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O olhar vigilante do Serviço Nacional de Informações aos setores da
Sociedade Civil: Movimentos Sociais do Campo e Igreja Católica na
“Transição, Lenta, Gradual e Segura” no Estado da Paraíba.
Olga Larissa Veiga Ferreira1
RESUMO
Esta proposta de trabalho oriunda do trabalho de conclusão de curso (TCC) busca abordar a atuação do Serviço Nacional de Informações (SNI) e a vigilância exercida a Igreja Católica Progressista e aos Movimentos Socais no campo no Estado da Paraíba durante o período da “Transição, Lenta, Gradual e Segura”. “Após a ‘distensão’ de Ernesto Geisel, a desativação das organizações clandestinas tirou a importância dos comunistas. Mas para as comunidades” (FICO, 2001, p. 195). No que concerne à fundamentação teórica nosso trabalho se coloca no campo da História Política em diálogo com a História Social, ou “uma abordagem ampliada do político pela História Social” (BARROS, 2012, p.19). As fontes utilizadas foram os documentos oficiais, produzidos pelo SNI - Agência Pernambuco, que vigiava os estados de Alagoas, Pernambuco, Natal e Paraíba, documentos os quais foram disponibilizados por meio de pesquisa no acervo da Comissão Estadual da Verdade e Preservação da Memória do Estado da Paraíba, conjuntamente com as produções bibliográficas acerca do período, para assim conseguir expor o funcionamento do serviço e seu entendimento político sobre esses agentes da sociedade civil e a atuação destes no período pesquisado.
Palavras-chave: SNI; Conflitos no campo; Igreja Católica.
O Serviço Nacional de Informações (SNI) criado em 13 de Junho de
1964 por Golbery de Couto e Silva o qual anos depois proferiu sua frase
célebre: “Criei um monstro” não se mostrava como tal nos primeiros anos do
golpe civil militar, haja vista que “na verdade, o monstro somente seria criado
depois da vitória da linha dura, que se iniciou com a posse de Costa e Silva na
presidência.”( FICO, 2003, p.175). Antes da posse destes, o SNI compreendia
como um órgão de caráter a responder os anseios do presidente em questão, o
militar Castelo Branco, todavia isso não implica a ausência de violação aos
direitos humanos deste período, porém no que tange ao serviço ao passar dos
anos esse se mostrou como um gigante olho que tudo vê em busca de ceifar
1 Mestranda em História pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em História do Século XX (GEPHIS20)
qualquer manifestação da sociedade civil que fosse contrária ao regime ou
demais atividades que pudesse ameaçar a busca de hegemonia dos militares,
3
vigiando os seus e a oposição em geral. Apesar desta distinção entre os
governos presidenciais dos 21 anos de ditadura, o SNI em toda sua trajetória
se aperfeiçoou ao ponto que “o sistema foi se sofisticando e formando um rolo
compressor na rota da repressão” (D’ARAUJO; SOARES; CASTRO, 1994, P.
17).
Nesse ínterim a Igreja Católica nomeada como progressista, simboliza
um setor dentro da hierarquia católica de Padres, Freiras, Freis e entre outros
que lutavam contra os desmando dos militares. Por essa ação foi um dos
setores da sociedade civil que esteve na mira do serviço principalmente o
esfacelamento das guerrilhas urbanas e rurais. Por isso utilizo do recorte do
período de Geisel adiante, pois é neste que os documentos referentes a essa
parcela da sociedade são produzidos, junto de tal também há a vigilância aos
movimentos sociais no campo, os quais atuavam conjuntamente com membros
a esquerda da Igreja Católica em busca de validar o seu direito a terra e pautas
além.
