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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Faculdade de Educação SARA BADRA DE OLIVEIRA O PAPEL DA CONFIANÇA INTERPESSOAL E INSTITUCIONAL NOS PROCESSOS PARTICIPATIVOS DE AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA CAMPINAS 2019

O PAPEL DA CONFIANÇA INTERPESSOAL E ...repositorio.unicamp.br/.../1/Oliveira_SaraBadraDe_D.pdfAutora: Sara Badra de Oliveira COMISSÃO JULGADORA: Profa. Dra. Mara Regina Lemes de

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Faculdade de Educação

SARA BADRA DE OLIVEIRA

O PAPEL DA CONFIANÇA INTERPESSOAL E

INSTITUCIONAL NOS PROCESSOS

PARTICIPATIVOS DE AVALIAÇÃO DA

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA

CAMPINAS

2019

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SARA BADRA DE OLIVEIRA

O PAPEL DA CONFIANÇA INTERPESSOAL E

INSTITUCIONAL NOS PROCESSOS

PARTICIPATIVOS DE AVALIAÇÃO DA

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA

Tese de Doutorado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em

Educação da Faculdade de Educação

da Universidade Estadual de

Campinas como parte dos requisitos

exigidos para a obtenção do título de

Doutora em Educação, na área de

concentração de Educação.

Orientadora: MARA REGINA LEMES DE SORDI

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA SARA BADRA DE OLIVEIRA, E ORIENTADA PELA PROFA. DRA. MARA REGINA LEMES DE SORDI

CAMPINAS 2019

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

TESE DE DOUTORADO

O PAPEL DA CONFIANÇA INTERPESSOAL E

INSTITUCIONAL NOS PROCESSOS

PARTICIPATIVOS DE AVALIAÇÃO DA

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA

Autora: Sara Badra de Oliveira

COMISSÃO JULGADORA:

Profa. Dra. Mara Regina Lemes de Sordi

Prof. Dr. Luiz Carlos de Freitas

Prof. Dr. Pedro Ganzeli

Profa. Dra. Adriana Bauer

Prof. Dr. Elie George Guimarães Ghanem Júnior

Dra. Rita de Cássia Silva Godoi Menegão

A Ata da Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da Unidade.

2019

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à Mara de Sordi, por ter orientado meu percurso acadêmico desde o

mestrado até o presente momento. Durante oito anos tive o privilégio de aprender com

seu profissionalismo, seriedade e integridade, que não prescindem do lado humano e

carinhoso, marcas características de sua conduta pessoal e acadêmica. Sou grata por

todo apoio, pelas discussões sempre frutíferas e instigantes, pelas palavras e gestos de

motivação e incentivo, por seus exemplos de atuação comprometida, por ter contribuído

imensamente com minha formação humana.

Aos meus amados pais, Celeste e Wanderley, que sempre me ajudaram em tudo

que precisei. Obrigada por todo amor, carinho e apoio, por serem meu porto seguro,

minha referência de esforço e superação. Ao meu irmão Mateus, que também esteve ao

meu lado nessa empreitada.

Ao Dirceu da Silva, por ter disponibilizado seu tempo para me ensinar o passo a

passo da construção do instrumento dessa pesquisa. Sua ajuda foi fundamental.

Ao Luiz Carlos de Freitas, por todos esses anos de aprendizado, por ser uma

grande referência de comprometimento, seriedade e pensamento crítico, por estar

sempre disposto a nos ajudar e a dialogar, por ter se empenhado em construir uma

referência de grupo que vai me acompanhar por toda minha trajetória. Obrigada também

pelas reflexões suscitadas na ocasião da defesa da tese.

À Adriana Varani, por sua importante participação na banca de qualificação, e

pelos aprendizados compartilhados ao longo de minha trajetória no LOED. À Regiane

Bertagna, pelas conversas e parcerias que contribuíram com a minha formação.

Ao Elie Ghanem, que compôs a banca desde a qualificação, ao Pedro Ganzeli e à

Adriana Bauer, que estiveram presentes na banca de defesa, pelas valiosas contribuições

e reflexões instigantes.

À Rita Menegão, sou grata por sua participação em minha banca de defesa, pelas

belas palavras proferidas, pela amizade de anos, pelas trocas e parcerias acadêmicas, por

ser tão inspiradora.

À Sharon Gewirtz, que aceitou me receber no Kings´ College London para meu

estágio sanduíche. Sou grata pelas discussões instigantes, pelas indicações

bibliográficas, pela parceria de escrita, por ter acreditado no meu trabalho. Mais que

isso, obrigada pelo acolhimento na cidade e na universidade, pelos passeios, pelas dicas

e contatos, sem os quais minha estadia em Londres não teria sido tão proveitosa.

À Marta Garcia, que esteve sempre disposta a compartilhar as dores e sabores

dessa trajetória, e me ajudou num momento crucial, indicando o professor Dirceu para

contribuir na parte quantitativa dessa tese. Obrigada por toda sua ajuda e amizade.

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À Raquel Alonso, amiga de graduação, pela sua inestimável capacidade e

disponibilidade em ouvir, dialogar e me compreender nos momentos que mais precisei.

Sou grata por sua amizade e pelas conversas acadêmicas, que ofereceram insights

valiosos para essa tese.

Ao Roberto Rezende, pelas discussões acadêmicas inspiradoras, por ter me

ensinado tanta coisa, e pelo apoio oferecido durante grande parte desse percurso.

Aos amigos e amigas de LOED que estiveram próximos em diferentes

momentos do meu doutorado: Ana Paula Carra, Bruno Jürgensen, Jackeline Santos,

Marcos Santos e Roberta Golçalves, por terem proporcionado aquela sensação de união

que tanto me motivou a seguir em frente, por todo companheirismo e pelas conversas

regadas a bolinhos, chás, vinhos, cupuaçus e açaís; à Camila Rodrigues, ao Jean

Rodrigues e à Luana Ferrarotto, pelas frutíferas conversas e parceria que me ofereceram

nos anos iniciais.

À Érika Moreira e à Sara Freitas, obrigada pela inestimável ajuda que me deram

quando cheguei em Londres para o período sanduíche do meu doutorado, por terem me

oferecido aquela sensação de amparo tão importante nesses momentos. Ao Yen-Hsiang

Huang, por ter me ajudado a decifrar os códigos e burocracias de uma universidade

inglesa, pelas ricas trocas de conhecimentos culturais e acadêmicos, pelo carinho e

amizade. À Karin e ao Klaus, que me receberam em sua casa de forma tão acolhedora,

sempre dispostos a uma conversa no fim do dia, a uma dica aqui outra ali sobre parques,

cinemas e museus, agradeço pelas trocas e aprendizados que vou levar para toda vida. À

Julia Malanchen, à Giuliana Almeida, à Patrícia Rocha e ao Rodrigo Alves, pelas novas

e velhas amizades fortalecidas em tempos difíceis em que estive me adaptando a outro

país e a uma nova fase da vida.

À Betina de Tella, à Ellen Corrêa, à Karen Polaz, à Lara Carajiliascov e à Letícia

Tarifa, por sua amizade desde a época da graduação, pelo crucial apoio e carinho ao

longo de tantos anos. À Ellen agradeço também pelos diálogos sobre a pesquisa, e por

ter se disposto a contribuir lendo parte da tese; e à Betina que me acolheu em minha

nova morada, pelo que também agradeço à Camila Costa. Ambas ajudaram a prover um

ambiente sereno e agradável para a importante reta final da escrita, sendo sempre muito

solícitas e companheiras.

Ao Pedro Cruz, pelo companheirismo e apoio na extenuante reta final de escrita

da tese.

À Júlia Rizzi, amiga de infância, que mesmo longe sempre esteve tão próxima,

me incentivando a seguir em frente nos momentos difíceis e vibrando junto nas

conquistas e alegrias.

À Suzelei e ao Alexandre, que me disponibilizaram e organizaram materiais das

reuniões de negociação.

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Aos membros das equipes gestoras e às(aos) professoras(es) das duas escolas de

campo, com destaque especial às duas professoras que coordenaram a CPA da Escola A

entre os anos de 2016 e 2017, os quais permitiram minha entrada nas escolas, e ao longo

da pesquisa foram muito solícitos respondendo às minhas dúvidas e compartilhando

seus saberes e experiências. Também agradeço às equipes gestoras e professoras(es) das

outras vinte e oito escolas da rede que aceitaram disponibilizar parte do seu horário de

trabalho para responder ao instrumento dessa pesquisa.

Aos funcionários da Faculdade de Educação da Unicamp, pela gentileza e

prontidão em auxiliar os estudantes em suas mais diversas necessidades acadêmicas.

Por fim, agradeço imensamente à FAPESP/CAPES, por ter financiado minha

trajetória de pesquisa desde o mestrado até o doutorado, tendo inclusive concedido

financiamento para realização do meu estágio de pesquisa no exterior - bolsa estágio de

pesquisa no exterior processo nº 2017/20119-3 e bolsa doutorado no país processo nº

2014/06295-5, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

Além da FAPESP, nos seus primeiros meses o presente trabalho foi realizado com

apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil

(CAPES) - Código de Financiamento 001.

Porque qualquer esforço é um empreendimento COLETIVO.

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RESUMO

Essa tese analisa a relevância da categoria confiança interpessoal e institucional para

compreensão dos fatores que afetam a qualificação da escola pública. É crescente a

literatura nacional e internacional que documenta como determinado uso das avaliações

externas, associado às estratégias gerenciais de competição e punição/recompensa, traz

consequências negativas para a garantia do direito à educação, além de não contribuir

com os objetivos aos quais se propõe de elevação duradoura e substantiva da qualidade

educacional. Na contramão ao modo gerencial de regulação, parto do pressuposto que a

qualificação da escola pública depende do envolvimento ativo da comunidade escolar

em processos de avaliação institucional participativa (AIP), caracterizados pelos

princípios da qualidade social, negociação e responsabilização compartilhada. Nesse

sentido, o objetivo da tese é analisar como a confiança entre professores, e destes em

relação à equipe gestora, aos pais/responsáveis pelos alunos, e à Secretaria Municipal de

Educação, se relaciona com os processos democráticos de negociação da qualidade

educacional, no contexto da rede municipal de Campinas que implementa uma política

de AIP. Para tanto, as escolhas metodológicas quanti-qualitativas envolveram

entrevistas, observação em duas escolas, construção e validação de um instrumento de

medição da confiança interpessoal e institucional. Argumento que a participação dos

sujeitos na construção de propósitos comuns comprometidos com a qualidade social

depende do aprofundamento de um tipo de confiança pautada não apenas no pilar da

reciprocidade, como predominantemente ocorre na literatura, mas também do

reconhecimento e da redistribuição.

Palavras-chave: confiança - avaliação institucional participativa - escola pública -

reconhecimento - redistribuição

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ABSTRACT

This thesis analyzes the relevance of the concept interpersonal and institutional trust to

understand the factors that affect public schools´ capacity for educational improvement.

There is a growing emphasis on how certain use of external evaluations, associated with

managerial strategies of competition and punishment/reward, has negative

consequences for assuring the right to education, and does not contribute to achieving

the intended goals of deep and lasting change. In the opposite direction to the

managerial mode of regulation, I assume that educational improvement depends on the

active involvement of the school community in processes of participatory institutional

evaluation (AIP), characterized by the principles of social quality, negotiation and

shared responsibility. Hence the aim of the thesis is to analyze how the faculty trust in

colleagues, parents, the management team, and the Municipal Department of Education,

is associated with democratic processes of quality negotiation, in the context of the

Education System of Campinas where an AIP policy has been taking place. In order to

accomplish that, the quanti-qualitative methodological approach involved interviews,

observation in two schools and the construction and validation of an instrument to

measure institutional and interpersonal trust. I argue that the participation of school

subjects in the construction of common purposes committed to social quality depends

on strengthening an specific type of trust based not only on the dynamics of reciprocity,

as predominantly featured by the literature, but also on recognition and redistribution.

Key-words: trust - participatory institutional evaluation - public school - recognition -

redistribution

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Articulação entre os três níveis de avaliação .......................................................... 54

Figura 2 - Modelo ajustado após eliminação das variáveis com carga inferior a 0,50.......... 159

Figura 3 - Valores do Teste T-Student .................................................................................. 161

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Primeira Definição e Escala Likert sobre Confiança na Escola ......................... 104

Quadro 2 - Facetas da Confiança segundo Hoy e Tschannen-Moran ................................... 106

Quadro 3- Escala representativa da corrente de Wayne Hoy ................................................ 107

Quadro 4 - Tipos de Reuniões Observadas em Campo ......................................................... 129

Quadro 5 - Professores entrevistados na fase exploratória ................................................... 132

Quadro 6 - Instrumento Confiança (primeira versão) ........................................................... 139

Quadro 7 - Juízes da Validação Conceitual .......................................................................... 146

Quadro 8 - O Modelo Testado: relação entre constructos e variáveis .................................. 154

Quadro 9 - Itens descartados no Teste AVE ......................................................................... 157

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Cronograma Metodológico da Pesquisa ............................................................... 125

Tabela 2 - Quantidade de observação nas duas escolas ......................................................... 130

Tabela 3 - Participação das Escolas por NAED .................................................................... 151

Tabela 4 - Valores da qualidade de ajuste do modelo antes da eliminação das variáveis ..... 157

Tabela 5- Valores da qualidade de ajuste do modelo após a eliminação das variáveis ......... 159

Tabela 6 - Validade Discriminante ........................................................................................ 160

Tabela 7 - Validade Preditiva (Q²) e Tamanho do Efeito (f²) ................................................ 162

Tabela 8 - Coeficientes de Caminho ...................................................................................... 162

Tabela 9 - Médias por item e por constructo e Desvios-Padrão ............................................ 165

Tabela 10 - Itens e Médias da Relação Professor-Secretaria Municipal de Educação .......... 171

Tabela 11 - Itens e Médias da Relação Professor-Pais/Famílias ........................................... 199

Tabela 12 - Itens e Médias da Relação Professor-Equipe Gestora ........................................ 223

Tabela 13 - Itens e Médias da Relação professores- professores .......................................... 230

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Participação das Escolas por NAED ................................................................... 151

Gráfico 2 - Confiança dos professores na SME, famílias, gestores e colegas professores. ... 167

Gráfico 3 - Tipos de Demandas das Reuniões de Negociação .............................................. 173

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AERS: Applied Educational Research Scheme

AC: Alfa de Cronbach

AFC: Análise Fatorial Confirmatória

AFE: Análise Fatorial Exploratória

AIP: Avaliação Institucional Participativa

ANA: Avaliação Nacional de Alfabetização

APM: Associação de Pais e Mestres

AVE: Variância Média Extraída

CAE: Centro de Arquitetura Escolar

CAPES: Coordenação de aperfeiçoamento de pessoal de nível superior

CC: Confiabilidade Composta

CCS/T: Conselho de Classe, Série e Termo

CE: Conselho de Escola

CEASA: Centrais de Abastecimento de Campinas

CGP: Coordenadoria de Gestão de Pessoal

CHP: Carga Horária Pedagógica

CONUTRI: Coordenadoria de Nutrição

CP: Coordenador Pedagógico

CPA: Comissão Própria de Avaliação

CPFL: Companhia Paulista de Força e Luz

DEPE: Departamento Pedagógico

EAZ: Education Action Zone

EJA: Educação de Jovens e Adultos

EMEF: Escola Municipal de Ensino Fundamental

G1: Grupo de Saberes 1

G4: Grupo de Saberes 4

GERES: Estudo Longitudinal da Geração Escolar

HP: Hora-Projeto

IDEB: Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

INEP: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio

Teixeira

IP: Instituição Participativa

LDBEN: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

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LOED: Laboratório de Observação e Estudos Descritivos

MIPID: Programa Memória e Identidade: Promoção da Igualdade na

Diversidade na Rede Municipal de Campinas

NAED: Núcleo de Ação Educativa Descentralizada

OBEDUC: Observatório da Educação

ONG: Organização Não Governamental

OP: Orientador Pedagógico

PPP: Projeto Político Pedagógico

RMC: Rede Municipal de Campinas

RN: Reunião de Negociação

RPAI: Reunião de Planejamento e Avaliação Institucional

SAEB: Sistema de Avaliação da Educação Básica

SARESP: Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São

Paulo

SINAES: Sistema Nacional e Avaliação do Ensino Superior

SME: Secretaria Municipal de Educação

TDA: Trabalho Docente em Sala de Aula

TDEP: Trabalho Docente entre Pares

TDPA: Trabalho Docente em Preparação de Aulas

TDC: Trabalho Docente Coletivo

TDI: Trabalho Docente Individual

VD: Validade Discriminante

UNICAMP: Universidade Estadual de Campinas

WVS: World Values Survey

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................. 18

CAPÍTULO 1. AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL PARTICIPATIVA: UMA

AÇÃO PROPOSITIVA DE CONTRARREGULAÇÃO .............................. 29

1.1. Efeitos e Limites das Reformas Gerenciais .............................................................. 29 1.2. Por uma accountability alternativa........................................................................... 42

1.2.1. Histórico, Princípios e Formatos da AIP .......................................................... 44 1.2.2. A implementação: potências e dificuldades da participação democrática ....... 57

CAPÍTULO 2. CONFIANÇA: o que é e para quê? ....................................... 65

2.1. O Problema da Confiança na Teoria Sociológica .................................................... 65 2.1.1. Confiança para Cooperação: Política de Solidariedade, Tolerância e

Legitimidade ............................................................................................................... 76

2.1.2. Confiança enquanto Capital Social: Limites e Implicações ............................. 79 2.2. Confiança nas Relações Internas à Escola ............................................................. 102

2.2.1. Corrente de Wayne Hoy ................................................................................. 103

2.2.2. Corrente de Chicago ....................................................................................... 108

CAPÍTULO 3. PROBLEMATIZAÇÃO E OBJETIVOS .......................... 116

3.1. Os Limites da Literatura sobre Confiança nas Escolas .......................................... 116 3.2. Objetivos da Pesquisa ............................................................................................ 119 3.3. A Busca pela Superação dos Limites ..................................................................... 120

CAPÍTULO 4. ESCOLHAS METODOLÓGICAS ..................................... 124

4.1. A escolha das escolas para imersão em campo ...................................................... 125 4.2. Construção do Instrumento (Fase Preliminar) ....................................................... 131

4.3. Validação de Conteúdo e Validação Semântica..................................................... 146 4.4. Aplicação do Instrumento ...................................................................................... 150

CAPÍTULO 5. CONFIANÇA, PARTICIPAÇÃO E QUALIDADE SOCIAL.

.......................................................................................................................... 153

5.1. Validação Estatística: Análise Fatorial Confirmatória ........................................... 153 5.2. Análise Descritiva dos dados ................................................................................. 163 5.3. Confiança e Redistribuição: professores e Secretaria Municipal de Educação ..... 168 5.4. Confiança e Reconhecimento: professores e pais/famílias .................................... 195

5.5. Confiança e Reciprocidade: relações entre pares e entre professores e equipe

gestora ........................................................................................................................... 222

CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................... 255

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REFERÊNCIAS .............................................................................................. 261

ANEXOS .......................................................................................................... 271

ANEXO 1- Instrumento Confiança (versão final) ........................................................ 271

ANEXO 2- Cinco Dimensões da Qualidade Social segundo OBEDUC ...................... 274 ANEXO 3- Alterações no Instrumento e Justificativas ................................................ 276 ANEXO 4- Itens Incluídos no Instrumento e Justificativas .......................................... 285 ANEXO 5 - Motivos de Recusa das Onze Escolas ....................................................... 287 ANEXO 6- Modelo Impresso do Instrumento .............................................................. 290

ANEXO 7 - Termos de Consentimento Livre e Esclarecido ........................................ 294 ANEXO 8 - Frequências das respostas do Instrumento ................................................ 299

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INTRODUÇÃO

Motivei-me a olhar para a confiança enquanto um problema de pesquisa a partir

da necessidade de compreender os fatores que afetam a concepção coletiva do trabalho

nas escolas públicas. Por concepção coletiva do trabalho escolar entende-se o

envolvimento da população usuária e dos servidores na gestão e avaliação das unidades

escolares, no que diz respeito aos aspectos político-pedagógicos, financeiros e

administrativos. Trata-se de uma concepção de participação que começa a ser

regulamentada pelas legislações e políticas educacionais brasileiras na década de 1990,

como reflexo da luta de movimentos sociais em defesa da escola pública e democrática

ao longo de anos, e influenciada por um contexto teórico no qual as produções

acadêmicas ressaltavam o vínculo estreito entre gestão democrática e melhoria da

qualidade educacional.

Nessa época o sistema educacional brasileiro buscava oferecer saídas aos

problemas crônicos de acesso não universal à escola básica e de fracasso escolar dos

alunos que nela ingressavam. Quanto ao primeiro problema, a cobertura dos serviços

escolares prosseguia em uma tendência de crescimento gradativo. Por outro lado,

enquanto o país buscava garantir o direito à escolarização básica, focando no acesso

universal à escola e na ampliação de vagas, tornavam-se cada vez mais visíveis as

deficiências de desempenho das escolas públicas, manifestas principalmente no

insucesso escolar dos alunos em termos de reprovação e evasão. Assim, a atenção das

políticas públicas voltou-se para a questão da qualidade do ensino e da permanência dos

alunos na escola.

Tal inadequação do sistema escolar às camadas crescentemente contempladas

com seus serviços era atribuída, sobretudo, a falhas no saber profissional docente,

insuficiência de recursos aplicados inclusive na remuneração dos professores, e

ineficiência no gerenciamento desses recursos, o que motivou o governo a propor, entre

outras ações, o envolvimento da população usuária e dos servidores na gestão das

unidades escolares. Com isso pretendia-se adequar os serviços educacionais às

aspirações e peculiaridades dos seus beneficiários, com objetivo principal de melhorar a

qualidade desses serviços e alcançar maior eficiência em termos de redução dos índices

de reprovação e evasão dos alunos.

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É nesse contexto que a ideia de envolvimento “da comunidade” na escola passou

a assumir uma importância crescente, servindo como referência para a proposição de

políticas e legislações educacionais voltadas à participação popular na gestão escolar. A

Constituição Federal da República de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº

9.394 de 1996 foram os marcos legal e constitucional da regulamentação da gestão

democrática em nível federal. Além de consagrar a educação como um direito de todos

os cidadãos, a Constituição determina-a como dever do Estado e da família e prescreve

que sua promoção e incentivo sejam feitos com a colaboração da sociedade. Nesse

sentido, a educação passa a ser entendida como uma área de corresponsabilidade entre

Estado e sociedade civil.

Sob os emblemas da autonomia pedagógica, financeira e administrativa, a gestão

democrática passou a ser concebida como participação da comunidade escolar nos

desígnios da escola no que se refere ao planejamento e avaliação dos conteúdos

curriculares e procedimentos de ensino, elaboração dos projetos pedagógicos e

definição dos calendários, alocação de recursos, seleção e recrutamento de profissionais.

Concretamente, sua implementação contou com a criação de práticas e instâncias

democráticas de gestão, como a eleição de diretores e a constituição de colegiados,

como o Conselho de Escola (o qual consta em legislações municipais e estaduais desde

a década de 1980). Com a Lei do Piso Salarial Profissional Nacional nº 11.738 de 2008,

foram criadas legalmente as condições de trabalho que tornariam viável o envolvimento

adequado dos professores em atividades coletivas no âmbito da escola.

Uma vez oferecidas tais condições estruturais, a atenção de pesquisadores

preocupados com a democratização da escola pública passou a se concentrar na

investigação dos mecanismos propostos à participação democrática em cada caso

concreto, seus aspectos positivos, obstáculos e dificuldades enfrentados para realizá-la.

No mestrado, iniciei a empreitada de buscar contribuir com esses esforços, interessada

em compreender o que possibilita um trabalho concebido coletivamente, comprometido

com a melhoria da qualidade do ensino (OLIVEIRA, 2013). Investiguei como uma

escola municipal de ensino fundamental da cidade de São Paulo conseguiu formular e

implementar um Projeto Político Pedagógico (PPP) inovador por iniciativa própria de

seus professores, famílias, alunos e gestores. Algumas perguntas nortearam a

investigação: os objetivos do PPP foram negociados e pactuados a partir da escuta a

todos os membros da comunidade escolar, ou esse documento forjava a existência de

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objetivos supostamente consensuais que teriam sido impostos por algum grupo

específico dentro da escola? O que me instigava naquela realidade era entender os

movimentos dialéticos de verticalização/participação, mudança/manutenção, como parte

de um processo dinâmico de construção coletiva.

A pesquisa de campo mostrou que a existência de espaços, apesar de

extremamente necessária, não foi suficiente para garantir a ampla participação de todos

os segmentos na formulação do PPP daquela escola (OLIVEIRA, 2013). Havia um

“núcleo duro” de professores antigos que ingressaram na escola no início da formulação

do Projeto em 2004, e de familiares pertencentes a extratos sociais superiores, que

tomavam as decisões relativas a procedimentos e conteúdos de ensino, enquanto os

alunos em geral, familiares das camadas populares e professores recém-chegados

tendiam a ser excluídos do processo. Esses achados vieram a se somar a outros da área

que discutiam, entre outras questões, a dificuldade de envolver alunos e famílias nas

tomadas de decisões pedagógicas, seja porque os profissionais da escola resistem a

compartilhar sua área de domínio pedagógico com leigos; seja porque as famílias não se

sentem à vontade para expor suas opiniões diante de pessoas com maior status que o

seu; ou mesmo devido às condições objetivas de vida, e subjetivas de desvalorização da

construção de sentidos coletivos. Documentou-se também a resistência dos próprios

professores em tirar proveito dos momentos de trabalho coletivo, uma vez que estes

tendem a ser vistos como entraves burocráticos ou perda de tempo (GHANEM, 1996;

OLIVEIRA, 2004; PARO, 2003; GEWIRTZ, 1997; BARRETO & NOVAES, 2016).

Além da participação propriamente, tais pesquisas também analisaram os

conteúdos das tomadas de decisões nos espaços avaliativos e deliberativos,

identificando dificuldades dos colegiados em abordar coletiva e sistematicamente

questões pedagógicas relativas às práticas docentes, ao currículo e procedimentos de

ensino; em formular claramente os problemas de caráter pedagógico e equacionar

medidas que contribuam para sua superação; em utilizar índices de rendimento

(externos ou elaborados pela escola) como base para proposição de alternativas de ação

pedagógica.

Dessa forma, ainda que a gestão democrática já tenha sido regulamentada,

percebe-se que a realidade de trabalho de muitas escolas permanece pautada, grosso

modo, no isolamento, hierarquização, e em discussões superficiais que não tocam os

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pilares do PPP. Em outras palavras, apesar dos avanços estruturais1, a construção e

avaliação coletivas do Projeto Político Pedagógico pela comunidade escolar ainda é

uma realidade difícil de ser alcançada. Continua sendo instigante, portanto,

compreender quais fatores ajudam a explicar por que em algumas escolas as pessoas se

sentem mais impelidas a criar e ocupar seus espaços com discussões substantivas sobre

a qualidade do ensino do que em outras, nas quais o comparecimento a reuniões é uma

atitude meramente burocrática ou simplesmente inexistente.

Isso explica meu interesse continuado em compreender quais fatores afetam a

participação e o envolvimento das pessoas na construção de sentidos coletivos nas

escolas. Foi então que a ideia de estudar confiança pareceu promissora, no sentido de

oferecer novas possibilidades de explicação que viriam a compor com as demais.

No final do mestrado, tomei contato com o livro “Trust in Schools: a core

resource for improvement” (BRYK & SCHNEIDER, 2002) de pesquisadores da

Universidade de Chicago. Eles buscam justamente analisar por que o Ato de Reforma

de 1988 - que descentralizava alguns poderes para o nível local das escolas, como os

administrativos de demissão e contratação de diretores e professores -, apesar de afetar

legalmente toda a rede, produziu uma variedade imensa de resultados práticos nas

escolas em termos de apropriação do novo poder conferido pela Reforma.

Essa observação se assemelha ao diagnóstico feito por Licínio Lima (2008) em

sua análise da experiência de descentralização pela qual passou o sistema público de

ensino de Portugal após a Revolução de 1974. Ele concluiu que a democracia

normatizada pelo Estado português não significou um rompimento com o paradigma da

centralização, o que o levou a reconhecer os limites da institucionalização da

autonomia. Para que deixe de ser mero discurso, a autonomia não pode ser delegada de

cima para baixo; ao invés, é necessário que ela seja ensaiada e aprendida pelos próprios

sujeitos a partir de sua prática cotidiana (LIMA, 2008).

Também guiados por esse pressuposto, aqueles pesquisadores norte-americanos

realizaram intensa pesquisa etnográfica em doze escolas pertencentes ao distrito de

Chicago, o que os permitiu atentar para um recurso poderoso que poderia explicar a

variedade de resultados observada nas escolas: a “confiança relacional” (BRYK &

SCHNEIDER, 2002). Eles concebem a confiança nas escolas como um recurso de

1 Deve-se considerar que a existência de determinações legais não significa sua implementação de fato, o

que pode ser exemplificado com a grande quantidade de redes que ainda não implementa integralmente a

Lei do Piso Salarial Profissional Nacional nº 11.738 de 2008.

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“capital social”, formado nas relações entre professores, e entre estes e o diretor e as

famílias dos alunos, que depende do julgamento que os professores fazem em relação às

ações e intenções do outro. É preciso que o outro lado da relação cumpra determinadas

expectativas de respeito, consideração, competência e integridade para que a confiança

entre esses segmentos se aprofunde. Os pesquisadores defendem que o grande ganho do

aprofundamento das relações de confiança é fortalecer as condições organizacionais

propícias ao trabalho cooperativo, o que por sua vez influencia a conquista de melhores

resultados acadêmicos para os estudantes (proficiência em língua inglesa e matemática).

Essa pesquisa instigou meu interesse em investigar a pertinência do conceito

“confiança relacional” para entender os entraves e potencialidades da implementação de

uma política democrática brasileira, precisamente a política de Avaliação Institucional

Participativa (AIP) nas escolas de ensino fundamental da Rede Municipal de Campinas

(RMC). A intenção foi entender se e como a “confiança” poderia ajudar a explicar por

que as escolas dessa rede, igualmente submetidas à política, apresentavam níveis

diferenciados de apropriação dos princípios da AIP, como inicialmente documentado

por Sordi et al. (2013).

A proposta de avaliação institucional participativa vem sendo desenvolvida

desde 2003 na rede municipal de Campinas através de uma rede colaborativa entre

escolas, gestores da Secretaria Municipal de Educação (SME) e pesquisadores do grupo

LOED da Faculdade de Educação da UNICAMP. Devido à legitimidade política

decorrente dessas parcerias, em 2008 a proposta de AIP foi elevada à condição de

política pública, sendo implementada nas quarenta e quatro escolas de ensino

fundamental da RMC. Ao longo desse percurso, o grupo LOED vem acumulando uma

série de investigações sobre o processo de construção e implementação dessa política,

buscando entender suas fragilidades e potências e os efeitos que produz sobre a

aprendizagem política da participação, sobre o fortalecimento das responsabilidades das

variadas instâncias e atores, e sobre o conhecimento social em torno do que é e do que

afeta a qualidade educacional.

A AIP foi proposta pelo LOED como tentativa de oferecer uma alternativa aos

pressupostos e efeitos das reformas gerenciais2 que começavam a adquirir

preponderância no cenário educacional brasileiro na década de 1990. As avaliações

externas em larga escala de desempenho acadêmico dos estudantes assumiam

2 Utilizaremos aqui “reformas gerenciais” e “reformas empresariais” como sinônimos.

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centralidade crescente nessas reformas, que pretendiam assegurar o alcance da

“qualidade total” na educação pública através de estratégias e princípios importados do

setor empresarial produtivo (FREITAS, 2012a).

O grupo LOED desde então esteve atento à literatura crítica nacional e

internacional que tem documentado como determinado uso das avaliações externas,

associado às estratégias gerenciais de competição e punição/recompensa, traz

consequências negativas para a garantia do direito à educação, além de não contribuir

com os objetivos aos quais se propõe de elevação duradoura e substantiva da qualidade

educacional.

As pesquisas expoentes de Sharon Gewirtz (2002) e Diane Ravitch (2011)

denunciam essas consequências, de forma detalhada e sistemática, nos contextos inglês

e norte-americano respectivamente. No Brasil, Luiz Carlos de Freitas, fundador do

LOED, tornou-se referência nacional na compilação de dados e pesquisas3 que mostram

a incapacidade dessas reformas em gerar efetivamente maiores scores nos testes de

desempenho, uma vez que elas desmoralizam e responsabilizam unilateralmente as

escolas e seus profissionais desconsiderando a gama complexa de fatores que afetam a

qualificação da escola pública. Além disso, elas não contribuem com a garantia de

aprendizagens socialmente significativas para todos os estudantes. Na contramão de

uma qualidade de interesse social, as “reformas empresariais” restringem-se a uma

formação empobrecida, restrita àquilo que é esperado nos postos de trabalho mais

simples (FREITAS, 2014; 2012b) e a uma concepção de cidadania enquanto adaptação

à ordem vigente (DUARTE, 2008).

No bojo da transformação da educação pública em um lucrativo mercado

educacional, as estratégias gerenciais em curso têm provocado, entre outras

consequências, desvalorização da categoria docente e sensação de stress e impotência;

estreitamento do currículo às disciplinas que são cobradas nos testes; práticas de

treinamento para os testes; mecanismos de exclusão dos alunos que possuem pouca

chance de elevar os scores das escolas. Quando escolas e estudantes são valorizados de

acordo com custos e resultados, transformados em mercadorias e consumidores, e

encorajados a competir por posições de vantagem em relação aos outros, o resultado é a

prevalência de uma ética de mercado que legitima a desigualdade, o individualismo, o

pragmatismo e o valor performativo, e desvaloriza a ética da cooperação, da

3 Um panorama amplo e completo da compilação realizada por esse pesquisador pode ser vislumbrado em

seu blog https://avaliacaoeducacional.com, acesso em 07/01/2019.

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solidariedade, a integridade, o respeito igualitário e a busca do bem comum (BALL,

2005; GEWIRTZ, 2002; RANSON, 2018).

Na contramão ao modelo gerencial de regulação, já está bem estabelecido na

literatura que a melhoria sustentável da qualidade educacional não resulta de pressão,

punição e accountability externa - características marcantes das políticas hegemônicas

sob influência desse modelo (FULLAN, 2009; MACLAUGHING, 1987; FORSYTH et

al., 2011; BRYK & SCHNEIDER, 2002). Segundo os autores, o alcance de tais

políticas tem se limitado a prover inputs (por ex. formação docente) e outputs (por ex.

desempenho nos testes), apostando em estratégias de pressão que pouco se adequam às

necessidades particulares das escolas e distritos, e desconsideram as condições sociais

dentro das escolas que afetam o uso dos inputs e a qualidade dos outputs.

Como forma de superar tais limitações, eles defendem, baseados em evidências

empíricas, que a melhoria educacional duradoura e substantiva depende da emergência

de processos locais de “controle social” alinhados ao trabalho cooperativo, à reflexão, a

autonomia e desenvolvimento profissionais, à responsabilidade compartilhada e,

sobretudo, à confiança coletiva.

Para eles, essa é a única forma de conectar as pretensões das políticas e reformas

externas ao alcance de resultados escolares efetivos. Isso porque a escola não é vista

como uma organização meramente burocrática que implementa automaticamente todas

as determinações que vêm de fora; ao invés, faz parte de sua dinâmica intrínseca a

produção contextual de regras próprias, a partir de suas condições locais e da interação

entre atores que são necessariamente diversos em suas experiências e visões de

educação (LIMA, 2008; MACLAUGHING, 1987). Reformas que não levam em conta

essas características da organização escolar, ou seja, que não criam condições para os

diversos atores se apropriarem dos sentidos da mudança, têm poucas chances de serem

bem sucedidas.

Segundo Forsyth et al. (2011), uma das formas pelas quais as políticas públicas

podem contribuir com o fomento de condições locais alinhadas à confiança e ao

trabalho cooperativo, é criando um sistema de avaliação baseado em múltiplas medidas,

que reflitam uma imagem ampla e justa da instituição. Ademais, é necessário que

estimule o uso formativo dessas medidas, associado à constante reflexão coletiva que,

ao aprofundar conhecimentos sobre a realidade escolar e recuperar a conexão entre

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condições, processos e resultados, fundamente ações capazes de promover

desenvolvimento pessoal e institucional.

Ao longo de sua trajetória, o grupo LOED tem buscado endossar o escopo de

pesquisas que identificam os limites das reformas empresariais na educação pública e,

mais que isso, tem se empenhado em delinear uma proposta de regulação democrática

alternativa, a mencionada avaliação institucional participativa (AIP), comprometida

com o alcance de uma qualidade educacional socialmente relevante que não se restringe

aos interesses de mercado.

Basicamente, o LOED endossa a defesa de que as políticas de avaliação externa

só conseguem apresentar impactos substantivos na melhoria educacional quando

associadas ao processo de avaliação institucional no nível das escolas, pelo qual a

comunidade escolar consome os dados externos de forma crítica e consequente,

buscando entender seus resultados a partir do conhecimento que constrói sobre a

realidade da escola e seu entorno. Sem esses processos locais de reflexão, as ações de

mudança paralisam-se, e os dados da avaliação se esvaziam de significado, resumindo-

se à exposição de medidas pontuais de desempenho que não tem o poder de mobilizar

esforços de melhoria, podendo inclusive levar a efeitos deletérios quando associados a

mecanismos gerenciais.

Dessa forma, é pelo processo de avaliação institucional que os membros da

comunidade escolar constroem conhecimento sobre sua realidade, e desenvolvem

condições de identificar aspectos que entravam o desempenho dos estudantes e de

propor soluções adequadas para superá-los. No entanto, para o LOED esse processo de

reflexão local não se resume a apropriar-se dos dados de desempenho elaborados

externamente, ou dos “sentidos da reforma” como defendem Forsyth et al. (2011); ele

também envolve um sentido crítico de produção de novos indicadores e metas, que

ajudem a compor uma concepção mais ampla de qualidade, para além do que é cobrado

nos testes de proficiência em português e matemática.

Além disso, para que ocorra de forma legítima e precisa, o processo de avaliação

institucional depende do olhar de todos os segmentos da escola (alunos, famílias,

professores, equipe gestora, funcionários operacionais), pois é o confronto de posições

que permite uma reflexão robusta sobre os problemas sociais, organizacionais e

pedagógicos e uma proposição adequada de soluções e estratégias de ação, tendo como

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referência os objetivos de qualidade consensuados no Projeto Político Pedagógico da

escola.

Assim, a AIP toma como referência o protagonismo da comunidade escolar nos

processos avaliativos, que incluem desde a elaboração de diagnósticos sobre a realidade

à definição da concepção de qualidade que se pretende atingir, com o objetivo de

fortalecer a aprendizagem política, o conhecimento social, e consolidar as condições

objetivas e subjetivas para o alcance de uma qualidade de ensino socialmente

significativa para todos os estudantes.

A garantia de tais condições objetivas e subjetivas depende de processos

participativos basicamente por dois motivos. Primeiro, como dito, o confronto entre os

diferentes olhares é o que possibilita negociar e pactuar um entendimento coletivo sobre

as condições, processos e resultados pretendidos, que seja legitimamente aceito como

benéfico para o bem comum. Daí decorre um dos pilares caros à AIP, a “qualidade

negociada” (BONDIOLI, 2004). Segundo, a negociação entre os diferentes sujeitos

fornece base para o estabelecimento de demandas internas, dirigidas aos membros da

comunidade escolar, e externas, dirigidas ao poder público, o que possibilita fortalecer

os múltiplos compromissos necessários para o alcance do pacto de qualidade negociado.

Daí outro princípio fundamental para a política de avaliação institucional participativa, a

“responsabilização compartilhada” (FREITAS et al., 2009), segundo a qual ambas as

instâncias, escolas e poder público, são igualmente responsáveis tanto pela execução

quanto pela definição dos objetivos de ensino.

Essa concepção de participação, trabalho coletivo e qualidade educacional

acrescenta certa radicalidade às discussões e práticas de qualificação da escola pública,

à medida que pretende horizontalizar relações e estruturas de poder tradicionalmente

verticais e autoritárias, com objetivo de formar sujeitos históricos e sociais que

contribuam com o alcance de relações e condições sociais mais humanas e justas, dentro

e fora das escolas.

É no contexto da rede municipal de ensino de Campinas que implementa política

de AIP, e tendo em mente tal concepção de qualidade, participação e trabalho coletivo,

que a presente tese tem como objetivo principal investigar como a confiança dos

professores em relação aos outros professores, à equipe gestora, aos pais/responsáveis, e

também em relação à Secretaria Municipal de Educação, relaciona-se à construção de

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uma concepção coletiva do trabalho escolar assente nos princípios da qualidade social,

negociação e responsabilização compartilhada.

Guiada por esse objetivo, defenderei um tipo específico de confiança, pautado

nos pilares da reciprocidade, redistribuição e reconhecimento, como um fator associado

aos processos democráticos de negociação da qualidade, comprometidos com o alcance

de propósitos comuns socialmente justos que façam frente à fragmentação e aos

interesses mercadológicos alinhados à lógica gerencial.

Para tanto, a presente tese organiza-se em cinco capítulos mais as considerações

finais. No capítulo I, explico de forma mais aprofundada quais são os limites das

reformas empresariais da educação pública e por que é necessário desenvolver um modo

de regulação democrática que supere essas limitações. Apresento então mais

detalhadamente o histórico, princípios e formatos da política de AIP construída como

alternativa na rede municipal de Campinas. Finalizo esse capítulo com algumas

considerações sobre o processo de implementação dessa política, salientando as

potências e dificuldades da participação democrática como um todo.

Começo o capítulo II com a origem da problemática da confiança dentro da

teoria sociológica mais ampla, partindo do pressuposto de que é preciso, primeiro,

entender quais motivações têm suscitado o interesse geral no tema, para depois fazer

ponte com sua abordagem dentro da área educacional especificamente. Concentro

especial atenção em primeiro explicar e depois problematizar os limites da perspectiva

teórica do “capital social”, pois essa é a forma predominante pela qual a confiança tem

sido concebida, inclusive pelas teorias educacionais. Por outro lado, dedico-me a

explicar detidamente a confiança enquanto política de solidariedade, legitimidade e

tolerância, por acreditar que tal perspectiva defendida por Barbara Misztal, ao trazer a

categoria da negociação para o centro do debate, pode começar a oferecer uma

alternativa à do “capital social”. Por fim, apresento as duas correntes internacionais

principais que pautam o debate sobre confiança nas escolas.

O capítulo III dedica-se a explicar os limites das abordagens que entendem a

confiança nas escolas como um recurso de “capital social”, para depois desenvolver

como os pressupostos da avaliação institucional participativa podem oferecer uma base

teórica, no campo da educação, para superação desses limites. Aqui aproveito para

expor o objetivo geral e os específicos, e anuncio a tese que os dados empíricos, em

diálogo com o referencial teórico, me permitiram defender.

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O capítulo IV explica as escolhas metodológicas quanti-qualitativas feitas para

dar conta de atingir os objetivos anunciados no capítulo anterior: 1. entrevistas semi-

estruturadas com trinta professores de nove escolas da RMC; 2. construção/validação

conceitual e semântica de um instrumento que utilizou uma escala do tipo likert para

medir grau de concordância em relação a afirmativas, e sua aplicação em 559

professores de 1º a 9º anos do ensino fundamental de trinta escolas da RMC; 3.

observação etnográfica dos momentos coletivos de reunião em duas escolas, escolhidas

por apresentarem diferentes graus de “qualidade social” e proverem ambientes

potencialmente diferentes também para observação do fenômeno da confiança.

Por fim, o capítulo V procura entender a relação entre confiança, participação e

qualidade social a partir da exposição dos dados provenientes do instrumento,

entrevistas e diário de campo. O diálogo com a literatura, sobretudo com as autoras

Barbara Misztal e Nancy Fraser, permitiu categorizar esses dados empíricos em três

dinâmicas relacionais: confiança e redistribuição, que diz respeito à relação entre

professores e poder público; confiança e reconhecimento, relativa, sobretudo, à relação

com as famílias e alunos; confiança e reciprocidade, referente às relações internas entre

profissionais da escola. Aqui também expomos o procedimento de análise fatorial

confirmatória, realizado no software Smart PLS, utilizado para validação estatística dos

dados do instrumento, o que permitiu confirmar que a confiança interpessoal e

institucional fazem parte do mesmo fenômeno, e que a construção da confiança depende

de manifestações de competência, respeito, integridade, e consideração. Nesse capítulo

também apresento a análise descritiva, obtida no software SPSS, das médias simples das

respostas para cada item e constructo, o que permitiu aferir os níveis de confiança para

cada par de relação (professores - professores; professores - equipe gestora; professores

- pais/responsáveis; professores - Secretaria Municipal de Educação).

Por fim, na conclusão retomamos a tese e os principais argumentos que nos

permitiram chegar até ela, e apontamos a necessidade de estreitar os vínculos entre os

estudos da área educacional sobre confiança e as investigações sobre justiça social.

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CAPÍTULO 1. AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL PARTICIPATIVA:

UMA AÇÃO PROPOSITIVA DE CONTRARREGULAÇÃO

1.1. Efeitos e Limites das Reformas Gerenciais

A defesa de políticas de avaliação participativas por parte do LOED como

estratégia de contrarregulação foi motivada a partir do contexto da década de 1990,

quando a regulação dos sistemas de ensino e da qualidade educacional passou a ser

realizada pela avaliação externa em larga escala4. Naquele contexto, esse tipo de

avaliação emergia como pilar central de controle gerencial sobre o trabalho das escolas,

com vistas a assegurar o alcance da “qualidade total” na educação através de estratégias

e princípios importados do setor empresarial produtivo (FREITAS, 2012a).

Alinhadas às prescrições internacionais para os países em desenvolvimento5,

essas estratégias tinham como objetivo colocar o Brasil na rota do desenvolvimento

econômico competitivo. Na esteira da perspectiva do capital humano, a educação teria o

papel chave de formar nos indivíduos as competências e habilidades adequadas para a

empregabilidade individual, possibilitando que eles pudessem competir

satisfatoriamente num mercado de trabalho com novas exigências ligadas à

reestruturação produtiva em curso. A expansão da educação básica e a melhoria de sua

qualidade seriam, então, a chave para a mobilidade social, cumprindo o objetivo de

gerar mais desenvolvimento econômico e equidade através do duplo papel de “gerir a

pobreza” e de “formar para o trabalho” (OLIVEIRA, 2004). Nesse sentido, as políticas

educacionais e sociais como um todo vão sendo cada vez mais conformadas às

exigências da economia, de forma que as fronteiras entre os campos social e econômico

se tornam cada vez mais porosas.

