura democrática. Madrid, Espanha: Trotta, 2014 QUIJANO, A.. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo (Org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Argentina: Colección Sur Sur, CLACSO, set. 2005. Disponível em: <http://www.geografia.fflch.usp.br/graduacao/apoio/Apoio/Apoio_Tonico/2s2012/Texto_1.pdf>. Acesso em: 11/04/2015. ______. Colonialidade do poder e classificação social. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010. Cap. 2. p. 84-130. SANTAMARÍA, R. A.. Descolonização jurídica nos Andes. In: WOLKMER, Antonio Carlos; LIXA, Ivone Fernandes M. (Org.). Constitucionalismo, descolonização e pluralismo jurídico na América Latina. Aguascalientes: CENEJUS/Florianópolis: UFSC-NEPE. 2015. p. 165-179 SAID, E. W. Cultura e Imperialismo. São Paulo: Companhia de Bolso, 2011. SANTOS, B. de S.. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010. Cap. 1. p. 31-83. VIEIRA, F. do A.. Diálogo Intercultural no Novo Constitucionalismo Latino-Americano. In: WOLKMER, Antonio Carlos; LIXA, Ivone Fernandes M. (Orgs.).Constitucionalismo, Descolonización y Pluralismo Jurídico en América Latina. Aguascalientes/Florianópolis: Cenejus/UFSC-NEPE, 2015. p.

Page 43: o novo constitucionalismo latino-americano

1918

233-244. Disponível em: <http://antoniocarloswolkmer.blogspot.com.br/2015/02/livro-constitucionalismo-descolonizacao.html>. Acesso em: 10 abr. 2015. Documentos Consultados BOLÍVIA. Constitución Política del Estado Plurinacional de Bolivia. 2008-2009. Disponível em: <http://www.tcpbolivia.bo/tcp/sites/all/modulostcp/leyes/cpe/cpe.pdf >. Acesso em: 14 jan. 2014. BOLÍVIA. Assembleia Legislativa Plurinacional. Ley nº 027, de 06 de julho de 2010. Ley del Tribunal Constitucional Plurinacional. La Paz, 2010. Disponível em: <http://www.cedib.org/post_type_leyes/ley-026-regimen-electoral-30-de-junio-2010/>. Acesso em 14 jan. 2014. ______. Tribunal Constitucional Plurinacional. Ação de Liberdade. Autor: Balvino Huanca Alavi (e família). Demandado: Juan José Cruz Pérez e Apolinar Cayo. Relatora: Dra. Ligia Mónica Velásquez Castaños. Sentencia Constitucional Plurinacional 1422/2012. Sentencia Fundadora. Sucre, 24 de set. 2012. Disponível em: <http://ajurisprudencia.tcpbolivia.bo/jurisprudencia/envio/indexcontenido.php>. Acesso em 19 jan. 2015. ______. Tribunal Constitucional Plurinacional. Declaração Constitucional Plurinacional 0043/2014. Consulta de autoridade Indígena Originário Campesina. Consulente: Consejo Amawtico de Justicia (Jach'a Kamchinak Cheqa Phoqhayirinaka). Relator: Dr. Juan Oswaldo Valencia Alvarado. Sucre, 1 de ago. 2014. Disponível em: <http://tcpbolivia.bo/ >. Acesso em 14 jan. 2015.

Page 44: o novo constitucionalismo latino-americano

1919

O NOVO CONSTITUCIONALISMO DA AMÉRICA LATINA, DIREITOS DOS ANIMAIS NÃO-HUMANOS E A ÉTICA DO BEM VIVER

Taysa Schiocchet,9

Daniel Agostini, 10

RESUMO: Deixando de lado discussões doutrinárias sobre a emergência ou mesmo (in)existência de um neoconstitucionalismo, não se pode furtar à constatação de que, após as guerras mundiais, o constitucionalismo sofreu uma grande transformação em diversos países e, em especial nos países latinos americanos, após os períodos ditatoriais, transcendeu-se dos parâmetros vistos na Europa e América do Norte, para atingir níveis elevados de ecologia. A priorização do indivíduo e sua dignidade enquanto fundamento do Estado, em países como o Brasil (1988) e a Colômbia (1991), somada à comunhão deste indivíduo com e na vida, como visto no Equador (2008) e na Bolívia (2009), é uma característica totalmente inovadora do constitucionalismo latino americano no contexto global, que apresenta uma ruptura com a cultura pré-guerras e apresenta um ethos fortemente direcionado à fraternidade e multiculturalidade, como expressão de uma visão para além do antropocentrismo, cujo ícone maior é a deidade andina Pachamama, mas que não chega a atingir o nível mais alto de proteção animal, que é tê-los como sujeitos-de-uma-vida. PALAVRAS CHAVES: Novo Constitucionalismo. Direito dos Animais. Ética Biocêntrica. Pachamama

1 INTRODUÇÃO

Deixando de lado discussões doutrinárias sobre a emergência ou mesmo

(in)existência de um neoconstitucionalismo11, não se pode furtar à constatação de

9 Doutora em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), com estudos doutorais na

Université Paris I – Panthéon Sorbonne e na FLACSO, Buenos Aires. Pós-doutora pela Universidad Autónoma de Madrid (UAM), Espanha. Professora do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Líder do Grupo de Pesquisa |BioTecJus| - Estudos Avançados em Direito, Tecnociência e Política.

10 Mestrando em Direito Público – UNISINOS - Bolsista CAPES/CNPQ/PROEX.11 À propósito da discussão sobre a (in)existência de um neoconstitucionalismo, veja-se, por

exemplo: HIRSCHL, Ran. The New Constitution and the Judicialization of Pure Politics Worldwide. Fordham L. Rev. Vol. 75, n. 2, p. 721, 2006. Disponível em: http://ir.lawnet.fordham.edu/flr/vol75/iss2/14. Acesso em 8 de Abr 2015; STRECK, Lênio Luiz. Contra o neoconstitucionalismo. Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista da

Page 45: o novo constitucionalismo latino-americano

1920

que, após as guerras mundiais - e num interstício imediatamente seguinte, onde

se inclui a Guerra Fria -, o constitucionalismo sofreu uma grande transformação

em diversos países. As atrocidades cometidas durante as guerras mundiais, a

violência e dizimação de milhares e milhares de pessoas, não só mostraram a

tênue linha que separa a vida da morte, como atenuaram a linha que separa o

bem do mal, e a liberdade dos seres humanos da sua subjugação.

Isso se aplica ao período histórico de ditaduras da América Latina –

período que se seguiu às grandes guerras -, e que estão inseridas no contexto da

Guerra Fria, como, por exemplo, na Argentina (1962 e 1966), Brasil (1964),

Bolívia (1964), Peru (1968), Chile (1973), Equador (1972), entre outros. Nesse

período, quase todas as Constituições, conforme seus preâmbulos ou artigos

iniciais, vieram pelo povo e para o povo e elencaram a dignidade humana como

fundamento primeiro desse novo modelo de Estado, na tentativa, dentre outras

coisas, de evitar a repetição das mesmas atrocidades12.

Nessa conjuntura apresentada pelo constitucionalismo latinoamericano, um

elemento que nos interessa analisar nesse texto é quais os contornos da proteção

da natureza e animais não humanos. Da análise das Constituições latinas, é

possível perceber que se transcendeu os parâmetros vistos na Europa e América

do Norte, para se atingir níveis mais elevados de proteção ecológica. Além dos

países, como o Brasil (1988) e a Colômbia (1991), cuja proteção da dignidade

humana, enquanto fundamento do Estado, reina solitariamente no texto

constitucional. Em outros países como o Equador (2008) e a Bolívia (2009),

Academia Brasileira de Direito Constitucional. Curitiba, 2011, n. 4, Jan-Jun. p. 9-27 (e na obra Verdade e Consenso, São Paulo: Saraiva, 2014, p. 47); BARBERIS, Mauro. Neoconstitucionalismo. Revista Brasileira de Direito Constitucional. Vol. 1, n. 7, p. 18, Jan/Jun, 2006. Disponível em: http://www.esdc.com.br/RBDC/RBDC-07/revista07-vol1.pdf. Acesso em: 08 de Abr. 2015; POZZOLO, Susanna. Neoconstitucionalismo: um modelo constitucional ou uma concepção da constituição? Revista Brasileira de Direito Constitucional. Vol. 1, n. 7, p. 231, Jan/Jun, 2006. Disponível em: http://www.esdc.com.br/RBDC/RBDC-07/revista07-vol1.pdf. Acesso em 08 de Abr. 2015.

12 Veja-se, por exemplo: Constituição da República do Brasil de 1988: “Nós, representantes do povo brasileiro[...]” (preâmbulo), “a República se funda na dignidade da pessoa humana” (art. 1º) e “o poder emana do povo” (art.1º, parágrafo único); Constituição da Colômbia de 1991: “El pueblo de Colombia, en ejercicio de su poder soberano” (preâmbulo), “fundada en el respeto de la dignidad humana” (art. 1º); Constituição da Bolívia de 2009: “El pueblo boliviano, de composición plural, desde la profundidad de la historia, inspirado en las luchas del pasado [...] construimos un nuevo Estado[...] Un Estado basado en el respeto e igualdad entre todos, con principios de soberanía, dignidad[...]” (preâmbulo).

Page 46: o novo constitucionalismo latino-americano

1921

somou-se a esta dignidade a perspectiva de comunhão deste indivíduo com e na

vida, protegendo-se a natureza de maneira muito peculiar e, diríamos, inovadora.