Diante disso apresentarei a construção deste serviço em caráter
nacional e seus anseios frente à sociedade civil e sua atuação conjuntamente
com a Comunidade de Informações e Segurança, relacionando com as suas
viragens de estratégia em cada governo militar, levando em consideração a
violação aos direitos humanos que tal órgão fazia ao adentar-se em diversos
tipos de organizações sociais para coletar informações para seu uso de
controle social. Essa narrativa se construirá através dos documentos
disponibilizado pela Comissão Estadual da Verdade e da Preservação da
Memória do Estado da Paraíba (CEVPM-PB) no que se refere a atuação do
SNI no Estado da Paraíba, com auxílio de uma bibliografia acerca da
estruturação e ação de tal órgão e sua atuação junto a sociedade, seja em
âmbito nacional ou ao estado da Paraíba, comitantimente utilizaremos de
produções sobre os movimentos sociais no campo e suas relações com a
Igreja Católica progressista no Estado da Paraíba nesse período em questão.
Fundamento meu trabalho na Nova História Política em Diálogo com a
História Social, trazendo para o cerne da narrativa a atuação dos atores
políticos. Pois o poder não se encontra em estrito senso nas mãos do estado.
4
Analisar a atuação desses civis em forma dialética com o então governo é
necessário para romper com a história de cima para baixo e entender o poder
de atuação desses atores políticos, “em todas as direções e sentidos, e não
mais exclusivamente de uma perspectiva da centralidade estatal ou da
imposição dos grupos dominantes de uma sociedade” (BARROS,2012, p. 23)
A estruturação desse serviço partiu de um acumulo de serviços
anteriores, o seu criador Golbery de Couto e Silva carregava uma vasta
experiência destes órgãos “no Ipes (Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais)
havia conseguido reunir alguns milhares de fichas e dossiês” (ALVES,1984,
p.25) as quais foram importantes para o então presidente do SNI construir o
que seria, o modo operacional de coleta de informações. O SNI também
herdou os documentos do serviço anterior; Serviço Nacional de Informações e
Contra Informações (SFICI), onde Golbery havia trabalhado e que foi
desativado por Castelo Branco, pois o mesmo acreditava que ele seria incapaz
para os anseios dos militares nesse momento, os quais estavam ancorados na
Doutrina de Segurança Nacional2 que junto aos demais órgãos de controle da
sociedade política, ou o estado buscavam construir um aparato ideológico e
político de controle social.
A Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento foi formulada pela ESG3, em colaboração com o IPES e o IBAD, num período de 25 anos. Trata-se de abrangente corpo teórico constituído de elementos ideológicos e de diretrizes para infiltração, coleta de informações e planejamento político-econômico de programas governamentais. Permite o estabelecimento e avaliação dos componentes estruturais do Estado e fornece elementos para o desenvolvimento de metas e o planejamento administrativo
periódicos. (ALVES, 1984, p.35)
Para compreender o que seria esses órgãos de controle do estado, e
sua função, estou ancorada na concepção da teoria do estado ampliado de
Gramsci:
Para Gramsci , três níveis de percepção da sociedade e do Estado: a) a infra-estrutura- que , tal como para Marx, consiste no espaço das relações de produção e de trabalho, na economia, simplificadamente falando; b) a sociedade civil – conjunto dos indivíduos organizados
2 Para mais informações sobre Doutrina de Segurança Nacional ler: ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). São Paulo: EDUSC, 2005.
3 Escola Superior de Guerra (ESG) órgãos demasiado importante para a formulação dos quadros estratégico dos militares.
5
nos chamados aparelhos privados de hegemonia e cerne da ação/pressão política consciente dirigida a obter certos objetivos e, finalmente, c) a sociedade política – ou “estado em sentindo restrito”, identificado ao que mais comumente designamos como Estado, isto é, o conjunto de aparelhos e agências do poder público, propriamente dito. (MENDONÇA, 1998, p.20)
Nesse entendimento o SNI e os órgãos que constituíam as comunidades
se apresentam enquanto a Sociedade Política “os aparelhos militares e
burocráticos de dominação e de coerção” (COUTINHO, 1989, p.128), em
vigilância e em relação dialética com a Sociedade Civil, pois a empiria nos
mostra nos relatórios do SNI a atuação em que o mesmo se propunha para
construir hegemonia junto à sociedade civil, essa o qual entendo que não é
pleno sujeito passivo e sim um ator político.