Para garantir o alcance eficaz desses objetivos, seria necessário reformar o

Estado e o setor público. O primeiro fortalece-se num nível específico de atuação,

enquanto regulador e avaliador da qualidade dos serviços educacionais, ao mesmo

tempo em que se livra da responsabilidade exclusiva pela prestação direta desses

serviços, permitindo que a iniciativa privada desempenhe um papel central na gestão e

nas decisões de políticas públicas. Além disso, os princípios gerenciais do mundo dos

4 Com a introdução do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB).

5 Emanadas, sobretudo, do Banco Mundial e da Conferência Mundial sobre Educação para Todos,

realizada em Jomtien, Tailândia, em março de 1990.

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negócios passam a conformar a “nova gestão pública” - como competitividade,

excelência e produtividade -, remodelando as estruturas, as relações de poder, a cultura

e os valores morais das instituições, bem como as subjetividades dos servidores. No

bojo da criação de uma cultura empresarial competitiva no setor público, novas

linguagens são usadas para descrever papéis e relações, por exemplo, as organizações

possuem “recursos humanos” que precisam ser gerenciados, o aprendizado é

transformado em alcance de metas de “produtividade”, tudo isso com implicações para

a definição de novas possibilidades éticas de ação, pautadas em novos valores e

compromissos (BALL, 2003).

Essa transformação cultural e estrutural da educação pública, cujo princípio

articulador é a mercantilização da esfera pública, exigiu estratégias combinadas de

fortalecimento do controle central na formulação e monitoramento de políticas somado

à descentralização administrativa na implementação dessas políticas. Tal orquestração

entre as forças complementares da centralização e descentralização concretiza-se, por

um lado, com a crescente centralidade que a avaliação externa assume no cenário

nacional, adquirindo o poder de direcionar o trabalho pedagógico das escolas e definir o

que conta como qualidade educacional; e, por outro lado, com a atribuição de novas

responsabilidades à comunidade escolar, que passa a delinear seus planos de ação e

angariar/administrar recursos com vistas ao alcance eficaz de melhores resultados nos

testes padronizados de desempenho dos estudantes.

Partimos do pressuposto que essas diretrizes, apesar das peculiaridades de cada

país, constituem uma “agenda globalmente estruturada para a educação” (DALE, 2004)

ou um “movimento de reforma educacional global” (SAHLBERG, 2011), que se inicia

na Inglaterra com a instituição do Education Reform Act em 1988 e rapidamente se

espalha para outros países como o Brasil devido ao poder de influência de organismos

internacionais como o Banco Mundial. As semelhanças observadas entre os países

valem para os mecanismos empregados e também para seus efeitos, como veremos mais

adiante. Segundo Sahlberg (2011), são seis os mecanismos comuns empregados pela

reforma, com objetivo de melhorar a “qualidade da educação”: a padronização da

educação; o foco em disciplinas específicas; a busca por métodos de ensino de baixo

risco; o uso de modelos de gestão gerenciais; políticas de accountability baseadas em

testes padronizados; e crescente controle externo sobre as escolas e professores.

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Esses mecanismos, característicos das “reformas empresariais” (FREITAS,

2014) ou do que Ravitch (2011) chama de “corporate reform movement” e Gewirtz

(2002) de “post-welfarist complex”, começam a mostrar efeitos negativos do ponto de

vista da justiça social nos países que os implementaram mais cedo. Na década de 1990,

Stephen Ball (1994) e Sharon Gewirtz (2002) começam a analisar como as reformas

inglesas impulsionadas com o Education Reform Act, ao associarem os testes

padronizados aos pilares gerenciais da escolha e competição, minaram o alcance do

“bem comum” produzindo hierarquia, divisão e desigualdade no sistema educacional.

Mais tarde Diane Ravitch (2011) reforça esses argumentos ao demonstrar como a Lei

No Child Left Behind de 2002 prejudicou a educação pública norte-americana, pois o

uso dos dados associado às estratégias mercadológicas de competição e

punição/recompensa, além de não melhorar o desempenho geral dos estudantes,

contribuiu para aprofundar as desigualdades de desempenho entre estudantes e entre

escolas. Segundo ela, o maior problema por trás dessas reformas está em substituir a

busca por caminhos pedagógicos e sociais para os problemas educacionais por soluções

técnicas e gerenciais de cunho imediatista, as quais responsabilizam unilateralmente os

professores e escolas, desconsiderando toda a gama complexa de fatores que afetam a

qualidade educacional, como as condições de trabalho oferecidas pelo Estado e o

contexto sócio-econômico dos estudantes.

O foco das críticas não são os dados da avaliação em si, mas a forma pela qual

dados limitados estão sendo usados como o principal indicador de qualidade,

conduzindo a comparações superficiais com o poder de determinar decisões importantes

como as de financiamento, acabando por afetar negativamente a imagem das escolas

públicas e de seus profissionais. O processo de avaliação é reduzido à verificação de um

resultado pontual, à medição e à comparação, de forma que toda a complexidade

humana e do trabalho pedagógico é reduzida à forma mais simplista possível: números

em uma tabela (BALL, 2005).

O risco disso é que a sociedade, os governos e a opinião pública passam a

valorizar professores, escolas e estudantes utilizando como único critério um

número/indicador raso que desconsidera o contexto social no qual a qualidade

educacional é produzida. Como resultado, os servidores e escolas públicas tornam-se

ainda mais desmoralizados o que, por sua vez, é usado para justificar a contínua

implementação dos princípios gerenciais na esfera pública. Isso não é apenas injusto

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com os profissionais e instituições públicas, como também contribui para dificultar o

alcance dos objetivos pretendidos de melhoria da qualidade, já que a lógica de mercado

acaba prejudicando aqueles alunos e escolas que mais precisam de ajuda (GEWIRTZ,

2002; RAVITCH, 2011).

É principalmente a partir dos anos 2000 que pesquisas brasileiras passam a

endossar o crescente escopo das pesquisas internacionais, documentando uma série de

efeitos negativos das políticas gerenciais sobre a organização do trabalho pedagógico,

sobre o currículo, sobre as relações interpessoais e a identidade docente também no

Brasil. Aqui, essas políticas “neotecnicistas” são caracterizadas, segundo Freitas

(2012b), pelo tripé responsabilização (unilateral), meritocracia e privatização, cujo

mecanismo articulador é a aplicação das avaliações externas em larga escala e a

divulgação dos seus resultados com fortes consequências simbólicas e materiais para

professores e escolas, com objetivo de gerar incentivos à melhoria da qualidade.

Em geral, pesquisas nacionais e internacionais têm mostrado como os

professores estão mais estressados e desmotivados no trabalho, devido, sobretudo, aos

processos de intensificação e precarização das condições de trabalho. Quanto ao

primeiro, o trabalho intensifica-se à medida que houve um aumento da carga de

trabalho, principalmente nos deveres administrativos voltados a atender novas regras e

regulamentos: os professores gastam mais tempo prestando conta, preenchendo

papelada para oferecer aos sistemas de inspeção provas do seu profissionalismo,

“arrumando” a escola para aparecer “bem na fita”, e comparecendo a reuniões com

discussões burocráticas. O que é próprio dessa era de gerencialismo é a natureza das

tarefas que estão absorvendo maior quantidade de tempo e energia, e o clima de

vigilância que permeia a realização dessas tarefas. Nesse contexto, os professores

sentem que estão se distanciando de sua função docente, que é preparar as aulas, dar

atenção à variedade de níveis de aprendizado dos alunos, interagir com os alunos

(TROMAN, 2000; GEWIRTZ, 1997; OLIVEIRA, 2004).

Essa pressão para atingir novos padrões de qualidade ocorre em situações

precárias, nas quais o corte de verbas ocasiona salas superlotadas, com menos recursos

para atender a todos os alunos. A contenção de gastos também gera remoção de

pagamento por trabalho além da sala de aula, aumento dos contratos temporários e part-

time, arrocho salarial, inadequação ou mesmo ausência em alguns casos de planos de

cargos e salários, perdas de garantias trabalhistas e previdenciárias, o que resulta em um

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quadro de instabilidade e precariedade das condições de trabalho, bem como de

heterogeneidade da força de trabalho, contribuindo para a divisão da categoria e

sentimentos de stress e impotência (TROMAN, 2000; OLIVEIRA, 2004). Em redes

como a do estado de Goiás, em que algumas vantagens na remuneração foram retiradas

(como o piso salarial e a gratificação por titularidade) para dar lugar ao pagamento por

mérito (bônus), muitos professores precisam dobrar sua jornada para completar a renda,

dando aula em mais de uma escola (SILVA, 2018).

Nesse contexto, pouco sobra espaço e energia para a criatividade e a inovação.

Aumenta-se a pressão para adoção de pedagogias tradicionais, como, por exemplo,

agrupamento de alunos de acordo com suas diferentes habilidades, e torna-se mais

difícil responder aos interesses dos alunos e se conectar com suas experiências. As

estruturas gerenciais produzem um clima hostil ao “progressivismo”, fazendo com que

quaisquer experimentações, relacionadas, por exemplo, a reformular o currículo

nacional dando mais ênfase a discussões políticas e sociais, tornem-se um trabalho

extremamente árduo (GEWIRTZ, 1997). Vale pontuar que isso não significa

necessariamente que todos os professores queiram empreender esses esforços. Torquato

(2018) mostra como muitos deles possuem ideias educacionais contrárias a uma

educação empenhada em tornar os alunos sujeitos da própria existência, à

democratização e a uma concepção de escola para além de atender às demandas do

mercado de trabalho, pois muitos valorizam práticas tradicionais como o autoritarismo,

a transmissão de conteúdos desvencilhados do cotidiano discente, e a cultura de

classificação, seleção e reprovação como forma de incentivar o esforço por parte dos

alunos. No entanto, o que pretendemos mostrar é que as políticas gerenciais, se não são

as responsáveis por gerar essas ideias conservadoras - que viriam, sobretudo, das

experiências pessoais de socialização e formação -, geram condições propícias para

reforçá-las, bem como condições hostis à experimentação de práticas inovadoras

(TORQUATO, 2018).

Ainda em relação ao currículo, os professores estão devotando mais atenção às

disciplinas que são medidas pelas avaliações externas em larga escala, e adotando

práticas de treinamento para os testes em suas salas de aula, sobretudo em redes nas

quais os testes estão vinculados a fortes consequências. Uma vez que seu valor

profissional é cada vez mais atribuído a medidas limitadas de qualidade, os professores

tendem a supervalorizar aquilo que conta para as medidas, dando menos ênfase a outros

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objetivos educacionais socialmente relevantes, o que tem provocado “estreitamento

curricular” (RAVITCH, 2011; GEWIRTZ, 2002; MENEGÃO, 2016; SILVA, 2018;

MADAUS et al., 2009).

Essas políticas também trazem implicações para o alcance da equidade, à

medida que estimula os professores a concentrar nos alunos que tem mais chance de

progredir rumo às notas desejadas, deixando para trás os que mais precisam de atenção

(NEAL & SCHANZENBACH, 2010). Além disso, a literatura tem reportado casos de

escolas que passam a competir pelos melhores estudantes e a adotar medidas para

excluir aqueles que podem prejudicar a nota da escola nos rankings de qualidade,

sobretudo quando essas notas estão ligadas a algum esquema de financiamento - como

nos casos de recursos extras alocados por empresas, ou dos programas de pagamento

por desempenho (HOUT & ELLIOTT, 2011; RAVITCH, 2011). Boa gestão, nesse

sentido, tem se tornado sinônimo de conseguir redistribuir os estudantes entre as

escolas. Gewirtz (2002) e Ravitch (2011) reforçam que onde a lógica de mercado opera,

crianças da classe trabalhadora e de minorias étnicas estão concentrando-se cada vez

mais em escolas com poucos recursos, enquanto as crianças da classe média frequentam

as escolas mais abastadas. Isso significa que os recursos estão sendo redistribuídos dos

grupos mais vulneráveis para os mais privilegiados da sociedade.

Esse contexto também tem reflexos para as relações interpessoais e para o

profissionalismo docente. Por um lado, tendo como base o contexto inglês, Geoff

Whitty e Emma Wisby (2006) analisam que as reformas conservadoras neoliberais,

apesar de terem reconfigurado o profissionalismo docente para o tipo “gerencial”,

trouxeram a possibilidade de emergência de um profissionalismo do tipo “colaborativo”

e até mesmo “democrático”, à medida que questionam as limitações do profissionalismo

“tradicional” caracterizado pelo isolamento dos professores em suas salas de aula e pela

autonomia irrestrita para decidir o que e como ensinar. Isso porque essas reformas

redefinem a profissão docente como um empreendimento coletivo, trazendo a

necessidade do trabalho conjunto entre professores e com outros profissionais da escola,

com pais e outros “stakeholders” de fora da escola.

Hargreaves (1994) reforça que essas políticas, apesar de terem a intenção de

aumentar o controle sobre o trabalho dos professores e de empoderar mais os pais

(vistos como consumidores) do que os professores, podem gerar como efeito não

previsto o empoderamento dos professores, ligado a uma redefinição da profissão de

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forma positiva. Ao especificar de forma mais clara o que e como ensinar - através, por

exemplo, de estratégias de avaliação e observação de práticas de sala de aula pelos

pares, elaboração de planos de desenvolvimento pelas escolas e estabelecimento de um

currículo nacional -, a reforma teria criado um ambiente estrutural propício ou trazido

em seu bojo a necessidade de práticas colaborativas nas escolas, aproximando

professores entre si e com a comunidade mais ampla, sem o que a implementação das

prescrições da reforma é dificultada ou mesmo impossibilitada. Ele reforça, portanto,

que o sentido das reformas postas em marcha pelo Education Reform Act na Inglaterra é

teoricamente incompatível com a tradicional cultura de isolamento docente, fazendo

emergir uma possível cultura de “desenvolvimento profissional” em íntima dependência

do “desenvolvimento institucional” (HARGREAVES, 1994).

No entanto, pesquisas nacionais e internacionais têm apontado que essas

promessas não se concretizaram de forma tão positiva, pois apesar das previsões de que

as estruturas da reforma empoderariam professores e escolas fazendo-os gozar de um

clima de colaboração e satisfação profissional, há relatos de que as políticas gerenciais

significaram mais stress, insatisfação, individualismo, controle verticalizado sobre o

trabalho docente, e menos sociabilidade e cooperação entre os membros da comunidade

escolar. As classes mais lotadas devido aos cortes de verba, a sobrecarga de trabalho

burocrático e a ênfase no desempenho final em detrimento dos processos, faz com que a

construção íntima e processual da relação professor-aluno ceda lugar a um tipo de

relação de linha de produção (GEWIRTZ, 1997). Na relação entre professores, se por

um lado eles estão se encontrando mais - inclusive muitos reclamam da sobrecarga de

encontros -, por outro lado eles estão se sociabilizando menos, pois em geral esses

encontros são para discutir pautas postas pelos gestores das escolas, que respondem às

exigências da agenda de reforma (GEWIRTZ, 1997).

Outro fator que gera menor sociabilidade nas escolas é a competitividade entre

departamentos de uma mesma escola, que precisam elaborar projetos para concorrer em

programas de financiamento, no caso inglês (GEWIRTZ, 2002; BALL, 1994).

Pesquisas brasileiras documentam que o aumento da competitividade no Brasil está

mais ligado ao recebimento do bônus. Quando o pagamento é individualizado, medidas

como a exposição pública da frequência dos professores os colocam em relação de

competição entre si no interior da escola (SILVA, 2018), e quando o pagamento é

coletivo, tende a gerar competição entre escolas, o que também pode minar a

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cooperação e o trabalho em equipe, indispensáveis ao funcionamento de qualquer

instituição educacional (CASSETTARI, 2010). Esse tipo de medida também é

questionado devido ao seu fraco poder indutor de mudanças, uma vez que é falha a

própria premissa na qual ele se baseia, a de que os professores são motivados

principalmente pelo auto-interesse (MARSH et al., 2011).

Torquato (2018) reforça que as políticas de gestão pautadas nos valores

empresariais, ao aumentarem a pressão para a produtividade, e agravarem a insegurança

no trabalho e a precariedade dos direitos trabalhistas e das condições escolares de

infraestrutura, acabam por reforçar disposições de ação docente individualistas e

competitivas, conduzindo as relações e a organização do trabalho ao isolamento, ao

mesmo tempo em que minam as disposições relacionadas ao trabalho coletivo de

aprendizagem e ajuda mútuas.

Vale lembrar que os conceitos de produtividade, eficiência, competição e

excelência coexistem com os mecanismos legais de gestão democrática, que insistem na

participação da comunidade nos aspectos financeiros, administrativos e pedagógicos da

escola. Esse contexto trouxe novas exigências ao trabalho docente, com a ampliação do

escopo de atividades realizadas pelos professores - incluindo, por exemplo, atividades

de elaboração de projetos, planejamento e discussão coletiva do currículo e da avaliação

-, somada à inclusão de novos atores não profissionais, nomeadamente pais e alunos,

nas discussões pedagógicas. Se em teoria isso poderia representar um avanço ao tipo

“democrático” de profissionalismo docente definido por Geoff Whitty e Emma Wisby

(2006), na prática, em um contexto de falta de condições subjetivas e objetivas

adequadas, as diretrizes da participação e do trabalho coletivo implicaram intensificação

e precarização do trabalho docente (OLIVEIRA, 2004).

Ironicamente, o tempo de trabalho coletivo aumentou ao mesmo tempo em que

se intensificou o sentimento de insegurança e desamparo, e não aumentou de forma

correspondente a sociabilidade e a sensação de que os professores têm poder para

definir os rumos do trabalho pedagógico. Oliveira (2004) e Gewirtz (1997) analisam

que isso ocorre, sobretudo, devido aos mecanismos gerenciais que, respaldados na

avaliação externa, representam um controle técnico sobre o currículo das escolas,

acabando por submeter a função dos encontros coletivos ao atendimento de exigências

externamente definidas. Oliveira (2004) acrescenta que outros fatores exógenos ao

trabalho, como a sensação de que leigos (estudantes e suas famílias) estão se

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“intrometendo” nas discussões que tradicionalmente pertenciam aos profissionais,

somado ao constante apelo à prática do voluntarismo nas escolas, são fatores que

também contribuem com a tendência à “desprofissionalização” docente.

Oliveira (2004) pontua que o ponto fulcral das teses da desprofissionalização, da

precarização ou mesmo da proletarização, é a questão da perda da autonomia e do

controle sobre o próprio trabalho. Gewirtz (1997; 2002) reforça que um dos efeitos das

reformas gerenciais é a diminuição do poder de decisão dos professores sobre os

objetivos do seu trabalho, resultado direto da separação entre aqueles que formulam e

aqueles que executam. Analisando-se as mudanças na função docente seja do ponto de

vista da “proletarização”, da “redefinição” de um “novo tipo de profissionalismo”, ou da

“erradicação” de qualquer profissionalismo (OLIVEIRA, 2004; TORQUATO, 2018,

WHITTY & WISBY, 2006; BALL, 2005), o fato é que os professores estão mais

pressionados para se concentrarem, sobretudo, nos aspectos técnicos de como alcançar

metas previamente definidas. A identidade profissional docente encontra-se pautada

pelo individualismo, pela competição, pela padronização de práticas, e controlada

externamente ao grupo profissional, restrita à obediência a regras geradas de forma

exógena, e relegada a uma forma de desempenho segundo a qual o que conta como

prática profissional resume-se a satisfazer julgamentos fixos e impostos a partir de fora.

Aos professores, “cabe a responsabilidade por seu desempenho, mas não o julgamento

sobre se esse desempenho é ‘correto’ ou ‘apropriado’, apenas se satisfaz os critérios de

auditoria” (BALL, 2005, p.543). Uma vez que lhes foram roubadas as possibilidades de

reflexão moral e de diálogo, Ball (2005) defende que seu profissionalismo foi de fato

erradicado.

Além disso, os professores são desvalorizados e vistos com desconfiança pelos

pais/consumidores e pelo governo, os quais precisam controlar de perto o que é dado em

sala de aula, através de mecanismos de controle como as avaliações externas ou mesmo

através dos espaços de deliberação democráticos, os quais acabam, em alguns casos,

assumindo caráter de controle verticalizado por parte dos pais e empresas, cujas vozes

às vezes predominam nesses espaços (TROMAN, 2000).

Vale pontuar que todos os efeitos discutidos até agora são tendências gerais,

favorecidas pelo contexto das políticas hegemônicas. Isso significa dizer que o esforço

para empreender inovações e cultivar relações e processos de cooperação e reflexão é

extremamente árduo num contexto de ênfase utilitária em resultados. No entanto, os

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graus de dificuldade devem ser analisados mais de perto, caso a caso, pois o grau e a

forma como essas tendências gerais se concretizam dependem de alguns fatores, como a

ideologia dos agentes individuais envolvidos, o contexto sócio-econômico no qual cada

escola se insere, e a própria posição que a escola ocupa na hierarquia de mercado,

sendo, por exemplo, maior a margem de agência dos atores em escolas beneficiadas

com mais recursos (GEWIRTZ, 1997).

De qualquer forma, esses achados de pesquisa têm motivado pesquisadores e

educadores a indagar que tipo de qualidade educacional está sendo alcançada com a

introdução dos princípios e práticas de mercado na educação pública, e quem de fato

está se beneficiando disso. Quem parece ganhar são as empresas e o mercado

financeiro, que se aproveitam cada vez mais do lucrativo mercado no qual a educação

foi transformada (BALL, 2004; FREITAS, 2012b); quem perde são os professores,

vistos cada vez mais com desconfiança e desvalorizados perante a sociedade, e os

alunos - sobretudo os provenientes das classes sociais mais desfavorecidas - que

frequentam uma escola pública empobrecida, com infraestrutura precária e formação

restrita ao básico, àquilo que é esperado nos postos de trabalho mais simples

(FREITAS, 2012b). Quando escolas e estudantes são valorizados de acordo com custos

e resultados, transformados em mercadorias e consumidores, e encorajados a competir

por posições de vantagem em relação aos outros, o resultado é o aumento da divisão,

hierarquia e desigualdade no sistema educacional e na sociedade, e a naturalização da

lógica dos “vencedores versus perdedores” (BALL, 1994, 2003; GEWIRTZ, 2002;

RANSON, 2018; FREITAS, 2002, 2007).

Stephen Ball (1994; 2005), Stewart Ranson (2018) e Sharon Gewirtz (2002)

reforçam que o modelo gerencial de regulação promove uma nova ética de mercado que

valoriza determinados comportamentos e valores em detrimento de outros. No âmbito

de uma matriz de avaliações, comparações e incentivos relacionados ao desempenho, os

indivíduos e as organizações farão o que for necessário para se distinguir ou sobreviver,

remodelando-se à imagem daquilo que se espera deles, o que envolve pautar suas

práticas pelos valores morais do individualismo competitivo e do interesse privado,

elevado à condição de principal motor da vida. Deixa de ser importante, por exemplo, o

quanto todas as escolas estão providas com recursos suficientes; o que importa é se a

‘minha’ escola se destaca em relação às outras. Deixa de ser importante que todos os

professores desfrutem de condições adequadas de trabalho, ou que todos os alunos se

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desenvolvam de forma plena; o que importa é que a ‘minha’ escola atinja uma média de

desempenho elevada e ‘eu’ ganhe ‘meu’ bônus no final do mês.

A preocupação central das políticas governamentais passou da maximização do

bem-estar geral para a promoção de empresas, a excelência e a lucratividade tanto no

setor privado como no público (BALL, 2004). Nessa lógica, novas formas de disciplina

são instituídas pela competição, eficiência e produtividade, e novos sistemas éticos são

introduzidos com base no interesse próprio da instituição, no pragmatismo e no valor

performativo. Essas mudanças, que instituem uma nova era denominada pelos autores

de “pós-bem-estar”, acabam por erodir o compromisso com os princípios da

integridade, da justiça social, do respeito igualitário, do profissionalismo ético e

reflexivo, tornando obsoleta e menos importante a busca coletivamente deliberada pelo

“bem comum” (BALL, 1994; GEWIRTZ, 2002; RANSON, 2018). Este, na verdade,

passa a ser visto como resultado não planejado de um agregado de escolhas e bens

privados.

Na era do “pós-bem-estar”, a ética da competição e da “performatividade” estão

pautadas pela lógica da razão instrumental, que substitui a ética da cooperação e o

compromisso humanístico do verdadeiro profissional, capaz de julgamento crítico e

reflexão, pela “promiscuidade do profissional técnico” - o gerente - que é recompensado

pela sua “esperteza” e pela medida em que consegue atender às exigências funcionais

ou instrumentais do sistema, seja por qual meio for (BALL, 2005). Nessa lógica, as

ações e relações são pautadas por uma “moralidade fraca”, esvaziada, meramente

utilitária, que se opõe a uma “moralidade robusta” caracterizada por valores

compartilhados e interesses comuns (BALL, 1994).

Diante desse quadro, Stewart Ranson (2018) lança a pergunta: como podemos

resistir à cultura do individualismo predatório exacerbada com o ethos neoliberal e

começar a articular uma concepção de bem comum que valorize a justiça social, a

solidariedade e o reconhecimento da capacidade de todos os cidadãos? Nesse contexto

em que a cultura do interesse privado está prevalecendo sobre a busca deliberada do

interesse público, levando a uma sociedade extremamente estratificada na qual impera a

desigualdade cultural, social e econômica, a autora defende que é necessário reconstruir

a socialdemocracia, fortalecendo sua esfera pública de deliberação, reflexão e diálogo.

Ranson (2018) parte do pressuposto de que a democracia é essencial para

construção de bens comuns socialmente justos. Os bens comuns incluem desde serviços

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públicos como a iluminação pública das ruas de uma cidade, a virtudes morais e

políticas que servem ao propósito de desenvolver o bem-estar de todos. Em relação a

essa última categoria, ela sublinha três “bens comuns” necessários para a recriação da

socialdemocracia. Primeiro, o “reconhecimento mútuo”, baseado no pressuposto que os

indivíduos são seres relacionais cujo senso de identidade, capacidade e autoestima se

desenvolve através de um processo de encontro e comunicação, pelo qual são

reconhecidos pelos outros e reconhecem os outros em troca. Segundo, a “razão

pública”, que é uma linguagem de racionalidade característica da comunicação pública

guiada pelos princípios da veracidade, integridade, razoabilidade e validade

argumentativa. Terceiro, as práticas cooperativas da socialdemocracia vão depender da

“igualdade prática” entre os cidadãos, o que implica maior igualdade tanto na

distribuição material de riquezas quanto no reconhecimento do valor das pessoas. A

menos que os cidadãos sejam reconhecidos como iguais em sua humanidade, o espaço

da experiência comum não será valorizado.

A construção desses bens comuns exige espaços públicos democráticos de

participação e deliberação, caracterizados por um comprometimento com a linguagem

da “razão pública” e da civilidade, nos quais os cidadãos possam discutir e acordar

propósitos comuns como a distribuição de funções e recursos. Para que essas

disposições sejam realizadas, eles precisam gozar de condições materiais de base

igualitárias e de um reconhecimento igualitário de sua humanidade. Isso não significa

abolir as diferenças entre as pessoas. As diferenças precisam ser celebradas, desde que

não impliquem desigualdade no reconhecimento da humanidade de cada um, não

neguem respeito aos outros e aos bens comuns, e não conduzam à opressão de uns sobre

os outros (RANSON, 2018).

Percebe-se que o argumento incorre em certa circularidade: os bens comuns do

“reconhecimento mútuo”, “razão pública” e “igualdade prática” são condições

necessárias para recriação da democracia, e ao mesmo tempo devem ser construídos

pela deliberação pública nos espaços democráticos.

Nancy Fraser (2003) nos permite entender as razões dessa circularidade.

Primeiramente, ela postula que o “reconhecimento” é a dimensão cultural da busca por

justiça social, que, em conjunto com a esfera da distribuição de bens e recursos

provenientes da estrutura econômica, tem como objetivo garantir a “paridade

participativa”, ou seja, que todos os membros da sociedade possam interagir entre si

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como pares. Como Ranson (2018), ela também reforça que a busca por reconhecimento

e redistribuição só pode ocorrer por meio de processos democráticos de deliberação, que

se baseiem na paridade participativa como critério de razão pública, e nos quais os

demandantes possam discutir como as atuais normas culturais e arranjos econômicos

negam-lhes injustamente as condições intersubjetivas e objetivas para sua participação

plena na vida social, e como sua substituição por novas normas e arranjos pode

representar um avanço em direção à conquista da paridade participativa. Ou seja, essas

interações sociais pautadas pelo diálogo e razão pública constituem condição essencial

para acabar com padrões econômicos e culturais injustos que institucionalizam a

depreciação das pessoas, a exploração, as disparidades de renda, riqueza e tempo de

lazer.

Por outro lado, a possibilidade dessa discussão pública para alcance da justiça

social requer as condições da distribuição justa e do reconhecimento recíproco. Ou seja,

é preciso que as pessoas já gozem de respeito igualitário e de recursos suficientes para

terem sua independência e voz garantidas nos processos de deliberação democráticos.

No entanto, Fraser (2003) defende que tal circularidade não reflete uma

deficiência teórica, apenas expressa o caráter reflexivo dessa perspectiva democrática.

Ou seja, a justiça social não é um requerimento dado a priori; ao invés, ela é

socialmente construída, de forma que seus destinatários também são seus autores.

Considerando o poder de agência dos sujeitos, mesmo uma sociedade capitalista - que

jamais permitiria poder real de decisão às classes dominadas (WOOD, 2003) - contém o

germe das possibilidades de ruptura via diversas formas de participação na arena

pública, que vão desde os movimentos sociais às instituições participativas. Não se

trata, portanto, de abolir a circularidade na teoria, mas de trabalhar progressivamente

para aboli-la na prática através da transformação social provocada pelos próprios

sujeitos.

Por fim, Ranson (2018) reforça que as forças imperativas do mercado, ao

valorizarem o individual em detrimento do coletivo e demolirem as estruturas

democráticas - como as autoridades públicas comunitárias - que provêm políticas

coadunadas ao bem comum, conduzem a uma situação de aumento da desigualdade

econômica e falta de reconhecimento mútuo, o que de alguma forma se aplica a todas as

sociedades ocidentais dominadas pelo ethos neoliberal mercadológico.

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Concordamos com a autora que o desafio contemporâneo para essas sociedades

e suas instituições, incluindo as escolas, é descobrir processos democráticos que possam

conciliar a valorização das diferenças com o alcance de um entendimento compartilhado

sobre propósitos comuns, que seja sensível e responsivo às necessidades do público

como um todo, nas palavras de Ranson (2018), ou capaz de enfrentar as condições

culturais e econômicas que neguem às pessoas os meios e oportunidades de interagir

como pares na vida social, nas palavras de Fraser (2003). Acreditamos que é nesse

sentido de fortalecimento da democracia e da noção de um bem comum socialmente

justo que deve caminhar a busca por superar os limites das reformas hegemônicas

vigentes.

1.2. Por uma accountability alternativa

É crescente o escopo de autores que questionam o pressuposto por trás das atuais

iniciativas de reforma verticalizadas de que a melhoria da qualidade resulta de pressão,

punição e accountability externa.

Fullan (2009), Mclaughlin (1987), Forsyth et al. (2011) e Bryk & Schneider

(2002) partem do pressuposto de que a melhoria da qualidade escolar é um processo

social, que não pode ser reduzido à adoção de pacotes ou prescrições externas. Eles

defendem que se desloque o foco das políticas para o apoio a condições que permitam o

desenvolvimento da capacidade humana e social, uma vez que são as pessoas e relações

os principais responsáveis por conduzir processos de melhoria. Para eles, a mudança

educacional sustentável é um empreendimento coletivo e colaborativo, que necessita do

envolvimento ativo de todos os membros da comunidade escolar, inclusive professores,

na apropriação dos sentidos da mudança. Para que práticas e crenças sejam de fato

modificadas, é necessário que os professores participem de interações sociais pautadas

pela confiança, pelo apoio mútuo, pelo reconhecimento, pela aprendizagem e

responsabilidade coletivas, nas quais se discute o desenho da reforma e se chega a

acordos quanto aos objetivos e planos de ação.

Patrick Forsyth, Curt Adams e Wayne Hoy (2011) reforçam que as reformas de

accountability verticalizadas, ou os modelos de avaliação de alto-impacto, caminham na

contramão dessa tendência, acabando por minar a possibilidade de construção de

interações sociais pautadas pela confiança. Isso porque essas reformas se baseiam em

medidas limitadas de qualidade; usam os resultados dessas medidas para promover

avaliações taxativas; transformam o processo de avaliação num jogo estatístico que

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distorce a realidade dos processos de ensino e aprendizagem; concentram-se

exclusivamente sobre medição de resultados, negligenciando a construção de uma

cultura de desenvolvimento profissional nos moldes cooperativos; e, ao adotarem um

discurso de culpabilização, medo e punição, acabam desvalorizando os professores e

simplificando a complexidade dos processos educacionais, criando atrito nas relações e

desmotivando ações de mudança. Além disso, essas políticas de reforma gerencial, ao

imporem regulações onerosas sobre as escolas, não concedem o tempo necessário para a

construção de culturas colaborativas.

O que os autores criticam nas políticas de accountability é, portanto, sua

aplicação e uso corrente, que justamente por serem insensíveis à construção de relações

de confiança, possuem fraco poder indutor de mudanças duradouras e substantivas

(FORSYTH et al., 2011). Eles defendem políticas de accountability que não se baseiem

em regulações rígidas ligadas a punições e coerção, pois o controle rígido aliena, gera

obediência e não cooperação, e diminui a motivação à mudança ao remover os

poderosos incentivos da autonomia e do comprometimento.

Nesse sentido, a accountability deve mudar o foco da regulação externa para o

“controle social”, o que envolve a criação de estruturas de apoio que permitam a

emergência de processos e práticas alinhados à confiança, ao trabalho cooperativo, a

reflexão, autonomia profissional e responsabilidade coletiva, tendo como foco o nível

local das escolas.

Ainda segundo Forsyth et al. (2011), exemplos dessas estruturas envolvem desde

aumentar o salário dos professores a resolver o problema da desigualdade de

financiamento e de recursos entre as escolas. Políticas sensíveis a formar um ambiente

de confiança nas escolas devem também reconhecer a complexidade dos processos de

ensino e aprendizagem, e conceber a melhoria educacional como uma responsabilidade

coletiva de todos os envolvidos, não apenas dos professores. Ao invés de se restringir a

slogans simplistas de mercado como “toda criança pode aprender”, é necessário que as

políticas se baseiem em “teorias de ação” que explicitem claramente expectativas e

responsabilidades, bem como os processos e condições interdependentes que

influenciam o alcance dos resultados desejados. Ao invés de contar com ações

autoritárias e diretivas que minam a formação da confiança, a accountability deve estar

baseada em mecanismos de apoio ao desenvolvimento profissional que estimulem o

diálogo reflexivo e a colaboração entre professores nos moldes de “comunidades

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profissionais de aprendizagem”. É necessário também que os dados das avaliações se

baseiem em múltiplas medidas que reflitam uma imagem ampla e justa da instituição, e

que seu uso seja formativo, associado a constantes reflexões e feedbacks que promovam

conhecimento e crescimento pessoal e institucional.

Portanto, pressupondo que a confiança coletiva emerge de ambientes sociais

locais que são o centro das mudanças, o que as políticas externas podem fazer é apoiar a

emergência da confiança ao invés de decretar seu surgimento. Em resumo, isso é

possível se as políticas se apoiarem basicamente em três diretrizes: 1. uma concepção de

melhoria que esteja ligada a uma teoria clara de ação, que defina condições, processos e

múltiplas responsabilidades para o alcance dos objetivos; 2. um compromisso em

alavancar o poder de influência dos professores sobre o trabalho pedagógico num

ambiente que motive interações cooperativas, compartilhamento de aprendizagens e

autonomia; e 3. um sistema de medição do desempenho amplo e dinâmico, associado a

processos de interpretação dos resultados e constante feedback (FORSYTH et al.,

2011).

As diretrizes para as políticas públicas de accountability propostas acima fazem

parte dos pressupostos da presente tese. Elas compõem o corpo teórico da “Corrente de

Wayne Hoy” que explicaremos mais adiante no Capítulo II, e guardam algumas

semelhanças com os princípios da Avaliação Institucional Participativa. No entanto,

guardam também diferenças cruciais, à medida que, como veremos no Capítulo III, tais

perspectivas não desenvolvem uma noção de participação democrática que permita

discutir a fundo qual concepção de qualidade e de formação se deseja para as escolas.

De forma diferente, a política de AIP pretende reposicionar a avaliação no nível

das escolas tendo como horizonte o alcance de um bem comum democraticamente

construído e socialmente referenciado, como veremos a seguir.

1.2.1. Histórico, Princípios e Formatos da AIP

Na década de 1990, Luiz Carlos de Freitas, professor fundador do grupo LOED,

defendia que o capitalismo daquele final de século passava a fazer novas exigências à

organização do trabalho pedagógico da escola com objetivo de superar a crise

econômica e recompor suas taxas de acumulação. Nesse contexto de reestruturação

produtiva no qual as novas tecnologias desempenhavam papel fundamental, a escola

deveria preparar um novo trabalhador mais adequado aos novos padrões de exploração,

o que exigia instruí-lo um pouco mais e ao mesmo tempo controlar melhor o grau e o

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tipo dessa instrução. Esse movimento instaura uma contradição entre educar e explorar,

cuja resolução parecia estar na centralidade que a avaliação assumia nas políticas

públicas educacionais, uma vez que a avaliação é o mecanismo que permite controlar os

objetivos, os métodos e conteúdos da escola (FREITAS, 2012a).

A temática da “avaliação” se tornou, assim, categoria central de análise do

LOED a partir da década de 1990, entendida como a chave tanto para compreender os

mecanismos de reprodução de desigualdades - permitindo desvelar os objetivos reais da

escola e não somente os proclamados - quanto para transformar a escola.

À época, Freitas (2012a) analisava como a avaliação da aprendizagem em sala

de aula é uma das categorias centrais da organização da escola capitalista, encarregada -

se nenhum movimento contrário for feito - de legitimar a exclusão e subordinação dos

alunos cujo capital cultural mais se distancia daquele valorizado pela escola. Isso ocorre

por meio tanto das avaliações formais da aprendizagem, manifestas nas notas/conceitos,

quanto das informais, caracterizadas pelos juízos de valor que o professor faz sobre

comportamentos e atitudes dos alunos. Juntas, elas cumprem a função de sancionar

determinadas posturas, conteúdos, valores e excluir outros que não estejam em

conformidade com aqueles desejados pela escola, o que acaba por produzir um processo

de “eliminação adiada” das classes populares no interior do sistema educacional

(FREITAS, 2007).

Em relação à avaliação externa em larga escala, ele defendia que o emergente

sistema nacional de avaliação e os usos dele que se anunciavam, no bojo do que ele

chamou de reforma “neoliberal/neotecnicista”, já traziam os ingredientes para

“desenvolver-se um programa puramente de adequação da escola pública brasileira às

necessidades do capitalismo contemporâneo”, o que provocaria entrega da educação

pública aos interesses privados e aumentaria a exploração da classe trabalhadora

(FREITAS, 2012a).

Já nessa época, Freitas (2012a) estava atento às pesquisas internacionais e

apontava indícios de que as avaliações externas e as políticas a elas associadas não

contribuiriam para a melhoria efetiva da qualidade social oferecida pelas escolas à

população em geral. O LOED considerava, então, que o momento era importante tanto

para desenvolver uma investigação a respeito das possibilidades e limitações desse tipo

de política de avaliação no campo da educação, quanto para refletir sobre propostas

alternativas que pudessem superar as limitações observadas.

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Basicamente, o grupo de pesquisa passou a endossar a defesa de que as políticas

de avaliação só teriam impactos substantivos na melhoria educacional se fossem

associadas ao processo de avaliação institucional no nível das escolas, pelo qual os

dados externos são consumidos e interpretados pela comunidade escolar à luz de sua

realidade local, e em diálogo com outros indicadores coletivamente construídos.

Inspirado, sobretudo, nas diretrizes sobre avaliação institucional discutidas por

José Dias Sobrinho (1995) e nos pressupostos epistemológicos e formato avaliativo

propostos pelo SINAES - Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (SORDI,

2011), o grupo LOED endossa a avaliação institucional como um processo

necessariamente participativo, que depende do olhar de todos os segmentos da

comunidade escolar - alunos, famílias, professores, equipe gestora, funcionários

operacionais - para uma reflexão robusta sobre os problemas da instituição e proposição

adequada de soluções e estratégias de ação, tendo como referência os objetivos de

qualidade consensuados no Projeto Político Pedagógico da escola.

Assim, a avaliação institucional participativa (AIP) toma como referência o

protagonismo da comunidade escolar nos processos avaliativos, que incluem desde a

elaboração de diagnósticos à definição da concepção de qualidade que se pretende

atingir, com o objetivo de fortalecer a aprendizagem política, o conhecimento social, e

consolidar as condições necessárias ao alcance de uma qualidade de ensino socialmente

significativa para todos os estudantes.

Por “qualidade social” entende-se aquela comprometida com a formação

humana dos educandos, que contribua com seu desenvolvimento pleno como sujeitos

sociais que participam ativamente na construção das condições históricas de

(re)produção da vida. Para o grupo do LOED, a “formação humana” é o processo pelo

qual as pessoas se humanizam a partir da sua interação com a natureza e com outros

homens e mulheres, natureza aqui entendida como aquela que incorpora

progressivamente as realizações e intervenções humanas. Conforme as pessoas se

apropriam, pela educação em sentido amplo, desse conjunto das realizações humanas,

elas se formam enquanto sujeitos “históricos e sociais”, preparando-se para o usufruto

dos bens espirituais e materiais produzidos pela humanidade, ao mesmo tempo em que

desenvolvem suas múltiplas potências - físicas, intelectuais, artísticas, políticas, éticas -

para serem coprodutoras desses bens e das condições de existência (MANACORDA,

2010; ARROYO, 1991; FREINET, 1998; CALDART, 2000).

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A atuação desses sujeitos sobre o mundo, uma vez baseada em processos

imbricados de reflexão/ação e de “conscientização” e “des-velamento” da realidade,

necessariamente conduzirá à conquista de condições e relações sociais mais humanas,

isto é, à supressão das condições históricas que oprimem os seres humanos impedindo-

os de “ser mais” (FREIRE, 2011). Trata-se, portanto, de uma compreensão do

conhecimento e da educação que garante o direito das pessoas de entenderem a si e ao

mundo como sujeitos/processos históricos em constante transformação criadora.

Essa concepção de qualidade traz implicações tanto para os processos de

avaliação, quanto para a escolha dos conteúdos curriculares, e para a própria

organização do trabalho pedagógico e da gestão escolar.

A qualidade social exige uma avaliação formativa compromissada com o

desenvolvimento humano, o que requer questionar as variadas formas de classificação

das escolas e dos alunos6, uma vez que essas são vivências segregadoras que os ensinam

a se pensar como inferiores, a inculcar uma imagem negativa sobre si mesmos

(ARROYO, 2011).

A qualidade social também exige que os currículos garantam o direito dos

alunos de entenderem a si e a seus coletivos de origem como sujeitos ativos na produção

histórica da cultura e do conhecimento. Isso requer repensar os conteúdos de história,

geografia, os textos de português, os livros didáticos, que muitas vezes acabam

reproduzindo imagens pejorativas dos coletivos populares (trabalhadores, indígenas,

negros, feministas, camponeses, ribeirinhos, sem teto etc.), enxergando-os como

entraves ou manchas ao progresso nacional, ora como ignorantes, preguiçosos, incultos,

ora como dóceis, simplórios, ingênuos, ou como agressivos, indisciplinados, violentos

(ARROYO, 2011). O currículo precisa, no entanto, não só reconhecer uma imagem

mais positiva desses coletivos, mas desvendar as condições materiais históricas que os

levaram a ser assim representados e excluídos, de várias formas, da participação

igualitária na vida social.

Arroyo (2017) nos faz pensar que a defesa da qualidade social da educação exige

reconhecer nos trabalhadores, no povo, “qualidade” humana, ou seja, reconhecer que

eles não são um “fardo” ao progresso, mas são, uma vez seres humanos, sujeitos

valiosos capazes de mudar o sentido do progresso. A qualidade social exige, pois,

reconhecer que o povo, os trabalhadores, tem direito a uma educação que destrói a

6 Classificações como, por exemplo, reprovações, repetências, enturmações dos alunos como lentos,

defasados, abandonando a escola, voltando ao noturno, à EJA (ARROYO, 2011).

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“longa história de pensá-los como sub-humanos”, o que implica disputar a forma como

os coletivos populares são retratados nos conteúdos curriculares.

Isso também implica reconfigurar os processos de gestão da escola. É por isso

que a AIP defende não só a participação dos professores, mas também dos alunos e suas

famílias nas tomadas de decisão relativas à formulação e avaliação do projeto político-

pedagógico da escola. A escola e o currículo tornam-se, assim, um campo democrático

de negociação pelos sentidos e concepções de educação e de qualidade. Isso não

significa desvalorizar o saber dos profissionais da educação, mas ajudar esses

profissionais a construir seus saberes em diálogo com os usuários do sistema

educacional, o que supõe “deixar de pensá-los e tratá-los como folhas em branco, como

contas bancárias ou como sem experiências, sem indagações, sem modos de pensar e de

pensar-se” (ARROYO, 2011, p.286,).

Na contramão dessa concepção bancária, a perspectiva emancipatória considera

as experiências sociais, vivenciadas cotidianamente por professores, alunos e suas

famílias, como a base viva que levanta indagações, angústias, questionamentos, que são

os motivadores da produção histórica do conhecimento, no passado e no presente

(ARROYO, 2011; FREIRE, 2011). Tais experiências, no entanto, não bastam por si

mesmas, ou seja, elas devem necessariamente entrar em diálogo entre si e com os

saberes acumulados historicamente para negociar os sentidos do conteúdo e da

qualidade educacional. Como lembra Freitas (2010, p.97), as experiências e práticas

sociais “ora precedem e ora corporificam o conteúdo escolar que deve avançar em

direção à análise, sistematização e teorização em níveis mais elevados de

compreensão”, que permitam compreender a totalidade da realidade social e suas

contradições como condição para sua superação.