Essas características mostram uma ruptura com a cultura pré-guerras e

apresentam um ethos direcionado à fraternidade, solidariedade e, em especial no

Equador e na Bolívia, demonstram amplo respeito pela tradição e pela

multiculturalidade, além de uma visão para além do antropocentrismo, cujo ícone

maior é a deidade andina Pachamama referida na “Nueva Constitución Política

Del Estado Boliviano”.

A análise das novas constituições latino-americanas – em especial o

contraponto entre as constituições sucedidas e as novas promulgadas em cada

país aqui eleito - demonstra que o texto constitucional transcende pretensões

meramente organizativas do aparelho estatal, função tradicional do Direito

Constitucional. Ultrapassam a doutrina do check balances e das garantias

individuais do cidadão em face do Estado Liberal (liberdade negativa) ou de

exigências de liberdades positivas do Estado Social (Welfare states). Para além

de novos arranjos teóricos, substituição de palavras e reorganização de tópicos,

as novas constituições latino-americanas apresentam, precipuamente, o re-

escalonamento de valores éticos. No interior do debate sobre o constitucionalismo

lationamericano tem-se, ainda que de modo menos aparente, o despontamento e

a proeminência da temática ambiental e dos Direitos dos Animais. Pugna-se pelo

respeito às diferenças culturais e pelos direitos da natureza, incluindo, aí, a

proteção à vida dos animais não humanos.

Tal preocupação é antevista, ainda que parcialmente, na proibição de

maus-tratos aos animais (Constituição do Brasil de 1988, art. 225, §1º, inc. VII);

no direito a um ambiente saudável e íntegro com ecossistemas protegidos

(Constituição da Colômbia de 1991, arts. 79 e 80); e na proteção de todas as

espécies vivas (Constituição da Venezuela de 1999, art. 127). Essas temáticas

sobrelevam-se no direito de cada comuna, comunidade, povo, ou nacionalidade

indígena, de recuperar, manter e proteger suas plantas, animais, minerais, dentro

de cada território (Constituição do Equador de 2008, art. 57) e na criação, na

Bolívia, de um Tribunal Agroambiental, com competência para julgar práticas que

Page 47: o novo constitucionalismo latino-americano

1922

ponham em perigo o sistema ecológico, a proteção e conservação de espécies ou

animais (Constituição da Bolívia de 2009, art. 189, entre outros).

A partir de uma abordagem dialética e procedimento monográfico, o texto

foi estruturado em três partes. A primeira delas analisa a doutrina clássica do

Direito dos Animais, enfatizando-se suas bases epistemológicas e legitimadoras,

portanto, da proteção almejada por este ramo do direito. Em seguida, o texto

aponta essa discussão para o contexto do “novo” constitucionalismo na América

Latina, mediante a revisão bibliográfica de doutrina abalizada sobre o tema, e

mediante a apresentação dos textos constitucionais do Brasil, Colômbia,

Venezuela, Equador e Bolívia, os quais representam 52% da população da

América Latina13.

Por fim, as Constituições atuais desses países são analisadas sob três

perspectivas: alterações substanciais entre as Constituições revogadas e as

Constituições paradigmas; alterações e previsões ambientais; e alterações e

previsões relativas aos animais de forma estrita, tudo para ao final extrair-se as

conclusões que se entendeu pertinentes.

2 DIREITO DOS ANIMAIS: ELEMENTOS DE UM PERCURSO DE

RECONHECIMENTO E PROTEÇÃO

A temática do Direito dos animais não é recente, além disso, o material

bibliográfico é bastante vasto, o que dificulta a atividade do pesquisador que

pretende apresentar, em pouca páginas, alguns elementos fundamentais desse

percurso doutrinário e legal de proteção. Eis o desafio.

Peter Singer nomeia como obra de maior impacto na temática dos Direitos

dos Animais o livro Animal Machines, de Ruth Harrison, de 196414, embora cite o

livro Animal’s Rights, de Henry Salt, de 1892, como o mais antigo. Outro autor de

destaque na temática do direito dos animais, Kim Stallwood15, cita como a obra

13 Censo disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Am%C3%A9rica_Latina. Acesso 9 Abr 2015. 14 SINGER, Peter. Libertação Animal. Tradução de Marly Winckler; ervisão técnica Rita Paizão.

Ed. rev. Porto Alegre, São Paulo: Lugano, 2004, págs IV e X. 15 Kim Stallwood tem dupla cidadania, Americana e Inglesa, sendo advogado, pesquisador

autônomo, escritor sobre a temática, e consultor independente especialista em estratégia,

Page 48: o novo constitucionalismo latino-americano

1923

mais velha sobre o tema o panfleto The Slaughter of Animals for Food, de John

Galsworthy, de 1916, mas também enaltece a obra de Ruth Harrison como a mais

impactante à época.

Na contemporaneidade, tem-se como destaque na preocupação com os

animais essa obra de Ruth Harrison, e as obras de Peter Singer (Animal

Liberation, 1975) e de Tom Regan (The Case of Animal Rights, 1983), porque

marcos inspiradores e proliferadores do pensamento de defesa dos animais no

Ocidente. Embora essas possam ser obras principais e de destaque, é certo que

a literatura e doutrina em favor dos animais remontam há tempos, talvez,

imemoriais, senão, ao menos, há anos bem anteriores às obras acima referidas,

como uma obra de 1847, que se verá a seguir.

Na defesa dos animais em si, há diversas correntes, cada qual com seu

método e sua ideologia, mas, de forma geral e sintética, percebe-se que há quatro

principais fundamentos ou pressupostos epistemológicos para a defesa e

promoção desses direitos. O primeiro deles é a Regra de Ouro, no sentido de que

o trato que um ser humano dispensa aos animais deve estar ligado diretamente

ao trato que este ser humano dispensa a outro ser humano.

2.1 O trato do humano com outros humanos

“A plea for the horse” podia ser um apelo aos bons tratos dos cavalos

crioulos que embelezam as paisagens dos pampas gaúchos às encostas dos

Alpes andinos, mas não é. No caso, é um apelo feito por John H. Dexter, em

Boston, Estados Unidos, no ano de 184716, chamando a atenção para o fato de

que a caridade humana pode, e deve, ser exercida não só para outros seres

comunicação e obtenção de fundos para organizações de bem estar animal, vegetarianismo e veganismo, fundador e participante de diversas ONG’s de defesa dos animais. http://www.kimstallwood.com.

16 “A plea for the horse, in a few remarks and suggestions upon his treatment and management”, de John H. Dexter, de 1847, Boston/EUA, do portal The European Library (http://www.theeuropeanlibrary.org), que agrega 48 bibliotecas nacionais da Europa, incluindo centros de pesquisas, e cujas obras podem ser consultadas em inteiro teor, seja digitalizadas, seja em formatos digitais de texto. Disponível em http://biodiversitylibrary.org/page/16461387. Acesso em 06 de Agos 2014.

Page 49: o novo constitucionalismo latino-americano

1924

humanos, mas também para outras criaturas, como aquelas que são mais

indefesas que nós.

O manifesto de Jonh parece bem representar um sentimento peculiar a

diversos seres humanos: o de que o trato que um ser humano dispensa aos

animais é idêntico ao trato que ele dispensa a quaisquer outros seres humanos.

Tal ideia se aproxima da Regra de Ouro17, de feições atemporais, que atravessa

culturas, propósitos e lutas, com brocardos que apelam à alteridade, no sentido

de somente fazer aos outros, quer sejam pessoas, quer sejam animais, aquilo que

se gostaria que se fizesse a si próprio.

Esse “Princípio de Reciprocidade” - se pudéssemos chamar assim, na

esteira do que se chama “Ética da Reciprocidade” -, também foi usado por Harry

Hieover18, um contemporâneo de Jonh, mas residente em Londres, no Reino

Unido, num ensaio dirigido ao Duque Beaufort, enaltecendo todas as

virtuosidades dos animais. Hieover manifestou-se especialmente quanto aos

cavalos e aos contributos deles ao trabalho e economia humanas, à diversão, ao

esporte, e à guerra, ou seja, à tudo que representa dinheiro, e por isso, aduziu

que, se fôssemos cientes do bem que esses animais nos fazem, lhes dirigiríamos

humanidade, como dirigimos a outros seres humanos.

À propósito do apelo de Harry Hieover, recentemente, o governo britânico

entregou uma medalha póstuma de heroísmo a um cavalo, por sua contribuição

na I Guerra Mundial (1914-1918). A "Cruz Vitória", premiação que honra os

animais utilizados nas forças armadas britânicas, foi recebida pelo neto do dono

do eqüino durante uma cerimônia do Museu Imperial de Guerra em Londres.

Warrior, ou “o cavalo que os alemães não conseguiram matar", como também é

conhecido, serviu na frente de batalha durante os quatro anos do conflito, e

sobreviveu a ataques aéreos e a bombas.

17 Vide “O conto do camponês eloqüente, Egito, 1970 – 1640aC”; Sócrates, na Grécia, século 5aC;

Confucionismo; Budismo; Taoísmo; Hinduísmo; Judaísmo; Islamismo; Judaísmo; Cristianismo, Jesus Cristo, na Bíblia, em Mateus, Capítulo 22, e Marcos, Capítulo 12, do século 1 dC); Fonte: British Humanist Association. London, www.humanism.org.uk, texto completo disponível em http://humanismforschools.org.uk/wp-content/uploads/2014/03/GoldenRule-poster_WEB2014-Final.pdf, Acesso em: 04 Set 2014. Tradução livre.

18 “Bipeds and Quadrupdes”, de Harry Hieover, de 1853, disponível em http://biodiversitylibrary.org/page/25264471. Acesso em 06 de Agos 2014.