Em relatório de 1980 referente à atuação do SNI na Paraíba sobre um
conflito de terra acunhado da Grande Alagamar, os agentes explicitam através
de publicação do Jornal A União uma tentativa de voltar os demais setores da
sociedade civil contra os camponeses, os quais em diversos documentos são
apresentados como aríetes e influenciados pelo clero, que estavam
organizados em torno deste conflito, numa clara busca de conquista de
hegemonia. Apresentando de maneira tendenciosa a matéria do jornal traz “A
verdade sobre Alagamar, Piacas Maria de Melo – Forjando Guerra o Objetivo é
Socializar”.
Fonte: Fundo SNI – Agência Recife - ARE-ACE-898-80 (Informe nº 0134/117/ARE/80) Fundo
SNI. Arquivo da Comissão da Verdade e Preservação da Memória do Estado da Paraíba4
4 No documento em questão trazem nomes como CDDH, Caixe e Dom José os quais irei desenvolver mais a frente neste artigo.
6
Isto posto o SNI era necessário para garantir a centralidade do poder do
estado, pois “ele montará uma formidável rede de informações políticas para
detectar os ‘inimigos’, aqueles setores da oposição que possam estar infiltrados
pela ação comunista ‘indireta’”(ALVES, 19884, p. 41). Porém a história nos
mostra que tal controle não era possível, pois os sujeitos da sociedade civil
brandiam suas bandeiras de antagonismo à ditadura-civil militar.
Tendo fim o governo de Castelo Branco, em 15 de março de 1967
assume o então General Costa e Silva, pois “na visão dos militares radicais, a
caçada aos subversivos havia sido branda demais nos três primeiros anos da
‘revolução’ e era preciso apressar a ‘limpeza’ do país” (FIGUEIREDO, 2005, p.
149). Assim o serviço deu uma guinada estratégica e política para alcançar em
maior escala a sociedade civil “o SNI tornou-se um poder político de facto tão
importante quanto o do próprio Executivo” (ALVES, 1989, p.72-73), expandindo
assim as suas funções. De órgão para o anseio do primeiro ditador, passa-se a
ter uma dimensão bem maior de atuação.
Seu objetivo era coletar o máximo de informações pertinentes para
manter a seguridade do sistema, este, interceptava correspondências,
grampeava quartos de hotéis de políticos e atores políticos que estavam na
mira do regime, também grampeavam telefones, infiltravam militares ou
agentes civis dentro de organizações políticas para colher informações, e
monitorar os paços políticos dos sujeitos organizados em aparelhos privados
de hegemonia. Para assim tomar objetividade em diversos memorandos e
documentos confidenciais os quais circulavam em todo o corpo que construía a
rede de informação e segurança da Ditadura
Em 1970 é aprovado o Plano Nacional de Segurança, durante o governo
do Garrastazu Médici, o qual pretendia garantir que as futuras missões do SNI
seriam de competência do recém-criado Sistema Nacional de Informação
7
(SISNI), que agora colocava dentro do guarda chuva os serviços de
informações e segurança5, que constituíam a comunidade de informações:
O SISNI, era composto pelo ‘Subsistema de Informações Estratégicas Militares’ o qual era específico das três Forças Armadas: Centro de Informações da Marinha (CENIMAR), Centro de Informação da Aeronáutica, (CISA) e Centro de Informações do Exército (CIE). Sendo todos eles órgãos criados ou reformados durante de Costa e Silva para melhor combater a ‘subversão’” (FERREIRA, 2017, p.23)6
A comunidade de informações “se tornou uma complexa rede, que tinha
como principal função acompanhar os vários campos de ação governamental”
(ANTUNES, 2001, p.83), nelas os serviços das forças armadas construía
estratégias e trabalhavam em comunhão, mas também isoladamente no
caminho da repressão. Todavia alguns dos órgãos que a compunham como o
CIE criado pelo General Costa e Silva ganhou demasiado fôlego nesse período
de presidência de Médici, pois “era o serviço de informação que contava com o