Vale ressaltar que as reformas empresariais não caminham nesse sentido da

qualidade social e da formação humana. Considerando que o fim último da educação é

favorecer uma vida com maior satisfação individual e melhor convivência social, Paro

(2000) denuncia a incapacidade da escola de realizar uma educação comprometida com

o efetivo bem viver dos educandos e com uma sociedade mais humana e justa, uma vez

que as políticas públicas hegemônicas estariam se preocupando mais com resultados de

testes e com a meta de preparar para o mercado de trabalho.

Hoje, a principal falha da escola com relação à sua dimensão social parece

ser a omissão na função de educar para a democracia. Sabendo-se da

gravidade dos problemas e contradições sociais presentes na sociedade

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brasileira - injustiça social, violência, criminalidade, corrupção, desemprego,

falta de consciência ecológica, violação de direitos, deterioração de serviços

públicos, dilapidação do patrimônio social, etc. -, que só se fazem agravar

com o decorrer do tempo, e considerando que uma sociedade democrática só

se desenvolve e se fortalece politicamente de modo a solucionar seus

problemas se pode contar com a ação consciente e conjunta de seus cidadãos,

não deixa de ser paradoxal que a escola pública, lugar supostamente

privilegiado do diálogo e do desenvolvimento crítico das consciências, ainda

resista tão fortemente a propiciar, no ensino fundamental, uma formação

democrática que, ao proporcionar valores e conhecimentos, capacite e

encoraje seus alunos a exercerem ativamente sua cidadania na construção de

uma sociedade melhor (PARO, 2000, p. 3).

Axel Honneth (2013a) corrobora esse diagnóstico, referindo-se às reformas

educacionais implementadas nos Estados Unidos e na Europa ocidental. Ele pontua que

nesses países os objetivos da escolarização tornaram-se restritos à aquisição de

habilidades úteis do ponto de vista estritamente econômico. Para garantir a consecução

desses objetivos, as reformas defendem que a escola pública seja um campo

supostamente neutro, livre do ensino de valores, que deve ser de responsabilidade

exclusiva das famílias. Nesses países, tal concepção se concretiza, sobretudo, através de

políticas de “escolha” como os “vouchers” educacionais (HONNETH, 2013a); no

Brasil, podemos perceber que tal concepção tem sido defendida, sobretudo, pelo

movimento Escola Sem Partido (FRIGOTTO, 2017).

Honneth (2013a, p. 557) reforça que essa suposta neutralidade do Estado é uma

ideia falsa e perigosa, à medida que leva a uma dissociação entre ensino escolar e

formação de valores democráticos:

Sob tais circunstâncias, parece não haver necessidade de recordar os tempos

em que o ensino escolar público era visto como elemento fulcral da

autorrenovação das democracias. Ao que tudo indica, não só a própria teoria

da democracia, mas também a política estatal perderam o interesse pelo único

órgão com o qual se podiam regenerar repetidamente, ao menos

tentativamente e num esforço constante, os frágeis pressupostos de uma

formação da vontade democrática do povo.

A avaliação institucional participativa busca recuperar essas preocupações, ao

constituir-se um modelo de regulação democrática, ou uma proposta

“contrarregulatória”, à medida que pretende oferecer uma alternativa às limitações do

modelo de regulação gerencial verticalizado (FREITAS et al., 2009). Diante das

consequências negativas que esse modelo gera, torna-se urgente a discussão pública

sobre formas de regulação comprometidas com a construção de uma sociedade mais

humana e mais justa. Esse desafio requer políticas educacionais de avaliação que sejam

sensíveis e responsivas à realidade socioeconômica dos estudantes e escolas públicas, e

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guiadas por uma concepção de qualidade socialmente relevante, que não esteja restrita a

servir aos interesses de mercado.

Uma proposta de AIP nesses moldes começou a se desenvolver a partir de

discussões entre os gestores da Rede Municipal de Educação de Campinas e os

pesquisadores do grupo LOED. Iniciadas em 2002, elas foram impulsionadas, por um

lado, pela vontade da então Secretária de Educação de construir uma política

democrática de avaliação que pudesse oferecer alternativa ao modelo hegemônico

vigente no país, e, por outro, pelo engajamento histórico do LOED em defesa da

educação pública.

Essas discussões levaram à criação, em 2003, do Conselho Gestor de Avaliação

da Rede Municipal de Campinas, um espaço de negociação que marcou o começo da

parceria entre o LOED e a Secretaria Municipal de Educação. À criação do Conselho

seguiu a formulação de uma Carta de Princípios em 2005, cujo conteúdo foi

amplamente debatido e validado em audiências públicas nas quais estiveram presentes

as equipes gestoras das escolas. Basicamente, a Carta de Princípios abarcava um

conjunto de princípios relacionados à avaliação institucional participativa, incluindo as

concepções de qualidade e de avaliação que orientariam as ações políticas e discussões

subsequentes. O propósito era estabelecer as bases éticas da proposta que começava a se

desenhar, garantir transparência e legitimidade e deixar claros os compromissos e

intenções subjacentes.

O desenho do modelo de AIP começou a se tornar mais estruturado em 2005

quando o LOED se envolveu no Projeto Geração Escolar 2005 (Geres) - Estudo

Longitudinal sobre Qualidade e Equidade no Ensino Fundamental Brasileiro, financiado

pelo governo federal e a Fundação Ford e conduzido em 312 escolas espalhadas em

cinco grandes cidades brasileiras, entre elas as escolas da rede municipal de Campinas.

Assente sobre a perspectiva do valor-agregado, o estudo mediu a proficiência em

Português e Matemática de 35.538 estudantes cujo desempenho foi rastreado ao longo

de um período de quatro anos. O estudo também coletou informações variadas sobre os

estudantes e suas famílias, professores, diretores e escolas, com objetivo de identificar

as variáveis que afetam o aprendizado dos estudantes, particularmente aquelas

relacionadas à origem socioeconômica, às práticas pedagógicas de sala de aula e

condições estruturais da escola.

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No contexto desse estudo, o LOED desenvolveu em Campinas um projeto

complementar de Avaliação Institucional Participativa, chamado Geres-AI, com a

intenção de auxiliar as escolas participantes a conferir significado aos resultados das

avaliações externas do Geres. Para dar início a esse projeto, um grupo composto por

pesquisadores do LOED e gestores da rede municipal de Campinas organizou um

encontro ao qual todas as escolas municipais foram convidadas a comparecer. Nesse

encontro, o grupo apresentou um documento às escolas presentes explicando as

intenções e estratégias da proposta, e em seguida as convidou a aderir voluntariamente

ao projeto, deixando claro que a não participação não implicaria nenhum tipo de

punição. Das escolas municipais de ensino fundamental, onze aceitaram o convite entre

os anos de 2005 e 2006.

Essa proximidade com as escolas e com os gestores da rede revestiu o projeto de

legitimidade política, criando condições objetivas favoráveis à sua proposição como

política de governo em 2007. O marco disso foi o documento “Plano de Avaliação

Institucional Participativa: uma alternativa para a educação básica de qualidade da Rede

Municipal de Ensino de Campinas e Fundação Municipal para Educação Comunitária”

(Secretaria Municipal de Educação, 2007). A política passava a ser implementada,

então, a partir de 2008 nas quarenta e quatro escolas do ensino fundamental.

Além de colaborar na idealização da proposta, o LOED apoiou a rede nos

processos de implementação e avaliação da política de AIP. O grupo esteve, inclusive, à

frente da assessoria de avaliação institucional estabelecida em 2009, cujo objetivo era

organizar seminários e sessões de formação para os gestores das escolas e da Secretaria

Municipal de Educação, e coordenar a implementação dos espaços estabelecidos pela

política. Guiada pela perspectiva do “amigo crítico” (MACBEATH & SWAFFIELD,

2005), a universidade deixa de se apresentar como detentora de soluções prontas, e

assume o papel de trabalhar colaborativamente com as escolas e o poder público na

construção conjunta de soluções para os problemas identificados. Segundo essa

perspectiva, o “amigo crítico” é eticamente comprometido em atuar sobre a realidade, o

que não significa assumir a liderança em dizer às escolas o que elas devem fazer. Ao

invés, a função do LOED foi ajudar os sujeitos do sistema educacional a desenvolver

sua própria autonomia para empreender processos de mudança.

Cabe ressaltar que essa perspectiva de trabalho é condizente com a importância

dada pela AIP à participação dos diversos atores, internos e externos à comunidade

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escolar, no processo avaliativo, incluindo o poder público e a universidade. Pressupõe-

se que é a partir do encontro entre os diferentes pontos de vista que se criam as

condições para a definição e o alcance de uma concepção de qualidade socialmente

significativa (SORDI, 2012a). Os conceitos de qualidade e participação estão, portanto,

intimamente relacionados:

A qualidade não é um dado de fato, não é um valor absoluto, não é

adequação a um padrão ou a normas estabelecidas a priori e do alto.

Qualidade é transação, isto é, debate entre indivíduos e grupos que têm um

interesse em relação à rede educativa, que têm responsabilidade para com ela,

com a qual estão envolvidos de algum modo e que trabalham para explicitar e

definir, de modo consensual, valores, objetivos, prioridades, ideias (...). Não

há, portanto, qualidade sem participação. (BONDIOLI, 2004, p. 14-15).

Enfatizando a importância do envolvimento ativo das pessoas no processo de

definição da qualidade, Dias Sobrinho (1995, p. 60) também destaca que:

A noção de qualidade é uma construção social, variável conforme os

interesses dos grupos organizados dentro e fora da instituição. Os juízos de

valor a respeito dessa instituição poderão divergir conforme os grupos e

segmentos considerem que a instituição responde ou não às suas respectivas

prioridades e demandas. Seu conceito não é unívoco e nem fixo, e só pode ser

construído por consensos, como resultado das relações de força.

A política de avaliação institucional participativa ancora-se, portanto, em dois

conceitos centrais: “qualidade negociada” (BONDIOLI, 2004) e “responsabilização

compartilhada” (FREITAS et al., 2009). O pressuposto é que a definição de qualidade é

necessariamente política e socialmente construída e que, consequentemente, a forma

mais legítima e sustentável de defini-la é através de um processo de “negociação” que

implica reconhecer a contribuição que cada pessoa, instância ou segmento pode

acrescentar ao conhecimento e desenvolvimento institucional. Isso só é possível através

de diálogos corajosos e honestos, pelos quais os participantes ouvem e respeitam os

diferentes pontos de vista e, guiados por um compromisso com o bem comum, movem-

se em direção a uma visão coletiva que passa a ser matizada pelas múltiplas

perspectivas.

A “negociação” emerge como categoria:

(...) que permite a realização de acordos entre os diversos segmentos

interessados na qualidade da escola pública e serve de mediação entre o que

existe e o que precisa ser construído pela escola, rumo à concepção de

qualidade desejada (...). Trata-se de legitimar a ideia de que atores

diferentemente situados no projeto da escola podem, pelo diálogo,

estabelecer negociações em torno dos problemas a resolver e das metas a

atingir, permitindo-se demandas bilaterais (SORDI, 2012b, p. 489-90).

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Leite (2005) ressalta que a construção de consensos negociados é um movimento

democrático caracterizado pela transformação de interesses privados em interesses

comuns, de cidadãos privados e independentes em cidadãos públicos. De acordo com

essa concepção, é através do confronto de posições que o coletivo organizado da escola

desenvolverá compromisso com o bem comum, e construirá consensos legítimos no

processo de avaliação institucional, em relação a indicadores de qualidade, prioridades

de ação e possíveis soluções aos problemas detectados, bem como à distribuição de

papéis e responsabilidades entre os atores da comunidade escolar e do poder público

(SORDI, 2012a).

Reconhecer que o protagonismo pertence aos atores locais não significa

desconsiderar o ponto de vista externo, que traz contribuições igualmente importantes

ao processo de autoconhecimento institucional. O poder público também participa da

negociação, tanto no sentido de prover um parâmetro externo de qualidade quanto de

assumir responsabilidade em garantir condições adequadas de trabalho para as escolas e

seus profissionais. Além disso, os dados provenientes das avaliações externas em larga

escala são considerados indicadores de qualidade relevantes, que precisam ser utilizados

de forma eticamente responsável e contextualizada, à luz das condições objetivas nas

quais a qualidade é produzida e da realidade socioeconômica dos alunos, e em diálogo

com outros indicadores de qualidade coletivamente negociados.

Como mostra a figura abaixo, a AIP ocorre no nível da escola, que é o lugar

mais apropriado para articular e conferir significado aos dados externos e internos que

emanam das avaliações em larga escala, da avaliação institucional e da avaliação da

aprendizagem em sala de aula.

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Figura 1 - Articulação entre os três níveis de avaliação

Fonte: Freitas et al. (2009)

Segundo Freitas et al. (2009) e Sordi (2012a), a discussão desses dados externos

e internos dentro do processo comunicativo da autoavaliação institucional permite

desenvolver novos olhares e descobertas, constituindo um meio crucial de desvendar

fatores inicialmente desconhecidos que podem prejudicar a melhoria da qualidade e de

iluminar estratégias potentes para resolver os problemas identificados. Também

constitui um meio importante de tornar visíveis concepções de qualidade que tendem a

ser obscurecidas devido à supervalorização dos indicadores externos limitados.

Portanto, esse nível de avaliação escolar é considerado necessário para o

desenvolvimento e articulação de esforços de melhoria capazes de transformar

positivamente o trabalho pedagógico que acontece em sala de aula.

Essa perspectiva baseia-se na ideia de que, onde não há diálogo, as pessoas

conseguem ver apenas uma parte do todo, o que pode fortalecer a tendência de

culpabilizar o outro e de se esquivar da própria parte de responsabilidade. Por exemplo,

os governos tendem a culpar os professores, e os professores a culpar os estudantes e

suas famílias por seu aparente fracasso. Por outro lado, se estudantes, famílias,

professores, funcionários e equipes gestoras da escola e do poder público puderem ser

ouvidos em um ambiente gerido pelos valores do respeito e reconhecimento, existe, em

teoria, uma maior probabilidade de emergirem entendimentos mais acurados e novas

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formas criativas de pensar e intervir na realidade, o que, por sua vez, contribuirá para

fortalecer o compromisso de todos com o trabalho e desenvolvimento da escola.

A Carta de Princípios (Freitas et al., 2009), mencionada anteriormente, resume

como os conceitos de “avaliação” e “qualidade” são concebidos nessa perspectiva:

A avaliação educacional é um processo de reflexão coletivo e não apenas a

verificação de um resultado pontual. Esta é a maneira mais adequada de se

pensar a avaliação em quaisquer níveis: como processo destinado a promover

o permanente crescimento. Há que se medir, mas esta não é a parte mais

importante; há que se avaliar – esta sim é fundamental. Avaliar é promover

no coletivo a permanente reflexão sobre os processos e seus resultados, em

função de objetivos a serem superados.

Qualidade, portanto, não deve ser vista apenas como ‘domínio de português e

matemática’, mas, além disso, incluir os processos que conduzam à

emancipação humana e ao desenvolvimento de uma sociedade mais justa.

Neste sentido, a qualidade da escola depende, também, da qualidade social

que se consegue criar no entorno da escola. A escola não pode dar conta de

gerar eqüidade se fora dela se gera ineqüidade, desigualdade, violência,

insegurança e revolta. Não menos importante, portanto, é a dimensão

emancipadora dos processos avaliativos que visa inserir os professores e as

crianças em seu tempo e espaço, bem como dotá-las de capacidade crítica e

criativa para superar seu tempo – a capacidade de auto-organizar-se para

poder organizar novos tempos e espaços.

A fim de possibilitar a realização dos princípios discutidos acima, o primeiro

espaço criado pela AIP foi a Comissão Própria de Avaliação (CPA)7, estabelecida em

cada escola para garantir a participação de pelo menos um representante de cada

segmento (alunos, professores, equipe operacional e famílias), com mediação do

Orientador Pedagógico representando a equipe gestora da escola8. Este é o espaço da

“negociação interna”, onde os participantes identificam os pontos fortes e fracos do

trabalho pedagógico da escola, e discutem quais prioridades e estratégias adotar para

resolver os problemas identificados.

A CPA surgiu na rede com o propósito de restaurar a “potência desperdiçada” do

Conselho de Escola, que foi tomado pelo “viés do burocratismo, da prestação pública de

contas desprovida de significações ancoradas nas necessidades da escola para a oferta

de uma educação de qualidade” (SORDI et al., 2016, p.181). A ideia da política de AIP

ao instaurar a CPA não foi “duplicar instâncias e/ou multiplicar funções; não lhe

7

A CPA é uma instância colegiada de caráter avaliativo que foi regulamentada pela Resolução SME nº

05/2008, cuja realização deve ser minimamente mensal, podendo realizar-se quinzenal/semanalmente

mediante as demandas/necessidades. 8 Os profissionais recebem uma hora adicional chamada Hora Projeto (HP) para comparecer a essas

reuniões.

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interessa dicotomizar nem dividir, mas superar contradições presentes em um tempo

político que não pode ser desconsiderado” (idem, p. 182).

A possibilidade de a AIP superar essas contradições e constituir um exercício

mais intenso sobre a qualidade da escola pública estaria contida na própria organização

legal da CPA, que “(re)localiza o debate no âmbito da escola de forma menos

burocrática em relação à dinâmica dos Conselhos de Escola”, ao permitir, por exemplo,

que suas reuniões ocorram a qualquer tempo (idem, p.184). No entanto, a importância

do CE não deve ser desconsiderada. A ideia da política é que as duas instâncias se

complementem, de forma que os dados e encaminhamentos discutidos na CPA

ofereçam subsídios para as deliberações e decisões tomadas no Conselho de Escola9

(SORDI et al. 2016).

Na negociação interna via CPA, os sujeitos também alocam responsabilidades

para si, e identificam demandas a serem negociadas posteriormente com o poder público

em um espaço de “negociação externa” previsto para ocorrer anualmente: as Reuniões

de Negociação. Nessas reuniões, que ocorreram efetivamente nos anos de 2010, 2011 e

201410

, prevê-se que os membros das CPAs e representantes da Secretaria Municipal de

Educação acordem compromissos com determinadas metas, estratégias e condições para

a qualificação das escolas.

Por fim, um terceiro espaço desenhado pela política foi o Encontro Anual entre

CPAs, com objetivo de reunir as CPAs de escolas pertencentes ao mesmo Núcleo de

Ação Educativa Descentralizada (NAED)11

para compartilhar suas experiências na

implementação da AIP. Além do valor intrínseco desta partilha de experiências, a ideia

era que isso ajudasse as CPAs a se prepararem melhor para negociar com o poder

público, especialmente no que diz respeito aos problemas e demandas comuns

identificadas entre as escolas da rede.

9 O Conselho de Escola é uma instância deliberativa que foi instituída em Campinas com a Lei 6.662 de

10 de outubro de 1991, e nacionalmente com a LDBEN 9.394/1996. 10

Considerando o período de coleta de dados da presente pesquisa, que vai até julho de 2017. 11

Os NAEDs são a parte descentralizada da Secretaria Municipal de Educação. Há cinco NAEDs em

Campinas, cada um sendo responsável por um grupo de escolas que pertencem a mesma área geográfica.

Sua responsabilidade é estabelecer uma relação mais próxima entre a esfera central e as escolas, com

objetivo de zelar pela implementação das políticas públicas municipais.

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1.2.2. A implementação: potências e dificuldades da participação democrática

O movimento de implementação desses espaços e princípios não tem sido linear

nem unívoco; ao contrário, trata-se de um movimento contraditório e dialético, que

depende das correlações de força que permeiam e articulam o contexto da prática das

escolas, as esferas do poder público e a universidade. Como analisa Geisa Mendes em

tese sobre a implementação da AIP na rede de Campinas, esse processo é:

[...] resultado das forças imbricadas no processo e na organização, nas

resistências dos atores, nas (re)significações decorrentes dos embates e

tensões vividas, forjadas nas particularidades da formação histórica de cada

sujeito e da realidade social da qual fazem parte. Assim, a implementação da

política é marcada e demarcada pelas influências de todos os atores e das

próprias instituições. [...] Criar novas culturas implica na desconstrução de

formas de ver, viver e praticar, o que não ocorre da noite para o dia

(MENDES, 2011, p. 294).

O grupo LOED desenvolveu duas pesquisas12

no período 2009-2017 junto às

escolas da Rede Municipal de Ensino de Campinas, com financiamento do Observatório

de Educação (OBEDUC) da CAPES, com objetivo de entender as fragilidades e

potências do processo de implementação bem como os efeitos que a AIP produz sobre a

aprendizagem política da participação, sobre o fortalecimento das responsabilidades das

variadas instâncias e atores, e sobre o conhecimento social em torno do que é e do que

afeta a qualidade educacional.

Os resultados destes oito anos de investigação tornaram visíveis movimentos

legítimos que nascem do chão da escola, envolvendo diferentes atores sociais reunidos

em diferentes instâncias colegiadas para conduzir processos de avaliação e qualificação.

Desde a primeira pesquisa do grupo, têm sido documentadas escolas que fazem de suas

CPAs e/ou Conselhos de Escola13

momentos de reflexão sobre fatores que influenciam

as múltiplas aprendizagens dos estudantes e de proposição de ações para encaminhar

problemas levantados (Sordi et al., 2013). As reuniões de negociação também parecem

ter cumprido papel importante na política de avaliação institucional participativa, à

medida que abriram um canal coletivo e institucionalizado de comunicação pelo qual as

12

Os resultados da primeira pesquisa (2009-2012) foram relatados em Sordi et al. (2013). Os resultados

da segunda pesquisa (2013-2017) podem ser encontrados em Sordi et al. (2017), também disponível

online no e-book https://www.editoranavegando.com/qualidade-s-da-escola-publica, acesso em

09/01/2019. 13

Na prática, algumas escolas acabaram cumprindo a função da CPA no espaço do Conselho de Escola.

Esse fato não foi necessariamente mal visto pelos idealizadores da política, pois se considerou que o mais

importante é estarem cumprindo a função avaliativa nos espaços encontrados para tal. Para discussão

mais detalhada sobre essas questões, ver Sordi et al. (2016).

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CPAs puderam discutir e negociar com o poder central suas metas e necessidades, além

de terem sido um espaço de aprendizagem do exercício da participação (Sordi, 2012b).

Na ocasião da reunião de 2011, por exemplo, a Secretaria Municipal de

Educação solicitou às escolas que cada uma “elaborasse uma apresentação que (...)

deveria conter os índices de qualidade escolhidos pelas escolas e suas estratégias para

monitorarem seus processos de melhoria” (SORDI, et al., 2013, p.262), o que foi

avaliado pelos pesquisadores do LOED como positivo à medida que provocou

mobilização da comunidade escolar para se colocar frente à SME:

O clima, o movimento, a dinâmica, os diálogos ocorridos na reunião [de

negociação em 2011], bem como as possibilidades apresentadas para

superação de algumas demandas, sem dúvida possibilitaram a participação

efetiva dos sujeitos nesse processo participativo formativo. [...] A definição

das prioridades e prazos [por parte da SME] para execução das solicitações

demarca uma abertura ao diálogo e acompanhamento dos processos entre

todos os sujeitos envolvidos neste percurso na busca da melhoria da

qualidade das escolas públicas (SORDI, et al., 2013, p.273)

As pesquisas do LOED deixaram claro que a AIP ao longo desses anos

conseguiu enraizar importantes espaços e culturas de participação na estrutura do

sistema educacional e na consciência e ação de seus profissionais, apesar de a

conjuntura política não ser plenamente favorável à construção desses espaços na rede

(SORDI et al., 2013; SORDI et al., 2017).

Alguns exemplos demonstram esse enraizamento e sugerem possíveis fatores

facilitadores e dificultadores. Em 2014 a prefeitura firmou um convênio com uma

organização social e uma empresa privada para implementar uma assessoria de “gestão

por resultados” inicialmente em dez escolas de ensino fundamental da rede municipal de

Campinas, ao que a maioria dessas escolas manifestou resistência através de cartas

escritas por suas CPAs e/ou Conselhos de Escola, argumentando que esse tipo de

parceria minaria os princípios da gestão pública democrática. Como resultado desse

embate, a assessoria não foi implementada na extensão e forma inicialmente pretendidas

pela administração central (OLIVEIRA, 2016).

Além disso, vale mencionar que a própria permanência da CPA enquanto espaço

legalmente assegurado é fruto da influência de supervisores que trabalham no nível

descentralizado dos NAEDs, que em algum momento de sua formação acadêmica

passaram pelo LOED. Percebe-se que a influência do LOED nessa rede de ensino

permanece para além daquele momento inicial de formulação da política, através da

constante formação de profissionais que atuam em diversos níveis da RMC - embora

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essa influência tenha passado a ocorrer com menor centralidade, sobretudo, após o

grupo ter formalmente se retirado da assessoria de avaliação institucional em 201414

.

Apesar disso, o LOED continua realizando projetos em parceria com as escolas e a

SME. O último deles foi sobre construção de indicadores quantitativos de “qualidade

social”, que envolveu desde grupos focais com equipes gestoras de oito escolas,

aplicação do instrumento, a oficinas de interpretação dos dados, o que ajudou a

desenvolver uma maior atenção das escolas a dimensões da qualidade que não são

valorizadas pelos atuais índices externos (SORDI et al., 2017). Nota-se que o

envolvimento do Departamento Pedagógico da SME na organização dessas etapas do

projeto denotou certa abertura a continuar dialogando com o LOED e com os princípios

da avaliação institucional participativa.

Outro exemplo do contínuo movimento de negociação entre rede municipal e

universidade - e da consequente capilaridade dos princípios da AIP na rede - foi a

realização do encontro das CPAs em 201715

, no qual membros das CPAs das escolas se

encontraram para compartilhar os resultados de seus trabalhos. Parte desse evento foi

acompanhada por mim em pesquisa de campo. Nele pude perceber professores

mudando sua percepção negativa sobre uma escola16

que possui um dos IDEBs mais

baixos da rede, à medida que tomaram conhecimento de seu projeto político-pedagógico

e da(s) outra(s) qualidade(s) que ele produz.

Por fim, vale citar a retomada das Reuniões de Negociação no segundo semestre

de 2018, como outro exemplo do enraizamento da AIP na estrutura da rede. Os dados

dessa reunião, no entanto, não serão discutidos na presente pesquisa17

.

Como parte do movimento dialético de implementação da política, as pesquisas

do LOED também revelaram descontinuidades e dificuldades manifestas na falta de

apoio institucional por parte da Secretaria, que, devido a constantes mudanças de gestão

e ao alinhamento com políticas de gestão empresarial, deixou de organizar alguns

insumos necessários à consecução da política. As reuniões de negociação, por exemplo,

ficaram três anos seguidos sem ocorrer (2015, 2016 e 2017), não ocorrendo também em

2013. Como ressalta Sordi et al. (2013, p. 219) em relatório da primeira pesquisa

OBEDUC:

14

Pretendeu-se desvincular o nome do grupo daquela administração que firmou o convênio com a

iniciativa privada. 15

Esse encontro foi organizado pelo núcleo de avaliação institucional da SME. 16

Essa foi uma das duas escolas nas quais realizei pesquisa de campo. 17

A coleta de dados ocorreu até julho de 2017, não abarcando o período da última reunião de negociação.

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Mesmo preservada a política de AIP, esta acaba perdendo apoio institucional

expresso na ausência de eventos de compartilhamento das experiências entre

as CPAs, suspensão da Reunião de Negociação e não acolhimento da

proposta feita pela coordenadoria de Avaliação de realização do Encontro

Anual das CPAs da rede de Campinas em sua quinta versão [...]. O

desapontamento manifestado diante da demora das respostas institucionais, a

insegurança pelo futuro desta política avaliativa frente ao cenário externo de

forte responsabilização vertical são queixas presentes e pertinentes.

Além do enfraquecimento do apoio institucional por parte do poder público, as

pesquisas do LOED também mostraram que os níveis de apropriação da política pelas

escolas variam significativamente, havendo escolas em que a constituição da CPA ainda

é deficitária no que tange ao cumprimento das suas funções e objetivos, quando não

inexistente (Sordi et al., 2013).

Esse diagnóstico sobre a atuação de colegiados não é novo na área educacional.

Na década de 1990, Ghanem (1996) já analisava algumas limitações relativas à

implementação do Conselho de Escola nos governos de Minas Gerais, Recife e Porto

Alegre. A atuação deste colegiado caracterizava-se por ser pontual sobre problemas, em

detrimento de uma função planejadora e reflexiva que se baseasse no Plano de

Desenvolvimento da Escola, em debates sobre conteúdos de currículo e procedimentos

de ensino, ou em proposição de alternativas de ação a partir de indicadores de

rendimento dos alunos. Em relação à AIP, eleita como prática ou política com objetivo

mais direcionado às questões de avaliação propriamente, Barreto e Novaes (2016)

analisam sua implementação em algumas redes/escolas de educação básica, incluindo a

rede de Campinas, e concluem:

Os estudos apontam que, de modo geral, a avaliação institucional pode

contribuir com um diagnóstico mais apurado da escola e propiciar condições

para o encaminhamento compartilhado de alguns de seus problemas. Mas

evidenciam também grande dificuldade dos atores escolares de formular com

maior clareza os problemas de caráter pedagógico e de melhor equacionar as

medidas que contribuam para a sua superação.

Há limitações também no que diz respeito à participação dos vários segmentos,

ou ao alcance de relações mais horizontais de poder nas escolas. Em estudo realizado

numa escola estadual, Paro (2003) identifica alguns determinantes internos e externos à

escola que influenciam a participação. Dentro dos internos, estão:

a) as condições de trabalho/condicionantes materiais, referentes à

disponibilidade de recursos materiais e humanos (ex. espaços físicos adequados);

b) os condicionantes institucionais, relativos à organização formal das relações e

estruturas de poder na escola. Ainda imperam as relações verticais de mando e

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subordinação, trazendo a necessidade de criação de espaços institucionalizados que

permitam descentralizar o poder das mãos do diretor;

c) condicionantes político-sociais, que atentam para a necessidade de se

reconhecer a legitimidade do conflito, resultante da diversidade de interesses dos grupos

que compõem o coletivo da escola, no sentido da superação dos particularismos em

favor de um projeto coletivo;

d) condicionantes ideológicos, relativos à visão depreciativa da escola sobre a

comunidade, e à forma de participação que a escola espera da comunidade, limitada às

ações executivas e não decisórias. A superação desses condicionantes implica uma

reconstrução dos olhares e ações dos profissionais da escola em relação aos familiares

dos alunos.

Quanto aos fatores externos, Paro (20003) identifica:

e) as condições objetivas de vida da população, relativas, por exemplo, à falta de

tempo, cansaço, o que remete à dificuldade de sincronizar as disponibilidades de horário

das famílias e dos profissionais da escola;

f) os condicionantes culturais, referentes à visão da população sobre a escola. O

medo que os pais das camadas populares sentem em relação à instituição, ou o

constrangimento de se relacionar com pessoas de escolaridade/status maior que o seu,

distancia esses pais da participação em colegiados. Deve-se estar atento também às

formas próprias pelas quais as famílias demonstram seu interesse pela escola;

g) condicionantes institucionais da comunidade, dizem respeito à presença de

movimentos sociais organizados no entorno, os quais, a depender de suas

características, podem aumentar a conscientização ou a apatia da comunidade quanto à

participação na escola pública.

Fundamentado nas teorias sobre participação e avaliação institucional expressas

acima, Dalben (2010) analisa os aspectos que influenciaram a implantação da Avaliação

Institucional Participativa em uma Escola Estadual de Ensino Fundamental de São

Paulo. Um deles é que ainda é forte a presença de uma relação de poder vertical e

centralizadora vinculada ao papel do gestor da escola. Isso ocorre devido a um contexto

caracterizado, entre outras coisas, pela intensa rotatividade de professores,

intensificação de demandas burocráticas que fazem a diretora se ausentar dos momentos

coletivos, manutenção na legislação da centralidade do poder do diretor nas esferas

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administrativa, financeira e pedagógica; tudo isso colabora para gerar a naturalização do

ambiente autocrático no sistema educacional (DALBEN, 2010).

Freitas (2012a) acrescenta que faz parte da “forma escola” capitalista essa

organização hierárquica do poder. Para garantir a consecução dos objetivos capitalistas

de segregação e exclusão, a escola nesse contexto afasta-se das práticas sociais, das

experiências dos/as alunos/as, de suas indagações e vivências como base para a

produção dos conhecimentos e compreensão da realidade, ao mesmo tempo em que

inibe a participação dos familiares e alunos nos processos de gestão escolar, de

elaboração do Projeto Político Pedagógico, de reflexão crítica a respeito dos sentidos da

escola, de seus conteúdos, avaliação, e metodologia.

Vale ressalvar que, ao mesmo tempo em que a direção pode minar a participação

do coletivo, ela pode contribuir para promoção de uma cultura democrática nas escolas.

Em relação à rede de Campinas, Betini (2009) constata a importância do gestor na

conciliação das dimensões técnica e política do trabalho escolar, necessárias para o

desenvolvimento de uma cultura que favoreça a AIP. Forsyth et al. (2013) e Bryk e

Schneider (2002) também reforçam o papel da liderança, expressa, principalmente, na

figura do diretor, em fomentar um ambiente de interações constantes regidas pela

confiança.

O que tem predominado, no entanto, é uma cultura de gestão centralizadora

(DALBEN, 2010; SORDI, et al. 2013), que permeia não só as equipes gestoras das

escolas, mas também o poder público, os professores e a população em geral. Isso faz

com que muitas vezes o aumento da participação não seja buscado de forma intencional

nos Projetos Político Pedagógicos, havendo uma vontade tácita de que se mantenham as

relações fragmentadas e hierárquicas. Na ausência da ideia de que a participação

democrática pode colaborar com a gestão e com a melhoria do ensino, as

disponibilidades de tempo, espaço e recursos humanos e materiais deixam de ser

arquitetadas para sua efetivação.

Nesse sentido, Dalben e Sordi (2009) observam o incoerente posicionamento do

Estado, que, por um lado, proclama em leis a defesa da gestão democrática, mas, por

outro, não oferece as condições necessárias para que ela se efetive, dada a perspectiva

política de redução do investimento público em educação.

As condições objetivas oferecidas pelo poder público, no entanto, não são

suficientes. É necessário que a democracia seja “aprendida” e “conquistada” pelos

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próprios sujeitos na sua prática cotidiana (LEITE, 2005; LIMA, 2008). E aqui também

se observam constrangimentos à prática democrática. Dalben e Sordi (2009) identificam

a existência de uma visão patrimonialista de escola, segundo a qual a população

considera a escola pública como propriedade exclusiva do governo ou, no máximo, dos

profissionais que nela atuam. Essa visão leva à autoexclusão de alunos e familiares e à

predominância dos profissionais da escola em relação aos demais segmentos nos órgãos

colegiados.

Os profissionais da escola, por sua vez, também acabam excluindo de várias

formas a participação dos alunos, familiares e funcionários, seja através da falta de

convite, da inadequação de horários escolhidos para as reuniões, ou do não

reconhecimento do aumento da participação da comunidade como meta da escola. Essa

atitude é influenciada em grande medida pela concepção de participação predominante

entre esses profissionais: em geral, eles esperam que a participação da comunidade

esteja mais ligada à execução de tarefas do que à tomada de decisões, o que ocorre, em

partes, pela falta de legitimidade que a participação do leigo tem nos assuntos

pedagógicos.

Por fim, os autores ressaltam que os próprios professores acabam se eximindo do

compromisso político com a participação (DALBEN & SORDI, 2009). Nesse sentido,

retomamos os estudos apresentados no tópico anterior desta tese, que procuram explicar

esse fato através dos processos de intensificação e individualização do trabalho, e da

conformação das pautas tratadas nos espaços coletivos às exigências postas pelas

reformas verticalizadas. Barroso (1996) nos lembra que, para as pessoas se motivarem a

participar, elas precisam perceber também um “sentido instrumental” na participação,

finalizado e traduzido em conquistas concretas. Precisam, assim, perceber que possuem

algum poder de influenciar os rumos do que é decidido, e que sua participação é útil e

necessária, capaz de trazer benefícios para elas e para a organização em seu conjunto.

Se os professores não sentem que têm poder real de influenciar as pautas nem percebem

retornos concretos de sua participação, a tendência é que continuem a ver esses

processos como uma sobrecarga de trabalho burocrático que pouco acrescenta à

melhoria do ensino.

A mesma lógica se aplica à participação da comunidade. Muitos estudos

desmentem o mito da falta de interesse dos familiares dos alunos pela qualidade de

ensino, ressaltando as várias formas pelas quais eles demonstram interesse, ao se

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preocuparem, por exemplo, com o problema da merenda, com a falta de professores,

com a segurança da escola, com a greve de servidores, ou mesmo ao comparecerem à

escola para saber sobre o desempenho escolar dos filhos (PARO, 2003; CARRA, 2014).

No entanto, os dados da presente tese e de outras pesquisas (GHANEM, 1996) mostram

que tende a ser pequeno o número de famílias que se envolvem na gestão das escolas

propriamente. Além dos motivos já discutidos, como as condições objetivas de vida e a

visão da escola sobre a comunidade e da comunidade sobre a escola, Barroso (1996) nos

faz pensar que também não está bem estabelecido para as famílias qual seria o sentido

concreto de sua participação, o que/como se espera que elas façam/ajam, como podem

influir nos rumos da instituição, e quais benefícios podem esperar para si e para a

organização escolar como um todo.

O aparente paradoxo é que se a vontade de participar requer que esses sentidos

estejam bem estabelecidos, é também através da participação que os sentidos e

expectativas são construídos e negociados. E aí existe mais um fator que desencoraja a

participação das pessoas na construção de sentidos coletivos, a saber, a cultura

hegemônica individualista presente na sociedade como um todo, e em suas instituições

em particular (LEITE, 2005).

Essa tese pretende contribuir com a discussão dos fatores associados à

participação e à construção coletiva de sentidos, concepções, estratégias de ação e

responsabilidades. Especificamente, pretende-se entender a contribuição da categoria

confiança para a efetivação de políticas participativas caracterizadas pela qualidade

social, negociação e responsabilização compartilhada.

Para tanto, inspiramo-nos inicialmente nos trabalhos de Bryk e Schneider (2002)

e Forsyth et al. (2013), que apontam a confiança como um recurso de “capital social”

capaz de fortalecer relações cooperativas e, consequentemente, a qualidade do ensino.

No capítulo seguinte, explicaremos como a confiança tem sido concebida por esses

autores e pela teoria sociológica mais ampla na qual eles se inspiram.

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CAPÍTULO 2. CONFIANÇA: o que é e para quê?

2.1. O Problema da Confiança na Teoria Sociológica

O interesse na questão da confiança - não necessariamente de forma direta com

referência explícita ao conceito em si - vem de uma longa tradição na filosofia e nos

pensamentos político e social, desde Thomas Hobbes e John Locke a Émile Durkheim e

Ferdinand Tönnies, chegando a teóricos mais recentes como Talcott Parsons e Anthony

Guiddens (SZTOMPKA, 1999). É na segunda metade do século XX que o problema da

confiança emerge na teoria sociológica de forma mais explícita, sendo detidamente

investigado a partir de variadas perspectivas teóricas e metodológicas.

A emergência da confiança enquanto um problema sociológico está situada

dentro de um novo paradigma que passou a apostar na relevância das dimensões

culturais da realidade social como fator explicativo da ação e transformação sociais.

Sztompka (1999) situa a origem da inclinação sociológica às variáveis culturais “soft”

na insuficiência explicativa dos fatores estruturais “hard”. Como exemplo, o autor cita

que os fatores culturais podem ajudar a explicar os contratempos da recessão econômica

e da inquietação social que afetaram sociedades onde o quadro institucional parecia

“infalível” - com Estado de Bem Estar, regimes democráticos e economia de livre

mercado. Além disso, admite-se cada vez mais que as mesmas instituições operam de

forma diferente em sociedades com heranças culturais diferentes, e que o terreno da

mudança cultural tem outro ritmo, muito mais lento, que o da mudança nas estruturas e

legislações (SZTOMPKA, 1999).

Misztal (1996) situa essa mudança de paradigma na procura por uma nova base

cultural capaz de compreender as causas, por um lado, dos problemas econômicos

enfrentados pelo mundo ocidental e, de outro, do extraordinário sucesso experimentado

pelo Leste Asiático. Segundo ela, uma comparação entre esses dois cenários tão

díspares leva a crer que o que proporciona as altas taxas de crescimento nos países

asiáticos é a estrutura solidária da indústria japonesa. Nesta, haveria um relativo nível

de confiança baseado em mútuas obrigações entre empregados e empregadores,

enquanto nos países ocidentais imperam o conflito, a ausência de lealdade e de

responsabilidade mútuas. Uma vez que a ação econômica e institucional está

necessariamente imbuída de relações sociais, passou-se a perguntar que tipos de

características culturais são necessárias para sustentar o crescimento econômico. O

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olhar atentou-se, então, para as relações sociais e bases culturais das sociedades e

organizações, entre elas, a confiança interpessoal e institucional (SZTOMPKA, 1999;

MISZTAL, 1996).

Enquanto conceito, a confiança já foi referida, no contexto da Sociologia, como

a crença na honestidade ou no amor de outra pessoa, e na probidade de sistemas

abstratos (GIDDENS, 1991); como uma forma de aposta em uma possível ação futura

de outra pessoa (SZTOMPKA, 1999); como um recurso particularmente relevante nas

condições de incerteza em relação ao desconhecido e às ações imprevisíveis dos outros

(GAMBETTA apud SZTOMPKA, 1999, ano). Para Talcott Parsons (apud MISZTAL,

1996), a confiança reside na crença de que o outro indivíduo colocará seu próprio

interesse de lado em favor de uma orientação de ação coletiva, enquanto para James

Coleman (1988), confiar é um recurso racional do qual se valem indivíduos racionais

para maximizar as oportunidades de ganho pessoal.

Misztal (1996, p.24, tradução minha) define confiança como “uma expectativa

positiva de que os resultados das ações intencionais do outro serão apropriados do meu

ponto de vista”. Ela pontua que a confiança, definida assim genericamente, desempenha

um papel importante em quaisquer tipos de troca social nos quais cada parte da relação

tenha expectativas em relação às outras. Citando um exemplo, a confiança é necessária

para as trocas cooperativas, pois as pessoas só entram numa relação de cooperação

quando confiam que o outro tem capacidade e vontade de cumprir as obrigações ou

expectativas nele depositadas, definidas informalmente ou na forma de contratos. Mas a

confiança também é importante em outros tipos de relações e com outros propósitos,

por exemplo, enquanto expectativa de estabilidade da ordem social, quando, por

exemplo, precisamos confiar que o sistema de transporte público vai funcionar

normalmente para podermos desempenhar nossas rotinas, o que se refere mais à

previsibilidade do que ao caráter cooperativo da ordem social.

Para confiar, as pessoas precisam ter alguma oportunidade de construir

julgamentos sobre a capacidade e vontade do outro de cumprir o que dele se espera. A

teoria da escolha racional pressupõe que esses julgamentos, bem como as motivações do

ato de confiar, são racionalmente orientados. Segundo essa teoria, a pessoa A escolhe

confiar na pessoa B com base numa aposta racional de que os interesses de A serão

levados em consideração por B, cujas motivações próprias também supõem que seus

interesses sejam contemplados por A. Trata-se de uma relação de troca orientada pelo

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pensamento “eu faço o que você espera que eu faça se você fizer o que eu espero que

você faça”, de forma que ambos saiam com seus interesses individuais satisfeitos.

Assume-se, então, que toda ação é racionalmente orientada a escolher a alternativa que

melhor satisfaz o próprio interesse, dado o suposto conhecimento que se tem sobre

como o outro envolvido vai agir.

No entanto, autores críticos a essa perspectiva sugeriram que a confiança

corresponde a uma variável de implicações normativas e que a sua escolha não é sempre

racional, nem se determina pelo montante de informação disponível a respeito do

comportamento dos outros. Ou seja, questionou-se que a decisão de confiar seja

puramente baseada em cálculo estrito de custos/benefícios, argumentando que os

indivíduos teriam capacidade cognitiva limitada para acessar, na quantidade e na

qualidade necessárias, as informações a respeito da conduta dos outros ou para avaliar

adequadamente a utilidade da interação em que se envolveriam. Argumentou-se, então,

que valores sociais - como o republicanismo cívico, a solidariedade social, o desejo de

reconhecimento, o altruísmo - também formam a base da decisão de confiar, sobretudo,

quando os atores situam-se em contextos que incluem insuficiente ou nenhum

mecanismo de controle sobre o comportamento dos outros.

Trata-se de um contexto típico das complexas sociedades modernas, nas quais a

confiança tem sido considerada elemento indispensável de coesão social diante das

incertezas e riscos de desintegração característicos desse tipo de sociedade. Aqui, a

confiança manifesta-se, sobretudo, em sua forma “generalizada”, com vistas à

realização de objetivos coletivos de alcance social.

Neste caso, a confiança social estende os seus efeitos não apenas a amigos ou

conhecidos integrantes de grupos específicos, mas a estranhos que, na

condição de cidadãos, integram a comunidade política. Confiar em estranhos,

em quem é diferente ou em pessoas com quem não se tem familiaridade,

implica em disposição potencial para agir e cooperar com vistas a objetivos

coletivos, cuja definição extrapola o estrito terreno do interesse individual

dos envolvidos. A confiança funciona, neste caso, como uma alternativa para

indivíduos que se sentem vulneráveis em face de sua inserção em contextos

de crescente complexidade e interdependência típicos das sociedades

modernas, mas que, ao mesmo tempo, compartilham uma perspectiva comum

definida por sua condição de cidadãos. Como não podem controlar

individualmente os fatores que influenciam ou definem a sua vulnerabilidade,

nem se informar completamente sobre as circunstâncias que a produzem, eles

usam a confiança como recurso facilitador da coordenação de ações que são

indispensáveis para a realização de objetivos sociais de amplo alcance e que

são relativos aos direitos de cidadania (MOISÉS, 2005, p. 41).