Page 50: o novo constitucionalismo latino-americano

1925

Segundo o governo britânico, o animal foi um "verdadeiro sobrevivente" e

sua história mostra "o papel vital dos milhares de animais na I Grande Guerra”.

Outros 66 animais já receberam essa menção honrosa do Governo Britânico,

entre eles, 32 pombas, 29 cachorros, 4 cavalos e 1 gato19.

Como se vê, o Princípio da Reciprocidade é amplo, abarcando os animais

não-humanos, e influindo, pois, na temática do Direito dos Animais. Tom Regan20

refere que Mahatma Gandhi teria dito que “a grandiosidade de uma nação e o seu

progresso moral podem ser medidos pela forma com que seus animais são

tratados”, e a Declaração Universal dos Direitos dos Animais21 de 23 de Setembro

de 1977 dispõe expressamente em seus considerandos que “o respeito aos

animais pelos homens está ligado ao respeito dos homens entre eles mesmos”.

2.2 Doutrinas utilitaristas

Um segundo fundamento na defesa dos animais, tido como doutrina

utilitarista, diz que tratar mal os mesmos é especismo (Singer), assim como

racismo, sexismo, xenofobismo e outros “ismos”, e decorre de uma visão estreita

do ser humano como centro do universo (antropocentrismo), já derrocada de há

muito por Galileu e Darwin. Esse viés epistemológico entende que a ampliação da

fronteira da consciência moral segue níveis escalonados em relação à

transcendência do sujeito.

Nessa perspectiva, pensar-se conscientemente somente em si (no “Eu”)

seria egoísmo, o que, normalmente, consegue-se vencer/ultrapassar, dado que o

indivíduo, já nos primeiros anos de vida, pensa em sua família, em seus amigos e

19 Notícia disponível em http://noticias.bol.uol.com.br/ultimas-

noticias/internacional/2014/09/04/cavalo-recebe-medalha-por-combater-na-i-guerra-mundial.htm. Acesso em: 07 de Set 2014.

20 REGAN, Tom. Jaulas Vazias: encarando o desafio dos direitos dos animais. Tradução Regina Rhena. Porto Alegre: Lugano, 2006, prefácio.

21 Declaração Universal dos Direitos dos Animais de 23 de Setembro de 1977, disponível em http://www.filosofia.org/cod/c1977ani.htm. Acesso em: 04 de Set 2014.

Page 51: o novo constitucionalismo latino-americano

1926

em algumas outras pessoas22; mas, pensar só na sua família seria algo como um

narcisismo um pouco mais ampliado, ou um “exclusivismo”.

A doutrina prega a ampliação do foco consciencioso do indivíduo para a

atenção a outros espécimes da mesma espécie, ou seja, pugna-se por sair do

egoísmo, considerando-se a alteridade do outro; sair-se do narcisismo familiar,

considerando-se a alteridade e valor das outras famílias (outras pessoas, como

amigos, vizinhos); sair-se do sexismo, considerando-se o valor aos outros sexos

que não o seu; sair-se do racismo, aceitando outras raças que não a sua; sair-se

do elitismo, dando valor para outras classes sociais; sair-se do nacionalismo,

dando valor para outras nações; e sair-se do especismo, dando valor para outras

espécies que não a sua, ou seja, dando-se valor aos animais não-humanos.

Nesse sentido, Para evitar o especismo, temos que admitir que seres semelhantes, em todos os aspectos relevantes, tenham direito semelhante à vida. O fato de um ser pertencer à nossa espécie biológica não pode constituir um critério moralmente relevante para que ele tenha esse direito. Dentro desses limites, ainda poderíamos sustentar, por exemplo, que é pior matar um ser humano adulto normal, com capacidade de autoconsciência, de planejar o futuro e de manter relações significativas com os outros do que matar um camundongo que, presumivelmente, não compartilha todas essas características23.

Assim, embora Peter Singer reconheça a consciência e senciência dos

animais, foca no pressuposto epistemológico especismo, e admite, pelo

utilitarismo de Jeremy Bentham, que se use os animais de acordo com suas

circunstâncias e interesses envolvidos.

2.3 Consciência, dor e prazer

Outro pressuposto epistemológico da proteção aos animais, parte da noção

de que os animais possuem consciência e senciência identicamente aos seres

humanos, embora em graus menores, e que variam para cada espécie.

22 NACONECY, Carlos Michelon. Ética & Animais: um guia de argumentação filosófica. Porto

Alegre: Edipucrs, 2006, pág. 71, aqui usado de forma indireta no parágrafo anterior e nos seguintes, sobre especismo e sua superação em esferas de amplitude cada vez maior (vide livro e página citada).

23 SINGER, Peter. Libertação Animal. Tadução de Marly Winckler e Marcelo Brandão Cipolla; revisão técnica Rita Paixão. Editora WMF Martins Fontes: São Paulo, 2013, p. 30.

Page 52: o novo constitucionalismo latino-americano

1927

A senciência é a capacidade de sentir dor. Se há essa capacidade, por

raciocínio inverso, conclui-se que há a capacidade de sentir prazer por uma

situação e, mais longe ainda, conclui-se que há um interesse deste “ser” em

afugentar a dor e buscar o prazer, como os humanos fazem. Vários animais são

capazes de estados psicofísicos como os humanos (consciência e senciência) o

que, hodiernamente, já é cientificamente reconhecido através da Declaração de

Cambridge sobre a Consciência em Animais Humanos e Não Humanos24.

No dia 7 de Julho de 2012, um eminente grupo internacional de cientistas

(neurologistas, neurofarmacologistas, neurofisiologistas, neuroanatomologistas,

cientistas de computação e cognitivos), reuniu-se na Universidade de Cambridge

para discutir sobre os substratos neurobiológicos da experiência consciente e os

comportamentos relacionados a essa experiência em animais humanos e não-

humanos. Chegaram ao consenso de que, na estimulação emocional, há

identidade entre as redes neurais dos animais humanos e não-humanos, que se

percebe em testes como no uso de alucinógenos, sono, auto-reconhecimento no

espelho, seja em aves, golfinhos, ou símios e até polvos, testes onde se vê que

as reações, tanto das redes neurais medidas, quanto das manifestações físicas,

quanto dos afetos, são idênticas entre os humanos e os não-humanos.

Os cientistas concluíram que os circuitos neurais que suportam estados

comportamental-eletrofisiológicos de atenção, sono, e tomada de decisão em

humanos parecem ter surgido evolutivamente ainda na radiação dos

invertebrados, sendo evidentes em insetos e polvo, e perceberam que algumas

aves apresentam comportamento, neurofisiologia e neuroanatomia num caso

notável de evolução paralela da consciência, inclusive com evidências de níveis

de consciência quase humanos em papagaios-cinzentos africanos.

Por fim, na célebre reunião, os especialistas declararam ter evidências de

que as sensações emocionais de animais humanos e não-humanos surgem a

24 Declaração de Cambridge sobre a Consciência em Animais Humanos e Não Humanos,

escrita por Philip Low e editada por Jaak Panksepp, Diana Reiss, David Edelman, Bruno Van Swinderen, Philip Low e Christof Koch, publicada em 07/07/2012, na sala Balfour do Hotel du Vin, em Cambridge, e está disponível em http://fcmconference.org/). Acesso em 05 de Set 2014, s 17h03. Tradução obtida da Revista eletrônica IHU no endereço http://www.ihu.unisinos.br/noticias/511936-declaracao-de-cambridge-sobre-a-consciencia-em-animais-humanos-e-nao-humanos.

Page 53: o novo constitucionalismo latino-americano

1928

partir de redes cerebrais subcorticais homólogas, o que fornece provas

convincentes de uma mesma qualidade afetiva primitiva evolutivamente

compartilhada, assinando que: A ausência de um neocórtex não parece impedir que um organismo experimente estados afetivos. Evidências convergentes indicam que animais não humanos têm os substratos neuroanatômicos, neuroquímicos e neurofisiológicos de estados de consciência juntamente como a capacidade de exibir comportamentos intencionais. Conseqüentemente, o peso das evidências indica que os humanos não são os únicos a possuir os substratos neurológicos que geram a consciência. Animais não humanos, incluindo todos os mamíferos e as aves, e muitas outras criaturas, incluindo polvos, também possuem esses substratos neurológicos25.

É nesse sentido que, para a doutrina de proteção e defesa do direito dos

animais, os estados de consciência e senciência constituem uma condição

suficiente para a posse de um valor inerente em si (dignidade) e,

conseqüentemente, elevariam os animais à condição de serem respeitados como

possuidores de direitos. Esta última linha de entendimento está intimamente

ligada ao especismo, porque propugna os animais como loci de valor,

considerando-os, não como agentes morais (de fazerem afirmações morais), mas

como moralmente aceitável que se lhes preserve a vida.

A senciência também seria um pré-requisito para se ter interesses, o que

significa dizer que o senciente se importa com o que lhe acontece (afasta a dor e

busca o prazer), motivo pelo qual seríamos moralmente obrigados a calcular os

danos (custos) e benefícios de nossas ações conjuntamente com os interesses

desses animais (seu bem-estar), onde se encontra o utilitarismo bem-estarista de

Peter Singer (que também evoca o especismo) como doutrina em defesa dos

animais não humanos.

2.4 O abolicionismo de Tom Regan

25 Declaração de Cambridge sobre a Consciência em Animais Humanos e Não Humanos,

escrita por Philip Low e editada por Jaak Panksepp, Diana Reiss, David Edelman, Bruno Van Swinderen, Philip Low e Christof Koch, publicada em 07/07/2012, na sala Balfour do Hotel du Vin, em Cambridge, e está disponível em http://fcmconference.org/). Acesso em 05 de Set 2014, s 17h03. Tradução obtida da Revista eletrônica IHU no endereço http://www.ihu.unisinos.br/noticias/511936-declaracao-de-cambridge-sobre-a-consciencia-em-animais-humanos-e-nao-humanos.