maior quadro de pessoas e o que mais se empenhou no combate à luta
armada” (ANTUNES, 2001,p.24)
Em 1971 é criada a Escola Nacional de Informações da ESNI, que
garantiu que o SNI “tivesse o centro de ensino mais sofisticado do país”
(FIGUEIREDO,2005,p.222) e assim formar intelectualmente e estrategicamente
seus agentes para buscar informações que garantissem o controle do estado
ditatorial, pois para garantir a hegemonia o estado ditatorial precisaria formar
os seus intelectuais orgânicos para arregimentar suas funções. Sobre a função
destes “ do aparato de coerção estatal que assegura ‘legalmente’ a disciplina
dos grupos que não ‘consentem’, nem ativa nem passivamente, mas que é
constituído para toda a sociedade.(GRAMSCI, 1968, p. 11) “7
“No esquema de segurança do governo Médici, o Exército era os músculos e o SNI, o cérebro. Com apenas seis anos de vida, o Serviço Nacional de Informações se tornara de fato o
5 Sobre distinção do que seria órgãos de informações e segurança: Antunes, (2001, p. 42) afirma “os órgãos militares tinham uma preocupação em desvincular suas agências de informações da atividade de segurança e repressão” 6 É interessante salientar que também faziam parte da comunidade os famosos órgãos de repressão Centro de Operações de Defesa Interna (CODI) e Destacamento de Operações de Informações (DOI) 7 Sobre Intelectuais orgânicos ler: GRAMSCI, Antonio, Os intelectuais e a organização da cultura. 3.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.
8
quarto poder no país. Nada lhe escapava.”(FIGUEIREDO, 2005, p.194)
Em 15 de março de 1974, Ernesto Geisel assume o cargo de presidente
do país. Estava sinalizado dentro das disputas militares o retorno dos
“moderados”8 para o comando da ditadura. O qual apontou que iria
implementar um ’gradual, mas seguro, aperfecionamamento democrático’ para
a abertura política do país. É nesse contexto que a vigilância aos movimentos
do campo e Igreja Católica Progressista tem suas ações priorizadas aos olhos
da comunidade de informações e SNI. Haja vista que o regime já havia
derrotado em matéria objetiva, através da gigantesca caça aos “subversivos”
as organizações de cunho mais “radical” de oposição ao regime.
Entre 1974 a 1985 que deveria ser o afrouxamento para a abertura
política, seja nas suas atividades de segurança e nas de informação do regime,
se mostrou algo inverso no tocante a vigilância. O SNI ao invés de afrouxar-se
se fincou mais, e aumenta o seu poder de vigilância. Os documentos do SNI
acerca das movimentações da Igreja Católica Progressista e os movimentos
sociais no campo ganham tamanho quantitativo. Devido todo o contexto
político que essas organizações tomavam em denunciar as violações
cometidas pelos militares, e brandindo as bandeiras da justiça social.
Neste período o SNI era chefiado pelo General João Batista Figueiredo,
cujo nos anos de governo de Geisel, aumentou em demasia o corpo
burocrático do SNI de agentes e fincou sua ação em diversos setores da
sociedade civil. Também vale salientar que é neste período em que várias
atrocidades de cunho terrorista foram comandadas pelos ditadores e seus
respectivos serviços.9
“Os militares sabiam, que, mais dia menos dia, teriam de voltar aos quarteis. Seria normal, portanto que o SNI começasse a diminuir de tamanho. O que acontecia, porém era exatamente o contrário. Não é que o Serviço crescesse; ele inchava.” (FIGUEIREDO, 2005, p.271)
8Após a recente abertura de arquivos norte-americanos sobre a ditadura brasileira que mostram que no Governo dos “moderados” a tortura e as demasiadas violações dos direitos humanos aconteciam, fica em aberto mais para explorarmos enquanto historiadores. 9 Sobre essas ações terroristas: ARGOLO, José A. et al. A direita explosiva no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 1996.