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Alguns autores denunciam os aspectos negativos dessa sociedade moderna, que

teria produzido maior individualismo, distanciamento, isolamento, e impessoalidade nas

relações. Ferdinand Tönnie, por exemplo, tem uma visão dicotômica que idealiza as

relações pessoais harmoniosas da pré-modernidade em contraste com a frieza da era

moderna. Na era da “comunidade” (Gemeinschaft), as relações seriam caracterizadas

pela estabilidade, harmonia, proximidade, e conduta moral. Aqui as pessoas formam

associações porque valorizam as relações como um fim em si mesmo, e existe uma

disposição mental em agir de acordo com uma vontade coletiva. As pessoas se

conhecem, são mutuamente dependentes e compartilham experiências e atividades

cotidianas, de forma que apenas nesse contexto íntimo e pessoalizado podem existir

relações baseadas na confiança e pessoas confiáveis. A confiança, portanto, seria um

produto automático do contexto da comunidade e não poderia ser criada artificialmente,

pois são as experiências conjuntas, a moral e os valores religiosos compartilhados, o

mútuo reconhecimento, as similaridades e os entendimentos comuns que criam

integração entre as pessoas gerando confiança, o que por sua vez estimula ainda mais a

coesão da comunidade (apud MISZTAL, 1996).

Já a sociedade moderna (Gesellschaft), segundo Tönnie, é caracterizada pela

hipocrisia e frieza nas relações, o que destrói o espírito e o potencial humanos para a

felicidade. Aqui as pessoas são egoístas e calculistas, relacionam-se umas com as outras

apenas por razões instrumentais, em busca de lucro e poder, e não podem ser confiáveis

justamente porque manipulam os outros com vistas a atingir seus próprios objetivos. A

unidade da vontade coletiva é perdida, pois o que prevalece são as vontades racionais

individuais. A escolha e a decisão individuais são consideradas mais importantes do que

as obrigações e sentimentos compartilhados, e as relações são valorizadas apenas como

um meio para se atingir fins egoístas. Ainda assim, as pessoas podem construir um tipo

de confiança impessoalizada entre estranhos, baseada no conhecimento que se adquire

do outro a partir de sua reputação, o que as motiva a desenvolver relações pontuais de

cooperação. No entanto, elas cooperam entre si motivadas apenas por interesses

próprios, o que, segundo o autor, só pode levar à erosão da vontade coletiva e da coesão

social (apud MISZTAL, 1996).

Outros autores mais contemporâneos também fazem diagnósticos negativos da

modernidade, mas não deixam de considerar a possibilidade - e a necessidade - de

formação da confiança e coesão dentro desse contexto. Ou seja, não apenas consideram

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isso como possibilidade, mas também apostam no revigoramento das conexões e

normas de reciprocidade entre as pessoas como a solução para os problemas modernos,

vistos em termos de desintegração social, riscos, incerteza, complexidade.

Niklas Luhmann, em 1979, pela primeira vez sugeriu que a confiança não é um

recurso obsoleto típico das sociedades tradicionais. Ao contrário, ela ganha importância

com o desenvolvimento das formas sociais modernas, sendo indispensável na atual fase

da modernidade caracterizada pela crescente necessidade de assumir riscos. Aqui a

confiança é considerada um valioso recurso que substitui a escassez de informação

disponível em um mundo incerto e contingente, permitindo a generalização de

expectativas de comportamento e reduzindo a complexidade social (apud MISZTAL,

1996).

Piotr Sztompka (1999) reforça que a nova ênfase que o conceito ganhou na área

da sociologia está relacionada aos dilemas e desafios dessa nova fase da modernidade.

Enquanto certa forma de confiança entre atores sociais é necessária para a continuidade

de qualquer ordem social, a problemática da confiança como solução para um tipo

particular de risco é um fenômeno contemporâneo, relacionado com a natureza da

divisão do trabalho nas atuais economias de mercado.

O autor sublinha as características modernas que tornam urgente a necessidade

de confiança: interdependência e vulnerabilidade, impessoalidade e anonimato,

incerteza, contingência e risco (SZTOMPKA, 1999). Primeiro, o processo de

globalização e a atual divisão internacional do trabalho amarraram de tal forma as várias

sociedades em uma rede mundial de relações econômicas, culturais e financeiras - e

internamente as sociedades também chegaram a tal nível de especialização de papéis,

funções, ocupações - que temos nos tornado cada vez mais dependentes da cooperação

alheia. Isso faz com que a “solidariedade orgânica” se torne mais imperativa que nunca

(DURKHEIM, 1999). Esse processo corrente de interdependência nos coloca diante de

incertezas e desafios, pois aumenta nossa vulnerabilidade perante os outros, que podem

a qualquer momento falhar no cumprimento de suas responsabilidades. E é justamente

daí que vem o aumento da demanda por confiança como uma condição essencial para a

cooperação (SZTOMPKA, 1999).

O autor também sublinha que vivemos em uma sociedade caracterizada pela

impessoalidade, na qual estamos constantemente na presença de estranhos. Além disso,

cada vez mais nossa vida, nossos interesses e necessidades dependem de variadas

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instituições, organizações, sistemas tecnológicos, cujas operações globais são

controladas por indivíduos e entidades que nos são inacessíveis, da mesma forma como

nossa possibilidade de influenciar, controlar e monitorar suas atividades é bastante

remota. Em inúmeras situações dependemos da eficiência, responsabilidade, e boa

vontade dessas pessoas anônimas e tão importantes para nossas vidas. Recorrer à

confiança é, assim, a única forma de viver nesse ambiente de crescente anonimato e

impessoalidade, segundo Sztompka (1999).

Por fim, o mundo moderno nos coloca uma variedade imensa de opções de

escolha o tempo todo. Para escolhermos entre diferentes cursos de ação disponíveis

temos que recorrer à confiança - se vou escolher esse ou aquele médico, votar nesse ou

naquele político, comprar este ou aquele produto (SZTOMPKA, 1999). Da mesma

forma, tendo em vista que os outros também se deparam com uma gama imensa de

opções e fazem suas escolhas livremente, nunca podemos controlar totalmente as

escolhas alheias, então todas as nossas ações são baseadas numa aposta de como o outro

vai agir em determinada situação. Nessas situações de incerteza temos, então, que

recorrer à confiança.

Portanto, a nossa aposta sempre envolve incertezas e riscos. Para Sztompka

(1999), reside aí a própria definição de confiança. Em situações nas quais temos que

agir apesar da incerteza e do risco, a confiança se torna uma estratégia crucial para lidar

com um futuro incontrolável e incerto. Ela é um recurso particularmente relevante

justamente nesse contexto moderno em que temos que nos mover o tempo todo na arena

do desconhecido. Diferente da esperança, da crença ou da fé, a confiança é uma atitude

ativa de fazer uma aposta em uma possível ação futura de outra pessoa. Sua definição

abarca, portanto, uma expectativa de como o outro vai agir em determinada situação

futura, mas também um autocomprometimento de agir em cima do que se espera que o

outro faça. Por exemplo, eu tenho uma expectativa de que os produtos de determinada

marca são eficazes, então eu decido ativamente comprar esses produtos (faço uma

aposta nessa marca). Aqui, a incerteza e a incontrolabilidade não devem paralisar a

ação; ao contrário, é precisamente isso que dá sentido à noção de confiança.

Outros autores reforçam a importância da confiança na contemporaneidade,

referindo-se precisamente à cooperação social que leva ao alcance de objetivos comuns,

e buscando entender por que sua produção tem se tornado mais difícil.

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Robert Putnam (2015) tenta explicar por que a partir da metade da década de

1960, com aceleração nos anos 1980 e 1990, o “tecido da vida comunitária” americana -

ou seja, a conectividade social e o engajamento cívico, expressos em inúmeras medidas

de capital social - começa a desfiar. Houve uma tendência de declínio em praticamente

todas as medidas em conjunto, que vão desde conexões sociais informais como

socializar com vizinhos e participar de jogos de cartas e ligas de boliche, passando pela

disposição em votar e filiar-se a partidos políticos, clubes, associações comunitárias,

entidades religiosas e sindicatos, até os padrões de confiança e altruísmo expressos na

adesão à filantropia e voluntariado e no comportamento honesto e recíproco. O

afrouxamento deste último estaria sendo observado, por exemplo, no declínio da

civilidade na estrada e nas altas taxas de criminalidade.

Para o autor, as características da vida contemporânea que explicariam as

tendências observadas são o intenso atarefamento das pessoas que precisam se dedicar

cada vez mais ao trabalho para se manter economicamente em tempos incertos; a

dispersão geográfica que acarreta, entre outras coisas, mais tempo gasto de locomoção

no trajeto casa-trabalho; o entretenimento eletrônico, especificamente a TV, em seu

papel de privatizar o tempo de lazer; e a mudança geracional, com a substituição de uma

geração cívica por filhos e netos mais ausentes da vida pública comunitária. Tendo em

vista essa conjuntura, Putnam (2015) coloca a pergunta: quem teria tempo e disposição

para se conectar com o outro em prol de objetivos comuns?

Mizstal (1996) defende que determinadas características da modernidade pós

1980 dificultam a emergência da confiança, vista como sinônimo de consenso em torno

de valores, o que reforça ainda mais a necessidade de persegui-la. Para a autora, a

coesão social não era uma questão de preocupação no momento pós-segunda guerra

mundial, em que o Estado de bem-estar social, e a consequente expansão dos direitos de

cidadania nos países ocidentais de capitalismo central, traziam certo consenso nacional.

O crescimento econômico da “era do ouro” e a ameaça militar da guerra fria também

favoreciam esse consenso. No entanto, as reformas neoliberais dos anos 1980,

caracterizadas pela privatização e pelo fortalecimento da cultura individualista,

mostraram que os direitos sociais não estavam firmemente estabelecidos, e também que

o antigo consenso e solidariedade não mais existiam.

Segundo a autora, o enfraquecimento do Estado de bem-estar social, somado ao

colapso de referências tradicionais relacionadas à família, ao trabalho e à disciplina, o

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declínio das identidades de classe, a emergência de identidades culturais especificas

(étnicas, raciais, territoriais), e o declínio das fronteiras nacionais, levantam importantes

questões: onde devemos procurar as novas bases da solidariedade, da cooperação e do

consenso? Como a confiança social é produzida nesse novo contexto? Que tipo de

confiança melhora o desempenho econômico e institucional dos governos? Em uma

sociedade na qual a globalização gera pressões enfraquecendo a autonomia das

economias nacionais e a coesão do eleitorado e aumentando as desigualdades entre

classes e regiões, a produção da confiança torna-se mais difícil, o que traz a necessidade

de produzi-la a partir de um esforço ativo (MIZSTAL, 1996).

Anthony Giddens (2013; 2000) também entende que a “confiança ativa” é

particularmente relevante nos dias atuais. Para ele, a “modernidade tardia” tem um

caráter paradoxal, pois ao mesmo tempo em que traz riscos, incertezas e enfraquece o

poder de antigas bases de explicação do mundo como a tradição e a religião, também

empodera as pessoas a assumirem ativamente a construção de suas vidas, permitindo a

formação de um tipo de confiança valioso nesse contexto.

O sociólogo britânico defende que a confiança assume uma importância especial

nas sociedades de risco modernas, caracterizadas pelo desentranhamento de relações

antes vinculadas localmente e sua recombinação em novas configurações mais fluidas

de tempo e espaço; pela apropriação reflexiva e ativa do conhecimento especializado

que passa a ser amplamente contestado e utilizado por pessoas “leigas” como base de

suas escolhas e decisões; o que por fim está ligado à terceira característica, o

fortalecimento da ideia de que o mundo é passível de transformação pela intervenção

humana.

Nas sociedades pré-modernas ou tradicionais, a tradição e a natureza eram os

balizadores das nossas ações. Havia uma confiança passiva no saber especializado

proveniente de figuras tradicionais como o sacerdote, o curandeiro, e nas forças divinas

e da natureza como determinantes de ações sobre o mundo, as quais eram pensadas em

termos de destino, boa ou má fé concedida por Deus. A confiança era um atributo

pessoalizado e as condições para sua construção eram asseguradas pelo parentesco,

comunidade local, pela religião e tradição (GIDDENS, 2013; 2000).

A partir do momento em que as ações humanas vão se desenraizando das bases

da tradição e da natureza, ganha importância a gerência humana sobre o futuro, que

passa a ser visto como algo socialmente construído e influenciado pelas decisões que

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tomamos. Nesse sentido, quanto mais decidimos ativamente sobre os eventos futuros,

mais pensamos em termos de “risco”, e para enfrentarmos um futuro incerto e

necessariamente “arriscado”, a modernidade nos obriga a viver de um modo mais

reflexivo e a desenvolver uma confiança ativa, seja nas pessoas com as quais lidamos

cotidianamente ou em estranhos, seja em sistemas comerciais e instituições abstratas

dos quais dependemos cada vez mais.

Diferente dos tipos anteriores de confiança que estavam mais intimamente

associados a referentes tradicionais de compromisso e moralidade, esse tipo moderno

envolve uma relação mais voltada para o futuro com a pessoa ou coisa em que se confia

e passa a ser ativamente construído, seja através de uma atitude de abertura mútua e

revelação emocional entre as pessoas, seja através da atitude autônoma e reflexiva de

tomar decisões de baixo para cima que afetem o modus operandi de sistemas e

instituições (GIDDENS, 2000).

O autor reforça que a característica de “distanciamento tempo-espaço” dos

tempos modernos fez emergir a necessidade de confiança em sistemas abstratos, a qual

cumpre a função de nos assegurar segurança ontológica em termos de constância do

nosso ambiente externo e previsibilidade dos nossos encontros e ações rotineiras. No

entanto, apesar de necessária, a confiança nos sistemas não é fonte de satisfação

emocional. Por isso, Giddens (2013) ressalta a importância de fortalecer a confiança

interpessoal e reconstruir a “intimidade” em novas bases, pois é esse tipo de confiança

que pode servir à construção da nossa autoidentidade. Vista como um projeto reflexivo

e ativo de “abertura para o outro”, a confiança nas pessoas envolve necessariamente

mutualidade, reflexividade, diálogo e autonomia:

A confiança em pessoas não é enfocada por conexões personalizadas no

interior da comunidade local e das redes de parentesco. A confiança pessoal

torna-se um projeto, a ser "trabalhado" pelas partes envolvidas, e requer a

abertura do indivíduo para o outro. Onde ela não pode ser controlada por

códigos normativos fixos, a confiança tem que ser ganha, e o meio de fazê-lo

consiste em abertura e cordialidade demonstráveis (GIDDENS, 2013, p. 121,

tradução minha)

Para além dos relacionamentos amorosos sexuais, ou entre pais e filhos e entre

amigos, a confiança interpessoal deve se concretizar no nível mais amplo da sociedade

na forma de ativismo social, representado pela emergência dos movimentos sociais

como uma resposta radical no contexto da modernidade tardia. Através deles, Giddens

(2000) defende que é possível encontrar aquele senso de segurança que permite às

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pessoas construir estratégias para a preservação do mundo como um lugar viável diante

da constante iminência dos vários tipos de “risco”, que vão desde a instabilidade

econômica e social às catástrofes nucleares.

Seguindo a linha de Anthony Giddens, Misztal (1996) reforça que a construção

da confiança nos tempos atuais depende necessariamente de processos ativos de

encontro, diálogo e negociação, o que vale tanto para o universo particular da família

quanto para o nível mais amplo da sociedade civil e suas relações com as instituições

democráticas. Isso porque, entre outras questões, a natureza dessas relações

interpessoais e institucionais mudou, da mesma forma que mudaram as expectativas

associadas a instituições e papéis sociais. Uma vez que a confiança é construída a partir

do cumprimento de expectativas e obrigações vinculadas a papéis sociais, as quais não

estão mais mecanicamente assentes sobre as bases da tradição, comunidade local e

religião, é necessário diálogo e um processo de “abertura mútua” para construção

coletiva das expectativas e da confiança.

Para deixar esse ponto mais claro, é útil explicar a categorização feita pela

autora em relação aos três tipos de confiança e suas diferentes funções relativas a cada

característica da ordem social.

Em primeiro lugar, como já mencionado, a confiança enquanto “habitus”

desempenha um papel de garantia de “estabilidade”, regularidade, e previsibilidade da

ordem social. Para construir a percepção de que o mundo é coerente, legível e estável,

as pessoas precisam recorrer aos mecanismos do hábito, reputação e memória, que no

mundo contemporâneo estão também embutidos nas relações impessoais e nos sistemas

abstratos. É esse tipo de confiança que nos permite desempenhar nossas rotinas diárias,

fornecendo-nos a segurança ontológica de que precisamos para sobreviver. Como

poderíamos, por exemplo, enviar documentos pelo correio sem confiar que eles

chegarão intactos ao destino final?

Em segundo lugar, a confiança enquanto “paixão” (ou “afiliação”) cumpre a

função de garantir a “coesão” da ordem social, através das conexões entre pessoas da

mesma família, entre amigos ou pessoas que compartilham valores semelhantes, ou

pertencentes a um mesmo grupo social. Trata-se de uma percepção normativa da

confiança necessária para desenvolver nosso senso de autoidentidade, reconhecimento e

segurança emocional e psicológica (MISZTAL, 1996; HONNETH, 2013b).

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Quanto à família, Misztal (1996) afirma que, uma vez que sua constituição está

mudando e seus membros assumindo novas aspirações e necessidades, a confiança entre

eles deve ser constantemente renegociada para acomodar os novos papéis e obrigações

emergentes. As expectativas associadas aos papéis do marido, da esposa, do homem ou

da mulher, ou mesmo dos filhos e da madrasta/padrasto, não estão mais definidas a

priori baseadas nos referentes dos costumes tradicionais, tornando hoje necessários

processos de constante comunicação e negociação para construção da confiança nesse

âmbito.

Quanto à amizade, a autora explora a pergunta sobre a possível perda da

capacidade de conexão genuína com as pessoas em um mundo globalizado,

individualista e utilitarista. Ela conclui que os novos meios de comunicação e as

oportunidades de interagir com pessoas de diferentes culturas e trajetórias, na verdade,

ampliam nossas oportunidades de contatos bem como a qualidade das novas interações

e a própria função da amizade, que deixa de estar restrita ao provimento de segurança e

autoestima e passa a ser vista também como um meio de exploração, construção de

empatia e entendimento mútuo.

Tanto num caso como no outro, a categoria da comunicação é central:

Os relacionamentos em torno de papéis da era pós-industrial ganham

estabilidade não pela força da conformidade a normas tradicionais, mas pela

confiança construída entre as pessoas da relação, ou pela confiança de que a

relação tal como definida hoje é viável para todos os concernidos, e por um

senso de que as pessoas envolvidas estão suficientemente em contato umas

com as outras a ponto de reconhecer quando certas mudanças são necessárias

e redefinir a relação quando chamadas a tal (MISZTAL, 1996, p.183-184,

tradução minha).

Ainda dentro dessa segunda categoria da confiança enquanto “paixão” para a

“coesão social”, encontram-se as conexões mais amplas no nível da sociedade entre

pessoas que compartilham entre si algumas crenças ou características, relacionadas, por

exemplo, a religião, etnicidade, ou mesmo a formas de atuação política num

determinado bairro, área de interesse etc. Esse tipo de confiança é baseado na crença de

que o outro possui uma “orientação à coletividade” - nas palavras de Talcott Parsons -, o

que provê seu caráter generalizado, necessário para o funcionamento ou integração da

“sociedade civil” (MISZTAL, 1996, p.99).

Partindo do pressuposto de que as antigas bases da coesão social - assentes na

tradição comum, comunidade e igreja - foram erodidas nas sociedades globalizadas e

multiculturais, as teorias contemporâneas sobre confiança passam a defender a

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necessidade de se buscarem alternativas que recomponham a integração social em novas

bases. Foi essa busca que levou à revitalização do conceito de “sociedade civil”,

sobretudo, pelas teorias do “capital social” cujo expoente é Robert Putnam (2002),

segundo o qual as redes de engajamento cívico e as normas de reciprocidade entre as

pessoas são responsáveis por fortalecer o que ele chama de “comunidade cívica”.

Explicaremos essas teorias mais detidamente no tópico 2.1.2.

2.1.1. Confiança para Cooperação: Política de Solidariedade, Tolerância e Legitimidade

Em terceiro lugar, ainda segundo Misztal (1996), existe a confiança enquanto

“política”, cujo papel é garantir a “cooperação” entre as pessoas e entre estas e as

instituições, abrangendo o terreno das relações impessoais entre os diferentes, ou seja,

aqueles que não necessariamente compartilham os mesmos valores imediatos, mas

encontram-se conectados pela sua condição de cidadão. Esse tipo de confiança também

se estende ao nível da sociedade, mas está mais focado em transcender a semelhança

imediata entre seus membros, enquanto a teoria de Putnam, representante do tipo acima,

enfoca as conexões horizontais entre pessoas iguais ou relativamente iguais.

Misztal (1996) pontua que a confiança só pode ser vista como um mecanismo

para resolver o problema da cooperação quando as pessoas cooperam

independentemente de coação, já que esta gera no máximo obediência, não cooperação.

Para cooperarem, elas precisam, então, perceber os mecanismos de controle social,

como a confiança e as normas coletivas, não como constrangimentos à liberdade

individual, mas como alavancas à colaboração destinada a desenvolver o bem-estar

coletivo e, consequentemente, o individual. Isso só é possível em ordens sociais nas

quais reinam a “solidariedade”, a “tolerância” e a “legitimidade”.

Uma “ordem solidária” baseia-se no entendimento mútuo e na reciprocidade

entre pessoas que, mesmo sendo diferentes, se reconhecem pertencentes a uma mesma

coletividade, possuindo, portanto, um interesse comum e uma responsabilidade de

contribuir com o bem-estar de todos. O desenvolvimento dessa ordem não ocorre

aleatoriamente, mas requer uma base institucional que construa condições de igualdade,

de comprometimento social e de participação, capazes de oferecer às pessoas um senso

genuíno de pertencimento igualitário à sociedade.

Dentro da ordem capitalista, essa base se expressa em políticas públicas,

estruturas, regulamentações e procedimentos que delimitem as fronteiras e limites da

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operação dos mercados e garantam igualdade formal e real nos direitos de cidadania,

incluindo os direitos sociais dos trabalhadores. As estruturas e procedimentos

institucionais também devem educar os cidadãos para o bem comum, explicitando seus

vínculos e fomentando a consciência da dependência mútua, ou seja, o entendimento

entre as pessoas de que seu bem-estar individual depende do bem-estar coletivo e de que

elas possuem deveres e obrigações em relação aos outros. Além disso, precisam ser

caracterizados pela abertura democrática, criando condições e oportunidades para a

participação, negociação, e deliberação pública, pelas quais as pessoas aprendam a

trabalhar suas diferenças de posicionamento, valores e crenças em direção à construção

de consensos sobre o bem comum.

No sentido oposto à construção dessa base institucional, a aplicação do

receituário neoliberal nas sociedades ocidentais modernas contribuiu para minar a

solidariedade e a construção de um sentido público e coletivo para a vida, enquanto o

estado de bem-estar social foi o exemplo prático capaz de gerar solidariedade através da

criação de vínculos entre as pessoas, garantia de direitos sociais universais e cobrança

do cumprimento de responsabilidades mútuas (MISZTAL, 1996).

Algumas teorias do “capital social” tentam incorporar essa noção de

solidariedade, ao considerar, para além dos laços fortes/próximos formados entre iguais

dentro de comunidades específicas, aqueles laços mais fracos/distantes que transcendem

as clivagens sociais, mas que são mais poderosos no sentido de serem capazes de

fomentar a cooperação mais ampla (GRANOVETTER, 1973). No entanto, essas teorias

ainda possuem limitações, como abordaremos no tópico seguinte.

É certo que a confiança depende da solidariedade para gerar cooperação social,

mas Misztal (1996) sugere que a solidariedade deve ser perseguida de forma

complementar à “justiça social” e construída à luz da ideia de negociação e “formação

discursiva”, pois somente assim a noção de “solidariedade” - e suas correlatas

“consenso” e “coesão” - perdem seu caráter etnocêntrico e impositivo.

Nesse sentido, a formação de ordens cooperativas depende também de uma

“política de tolerância” que demande respeito igualitário a todas as pessoas

independentemente de suas filiações particulares. Misztal (1996) ressalta a positividade

do multiculturalismo e do respeito às diferenças, à medida que permitem expandir

nossos horizontes e desenvolver ação responsável em relação ao outro através da

valorização dos espaços públicos de diálogo e negociação. No entanto, não podem

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resultar em negação dos valores comuns que nos unem enquanto seres humanos,

baseados na tolerância, igualdade de valor e de oportunidades, respeito, comunicação e

entendimento mútuo, e responsabilidade compartilhada.

Um exemplo prático de país multicultural que promoveu política de tolerância

baseada na confiança - não na indiferença - foi a Austrália, através da aprovação de

proteções legais às minorias, bem como de processos educacionais que reconhecem

positivamente a contribuição dos grupos minoritários ao legado cultural nacional, e de

processos de participação desses grupos em projetos sociais, políticos e econômicos

(MISZTAL, 1996). Esse caso mostra a importância das estruturas e procedimentos

democráticos e o papel da legislação e da regulação governamental em proteger as

crenças e direitos das pessoas, reconhecer seu valor e dignidade, bem como em cobrar o

cumprimento de deveres e obrigações em relação à coletividade.

Por fim, uma ordem assente na cooperação depende da “legitimidade” de suas

instituições públicas e das decisões por elas tomadas, ou do quanto os cidadãos em geral

percebem a ordem social como “justa”, o que depende do quanto sentem que as

demandas e aspirações coletivas são levadas em conta pelas instituições e governos. O

Estado precisa, pois, ser percebido como promotor e protetor dos interesses públicos,

sobretudo em termos de provisão do bem-estar social e econômico, ao invés de uma

agência a serviço das preferências privadas de grupos de interesse.

A redefinição dos papéis do Estado-nação e a internacionalização da governança

criam problemas de legitimidade política, uma vez que a falta de clareza quanto aos

critérios para tomada de decisões bem como a complexa sobreposição dos múltiplos

níveis de governança faz com que as pessoas comuns sintam que possuem um controle

muito ínfimo sobre essas decisões. Então em quem devemos confiar para nos

representar? Em quem devemos confiar para tomar as decisões nesse mundo de

múltiplas autoridades?

Os partidos políticos como um todo, junto com as instituições democráticas de

forma geral, enfrentam uma crise de confiança por parte da população; os novos

partidos políticos e os novos movimentos sociais, apesar de superarem alguns limites da

velha política convencional ao adotarem formas mais diretas de participação popular,

ainda não se mostraram suficientes para garantia da legitimidade política nos tempos

contemporâneos, talvez devido a sua dificuldade em assumir pautas de mais amplo

alcance.

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Nesse cenário, a injeção de confiança na esfera política requer mudanças

consideráveis na natureza da representação política e da intermediação de interesses.

Mais uma vez, Misztal (1996) defende que isso só pode ser atingido pelas estruturas

institucionais da democracia deliberativa e participativa, orientadas pela “racionalidade

comunicativa” (HABERMAS apud MISZTAL, 1996), segundo a qual a formação de

consensos ocorre através da expressão e negociação entre os diferentes

posicionamentos. É dessa forma que se pretende promover condições para os cidadãos

participarem ativamente em processos de tomada de decisões e sentirem que possuem

algum poder de influenciar os rumos da vida coletiva.

Portanto, a construção da confiança política entre os cidadãos e entre eles e as

instituições democráticas depende, para alcance da cooperação com vistas ao bem

comum, de ordens sociais legítimas/justas, tolerantes e solidárias, em que a própria

formulação do significado de “bem comum” ocorra via processos de participação e

negociação. Esse é um elemento, no entanto, que parece estar ausente da forma como a

confiança tem sido predominantemente concebida pelas teorias e políticas do “capital

social”, como começaremos a explicar no tópico seguinte.

2.1.2 Confiança enquanto Capital Social: Limites e Implicações

Robert Putnam e James Coleman são os autores representantes da base teórica

do “capital social” que inspirou desde as teorias sobre confiança nas escolas, (BRYK &

SCHNEIDER, 2002; FORSYTH et al., 2013) passando pelas políticas educacionais da

Terceira Via implementadas pelo governo inglês, às prescrições e experiências

referendadas por influentes organismos como o Banco Mundial. Daí a importância de

nos atentarmos a esse referencial com vistas a compreender suas implicações no

contexto escolar.

Antes de adentrá-lo, ressalta-se de antemão que essas teorias são utilizadas de

forma prescritiva para advogar soluções políticas comunitárias aos problemas de

exclusão social e recessão econômica. Prescritiva porque pretende gerar orientações de

como resolver o problema de comunidades à margem dos benefícios socioeconômicos

através do desenvolvimento de seu capital social (laços de solidariedade internos e com

instituições e a sociedade mais ampla), uma vez que estas comunidades são vistas como

deficitárias nesse recurso. Segundo Gewirtz et al. (2005), tal forma prescritiva de

utilização desse referencial diferencia-se do uso crítico e analítico empreendido por

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autores como Pierre Bourdieu, segundo o qual o capital social interage com outros

capitais para perpetuar desigualdades de todo tipo.

Adentremos agora na explicação desses autores e de seus frutos para a prática

política e para outras teorias. Robert Putnam (2006) aposta na importância dos fatores

socioculturais para a estabilidade e eficácia da democracia, seguindo o legado teórico de

Alexis de Tocqueville, segundo o qual as associações cívicas são as principais

responsáveis por desenvolver nos membros de uma sociedade os hábitos democráticos

de cooperação, solidariedade e espírito público.

Para Putnam, o capital social é formado em “comunidades cívicas” fortes,

caracterizadas pela participação dos cidadãos nos negócios públicos (“interesse pelas

questões públicas e devoção às causas públicas”); pela igualdade política entre cidadãos

que possuem os mesmos direitos e deveres; pelo sentimento de solidariedade, confiança

e tolerância que desenvolvem entre si; e pela existência de associações, que seriam as

estruturas sociais da cooperação. Na prática, o grau de civismo de uma comunidade se

expressa nas manifestações horizontalmente organizadas de solidariedade social, a

exemplo dos clubes e associações locais, bem como nas práticas de participação cívica,

como comparecimento a referendos e às urnas.

Essas características desenvolvem normas de reciprocidade, sentimentos de

confiança, e predisposição para os cidadãos se engajarem na ação coletiva com vistas à

resolução de problemas comuns, fatores que afetam positivamente o desenvolvimento

socioeconômico e o desempenho das instituições democráticas em garantir boas

legislações e políticas a serviço dos cidadãos. A tese central é que “as tradições cívicas

podem influenciar fortemente o desenvolvimento econômico e o bem-estar social, bem

como o desempenho institucional18

” (PUTNAM, 2006, p. 167).

Para chegar a essa conclusão, o cientista político norte-americano analisa a

experiência de regionalização das instituições democráticas ocorrida na Itália a partir de

1970. Diante da variedade de desempenho institucional apresentada pelas vinte novas

regiões ao longo dos anos 70-80, ele procura compreender quais fatores influenciam o

18

Desenvolvimento econômico e bem-estar são medidos com base nos valores da força de trabalho

empregada na indústria em comparação à empregada na agricultura, e nos índices de mortalidade infantil.

Desempenho das instituições democráticas é medido por meio de doze indicadores, referentes à

capacidade organizacional de condução dos negócios internos, às políticas e programas, e ao atendimento

às necessidades dos cidadãos: estabilidade do gabinete; presteza orçamentária; serviços estatísticos e de

informação; legislação reformadora; inovação legislativa, clínicas familiares; instrumentos de política

industrial; capacidade de efetuar gastos na agricultura; gastos na comunidade sanitária local; sensibilidade

da burocracia às demandas dos cidadãos. Esses doze indicadores compuseram um único índice de bom

desempenho institucional, que se mostrou abrangente e internamente coerente.

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andamento satisfatório ou deficitário dessas instituições. Partindo do pressuposto de que

o desenvolvimento dessas sociedades é produto de um legado cultural e histórico

construído paulatinamente, Putnam analisa a constituição da comunidade cívica em

cada uma das vinte regiões italianas no decorrer de séculos.

No norte da Itália, ele observou a presença de vínculos horizontais

caracterizados pela solidariedade mútua desde a época da Idade Média, com as

confrarias e guildas, passando pelas novas formas no pós-unificação em finais do século

XIX, como as sociedades de assistência mútua e as cooperativas, até a formação de

partidos e sindicatos no início do século XX. São regiões também nas quais os cidadãos

eram mais interessados em votar nas poucas eleições relativamente livres realizadas

antes do advento do fascismo. A partir da segunda metade do século XX, o civismo

manifesta-se no comparecimento a referendo, leitura de jornais, número de associações

desportivas e culturais, havendo uma constância ao longo do tempo entre esses diversos

índices de civismo de cada época. A teoria é que essas tradições cívicas são duráveis e

tendem a se reforçar ao longo do tempo.

Analisando o período mais recente, nessas regiões do Norte existem muitas

sociedades orfeônicas, clubes de futebol e Rotary Clubes; os cidadãos acompanham em

sua maioria os assuntos comunitários nos jornais diários, se envolvem nos negócios

públicos através do comparecimento a referendos para emitir sua opinião em relação a

questões diversas, como segurança pública e energia nuclear. São cidadãos que confiam

em que todos procedam corretamente e obedeçam à lei. Nessas regiões, os líderes são

razoavelmente honestos, distantes de práticas de corrupção manifestas, entre outras

características.

Já no Sul, os índices manifestam-se inversamente: os vínculos sociais são

verticais, de dependência, clientelismo e exploração. Os indivíduos são isolados, unidos

moralmente apenas à família, e recorrem a relações clientelistas quando necessitam,

pois veem nelas o único remédio para uma sociedade desarticulada. Nessa parte da

Itália, os donos de terra aproveitavam de sua situação privilegiada para reforçar seu

domínio sobre pessoas que deles dependiam social e economicamente e que em troca

lhes davam apoio eleitoral. Na falta de vínculos horizontais de solidariedade,

reciprocidade coletiva e de autodisciplina, como no caso das sociedades de mútua

assistência, a dependência vertical constituía uma estratégia racional de sobrevivência.

Nesses casos, as pessoas não confiam umas nas outras, e, diante da sensação constante

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de que todos vão violar as regras coletivas (de trânsito, do fisco), sentem-se impelidas a

recorrer à hierarquia e às forças estatais ou paraestatais (como a polícia, ou mesmo a

Máfia em alguns casos) como a única saída à anarquia.

Assim, as sociedades carentes de estoque de capital social, nas quais os

indivíduos são incapazes de confiar uns nos outros, possuem um tipo de equilíbrio

social baseado na não cooperação, que tende a se reforçar e necessita de uma solução

hierárquica hobbesiana - a coerção, exploração e dependência - para resolver os dilemas

da ação coletiva de forma a coibir o oportunismo, a trapaça, a transgressão. Putnam

(2006) reforça que esse tipo de solução hierárquica não é o ideal. Sobretudo em

sociedades complexas e desiguais - nas quais as vantagens do oportunismo, da trapaça e

da transgressão aumentam - o recurso à cooperação, que depende dos estoques de

capital social, é a melhor saída para a resolução de problemas comuns.

Ainda segundo Putnam (2006), o capital social emana das regras de

reciprocidade generalizada (“farei isso pra você agora, sabendo que um dia você

retribuirá”) e dos sistemas de participação cívica caracterizados por relações

horizontais, que congregam agentes com o mesmo status e poder, como grupos

orfeônicos, clubes desportivos, partidos de massa, cooperativas, associações

comunitárias e culturais, sindicatos, sociedades de mútua assistência. Quanto mais

desenvolvidos forem essas regras e sistemas numa comunidade, maior será a

probabilidade de que seus cidadãos sejam capazes de cooperar em benefício mútuo. Ou

seja, a participação em organizações cívicas desenvolve o espírito de cooperação e o

senso de responsabilidade comum para com os empreendimentos coletivos, porque,

entre outras coisas, favorece o sistema de comunicação e o fluxo de informações sobre a

confiabilidade dos indivíduos.

Em suma, a confiança, formada a partir dos intercâmbios sociais e da interação

interpessoal proporcionada nos sistemas de participação cívica, favorece a disposição

das pessoas para agir em comum, estimula a cooperação e o surgimento de virtudes

cívicas, reforçando a capacidade dos grupos envolvidos de obter benefícios comuns

desejados. Esses estoques de capital social tendem a ser cumulativos na comunidade

cívica e a reforçar-se mutuamente, de forma que os círculos virtuosos redundam em

equilíbrios sociais com crescentes níveis de cooperação, confiança, reciprocidade,

civismo e bem-estar coletivo.

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Bryk e Schneider (2002) inspiraram-se no legado dessa teoria ao focar o olhar

sobre como as relações de reciprocidade que ocorrem entre os membros da comunidade

escolar estimulam a cooperação entre as pessoas, a confiança, e o senso de trabalho

coletivo em prol do alcance de objetivos comuns, a saber, a aprendizagem dos alunos.

Há algumas diferenças com relação a Putnam: este entende que a confiança é produto de

determinadas condições históricas seculares, enquanto Bryk e Schneider (2002)

entendem que o capital social e a confiança podem ser intencionalmente fomentados por

agentes como o diretor da escola, quando este cria, por exemplo, estruturas formais que

permitem a interação entre as pessoas.

De toda forma, o pressuposto básico das teorias do capital social permanece: as

relações entre as pessoas são vistas como capital, sujeitas à acumulação/desacumulação

e ao intercâmbio com outros capitais como o econômico ou acadêmico; ou seja, são

vistas como recursos/meios para se atingir determinados resultados mensuráveis, seja

em termos de eficiência institucional do governo, de desenvolvimento econômico, ou

em termos da “produtividade” escolar medida pelo desempenho dos alunos nos testes

padronizados.

Nessa lógica, uma possível implicação das teorias do capital social é enxergar a

confiança como um recurso que condiciona o acesso a determinados bens. Ou seja, o

fato de uma pessoa pertencer a uma determinada rede durável de relações - por meio das

quais desenvolve confiança, reciprocidade, sentimento de pertença - a coloca em

condição de conquistar determinados ganhos materiais ou simbólicos.

Segundo Higgins (2005), houve um crescimento exponencial das pesquisas

sobre capital social no período que vai de 1988 até 2001. A sociologia da educação é

um dos núcleos temáticos que mais utilizou esse conceito, sendo que, dentro deste

núcleo, a maior parte das pesquisas operacionaliza o conceito na linha de James

Coleman, que inclusive é um autor referenciado por Robert Putnam.

Coleman (2005) toma as ações racionais como um ponto de partida de sua

teoria, mas rejeita a perspectiva individualista extremada, buscando reconhecer a

importância da estrutura social dentro do paradigma da ação racional. Segundo ele, há

duas perspectivas dentro das teorias da ação social: uma que enxerga as ações dos atores

como determinadas por contextos sociais cujas normas, regras e obrigações os

governam; outra que enxerga os atores como indivíduos que têm objetivos

independentes, agem independentemente uns dos outros para maximizar seus interesses

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egoístas. Buscando superar os limites das duas abordagens tomadas isoladamente,

Coleman (2005) entende que as pessoas, racionalmente orientadas, precisam entrar em

relação umas com as outras caso pretendam alcançar seus objetivos e interesses

individuais.

O capital social seria, então, um tipo específico de recurso disponível ao sujeito,

localizado na estrutura das relações entre pessoas ou atores corporativos, que lhe facilita

ações e o alcance de determinados fins. É definido pela função que exerce, podendo

gerar diversos resultados, econômicos ou não, para os indivíduos. O autor oferece

alguns exemplos:

Exemplo 1 - No mercado de diamantes, um comerciante pode deixar sua

mercadoria alguns dias com outro para que este avalie a qualidade do produto em sua

casa. Isso só é possível em uma comunidade muito fechada, com laços familiares e

étnicos muito fortes, que garantam elevado grau de segurança e confiança entre as

pessoas, uma vez que, caso o segundo comerciante aja de má fé substituindo os

diamantes por pedras menos preciosas, é certo que ele será “punido” por meio da perda

de seus laços religiosos, comunitários, familiares;

Exemplo 2 - Uma família se muda de Detroit para Jerusalém devido à sensação

de segurança que esta última cidade proporciona. Nela, os pais poderão deixar suas

crianças brincarem soltas nas praças e ruas, pois sentem que os outros adultos da

vizinhança olharão por elas;

Exemplo 3 - Na Coréia do Sul, estudantes universitários com ideias

revolucionárias encontram-se em grupos de estudo nos quais podem trocar

conhecimentos, pensamentos e fazer frente ao sistema político de direita, o que constitui

capital social à medida que o grupo serve como unidade básica de organização da

resistência;

Exemplo 4 - Associações de crédito rotativo no sudeste da Ásia são grupos de

amigos ou vizinhos que contribuem mensalmente cada um com sua parte para formar

um fundo que a cada mês será entregue integralmente a um dos membros, até que ao

final das múltiplas rodadas todos os membros sejam contemplados.

Todos esses são exemplos de relações que constituem formas variadas de capital

social, vistas como recursos de reciprocidade que facilitam ações do indivíduo. Esses

recursos podem ser de três tipos:

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A) Obrigações, expectativas e confiabilidade do ambiente: quando um sujeito A

faz algo para o sujeito B e espera que B dê um retorno no futuro, essa relação cria uma

expectativa em A e uma obrigação da parte de B, pois A passa a possuir um crédito do

qual pode se valer assim que necessitar de alguma ajuda. Esse tipo de relação baseada

em expectativas e obrigações depende de um alto grau de confiabilidade do ambiente,

como no caso do crédito rotativo: uma pessoa só deposita sua quantia no fundo por

confiar que todos farão o mesmo, e que os primeiros contemplados com o dinheiro não

irão desertar.

B) Compartilhamento de informações: relações sociais mantidas por outros

propósitos podem servir também como canais de informações para os indivíduos, como

quando um cientista social utiliza seus círculos de colegas da universidade para ficar

inteirado de acontecimentos relacionados a diversos campos de atuação.

C) Normas e sanções comunitárias: sendo internalizadas ou reforçadas por

sanções/recompensas externas, as normas levam o indivíduo a agir em nome do bem

público. Normas efetivas que inibem o crime são aquelas, por exemplo, que permitem

às pessoas andarem sozinhas à noite e sentirem-se seguras.

Ainda segundo Coleman (2005), alguns tipos de estrutura social facilitam a

emergência do capital social. Por exemplo, redes sociais fechadas, em que as pessoas se

conhecem e se comunicam entre si, são importantes para garantir a existência de normas

e sanções efetivas, assim como a confiabilidade que permite a proliferação de

obrigações e expectativas. Em estruturas fechadas, a preocupação com a própria

reputação é uma espécie de sanção coletiva poderosa que constrange o não

cumprimento das obrigações. Outro tipo de estrutura facilitadora são as organizações,

como, por exemplo, as associações formadas por moradores do mesmo bairro ou de um

mesmo conjunto habitacional, que se reúnem para resolver problemas comuns e mantêm

o grupo como uma fonte disponível de capital social para melhoria geral de sua

qualidade de vida.

Segundo Coleman (2005), movemo-nos em direção ao enfraquecimento desses

laços comunitários e familiares, ou seja, as condições que garantem aos indivíduos o

suplemento adequado desses bens públicos estão cada vez mais escassas. Tal

diagnóstico traz preocupações ao autor, uma vez que o capital social é visto como fator

crucial à formação do capital humano, definido como fruto do investimento que os

indivíduos fazem em sua própria formação, na aquisição de competências,

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conhecimentos e habilidades que lhes permitirão adquirir os melhores empregos,

elevadas posições sociais, ou simplesmente conhecer melhor o mundo em que vivem.

Um fator de singular importância que interfere na formação do capital humano -

especificamente na aprendizagem dos alunos na escola - é a “bagagem familiar”,

decomposta em capital humano, capital financeiro, e capital social. Este último pode ser

do tipo intrafamiliar ou comunitário. O primeiro tipo refere-se à atenção que os pais

oferecem aos seus filhos no dia-a-dia, o que seria mais provável de ocorrer em famílias

com um pai e uma mãe que não ocupem a maior parte do seu tempo com trabalho, e que

tenham poucos filhos. O segundo localiza-se no seio da comunidade, referente às

relações das famílias entre si, ao grau de “fechamento” (coesão) da estrutura social, e às

relações das famílias com as instituições comunitárias, entre elas a escola. Aqui, os

indicadores referem-se ao número de vezes que a criança mudou de escola, e ao tipo de

escola, se religiosa (onde se espera maior coesão comunitária), privada comum, ou

pública.

Por fim, a partir desses variados indicadores, Coleman (2005) demonstrou que

quanto mais forte o capital social intrafamiliar e comunitário, menor a taxa de evasão

das crianças antes de completarem o Ensino Médio.

As teorias de Putnam e Coleman inspiraram vários estudos e abordagens que

buscaram compreender os efeitos do capital social e das relações de

confiança/cooperação no desenvolvimento socioeconômico e na melhoria de

oportunidades para os indivíduos e comunidades. Entre eles, The Social Capital

Iniciative (WORLD BANK, 2016) possui um impacto relevante como produção

científica e intervenção política, sobretudo, por se tratar de uma iniciativa conduzida

pelo Banco Mundial. Este organismo multilateral financia pesquisas em países como

Índia, Camboja, Ruanda, Tanzânia, México, Quênia, Indonésia e Bolívia com objetivo

de desenvolver índices e medidas de capital social e mostrar qual seu impacto no

desenvolvimento desses países ou de comunidades específicas. Além disso, oferece

suporte financeiro a organizações/associações locais para incentivar o fortalecimento

das comunidades e de suas relações com empresas, instituições, Estado, ONGs etc.

Aqui se extrapola a abordagem de Putnam, buscando incluir, além das relações

horizontais entre membros iguais ou relativamente iguais, também as formas

verticalizadas de associações caracterizadas por relações hierárquicas e distribuição

desigual de poder entre os membros. Além disso, o conceito aqui utilizado de capital

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social inclui não somente as relações interpessoais dentro de associações no nível local,

mas busca atingir o nível macro das redes que ligam o nível local com organizações e

instituições de todo tipo (empresas, ONGs, Estado) e com normas legais, regras e

valores sociais mais amplos.