Page 54: o novo constitucionalismo latino-americano

1929

Por fim, adotando como fundamento os pressupostos de alteridade no trato

com outros humanos e a constatação de consciência e senciência dos animais,

tem-se a ideia de que se deve priorizar a vida dos animais em si porque, para

eles, eles são sujeitos-de-uma-vida: eles são sujeitos de si; há uma linguagem

deles; há um interesse deles na vida deles; há afeto, família, comunidade e

interesses deles; tudo neles seria igual aos humanos (e se bem que de forma

menos complexa), embora nem sempre se consiga compreender tal condição -

assim como, seguidamente, não compreendemos outras culturas/línguas

propriamente humanas também, e que nem por isso deixam de ser humanas.

Conjugando os vários pressupostos epistemológicos, como o de que o trato

do homem com os animais reflete(iria) o trato desse homem com os outros

homens; de que os animais possuem consciência e senciência como os

humanos; a doutrina abolicionista prega a completa abolição de seu uso.

Para Regan26, a doutrina bem-estarista de defesa dos animais, ao visar um

tratamento mais “humanitário”, algo como uma “guarda responsável dos animais

não-humanos”, acaba por viabilizar a continuidade da exploração animal,

utilizados irrestritamente para os seus projetos econômicos. Daí porque a

necessidade do acerto abolicionista. Como assinala Sônia T. Felipe, Quando compreendi que os animais são indivíduos singulares e vulneráveis ao mal que lhes podemos fazer, abdiquei da minha condição de matadora e passei à de defensora deles, pela mesma razão pela qual defendo direitos humanos fundamentais para todos os indivíduos da espécie animal na qual me foi dado nascer. Revogo a posição antropocêntrica especista que diz que os humanos estão no topo de uma hierarquia, acima de todos os seres vivos e, por isso, podem fazer aos animais e aos ecossistemas o que bem entendem. E o faço por não reconhecer hierarquia alguma nas espécies de vida terráqueas, apenas suas diferentes linguagens, não passíveis ainda de tradução com as palavras que constituem a nossa linguagem. Aqui, nesta nave Terra, que segue silenciosamente a viagem interplanetária e interestelar, não há seres superiores nem seres inferiores. Há, apenas, seres configurados em seus corpos com design varados, múltiplos. A igualdade dos animais não deve ser averiguada na aparência exterior de seus organismos. A igualdade, buscada por uma ética sem kakothymía, não está desenhada na matéria. Se assim fosse, já não poderíamos nos dizer iguais, porque não há sequer dois organismos humanos iguais. O que dizer, então, de duas mentes animais iguais? Conforme bem o expressam Tom Regan e Paul W. Taylor, a igualdade de todos os animais sencientes dá-se por uma condição de vulnerabilidade e singularidade, indissociável do fato

26 REGAN, Tom. Jaulas Vazias: encarando o desafio dos direitos dos animais. Tradução Regina

Rhena. Porto Alegre: Lugano, 2006.

Page 55: o novo constitucionalismo latino-americano

1930

de todos estarmos em vida nas mesmas condições, carentes de luz e de calor, para nos mantermos em bom estado, aquele no qual nosso bem próprio é alcançado por nós, não atrofiado pelas imposições alheias27.

Naconecy28 cita outras diversas doutrinas de defesa dos direitos dos

animais, mas que, crê-se, estão aqui representadas, eis que possuem como pano

de fundo um ou alguns desses pressupostos epistemológicos.

Em face dessas bases epistemológicas da doutrina de proteção dos

animais, qual a realidade encontrada hoje na América Latina em relação ao trato

dispensado aos animais não-humanos? Para responder a essa pergunta é

necessário compreender melhor o constitucionalismo na América Latina.

3. UM NOVO CONSTITUCIONALISMO NA AMÉRICA LATINA?

3.1 As mudanças sociais e os novos arranjos

Em relação à formatação dos Estados-nação, a crise desencadeada pelas

guerras mundiais - e que coincidiu com as crises dos chamados Estados Liberais

e Estados Sociais - foi marcada pelo surgimento de constituições fundantes de

Estados-nação com feições democráticas: o surgimento dos Estados

Democráticos de Direito. Nestes modelos democráticos, prevalece o

protagonismo das diversas forças sociais contidas nos Estados, por via dos

fenômenos como a participação popular legislativa; ampliação da

interculturalidade com o respeito à individualidade e diversidade (étnica, racial,

sexual, cultural); a fixação de direitos sociais e patrimônios comuns de todos; e

amplo acesso jurisdicional e judicialização da política29.

27 FELIPE, Sônia T. Acertos abolicionistas: a vez dos animais: crítica à moralidade especista.

São José/SC: Ecoânima, 2014, p. 18. 28 Veja-se, por exemplo, a Doutrina de Ryder [ que, grosso modo, dá ênfase ao sofrimento como

dito pelo utilitarismo, aliado à individualidade encontrada na teoria dos direitos]; os Deveres de Paul Taylor [os deveres são: - não-maleficência; não-interferência; fidelidade; entre outros]; e a Alteridade de Emmanuel Lévinas [onde a alteridade do outro se dá por si mesma, sempre num mistério indecifrável, que como tal deve ser respeitado, mais do que como mero objeto, como propriamente um sujeito] (NACONECY, Carlos Michelon. Ética & Animais: um guia de argumentação filosófica. Porto Alegre: Edipucrs, 2006, pág. 190, 197 e ss).

29 WOLKMER, Antônio Carlos; MELO, Milena Petters. Constitucionalismo Latino-Americano: tendências contemporâneas. Curitiba: Juruá, 2013; e HIRSCHL, Ran. The New Constitution and the Judicialization of Pure Politics Worldwide, 75 Fordham L. Rev. 721 (2006). Disponível em: http://ir.lawnet.fordham.edu/flr/vol75/iss2/14, Acesso em 31 de Jul 2014.

Page 56: o novo constitucionalismo latino-americano

1931

A questão primordial é que, diante das atrocidades ocorridas nas guerras

mundiais, e das rupturas democráticas na América Latina, os indivíduos,

enquanto sociedade civil organizada, clamaram por novos arranjos institucionais e

paradigmas éticos, visando uma maior fraternidade, participação ativa no âmbito

político e emancipação pessoal e cultural – de todas as culturas, especialmente

coloniais e indígenas – e que se extrai da literalidade dos textos constitucionais, e

da sua natureza analítica, com pretensão de expressar claramente os direitos em

diversas matérias (constitucionalização).

É esse fenômeno que, com Wolkmer, entende-se por Novo

Constitucionalismo ou Constitucionalismo Latino-Americano, e que: O constitucionalismo moderno, tradicional, de teor político-liberal e de matriz eurocêntrica não é mais integralmente satisfatório, pois, na advertência do advogado indígena boliviano Idón M. Chivi, tem sido historicamente insuficiente para explicar sociedade colonizadas; não teve clareza suficiente para explicar a ruptura com as metrópoles européias e a continuidade de relações tipicamente coloniais em suas respectivas sociedade ao longo dos séculos XIX, XX e parte do XXI. Tem em conta essa preocupação é que se introduz e ganha força a proposta de um novo constitucionalismo – denominado por alguns de constitucionalismo andino, plurinacional ou transformador -, que começa a gestar-se nos países latino-americanos, diante das mudanças políticas, dos novos processos constituintes, dos direitos relacionados aos bens comuns da cultura e da natureza, e das relações paradigmáticas entre o Estado e as populações originárias30.

Na América Latina, foram marcos desse fenômeno, numa primeira etapa, a

Constituição do Brasil de 1988 (Constituição Cidadã) e a Constituição Colombiana

de 1991; numa segunda etapa, a Constituição da Venezuela (1999); e, por fim,

representando o ápice, as constituições do Equador (2008) e da Bolívia (2009)31.

Nesses movimentos, enquanto pontos comuns, Parece evidente que as mudanças políticas e os novos processos sociais de luta nos Estados latino-americanos engendram não só novas constituições que materializam novos atores sociais, realidades plurais e práticas biocêntricas desafiadoras, mas igualmente, propõem diante da diversidade de culturas minoritárias, da força inconteste dos povos indígenas do Continente, de políticas de desenvolvimento sustentável e da proteção de bens comuns naturais um novo paradigma de constitucionalismo, o que poderia denominar-se de constitucionalismo pluralista e intercultural – síntese de um constitucionalismo indígena, autóctone e mestiço.

30 WOLKMER, Antônio Carlos; MELO, Milena Petters. Constitucionalismo Latino-Americano:

tendências contemporâneas. Curitiba: Juruá, 2013, p. 29. Aqui, transcender-se-á da discussão de se existe ou não um neoconstitucionalismo (ou Novo Constitucionalismo), para cuja discussão remete-se o leitor para as obras citadas na nota de rodapé nº 1.

31 Ibidem, p. 30-2.

Page 57: o novo constitucionalismo latino-americano

1932

Claro que não é possível colocar todas as constituições latino-americanas

num mesmo nível de desenvolvimento, até porque os diversos países possuem

cada qual suas particularidades, momentos evolutivos diversos, e textos

promulgados em épocas diferentes, com mais ou menos alterações posteriores,

por isso, podendo-se dizer que há etapas no processo da nova

constitucionalização da América Latina.

Essas etapas de desenvolvimento foram separadas e classificadas por

Wolkmer em três momentos distintos de evolução antes já referidos.