9
Com a posse de Figueiredo esse crescimento não diminuiu, o SNI
atingiu um gigantismo, exemplo destas atitudes, foi um hospital construído em
Brasília em nome do serviço. O SNI e a comunidade de informações e
segurança mesmo caindo em decadência funcional inchava seus quadros ao
tempo em que o barco da legitimidade da Ditadura Civil Militar afundava seus
últimos resquícios. Por fim, apenas no governo de Sarney que o SNI diminuiu
suas funções voltando-se apenas para atividades de segurança externa e logo
depois findando-se. Tal órgão era importantíssimo para os militares que dois
dos seus cinco Ditadores comandaram este, Médici de 1967 até 1969 e
Figueiredo em 1974 até 1978.
Nesse período de afrouxamento é onde encontrei todos os documentos
que faziam referência à vigilância a Igreja Católica Progressista e os
movimentos sociais no campo no Estado da Paraíba. Em fins de 1960 quando
a Comissão Nacional dos Bispos (CNBB) se colocou publicamente se
posicionando contra o regime militar, está já ficou na mira dos vigilantes, a
vigilância se aprofundou em meados dos anos de 1970.
É nessa temporalidade em que as Comunidades Eclesiais de Base
(CEBs) se espalham por todo o país fazendo um trabalho com os diversos
setores da sociedade civil, com um papel de denúncia e trabalho comunitário
por um mundo menos desigual e em que não haja mais violação dos direitos
humanos. Construindo com os movimentos locais e nacionais protestos e
mobilizações os quais “a igreja teve papel fundamental em aglutinar e organizar
numa relação de troca de experiências juntamente com a questão da fé em
torno de pautas progressistas daquele contexto” (FERREIRA; NUNES,2017,
p.8).
É nesse aspecto que utilizo a concepção de classe enquanto processo e
classe enquanto formação do historiador E. P. Thompson. Para poder analisar
como sujeitos vindos de realidades distintas estavam alinhados na mesma
ideia política, mesmo havendo as suas peculiaridades, usando da base das
fontes primárias as quais os trazem mencionados juntamente nos documentos.
De primeira vista possa parecer que ao falar campo e igreja católica
10
progressista esteja se falando de dois objetos distintos, porém não o é, haja
vista que estavam se organizando em conjunto em torno das já mencionadas
CEBs, e no caso da Paraíba a Comissão de Direitos Humanos da Arquidiocese
do Estado da Paraíba (CDDH). Sobre essa concepção de classe entendo que
seja:
A Classe acontece quando alguns homens, como resultado de experiências comuns (herdadas ou partilhadas), sentem e articulam a identidade de seus interesses entre si, e contra outros homens cujos interesses diferem (e geralmente se opões) dos seus. (THOMPSON, 1987, p.10)
Assim empiricamente se organizando em cerca de 80.000 CEBs
espelhadas pelo país em denúncia e pedindo o fim do regime militar, junto a
elas também havia as comissões pastorais, essas sendo diversas, carcerárias,
urbanas e a que interessa nesta pesquisa, a Pastoral da Terra, o qual “é a mais
controvertida talvez por ser tão militante, tanto nos seus ataques ao regime
quanto na sua defesa dos trabalhadores rurais”(CAVA, 1988, p.246).