Essa abordagem trazida pelo Banco Mundial aposta em estratégias deliberadas

de intervenção que ajudem a construir e acumular capital social, transformando

comunidades com baixo “grau de civismo” em comunidades vivas no desenvolvimento

daquelas múltiplas conexões para além da associação em pequenos grupos horizontais.

O fortalecimento das redes sociais e dos fluxos de confiança entre esses diversos atores

traria benefícios como o acesso das comunidades a bens e serviços, o desenvolvimento

econômico de regiões, a redução dos níveis de violência e hostilidade entre grupos

étnicos, como fica claro nos diversos projetos financiados pelo fundo. Seguem alguns

exemplos de projetos, que tiveram os seguintes objetivos (WORLD BANK, 2016):

Exemplo 1 - Compreender como a descentralização das funções governamentais

de planejamento e financiamento interage com o capital social local, ajudando as

comunidades nos Estados mais subdesenvolvidos do México a formar organizações

locais, interagir com os programas do governo, e fazer uso do seu novo poder de

decisão para alocar fundos ao desenvolvimento sustentável da agricultura em áreas

rurais remotas;

Exemplo 2 - Identificar as características de comunidades de áreas pobres

urbanas em Bangladesh que conseguiram se organizar autonomamente para contratar

uma empresa privada de coleta de lixo, num contexto em que o serviço público provido

pelo município era muito intermitente e pouco confiável. Apostou-se que um fator

essencial que permitiu essa organização foi a coesão e a homogeneidade da comunidade

em termos de valores e crenças;

Exemplo 3 - Criar fontes novas de renda para pessoas que foram realocadas

devido à expansão de atividades extrativistas de mineração, a partir do estabelecimento

de uma rede social de confiança e cooperação entre governo local, ONGs, empresa

mineradora de carvão e trabalhadores da comunidade;

Exemplo 4 - Estudar o esgotamento e a restauração do capital social - em termos

de coesão social, níveis de confiança manifestos na propensão para a troca e

cooperação, redes locais e associações cívicas - em duas sociedades, Ruanda e

Camboja, que foram devastadas pela guerra civil entre grupos étnicos;

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Exemplo 5 - Compreender como o sucesso de programas de difusão de técnicas

inovadoras em agricultura é afetado pelo grau de confiança e coesão existente entre os

membros da comunidade local, e pela confiança que estes possuem em relação ao

formador do programa;

Exemplo 6 - Compreender como a fragmentação étnica na África afeta o

desempenho econômico, a eficácia das instituições políticas, e conduz ao conflito e

violência, uma vez que a identidade étnica, ao mesmo tempo em que cria confiança e

capital social entre os membros de um mesmo grupo, diminui a coesão social e os

benefícios para a sociedade como um todo ao minar as relações de confiança entre os

grupos.

A nosso ver, há duas preocupações centrais que perpassam esses projetos: na

ausência de uma atuação adequada por parte do Estado, as comunidades locais devem

tomar iniciativa e responsabilizar-se pelo autoprovimento dos serviços coletivos, por

exemplo, a coleta de lixo. A literatura já se debruçou sobre as consequências negativas

que essa desresponsabilização da esfera estatal traz para a garantia dos direitos humanos

e sociais. Retomaremos mais tarde essa discussão.

Vale notar que mesmo nos exemplos em que o Estado entra como um ator

responsável pelos programas de desenvolvimento, ele aparece isento da

responsabilidade em formular os programas a partir das aspirações de seus destinatários.

Os projetos, ao invés, estão focados em compreender como os atores sociais interagem

para executar tais programas previamente formulados, e nesse sentido a “coesão social”

emerge como um fator necessário ao sucesso de iniciativas desenhadas de cima para

baixo. Coesão parece ser vista aqui na perspectiva durkheimiana: ora remete à

“solidariedade mecânica” de sociedades indiferenciadas, como quando se aposta na

homogeneidade e horizontalidade de relações entre membros de uma comunidade que

possuem os mesmos valores e crenças; ora remete à “solidariedade orgânica” de

sociedades complexas nas quais reina a divisão social do trabalho, como quando se

ressalta a importância da confiança entre patrões e empregados, que estariam unidos por

objetivos comuns (DURKHEIM, 1999).

De toda forma, o conceito de capital social - referente às redes de

relacionamento baseadas na confiança e cooperação entre membros de uma

comunidade, entre “stakeholders”, entre pessoas e organizações/instituições - parece

estar relacionado ao de coesão social, a serviço da promoção do que se considera

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“benefícios comuns e partilhados”, como a conquista da paz em países devastados pela

guerra, o acesso a bens e serviços sociais, a geração de renda, e o desenvolvimento de

setores produtivos como a agricultura.

Outro exemplo de uma pesquisa que teve repercussão inclusive no Brasil é a de

Richard Locke (1995). Ele parte da definição de que os atores econômicos manifestam

confiança quando, mesmo em situações de informação incompleta e incerteza

características da maioria das relações econômicas, decidem se expor ao risco do

comportamento oportunista por parte do outro, pois têm razões suficientes para acreditar

que o outro não vai lhes tirar vantagem. A partir dessa definição, sua preocupação é

entender o impacto da confiança no desenvolvimento econômico, pressupondo que esta

pode ser construída, mesmo em situações adversas, através de um processo contínuo

que mistura a ação racional dos indivíduos, intervenção governamental e o

desenvolvimento de mecanismos de automonitoramento.

Segundo ele, as teorias disponíveis sobre confiança são “pessimistas” porque

apostam na rigidez dos padrões de confiança ao longo do tempo (como em Putnam),

subestimando as possibilidades de se criar confiança em contextos nos quais estejam

ausentes os pré-requisitos e condições facilitadoras. Locke propõe uma visão mais

“otimista”, defendendo que a construção da confiança é um processo/projeto que

envolve três passos: primeiro, atores autointeressados decidem cooperar racionalmente,

porque enxergam benefícios individuais na cooperação; segundo, para maximizar o

potencial desses esforços cooperativos, a intervenção estatal é necessária, no sentido de

ajudar a estruturar organizações inclusivas e responsivas aos interesses dos partícipes;

por fim, para garantir a continuidade e longevidade do ambiente cooperativo baseado na

confiança, é necessário que a própria organização desenvolva mecanismos de

monitoramento que desencorajem comportamentos oportunistas.

Para ilustrar a possibilidade da construção da confiança em situações adversas, o

autor analisa o caso de duas regiões, localizadas no sul da Itália (Campana) e no

nordeste do Brasil (Juazeiro da Bahia), nas quais as condições favoráveis estariam

ausentes. Ambas são regiões com serviços públicos de baixa qualidade e índices

elevados de pobreza, desemprego, corrupção, desigualdade de renda, mortalidade

infantil, analfabetismo. Apesar disso, essas regiões conseguiram crescer

economicamente a partir do desenvolvimento de ambientes cooperativos, a exemplo do

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Consórcio de Mussarela de Búfala na Campana e da associação Valexport dos

produtores de manga em Juazeiro.

No caso italiano, Locke chama de “confiança” e “cooperação” a iniciativa de

produtores locais de se unirem em um Consórcio, pelo qual desenvolveram normas de

conduta e redes de apoio, o que permitiu uma série de avanços na indústria local.

Obtiveram do governo um registro de origem controlada para seus produtos, o que lhes

conferiu uma marca distintiva no mercado; em troca, o governo exigiu que o Consórcio

se abrisse para qualquer produtor da região que dele quisesse participar. Desenvolveram

mecanismos de monitoramento para garantir que os padrões e procedimentos de

qualidade fossem respeitados por todos os produtores, ao mesmo tempo em que lhes

forneceram apoio para o aumento da produção e redução de custos através da promoção

de inovação tecnológica. Organizaram iniciativas coletivas de marketing e venda, o que

os levou a atingir mercados para além do continente europeu.

No Brasil, o caso analisado é o da associação local Valexport, que agrega

produtores de manga de diferentes tamanhos, desde pequenos produtores (ex-

camponeses sem terra) a empresas maiores de agricultura. Com apoio do governo,

conseguiram arcar com os custos de equipamentos, produtos e formação do programa

de erradicação de moscas. A associação, ao facilitar os esforços coordenados entre os

produtores locais, permitiu-lhes diversificar e melhorar a qualidade de seus produtos,

erradicar pragas, estabelecer e monitorar padrões de qualidade e aumentar a exportação

aos mercados estrangeiros. O autor analisa o sucesso desse caso em termos do

desenvolvimento da indústria local a partir das redes de relações cooperativas entre

produtores, entre patrões e empregados das grandes empresas, e entre produtores

associados, governo, e mercados internacionais.

Aqui também se percebe que, por mais que o governo seja incluído como um

ator social, sua responsabilidade gira em torno de fornecer subsídios para determinadas

atividades econômicas. Em momento algum, as iniciativas que apostam no fomento de

capital social englobam o papel distributivo do Estado de atacar os problemas de

injustiça social - índices elevados de pobreza, desemprego, desigualdade de renda,

mortalidade infantil, analfabetismo, como cita o próprio Locke - através de políticas de

seguridade social, por exemplo. Ao invés, o autor defende que, apesar de todos esses

índices, é possível superar a recessão econômica e a exclusão social exclusivamente

pela lógica da reciprocidade e do empreendedorismo de mercado.

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Vejamos como essa perspectiva também se manifesta na área educacional. As

iniciativas promovidas no ambiente escolar buscam incidir, sobretudo, na relação das

escolas com a comunidade atendida do entorno. Partindo-se do pressuposto que há

certas redes de relações que proveem benefícios desejáveis aos indivíduos em termos de

acesso a empregos, status, aprendizado escolar etc., e que os alunos e famílias em

situação de vulnerabilidade carecem desse valioso recurso social, essas iniciativas

buscam de diversas formas desenvolver seu capital social sob o atraente discurso do

empoderamento da comunidade local.

Em geral, essas pesquisas baseiam-se na distinção feita por Granovetter (1973)

entre três tipos de capital social: “bonding”, “bridging” e “linking”. O primeiro,

“bonding”, é usado para se referir aos laços fortes que existem entre pessoas da mesma

família ou de um mesmo grupo (por exemplo, uma comunidade religiosa), o que acaba

provendo uma rede de apoio e assistência em casos de necessidade. O segundo,

“bridging”, refere-se a redes sociais horizontais mais heterogêneas, que conectam

grupos entre si oferecendo às pessoas acesso a recursos e informações valiosas para

além do seu grupo de amigos ou contatos mais imediatos. Por fim, o tipo “linking”

refere-se a relações verticais que conectam comunidades a agências, instituições, e

pessoas influentes na sociedade. Estes últimos, apesar de serem os mais “fracos” em

termos de proximidade e intimidade, são os mais poderosos, pois proveem acesso a

formas valorizadas de capital cultural e econômico. Daí o paradoxo capturado por

Granovetter: “the strength of weak ties” (1973).

Exemplo de uma pesquisa que se apoia nesses pressupostos é a “Schools,

Communities and Social Capital: Building Blocks in the ‘Big Society’” (FLINT, 2011),

que analisa os relatórios de inspeção produzidos em 2009 por um Departamento

Governamental inglês sobre diversas escolas, com objetivo de perceber quais estratégias

as escolas ditas eficientes utilizam para promover capital social dentro das famílias e na

comunidade mais ampla. A intenção é mostrar ao governo o papel crucial que as escolas

podem desempenhar na construção da “Big Society” - que é o nome do programa

lançado em 2010 pelo então primeiro ministro inglês David Cameron.

Esse programa parte de um modelo de coprodução do bem-estar social,

questionando que as pessoas sejam receptoras passivas dos serviços públicos, pois as

enxerga como sujeitos ativos capazes de se engajar em redes de apoio e reciprocidade e

de construir caminhos a partir de suas próprias capacidades. O objetivo é empoderar as

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comunidades para que resolvam os problemas que enfrentam, pois “[...] only when

people and communities are given more power and take more responsibility can we

achieve fairness and opportunity for all.”19

Nesse sentido, Flint (2011) enxerga a escola como uma fonte crucial de recursos

para comunidades carentes, pois através da abertura de seus espaços, de suas atitudes

respeitosas e apoiadoras, de suas reuniões e rodas de conversa, de seu currículo

inclusivo e sensível ao entorno, as escolas são capazes de fortalecer as relações entre as

diversas famílias e destas com seus profissionais, gerando o capital social de que

famílias e a ampla comunidade necessitam. O objetivo é empoderá-las para que

assumam o controle de suas vidas, fortalecendo sua resiliência, autoestima e senso de

autoeficácia, e melhorar as oportunidades de vida das crianças e jovens. A escola

possuiria, assim, o papel de “construir o cimento da sociedade civil” (FLINT, 2011, p.

03).

São várias as formas concretas mencionadas no estudo de se promover capital

social dentro da escola e na comunidade mais ampla: quando os pais se sentem

acolhidos, ouvidos e respeitados pelos professores e gestores; quando a escola abre seus

espaços nos finais de semana para que a comunidade celebre seus eventos

comemorativos; a realização de workshops ou cafés da manhã para recepcionar as

famílias, como oportunidades que as colocam em contato umas com as outras para se

conhecerem melhor, podendo eventualmente se tornar uma rede informal de pais que se

encontram para discutir preocupações e trocar informações além dos assuntos da vida

escolar; a realização de oficinas culinárias nas quais famílias de diferentes etnias

cozinham umas para as outras, o que é um exemplo do tipo “bridging” de capital social,

contribuindo para a “coesão comunitária” (FLINT, 2011); a promoção de programas de

treinamento para as famílias desenvolverem habilidades, autoestima e senso de

autoeficácia; a existência de equipes pastorais multidisciplinares nas escolas, com a

função de prover informação, apoio e orientação às crianças/jovens e suas famílias

carentes quando estas necessitam, por exemplo, de encaminhamento psicológico e

contatos com agências externas, o que seria um tipo “linking” de capital social.

Pode-se dizer que a mesma orientação estava presente na Inglaterra uma década

antes, em 1990, na política do New Labour encabeçada pelo então primeiro-ministro

19

Parte do documento publicado pelo governo de coalizão conservador liberal-democrata inglês (2010-

2015). Disponível em https://www.gov.uk/government/publications/building-the-big-society, acesso em

23/11/2018.

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Tony Blair. Aqui, o discurso do capital social também é apresentado como um antídoto

tanto para os problemas de exclusão social decorrentes do neoliberalismo desenfreado,

como para a “cultura da dependência” produzida pelo Estado de bem-estar social.

Ambas as demandas seriam atingidas através do fortalecimento das comunidades locais,

o que traria benefícios coletivos como a redução do crime e da violência e benefícios

individuais relativos à melhoria do desempenho escolar e maior mobilidade social.

Para tanto, os defensores dessa política pretendiam encorajar, por meio de

programas e cursos promovidos pelas Education Action Zones20

, a criação de capital

social dentro da família, manifesto no apoio dado pelos pais aos filhos, e daquele capital

social referente ao envolvimento dos pais com a escola, sobretudo nas comunidades em

situação de vulnerabilidade, partindo do pressuposto de que:

(...) as crianças são menos propensas a evadir, faltar nas aulas, ter

desempenho ruim, cair no mundo das drogas ou se tornarem delinquentes,

quando seus pais estão envolvidos com elas e com a escola, frequentam

programas promovidos pela escola, ajudam seus filhos na lição de casa e

monitoram seu comportamento fora da escola. (GEWIRTZ et al., 2005,

p.654, tradução minha)21

.

Segundo Gewirtz et al. (2005), algumas iniciativas experimentadas nesse sentido

foram positivas, uma vez que trouxeram alguns benefícios aos indivíduos atendidos

sendo por eles aprovadas. Exemplo disso são as aulas de “Tecnologias da Informação e

da Comunicação”, proporcionadas a mães interessadas em ajudar o filho na lição de

casa ou mesmo em conseguir um emprego; bem como um curso de “controle de

emoções”, que, segundo uma mãe participante, ensinou-lhe a ouvir mais o filho ao invés

de gritar com ele.

No entanto, apesar de prover benefícios individuais, essas iniciativas acabaram

contribuindo apenas com o “intra-family bonding social capital”, esquecendo-se de

replicar os “strong weak ties” que conferem à classe média acesso a valiosas

informações, expertise, e contatos. Além disso, os programas não envolveram as

famílias nos processos de tomada de decisões sobre a escola, o sistema educacional e os

próprios programas, que foram desenhados para elas e não com elas. Segundo Gewirtz

20

As EAZs foram estabelecidas por essa política com objetivo de integrar os diferentes setores da

comunidade - escolas, autoridades educacionais, empresas, organizações comunitárias e religiosas,

agências governamentais etc. - para pensar formas inovadoras de implementar planos locais de melhoria

dos resultados educacionais. 21

“Children are less likely to drop out of school, truant, perform badly in an academic sense, get hooked

on drugs or become delinquent if their parents are involved with them and their school, attend

programmes at their children’s schools, help with their homework and monitor their behaviour outside

school”.

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et al. (2005), o silenciamento de suas vozes e perspectivas pode inclusive ajudar a

explicar por que tais iniciativas não tiveram adesão significativa de pais/mães.

Os autores concluem que os programas em questão não capacitaram as pessoas

para agirem coletivamente rumo à mudança sistêmica nem contribuíram para o

equacionamento das injustiças que perpassam os sistemas educacionais (GEWIRTZ et

al., 2005), não podendo, portanto, ser enquadrados como manifestação de um capital

social progressivo, segundo o continuum de Gamarnikow e Green (apud Gewirtz et al.,

2005).

Em uma das pontas do continuum, o capital social abarca as noções

progressistas, cívicas e liberais de cooperação, empoderamento, participação

e ação comunitária na construção de necessidades e prioridades. Aqui há

espaço para a cidadania ativa e empoderada, e a participação política e

engajamento cívico triunfam. No outro extremo, o capital social pode ser

percebido dentro de uma ordem normativa de formas institucionais

tradicionais, por exemplo, ao favorecer famílias nucleares com um pai e uma

mãe, localizar o ‘déficit parental’ no aumento da atividade de trabalho

feminina, relacionando isso ao fracasso no aprendizado escolar, e ao

argumentar por um regime moral coletivo absoluto de deveres e

responsabilidades ao qual todos devem se conformar (GAMARNIKOW &

GREEN apud GEWIRTZ et al., 2005, p. 655, tradução minha.)22

O que está por trás de boa parte do discurso da política é a visão de que as

famílias pobres não valorizam a educação, não se envolvem de forma alguma com o

sistema educacional, e são totalmente carentes de redes e organizações sociais de apoio,

necessitando, portanto, de uma espécie de remédio para seus déficits em termos de

isolamento social ou falta de habilidade em dar suporte à educação dos filhos. No

entanto, Gewirtz et al. (2005) apontam evidências não só de que essas famílias

valorizam a educação, mas se engajam de diferentes formas no sistema educacional e

estão conectadas por diversas redes em suas comunidades e famílias.

Essas evidências também mostram como é o próprio sistema educacional que

não responde efetivamente às demandas das famílias. Elas muitas vezes se sentem

desrespeitadas no reconhecimento de sua identidade, e percebem que seus filhos são

22

“At one end of the continuum, social capital embraces progressive, liberal and civic notions of co-

operation, empowerment, participation and community action in the construction of needs and priorities.

Here there is space for an active, confident and empowered citizenry, and civic engagement and political

participation thrive. At the other extreme social capital may be realised in a normative order of

traditional institutional forms, for instance, favouring two-parent nuclear families; locating the

‘parenting deficit’ in women’s increased labour market activity and linking this to educational failure;

and arguing for a collective non-relativist moral regime of duties and responsibilities to which all are

expected to conform”.

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excluídos de diferentes maneiras ao longo do sistema, mas se sentem impotentes para

solucionar de forma eficaz e duradoura esses problemas percebidos.

Por fim, os autores apostam que o “reconhecimento” e o respeito pela cultura

das pessoas, seus modos de vida e aspirações é essencial para sua dignidade,

valorização e autoestima (HONNETH apud GEWIRTZ et al., 2005). E concluem que

foi justamente a dificuldade da política em trabalhar nessa perspectiva o que explica seu

insucesso.

Reconhecimento não diz respeito à mera inclusão na agenda dos outros. Ao

invés, diz respeito a valorizar qualquer coisa que seja importante para as

pessoas, e garantir que a agenda política refletirá, e não negará, a dimensão e

a profundidade de suas perspectivas e experiências (GEWIRTZ et al., 2005,

p. 670, tradução minha)23

.

Informados por uma preocupação com questões de justiça social, democracia e

participação, Eva Gamarnikow e Anthony Green (2009) também analisam as teorias de

capital social implementadas pelo governo inglês da Terceira Via, e concluem que, ao

contrário do que se preconizava, elas contribuem com a consolidação das estruturas

sociais de dominação e desigualdade. Para eles, essas teorias consideram que o capital

social constitui um bem público acessível a todos, ou seja, que as redes sociais podem

ser igualmente efetivas para todos produzindo resultados sociais positivos. Ignoram,

assim, a análise de que tais redes sejam constitutivas de estruturas sociais desiguais.

No lugar de buscar desvendar os mecanismos pelos quais o capital social está

articulado à reprodução das desigualdades sociais, essas teorias operam na chave da

“abundância/déficit” de capital social, ou das redes “boas/ruins”, sendo que a

abundância/redes “boas” estão associadas às comunidades mais abastadas em termos de

recursos socioeconômicos, e o déficit/redes “ruins” às comunidades desfavorecidas.

Nessa chave, a desigualdade torna-se um problema de déficit de capital social, a ser

equacionado por uma política institucional de geração desse capital em comunidades

vistas como deficitárias. Essas comunidades acabam sendo, então, destinatárias de

políticas top-down, antidemocráticas, uma vez que os cidadãos abastados, provedores,

competentes, nomeadamente os profissionais da educação, desde sua posição

privilegiada oferecem assistência aos “necessitados”, “impotentes” para que estes

23

“Recognition is not just about inclusion in other people’s agendas. Rather, it is about valuing whatever

it is that is important to people and ensuring that policy agendas reflect and do not deny the breadth and

depth of people’s experiences and perspectives”.

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subam os degraus da concorrência econômica e social, sob o véu da provisão de

oportunidade para os desfavorecidos (GAMARNIKOW & GREEN, 2009).

Reproduzem-se, assim, as relações hierárquicas da sociedade, pois é o capital

social das elites que é valorizado, suas relações e “redes altamente capitalizadas” que

são vistas como a solução para os problemas de injustiça social. Não é à toa que a

capilaridade das teorias e políticas do capital social intensifica-se em um contexto pós-

democrático, em que o bem-estar passa a ser regulado pela penetração da lógica

individualista do mercado nas instituições democráticas, as quais se tornam cada vez

mais insignificantes na arena pública da provisão de serviços e perdem o caráter de

escuta e governança democrática (GAMARNIKOW & GREEN, 2009).

Outra pesquisa foi realizada no Reino Unido com a preocupação de entender as

implicações do conceito de capital social aplicado à educação (CATTS & OZGA, 2005;

ALLAN et al., 2009). Ela procura escapar às críticas acima, mostrando ter ciência das

limitações do referencial, sobretudo de Robert Putnam, que embasa essa aplicação. Para

tanto, recorre a Pierre Bourdieu:

Pensadores críticos argumentam que a exclusão social deriva da pobreza e da

distribuição desigual de riqueza e recursos na sociedade. Essa corrente crítica

encontra-se no trabalho de Pierre Bourdieu, para quem o capital econômico

sustenta o capital social e interage com estruturas mais amplas para

reproduzir as desigualdades sociais. O capital social, ele diz, capacita

indivíduos e grupos para acessar recursos valiosos. Esses recursos estão

conectados às vantagens de classe, e diferentes formas de interação social

reforçam desigualdades de classe, por exemplo, ser um torcedor de futebol ao

invés de um membro do Rotary Clube. Assim, a ideia em torno do capital

social pode ocultar os efeitos do capital “real”, reforçando uma cultura

de culpabilização daqueles que falham em observar as normas da classe

média. (CATTS & OZGA, 2005, p.2, tradução minha, grifo meu)24

.

Criticam, inclusive, os atuais indicadores disponíveis para medir a presença de

capital social nas comunidades:

Muitos indicadores de capital social não são apropriados porque derivam de

informações sobre voto, associação em grupos voluntários etc., o que reflete

preocupações da classe média. Como resultado, eles podem deixar de captar

formas informais de participação social, reforçando a crença de que os

indivíduos e comunidades da classe trabalhadora carecem de engajamento

24

Critics argue that social exclusion stems from poverty and the unequal distribution of wealth and

resources in society. This critical strand is reflected in the work of Pierre Bourdieu who believes that

economic capital underpins social capital and interacts with wider structures to reproduce social

inequalities. Social capital, he says, enables individuals and groups to access valued resources (Bourdieu

1993:68). These resources are connected to class advantage, and different forms of social interaction

connect to and reinforce class inequalities, for example being a football fan rather than a member of the

Rotary Club. Thus social capital ideas may conceal the effects of ‘real’ capital and power, and may

reinforce a culture of ‘blame’ of those who fail to observe middle class norms.

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cívico. As pesquisas, incluindo as governamentais (ver

www.statistics.gov.uk/socialcapital) podem produzir, então, evidências de

déficit, porque os instrumentos de pesquisa implicitamente assumem valores

da classe média, e podem também falhar em considerar questões de gênero,

etnicidade e deficiência (CATTS & OZGA, 2005, p.2, tradução minha).

Tais considerações informam a construção de indicadores de capital social

realizada por esses autores no âmbito do Projeto AERS - Social Capital Project, a partir

das seguintes questões:

O capital social está promovendo uma agenda moral particular que sugere

que os valores da classe média são intrinsicamente os melhores e que o

desvio deles é indesejável/condenável? Em outras palavras, está sendo usado

para culpar a vítima? Podemos concordar com normas que sejam aceitas por

todos os envolvidos (pais, alunos, professores, membros da comunidade,

decisores da política), por exemplo, engajamento com o aprendizado,

cidadania ativa, bem-estar, acesso a empregos? (CATTS & OZGA, 2005,

p.2-3, tradução minha)25

Buscando reconhecer a tensão entre diferentes capitais sociais, e evitar o

problema do viés da classe média discutido acima, o projeto elaborou alguns

indicadores de capital social como: atividades comunitárias realizadas no ambiente da

escola; participação dos estudantes, funcionários, pais e comunidades na governança da

escola; comunicação e fluxos de informação dentro da escola e com a comunidade;

reação a questões específicas quanto à diversidade.

A nosso ver, em geral, essas pesquisas que defendem a aplicação da teoria do

capital social em educação (CATTS & OZGA, 2005; FLINT, 2011) parecem partir do

pressuposto, compartilhado tanto por autores como Pierre Bourdieu quanto James

Coleman, de que as relações sociais constituem um patrimônio não visível, mas

altamente eficaz, a serviço dos sujeitos sociais, sejam estes indivíduos ou coletivos. Para

essas pesquisas, a formação do capital social também tem um efeito multiplicador em

relação a outras formas de capital como o econômico, o cultural e o humano, já que

determinados indivíduos que participam em estruturas sociais valorizadas obtém

proveitos múltiplos como status, bens culturais, conhecimentos, empregos, contatos,

posições etc.

25

Is social capital promoting a particular moral agenda that suggests that middle class values are

intrinsically good and that deviation from them is undesirable/blameworthy? In other words, is social

capital used to blame the victim? Can we agree on norms that are acceptable to all involved (parents,

pupils, community members, teachers and policy-makers), for example, engagement with learning, or

active citizenship, or well-being, or access to employment?

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Da mesma forma, as pesquisas parecem partir do reconhecimento de que

existem estruturas sociais excludentes, que impedem o acesso de outros indivíduos e

grupos aos recursos necessários à conquista daqueles bens socialmente valorizados.

Partem dessa constatação para defender a necessidade de que esses indivíduos e grupos

sejam colocados em contato com as redes de que carecem e que lhes facilitariam o

percurso ao longo do sistema educacional, através, sobretudo, da forma “linking” de

capital social ou dos “strong weak ties”, o que, no entanto, não implica subestimar seus

valores, suas formas de engajamento cívico, seu capital social próprio (do tipo

“bonding”).

As críticas, no entanto, são várias, como já exposto em Gamarnikow e Green

(2009) e Gewirtz et al. (2005). Higgins (2005) completa que as aplicações práticas da

teoria do capital social conduzem à defesa do padrão da “reciprocidade” em detrimento

do padrão da “redistribuição”. A reciprocidade assenta-se no pressuposto de que

relações simétricas de troca entre as pessoas - como as obrigações recíprocas, as trocas

de informações e compartilhamento de normas - podem canalizar os problemas de

justiça social ao melhorar o intercâmbio econômico ou o desempenho de atividades

econômicas lucrativas em populações carentes e vulneráveis. Por outro lado, o padrão

da “redistribuição”, ignorado nessa perspectiva, implica a obrigação do Estado em

redistribuir os recursos, provenientes dos tributos, para situá-los onde as necessidades

coletivas os demandem (HIGGINS, 2005). Segundo ele:

Trata-se de uma linha reta entre simetria e intercâmbio sem passar pela

redistribuição ou, o que é mais problemático ainda, acreditar que o

intercâmbio feito sobre normas de reciprocidade elimina os problemas de

redistribuição em grande escala social. Podemos suspeitar que se trata de uma

nova versão do liberalismo econômico para aclimatar suas velhas idéias de

que (a) as relações do mercado acontecem em mundos sociais onde os

indivíduos são simétricos, (b) o mercado é a forma mais eficiente de localizar

os recursos produtivos, e (c) o mercado em si mesmo é redistribuidor ao

conseguir o “the social optimum” (idéia da mão invisível). Parodiando o

evangelho, seria um “vinho velho em odres novos” (HIGGINS, 2005, p.

122).

Ozga (2002) reforça que a ideia de capital social tem sido bastante explorada por

políticas e iniciativas que pretendem diminuir os investimentos estatais na garantia de

direitos sociais. Ela analisa que o governo da Terceira Via inglesa foi atraído por essa

teoria que confere suporte à criação dos “laços da comunidade cívica de um jeito

compatível com a natureza individualista da moderna vida econômica, social e cultural”

(BLAIR apud OZGA, 2002). A autora analisa que, com a intenção de combater a

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pobreza e a exclusão, o governo inglês apostou nas redes de indivíduos e comunidades

como a resposta para os problemas de desintegração social criados pela globalização e

pelo Estado mínimo. Nesse sentido, as políticas de terceira via teriam transferido a

responsabilidade do Estado em prover o bem-estar social (visto como “bem-estar

passivo”) para o indivíduo e suas redes particulares de confiança e reciprocidade, agora

responsáveis por buscar soluções para seus problemas (visto como “bem-estar ativo”)

(LATHAM, 2007).

No Brasil, alguns autores também analisam os efeitos da implementação dessas

ideias, postas em marcha com o Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado de

1995, concluindo que a corresponsabilização entre Estado e sociedade civil no

provimento dos bens e serviços sociais acarretou privatização de funções do Estado

relativas à garantia de direitos sociais, especialmente no que tange à oferta de políticas

públicas em geral e da educação em particular (MONTAÑO, 2008; ADRIÃO &

BEZERRA, 2013; PERONI, 2013; NEVES, 2005).

Recorrendo a Axel Honneth, Gewirtz et al. (2005) nos fazem pensar que, além

do padrão da “redistribuição”, falta a essas perspectivas considerar o padrão do

“reconhecimento”, pelo qual as pessoas são valorizadas em suas habilidades,

necessidades, e capacidades de julgamento, através de sua participação na definição de

prioridades da agenda política. Tal “reconhecimento” não diz respeito apenas à inclusão

na agenda dos outros; ao invés, implica ser responsável para com toda a gama de

valores e modos de vida das pessoas, valorizando o que for importante para elas e

garantindo que a agenda política reflita a amplitude e a profundidade de suas

experiências e perspectivas. Segundo Gewirtz et al. (2005), é essa concepção de

“reconhecimento” que permite alcançar uma abordagem participativa diferente da

retórica de “participação” presente no discurso da política inglesa que pretendia

“empoderar” comunidades vistas como “deficitárias”.

Honneth (2013b) salienta que os seres humanos possuem uma dependência em

relação a experiências de “reconhecimento social” que afetem positivamente sua

autoestima, autorespeito e autoconfiança, cuja durabilidade ao longo da vida depende

dos contatos íntimos e diretos com pessoas afins. Daí por que os indivíduos durante toda

vida desejam ser membros em diferentes modelos de agrupamentos sociais, da família

aos grupos religiosos. No entanto, além do pertencimento a grupos nos quais se reiteram

as semelhanças entre os membros e os valores compartilhados, o reconhecimento social

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também depende da realização da experiência dos direitos e deveres de cidadania, ou

seja, da reafirmação do status de sujeito de direito na esfera da consciência pública.

De um jeito ou de outro, para Axel Honneth o reconhecimento deve ser buscado

como uma questão de auto-realização, no sentido de que ser reconhecido pelo outro é

condição essencial para se atingir uma subjetividade plena. De forma diferente, Nancy

Fraser (2003) concebe o reconhecimento como uma questão de “justiça social”, à

medida que afeta o “status social” de pessoas e de grupos. Retomando o que já foi

explicado no capítulo 1, ela propõe um modelo de justiça social que engloba tanto a

esfera distributiva quanto a esfera do reconhecimento, possíveis de serem integradas por

buscarem o mesmo objetivo geral: a “paridade de participação” dos indivíduos na

sociedade, ou seja, que todos os membros de uma sociedade possam interagir uns com

os outros como pares. Esse é o critério que deve orientar a elaboração de demandas por

redistribuição e por reconhecimento.

Orientadas pela norma da paridade participativa, essas demandas precisam ser

elaboradas dialogicamente, buscando evitar abordagens monolíticas que investem em

um único sujeito a autoridade de interpretar o que é justo para as pessoas. É, portanto,

nos processos democráticos de deliberação pública com a participação de todos os

concernidos, que deve ser discutido em que medida os atuais “padrões

institucionalizados de valoração cultural” e as condições objetivas de renda, tempo e

riqueza provenientes dos arranjos econômicos, impedem ou aproximam os sujeitos de

serem participantes plenos na vida social. Além disso, nesses espaços deve-se discutir

não só como garantir acesso igualitário aos bens sociais existentes, mas também quais

são os bens sociais desejados; não só como garantir a participação de todos nas formas

existentes de interação social, mas também quais formas de interação social devem

existir (FRASER, 2003).

Voltando às perspectivas do capital social, nelas não parece haver espaço para

esse tipo de reconhecimento defendido por Fraser, que ocorre via processos

democráticos de negociação para elaboração de pactos socialmente justos. Como

ressalta Peroni (2003), aquelas perspectivas baseiam-se na existência de uma sociedade

civil “suprapartidária”, isenta de conflitos (PERONI, 2013), da qual a definição de “bem

comum” emergiria naturalmente, ou já estaria dada a priori, ao invés de ser objeto de

uma deliberação pública que envolva de fato os diferentes setores/atores da sociedade.

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(...) a terceira via apresenta o discurso da participação da sociedade civil, mas

setores vinculados ao mercado têm sido considerados a sociedade civil, como

se já tivéssemos superado o capitalismo, a sociedade de classes e como se os

interesses vinculados ao capital fossem os interesses da sociedade. A

agenda educacional tem sido ditada por um setor da sociedade, que detém

poder financeiro e de mídia para falar em nome dela (PERONI, 2013, p.252,

grifo meu).

A autora reforça que essas teorias e políticas, ao não reconhecerem a existência

de objetivos divergentes e conflitantes que habitam a arena da chamada “sociedade

civil”, ignoram o poder explicativo das estruturas de dominação e da luta de classes para

análise e transformação da realidade.

Como, para o autor [Anthony Giddens], as classes sociais não são mais

importantes para a análise de um mundo sem inimigos e para além da direita

e da esquerda (...), é possível defender uma cultura cívica, onde os

empresários estariam envolvidos com o bem comum e não apenas com o

lucro (PERONI, 2013, p. 239).

Dessa forma, os críticos a essa perspectiva reforçam que ela cumpriria a função

de escamotear as causas dos problemas das sociedades capitalistas, estando, assim, mais

comprometida com a manutenção de uma ordem social injusta do que com a

transformação social e o questionamento das desigualdades sociais (NEVES, 2005;

PERONI, 2013; MONTAÑO, 2008).

Em suma, o principal problema com essa forma de conceber a confiança e o

capital social é que esses conceitos são utilizados de uma forma prescritiva para advogar

soluções políticas estritamente comunitárias aos problemas de “exclusão social”, as

quais não levam em consideração a reprodução social das desigualdades, ignoram a

responsabilidade estatal na garantia de direitos sociais universais, e não contribuem para

capacitar os sujeitos a trabalhar coletivamente por mudanças sistêmicas ou pela

melhoria das injustiças estruturais embutidas nos sistemas educacionais, contribuindo

até para fortalecer essas estruturas de desigualdade (GEWIRTZ et al., 2005;

GAMARNIKOW & GREEN, 2009; HIGGINS, 2005). Isso se deve, por fim, ao fato de

que essas teorias e políticas focam exclusivamente no padrão da reciprocidade,

deixando de lado as esferas da redistribuição e do reconhecimento via participação

democrática.

Veremos no Capítulo 3 que as limitações aqui apresentadas se estendem para as

teorias que abordam especificamente o conceito de “confiança” no ambiente escolar,

uma vez que essa literatura aborda a confiança do ponto de vista do capital social. Antes

disso, no próximo tópico explicaremos um pouco mais detidamente esses referenciais.

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2.2. Confiança nas Relações Internas à Escola

Vários autores mencionaram a importância da confiança no âmbito interno à

escola para fortalecimento do trabalho coletivo e melhoria das aprendizagens dos

estudantes. Yáñes (2010) e Fullan (2009) ressaltam que a confiança funciona como um

aglutinador social que permite o funcionamento de “comunidades profissionais de

aprendizagem”, ou seja, escolas das quais faz parte do trabalho pedagógico a reflexão

coletiva sobre as questões que impactam a aprendizagem dos estudantes, nas quais os

professores apoiam-se mutuamente e criam um ambiente de compromisso e

responsabilidade compartilhada. Um ambiente assim caracterizado “proporciona el

sentimiento de seguridad necesario tanto para analizar y cuestionar las viejas prácticas

como para asumir los riesgos que comportan las nuevas” (YÁÑES, 2010), tornando

possível às escolas empreender processos de mudança comprometidos com a melhoria

da qualidade.

No Brasil, Freitas (2014) cita esse conceito para referir-se à dimensão da micro

política da escola, perpassada pelas relações de afetividade. O autor menciona que é na

escola que se constrói, pela confiança entre seus atores, um processo de permanente

autoavaliação coletiva, o que se contrapõe às políticas de controle verticalizado que

enfraquecem as conexões entre as pessoas e estimulam a competição. A confiança, aqui,

seria contraposta à concorrência, à pressão sobre os profissionais, aos controles sobre o

processo de trabalho.

Todas essas referências ao conceito inspiram-se em duas grandes linhas de

pesquisa norte-americanas, que representam as investigações mais completas e

sistemáticas sobre o tema. A primeira delas é presidida por Wayne K. Hoy. Inicia-se em

1980 na Universidade de Rutgers, continua na Universidade do Estado de Ohio e,

posteriormente, na Universidade de Oklahoma, trajeto ao qual foram se somando

diversos outros pesquisadores, como Patrick Forsyth, Megan Tschannen-Moran e C.

John Tarter. A segunda inicia-se nos anos 2000 na Universidade de Chicago, presidida

por Anthony Bryk e Barbara Schneider.

Apesar das diferenças26

, em geral as duas correntes pressupõem que

interdependência e vulnerabilidade são as condições principais que requerem a

26

A diferença mais substantiva de ambas as correntes é que aquela primeira baseia-se no conceito de

“confiança coletiva”, enquanto a segunda aborda a questão pelo conceito de “confiança interpessoal”.

Apesar dos pesquisadores da primeira abordagem argumentarem que a sua perspectiva é mais sociológica

que a segunda, criticada por estar supostamente assente sobre um ponto de vista meramente psicológico,

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emergência da confiança, pois, sem confiança, as interações sociais entre grupos e

indivíduos necessariamente vulneráveis e interdependentes tornam-se fragmentadas,

levando à diluição da ação social coletiva. As escolas proveem, portanto, um ambiente

bastante propício para a análise da importância desse recurso social, uma vez que são

habitadas por pessoas e grupos que desempenham papéis altamente interdependentes,

que precisam cooperar entre si para atingir interesses comuns relativos ao aprendizado

estudantil e que, consequentemente, são altamente vulneráveis uns em relação aos

outros, o que implica certo nível de risco e imprevisibilidade, requerendo, portanto,

níveis elevados de confiança interpessoal/coletiva. Vejamos cada uma separadamente.

2.2.1. Corrente de Wayne Hoy

A primeira definição do conceito importada para a dinâmica escolar foi a de Hoy

e Kupersmith em 1985:

No contexto da organização, confiança é uma expectativa generalizada de um

grupo de que as palavras, ações e promessas de outro indivíduo, grupo ou

organização podem ser confiáveis (Apud TARTER et al., 1989, tradução

minha)27

.

Basicamente, a tradição de Wayne Hoy defende que a “confiança coletiva” é a

chave para as relações interpessoais bem sucedidas, pautadas pelo trabalho em equipe,

que conduzam à “efetividade” das organizações. Organizações “efetivas”, nessa

perspectiva, são aquelas que conseguem melhorar constantemente o desempenho

acadêmico dos estudantes nos testes padronizados de língua inglesa e matemática. Essa

finalidade última é atingida de forma mais “efetiva” nas escolas que “empreendem

inovações” e trabalham coletivamente com “prevenção de problemas”, guiadas pela

constante “acomodação” e “adaptação” às exigências de mudança provenientes do

ambiente externo (FORSYTH et al., 2011).

Os autores reforçam que essa perspectiva está baseada na sociologia

funcionalista de Talcott Parsons: “[...] as escolas efetivas observam os imperativos

Parsonianos de: 1. acomodar-se ao ambiente; 2. estabelecer e atingir objetivos; 3.

manter solidariedade dentro do sistema; 3. preservar um sistema único de valores”

(FORSYTH et al., 2011, p.10, tradução minha).

eu defendo que, em termos da operacionalização do conceito, ambas proveem contribuições sociológicas

significativas para a compreensão da dinâmica escolar. 27

In the context of organization, trust is a work group’s generalized expectancy that the words, actions

and promisses of another individual, group or organization can be relied on.

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Para tanto, é necessário que os atores da escola cumpram as normas coletivas e

expectativas relacionadas a seus papéis, determinadas pelas demandas funcionais do

sistema, conectadas à manutenção da estabilidade, da eficiência e da integração. Parte-

se do pressuposto que essas expectativas são estabelecidas a priori, discutidas pelos

membros do grupo “confiante” (que deposita a confiança), cabendo aos membros do

grupo “confiado” cumpri-las para demonstrar sua confiabilidade.

Isso fica claro na exposição dos autores sobre como a confiança se forma. Para

decidir se deve confiar no outro, o grupo “confiante” precisa recorrer a uma “avaliação

cognitiva” ou um “cálculo cuidadoso” da história comportamental, reputação ou

credenciais do grupo “confiado”, com base em suas experiências pessoais e

especialmente nas percepções compartilhadas sobre a confiabilidade do “confiado”, as

quais emergem ao longo do tempo a partir de múltiplas interações dentro do grupo

“confiante”. Por meio desses intercâmbios, as pessoas dentro desse grupo compartilham

entre si suas expectativas de comportamento adequado por parte dos membros do outro

grupo - expressas em termos de abertura, honestidade, benevolência e competência - e

avaliam em que medida o comportamento observado dos membros do outro grupo

corresponde àquelas expectativas. Daí emerge o consenso sobre a confiabilidade do

grupo confiante (FORSYTH et al., 2011).

Naquela primeira definição de Hoy e Kupersmith em 1985, os professores eram

o grupo “confiante”, e os grupos “confiados” eram apenas dois: os colegas professores e

o diretor. Os autores definiram e mediram cada um dos pares de relação como segue:

Quadro 1 - Primeira Definição e Escala Likert sobre Confiança na Escola

DEFINIÇÃO ALGUNS ITENS DA ESCALA LIKERT

Confiança no diretor: A equipe docente

confia que o diretor vai manter sua palavra

e agir pelo interesse das crianças.

- Os professores nessa escola confiam na

integridade do diretor.

- O diretor tira vantagem dos professores

nessa escola (inverso).

Confiança nos professores: a equipe

docente sente que os professores podem

contar uns com os outros em situações

difíceis e que podem confiar na integridade

dos colegas.

- Mesmo em situações difíceis, os

professores nessa escola podem contar uns

com os outros.

- Professores nessa escola desconfiam uns

dos outros (inverso). Fonte: Hoy e Kupersmith (1985) (apud TARTER et al, 1989, tradução minha)

28.

28

Trust in the principal: the faculty has confidence that the principal will keep his or her word and act in

the best interest of teachers. -The teachers in this school have faith in the principal’s integrity. - The

principal takes unfair advantage of teachers in this school. Trust in teachers: the faculty believe that

teachers can depend on each other in difficult situations and that teachers can rely on the integrity of

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Posteriormente, uma série de pesquisas passou a se debruçar sobre essa variável

da “confiança” relacionando-a com outras como o “clima escolar” (TARTER et al,

1989), entendido como a percepção dos professores quanto ao ambiente de trabalho da

escola, ou seja, o conjunto de características internas que distingue uma escola da outra

e influencia o comportamento de seus membros.

Baseados em Kottkamp, Mulhern e Hoy (1987), Tarter et al. (1989) reforçam

que o clima escolar é considerado “aberto” quanto mais supportive e non-directive for o

comportamento do diretor, e quanto mais engaged e unfrustrated for o comportamento

dos professores, segundo as seguintes definições:

Supportive: o diretor motiva os professores usando críticas construtivas e dando

exemplo de trabalho árduo. O diretor ajuda os professores, e é genuinamente

preocupado quando ao desenvolvimento profissional e pessoal dos professores.

Directive: o diretor é rígido, não oferece aos professores a liberdade de agir com

base nos seus próprios julgamentos profissionais; eles são constantemente monitorados

e controlados.