3.2 As principais novas Constituições latino-americanas

A Constituição brasileira de 198832, conhecida no Brasil como a

“Constituição Cidadã”, instituiu um Estado Democrático de Direito33, na forma de

uma República Federativa indissolúvel, sendo de relevo os termos utilizados na

instituição da forma estatal, que prima pela democracia após longos anos de

ditadura, limita o poder pelo direito, e enaltece que a res é pública.

Após o preâmbulo, a Constituição dispõe que a pessoa humana, a

solidariedade e a fraternidade são os fundamentos do Estado (arts. 1º e 3º,

CF/88), então elencando um extenso rol de direitos individuais e sociais (arts. 5º,

6º e 7º, CF/88), declarando muitos deles irrevogáveis e inalteráveis e,

expressamente, manifestando a aceitação de outros tantos que decorram dos

princípios da qual ela é imbuída, ou que derivem de tratados internacionais dos

quais o Brasil participava, participe, ou venha a participar.

32 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, disponível no site oficial do governo

brasileiro, no banco de dados de legislação (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm). Acesso em: 03 de Set 2014. Neste texto, usar-se-á o texto constitucional obtido nos sítios eletrônicos de cada país, além dos existentes no Political Database Of The Americas, sítio eletrônico mantido pelo CLAS – Centro de Estudos Latino Americanos da Universidade de Georgetown dos Estados Unidos (http://www.georgetown.edu/) em cooperação com a OEA – Organização dos Estados Americanos e com a FLACSO/Chile (http://www.flacsochile.org/) de estudos constitucionais.

33 Embora não seja a discussão aqui, veja-se por todos as peculiaridades do Estado Constitucional procurando estabelecer uma conexão interna entre democracia e Estado de Direito in CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ªed. 6ªreimp. Coimbra: Almedina, 2003, p. 93 e ss.

Page 58: o novo constitucionalismo latino-americano

1933

A Constituição da Colômbia de 199134, conhecida na Colômbia como a

“Constituição dos Direitos”, instituiu um Estado Social de Direito, na forma de uma

República Unitária Descentralizada. Esta carta também inicia com os

fundamentos do Estado-nação pelo reconhecimento de que o poder emana do

povo, unidos sob o fundamento da dignidade humana, conscientes da pluralidade

de manifestações culturais, prevendo um extenso rol de direitos individuais (arts.

11 à 41).

Na Constituição Colombiana, há vários meios e admoestações de como

cumprir tais direitos e da força que os mesmos possuem (arts. 83 à 94). Ela

concede especial atenção ao poder do povo contra o próprio Estado-nação, sua

governança, e à jurisdição constitucional que dê efetividade às disposições nela

contidas, inclusive prevendo o acesso de cada pessoa individualmente à Corte

Constitucional (arts. 241 e 242).

Após essas duas constituições, segue-se a Constituição da Venezuela de

199935. Ela instituiu um Estado Democrático e Social de Direito e de Justiça, na

forma de uma República Federal Descentralizada, amplia o rol de proteção e

garantias, motivo pelo qual destacada num segundo momento do fenômeno do

novo constitucionalismo.

Na Venezuela, a forma de Estado inclui as duas outras formas

anteriormente existentes na América Latina, e ainda inclui expressamente o

vocábulo extremamente ético-valorativo Justiça36 na própria formação do Estado.

34Constitución Política de La República de Colombia de 1991. Disponível em

http://www.secretariasenado.gov.co/index.php/leyes-y-antecedentes/vigencia-expresa-y-sentencias-de-constitucionalidad, sítio do Governo da Colômbia, e em Political Databe Of The Americas (http://pdba.georgetown.edu/Constitutions/Colombia/col91.html). Acesso em: 03 de Set 2014.

35Constitución de la República Bolivariana de Venezuela. Disponível em http://www.gobiernoenlinea.ve/home/archivos/ConstitucionRBV1999.pdf, sítio do Governo da Bolívia, e em Political Databe Of The Americas (http://pdba.georgetown.edu/Constitutions/Venezuela/vigente.html). Acesso em: 03 de Set 2014.

36 Aqui, vale lembrar que, para Dworkin, “Estado de Justiça é aquele em que se observam e protegem os direitos (rights) incluindo os direitos das minorias [...] é também aquele em que há equidade (fairness) na distribuição de direito e deveres fundamentais e na determinação da divisão de benefícios da cooperação da sociedade (Rawls), e considerar-se-á, ainda, “o estado social da justiça” (justiça social) em que existe igualdade de distribuição de bens e igualdade de oportunidades (Marx)” (apud CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ªed. 6ªreimp. Coimbra: Almedina, 2003). Sem embargo, também é interessante lembrar, com Alasdair MacIntyre, das várias “Justiças” e várias “Racionalidades”, no sentido de que “não há nenhum outro modo de se realizar essa formulação, elaboração, justificação

Page 59: o novo constitucionalismo latino-americano

1934

A observação é importante, na medida que tal abertura se coaduna com a

proposta de formação de um Estado multiétnico e pluricultural, onde se pugna

pela não intervenção sobre outrem e pela autodeterminação destes.

Por isso mesmo, tem-se-na como autêntica precursora do novo

constitucionalismo de tipo pluralista, expressando o maior avanço democrático da

região até então, e representando um elo de ligação entre as duas constituições

anteriores e as duas constituições vindouras37. Invocando expressamente o

exemplo histórico do líder libertário e nacionalista Simón Bolívar, para além das

garantias individuais e sociais antevistas, a Constituição da Venezuela é

permeada pela unidade na diferença étnica e cultural, e um forte apelo social e

comunitário por meio de valores éticos.

Como participantes da terceira etapa de formação desse novo

constitucionalismo na América Latina, tem-se as constituições do Equador de

200838 e da Bolívia de 200939. A Constituição do Equador de 2008 institui um

Estado Constitucional de Direito e Justiça, Social, Democrático, Soberano,

Independente, Unitário, Intercultural, Plurinacional e Laico, na forma de uma

República Governada de forma Descentralizada, e chama especial atenção em

dois pontos principais.

Já no preâmbulo, inova ao rememorar as tradições e os antepassados

milenares, juntamente com a deidade andina Pachamama - A Natureza -, da qual

somos parte - diz expressamente no texto - e que é vital para a existência dos

equatorianos. Ela invoca uma profunda responsabilidade com o presente e com o

futuro (gerações futuras) e uma total liberdade em face de quaisquer tipos de

dominação ou colonialismo.

racional e crítica das concepções da racionalidade prática e da justiça, a não ser a partir de uma tradição particular, através do diálogo, da cooperação e do conflito entre aqueles que habitam a mesma tradição” (MACINTYRE, Alasdair. Justiça de quem? Qual racionalidade? Tradução Marcelo Pimenta Marques. São Paulo, Edições Loyola, p. 376).

37 WOLKMER, Antônio Carlos; MELO, Milena Petters. Constitucionalismo Latino-Americano: tendências contemporâneas. Curitiba: Juruá, 2013, p. 31.

38 Constitución de La República Del Ecuador de 2008. Disponível em Political Databe Of The Americas (http://pdba.georgetown.edu/Constitutions/Ecuador/ecuador08.html) . Acesso em: 03 de Set. 2014.

39 Constitución Política Del Estado del Republica Del Bolivia. Disponível em Political Databe Of The Americas (http://pdba.georgetown.edu/Constitutions/Bolivia/bolivia09.html). Acesso em: 03 de Set 2014.

Page 60: o novo constitucionalismo latino-americano

1935

A Constituição do Equador de 2009 também inova completamente a

temática constitucional com a adoção de uma ética do bem viver (“Sumak Kawsai”

= plenitude do viver), cuja proposta recebe um capítulo próprio no Título II

destinado aos “Direitos” lato senso, e recebe um título específico para si, o Título

VII, “do Régimen Del Buen Viver”, onde se define um Plano Nacional de

Desenvolvimento orgânico envolvendo tudo (todo o aparelhamento estatal) e

todos (qualquer cidadão equatoriano) na concreção e efetividade das regras

constitucionais tendentes ao bem viver, que engloba, desde inclusão social e

equidade de tratamento, até a biodiversidade e a natureza.

Por fim, consagrando a terceira fase do novo constitucionalismo, tem-se a

Constituição da Bolívia de 2009. Ela traz também toda a representatividade e

proeminência dos povos indígenas, cuja luta antiga nas Américas, aqui, ganha

especial relevo e notoriedade pela ascensão explícita numa Constituição estatal.

A Constituição boliviana institui um Estado Unitário Social de Direito Plurinacional

Comunitário (art. 1º), na forma de uma República de Democrática Participativa

Representativa e Comunitária (art. 11º).

Substancial representante do protagonismo dos povos indígenas, o mote

principal da Constituição boliviana são três pilares mestres: Direitos Indígenas,

Autonomia e Amazônia, evocando que “jamais compreenderam o racismo que

sofreram desde os funestos tempos em que foram colonizados”, tendo como mote

principal a socialidade e o pluralismo (e, embora não use no epíteto estatal a

palavra Justiça, evoca em seus termos as mesmas concepções éticas e de

virtude conflagradas semanticamente por este termo, como na Constituição do

Equador de 2008).

Eis, em linhas gerais, o novo constitucionalismo da América Latina, cuja

análise aqui realizada pretendeu ser genérica e focada na formação e

fundamentos dos Estados latinos pós-guerras mundiais e interstício ditatorial,

apenas com a intenção de demonstrar essa nova fase, e enaltecer que, a

despeito de discussões doutrinárias sobre o termo correto a ser usado, a verdade

é que houve uma evidente transformação nos Estados-nação latinos no final do

Século XX, início do Século XXI.