Ao analisar as fontes primárias disponibilizadas pela Comissão Estadual
da Verdade pela Preservação da Memória do Estado da Paraíba (CEVPM-PB)
percebi um fator que me chamou atenção são as demasiadas informações que
os camponeses eram pessoas ausentes de intelecto que estavam sendo
influenciados pela igreja católica, como nesse trecho de documento dos anos
80:
Foram constatadas as seguintes atividades: a. o clero paraibana professa a ideia da Igreja Comunidade e materializou essa nova corrente de pensamento católico através Comunidades de Bairro e Clubes de Jovens, disseminados pela grande JOÃO PESSOA e em expansão pelo interior do Estado. Esses grupos, após infiltrados por elementos esquerdistas, passam na realidade a serem instrumentos de pressão, agitação e propaganda.” .(AC ACE CNF 732-80 Fundo SNI. Arquivo da Comissão da Verdade e Preservação da Memória do Estado da Paraíba)
Porém analisando os documentos os cruzando-o com trabalhos
empíricos com os camponeses das regiões mencionadas nos documentos, e
também com a ajuda da analise teórica percebo que isso seja um falseamento
da informação para os fins dos militares. Sobre essa possível ausência de
militância dos camponeses:
11
Os pequenos produtores, geralmente, têm alguma dificuldade em passar da constatação de que estão sendo alvo de injustiças, para uma analise do fato e uma atuação no sentindo de enfrentá-lo e supera-lo, correspondente a um certo nível de criticidade e participação. Isso porque os produtores direitos, como os pequenos arrendatários de Alagamar, quase sempre produzem isoladamente, o que os distância uns dos outros. E, do inicio do plantio ate o final da colheita, depende do trabalho cotidiano na própria unidade de produção familiar, o que os absorve inteiramente(...).Às vezes, no período de entressafra, também assalariam-se completamente em outras áreas, o que, em tese, poderia concorrer para maior distanciamento entre os que exploram originalmente o mesmo imóvel como pequenos produtores isolodos.
Não obstante, em Algamar, essa tendência à dispersão, já vinha sendo inicialmente superada por atitudes solidárias entre os arrendatários, que chegavam a repartir entre si, segundo as próprias necessidades , o resultado de seu trabalho (...)
De modo geral, porém, na nossa realidade, somente determinados fatos violentes, como a tentativa de expulsão dos arrendatários levada a efeito pelos novos proprietários de Alagamar, ameaçando sua sobrevivência e tornando insustentáveis suas condições de vida, conseguem despertar os camponeses do citado imobilismo, resultante de ma forma individualizada de produção” (1980, p. 40,41. Apud MOREIRA, 1997, p.804,805)
Thompson ao abordar sobre o processo de classe em si para classe em
si nos traz que os sujeitos já estão imbuídos em sua classe e vivenciando a luta
de classe, mas chega determinado momento em que toma a classe para si, tal
conflito nomeado de Grande Alagamar o qual está presente em demasiados
relatórios do SNI e o qual as autoras narram na citação acima podemos
perceber a aplicação empírica de tal conceitualização da classe, para o autor
essa relação se mostra:
“As classes não existem como entidades separadas que olham ao redor, acham um inimigo de classe e partem para a batalha. Ao contrário, para mim, as pessoas se vêem numa sociedade estruturada de certo modo (por meio de relações de produção fundamentalmente), suportam a exploração (ou buscam manter poder sobre os explorados), identificam os nós dos interesses antagônicos, debatem-se em torno desses membros nós e, no curso de tal processo de luta, descobrem a si mesmas como uma classe, vindo, pois, a fazer a descoberta da sua consciência de classe. Classe e consciência de classe são sempre o último e não o primeiro degrau de um processo histórico real”. (THOMPSON, 2012: 274)
Pude também vislumbrar nessa pesquisa o caso de insatisfação
dos camponeses era real como podemos perceber no depoimento o Sr
12
Joaquim Guilhermino, agricultor de Piacas à comissão parlamentar de Inquérito
instalada pela assembleia Legislativa da Paraíba:
Eu venho trabalhando, cultivando. Agora o problema que eu me acho prejudicado é porque ele quer tirar nós da nossa área baixa que nós vivemos e votar lá para a serra. E nós que somos nascidos e criado acolá, nós conhecemos a região. Mas se nós vamos lá par cima, nós vamos matar a nossa família. (CANTALICE, D, 1980, p. 85. Apud MOREIRA, 1997, p.803)
Contrariando assim a visão que os agentes narravam nos relatórios do
SNI, ou seja à ausência de autonomia dos sujeitos camponeses e apenas
colocando o pessoal da Igreja como os detentores do poder intelectual de
influenciador, como se observa no documento referente a atuação do Frei
Anastácio, tido como agitador e influenciador:
FREI ANASTÁCIO RIBEIRO:
“ 1976 - Promoveu agitação no meio rural juntamente com o Frei HERMANO JOSÉ e o Advogado VANDERLEY CAIXE, Coordenador do Centro de defesa dos Direitos humanos da Arquidiocese da PARAÍBA no caso da desapropriação das propriedades MUCATU, GARAPU e ANDREZA.