Engaged: professores são extremamente orgulhosos de sua escola, gostam de

trabalhar uns com os outros e se apoiam mutuamente. Professores se preocupam uns

com os outros e são comprometidos com os estudantes.

Frustrated: interferências por parte dos administradores e colegas distraem os

professores de sua tarefa básica de ensino. Deveres de rotina não ligados ao ensino,

como papeladas administrativas, são excessivos; os professores perturbam e

interrompem uns aos outros.

Tarter et al. (1989) demonstraram, por meio de uma correlação entre escalas, que

o comportamento do diretor e o comportamento dos professores geram diferentes

impactos na qualidade das relações de confiança na escola. Uma liderança “supportive”

do diretor influencia o grau de confiança que os professores têm no diretor, enquanto

um comportamento “engaged” dos professores ajuda a criar confiança entre estes

sujeitos.

Dando continuidade a esses trabalhos, mais tarde Tschannen-Moran e Hoy

(1997) atualizaram a definição de confiança como:

their colleagues. - Even in difficult situations teachers in this school can depend on one another. -

Teachers in this school are suspicious of each other.

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Confiança é a disposição de um indivíduo ou grupo para ser vulnerável à

outra parte, baseado na crença de que esta última será benevolente, confiável,

competente, honesta e aberta29

.

Os autores mantiveram a descrição de Hoy e Kupersmith (1985) a respeito da

confiança dos professores nos colegas e no diretor. Em relação ao clima escolar, eles

usaram as dimensões collegial leadership e teacher professionalism para analisar como

elas se relacionam com a confiança.

Eles chegaram a conclusões semelhantes às de Tarter et al. (1989): a collegial

leadership por parte do diretor - liderança que apoia os professores, preocupa-se com

suas necessidades, motiva-os usando críticas construtivas, não monitora constantemente

tudo que eles fazem, não os ocupa com tarefas burocráticas, deixa claro o que espera

deles - tudo isso influencia o grau de confiança dos professores no diretor; enquanto o

teacher professionalism - professores comprometidos em ajudar os estudantes, que

respeitam a competência dos outros professores, levam seu trabalho a sério, sabem ouvir

e apoiam uns aos outros, conferem significado e propósito para seu trabalho - influencia

o grau de confiança dos professores nos seus pares.

Mais tarde, Hoy e Tschannen-Moran (1999) incrementaram pela primeira vez a

escala inicial de Hoy e Kupersmith (1985). A partir de uma ampla revisão da literatura,

surgiram cinco facetas da confiança, junto com a dimensão geral da vulnerabilidade

(Willing to Risk) que perpassa todas elas:

Quadro 2 - Facetas da Confiança segundo Hoy e Tschannen-Moran

Reliability: Sentimento de que se pode contar com o outro para fazer o que dele se

espera. O quanto se acredita que os resultados virão e serão positivos.

Benevolence: Confiança de que o meu bem-estar, ou algo que me é caro, será

protegido pelo outro. Poder contar com a boa vontade do outro para me fazer bem. O

outro preocupar-se com meus interesses e bem-estar.

Openness: A medida em que as informações são compartilhadas e não retidas.

Competence: Boas intenções não são suficientes. Confiar requer que o outro tenha

habilidade para cumprir as expectativas depositadas.

Honest: Expectativa de que se pode confiar na palavra, promessa verbal ou escrita, do

outro. Correspondência entre o que se fala e o que se faz.

Willing to Risk: Disposição em se arriscar em uma situação de vulnerabilidade,

sabendo que há risco, que isso pode resultar em consequências negativas, mas

29

Trust is an individual’s or group’s willingness to be vulnerable to another party based on the confidence

that the later party is benevolent, reliable, competent, honest, and open.

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esperando que elas não ocorram.

Fonte: elaboração própria com base em Hoy e Tschannen-Moran (1999).

Novos itens surgiram para abarcar essas facetas. Os autores também

acrescentaram um conjunto de itens para dar conta de dois novos pares, “professores-

alunos” e “professores-pais”, que se fundiram em “professores-clientes” após análise

fatorial. Por fim, posteriormente criaram uma escala mais suscinta (Omnibus T-Scale)

que pretendia ser válida para as escolas elementary e secondary (FORSYTH et al.,

2011).

Essa nova escala foi referência para a continuidade das investigações tributárias

dessa corrente. Por exemplo, Hoy e Tarter (2004) incorporaram novas variáveis em seus

estudos quantitativos, investigando a relação entre a confiança dos professores nos

colegas e no diretor, por um lado, e a “justiça organizacional” por outro. Eles

concluíram que há uma forte correlação entre essas duas variáveis, sendo essa última

definida pelos princípios da equidade (o que os professores recebem deve ser

proporcional ao tanto que eles contribuem); igualdade (nenhum interesse individual

deve sobressair ao interesse coletivo); voz (diretores devem envolver os professores na

tomada de decisões que os afetam e quando eles têm expertise para contribuir com elas);

percepção de justiça (quando professores percebem que o diretor segue as regras e

procedimentos aceitos por todos); dignidade (quando o diretor trata os professores como

profissionais, com respeito e sensibilidade); consistência (quando o diretor adota

comportamentos adequados às características de cada situação).

Abaixo, segue quadro com as cinco facetas da confiança que continuaram sendo

referência para esses estudos, e seus respectivos itens para cada um dos três pares de

relação (HOY & MORAN, 1999):

Quadro 3- Escala representativa da corrente de Wayne Hoy

PROFESSOR-DIRETOR

FACETA ITEM

RELIABILITY - Teachers in this school can rely on the principal

- The principal in this school keeps his or her word.

BENEVOLENCE

- The principal of this school does not show concern for the teachers

- The principal in this school typically acts with the best interests of

the teachers in mind.

- The principal in this school is unresponsive to teacher´s concern.

OPENNESS - The principal doesn’t tell teachers what is really going on.

- The principal openly shares personal information with teachers.

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COMPETENCE - The principal in this school is competent in doing his or her job.

WILLING TO RISK

- Teachers in this school trust the principal.

- The teachers in this school are suspicious of most of the principal’s

action.

HONESTY - The teachers in this school have faith in the integrity of the

principal.

PROFESSOR-PROFESSOR

OPENNESS - The teachers in this school are open with each other.

WILLING TO RISK

- Teachers in this school believe in each other

- Teachers in this school trust each other

- Teachers in this school are suspicious of each other.

BENEVOLENCE

- Teachers in this school typically look out for each other.

- Even in difficult situations, teachers in this school can depend on

each other.

HONESTY

- Teachers in this school have faith in the integrity of their

colleagues.

- When teachers in this school tell you something, you can believe

it.

COMPETENCE - Teachers in this school are not competent in their teaching

responsibilities.

PROFESSOR-CLIENTES

RELIABILITY

- Teachers can count on the parents in this school.

- Parents in this school are reliable in their commitments.

- Students in this school are reliable

- Students in this school can be counted on to do their work.

WILLING TO RISK - Teachers in this school trust their students

- The students in this school have to be closely supervised.

BENEVOLENCE - Teachers in this school trust the parents to support them.

-Students are caring toward one another.

HONESTY

- Teachers can believe what parents tell them.

- Teachers in this school believe what students say.

- Students in this school cheat if they have the chance.

COMPETENCE - Teachers think that most of the parents do a good job.

-Teachers here believe students are competent learners.

OPENESS

- Students here are secretive.

- The students in this school talk freely about their lifes outside the

school. Fonte: Organizado pela pesquisadora a partir de Hoy & Moran, 1999.

*Ao invés da sucinta Omnibus T-Scale (FORSYTH et al., 2011), expomos a escala da fonte acima, pois ela traz

claramente separados os três pares de relação, bem como as facetas com seus respectivos itens. Sendo as duas escalas

extremamente próximas, sem prejuízos decidimos expor apenas esta.

2.2.2. Corrente de Chicago

A pesquisa realizada pela Universidade de Chicago (BRYK & SCHNEIDER,

2002) também se debruçou sobre a confiança dos professores em relação ao diretor, aos

demais professores, e aos pais30

. Apesar de ter sido realizada posteriormente à corrente

de Wayne Hoy, não se limitou às facetas e itens formulados por essa última. Os

30

Essa corrente não considera os estudantes.

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pesquisadores de Chicago foram além, pois tiveram o mérito de articular a revisão da

literatura com uma intensa pesquisa etnográfica. De alguma forma, isso foi inspiração

para o método dessa tese, uma vez que não ficamos restritas à literatura existente, mas

fomos buscar nas entrevistas e na observação em campo aspectos que pudessem

enriquecer nosso olhar. No entanto, apesar desse ganho qualitativo, os achados de

Chicago não diferem muito da tradição de Wayne Hoy, como será explicado.

A pesquisa inicia-se no início da década de 1990, com o objetivo de investigar

quais características das escolas influenciaram a implementação do Ato de Reforma das

Escolas de Chicago de 1988. Tratou-se de uma política de descentralização e

“empoderamento” da comunidade local que permitiu, entre outras coisas, que os

diretores contratassem os professores de sua escola, e que o Conselho Escolar31

decidisse sobre a contratação e demissão de diretores. A equipe de pesquisadores, então,

realizou etnografia em doze elementary schools32

, e constataram que a qualidade das

relações interpessoais desempenhava um papel importante nos esforços de qualificação

da escola, e em determinar o uso que cada comunidade escolar fazia do novo poder

conferido pela Reforma. A partir desses achados empíricos e em diálogo com a

literatura, eles chegaram à formulação do conceito relational trust, específico à

dinâmica das organizações escolares.

A confiança é construída a partir do cumprimento de expectativas vinculadas a

cada papel, nas relações professores-professores, professores-pais, e professores-diretor,

os quais precisam agir uns com os outros de forma a diminuir o senso de

vulnerabilidade inerente à assimetria de poder característica dessas relações. Esses

papéis possuem entendimentos a respeito das suas próprias obrigações e expectativas

em relação às obrigações do outro, sendo que a construção e sustentação da confiança

relacional exige que tais expectativas sejam regularmente validadas a partir das ações e

intenções que o outro manifesta.

O julgamento que cada papel faz em relação às ações e intenções do outro

baseia-se em quatro critérios específicos de avaliação (BRYK & SCHNEIDER, 2002):

31

Com a Reforma de 1988, o Conselho Escolar passou a ser composto pelo diretor, seis pais, dois

professores, dois membros da comunidade, e um aluno no caso da middle school. 32

Buscou-se abarcar escolas diversas nos seguintes critérios: racial (escolas african-american e hispanic),

composição econômica dos estudantes (escolas de classe média e pobre); características de matrícula

(escolas que matriculam estudantes do entorno e escolas que não); escolas cuja comunidade é

politicamente ativa; escolas localizadas em bairros passando por transições étnicas. Também incluíram

critérios como defasagem idade-série, freqüência, test scores etc.

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1) Respeito: inclui avaliar como a conversa ocorre entre as partes e se existe um

senso de escuta em relação ao que as pessoas pensam e dizem. A existência de

conversas genuínas desse tipo assinala que os pensamentos e ideias de cada pessoa têm

valor e que elas podem influenciar significativamente decisões importantes que afetam

suas vidas.

Os professores precisam poder falar com o diretor, com seus colegas

professores, e com os pais sobre suas inquietações e preocupações relativas à educação

das crianças e ao ambiente de trabalho. Os professores precisam sentir que o gestor

permite-lhes participar dos processos decisórios e oferece-lhes oportunidades para que

sejam ouvidos e levantem questões que serão consideradas nas ações subsequentes. Já

os pais precisam conseguir conversar com os professores e sentir que possuem

oportunidades de influenciar a educação de seus próprios filhos.

2) Competência: diz respeito à competência na execução das responsabilidades

que o papel requer, ou seja, analisa quanto cada um é capaz de atingir tanto objetivos de

aprendizagem para as crianças como resultados relativos às condições de trabalho

docente. Vejamos como essa definição geral se manifesta em cada par de relação.

a) Professor-Gestor: os professores esperam que o gestor encaminhe conflitos

entre a equipe docente de forma justa, mantenha um ambiente regido por regras básicas

e claras, provenha recursos adequados para o ensino, ofereça apoio ao trabalho dos

professores. Na contrapartida, os professores precisam sentir que o gestor confia no seu

trabalho. O isolamento do gestor das atividades de sala de aula dificulta que ele

supervisione de perto todos os aspectos relacionados ao trabalho docente. Dessa forma,

o diretor precisa confiar que os professores irão se esforçar para melhorar a

aprendizagem dos alunos e aprimorar suas práticas pedagógicas.

b) Professor-Professor: enquanto aspectos da competência administrativa do

diretor ficam mais visíveis e são, portanto, mais fáceis de julgar, isso não é tão válido

para os professores, cujo trabalho ocorre na privacidade da sala de aula. Ainda assim, é

possível fazer julgamentos baseados na falta de competência. É fácil reconhecer quando

um professor não consegue administrar o comportamento dos estudantes em sua sala, ou

quando ele tem uma forma de lidar com disciplina que humilha os estudantes. Da

mesma forma, é fácil reconhecer professores que oferecem poucas oportunidades

significativas de aprendizado aos alunos. Sinais de incompetência são corrosivos para a

construção da confiança.

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c) Professor-Pais: aqueles pais que frequentemente não conseguem prover às

suas crianças as necessidades básicas de aprendizado (como colocá-las para dormir em

horários estipulados e não deixá-las atrasar na escola) sinalizam para os profissionais da

escola que neles não se pode confiar.

3) Consideração: quanto as pessoas percebem que os outros se preocupam com

elas e estão dispostos a realizar ações de cuidado para além daquilo que é formalmente

estabelecido. Vejamos como essa definição geral se manifesta em cada par de relação.

a) Professor-Gestor: o diretor mostra ter consideração pelos professores quando

tem preocupação com questões de ordem pessoal que afetam suas vidas, ou quando cria

oportunidades para seu desenvolvimento profissional. Considerando que o diretor

controla muitos aspectos da condição de trabalho dos professores - quais alunos serão

atribuídos a cada professor, em qual sala lecionará, quais materiais estarão disponíveis -,

os professores precisam sentir que o gestor age a partir de intenções benevolentes,

preocupadas em atender às necessidades docentes;

b) Professor-Professor: precisam da ajuda uns dos outros para conduzir os

procedimentos rotineiros da escola. É preciso que atentem para as necessidades uns dos

outros, que haja uma norma de reciprocidade entre eles, que os favores sejam

retribuídos (por exemplo, quando um professor não pode cumprir aquele dia uma tarefa

que lhe é designada e pede para que outro o “cubra”).

c) Professor-Pais: uma assimetria grande caracteriza a relação entre pais e

professores, bem como uma relação de dependência mútua. Os pais são muito

dependentes dos esforços da escola para que oportunidades valiosas de aprendizado

sejam oferecidas aos seus filhos. Os professores também dependem do apoio dos pais

para conseguir realizar seu trabalho a contento. Esse apoio implica, no mínimo, que seus

filhos frequentem a escola regularmente e cheguem à escola “prontos para aprender”;

também implica ajuda para resolver problemas de comportamento. Do outro lado, ações

tomadas pelos professores e diretores para reduzir o senso de vulnerabilidade dos pais

influenciam a construção da relação de confiança. Iniciativas com esse propósito

incluem: criação de espaços na escola nos quais os pais possam se reunir; desenvolver

atividades de apoio que os pais possam fazer em casa para auxiliar no aprendizado do

filho; elaborar programas para as famílias em resposta às necessidades da comunidade

local; recepcionar bem os pais recém-chegados e mostrar preocupação com seus filhos.

Conforme as famílias percebam que a escola realiza uma série de ações visando fazê-las

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se sentirem mais confortáveis, elas passam a entender que o corpo da escola possui um

senso genuíno de cuidado e consideração por elas e que realmente se preocupa com

seus filhos. Esse discernimento de intenções tem efeitos muito positivos na qualidade

dessas relações.

4) Integridade: além da avaliação da consistência entre o que se fala e o que se

faz, avalia-se quanto o outro possui comprometimento moral com os princípios da

instituição e os interesses das crianças. Esse aspecto da confiança está baseado em

entendimentos comuns sobre os propósitos do coletivo escolar, a respeito do que os

estudantes devem aprender, como o aprendizado deve ser conduzido, como professores

e estudantes devem proceder. Trata-se de realizar ações que reforcem o

comprometimento do indivíduo com esses entendimentos comuns que são acordados

entre todos.

a) Professor-Gestor: o diretor mostra possuir integridade quando, por exemplo,

enfrenta alguma política que ele acredita ferir os propósitos do trabalho da escola. Ao

articular uma visão do que seja “a nossa escola” e executar ações que sejam

interpretadas como condizentes com essa visão, o gestor consegue fomentar o senso de

engajamento da equipe docente;

b) Professor-Professor: para que os professores sintam que os colegas possuem

integridade, eles precisam compartilhar visões comuns e perceber que as ações tomadas

pelos outros estão de acordo com essas visões. No entanto, as oportunidades são

pequenas para que isso ocorra nas escolas, uma vez que os professores passam a maior

parte do tempo isolados em suas salas de aula, havendo poucos momentos de interações

significativas com os colegas. Além disso, existe pouco controle quanto à contratação e

demissão dos professores. Eles ocupam posições na escola com base apenas no direito

de ‘senioridade’, o que significa que não se formam equipes com base no propósito de

criar coerência em torno de uma visão compartilhada. Não existe a ideia de um corpo

docente como uma equipe de trabalho deliberadamente formada. Assim, faltando os

mecanismos organizacionais que promovem a coletividade, poucas oportunidades

existem para os professores trabalharem suas diferenças pessoais e desenvolverem

entendimentos comuns. Ao invés disso, as diferenças em crenças, valores e experiências

de trabalho anteriores não são trabalhadas e os conflitos interpessoais ficam latentes. As

interações podem ser respeitosas, eles podem falar bom dia uns pros outros, colaborar

em torno de algumas questões pequenas, mas o cerne do trabalho ainda é organizado

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individualmente nas salas de aula isoladas ou controlado externamente pelas políticas e

burocracias centrais. Isso reduz as oportunidades dos professores agirem como uma

equipe que resolve problemas coletivos;

c) Professores-Pais: alguns complicadores dessa relação são as diferenças

étnico-raciais e de classe entre pais e professores. Pesquisas na área tem documentado

que similaridades nesses aspectos tendem a fornecer uma base inicial para o alcance da

confiança e de entendimentos comuns. Principalmente em contextos urbanos, nos quais

essas diferenças imperam, é necessário um esforço mais atencioso para construir

confiança relacional entre as pessoas.

. . .

Percebe-se que, para os autores, ambientes homogêneos facilitam a emergência

da confiança, tanto do ponto de vista étnico-racial e sócio-econômico quanto em termos

de vontades e posicionamentos. O ambiente ideal são escolas pequenas, e nas quais se

permite a filiação deliberada de professores e pais à escola. Ou seja, o ideal é que eles

possam escolher onde vão dar aula ou matricular os filhos, e o diretor possa escolher

quais professores contratar e quais demitir. Segundo Bryk e Schneider (2002):

Um facilitador poderoso do desenvolvimento de relações de confiança nas

escolas é o a associação voluntária que une os participantes de uma

comunidade escolar. A confiança é mais provável de se desenvolver em

escolas nas quais professores e estudantes desejam estar lá. A reforma de

1990 tratou essa questão, à medida que a mudança em direção à

democratização foi acompanhada de uma considerável política de escolha.

Mais de 30% dos estudantes das escolas públicas de ensino fundamental de

Chicago não freqüentam a escola do seu bairro; no nível do ensino médio,

mais de 50% escolhem ir para outra escola. Da mesma forma, a reforma criou

um mercado entre escolas ao transferir decisões quanto à contratação para o

nível da escola. Agora os professores em Chicago têm mais cuidado em suas

atribuições, e muitos escolhem deliberadamente afiliar-se a certa escola e não

a outra (...). Em situações como essa, com ao menos um pouco de escolha

tanto para os professores quanto para os pais, as relações entre as pessoas

estão pré-condicionadas à confiança, já que elas podem escolher afiliar-se a

uma escola específica (BRYK, SCHNEIDER, 2002, p.142, tradução minha).

Os pesquisadores também procedem a análises estatísticas que pretendem captar

em que medida a confiança relacional, operacionalizada numa Escala Likert, afeta o

desempenho acadêmico dos estudantes diretamente, e indiretamente através da melhoria

das “condições organizacionais” favorecedoras da aprendizagem. Essas condições

associadas à confiança relacional são:

1) Orientação à inovação: mede quanto os professores estão continuamente

aprendendo e procurando novas ideias para melhorar o aprendizado dos estudantes;

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2) Comprometimento com a escola: quanto os professores gostam de trabalhar

na escola e são leais a ela;

3) Aproximação com as famílias: mede os esforços da escola e dos professores

em trazer os pais para perto da escola e construir com eles uma relação de parceria para

a educação das crianças;

4) Comunidade profissional de aprendizagem: mede quanto os professores

compartilham seu trabalho envolvendo-se em práticas colaborativas; quanto conversam

uns com os outros sobre o aprendizado dos estudantes; desenvolvem comprometimento

em melhorar sua prática e a escola como um todo; e possuem expectativas bem

definidas de aprendizado, estabelecendo metas elevadas de desempenho acadêmico.

Para Bryk e Schneider (2002), os benefícios da confiança relacional são diminuir

o senso de vulnerabilidade e o risco associado à experimentação de novas práticas;

facilitar o trabalho coletivo e processos públicos de resolução de problemas; fortalecer o

sistema de controle social, à medida que professores sentem-se impelidos a se engajar

em inovações ao mesmo tempo em que apoiam uns aos outros; e criar um recurso moral

para a melhoria organizacional, por meio do comprometimento com a escola e seu

projeto educativo.

Yáñes (2010) e Fullan (2009) basearam-se em Bryk e Schneider (2002) para

reforçar a importância da confiança nas escolas que funcionam como comunidades

profissionais de aprendizagem. Segundo Fullan (2009), essas comunidades

caracterizam-se pelo envolvimento dos professores em uma experiência de aprendizado

coletivo no contexto de seu trabalho, que lhes permita conversar sobre o significado de

sua prática cotidiana; compartilhar visões, objetivos e pressupostos referentes à

aprendizagem estudantil e ao papel da escola; refletir constantemente sobre a ação;

investigar problemas, desafios e discutir soluções; indagar o que funciona para o

aprendizado, por que funciona e como fazer diferente, a partir de um ambiente que

estimule a interação significativa e a cooperação. Ele ressalta que as comunidades

profissionais de aprendizagem devem estimular trocas abertas, nas quais os professores

“possam explorar os elementos de sua própria prática que consideram eticamente

sensíveis ou problemáticos”, “demonstrar empatia pelos professores em circunstâncias

difíceis”, e simultaneamente exigir e reforçar “padrões éticos mais elevados”, cobrando

respeito “em relação a expectativas mútuas de contribuir para o aperfeiçoamento da

escola”.

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Trata-se de um ambiente em que existe um “amparo social sólido” (idem, p. 56)

para a aprendizagem social, e ao mesmo tempo um “controle compartilhado” (BRYK &

SCHNEIDER, 2002) ou uma “pressão positiva” (FULLAN, 2010) capaz de gerar uma

accountability não punitiva, cujo intuito não seja estigmatizar ou culpabilizar, mas

desenvolver comprometimento moral e sentimento de pertença, bem como capacitação

em termos de conhecimentos e recursos. Bryk e Schneider (2002, p. 123, tradução

minha) reforçam:

A confiança relacional fortalece as trocas sociais necessárias entre os

profissionais da escola que trabalham juntos, aprendendo uns com os outros

nos processos de tentativa e erro característicos da implementação de novas

práticas. Ser capaz de conversar honestamente com os colegas sobre “o que

funciona, o que não funciona” significa expor fragilidades e ignorâncias, o

que torna as pessoas vulneráveis. Na ausência da confiança, conversas

sinceras desse tipo são improváveis.

As ideias mencionadas sobre a organização do trabalho dos professores -

controle compartilhado com accountability interna, onde existe apoio para a

aprendizagem social - são elementos centrais nas comunidades profissionais.

Reconhecer isso é importante porque um corpo crescente de pesquisa durante

os anos 90 indica que a formação de comunidades profissionais fortes é

necessária para incentivar um ensino mais ambicioso em sala de aula. Assim,

a relação da confiança relacional com o funcionamento das comunidades

profissionais é bastante saliente. Em essência, a confiança funciona como um

aglutinador social necessário para que essa forma de trabalho floresça e se

mantenha.

Por fim, os autores reforçam como importantes consequências da confiança

relacional: o fortalecimento de “um sistema de controle social no qual a supervisão do

trabalho dos indivíduos não é necessária”; a coordenação de ações coletivas

significativas; e a sustentação de um imperativo ético, uma fonte moral entre os

membros da escola para fazer avançar o interesse das crianças (BRYK, SCHNEIDER,

2002, p. 34, tradução minha).

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CAPÍTULO 3. PROBLEMATIZAÇÃO E OBJETIVOS

3.1. Os Limites da Literatura sobre Confiança nas Escolas

Seguindo a linha teórica do capital social, a literatura exposta acima enxerga a

“confiança” como um recurso relacional, produto de redes e relações duráveis dentro da

escola, que fornece aos indivíduos acesso a determinados ganhos materiais e/ou

simbólicos. Nesse sentido, ela teria a função de facilitar as condições organizacionais

que levam à melhoria dos resultados acadêmicos, medidos pelo desempenho dos alunos

nas provas externas de língua inglesa e matemática.

Trata-se de uma aplicação da fórmula segundo a qual capital social (relações)

gera capital humano (conhecimento) (COLEMAN, 1988). Vistos na forma de capitais,

as relações e os conhecimentos viram inputs e outpus, ou insumos e resultados do

processo educativo, com objetivo de formar indivíduos empregáveis, detentores de

habilidades básicas de cálculo e leitura, capazes de competir satisfatoriamente no

mercado de trabalho e dar sua parcela de contribuição para o aumento da produtividade

da sociedade.

A confiança estaria, portanto, a serviço da eficiência e da produtividade escolar,

do ponto de vista estreito do aumento dos índices externos de proficiência em língua

inglesa e matemática. Aqui sinalizamos a primeira limitação dessas teorias: não há uma

problematização sobre o que é qualidade da educação para além desses índices. Ao

contrário, pressupõe-se que tais metas estejam estabelecidas a priori, não sendo

passíveis de discussão, regidas pelos princípios da neutralidade e da racionalidade

técnica.

De forma condizente com esse pressuposto, analisamos que essas teorias estão

atreladas a uma concepção de trabalho coletivo “tecnicista” (SAVIANI, 1986), o que

caracteriza sua segunda limitação. Isso significa que a função da cooperação restringe-

se a orientar esforços coletivos para a execução de finalidades elaboradas de cima para

baixo, restando à comunidade escolar no máximo refletir sobre a melhor forma de

alcançá-las. Isso fica bastante explícito, por exemplo, na concepção de “efetividade”

organizacional defendida por Forsyth et al. (2011), segundo a qual as escolas efetivas

conseguem acomodar-se e adaptar-se às exigências de mudança provenientes do

ambiente externo. Além disso, os autores defendem que a confiança é formada a partir

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do cumprimento de expectativas construídas dentro do grupo “confiante”, não havendo

espaço para o grupo “confiado” participar da definição do que se espera deles.

Assim, a ação social estaria mais próxima de uma filiação coletiva das pessoas

em torno de objetivos e papéis previamente definidos, do que de um processo de

construção negociada sobre finalidades educativas e expectativas relacionadas a papéis

sociais. Seguindo os passos da teoria funcionalista de Talcott Parsons, a literatura sobre

confiança nas escolas parece supor que as normas e papéis são determinados pelas

exigências funcionais e instrumentais do sistema, conectadas à manutenção da

estabilidade, da eficiência e da integração, sobrando pouco espaço para a agência dos

atores sociais no sentido de produzir e transformar o sistema.

Nesse sentido, é ausente a problematização sobre como a qualidade se

desenvolve em ambientes plurais, que permitem a emergência do conflito ao envolver

todos os segmentos da comunidade escolar, inclusive o poder público, nos processos de

negociação e avaliação da qualidade, de estabelecimento de metas e demandas, de

delineamento do Projeto Político Pedagógico.

É certo que as teorias sobre confiança nas escolas não deixam de sinalizar que

existem divergências entre as pessoas. Isso fica claro, sobretudo, quando Bryk e

Schneider (2002) caracterizam o tipo específico de confiança que predomina no

ambiente escolar como “confiança relacional”, diferenciando-o dos tipos “confiança

contratual” e “confiança orgânica”.

A “confiança contratual” desenvolve-se por meio de uma relação forçada

baseada em contrato, que prevê obrigações das partes envolvidas, conquista de

resultados, e sanções caso tais obrigações e resultados não sejam atingidos. A base desta

troca social é primeiramente material e instrumental. A maioria da vida social atual,

incluindo transações comerciais, baseia-se nesta forma de confiança. Podemos dizer que

as reformas gerenciais da educação, discutidas no capítulo 1, também se baseiam nessa

lógica para induzir melhorias na qualidade da educação.

Já a “confiança orgânica” assenta-se no princípio da “solidariedade mecânica”

de Durkheim (1999), pois se trata de um apoio incondicional a uma visão de mundo que

cria laços orgânicos entre pessoas muito semelhantes. Pode ser encontrada, por

exemplo, em comunidades religiosas, nas quais se acredita na moral indiscutível da

autoridade, no caráter idôneo do sistema, e nas quais existem crenças amplamente

compartilhadas que predizem a ação de seus membros.

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No entanto, segundo Bryk e Schneider (2002), para que uma escola seja

eficiente do ponto de vista de promover melhorias substantivas e duradouras, nenhuma

dessas duas formas de confiança deve predominar. Nas escolas é imperativo que se

desenvolva, pois, a confiança do tipo “relacional”. Isso porque nelas existem poucas

crenças assumidas automaticamente por todos os membros, devido à diversidade das

experiências de vida e bagagens familiares. Trata-se, assim, de um ambiente em que é

difícil nutrir consensos. Além disso, os mecanismos para se alcançar os objetivos da

escolarização são complexos, difíceis de serem medidos e claramente cobrados em

contrato. E apesar de a escola também incluir motivações de origem instrumental (os

professores se interessam pela conquista de resultados pessoais relativos, por exemplo, a

melhores salários), aqui as pessoas interagem entre si motivadas também pela satisfação

da autoestima, do status social, pela identificação com a instituição (o “sentir-se parte”),

e por interesses éticos e morais de buscar realizar o melhor para as crianças.

Bryk e Schneider (2002) reconhecem, portanto, a escola enquanto um lugar a

princípio não consensual e plural. No entanto, ao invés de considerar os conflitos como

inerentes à negociação que permeia a produção de entendimentos comuns, essa teoria

enxerga a pluralidade de visões de mundo como um “obstáculo” que deve ser removido

através de políticas de escolha e de demissão e contratação de professores, ou como um

“problema” facilmente “resolvível” com a busca pela “melhoria da qualidade” ou pelo

“melhor para as crianças”. Dessa busca, o consenso derivaria naturalmente. A busca por

esses objetivos vistos como inquestionáveis é constantemente reiterada cumprindo a

função de abafar qualquer divergência ou pluralidade de concepções do que venha a ser

“o melhor”.

Dessa forma, ao mesmo tempo em que a definição de “confiança relacional”

consegue escapar ao princípio da “solidariedade mecânica”, parece atrelar-se ao da

“solidariedade orgânica” (DURKHEIM, 1999), pois a escola é vista como um

organismo portador de diversos órgãos diferenciados, cada um com sua função, que se

executadas corretamente concorrem juntas para a manutenção da ordem e estabilidade

do sistema. Isso se manifesta na concepção de “trabalho coletivo” enquanto filiação,

adaptação, adesão de toda comunidade escolar a objetivos de aprendizagem e papéis

sociais dados a priori, previamente definidos de fora.

Por fim, a terceira limitação dessas teorias é que nenhuma delas considera o

papel do poder público em prover condições adequadas de trabalho para as escolas e

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seus profissionais; ou seja, não se discute como a confiança política ou institucional

(MOISÉS, 2005) afeta a confiança entre os atores da escola e a própria capacidade da

comunidade escolar em cumprir sua parte de responsabilidade na garantia de uma

educação de qualidade.

Portanto, a literatura sobre confiança nas escolas parece enfrentar os mesmos

tipos de limitações das teorias sobre capital social. A melhoria da produtividade escolar

seria alcançada exclusivamente através das redes de “reciprocidade” entre os membros

da comunidade escolar, relativas a obrigações e ajudas recíprocas, troca de informações

e compartilhamento de normas. Ignora-se, nessa perspectiva, a importância da esfera da

“redistribuição” para melhoria da qualidade educacional, do ponto de vista da oferta de

condições de trabalho por parte do poder público. A esfera do “reconhecimento” via

processos democráticos de negociação também não foi desenvolvida por essas teorias.

É certo que Bryk e Schneider (2002) avançam em relação a Forsyth et al. (2011)

ao incluírem a dimensão do “respeito” enquanto senso de escuta às aspirações das

pessoas, e reconhecerem a necessidade de diminuir as vulnerabilidades presentes em

relações de poder assimétricas. No entanto, eles ainda não discutem a importância da

horizontalização das relações de poder para decidir questões relativas às finalidades da

educação, às expectativas vinculadas a papéis sociais, e às próprias condições nas quais

a qualidade educacional é produzida.

3.2. Objetivos da Pesquisa

Assim como as pesquisas precedentes, pretendemos genericamente compreender

como se dá a associação entre confiança e o desenvolvimento do trabalho coletivo nas

escolas. No entanto, vale ressaltar que nosso objetivo acrescenta algo em relação ao

anterior, uma vez que a concepção de trabalho coletivo da qual partimos respalda-se nos

pilares da qualidade social, negociação e responsabilização compartilhada.

Dessa forma, o objetivo central da presente pesquisa foi analisar, na Rede

Municipal de Ensino Fundamental de Campinas, como a confiança interpessoal e

institucional relaciona-se à construção de uma concepção coletiva do trabalho escolar

pautada naqueles três pilares da AIP.

Para tanto, os objetivos específicos foram:

1. Compilar as contribuições e limitações do debate sociológico predominante

sobre confiança nas escolas e na sociedade;

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2. Mapear, na opinião dos professores, o que caracteriza/do que depende a

construção de relações de confiança entre os vários segmentos;

3. Verificar os graus de confiança dos professores em relação aos vários

segmentos;

4. Compreender a relação entre confiança interpessoal no nível da escola e

institucional entre escola e poder público;

5. Descrever a construção da confiança na prática, buscando compreender sua

relação com as potencialidades e dificuldades enfrentadas pelas escolas para consecução

de uma concepção coletiva de trabalho pautada na qualidade social, negociação e

responsabilização compartilhada.

3.3. A Busca pela Superação dos Limites

Tendo em vista esses objetivos, a pesquisa foi realizada em uma rede que de

alguma forma implementa, por meio de movimentos dialéticos de ruptura e

continuidade, os princípios da AIP, o que tenciona o entendimento corrente sobre

qualidade educacional, coletividade e confiança, dados os limites da literatura

sinalizados em tópico anterior.

A “responsabilização compartilhada” pressupõe que não podemos ignorar a

parte de responsabilidade do poder público - no caso a Secretaria Municipal de

Educação - em prover condições adequadas de trabalho para as escolas e seus

profissionais. Por esse motivo incluímos na presente pesquisa, além dos pares

“professores-professores”, “professores-pais” e “professores-equipe gestora” abordados

na literatura, o par “professores-Secretaria Municipal de Educação”, com objetivo de

compreender a relação entre os dois níveis de confiança interno e externo à comunidade

escolar.

A “qualidade social e negociada” pressupõe que a definição de qualidade vai

muito além do alcance de melhores notas em testes padronizados de português e

matemática. Existem múltiplos objetivos para a educação, e a definição do que é “o

melhor” para as crianças é necessariamente um campo em disputa. Como discutiremos

no capítulo 5, as observações em campo mostraram que as escolas, de forma mais ou

menos explícita, tocam inevitavelmente em questões espinhosas relativas à concepção

de educação, que não se encontram resolvidas a priori por políticas externas.

Por exemplo, em uma mesma escola, há professores que afirmam com toda

convicção que “o melhor” para os alunos é serem reprovados, enquanto outros

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defendem veementemente que a reprovação é nefasta e deveria ser abolida; ou

professores que defendem a importância do ensino de história da África e aqueles que

desconfiam da necessidade de abordar o racismo no currículo escolar; uns que

acreditam nos agrupamentos dos alunos por habilidades e outros que priorizam turmas

mistas.

Pode-se afirmar que nem mesmo as áreas aparentemente consensuais da

proficiência em português e matemática escapam da diversidade de visões sobre quais

práticas pedagógicas de leitura/escrita e cálculo podem levar ao “melhor” ensino-

aprendizagem. Quais textos são escolhidos para leitura e debate, quais temas são

propostos para redação, quais problemas cotidianos embasam os cálculos matemáticos,

todas essas escolhas estão embuídas de significados sobre o que é uma boa educação.

Percebe-se, portanto, que o significado de “melhor” está longe de ser

consensual, e a discussão aberta e respeitosa sobre o que é “melhoria da qualidade”

ainda é e sempre será uma necessidade imperativa nas escolas.

Da mesma forma, a discussão aberta e respeitosa também é necessária para se

deixar claro quais são as expectativas associadas a cada papel social envolvido com a

educação. Veremos que se essas expectativas não estão claras para todos os concernidos

e se são formuladas unilateralmente (sem a escuta do outro lado da relação), a

construção da confiança é dificultada.

É certo que aquilo que se espera de uma professora, uma diretora, de um

estudante ou de um pai/mãe, está em certa medida definido por um conjunto de regras

legais, institucionais e simbólicas que de alguma forma é conhecido por todos. No

entanto, essas expectativas não estão dadas de uma vez por todas e, tal como a questão

da qualidade de ensino, aquilo que se espera de um “bom pai/mãe” ou de um “bom

professor” é inevitavelmente assunto de debate nas escolas, de formas mais ou menos

explícitas. Minha pesquisa de campo mostrou uma variedade significativa de opiniões

também a esse respeito: em uma mesma escola, por exemplo, há professoras que

pensam que sua função é somente transmitir conteúdo, e outras que defendem o trabalho

com valores. No contexto atual (2018-2019) em que o Projeto Escola Sem Partido

avança no campo educacional, será ainda mais imperativa a necessidade de uma

discussão aberta e transparente sobre qual é o papel da escola e de seus profissionais,

bem como da esfera privada das famílias, na educação das crianças e jovens.

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Na perspectiva da avaliação institucional participativa, todas essas questões

precisam ser negociadas coletivamente de forma explícita, levando-se em conta a

pluralidade de visões de mundo existente nas escolas, o que não é visto como um

obstáculo; ao invés, é precisamente a participação dos diversos sujeitos e instâncias em

processos de negociação que permite o desenvolvimento pessoal e institucional. Mais

do que isso, é justamente a participação plural que permite o alcance de uma concepção

de qualidade socialmente referenciada, informada pelo compromisso com a comunidade

escolar e com a sociedade, com o acesso e a permanência de todas as crianças e jovens

na escola com direito de aprender, além de português e matemática,

conteúdos/habilidades que lhes permitam compreender/atuar sobre o mundo em que

vivemos, na perspectiva da formação humana e da justiça social.

Nesse sentido, o desafio de políticas democráticas como a AIP é concretizar

processos participativos nas escolas que sejam capazes de valorizar as diferenças que

contribuam com a riqueza humana de capacidades e conhecimentos, e ao mesmo tempo

superar os particularismos rumo ao alcance de entendimentos compartilhados sobre um

bem comum socialmente justo.

Vimos que essa construção coletiva de propósitos comuns envolve

inevitavelmente tocar em questões espinhosas relativas à concepção de educação e

ocorre dentro de um ambiente necessariamente plural e diverso, onde convivem pessoas

que desempenham diferentes papéis no cenário educacional, que provêm de diferentes

contextos sociais, econômicos e culturais e que pensam a educação de forma bastante

diferente. Nesse contexto, instigou-me compreender como pessoas tão diversas

conseguem negociar e estabelecer acordos comuns sobre a qualidade educacional

almejada. Como é possível orquestrar esses pactos em nível de rede, e em cada escola

em particular no nível de seu Projeto Político Pedagógico?

Tendo em mente esses pressupostos e inquietações, a presente tese demonstrará

que a construção coletiva do projeto político pedagógico, nos termos definidos pela

AIP, está associada ao desenvolvimento de um tipo específico de relações de confiança

- interpessoal e institucional - respaldado nos pilares da ‘reciprocidade’, da

‘redistribuição’ e do ‘reconhecimento’.

Como veremos nos capítulos a seguir, os dados confirmam que a confiança

define-se como confiar que o outro lado da relação possui ‘capacidade’ e ‘integridade’

para cumprir com ‘consideração’ e ‘respeito’ as expectativas de cooperação

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relacionadas ao alcance do bem comum; e acrescentam que o cumprimento de tais

expectativas e o consequente aprofundamento da confiança manifestam-se não apenas

pelas dinâmicas de reciprocidade, mas também de redistribuição e reconhecimento.

Concebida dessa forma, a confiança torna-se um recurso imprescindível para as

políticas educacionais que se pretendem democráticas e participativas nos moldes da

AIP.

Em outras palavras, os dados empíricos da presente pesquisa, analisados à luz

das teorias discutidas nos capítulos teóricos, permitem defender que ambientes

permeados por relações de confiança - nos quais as pessoas demonstrem possuir

competência e integridade, respeito e consideração umas pelas outras - tornam mais

provável que se empreendam discussões acaloradas e necessárias sobre os objetivos da

educação e se desenvolva compromisso com um projeto coletivo socialmente

referenciado. A formação desses ambientes, por sua vez, depende de interações

pautadas naqueles três pilares do reconhecimento, redistribuição e reciprocidade.

Um ambiente como esse regido pela confiança torna mais provável, por

exemplo, que entre os extremos da “reprovação” e da “aprovação automática” se

construam outras possibilidades que podem oferecer uma saída melhor à formação

humana dos estudantes, através da experiência de um diálogo sincero, com exposição de

fraquezas, ignorâncias e contribuições, aliado à construção de potencialidades

desestabilizadoras e de apostas de se fazer diferente e se pensar diferente.

A partir do próximo capítulo explicarei a metodologia empregada e as análises

que nos autorizam chegar a essas considerações.

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CAPÍTULO 4. ESCOLHAS METODOLÓGICAS

A pesquisa valeu-se de técnicas quantitativas e qualitativas, partindo do

pressuposto de que o dualismo entre elas é falso, uma vez que ambas se complementam

e podem ser integradas em uma mesma matriz epistemológica de análise, oferecendo

uma visão robusta do fenômeno que se pretende investigar em suas inter-relações

(GAMBOA, 2013).

O quantitativo refere-se propriamente à construção de um instrumento que

utilizou uma escala do tipo likert para medir o grau de concordância dos professores

com as afirmativas referentes à manifestação da confiança no ambiente escolar. O

instrumento foi aplicado em 559 professores de 1º a 9º anos de trinta escolas de Ensino

Fundamental da Rede Municipal de Campinas. Adotou-se essa técnica com objetivo de

mapear, na escala ampla de uma rede, qual é o nível de confiança dos professores em

relação aos diversos sujeitos/segmentos do processo educativo. Mais que isso, o

procedimento estatístico de validação do instrumento permite também dizer o que

caracteriza a construção de relações de confiança, pois a partir dele chegamos a uma

estrutura final com determinados itens/questões. São esses itens que atestam como, na

visão das centenas de professores respondentes, a confiança depende, por exemplo, do

apoio e do senso de escuta da equipe gestora, da garantia de condições de trabalho pela

Secretaria Municipal de Educação, entre outras questões.

A técnica quantitativa, no entanto, está ela mesma permeada constantemente

pelo qualitativo, desde o momento inicial de construção do instrumento, fruto de um

diálogo entre o referencial teórico e entrevistas exploratórias realizadas com trinta

professores dessa mesma rede. A partir daí foram delimitadas categorias usadas como

referência para elaboração inicial dos itens. Estes foram submetidos posteriormente à

análise de juízes, que avaliaram a pertinência teórica/conceitual dos itens apresentados,

sugerindo possíveis exclusões/modificações/inclusões que conferiram nova cara ao

instrumento. Depois que este é aplicado e validado estatisticamente, seus itens fornecem

valiosos dados que ajudam a descrever o fenômeno estudado. Por fim, o qualitativo está

presente mais uma vez no momento em que se busca compreender os achados

quantitativos em diálogo constante com o referencial teórico adotado.

Para enriquecer a descrição do fenômeno e sua análise, julgamos importante

adicionar mais uma etapa qualitativa, a imersão em campo, com objetivo de observar a

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construção de relações de confiança in loco. Essa etapa permitiu, junto com as trinta

entrevistas, compreender com mais profundidade como as características e dimensões

da confiança, confirmadas no instrumento, manifestam-se na complexidade do

cotidiano.

O cronograma da pesquisa pode ser resumido na tabela abaixo:

Tabela 1 - Cronograma Metodológico da Pesquisa

2º semestre

2015

1º semestre

2016

2º semestre

2016

1º semestre

2017

Entrevistas (30 professores)

Construção Instrumento*

Aplicação Instrumento

(30 escolas)

Observação (2 escolas)

Validação Estatística

(Análise Fatorial Confirmatória)

*Análise de conteúdo das entrevistas, revisão da literatura, elaboração de categorias e itens iniciais,

validação conceitual e semântica.

Fonte: elaboração própria

4.1. A escolha das escolas para imersão em campo

Das 41 escolas de Ensino Fundamental da Rede Municipal de Campinas,

escolhemos duas que pudessem nos fornecer ambientes diferenciados quanto à

formação da confiança. Adotamos como critério de escolha os dados do instrumento de

Qualidade Social construído na Pesquisa OBEDUC “A qualidade Social da Escola

Pública: um estudo longitudinal para sustentação da responsabilização compartilhada

em uma rede de ensino” (2014-2017), conduzido na mesma rede pelo grupo LOED da

Faculdade de Educação da UNICAMP (SORDI et al., 2017).