Page 61: o novo constitucionalismo latino-americano

1936

Especialmente, na análise comparativa entre as constituições antigas de

cada qual desses países latinos, e suas novas constituições aqui explicitadas,

percebem-se as grandes diferenças, que demonstram a emergência de uma nova

ordem sócio-estatal. Veja-se a diferença entre um Brasil de 196740, sem previsão

de dignidade humana alguma, e sob os punhos de chumbo de uma ditadura, e os

novos ditames e perspectivas estatais da “Constituição Cidadã”, como é chamada

a atual; ou da Colômbia de 1886 - e as sucessivas reformas políticas que

transpassaram a secessão da Venezuela, Equador e Panamá – com a Colômbia

de 1991. O mesmo ocorre na Venezuela de 196141, onde não se tinha o aspecto

de multi-etnicidade e pluriculturalidade como visto na nova Constituição de 1999,

e com as constituições do Equador e da Bolívia.

Em 199842, observa-se um Equador já multicultural, mas ainda formalista -

como as tantas constituições da época -, e sem Pachamama e Buen vivir; e a

Bolívia de 196743 (com reformas até 2005) é muito mais formalista e sem o

reconhecimento expresso de “várias nações internas”, e sem o calor do

reconhecimento de todas as suas riquezas históricas, naturais e culturais como no

novo texto constitucional.

Assim, a análise das novas constituições latino-americanas demonstra que

suas preocupações transcendem pretensões meramente organizativas do

aparelho estatal, e vão além da doutrina do check balances e das garantias

individuais do cidadão em face do Estado Liberal (liberdade negativa) ou de

exigências de liberdades positivas do Estado Social (Welfare states).

Para além de novos arranjos teóricos, substituição de palavras e

reorganização de tópicos, as novas constituições latino-americanas são,

40 Constituição Brasileira de 1967 com a Emenda Constitucional de 1969, em pleno regime

ditatorial, que tratava basicamente de organização estatal, e cujos direitos e garantias individuais nela previstos foram suspensos por diversos Atos Institucionais. Constituição disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao67EMC69.htm. Atos Institucionais disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/AIT/_AITs_CF1967.htm. Acesso em: 04 de Set 2014.

41 Disponível em http://www.gobiernoenlinea.ve/home/archivos/Constituci%C3%B3n1961.pdf e acesso em: 04 de Set 2014.

42 Disponível em http://pdba.georgetown.edu/Constitutions/Ecuador/ecuador98.html e acesso em: 04 de Set 2014.

43 Disponível em http://pdba.georgetown.edu/Constitutions/Bolivia/consboliv2005.html e acesso em 04 de Set 2014.

Page 62: o novo constitucionalismo latino-americano

1937

precipuamente, o re-escalonamento de valores éticos e a rememoração de um

passado inglório cujas lembranças são transmutadas em autoconsciência da

dignidade de ser-em-si e para-si, perceptível na comunhão na e com a vida, como

representado iconograficamente no sol multicolorido do logotipo da república

equatoriana44.

4 UM CONTINENTE BIOCÊNTRICO?

A análise das mudanças constitucionais operadas na América Latina em

meados do século XX, cotejadas com as doutrinas de proteção dos direitos dos

animais em suas várias bases epistemológicas, desvela que o conteúdo

normativo-constitucional da América Latina está mais relacionado com uma ética

biocêntrica dentro de uma perspectiva ecológica mais ampla, do que

simplesmente propugna ou referenda um Direito dos Animais.

De fato, quanto ao Brasil, pode-se perceber que, no que tange aos

referenciais de meio ambiente45, ou Direito dos Animais46, a Constituição mais

defende o equilíbrio daquele, do que propriamente a proteção destes últimos. O

mesmo se dá com a Constituição da Colômbia, que cuida mais do meio ambiente

e da diversidade ética47, do que propriamente dos animais48.

44 Vide sítio eletrônico oficial do governo equatoriano (http://www.presidencia.gob.ec/) e diversas

reportagens de jornais locais noticiando a assunção do logo, inicialmente apenas para o turismo, como marca registrada do país, como relatado aqui: http://www.lahora.com.ec/index.php/noticias/show/1101034318/-1/%27Ecuador_ama_la_vida%27,_es_el_nuevo_lema_tur%C3%ADstico_de_la_naci%C3%B3n_andina.html#.VAiqBKNik3U

45 Art. 225, § 1º, todos os incisos, salvo o inciso VII. 46 Art. 225, §, inciso VII. 47 Art. 7. El Estado reconoce y protege la diversidad étnica y cultural de la Nación colombiana. Art.

79. Todas las personas tienen derecho a gozar de un ambiente sano. (…) Es deber del Estado proteger la diversidad e integridad del ambiente (…) Art. 80. El Estado planificará el manejo y aprovechamiento de los recursos naturales, para garantizar su desarrollo sostenible, su conservación, restauración o sustitución. Además, deberá prevenir y controlar los factores de deterioro ambiental (…). Así mismo, cooperará con otras naciones en la protección de los ecosistemas situados en las zonas fronterizas.

48 Art. 65. La producción de alimentos gozará de la especial protección del Estado. Para tal efecto, se otorgará prioridad al desarrollo integral de las actividades agrícolas, pecuarias, pesqueras, forestales y agroindustriales (…). De igual manera, el Estado promoverá la investigación y la transferencia de tecnología para la producción de alimentos y materias primas de origen agropecuario, con el propósito de incrementar la productividad.

Page 63: o novo constitucionalismo latino-americano

1938

A Constituição da Venezuela, por sua vez, foca no meio ambiente e no

desenvolvimento sustentável49, prevendo inclusive um Tribunal Agroambiental,

fazendo constar em seu preâmbulo, expressamente, o equilíbrio ecológico e os

bens jurídicos ambientais como patrimônios comuns e irrenunciáveis da

humanidade.

Quanto à Constituição Boliviana, embora invoque a Pachamama em seus

“considerandos”, o que mais chama atenção em seu conteúdo é a

plurinacionalidade, no sentido de identificar, reconhecer e acolher diversos povos,

etnias e línguas próprias da cultura andina milenar, que ganharam expressos

direitos e jurisdição50.

Quanto à Constituição Equatoriana, esta sim celebra “a natureza, a Pacha

Mama, de que somos parte e que é vital para nossa existência”, já nos

“considerandos”51, e invoca a “sabedoria de todas as culturas que nos enriquecem

como sociedade”, prevendo em seu texto expressamente que:

49 Art. 127. Es un derecho y un deber de cada generación proteger y mantener el ambiente en

beneficio de sí misma y del mundo futuro. Toda persona tiene derecho individual y colectivamente a disfrutar de una vida y de un ambiente seguro, sano y ecológicamente equilibrado. El Estado protegerá el ambiente, la diversidad biológica, los recursos genéticos, los procesos ecológicos, los parques nacionales y monumentos naturales y demás áreas de especial importancia ecológica. El genoma de los seres vivos no podrá ser patentado, y la ley que se refiera a los principios bioéticos regulará la materia. Es una obligación fundamental del Estado, con la activa participación de la sociedad, garantizar que la población se desenvuelva en un ambiente libre de contaminación, en donde el aire, el agua, los suelos, las costas, el clima, la capa de ozono, las especies vivas, sean especialmente protegidos, de conformidad con la ley. Art. 128. El Estado desarrollará una política de ordenación del territorio atendiendo a las realidades ecológicas, geográficas, poblacionales, sociales, culturales, económicas, políticas, de acuerdo con las premisas del desarrollo sustentable (…) Art. 305. El Estado promoverá la agricultura sustentable como base estratégica del desarrollo rural integral, a fin de garantizar la seguridad alimentaria de la población; entendida como la disponibilidad suficiente y estable de alimentos en el ámbito nacional y el acceso oportuno y permanente a éstos por parte del público consumidor. La seguridad alimentaria se alcanzará desarrollando y privilegiando la producción agropecuaria interna, entendiéndose como tal la proveniente de las actividades agrícola, pecuaria, pesquera y acuícola. La producción de alimentos es de interés nacional y fundamental para el desarrollo económico y social de la Nación. A tales fines, el Estado dictará las medidas de orden financiero, comercial, transferencia tecnológica, tenencia de la tierra, infraestructura, capacitación de mano de obra y otras que fueran necesarias para alcanzar niveles estratégicos de autoabastecimiento. (…)

50 Vide Constituição da Bolívia, Considerandos, Artigo 5º (povos e línguas), 11º (representação comunitária), 26º (direitos políticos), 30º (direito dos povos indígenas) e 190º (jurisdição indígena).

51 (…) CELEBRANDO a la naturaleza, la Pacha Mama, de la que somos parte y que es vital para nuestra existencia (…) APELANDO a la sabiduría de todas las culturas que nos enriquecen como sociedad, (…) Y con un profundo compromiso con el presente y el futuro, Decidimos construir Una nueva forma de convivencia ciudadana, en diversidad y armonía con la naturaleza,

Page 64: o novo constitucionalismo latino-americano

1939

Art. 71. A natureza ou Pacha Mama, onde se reproduz e se realiza a vida, tem direito a que se respeite integralmente a sua existência e a manutenção e regeneração de seus ciclos vitais, estrutura, funções e processos evolutivos. Toda pessoa, comunidade, povoado, ou nacionalidade poderá exigir da autoridade pública o cumprimento dos direitos da natureza. Para aplicar e interpretar estes direitos, observar-se-ão os princípios estabelecidos na Constituição no que for pertinente. O Estado incentivará as pessoas naturais e jurídicas e os entes coletivos para que protejam a natureza e promovam o respeito a todos os elementos que formam um ecossistema.