1978 - Liderou reuniões na Igreja de ALHANDRA/PB, de cunho ideológico, nas quais tomaram parte agricultores dos Municípios / de ITABAIANA, SALGADO DE SÃO FELIX, PEDRAS DE FOGO, CAAPORA, PITIMBÚ, PILAR, CONDE, MOGEIRO e SÃO MIGUEL DE ITAIPÚ, durante essas reuniões foram lidos artigos da Constituição / Cubana.
- Orientou e incitou moradores contra proprietários de terras no Município de CAAPORÃ
- Participou do III ENCONTRO NACIONAL DAS COMUNIDADES ECLESIAIS, realizado no período de 19 a 23 Jul 78, em JOÃO PESSOA/PB, coordenado pela Arquidiocese da PARAÍBA e com o apoio da CNBB, sob o tema ‘IGREJA, POVO QUE SE LIBERTA’.
- É tido como ativista da esquerda clerical e seguidor fiel da/ orientação do D. JOSÉ MARIA PIRES. - Não foi possível obter os dados qualificativos do nominado” .(AC ACE CNF 785-80 Fundo SNI. Arquivo da Comissão da Verdade e Preservação da Memória do Estado da Paraíba)
Ao decorrer dessas analises documentais pude perceber a demasiada
presença da menção aos sujeitos da igreja ou advogado Wanderley Caixe, e
quase nada sobre os camponeses, assim tive que recorrer a demais fontes que
pudesse contrariar tal ideia, e até mostrar como os conflitos de terra e as
demais lutas as quais campo e igreja estavam lado a lado iam além de
influência ou persuasão e sim de um entendimento em certa parte comum de
13
mundo, pois esses sujeitos vindo de setores distintos se encontravam neste
momentos imbuídos de solidariedades e sentimento comum de mundo, assim
sendo vigiados corriqueiramente pelo Serviço Nacional de Informações e
sofrendo demasiadas investidas dos órgãos de segurança, por isso pesquisar
tal documentos se enquadra em um cuidado especial, pois são documentos
sensíveis:
Os arquivos de regimes repressivos são fontes sensíveis da história recente, por serem ao mesmo tempo testemunhos de um passado ainda próximo e das estratégias de organização e da memória coletiva, ao serem feitos usos diversos do que se situará como discurso oficial e o que será deixado para o esquecimento. E nunca é demais frisar que a disponibilização de fundos documentais como esses é fundamental para o conhecimento dos fatos e para a escrita da história, assim como para a consolidação dos próprios regimes democráticos. (GERTZ; BAUER, 2013, p.191)
Então, podemos concluir que a vigilância exercida pelo SNI e sofrida
pelos atores políticos da sociedade civil foi uma busca constante de tentar
sufocar esse tipo de organização popular e manter a hegemonia já fragilizada
dos militares, em uma busca desenfreada de violação dos direitos humanos
que trouxe sequelas para o resto da vida dos sujeitos e para a nossa
sociedade.
REFERÊNCIAS Fontes Históricas -Fundo SNI - Agência Arquivo da Comissão da Verdade e Preservação da Memória do Estado da Paraíba
AC ACE CNF 732-80
AC ACE CNF 785-80
ARE-ACE-898-80 ( Informe nº 0134/117/ARE/80)
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