Nossa hipótese de que trabalho coletivo, qualidade social e relações de confiança

estão intimamente relacionados, sustenta a opção de utilizar os dados do OBEDUC

como critério para seleção das nossas escolas. O instrumento de qualidade social, ao

trazer como componente essencial a participação dos sujeitos da escola na construção

coletiva do projeto político pedagógico, foi capaz de nos prover indícios de escolas que,

caracterizadas por um trabalho mais ou menos detentor de qualidade social e de práticas

participativas, poderiam também caracterizar-se por desenvolver relações de confiança

mais ou menos significativas, provendo-nos a possibilidade de observar como a

confiança desenvolve-se em ambientes diversos do ponto de vista da qualidade social.

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O instrumento construído na Pesquisa OBEDUC pretendia avançar no esforço

de considerar a multidimensionalidade da qualidade da escola, ancorada nos princípios

da formação humana. Os pesquisadores iniciaram tal empreitada com a escuta dos

professores e equipes gestoras de oito escolas, que foram instigados a responder em

dinâmica de grupo focal: “o que sua escola faz que considera qualidade para além

daquilo que é medido atualmente nos índices de larga escala?”.

As respostas obtidas forneceram dados qualitativos que foram analisados e

categorizados em diálogo com o referencial teórico escolhido sobre formação humana, o

que forneceu base para o processo de elaboração inicial dos itens. Após validação dos

itens por meio de análise fatorial exploratória, chegou-se a cinco dimensões que

compõem o constructo “Qualidade Social”: Participação, Trabalho Coletivo, Práticas

Pedagógicas (comprometidas com a formação humana), Relação Escola-Comunidade,

Acesso e Permanência, cada uma delas composta por perguntas/itens tais como: “Os

professores desenvolvem práticas pedagógicas que estimulam a aprendizagem da

participação dos alunos?” (SORDI et. al. 2017). 33

Segundo essas dimensões, uma escola com “qualidade social” é aquela

caracterizada por uma concepção coletiva de trabalho, que possui compromisso com o

entorno social, que garante a inclusão e permanência de todos os alunos na escola com

possibilidades de desenvolver, além da proficiência em português e matemática, as

demais dimensões da formação humana relacionadas à participação política, cultural,

ética e artística na sociedade (SORDI et. al. 2017).

A opção pela escala likert permitiu que os pesquisadores chegassem a um valor

geral de Qualidade Social para a rede, e também para cada escola em particular, de

forma que quanto mais perto de cinco as escolas pontuassem, mais próximas estariam

da expectativa de qualidade social definida na pesquisa34

.

A partir do valor de cada escola, cheguei a uma classificação geral das 40

escolas da rede que participaram da pesquisa. Dessa classificação, surgiram dois grupos:

o primeiro com os “índices” mais baixos de qualidade social e o segundo com os

“índices” mais elevados. Dentro de cada grupo, as escolas não possuem diferenças

33

A definição mais detalhada de cada dimensão, com seus respectivos itens, encontra-se em Anexo 2. 34

Os detalhes da validação estatística e composição dos valores estão descritos em SORDI et. al. (2016).

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significativas35

em seus valores. Para nossos propósitos, selecionamos uma escola

pertencente a cada um dos dois grupos:

1) No grupo das “melhores classificadas” segundo os dados do OBEDUC,

escolhemos aquela que fosse maior em número de matrículas. A escola escolhida tem

1.080 alunos matriculados, é uma das maiores da rede; está localizada em região

periférica de alta vulnerabilidade social; e apesar de estar progredindo no IDEB, ainda

possui uma das piores notas da rede36

.

Motivamo-nos a escolher essa escola justamente por não se tratar de uma

situação em que todas as condições fossem favoráveis ao desenvolvimento da

confiança. A hipótese da literatura é que a confiança é mais provável de se desenvolver

em escolas pequenas e homogêneas (BRYK & SCHNEIDER, 2002). No entanto,

pretendi investigar casos em que seja possível a construção da confiança mesmo em

escolas grandes, que pressuponho sinalizarem a existência de maior diversidade de

pensamentos, visões de mundo, etc. Se pretendemos sublinhar a importância de práticas

verdadeiramente democráticas nas escolas, isso significa abrir espaço para a emergência

do conflito entre diferentes visões e concepções de educação. Assumindo então a

existência e a necessidade do conflito nesse sentido, busca-se entender como

a confiança e a concepção coletiva do trabalho se desenvolvem em contextos de

diversidade e pluralidade.

Além disso, vale ressaltar que o IDEB dessa escola, apesar de ser baixo quando

comparado com as demais a partir da lógica ranqueadora, tem crescido desde 2009 nos

anos iniciais, e desde 2011 nos anos finais. Sem contar que a escola, segundo os dados

da Pesquisa OBEDUC, apesar das adversidades, constrói uma educação de qualidade

social, caracterizada pelo trabalho coletivo comprometido com a permanência de todos

os alunos, com práticas pedagógicas voltadas a múltiplos aspectos da formação humana,

e com a comunidade do entorno (SORDI et al., 2017). Na parte da análise dos dados,

chamaremos essa escola de ESCOLA A.

35

As médias das escolas foram comparadas a partir do Independent-Samples t-Teste realizado em SPSS.

Foram comparadas entre si as escolas próximas aos valores mínimo e máximo, até que o valor de ‘p’

passasse a ser menor que 0,05, indicando diferenças significativas entre elas (DANCEY, REIDY, 2006).

Dessa forma chegamos a dois grupos, das piores classificadas e das melhores, sendo que não há

diferenças significativas entre as escolas de um mesmo grupo, à medida que na comparação entre elas ‘p’

foi maior que 0,05. 36

Disponível no site do INEP em http://idebescola.inep.gov.br/ideb/escola/dadosEscola, último acesso

em 04/12/2018.

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Posteriormente, confirmando nossa hipótese inicial, essa escola apareceu como

uma das melhores classificadas também em nosso instrumento de Confiança

interpessoal e institucional. Em uma escala de zero a seis, a pior classificada obteve

2,85 e a melhor classificada obteve 4,28. A Escola A obteve 4.

2) No grupo das “piores classificadas”, escolhemos uma escola pequena (320

alunos matriculados), com IDEB e indicador sócio-econômico medianos quando

comparados ao restante da rede municipal de Campinas37

. Segundo os dados

quantitativos do instrumento de qualidade social, a escola possui ‘trabalho coletivo’

fraco. A análise dos documentos38

que a escola apresentou à Secretaria Municipal de

Educação nas Reuniões de Negociação corrobora esse achado, pois mostra que: não há

uma avaliação sistemática sobre qualidade; as metas e ações da CPA são muito

genéricas; parece haver problemas de integração entre segmentos, como se pode ver nos

trechos abaixo. Além disso, ela “pontuou mal” também nas dimensões 'práticas

pedagógicas', 'acesso e permanência', 'relação escola-comunidade'. Na parte da análise

dos dados, chamaremos essa escola de ESCOLA B.

Na busca de autonomia e resolução de conflitos trazendo algum aprendizado, é necessário um

compromisso de toda escola e não apenas ações individuais de alguns professores (Comentário

feito por professor ao final do questionário OBEDUC, aplicado em 2016)

Enquanto a equipe gestora, o corpo docente e a comunidade não estabelecerem uma

comunicação eficiente, a qualidade da educação pública continuará deficitária (Comentário feito

por professor ao final do questionário OBEDUC, aplicado em 2016)

Ações para cumprimento das metas: mais integração entre a equipe gestora, corpo docente,

equipe de apoio, CPA, Conselho de Escola e equipe do NAED Sudoeste (Relatório de auto-

avaliação entregue à SME na ocasião de Reunião de Negociação, 2014).

Posteriormente, confirmando nossa hipótese inicial, essa escola apareceu no

grupo das piores classificadas também em nosso instrumento de Confiança interpessoal

e institucional. Em uma escala de zero a seis, a pior classificada obteve 2,85 e a melhor

classificada obteve 4,28. A Escola B obteve a “nota” mais baixa: 2,85.

37

Disponível no site do INEP em http://idebescola.inep.gov.br/ideb/escola/dadosEscola, último acesso

em 04/12/2018. 38

O núcleo de avaliação institucional da Secretaria Municipal de Educação nos disponibilizou

documentos relativos às reuniões de negociação de 2010, 2011 e 2014: planilhas e tabelas organizadas

pela SME contendo as demandas das CPAs por escola; slides apresentados pelas escolas na ocasião das

reuniões, bem como seus relatórios de auto-avaliação que embasaram a produção dos slides. Esses

documentos serviram, sobretudo, para categorização de demandas elaboradas pelas CPAs e direcionadas

ao poder público, com objetivo de mapear, junto com os dados provenientes das entrevistas, as

expectativas dos professores em relação ao poder público, o que serviu de base para elaboração dos itens

da escala sobre confiança, relativos ao par “professores-SME”. No entanto, parte desses documentos foi

usada também na presente fase de escolha das escolas, para confirmar os achados da escala de qualidade

social da pesquisa OBEDUC.

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É importante enfatizar que tal classificação foi realizada meramente para fins de

seleção das escolas, e para oferecer subsídios à análise dos processos observados em

campo. No entanto, estamos cientes das limitações desses números, que não são capazes

de captar toda a complexidade do trabalho escolar, devendo sempre ser analisados em

diálogo com dados provenientes de diversas fontes.

. . .

Essas foram, portanto, as duas escolas escolhidas, por apresentarem indícios de

que proveriam ambientes diversificados, nos quais se poderiam observar diferenças no

processo de construção de relações de confiança.

A observação iniciou-se em 25 de julho de 2016 e foi finalizada em 06 de julho

de 2017, totalizando dez meses. Acompanhei os seguintes momentos de trabalho

coletivo:

Quadro 4 - Tipos de Reuniões Observadas em Campo

TIPO DE REUNIÃO DESCRIÇÃO

TDC

(Trabalho Docente Coletivo)

- Resolução SME nº 03/2003.

- Ocorrem uma vez por semana. Costumam ser

separados: um TDC para ciclos I e II (1º a 5º

anos), outro para ciclos III e IV (6º a 9º anos),

ambos com duração de 1h50.

- Participam professores e equipe gestora.

CPA

(Comissão Própria de Avaliação)

- Estabelecida nas unidades municipais de

ensino fundamental de Campinas pela

Resolução SME nº 08/2008, como parte da

política de Avaliação Institucional Participativa.

- Previsão de convocação no mínimo uma vez

por mês, com escolha do cronograma a critério

das escolas. Há escolas que realizam toda

semana, outras a cada quinze dias, outras a cada

dois meses.

- É um espaço do qual devem participar pelo

menos um representante dos segmentos

famílias, funcionários, alunos, professores e

equipe gestora. Na prática, a participação dos

segmentos varia muito entre as escolas.

- Objetivo é estabelecer metas, indicadores,

estratégias e avaliar o alcance da qualidade

negociada.

Conselho de Escola

- Estabelecido nas unidades municipais de

Campinas pela Lei 6.662 de 10 de outubro de

1991.

- Devem ocorrer bimestralmente, com

representantes de todos os segmentos.

Reuniões de Pais

- As reuniões acompanhadas foram as reuniões

de recepção que ocorrem no início do ano

letivo, e aquelas convocadas ao final de cada

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trimestre para tomada de ciência da situação dos

filhos.

- Tais reuniões ganharam espaço na jornada dos

professores com a Lei 6894/91 que introduz o

Trabalho Docente de Atendimento Individual

(TDI), com uma ou duas horas-aula semanais,

“destinado ao atendimento de dúvidas de

alunos, aulas de reforço e aulas de recuperação

paralela, atendimento a pais de alunos e outras

atividades definidas com a equipe escolar”

(grifo meu).

- Participam pais, equipe gestora, professores e

eventualmente alunos quando convocados.

RPAI

(Reunião Pedagógica de Avaliação

Institucional)

- As RPAI ocorrem nos primeiros dias letivos e

nos últimos de cada semestre.

- Objetiva acompanhar o trabalho realizado no

âmbito da avaliação institucional e o

cumprimento de metas, como reconhecimento

dos saberes das crianças, as aprendizagens,

conhecimentos e vivências proporcionadas e

sobre as demandas formativas da Equipe

Educativa.

- Participam professores e equipe gestora.

Conselho de Classe, Série e Termo

(CCS/T)

- O CCS/T passou a ter previsão de tempo e

espaço em calendário por meio da Resolução

SME 01/2001.

- Previsão de quatro encontros anuais no

calendário letivo.

- O objetivo final é definir a situação de

aprendizagem de cada aluno.

- Participam professores e equipe gestora. Fonte: elaboração própria

As observações foram registradas em diário de campo. Segue uma tabela com a

totalidade de dias observados em cada escola, classificados de acordo com o tipo de

reunião. Observa-se que a ESCOLA A contou com mais dias e reuniões observados, já

que essa escola realizava reuniões de CPA toda semana, enquanto a ESCOLA B

realizou apenas três CPAs no segundo semestre de 2016 e nenhuma no primeiro

semestre de 2017.

Tabela 2 - Quantidade de observação nas duas escolas

ESCOLA A ESCOLA B

TDCs (1º a 5º anos) 13 10

TDCs (6º a 9º anos) 9 13

CPAs 18 2

Reuniões de Pais 3 4

Conselhos de Escola 2 2

Conselhos de Classe 3 2

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RPAIs 2 3

Outras39

0 1

TOTAL (reuniões) 50 37

TOTAL (dias) 42 37

TOTAL (horas) 100 horas 74 horas

174 horas de observação

Fonte: elaboração própria

4.2. Construção do Instrumento (Fase Preliminar)

Construímos um instrumento com intuito de avaliar a confiança dos professores

em relação a cada um desses segmentos: demais professores; equipe gestora;

pais/responsáveis; Secretaria Municipal de Educação (SME). Para todos os pares

elaboramos itens referentes a cada uma das quatro dimensões ‘Competência’,

‘Integridade’, ‘Consideração’, ‘Respeito’, elaboradas inicialmente por Bryk e Schneider

(2002) e confirmadas no presente estudo por meio da análise de conteúdo das

entrevistas e da análise estatística, conforme será explicado.

Para a construção e validação deste instrumento, seguimos os passos propostos

por Netemeyer et al. (2003) e Pasquali (1998). O primeiro deles foi a revisão da

literatura, que nos permitiu tomar conhecimento de dois instrumentos já criados por

pesquisadores internacionais sobre confiança interpessoal no âmbito das relações

internas à escola (BRYK & SCHNEIDER, 2002; HOY & TSCHANNEN-MORAN,

2007).

Segundo Pasquali (1998), além da literatura, a entrevista (levantamento junto à

população-meta) também é uma fonte valiosa para a construção de itens para medição

de fenômenos. Considerando que a realidade da rede municipal de Campinas traz

riquezas únicas à compreensão do fenômeno da confiança, optamos por não realizar

uma mera tradução de itens já criados pelas pesquisas internacionais; ao invés,

apostamos que a realização de entrevistas semi-estruturadas com professores da RMC

trariam importantes elementos para caracterizar o processo de construção da confiança,

enriquecendo o trabalho de formulação dos itens.

Escolhemos as(os) professoras(es) como foco das entrevistas, uma vez que essa

categoria de profissionais foi eleita pela literatura como o principal grupo “confiante”

(aquele que confia) em torno do qual se relacionam as demais categorias de

“confiados”. Apesar de ser possível e necessário pensar em outras configurações que

39

Dia da Consciência Negra, observado apenas na escola B.

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privilegiem outros grupos como “confiantes”40

, na presente tese optamos por reforçar a

centralidade conferida ao professorado, e, mais que isso, incluímos a escuta de suas

vozes como parte da construção do instrumento, pois compartilhamos a posição de

Simões (2018), segundo a qual:

A investigação sobre as vozes docentes é relevante no debate educacional

não apenas por serem elas(es) as(os) principais agentes da educação escolar

na relação direta com estudantes e como implementadoras(es) das políticas,

mas também porque há uma cultura de silenciamento desses atores que lhes

nega a condição de sujeito. Esse tratamento aplicado às opiniões docentes

impacta diretamente na valorização do discurso docente e,

consequentemente, a participação desses atores em decisões políticas que

influenciam e formulam as políticas educacionais e a qualidade da educação.

Escolhemos trinta professores de nove escolas aleatórias41

da RMC, conforme

indicações de colegas e disponibilidades manifestas pelas equipes gestoras, buscando

apenas observar o critério da diversidade de regiões (ao menos uma escola por NAED).

O contato inicial foi feito com a diretora e/ou Orientadora Pedagógica de cada escola.

As(os) professoras(es) também foram aleatoriamente escolhidas(os), conforme

disponibilidade e interesse, buscando garantir o critério de serem efetivos e com no

mínimo três anos de RMC. Abaixo, segue um quadro com informações sobre quem são

esses sujeitos entrevistados. Alguns poucos fogem a esse critério geral (uma professora

adjunta, e dois com um ano de rede municipal), pois manifestaram especial interesse em

participar da pesquisa.

Quadro 5 - Professores entrevistados na fase exploratória

NAED Escola Descrição do professor Anos como docente na

RMC

LESTE

(5 professores)

ESCOLA C

(4 professoras)

Ciclos III e IV

(adjunto)

Português

8 anos

8º e 9º anos

Português 3 anos

Educação Especial 19 anos

8º e 9º anos

Português

1 ano

(Experiência anterior de três

anos na rede de São Paulo).

40

Pesquisadores ligados à corrente de Wayne Hoy introduziram na década de 2000, a partir da

Universidade do Estado de Oklahoma, os primeiros estudos que usavam outros grupos como

“confiantes”: eles investigaram a confiança dos pais na escola e no diretor, e dos estudantes no diretor, e

suas correlações com a já conhecida confiança dos professores e com uma série de resultados escolares

como eficácia docente coletiva (FORSYTH et al., 2011). 41

As escolas A e B do campo não estão entre as nove escolas escolhidas para as entrevistas exploratórias.

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ESCOLA D

(1 professora) Ciclo I 20 anos

SUDOESTE

(5 professores)

ESCOLA E

(1 professor)

7º ano.

História 24 anos

ESCOLA F

(4 professoras)

7º anos e EJA.

Português. 15 anos.

9º e 8º anos

Português. 15 anos

6º ao 9º e do EJA.

Artes. 12 anos

6º e 8º. Português. 7 anos

NORTE

(6 professores)

ESCOLA G

(3 professores)

Ciclo II 5 anos

Ciclo I. 15 anos

Ciclo I e II 5 anos

ESCOLA H

(3 professores)

Ciclo I 5 anos

6º e 7º anos. História. 15 anos

Ciclo I e II. 15 anos

NOROESTE

(8 professores)

ESCOLA I

(6 professores)

Ciclo III e IV 12 anos

1º ano 12 anos

Educação Física 24 anos

6º e 9º ano. Matemática 21 anos

Ciclo II e IV

Português 22 anos

3º ano 5 anos

ESCOLA J

(2 professoras)

3º e 2º anos 16 anos

Ciclo I 15 anos

SUL

(6 professores)

ESCOLA K

(6 professores)

3º ano 12 anos

2º ano 15 anos

Ciclo I 12 anos

Ciclo I 3 anos

5º ano. 5 anos

Ciclos III e IV

1 ano

(experiência anterior na rede

estadual: entrou em 1992)

Fonte: elaborado pela pesquisadora.

As trinta entrevistas semi-estruturadas foram realizadas entre outubro/2015 a

dezembro/2015, com duração média de 40 minutos por entrevista. Tendo em vista que a

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confiança é construída em cima das expectativas vinculadas a papéis sociais, as

perguntas norteadoras foram as seguintes:

1. Quais expectativas você possui em relação à equipe gestora?

- Do que você acha que depende a construção de relações de confiança com a

equipe gestora?

2. Quais expectativas você possui em relação aos colegas professores?

- Do que você acha que depende a construção de relações de confiança com os

colegas professores?

3. Quais expectativas você possui em relação aos pais/responsáveis?

- Do que você acha que depende a construção de relações de confiança com os

pais/responsáveis?

4. Quais expectativas você possui em relação à SME?

- Do que você acha que depende a construção de relações de confiança com a

SME?42

As dúvidas mais recorrentes dos professores eram em relação à abrangência do

universo de cada segmento (todos os pais? só os professores do meu ciclo? Só OP ou

diretora também?), ao que eu reagia dizendo para tentarem responder tendo em mente o

segmento como um todo. Obviamente em alguns momentos os entrevistados recorriam

a figuras específicas. No entanto, isso não foi visto como um obstáculo, sendo

incorporado posteriormente na análise dos dados e construção dos itens (por ex., foram

elaborados itens específicos para a OP e diretora, junto com itens sobre a equipe gestora

como um todo). Tomei apenas o cuidado para deixar claro que não se tratava de pensar

em tal ou qual OP específica, mas no cargo/função de OP, e que tampouco se tratava de

fazer uma avaliação sobre o desempenho de tal ou qual OP específica, o que se aplicou

para todos os segmentos. Por fim, também orientei que pensassem em expectativas

plausíveis, ou seja, naquilo que esperam e acreditam que podem conseguir.

As entrevistas foram registradas pela pesquisadora no computador conforme o

sujeito se expressava. Esse procedimento traz vantagens e desvantagens em relação à

gravação/transcrição. A desvantagem é que algumas falas do sujeito entrevistado

escapam, enquanto a gravação permite obter um registro mais fiel e completo. No

entanto, dado o caráter exploratório das entrevistas, optamos pela vantagem desse

42

As perguntas marcadas com hífen representam uma forma alternativa de perguntar a mesma coisa,

visando a confirmar/reforçar as respostas à pergunta anterior e introduzir novos elementos não captados

pela pergunta anterior.

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procedimento, já que ele permite maior rapidez em coletas extensas e agiliza a análise

(LUDKE, 1986). Buscamos minimizar a desvantagem de perda de informações, uma

vez que o registro foi feito de forma bastante atenta pela pesquisadora, visando a

preservar o essencial das falas dos sujeitos entrevistados.

As respostas dos sujeitos foram categorizadas segundo procedimento de análise

de conteúdo descrito por Bardin (2004). Primeiro, fizemos uma leitura atenta a cada

entrevista individualmente, organizando os tipos de expectativas dos sujeitos para cada

par de relação (professores - professores; professores - equipe gestora, professores -

pais/responsáveis, professores - SME). Posteriormente, realizamos uma leitura

transversal dessas expectativas sistematizadas, o que nos permitiu formar categorias

gerais que dessem conta de agrupar, por semelhança de conteúdo, os tipos de

expectativas de todos os sujeitos entrevistados.

Em relação à equipe gestora, por exemplo, as categoriais emergentes foram:

Apoio aos professores (materiais, ideias); Mediação com SME; Abertura a mudanças;

Preocupação com os alunos; Consideração (com o ser humano e com o profissional);

Respeito (à competência profissional e às características individuais); Abertura ao

diálogo; Compromisso com trabalho coletivo; Sintonia dentro da equipe gestora;

Integridade (intersecção entre discurso e prática, clareza no que acredita e nas próprias

ações, compromisso com a educação e com a escola); Competência; Flexibilidade.

Construímos uma tabela com três colunas, relacionando 1. o nome da categoria; 2. as

falas dos entrevistados que caracterizam a categoria; 3. os entrevistados responsáveis

pelas falas de cada categoria. Aquelas com poucas falas/sujeitos, como “Flexibilidade”,

quando não se mostravam claras ou não tinham relação com a literatura, foram

descartadas.

Por fim, após construção dessas categorias iniciais para cada par de relação,

chegou o momento de construir as categoriais finais, que dessem conta de perpassar

todos os pares. Nesse momento, fizemos o diálogo entre nossas categorias e as da

literatura. Percebemos que as quatro categorias da corrente de Chicago (Integridade,

Competência, Consideração, Respeito) eram mais completas e densas quando

comparadas com as seis facetas da corrente de Wayne Hoy (Reliability, Benevolence,

Openness, Competence, Willing to Risk, Honesty), uma vez que aquelas primeiras

conseguiam abranger tanto as nossas categorias elaboradas a partir das entrevistas,

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quanto as construídas por Wayne Hoy, oferecendo-nos uma organização mais

parcimoniosa e completa das várias características da confiança.

A dimensão “Respeito” não aparece em Wayne Hoy, por exemplo, mas nos é

bastante cara, considerando os dados das entrevistas e a concepção de trabalho coletivo

que nos embasa. A definição da dimensão “Consideração” consegue abranger as

definições de Openess e Benevolence; da mesma forma, a definição de “Integridade”

abrange Honesty e Reliability, além de abordar a construção de entendimentos coletivos,

o que não é mencionado em nenhuma faceta da corrente de Wayne Hoy.

Os dados de nossas entrevistas corroboram que a definição de Bryk é mais

completa, pois contempla importantes aspectos que apareceram nas falas dos

professores de Campinas, relativos ao comprometimento da equipe gestora e dos

colegas com a educação, com os acordos coletivos da escola, com a formação e o bem

estar das crianças. Em nossos dados, isso envolve estar aberto a pensar novas formas de

trabalhar; tratar as crianças com respeito; agir conforme o que foi acordado

coletivamente; e ter disposição para compartilhar experiências de sala de aula, pensar e

fazer projetos em conjunto, no caso dos professores.

Mais que o cumprimento dos pactos, apareceu em nossas entrevistas que a

equipe gestora precisa incentivar uma concepção coletiva de trabalho, abrindo espaços e

momentos de discussão em que todos possam participar na definição das questões da

escola e do sentido do Projeto Político Pedagógico. Essa questão não aparece em

nenhuma das duas correntes da literatura.

O mais próximo a isso é a definição de “Integridade” de Bryk e Schneider

(2002), quando eles se referem a “compartilhamento de visões comuns”. No entanto,

essa definição não deixa claro o sentido plural da “negociação” que permeia a

construção de visões comuns, e também não é explorada pelos pesquisadores nos itens

de seus instrumentos de medição. Os itens também não exploram: o comprometimento

com novas ideias e com a reflexão constante sobre o próprio trabalho, o compromisso

com as crianças, nem a disposição em compartilhar práticas e experiências.

Ambas as correntes consideram a importância de algumas dessas questões para a

melhoria da “produtividade” da escola, mas elas são colocadas em um constructo à parte

da confiança. No caso de Bryk e Schneider (2002), esse constructo chama-se “condições

organizacionais”, composto por diferentes instrumentos que medem: 1. orientação à

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inovação; 2. colaboração entre os pares; 3. diálogo reflexivo; 4. foco nos estudantes 43

,

entre outros. Esse constructo relaciona-se com a ‘confiança relacional’ na medida em

que as escolas caracterizadas por essas condições costumam apresentar graus elevados

de confiança44

.

Da mesma forma, a corrente de Wayne Hoy considera outro constructo,

chamado “clima escolar”, no qual aparecem algumas menções ao trabalho coletivo.

Tarter et al. (1989) definem “clima engajado” como aquele no qual os professores são

extremamente orgulhosos de sua escola, gostam de trabalhar uns com os outros, se

apoiam mutuamente, se preocupam uns com os outros e são comprometidos com os

estudantes. O “clima apoiador”, por sua vez, é definido como aquele no qual o diretor

ajuda os professores, preocupa-se com seu desenvolvimento profissional e pessoal, e

motiva-os usando críticas construtivas. Os autores concluem que há uma relação entre

os constructos ‘clima’ e ‘confiança’, à medida que quanto mais “engajado” e “apoiador”

for o clima, maior a confiança nos pares e no diretor.

No entanto, em nossos dados essas questões apareceram como fazendo parte

intrinsecamente do processo de construção da confiança. Os professores diziam que,

para confiarem em seus pares, por exemplo, estes precisavam comprometer-se com as

crianças, estar dispostos a trabalhar coletivamente, compartilhar experiências, e repensar

constantemente o próprio trabalho, uma vez que isso é considerado um sinal de

comprometimento com a educação.

Assim, itens relacionados a essas questões foram incluídos em nosso

instrumento, na dimensão “Integridade”. Além dessa dimensão, nossa definição das

outras (Respeito, Competência, Consideração) também bebeu nas fontes de Bryk e

Schneider (2002); porém julgamos importante refinar as definições de cada dimensão

para atender aos nossos princípios, relacionados a um tipo de trabalho coletivo que

envolve, além do “compartilhamento de visões”, os processos de negociação que

permitem chegar a objetivos comuns socialmente referenciados. Referir-se meramente a

“compartilhamento de visões” pode remeter a que apenas uma pessoa ou um grupo

43

1. Se os professores estão dispostos a assumir riscos e buscar novas ideias; 2. Se os professores fazem

projetos juntos, coordenam seu trabalho com o de outros anos; 3. Se os professores conversam sobre os

objetivos da escola, concepções de ensino-aprendizagem, desenvolvimento de novos currículos, sobre

práticas que ajudam os alunos a aprenderem melhor; 4. Se a escola foca no que é melhor para o

aprendizado dos estudantes, estabelece objetivos elevados de aprendizagem acadêmica, e preocupa-se em

desenvolver habilidades sociais nos estudantes. 44

A correlação entre os constructos foi feita com base em sucessivas medidas ao longo do tempo, e

controlando variáveis relacionadas a diversos aspectos da composição e características escolares.

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dentro da escola decide o que deve ser feito e os outros necessariamente aderem à ideia,

que pode limitar-se à busca pelo aumento dos índices de proficiência em português e

matemática.

Por fim, foi nesse diálogo entre nossas concepções, os dados provenientes das

entrevistas, e a literatura da área que construímos nossos itens, e confirmamos a

pertinência daquelas quatro dimensões para caracterizar o fenômeno da confiança. Foi

dado, assim, o primeiro passo na confirmação de que a construção da confiança

depende, na visão dos professores, de manifestações de respeito, consideração,

integridade e competência. Essas dimensões fizeram sentido para todos os pares de

relação, inclusive para o par “professores - Secretaria Municipal de Educação (SME)”,

mesmo este não sendo abordado pela literatura. Ou seja, as categorias iniciais que

elaboramos para todos os pares mantinham relação clara com a definição das quatro

dimensões, ainda que estas tenham adquirido novas nuances para conseguir abarcar

todas as categorias provenientes das entrevistas.

Os itens relacionados à “confiança institucional” surgiram da análise das

entrevistas e das demandas negociadas pelas CPAs nas Reuniões de Negociação com a

SME. Tivemos acesso a essas demandas através dos documentos das reuniões de 2010,

2011 e 2014 disponibilizados pelo Núcleo de Avaliação Institucional da Secretaria45

.

Consideramos basicamente essas duas fontes (entrevista e análise documental) para

compor os itens da relação “professores - SME”, dado que a literatura sobre confiança

política nas instituições não destrincha as expectativas que os professores possuem em

relação a esse órgão específico (NEWTON & NORRIS, 2000; MOISÉS &

CARNEIRO, 2010).

Ao invés, a metodologia de pesquisa principal utilizada por essa literatura é a

análise de dados provenientes de questionários (Latinobarômetro ou World Values

Survey) que medem valores e adesão das pessoas à democracia. Para captar o grau de

confiança dos cidadãos nas instituições democráticas, as pesquisas geralmente recorrem

à seguinte pergunta dos questionários: “Qual seu grau de confiança nas seguintes

instituições: polícia, parlamento, partidos etc”? Ou seja, trata-se de perguntas muito

diretas, que não destrincham os componentes da construção de relações de confiança, e

abrangentes, que não se referem a órgãos municipais de áreas de atuação específicas.

45

O núcleo de AI nos cedeu: slides apresentados pelas escolas na ocasião da RN em 2014; planilhas com

as demandas de 2014 organizadas por tipo de demanda; folhas impressas com tabelas das demandas de

2010 e 2011 organizadas por escola; vídeos das Reuniões de Negociação de 2014.

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No quadro seguinte, podem-se visualizar as definições das dimensões a que

chegamos, junto com a primeira versão dos itens que elaboramos para cada uma das

dimensões.

Quadro 6 - Instrumento Confiança (primeira versão)

PROFESSOR-DIRETOR

Dimensões Itens

CONSIDERAÇÃO

Quanto os professores percebem que a equipe gestora

se preocupa com eles enquanto seres humanos, que

está disposta a ajudá-los e apoiá-los em suas

atividades profissionais, atender a seus interesses e

necessidades, realizar ações de cuidado para além

daquilo que é formalmente estabelecido. Trata-se, em

suma, de um senso de preocupação e consideração

pela pessoa e pelo profissional.

1. A equipe gestora preocupa-se com

o bem estar pessoal dos professores.

2. A equipe gestora sempre apoia os

professores em nosso trabalho

cotidiano.

3. A equipe gestora é bastante

acessível quando precisamos

conversar sobre nossas práticas

pedagógicas.

4. A equipe gestora preocupa-se mais

em resolver questões burocráticas do

que em dar apoio pedagógico aos

professores.

5. A equipe gestora preocupa-se com

nosso desenvolvimento profissional.

6. A equipe gestora repassa

informações importantes aos

professores (por ex. sobre nossa vida

funcional, sobre o que está

acontecendo na rede etc.)

RESPEITO

Avalia como a conversa ocorre entre as partes, se

existe um senso de escuta em relação ao que as

pessoas pensam e dizem. Os professores precisam

sentir-se à vontade para expressar suas inquietações e

preocupações relativas à educação das crianças e ao

ambiente de trabalho. Essa abertura assinala que os

pensamentos e ideias de cada pessoa têm valor.

7. A equipe gestora sempre respeita

os professores.

8. A equipe gestora dá bastante

liberdade para os professores se

colocarem, pautarem questões,

opinarem.

COMPETÊNCIA

Competência na execução das responsabilidades que

a função requer. Avalia-se quanto a equipe gestora é

capaz de atingir objetivos de aprendizagem para as

9. A equipe gestora é competente na

execução de suas responsabilidades.

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crianças e resultados relativos às condições de

trabalho docente; se é eficiente em gerir recursos e

articular a equipe de profissionais da escola. Na

contrapartida, os professores precisam sentir que o

gestor confia no trabalho docente.

10. A equipe gestora confia no

trabalho dos professores.

INTEGRIDADE

Além da avaliação da consistência entre o que se fala

e o que se faz, avalia-se quanto a equipe gestora

possui comprometimento com os princípios da escola

e os interesses das crianças e jovens. Os professores

precisam sentir que a equipe gestora preocupa-se

com os alunos, sem discriminações e pré-

julgamentos; compromete-se em fomentar uma

concepção coletiva de trabalho; tem clareza quanto

aos combinados e propósitos da escola e age de

forma coerente com eles, tendo como horizonte a

formação humana e o bem-estar das crianças e

jovens.

11. Há coerência entre o discurso da

equipe gestora e suas ações.

12. A equipe gestora age de forma

coerente com aquilo que foi

combinado e acordado coletivamente.

13. A equipe gestora trata todos os

alunos com respeito.

14. A equipe gestora compromete-se

seriamente com todos os alunos.

15. A equipe gestora coloca seus

interesses pessoais e/ou políticos

acima das necessidades dos alunos.

16. A equipe gestora alimenta o

trabalho coletivo, incentivando a

participação de todos na definição do

Projeto Pedagógico da escola.

17. A equipe gestora traz as decisões

prontas, desencorajando momentos

coletivos de discussão sobre as

questões da escola.

18. Há uma nítida falta de sintonia

dentro da equipe gestora da minha

escola.

PROFESSOR-PROFESSOR

Dimensões Itens

CONSIDERAÇÃO

Quanto os professores percebem que os colegas se

preocupam com eles e estão dispostos a realizar

ações de cuidado para além daquilo que é

19. As(os) professoras(es) nessa escola

realmente se importam uns com os

outros.

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formalmente estabelecido. É preciso que os

professores se ajudem e sejam solidários, que haja

uma norma de reciprocidade entre eles, que olhem

para as necessidades uns dos outros.

20. Os professores podem contar

sempre com a ajuda uns dos outros

na condução do trabalho cotidiano da

escola.

RESPEITO

Inclui avaliar como a conversa ocorre entre as partes

e se existe um senso de escuta e de consideração em

relação ao que os colegas pensam e dizem. Trata-se

de um respeito às diferenças de pensamento; ter

educação e cautela na forma de abordar questões e

resolver problemas; estar aberto a ouvir o que o outro

pensa e aprender com o outro, afastando a postura de

achar que já se sabe tudo e está sempre certo.

21. Os professores respeitam uns aos

outros.

22. Os professores estão sempre

dispostos a se ouvir para aprender

uns com os outros.

23. Os professores nunca ouvem uns

aos outros, pois acham que os outros

professores têm pouco a contribuir.

24. Sinto-me à vontade para expor

aos meus colegas as fragilidades e

dificuldades do meu trabalho.

COMPETÊNCIA

Competência na execução das responsabilidades que

a função docente requer. A avaliação quanto à

competência passa por quanto se percebe que o outro

é capaz de atingir objetivos de aprendizagem para os

alunos, oferecendo-lhes oportunidades significativas

e promovendo um ambiente adequado de

aprendizagem.

25. Os professores dessa escola são

profissionais competentes.

INTEGRIDADE

Avalia-se quanto o outro possui comprometimento

com os princípios da escola e os interesses das

crianças e jovens. Para que os professores sintam que

os colegas possuem integridade, estes precisam

querer trabalhar coletivamente, compartilhando

visões comuns e agindo de acordo com essas visões;

precisam mostrar que possuem compromisso com a

formação humana dos alunos, respeito por eles e suas

famílias; abertura para repensar o próprio trabalho;

disposição para trocar, compartilhar experiências de

sala de aula, pensar e fazer projetos em conjunto.

26. Os professores nunca desistem

dos alunos, fazendo o máximo para

contribuir com a formação de todos.

27. Os professores tratam todos os

alunos com respeito.

28. Os professores colocam seus

interesses pessoais acima das

necessidades dos alunos.

29. Os professores comprometem-se

em aprimorar constantemente seu

trabalho.

30. Os professores cumprem os

combinados coletivos, mesmo quando

isso significa abrir mão de suas

opiniões individuais.

31. Os professores se “fecham em

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suas salas de aula” e se recusam a

trabalhar coletivamente com os

colegas.

32. Os professores estão dispostos a

desenvolver propostas de trabalho em

conjunto com os colegas.

33. Os professores nessa escola

confiam uns nos outros.

PROFESSOR-PAIS/RESPONSÁVEIS

Dimensões Itens

CONSIDERAÇÃO

Por um lado, os professores precisam sentir que os

pais/responsáveis apoiam o trabalho do professor. Do

outro lado, a escola precisa realizar ações visando

fazer as famílias sentirem-se mais confortáveis. Essas

ações são interpretadas como expressão de intenções

benevolentes, assinalando que a escola possui um

senso genuíno de consideração pelas famílias dos

estudantes, e que realmente se preocupa com as

crianças e jovens.

34. Sinto que posso contar com o

apoio dos pais/responsáveis para

realização do meu trabalho.

35. Os professores dessa escola

realmente se importam com a

comunidade que atendem.

36. Os professores empenham-se

continuamente em aproximar os

pais/responsáveis da vida escolar.

RESPEITO

Inclui avaliar como a conversa ocorre entre as partes

e se existe um senso de escuta e de consideração em

relação ao que as pessoas pensam e dizem. Os

professores precisam ouvir os pais, suas opiniões e

vivências, bem como as dificuldades e problemas

que enfrentam e que podem interferir na

aprendizagem do aluno. Os pais, por sua vez,

precisam atender aos chamados dos professores e

ouvir o que estes têm a dizer. A existência de

conversas genuínas desse tipo assinala que os

pensamentos e ideias de cada pessoa têm valor.

37. Os professores dessa escola

sempre respeitam os

pais/responsáveis.

38. Os professores dessa escola ouvem

com atenção o que os

pais/responsáveis têm a dizer sobre a

educação dos seus filhos.

39. Sinto-me respeitado pelos

pais/responsáveis.

40. Sinto que os pais/responsáveis são

abertos a ouvir o que nós professores

temos a dizer sobre a educação de

seus filhos.

COMPETÊNCIA

A avaliação quanto à competência passa por quanto

se percebe que o outro é capaz de atingir objetivos de

formação para os alunos. Os professores precisam

sentir que os pais/responsáveis conseguem executar

41. Os pais/responsáveis cumprem

sua parte de responsabilidade na

educação das crianças/jovens.

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sua parte de responsabilidade na educação das

crianças, provendo-lhes as necessidades básicas

(como colocá-las pra dormir em horários estipulados

e não deixá-las atrasar na escola). Por outro lado, os

pais precisam acreditar que os professores são

profissionais competentes que merecem sua

confiança.

42. Os pais/responsáveis confiam no

trabalho dos professores dessa escola.

INTEGRIDADE

Avalia-se compromisso com o trabalho coletivo e

com os interesses das crianças/jovens. É preciso que

os pais/responsáveis mostrem comprometimento com

seus filhos e com o trabalho da escola, entendendo-o

como um trabalho coletivo do qual precisam

participar. Eles devem estar presentes na escola, nas

festas, eventos, reuniões de pais, e demais espaços

destinados à construção coletiva sobre a educação

que se quer para as crianças. Professores e

pais/responsáveis precisam pensar juntos, pactuando

entendimentos comuns a respeito dos propósitos da

escola.

43. Os pais/responsáveis dão o seu

melhor para ajudar seus filhos a

aprender.

44. Os pais/responsáveis preocupam-

se em acompanhar a vida escolar de

seus filhos.

45. Os pais/responsáveis fazem o

possível para participar das reuniões

da escola.

46. Os pais/responsáveis mostram

interesse pelos assuntos da escola.

47. Professores e pais/responsáveis

consideram-se parceiros na educação

das crianças/jovens.

PROFESSOR - SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO

Dimensões Itens

CONSIDERAÇÃO

É necessário que haja uma pessoa física (no caso, o

supervisor) que esteja próxima à realidade da escola,

conhecendo o que nela acontece, o trabalho que ela

desenvolve, quais problemas enfrenta, quais são suas

necessidades, bem como conversando com os

professores sobre a prática pedagógica que realizam,

suas conquistas e dificuldades. Manifesta-se no apoio

dado à escola para ajudar a resolver problemas e

respaldar o seu trabalho pedagógico cotidiano, com

objetivo de dar uma atenção adequada aos alunos, ao

bom andamento das relações e do local de trabalho.

Essa postura denota preocupação e cuidado com as

pessoas, para além daquilo que é formalmente

estabelecido. Os professores percebem que há esse

tipo de apoio:

1. Pela prontidão dos supervisores em comparecer à

escola quando são solicitados para ajudar a resolver

48. O(a) supervisor(a) conhece de

perto a realidade de nossa escola.

49. O(a) supervisor(a) mostra

prontidão em comparecer à escola

quando é solicitado(a) para resolver

algum problema.

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algum problema;

2. Quando ajudam a pensar junto o que a escola pode

fazer para o aluno melhorar seu aprendizado e seu

relacionamento com as pessoas e, quando é o caso,

agilizam ações de articulação intersetorial para

encaminhar questões de saúde, familiares, de

violência, que afetam a vida escolar dos alunos.

3. Pela ajuda que oferecem para lidar com problemas

de evasão e infrequência;

4. Quando ajudam a resolver questões de

relacionamento interpessoal entre a equipe através de

conversas e reuniões com o coletivo escolar;

5. Oferecem apoio quando a escola está passando por

alguma mudança e precisa repensar a organização

dos tempos e turmas.

50. O(a) supervisor(a) nunca está

conosco nos momentos em que a

escola está passando por dificuldades.

51. O(a) supervisor(a) zela pelas

necessidades da nossa escola.

RESPEITO

Inclui avaliar como ocorre a conversa entre as partes.

Os professores esperam que a SME os chame para

“construir junto”, considerando sua voz no processo

de tomada de decisões a respeito de questões que

impactam seu trabalho e a qualidade da educação.

Trata-se de uma postura de escuta e consideração -

por meio de Conselhos, Comissões, Conferências -

em relação ao que a comunidade escolar pensa e

julga necessário para a melhoria da educação.

52. A SME cria espaços e

oportunidades para ouvir a opinião

dos professores sobre questões que

impactam a qualidade da educação.

53. A voz dos professores é

considerada pela SME nos processos

de tomada de decisões.

COMPETÊNCIA

Diz respeito à competência na execução das

responsabilidades que a função requer. Avalia-se

quanto a SME é capaz de atingir condições

adequadas de trabalho, que valorizem o professor

enquanto profissional e garantam o atendimento das

necessidades da escola. Manifesta-se nos seguintes

aspectos:

- Infra-estrutura física (quadras cobertas, salas de

aula em número suficiente, laboratórios de

informática e de ciências bem equipados etc);

- Recursos humanos (quadro completo de professores

e funcionários);

- Recursos, equipamentos e materiais adequados;

- Condições adequadas para formação profissional e

realização de projetos na escola

- Valorização do professor em termos de salário,

carreira, jornada.

- Número adequado de alunos por sala.

54. A SME cumpre adequadamente

sua parte de responsabilidade na

garantia de uma educação pública de

qualidade.

55. No que se refere à infra-estrutura,

a SME oferece boas condições de

trabalho para nossa escola.

56. No que se refere a recursos

humanos, a SME oferece boas

condições de trabalho para nossa

escola.

57. Em termos de

salário/jornada/formação, os

professores têm boas condições de

trabalho nessa rede.

58. A Secretaria de Educação me

valoriza enquanto profissional.

INTEGRIDADE

Avalia-se quanto a SME assume uma postura de

defesa da qualidade da educação, colocando “os

alunos em primeiro lugar”. Ou seja, os entrevistados

59. Eu confio na Secretaria Municipal

de Educação.

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esperam que a SME olhe menos para a questão

financeira e política (redução de gastos, manutenção

em cargos, propaganda eleitoral, mero aumento de

índices) e se preocupe mais em investir de fato na

qualidade da educação, o que se manifesta na

garantia de condições para que as escolas funcionem

adequadamente.

60. A SME coloca a qualidade da

educação acima de interesses políticos

e financeiros.

Fonte: elaborado pela pesquisadora.

Como já explicado, as entrevistas semi-estruturadas com professores foram uma

das bases para construção do instrumento acima. Para além dessas entrevistas,

realizamos outras entrevistas menos estruturadas com seis Orientadoras Pedagógicas46

e

três Coordenadores Pedagógicos47

. Diferentemente do objetivo das entrevistas

realizadas com os professores, o objetivo dessas entrevistas foram mais difusos, pois

senti a necessidade de entender melhor, junto aos CPs, como se organizavam na prática

algumas questões da rede, e, junto aos OPs, como se dava concretamente a relação do

poder público com as escolas.