Veja-se, então, o quão forte é a noção de providência da Mãe Terra

(Pachamama) na constituição Equatoriana que “reproduz e realiza a vida” e que

por isso “ela tem o direito a que se respeite integralmente a sua existência, a sua

manutenção e a regeneração de eventuais ciclos vitais que tenham se

deteriorado”, “sendo qualquer um legítimo para exigir da autoridade que assim o

faça”.

Some-se à Pachamama a expressa adoção de uma ética do bem viver

(“Sumak Kawsai” = plenitude do viver)52, cuja proposta recebe um capítulo próprio

no Título II destinado aos “Direitos” lato senso e um título todo específico,

intitulado “do Régimen Del Buen Viver”, que define o Plano Nacional de

Desenvolvimento, um plano sistemático e orgânico que prevê o envolvimento de

para alcanzar el buen vivir, el sumak kawsay; Una sociedad que respeta, en todas sus dimensiones, la dignidad de las personas y lãs colectividades; Un país democrático, comprometido con la integración latinoamericana -sueño de Bolívar y Alfaro-, La paz y la solidaridad con todos los pueblos de la tierra; y, En ejercicio de nuestra soberanía, en Ciudad Alfaro, Montecristi, provincia de Manabí, nos damos La presente (…).

52 Art. 14.- Se reconoce el derecho de la población a vivir en un ambiente sano y ecológicamente equilibrado, que garantice la sostenibilidad y el buen vivir, sumak kawsay. Se declara de interés público la preservación del ambiente, la conservación de los ecosistemas, La biodiversidad y la integridad del patrimonio genético del país, la prevención del daño ambiental y La recuperación de los espacios naturales degradados. Art. 27.- La educación se centrará en el ser humano y garantizará su desarrollo holístico, en El marco del respeto a los derechos humanos, al medio ambiente sustentable y a la democracia; será participativa, obligatoria, intercultural, democrática, incluyente y diversa, de calidad y calidez; impulsará la equidad de género, la justicia, la solidaridad y la paz; estimulará el sentido crítico, el arte y la cultura física, la iniciativa individual y comunitaria, y el desarrollo de competencias y capacidades para crear y trabajar. La educación es indispensable para el conocimiento, el ejercicio de los derechos y la construcción de un país soberano, y constituye un eje estratégico para el desarrollo nacional. Hábitat y vivienda Art. 30.- las personas tienen derecho a un hábitat seguro y saludable, y a una vivienda adecuada y digna, con independencia de su situación social y económica. Salud Art. 32.- La salud es un derecho que garantiza el Estado, cuya realización se vincula al ejercicio de otros derechos, entre ellos el derecho al agua, la alimentación, la educación, la cultura física, El trabajo, la seguridad social, los ambientes sanos y otros que sustentan el buen vivir.

Page 65: o novo constitucionalismo latino-americano

1940

todos os órgãos do governo e da sociedade civil na concreção e efetividade da

ética do bem viver, englobando desde inclusão social e igualdade material de

tratamento, até biodiversidade e natureza.

Por isso, assinala Wolkmer53 que Possivelmente, o momento primeiro e de grande impacto para o “novo” constitucionalismo latino-americano vem a ser representado pela Constituição do Equador de 2008, por seu arrojado ‘giro biocêntrico”, admitindo direitos próprios da natureza e direitos ao desenvolvimento do “bem viver”. Trata-se de considerar a natureza não mais como objeto apropriável, mas como um organismo vivo onde a vida se realiza de forma integral e integrada: Certamente que o conceito “postcapitalista” do “buen vivir” expressa uma visão integral da convivencia humana e social com a natureza, da justiça com o meio ambiente, não podendo haver direito do bem viver sem uma natureza (Pachamama) protegida e conservada. Porém, há de se ter presente, como adverte o uruguayo Gudynas, que acompanhou o proceso constituinte, de que As tradições culturais andinas expressadas no ‘buen vivir’ (ou Pachamama) têm muitas ressonâncias com as ideias ocidentais da ética ambienta, promovida, por exemplo, pela ‘ecologia profunda’, ou os defensores da uma ‘comunidade de vida’. (…) Igualmente, nem todas as posturas dos povos indígenas originários são biocêntricas, e que inclusive existe diferentes construções para a Pachamama54.

Mas, na dialética dos textos constitucionais, e análise com a doutrina do

Direito dos Animais, pode-se perceber que as disposições constitucionais estão

mais voltadas para uma concepção de respeito à natureza enquanto um todo, não

se encontrando algo que defenda a não ingerência total do homem em relação

aos animais não-humanos, na perspectiva de uma doutrina reaganiana, ou da

mínima intervenção utilitarista numa perspectiva singeriana, por exemplo.

De todas as Constituições analisadas, a que mais inova e destoa em

relação aos direitos dos animais stricto senso, é a Constituição brasileira, que

trata de forma expressa e específica destes, vedando qualquer crueldade contra

os mesmos55.

Não se é capaz de afirmar que Colômbia e Venezuela não possuem

nenhuma proteção aos direitos dos animais, por exemplo. Ou que o Brasil os

protege melhor. Não se fez tal pesquisa no presente trabalho. Tal pesquisa teria

53 WOLKMER, Antônio Carlos; MELO, Milena Petters. Constitucionalismo Latino-Americano:

tendências contemporâneas. Curitiba: Juruá, 2013, p. 33. 54 Ibidem, p. 35. 55 Art. 225, §1º, inc. VII, CF/88.

Page 66: o novo constitucionalismo latino-americano

1941

que analisar a legislação infraconstitucional, como a existência de leis sobre

pesquisa com animais, sobre abate humanitário ou criminalização de maus-tratos.

Ainda, talvez fosse necessária uma análise antropológica e sociológica sobre

eventual desnecessidade de qualquer referência expressa aos bons tratos dos

animais, em face da cultura indígena prevalente naqueles países, cultura com

ethos de comunhão com e na vida e, pois, com respeito à natureza e aos animais.

Havendo uma cultura predominantemente indígena, ou seja, um ethos

propriamente harmônico com a natureza e com os animais, talvez não haja

porque se prever uma conduta (“proibido crueldade com animais”) que não ocorre

de per se em face do próprio ethos social, por pressuposto moral dos indivíduos

que compõe a nação56.

Frisa-se, então, que aqui se analisou e se comparou apenas os principais

textos constitucionais representativos do novo constitucionalismo da América

Latina e, nesse sentido, o texto constitucional brasileiro é o único a prever

expressamente a vedação à crueldade contra os animais não-humanos.

5 CONCLUSÃO

Em que pese divergências quanto ao nome a se dar ao fenômeno, a

verdade é que há uma clara distinção entre as constituições pré e pós-guerras,

motivo pelo qual se pode falar num neoconstitucionalismo ou num novo

constitucionalismo após esse período, especialmente na América Latina, onde as

constituições mostram evidente ruptura e diferentes ethos em relação aos textos

revogados, com especial protagonismo dos povos coloniais e indígenas.

Nesse sentido, a América Latina destaca-se sobremaneira em relação aos

demais países, vindo a incorporar disposições totalmente inovadoras, pugnando

por uma dignidade da vida e comunhão equilibrada com esta, representada numa

ética do bem viver ou ética biocêntrica, chegando algumas constituições - como a

boliviana de 2009, mas, especialmente, a equatoriana de 2008 -, a reconhecerem

56 Por todos, ver CASTRO, Eduardo Viveiros de. A inconstância da alma selvagem: e outros

ensaios de antropologia. São Paulo: Cosac & Naify. 552 páginas.

Page 67: o novo constitucionalismo latino-americano

1942

a Pachamama - deidade ou mito andino com caracteres femininos, geradora e

mantenedora da vida, “uma própria Mãe Terra” - como “sujeito de direitos”.

Verifica-se, então, que o Constitucionalismo da América Latina é louvável

no que toca com a instauração de um novo ethos focado na ética do bem viver ou

biocêntrica, em busca de uma harmonização ambiental da e na vida, mas nele

não se encontra disposições expressas no que toca aos direitos dos animais

stricto senso. O mais próximo que se pode chegar a afirmar, na esteira do que já

dito por Eduardo Gudynas, Rúben Martínez Dalmau e Marco Aparicio Wilhelm,

todos citados por Antônio Carlos Wolkmer, é que as Constituições latino

americanas possuem um forte componente biocêntrico, próprio duma ecologia

profunda57 e, talvez, aí, tenha-se o(algum) respeito aos animais.

Mas, embora haja pontos em comum entre a Deep Ecology e os Direitos

dos Animais, e se queira essa aproximação, ainda não se pode falar de

identidade conceitual ou de identidade epistemológica entre as duas doutrinas,

antes pelo contrário, há diferenças claras entre elas, que permitem observar

níveis diferentes de proteção, crendo-se que as constituições latino-americanas

estejam mais para uma ética biocêntrica ou ética do bem-viver, do que para uma

doutrina de proteção dos animais.

Como visto, a temática dos Direitos dos Animais envolve prioridades mais

concretas relacionadas ao bem estar destes animais não-humanos, de uma forma

específica e individual, como por exemplo, o não mau-trato, abate humanitário, o

não-uso em experimentação científica, o menor uso possível e indolor (para as

doutrinas utilitaristas), ou até a própria não sacrificação em geral, mesmo para a

alimentação (abolicionismo). 57 “Deep Ecology pugna por um meio ambiente profundamente equilibrado, enquanto um

organismo vivo que não está à disposição do ser humano e do qual este não é o Senhor Absoluto, mas antes, deve aprender e agir conforme aquele. Como ensina Fabio Corrêa Souza Oliveira, “Ecologia Profunda é a denominação criada no início da década de 1970 por Arne Naess, professor emérito de Filosofia da Universidade de Oslo, para configurar a compreensão que procura romper com a concepção antropocêntrica da natureza, dos seres não integrantes da espécie humana, contrapondo, assim, à Ecologia Rasa, esta voltada eminentemente para os interesses humanos, entendendo os demais seres, a natureza, com valor meramente instrumental em função das demandas da humanidade”. (OLIVEIRA, Fábio Corrêa Souza de. A Ecologia Profunda e os novos direitos. [10 de Junho de 2013] Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/520841-a-ecologia-profunda-e-os-novos-direitos-entrevista-especial-com-fabio-correa-souza-de-oliveira. Acesso em: 08 Abr 2015. Entrevista concedida ao IHU On Line: Instituto Humanitas Unisinos).

Page 68: o novo constitucionalismo latino-americano

1943

Como assinala David Favre58, o Direito dos Animais têm como premissa

que animais são seres com um status ético e moral como os seres humanos,

logo, eles não deveriam apenas ter proteção do direito, mas ser uma parte do

sistema legal com seus próprios direitos.

Elencou-se como sendo quatros os principais pressupostos

epistemológicos fundantes da temática dos Direitos dos Animais: o trato do

humano com outros humanos (Regra de Ouro); as doutrinas utilitaristas; a

epistemologia que vê nos animais não-humanos consciência, dor e prazer

(senciência); e o abolicionismo de Tom Regan, que vê os animais como sujeitos-

de-uma-vida.

Das Constituições tidas como pertencentes ao movimento do

constitucionalismo latino-americano, apenas a Constituição brasileira de 1988

possui disposições específicas em relação aos Direitos dos Animais. Ao mesmo

tempo, é interessante a análise de Trajano59 no sentido de que a Constituição

brasileira na palavra “todos” da expressão “todos tem direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado” inclui “todos os seres” e, pois, os próprios animais.

Embora se perceba que, de fato, a Constituição brasileira prevê

expressamente a não crueldade contra os animais - algo omitido nas outras

constituições latinas - não se pode criticar as constituições vizinhas de “não

proteção”, eis que o ethos indígena é harmônico, não só com a natureza, mas

com os animais individualmente, análise que deveria ser feita por um viés

antropológico e sociológico mais apurado, e que não cabe na presente pesquisa.

Veja-se que o ápice da visão biocêntrica é encontrado na Constituição do

Equador, que estipula a Natureza como “sujeito de direitos”. Embora a Natureza

(Pachamama) tenha sido elevada à essa condição, e todo cidadão seja legítimo

“ad processum” para requerer à autoridade estatal que a proteja, a verdade é que

diversos artigos dela prevêem a agropecuária, a pesca etc, políticas que não se

coadunam com o Direito dos Animais stricto senso. 58 FAVRE, David. O Ganho de força dos direitos dos animais. In: SANTANA, Heron José de

Santana; SANTANA, Luciano Rocha. Revista Brasileira de Direito Animal. – Vol. 1, n.1 (jan. 2006). – Salvador: Instituto de Abolicionismo Animal, 2006, pag. 25 à 35, esta citação à pág. 28.

59 SILVA, T. T. A. ou TRAJANO, Tagore. Teoria da Constituição: Direito Animais e Pós-humanismo. RIDB Ano 2 (2013), nº 10, 11683-11731 / http://www.idb-fdul.com/ ISSN: 2182-7567.

Page 69: o novo constitucionalismo latino-americano

1944

REFERÊNCIAS

BARBERIS, M. Neoconstitucionalismo. Revista Brasileira de Direito Constitucional nº 7, São Paulo: ESDC, Jan/Jun 2006, Vol. 1, p. 18-30. BOLÍVIA. Constitución Política Del Estado del Republica Del Bolivia. Disponível em Political Databe Of The Americas (http://pdba.georgetown.edu/Constitutions/Bolivia/bolivia09.html). Acesso em: 03 de Set 2014. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível no site oficial do governo brasileiro, no banco de dados de legislação (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm). Acesso em 03 de Set 2014. CANOTILHO, J.J. G. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ªed. 6ªreimp. Coimbra: Almedina, 2003. COLÔMBIA. Constitución Política de La República de Colombia de 1991. Disponível em http://www.secretariasenado.gov.co/index.php/leyes-y-antecedentes/vigencia-expresa-y-sentencias-de-constitucionalidad, sítio do Governo da Colômbia, e em Political Databe Of The Americas (http://pdba.georgetown.edu/Constitutions/Colombia/col91.html). Acesso em 03 de Set de 2014. DEXTER, J. A plea for the horse, in a few remarks and suggestions upon his treatment and management. 1847, Boston/EUA, folhetim, Disponível em http://biodiversitylibrary.org/page/16461387. European Library, http://www.theeuropeanlibrary.org. Acesso em 06 de Ago 2014. EQUADOR. Constitución de La República Del Ecuador de 2008. Disponível em Political Databe Of The Americas (http://pdba.georgetown.edu/Constitutions/Ecuador/ecuador08.html) . Acesso em: 03 de Set. 2014. FAVRE, D. O Ganho de força dos direitos dos animais. In: SANTANA, Heron José de Santana; SANTANA, Luciano Rocha. Revista Brasileira de Direito Animal. – Vol. 1, n.1 (jan. 2006). – Salvador: Instituto de Abolicionismo Animal, 2006. FELIPE, S. T. Acertos abolicionistas: a vez dos animais: crítica à moralidade especista. São José/SC: Ecoânima, 2014, 320p. HIEOVER, Harry. Bipeds and Quadrupdes, 1853, Londres/UK, folhetim, Disponível em http://biodiversitylibrary.org/page/25264471. European Library, http://www.theeuropeanlibrary.org. Acessado em 06 de Ago de 2014.

Page 70: o novo constitucionalismo latino-americano

1945

HIRSCHL, R.. The New Constitution and the Judicialization of Pure Politics Worldwide, 75 Fordham L. Rev. 721 (2006). Disponível em: http://ir.lawnet.fordham.edu/flr/vol75/iss2/14, Acesso em: 31 de Jul 2014. MACINTYRE, A. Justiça de quem? Qual racionalidade? Tradução Marcelo Pimenta Marques. São Paulo, Edições Loyola, p. 376 NACONECY, C. M. Ética & Animais: um guia de argumentação filosófica. Porto Alegre: Edipucrs, 2006. OLIVEIRA, F. C. S. A Ecologia Profunda e os novos direitos. [10 de Junho de 2013] Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/520841-a-ecologia-profunda-e-os-novos-direitos-entrevista-especial-com-fabio-correa-souza-de-oliveira. Acesso em: 08 Abr 2015. Entrevista concedida ao IHU On Line: Instituto Humanitas Unisinos. POZZOLO, S. Neoconstitucionalismo, um modelo constitucional ou uma concepção da Constituição? Revista Brasileira de Direito Constitucional nº 7, São Paulo: ESDC, Jan/Jun 2006, Vol. 1, p. 231-253. REGAN, T. Jaulas Vazias: encarando o desafio dos direitos dos animais. Tradução Regina Rhena. Porto Alegre: Lugano, 2006. SILVA, T. T. A. Teoria da Constituição: direito animal e pós-humanisno. RIDB, Ano 2 (2013), nº 10. SINGER, P. Libertação Animal. Tradução de Marly Winckler; revisão técnica Rita Paizão. Ed. rev. Porto Alegre, São Paulo: Lugano, 2004, 357 pág. _____________. Libertação Animal. Tadução de Marly Winckler e Marcelo Brandão Cipolla; revisão técnica Rita Paixão. Editora WMF Martins Fontes: São Paulo, 2013, 461 pág. STRECK, L. L. Contra o Neconstitucionalismo. Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional. Curitiba, 2011, n. 4, Jan-Jun. p. 9-27. STRECK, L. L. Verdade e Consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 5ª Ed. rev. mod. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2014, 678 páginas. UNESCO. DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DOS ANIMAIS. 23 de Setembro de 1977. Disponível em http://www.filosofia.org/cod/c1977ani.htm. Acesso em: 04 de Set 2014. UNIVERSIDADE DE CAMBRIDGE. DECLARAÇÃO DE CAMBRIDGE SOBRE A CONSCIÊNCIA EM ANIMAIS HUMANOS E NÃO HUMANOS. Escrita por Philip Low e editada por Jaak Panksepp, Diana Reiss, David Edelman, Bruno Van

Page 71: o novo constitucionalismo latino-americano

1946

Swinderen, Philip Low e Christof Koch. Publicada em 07/07/2012, na sala Balfour do Hotel du Vin, em Cambridge. Disponível em http://fcmconference.org/. Acesso em 05 de Set 2014. Tradução obtida da Revista eletrônica IHU no endereço http://www.ihu.unisinos.br/noticias/511936-declaracao-de-cambridge-sobre-a-consciencia-em-animais-humanos-e-nao-humanos. VENEZUELA. Constitución de la República Bolivariana de Venezuela. Disponível em http://www.gobiernoenlinea.ve/home/archivos/ConstitucionRBV1999.pdf, sítio do Governo da Bolívia, e em Political Databe Of The Americas (http://pdba.georgetown.edu/Constitutions/Venezuela/vigente.html). Acesso em 03 de Set 2014. WOLKMER, A. C.; MELO, M. P. Constitucionalismo Latino-Americano: tendências contemporâneas. Curitiba: Juruá, 2013, 218 pág.