Cinco OPs foram escolhidas aleatoriamente, a partir de contatos e conforme

disponibilidades, tomando cuidado apenas para que fosse uma por NAED. Todas

tinham no mínimo um ano como OP na rede. Essas entrevistas foram realizadas na

mesma época das entrevistas com os professores. Apenas a sexta OP foi escolhida

especificamente por fazer parte da escola que atingiu o maior grau de confiança

segundo o instrumento dessa pesquisa. Essa entrevista foi realizada, então, após

validação estatística do instrumento, em abril de 2017. Nesse caso, perguntamos

primeiro se ela achava que esse número de fato representava a realidade da escola, e,

segundo, ao que ela atribuía a elevada confiança entre os sujeitos.

Quanto aos CPs, uma delas fazia parte do núcleo de avaliação institucional, a

quem fizemos perguntas específicas relativas ao andamento da política na rede,

sobretudo, quanto às reuniões de negociação. Outro fazia parte do núcleo de currículo, e

ajudou a implementar a política de AIP no NAED do qual fazia parte em 2009. Para ele

perguntei sobre as mudanças nas atribuições dos supervisores e coordenadores

pedagógicos. Essas duas entrevistas foram realizadas no mesmo período das entrevistas

com os professores. A terceira CP foi escolhida por ter participado da Comissão de

Estudos sobre Jornada, Carreira e Formação, com objetivo de me ajudar a entender as

46

Os OPs são membros das equipes gestoras das escolas, junto com a diretora e as vices. 47

Os CPs são profissionais lotados no nível central da SME, ou no Departamento Pedagógico ou na

Secretaria de Educação Básica.

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expectativas dos professores quanto a esse aspecto específico. Essa última entrevista foi

realizada em maio de 2016.

4.3. Validação de Conteúdo e Validação Semântica

Após a elaboração inicial dos itens, submetemos essa primeira versão à

validação de conteúdo e semântica (NETEMEYER et al., 2003; PASQUALI, 1998). A

validação de conteúdo consiste em pedir para que juízes (ou seja, professores/as

especialistas) avaliem os seguintes elementos do instrumento:

1) relevância, clareza e simplicidade do item;

2) desejabilidade social, isto é, quanto o respondente manifestará uma resposta

desejada pela sociedade e não a que realmente acredita;

3) necessidade de eliminação do item em decorrência de redundância, não

relevância etc.;

4) necessidade de inclusão de itens novos que não foram previstos inicialmente;

5) pertinência do item à dimensão - se de fato ele serve para mensurar a

dimensão a que se refere.

Tivemos que escolher, para serem juízes, estudiosos de temas correlatos, uma

vez que o tema da confiança nas escolas não é investigado em sua especificidade por

pesquisadores brasileiros. Escolhemos, assim, seis juízes cujos estudos/atuação

estivessem relacionados à área de avaliação institucional, organização do trabalho

pedagógico, gestão democrática e/ou formação humana. Segue quadro com os nomes

dos juízes escolhidos e descrição quanto à sua atuação.

Quadro 7 - Juízes da Validação Conceitual

PROFESSORES ATUAÇÃO/JUSTIFICATIVA

Profa. Dra. Eliana da Silva

Souza

É Coordenadora Pedagógica na Secretaria Municipal de

Educação de Campinas. Participou da Assessoria de Avaliação

Institucional dessa mesma Secretaria, oferecendo formação às

escolas como parte do processo de implementação da política

de Avaliação Institucional Participativa. Seus estudos

acadêmicos também estiveram focados nessa área.

Prof. Dr. Dirceu da Silva

É professor na Faculdade de Educação da UNICAMP. Tem

experiência na área de Administração e Educação, com ênfase

em Planejamento e Avaliação Educacional, sobretudo com o

olhar para as metodologias quantitativas de análise de dados

numéricos e análise estatística multivariada de dados. Escreveu

artigos sobre construção e validação de escalas.

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Prof. Dr. Luiz Carlos de

Freitas

Professor da Faculdade de Educação da UNICAMP. A ênfase

de suas pesquisas é Avaliação da Aprendizagem e de Sistemas.

Em seu currículo Lattes os termos mais frequentes na

contextualização de sua produção científica são: Avaliação,

Políticas Públicas, Neoliberalismo, Organização do Trabalho

Pedagógico.

Prof. Me. Wilson Queiroz

Professor de matemática da Rede Municipal de Campinas.

Mestre em Educação pela UNICAMP, sob orientação da Profa.

Dra. Corinta Geraldi (ex-secretária de educação em Campinas).

Desenvolve pesquisa e projetos de estudo sobre História da

África e pedagogia étnico-racial. É militante na questão da

implementação de pedagogias diferenciadas que considerem os

valores humanos, a democracia, o respeito à diversidade, tendo

participado como Educador Étnico do Programa MIPID -

“Memória e Identidade: Promoção da Igualdade na

Diversidade”, promovido pela Secretaria Municipal de

Educação de Campinas para implementação da Lei 1.0639/03.

Prof. Dr. Celestino Alves

da Silva Junior

Livre Docente e Professor da UNESP. Atua principalmente nos

seguintes temas: política educacional, avaliação educacional,

administração educacional, organização do trabalho na escola,

a partir de um olhar voltado ao trabalho coletivo pautado na

construção da autonomia e emancipação.

Prof. Dr. Pedro Ganzeli

Professor da Faculdade de Educação da UNICAMP. Atua

principalmente no tema de Administração Educacional, sob o

olhar da gestão democrática e construção de

estruturas/instituições participativas. Suas pesquisas

concentram-se, sobretudo, na rede municipal de Campinas,

tendo defendido tese sobre o processo de construção da gestão

escolar democrática nesse município.

Fonte: elaborado pela pesquisadora.

Pedimos aos seis juízes que observassem os aspetos elencados acima.

Entregamos-lhes um documento em Word, contendo uma breve explicação dos

objetivos da pesquisa e da forma como o instrumento foi construído, bem como uma

tabela com três colunas: na primeira, havia a descrição de cada dimensão, na segunda os

itens agrupados por dimensão, e na terceira havia espaço ao lado de cada item para que

realizassem, quando necessário, seus comentários e julgamentos relativos à revisão do

item, eliminação, entre outros. Para acréscimo de itens havia espaço ao final de cada par

de relação.

Especificamente em relação ao aspecto “pertinência do item à dimensão”,

pedimos que, em todos os itens, avaliassem o grau em que o item representa a dimensão

a que ele se refere a partir das categorizações “não representativo”, “pouco

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representativo”, “claramente representativo”, segundo as recomendações de Netemeyer

et al. (2003).

Também procedemos à validação semântica com seis professoras(es) da rede na

qual o instrumento foi aplicado (PASQUALI, 1998). O objetivo é avaliar se os itens são

compreensíveis para os membros da população à qual o instrumento se destina. Pedi

para que o/a professor/a respondesse cada item em voz alta, comentando o que havia

compreendido, a que situações o item remetia, quanto ele/a concordava com cada

afirmação, e então eu observava qual alternativa ele/a assinalava (numa escala

progressiva de concordância de zero a seis). Pretendi com isso verificar se a

compreensão dos itens pelos sujeitos era a mesma que a minha, bem como se a

alternativa assinalada correspondia ao grau de concordância por ele verbalizado. As

falas dos sujeitos foram anotadas durante o processo, como numa entrevista, gerando

um corpo de dados que ajudou posteriormente a análise qualitativa.

O Anexo 3 traz um quadro com todas as alterações realizadas nos itens, e o

Anexo 4 traz os itens incluídos, ambos com justificativas. Todo esse processo, no qual

itens foram excluídos, reformulados, complementados, incluídos ou mantidos, se deu a

partir das contribuições dos juízes e dos sujeitos respondentes, em diálogo constante

com o referencial teórico que norteia a pesquisa. A pesquisa de campo realizada nas

duas escolas da rede também ajudou a refinar e incluir alguns itens.

Por fim, após todas as alterações dispostas nos Anexos 3 e 4, chegamos a outra

versão do instrumento, que ainda foi validada semanticamente por mais quatro sujeitos

da população alvo. Nessa última rodada da validação semântica, os respondentes não

fizeram nenhuma consideração que implicasse alguma alteração nos itens. Isso nos

sinalizou que essa etapa poderia ser finalizada.

Entre os dois formatos de escala possíveis, o dicotômico e o “multicotômico”,

optamos por este último, uma vez que ele permite alcançar maior variabilidade nas

respostas do que o dicotômico contendo o mesmo número de itens (NETEMEYER et

al., 2003). Dentro do modelo multicotômico, escolhemos uma escala de zero a seis,

considerando que os respondentes tiveram dificuldade em responder uma escala de zero

a dez que não continha explicação (“label”) abaixo de cada número. Deve-se considerar

que o instrumento foi aplicado presencialmente durante horário de trabalho, ou seja, foi

necessário pensar um modelo que facilitasse a resposta ao máximo. Dessa forma, fez

sentido utilizar uma escala de 7 pontos (zero a seis), devido a que:

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It has been our experience that 5- or 7-point formats suffice, and providing

more response alternatives may not enhance scale reliability or validity. If the

researcher wants to provide a “label” for each scale, it is easier and probably

more meaningful for both scale developer and respondent if 5- or 7-point

formats are used. More alternatives may require more effort on the

respondent’s behalf by forcing him or her to make finer distinctions. This, in

turn, can produce random responding and more scale error variance

(NETEMEYER et al, 2003. p.101).

Nesses modelos, é comum identificar na escala um ponto intermediário (“scale

midpoint”), representado por labels como “no opinion”, “not sure”, “neither agree nor

disagree”, as quais significam uma “neutral response” que não assume posição nem pro

lado do concordo nem pro lado do discordo (NETEMEYER et al., 2003, p.101). Assim,

nosso modelo da escala ficou da seguinte forma, precedido da orientação:

Por favor, em cada item marque apenas uma nota, numa escala gradativa de zero (0)

a seis (6), onde zero indica discordância máxima e seis indica concordância

máxima. Nos itens que você não tem opinião, não se aplicam à sua realidade ou sua

posição é de indiferença, coloque a nota três (3).

(Não sei/Indiferente/Não se aplica)

0 1 2 3 4 5 6

Discordo

plenamente

Discordo Discordo

um pouco

Concordo

um pouco

Concordo Concordo

plenamente

Na parte “dados do respondente”, foram feitas perguntas de múltipla escolha

sobre: Quantos anos a pessoa tem; Há quanto tempo atua como docente; Em quais

ciclos trabalha; Há quantos anos atua como docente naquela escola. Apostamos que essa

última questão seria importante, sobretudo, para termos dados quanto à rotatividade de

professores, o que, segundo Bryk e Schneider (2002) é um dos aspectos que impactam a

construção de relações de confiança.

Pode-se visualizar a versão do instrumento após validações semântica e

conceitual no Capítulo 5, tópico 5.1. “Validação Estatística: Análise Fatorial

Confirmatória”, no Quadro “O Modelo Testado: relação entre constructos e variáveis”.

Lá, os itens (novos/reformulados/complementados) estão organizados por par de relação

(confiança na relação professores - professores; confiança na relação professores -

pais/famílias; confiança na relação professores - equipe gestora; confiança na relação

professores - SME). Passaremos a chamar esses pares de “constructos”.

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4.4. Aplicação do Instrumento

A aplicação foi feita presencialmente nos momentos de Trabalho Docente

Coletivo (TDC) dos professores, e, em poucos casos, nas RPAIs. O contato inicial com

as escolas foi feito por telefone, junto à equipe gestora (geralmente com a Orientadora

Pedagógica), ou em alguns poucos casos por email. Na maioria, o aceite era imediato e

logo marcávamos um dia para aplicação. Em outras, precisei ir pessoalmente à escola

para expor os objetivos da pesquisa e pedir aceite às equipes gestoras.

Uma vez aceita minha presença nos TDCs para fins da pesquisa, eu pedia a

adesão dos professores. Em todas as escolas, eu expunha ao coletivo durante

aproximadamente cinco minutos quais eram os objetivos da pesquisa e da aplicação do

instrumento, e em seguida pedia para responderem o instrumento, sinalizando que

levaria por volta de 30 minutos. Em geral, a maioria aceitava. Os poucos que recusavam

alegavam cansaço, “não estou com cabeça pra isso”, ou simplesmente devolviam o

papel em branco sem justificativas.

Na grande maioria das escolas os professores respondiam no próprio TDC,

durante os cinquenta minutos que as orientadoras pedagógicas reservavam para isso.

Apenas em uma a equipe gestora me pediu que voltasse outro dia para recolher as

respostas, pois os professores iriam responder em suas casas. Particularmente nessa

escola, eu compareci cinco vezes: uma para pedir aceite à equipe gestora, duas para

explicar a pesquisa e pedir aceite aos professores em cada um dos TDCs, e outras duas

para recolher as respostas de cada grupo de professores. Foi um caso atípico. Na grande

maioria, eu precisei comparecer duas vezes, simplesmente para aplicar o instrumento

nos dois TDCs.

Consegui aplicar em trinta (73%) das quarenta e uma escolas de Ensino

Fundamental da Rede Municipal de Campinas, totalizando 559 professores de 1º a 9º

anos. A aplicação iniciou-se em 10/10/2016 e terminou em 15/03/2017. Conseguimos

um número representativo de escolas, nunca menos que 50% por região (NAED).

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Gráfico 1 - Participação das Escolas por NAED

Fonte: elaboração própria

Tabela 3 - Participação das Escolas por NAED

NOROESTE LESTE SUL NORTE SUDOESTE

Participaram 100% 88,9% 72,8% 71,5% 50%

Não participaram 0 % 11,1% 27,2% 28,5% 50%

Fonte: elaboração própria

As onze escolas que não aceitaram participar da pesquisa forneceram razões

diversas. Algumas não recusaram explicitamente, apenas não atendiam as ligações ou

não respondiam aos emails. As que recusaram explicitamente alegaram três tipos de

razões: 1- falta de confiança na parceria escola-universidade, alegando que essa última

não corresponde ao papel dela esperado de auxiliar a escola em sua empreitada

cotidiana; 2- intensidade de demandas, não sobrando tempo para demandas externas

como pesquisas universitárias; 3- receio de que a pesquisa captasse aspectos da escola

como a centralização da gestão ou conflitos entre equipe gestora e professores. O Anexo

5 contém um quadro mais detalhado com os motivos alegados por cada escola.

Vale uma breve reflexão sobre tais motivos de recusa, sobretudo porque eles

acabam tocando no próprio assunto cerne da presente tese. É certo que uma das ordens

de razão refere-se à intensificação do trabalho que tem caracterizado os ambientes

escolares, como já discutido no Capítulo 1. Tendo em vista que essa etapa da pesquisa

foi realizada principalmente no final do ano letivo, não nos espanta que algumas escolas

tenham alegado falta de tempo/energia para “demandas externas”.

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Por outro lado, uma breve análise das falas das equipes gestoras nos indica que

algumas escolas não confiam na universidade, seja porque possuem certas expectativas

em relação ao seu papel que não veem serem cumpridas, ou porque acreditam que não

ganharão nada expondo suas fraquezas. Ao contrário, talvez até acreditem que perderão

prestígio, pois talvez pensem que os pesquisadores da universidade estão lá somente

para julgá-los e apontar falhas, ao invés de ajudá-los a resolver seus problemas.

Ao que tudo indica, de uma forma ou de outra esses apontamentos convergem

para se pensar: qual papel a universidade desempenha na visão das equipes gestoras e

professores? Qual papel deveria desempenhar? Essas expectativas são claramente

negociadas entre sujeitos das escolas e da universidade? Seguindo os pressupostos dessa

tese, acreditamos que é necessária uma negociação coletiva e transparente na

formulação dessas expectativas para que se construam relações de confiança mais fortes

e duradouras entre escolas e instituições de ensino superior.

No Anexo 6, consta o modelo impresso do instrumento, tal como foi aplicado

nos professores. O Anexo 7 traz o modelo dos Termos de Consentimento Livre e

Esclarecido de acordo com as exigências do Comitê de Ética da Unicamp, que foram

assinados pelos respondentes do instrumento e também das entrevistas realizadas na

etapa anterior.

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CAPÍTULO 5. CONFIANÇA, PARTICIPAÇÃO E QUALIDADE

SOCIAL

5.1. Validação Estatística: Análise Fatorial Confirmatória

As respostas dos 559 respondentes foram transpostas para o programa Microsoft

Excel. Descartamos os sujeitos que deixaram de responder alguma questão (9= em

branco) ou que anularam alguma questão marcando mais de uma alternativa (99=

anulado), sobrando, assim, 446 sujeitos para a análise. As questões feitas na negativa48

(8, 19, 27, 29, 34, 35, 37, 44, 47) tiveram seus padrões de resposta invertidos. Procedeu-

se à Análise Fatorial Confirmatória (AFC) de segunda ordem, com um total de 61 itens,

um constructo de segunda ordem (CONFIANÇA interpessoal e institucional) e quatro

constructos de primeira ordem:

- Constructo PA: Confiança na Relação Professores - Pais/famílias;

- Constructo G: Confiança na Relação Professores - Equipe Gestora;

- Constructo PR: Confiança na Relação Professores - Professores;

- Constructo S: Confiança na Relação Professores - Secretaria Municipal de

Educação.

A escolha da técnica de AFC deu-se em decorrência da pesquisadora ter

construído o modelo a ser testado a partir da literatura e da análise de conteúdo das

entrevistas, com objetivo de confirmar se a relação previamente estabelecida entre itens

e constructos é verdadeira. Diferente da forma como ocorre na Análise Fatorial

Exploratória (AFE), não foi o modelo estatístico que gerou os fatores/constructos, mas a

pesquisadora que especificou o número de construtos e as suas variáveis, ou seja,

definiu o modelo fatorial a priori. A AFC é utilizada para fornecer um teste

confirmatório da teoria de mensuração proposta (HAIR et al., 2009) e é constituída das

mesmas técnicas que a AFE, porém, não há rotação da matriz de dados, isto é, tem-se

uma única solução fatorial, que é testada para se avaliar a qualidade do ajuste e informar

se a especificação dos fatores/constructos combina com a realidade (NUNALLY &

BERNSTEIN, 1994). Por sua vez, escolhemos a AFC de “segunda ordem”, pois este

tipo permite avaliar a relação dos quatro constructos com o todo, indicando em que

medida cada um deles é importante dentro do constructo CONFIANÇA interpessoal e

48

Ou seja, aquelas nas quais quanto mais próximo a zero o sujeito responder, mais confiança possui.

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institucional. Essa decisão foi importante, sobretudo, devido ao nosso objetivo

específico de compreender em que medida a confiança institucional entre professores e

poder público relaciona-se com a confiança interpessoal entre os segmentos da escola.

Em outras palavras, o objetivo dessa análise estatística basicamente é responder:

todos os itens (perguntas) são importantes para medir confiança? Eles estão realmente

relacionados ao constructo de primeira ordem previsto? Todos esses constructos medem

coerentemente um único fenômeno, a saber, a CONFIANÇA interpessoal e

institucional?

Pretendeu-se confirmar a seguinte relação entre itens/variáveis e constructos:

Quadro 8 - O Modelo Testado: relação entre constructos e variáveis

CONSTRUCTOS ITENS/VARIÁVEIS

Confiança na

relação

Professores-

Pais/famílias

(PA)

1. Sinto que posso contar com o apoio dos pais/famílias dessa escola

para realização do meu trabalho.

2. Os professores realmente se importam com a comunidade que

atendem.

3. A escola empenha-se constantemente em convidar os pais/famílias

para participar da CPA e/ou Conselho de Escola.

4. Os pais/famílias sentem-se à vontade nas reuniões da escola,

expondo suas opiniões, anseios, necessidades.

5. Avaliamos coletivamente, com alunos e pais/famílias, quais são as

potências, as dificuldades, e o que podemos melhorar no trabalho da

escola.

6. Os professores dessa escola têm consideração pelas opiniões dos

pais/famílias.

7. Sinto-me respeitada(o) pelos pais/famílias.

8. Sinto que os pais/famílias não educam seus filhos e, portanto, eles

não se comportam adequadamente na escola. (INVERTIDO)

9. Sinto que os pais/famílias têm consideração pelo que nós professores

dizemos sobre a educação de seus filhos.

10. Os pais/famílias confiam no trabalho dos professores dessa escola.

11. Os pais/famílias se esforçam para ajudar seus filhos a aprender.

12. Os pais/famílias mostram interesse pelos assuntos da escola.

13. Os professores e pais/famílias dessa escola estão juntos na educação

das crianças/jovens.

14. Os pais/famílias dessa escola preocupam-se em acompanhar a vida

escolar de seus filhos.

15. Os pais/famílias estão sempre participando das reuniões, festas e

eventos dessa escola.

Confiança na

relação

Professores-

Equipe gestora

(G)

16. Tenho autonomia para organizar minha prática pedagógica em sala

de aula.

17. Sinto que posso contar com o apoio do(a) diretor(a) para realização

do meu trabalho.

18. O(a) diretor(a) compartilha informações importantes com os

professores (por ex. sobre nossa vida funcional, sobre o que está

acontecendo na rede etc.)

19. Sinto-me como se estivesse sozinha(o) nas minhas atividades

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profissionais, no cotidiano da escola. (INVERTIDO)

20. A equipe gestora preocupa-se com nosso desenvolvimento

profissional (por ex., garantindo momentos de formação na escola etc.).

21. Gosto de procurar o(a) orientador(a) pedagógico(a) quando preciso

conversar sobre minhas práticas pedagógicas.

22. Sinto-me respeitada(o) pelo(a) diretor(a) da minha escola.

23. Os professores sentem liberdade para se colocarem, opinarem,

pautarem questões com o(a) diretor(a).

24. O(a) diretor(a) cumpre sua parte na garantia de condições

adequadas de trabalho para nossa escola.

25. Os professores sentem que suas opiniões e propostas são

consideradas pela equipe gestora.

26. O(a) diretor(a) confia no trabalho dos professores dessa escola.

27. Minha forma de trabalhar com os alunos é estabelecida pelo(a)

diretor(a) e tenho que cumprir as recomendações profissionais que são

feitas. (INVERTIDO)

28. O(a) diretor(a) trata todos os alunos com respeito.

29. Sinto-me como se estivesse sendo vigiada(o) em meu trabalho.

(INVERTIDO)

30. A equipe gestora incentiva a participação de todos (professores,

funcionários, famílias e alunos) na definição do Projeto Pedagógico da

escola.

31. O(a) diretor(a) compromete-se com o bem-estar de todos os

estudantes.

32. O(a) diretor(a) age de forma coerente com aquilo que foi

combinado coletivamente.

33. O(a) orientador(a) pedagógico(a) está sempre combinando com os

professores ações pedagógicas para ajudar os alunos que mais precisam.

34. O(a) diretor(a) desencoraja momentos coletivos de tomada de

decisão sobre as questões da escola. (INVERTIDO)

35. A escola toma, com frequência, medidas sérias (por ex. suspensão,

formas de punição) em relação aos alunos considerados indisciplinados.

(INVERTIDO)

Confiança na

relação

Professores-

Professores

(PR)

36. Os professores podem contar com a ajuda uns dos outros na

condução do trabalho cotidiano da escola.

37. Há um clima de competição entre os professores dessa escola.

(INVERTIDO)

38. Os professores respeitam uns aos outros.

39. Os professores dessa escola gostam de se ouvir para aprender uns

com os outros.

40. Sinto-me à vontade para expor aos meus colegas professores as

fragilidades e dificuldades do meu trabalho.

41. Quando um(a) professor(a) tem boas ideias sobre como trabalhar

com os alunos, ele(a) compartilha com os outros professores.

42. Eu confio na competência profissional dos professores dessa escola.

43. Os professores tratam todos os alunos com respeito.

44. Os professores não conseguem fazer seu trabalho devido à falta de

interesse e de disciplina das crianças/jovens. (INVERTIDO)

45. Os professores nunca desistem dos alunos, fazendo o máximo para

contribuir com a formação de todos.

46. Os professores comprometem-se em avaliar e aprimorar

constantemente seu próprio trabalho.

47. Os professores dificilmente ouvem uns aos outros, pois acham que

os outros professores têm pouco a contribuir. (INVERTIDO)

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48. Os professores dessa escola frequentemente desenvolvem propostas

de trabalho em conjunto com os colegas (por ex. dupla docência,

trabalhos temáticos etc.).

49. Nós professores temos a prática de avaliar nosso trabalho

coletivamente, refletindo e combinando juntos o que podemos melhorar.

50. Os professores cumprem os combinados coletivos.

Confiança na

relação

Professores - SME

(S)

51. O(a) supervisor(a) conhece a realidade de nossa escola.

52. O(a) supervisor(a) mostra prontidão em comparecer à escola

quando é solicitado para ajudar a resolver algum problema.

53. O(a) supervisor(a) nos ajuda a defender as necessidades da nossa

escola.

54. A SME cria espaços e oportunidades para ouvir a opinião dos

professores sobre questões que impactam a qualidade da educação.

55. A voz dos professores é considerada pela SME nos processos de

tomada de decisões.

56. A SME cumpre adequadamente sua parte de responsabilidade na

garantia de uma educação pública de qualidade.

57. A SME compromete-se com a melhoria da minha qualificação

profissional, criando espaços e oportunidades para isso.

58. No que se refere à infra-estrutura, a SME oferece boas condições de

trabalho para nossa escola.

59. A SME oferece boas condições de trabalho para nossa escola, no

que se refere à garantia de quadro completo de docentes, funcionários, e

equipe gestora.

60. Em termos de salário/jornada/formação, os professores têm boas

condições de trabalho nessa rede.

61. Estou satisfeita(o) com o desempenho do atual governo municipal

na área da educação. Fonte: dados da pesquisa

Esse modelo foi montado e analisado no software Smart PLS 2.0, seguindo as

orientações de Ringle, Silva e Bido (2014), Silva et al. (2016) e Hair et al. (2009). O

primeiro passo da análise do ajuste do modelo foi a mensuração da Validade

Convergente através do teste AVE (Variância Média Extraída). Esse teste pretende

avaliar quanto, em média, as variáveis/itens se correlacionam positivamente com seus

respectivos constructos. Para se obter o valor AVE, é calculada a média das correlações

(entre cada item e seu constructo) elevadas ao quadrado. Os valores devem ser maiores

que 0,50 para que o modelo seja satisfatório.

Fizemos três rodadas desse teste: na primeira, os construtos PA (Pais/famílias),

PR (Professores) e G (Equipe Gestora) apresentaram valores de AVE menores que 0,50,

destacados em vermelho, como se pode visualizar na primeira coluna da tabela abaixo:

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Tabela 4 - Valores da qualidade de ajuste do modelo antes da eliminação das variáveis

AVE Composite Reliability R Square Cronbachs Alpha

G 0,482 0,941 0,730 0,927

PA 0,367 0,893 0,627 0,870

PR 0,443 0,917 0,428 0,900

S 0,522 0,923 0,517 0,908

Fonte: gerado pelo SmartPLS2.0 a partir dos dados da pesquisa

Precisamos aproximar o olhar, então, para os valores das correlações de cada

variável/item. Assim, pudemos descartar os itens PA_2; PA_3; PA_4; PA_8; G_27;

G_35; PR_44 por terem apresentado valor abaixo de 0,50. Depois, rodamos denovo o

modelo e os constructos PA e PR continuaram apresentando carga baixa, de forma que

precisamos descartar os seguintes itens que apresentaram carga menor que 0,50: PA_6;

PR_37; PR_48. Procedemos a uma nova rodada, e descartamos o item PA_5 pelo

mesmo motivo. Seguem os onze itens descartados:

Quadro 9 - Itens descartados no Teste AVE

PA_ 2. Os professores realmente se importam com a comunidade que atendem.

PA_3. A escola empenha-se constantemente em convidar os pais/famílias para participar da

CPA e/ou Conselho de Escola.

PA_4. Os pais/famílias sentem-se à vontade nas reuniões da escola, expondo suas opiniões,

anseios, necessidades.

PA_5. Avaliamos coletivamente, com alunos e pais/famílias, quais são as potências, as

dificuldades, e o que podemos melhorar no trabalho da escola.

PA_6. Os professores dessa escola têm consideração pelas opiniões dos pais/famílias.

PA_8. Sinto que os pais/famílias não educam seus filhos e, portanto, eles não se comportam

adequadamente na escola.

PR_37. Há um clima de competição entre os professores dessa escola.

PR_44. Os professores não conseguem fazer seu trabalho devido à falta de interesse e de

disciplina das crianças/jovens. (INVERTIDO)

PR_48. Os professores dessa escola frequentemente desenvolvem propostas de trabalho em

conjunto com os colegas (por ex. dupla docência, trabalhos temáticos etc.).

G_27. Minha forma de trabalhar com os alunos é estabelecida pelo(a) diretor(a) e tenho que

cumprir as recomendações profissionais que são feitas. (INVERTIDO)

G_35. A escola toma, com frequência, medidas sérias (por ex. suspensão, formas de punição)

em relação aos alunos considerados indisciplinados. (INVERTIDO)

Fonte: dados da pesquisadora

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Esses itens foram descartados por não apresentarem “coerência” de escolha de

respostas pelos respondentes, ou seja, por terem uma baixa correlação com os outros

itens/variáveis do seu constructo previsto. Chamou atenção que a única carga negativa

foi no item G_35 (-0,296). Isso pode significar que, ao contrário do que prevíamos, os

professores confiam na escola que adota medidas como punição e suspensão para os

alunos considerados indisciplinados.

Também chamou atenção que todos os itens do constructo PA relativos à parte

de responsabilidade dos profissionais da escola foram descartados. Esse dado pode nos

indicar que a confiança dos professores em relação às famílias depende de uma relação

unilateral na qual se espera que as famílias cumpram determinadas expectativas

formuladas internamente ao grupo docente, sem necessariamente participar de sua

elaboração. Discutiremos essas impressões mais adiante em diálogo com os dados de

campo.

Após realizar os ajustes no modelo, eliminando as onze variáveis acima, os

valores de AVE para cada um dos quatro constructos (PA, PR, G e S) foram superiores

ao valor estimado na literatura (0,50), como observado na Tabela 5. Também as

correlações (cargas fatoriais) de cada uma das cinquenta variáveis/itens restantes foram

maiores que 0,50 - como se pode observar nos valores dispostos nas setas entre os

retângulos amarelos (itens) e os círculos azuis periféricos (constructos de primeira

ordem)49

da Figura 2. Isso significa que os cinquenta itens restantes se correlacionam

positivamente com seus respectivos constructos de forma satisfatória.

49

O círculo azul central representa o constructo de segunda ordem “Confiança interpessoal e

institucional”. Os valores dispostos nas setas entre os círculos azuis periféricos e central (ou seja, entre os

constructos de primeira ordem e o constructo de segunda ordem) são os “coeficientes de caminho”, cuja

análise será apresentada mais adiante.

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Figura 2 - Modelo ajustado após eliminação das variáveis com carga inferior a 0,50

Fonte: gerado em Smart PLS 2.0 com dados da pesquisa

Tabela 5- Valores da qualidade de ajuste do modelo após a eliminação das variáveis

AVE Composite Reliability R Square

Cronbachs Alpha

G 0,529 0,951 0,737 0,945

PA 0,543 0,913 0,407 0,893

PR 0,514 0,927 0,373 0,913

S 0,523 0,923 0,549 0,908

Fonte: gerado em Smart PLS 2.0 com dados da pesquisa

Nessa tabela, também se observam outros valores: Alfa de Cronbach (AC) e

Confiabilidade Composta (CC). Trata-se de uma segunda etapa do processo de

validação, com objetivo de avaliar a consistência interna do modelo, ou seja, se a

amostra está livre de vieses e se as respostas dos sujeitos tiveram coerência e são

confiáveis em seu conjunto. Os valores adequados são acima de 0,60 para o AC, e

acima de 0,70 para a CC. De acordo com a tabela acima, todos os valores são superiores

a 0,80, atestando a confiabilidade dos constructos.

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A terceira etapa é a avaliação da Validade Discriminante (VD), entendida

como um indicador de que os constructos (PA, PR, G, S) são independentes uns dos

outros, ou seja, que cada um mede questões próprias que não são medidas pelos outros

constructos. Para tanto, utilizamos o critério de Fornell e Larcker, pois é o mais usado e

o mais rigoroso segundo Ringle et al. (2014) e Silva et al. (2016): comparam-se as

raízes quadradas dos valores das AVEs de cada constructo com as correlações entre os

constructos. As raízes quadradas das AVEs devem ser maiores que as correlações entre

os constructos. Ou seja, as correlações das variáveis com seu constructo precisam ser

maiores que sua correlação com os outros constructos, lembrando que se está lidando

com as médias das correlações.

Na Tabela abaixo, pode-se visualizar, por exemplo, que as variáveis do

constructo “Confiança na relação Pais/famílias” (PA) se correlacionam mais com seu

constructo (0,737) do que com o constructo G (0,379) ou PR (0,267) ou S (0,416). Ou

seja, os valores na diagonal pintados em amarelo são maiores que os demais, o que

atesta a validade discriminante do modelo.

Tabela 6 - Validade Discriminante

G PA PR S

G 0,727

PA 0,379 0,737

PR 0,345 0,267 0,717

S 0,470 0,416 0,309 0,723

Fonte: gerado em Smart PLS 2.0 com dados da pesquisa

Terminados os testes de ajuste do modelo de mensuração, parte-se para a análise

do modelo estrutural. A primeira análise desse segundo momento é a Avaliação dos

Coeficientes de Determinação de Pearson (R²). Seus valores estão na Tabela 12 na

coluna “R Square”. Os valores de R2 avaliam a porção da variância das variáveis de

primeira ordem que é explicada pelo modelo estrutural. Ou seja, o objetivo é indicar

quanto a variância dos constructos PA, PR, G, S depende do constructo de segunda

ordem CONFIANÇA interpessoal e institucional. Esse teste indica, portanto, a

qualidade do modelo ajustado. Tomaremos como referência os valores: R²=2%

classificado como efeito pequeno, R²=13% como efeito médio e R²=26% como efeito

grande (RINGLE et al., 2014). Observa-se na Tabela 12 que os valores referentes aos

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quatro constructos estão acima de 0,30. Pode-se afirmar, então, que há um “efeito

grande” do modelo estrutural sobre cada um desses constructos de primeira ordem.

Dando sequência, deve-se avaliar se as relações do modelo são significantes. Há

dois tipos de relações no modelo de segunda ordem com o qual estamos trabalhando: as

correlações (relações entre variáveis e constructos) e regressões lineares (relações entre

constructos). Com objetivo de avaliar as significâncias das correlações e regressões, o

Smart PLS calcula Testes t-Student a partir do módulo Bootstrapping. Os valores t

precisam ser maiores ou iguais a 1,96 para que as relações sejam consideradas

significantes/válidas. Nesse caso, as setas da Figura 3 mostram que todos os valores das

relações constructo-variável e das relações constructo-constructo estão acima do valor

de referência.

Figura 3 - Valores do Teste T-Student

Fonte: gerado em SmartPLS2.0 com dados da pesquisa

Na sequência serão avaliados os valores de dois outros indicadores da qualidade

de ajuste do modelo: Validade Preditiva (Q²) ou indicador de Stone-Geisser, e

Tamanho do efeito (f²) ou Indicador de Cohen, ambos obtidos pelo uso do módulo

Blindfolding no Smart PLS. O primeiro avalia a qualidade da predição do modelo, ou

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seja, se todos os constructos são importantes para o modelo, aproximando-se do que se

esperava dele (valor de referência maior que zero). O segundo avalia quanto cada

constructo é “útil” para o ajuste do modelo, obtido pela inclusão e exclusão dos

constructos, um a um (valores de 0,02 são considerados pequenos; 0,15 médios; 0,35

grandes). Os valores da Tabela abaixo mostram que o modelo tem acurácia e que todos

os constructos são muito importantes para o ajuste geral do modelo.

Tabela 7 - Validade Preditiva (Q²) e Tamanho do Efeito (f²)

Fonte: gerado em Smart PLS 2.0 com dados da pesquisa

Finalmente, parte-se para a interpretação dos Coeficientes de Caminho. São os

valores que estão nas setas entre os círculos azuis da Figura 2 (retomados na Tabela a

seguir). Esses valores permitem dizer, por exemplo, que aumentando a CONFIANÇA

interpessoal e institucional em um ‘ponto’, a confiança especificamente na Secretaria

Municipal de Educação aumenta em 0,8585. Uma vez que todos eles estão acima de

0,60, podem ser considerados muito adequados. Confirma-se novamente que o modelo

ajustado é robusto e se mostra válido.

Tabela 8 - Coeficientes de Caminho

G PA PR S

CONFIA 0,8585 0,637912 0,610783 0,740805

Fonte: gerado em Smart PLS 2.0 com dados da pesquisa

Pode-se afirmar que os testes empregados que analisam a qualidade do modelo

confirmaram que:

a) o grau de confiança relativo a cada um dos pares de relação depende

significativamente do grau de CONFIANÇA interpessoal e institucional como um todo;

b) uma porção elevada da variância da confiança relativa a cada um dos pares de

relação é explicada pelo modelo como um todo;

Q² F²

G 0,385 0,478

PA 0,219 0,431

PR 0,187 0,423

S 0,286 0,432

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c) há relações significantes entre a confiança desenvolvida nos pais, na equipe

gestora, na SME e nos professores;

d) há relações válidas entre os cinquenta itens restantes e a confiança referente

ao par de relação que eles pretendem medir;

e) cada par de relação é muito importante para a medição do fenômeno da

CONFIANÇA interpessoal e institucional como um todo.

Simplificando, isso significa, de forma geral, que todos os constructos (ou seja, a

confiança em cada um dos pares de relação) ao mesmo tempo em que contêm

especificidades relativas a cada par, estão consistentemente relacionados uns com os

outros, sendo componentes relevantes de um mesmo fenômeno, que chamamos de

CONFIANÇA interpessoal e institucional.

Esse achado confirma nossa hipótese de que as relações no âmbito interno à

comunidade escolar só podem ser satisfatoriamente concebidas com a devida

consideração às relações de confiança construídas no âmbito externo, entre professores

e poder público. A análise estatística reforçou, portanto, a pertinência de introduzir esse

par de relações inicialmente não abordado na literatura sobre confiança nas escolas.

Outra questão confirmada pelo instrumento foi a pertinência das quatro

dimensões - construídas no diálogo entre a literatura, as entrevistas e o referencial da

AIP - para caracterização do fenômeno da confiança. Uma vez que os cinquenta itens

restantes guardam relação com nossas definições dessas dimensões, podemos afirmar

que o instrumento ajudou a confirmar que a construção da confiança depende, na visão

dos professores, de manifestações de respeito, consideração, integridade e competência,

as quais perpassam todos os pares de relação. Uma descrição mais detalhada dessas

manifestações consta nos tópicos seguintes de análise qualitativa dos dados

provenientes do campo.

O Anexo 1 traz o modelo final do instrumento (com os constructos, itens e

dimensões), após ter passado pelos testes da Análise Fatorial Confirmatória.

5.2. Análise Descritiva dos dados

A análise descritiva, realizada no Software SPSS 15.0, trouxe dados

interessantes quanto ao perfil dos respondentes. Houve certo equilíbrio entre ciclos:

25,6% dos respondentes dão aula no ciclo I, e 25,9% nos ciclos III e IV. A maioria dos

professores é experiente: 36,5% trabalha como docente há mais de 21 anos e 28,5%

entre 11 e 20 anos; 42% está na faixa etária acima de 47 anos. Esses dados mostram que

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muitos professores estão em vias de se aposentar, havendo necessidade da Rede

Municipal de Campinas abrir novos concursos, além de pensar políticas públicas

específicas para a grande leva de novos professores que irão ingressar. Outro dado

curioso é que há uma grande rotatividade de professores na Rede Municipal de

Campinas: 50,7% dos professores está na mesma escola no máximo há três anos, sendo

que destes, 26,2% está há menos de um ano. Esse dado pode ajudar a explicar por que o

grau de confiança nessa rede não é elevado, como veremos a seguir.

1- Em quais ciclos você trabalha nessa escola?

2- Há quantos anos você trabalha como docente?

ANOS %

Até 5 anos 14,8

De 6 a 10 anos 20,1

De 11 a 20 anos 28,5

Acima de 21 anos 36,5

Total 100,0

3- Há quantos anos você trabalha como docente nessa escola?

ANOS %

Até 1 ano 26,2

De 2 a 3 anos 24,4

De 4 a 6 anos 16,5

De 7 a 12 anos 11,8

Acima de13 anos 21,0

CICLOS %

Ciclo I 25,6

Ciclo II 16,1

Ciclo III 5,9

Ciclo IV 6,3

Ciclos I e II 9,3

Ciclos III e IV 25,9

Ciclos I e III 0,5

Ciclos II e III 0,7

Ciclos II, III, IV 3,4

Ciclos II e IV 0,5

Ciclos I, II e III 0,5

Ciclos I, III, IV 0,5

Ciclos I, II, III, IV 5,0

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4- Em qual faixa etária você se inclui?

ANOS %

De 18 a24 anos 0,9

De 25 a 35 anos 28,9

De 36 a 46 anos 28,2

Acima de 47 42,0

Analisemos agora os dados referentes à confiança propriamente. Prosseguindo

com a análise descritiva no SPSS 15.0, obtivemos as médias simples das respostas por

questão/item, e em seguida as médias simples das questões/itens por constructo, com

objetivo de verificar os graus de confiança dos professores em relação a cada segmento.

Observamos que os graus de confiança em todos os constructos não chegam a cinco

pontos (em uma escala de 0 a 6). Os constructos com os menores valores são “confiança

na relação professores - Secretaria Municipal de Educação” (2,49) e “confiança na

relação professores - pais/famílias” (3,5), como se pode observar na tabela e gráfico

abaixo.

Outro dado interessante é que os valores de desvio-padrão são significativos, ou

seja, as respostas dos sujeitos variam significativamente em torno da média (para cima e

para baixo). Ainda assim, olhando as frequências de respostas para cada item50

,

podemos estabelecer alguns padrões de resposta por item: no padrão C (Concordo), a

maioria dos sujeitos (mais que 50%) respondeu de 4 a 6 (ou seja, de concordo um pouco

a concordo plenamente); no padrão D (Discordo), a maioria dos sujeitos respondeu de 0

a 2 (ou seja, de discordo plenamente a discordo um pouco). Na tabela abaixo, pode-se

perceber que os únicos itens com padrão “Discordo” são os S_54, S_55, S_56, S_58,

S_59, S_61, todos relativos à relação dos professores com a Secretaria Municipal de

Educação.

Tabela 9 - Médias por item e por constructo e Desvios-Padrão

Média

simples

Desvio

Padrão

Média -

Desvio Padrão

Média +

Desvio Padrão

C/D

PA_1 3,39 1,48 1,91 4,87 C

PA_7 4,23 1,35 2,88 5,58 C

PA_9 3,87 1,28 2,59 5,15 C

PA_10 4,4 1,09 3,31 5,49 C

PA_11 2,9 1,33 1,57 4,23 C

50

Os dados foram obtidos selecionando-se Analyze > Descriptive Statistics > Frequencies, no SPSS 15.0.

As frequências das respostas a cada item encontram-se no Anexo 8.

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PA_12 3,07 1,29 1,78 4,36 C

PA_13 3,22 1,3 1,92 4,52 C

PA_14 2,96 1,33 1,63 4,29 C

PA_15 3,5 1,29 2,21 4,79 C

PAIS 3,5

G_16 5,18 0,96 4,22 6,14 C

G_17 4,81 1,32 3,49 6,13 C

G_18 4,62 1,47 3,15 6,09 C

G_19 3,95 1,68 2,27 5,63 C

G_20 4,49 1,31 3,18 5,8 C

G_21 4,26 1,54 2,72 5,8 C

G_22 4,84 1,39 3,45 6,23 C

G_23 4,54 1,46 3,08 6 C

G_24 4,57 1,37 3,2 5,94 C

G_25 4,07 1,5 2,57 5,57 C

G_26 4,56 1,3 3,26 5,86 C

G_28 5,05 1,17 3,88 6,22 C

G_29 4,13 1,7 2,43 5,83 C

G_30 4,34 1,45 2,89 5,79 C

G_31 4,78 1,19 3,59 5,97 C

G_32 4,29 1,65 2,64 5,94 C

G_33 4,47 1,41 3,06 5,88 C

G_34 3,99 1,82 2,17 5,81 C

GESTORES 4,5

PR_36 4,73 1,15 3,58 5,88 C

PR_38 4,89 1,13 3,76 6,02 C

PR_39 4,47 1,26 3,21 5,73 C

PR_40 4,5 1,31 3,19 5,81 C

PR_41 4,52 1,11 3,41 5,63 C

PR_42 5 0,99 4,01 5,99 C

PR_43 4,66 1,23 3,43 5,89 C

PR_45 4,57 1,24 3,33 5,81 C

PR_46 4,6 1,18 3,42 5,78 C

PR_47 4,61 1,33 3,28 5,94 C

PR_49 4,12 1,37 2,75 5,49 C

PR_50 4,5 1,19 3,31 5,69 C

PROFESSORES 4,6

S_51 3 1,64 1,36 4,64 C

S_52 3,18 1,5 1,68 4,68 C

S_53 2,91 1,56 1,35 4,47 C

S_54 2,03 1,57 0,46 3,6 D

S_55 1,64 1,48 0,16 3,12 D

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S_56 2,06 1,62 0,44 3,68 D

S_57 3,33 1,67 1,66 5 C

S_58 2,36 1,72 0,64 4,08 D

S_59 2,31 1,73 0,58 4,04 D

S_60 3,19 1,65 1,54 4,84 C

S_61 1,41 1,51 -0,1 2,92 D

SECRETARIA 2,49 Fonte: valores obtidos em SPSS com dados da pesquisa. Tabela organizada pela pesquisadora.

Gráfico 2 - Confiança dos professores na SME, famílias, gestores e colegas professores.

Fonte: elaborado em Excel com dados da pesquisa

A análise conjunta dos dados quantitativos do instrumento com os qualitativos

das entrevistas e da observação em campo nos permitiu chegar a três categorias:

confiança e redistribuição, confiança e reconhecimento, confiança e reciprocidade.

Isso significa que a construção de relações de confiança entre professores e

famílias não depende apenas de dinâmicas de reciprocidade e do quanto as famílias

cumprem as expectativas formuladas internamente ao grupo docente. A confiança dos

professores nas famílias/alunos é influenciada por assimetrias de status e relacionada ao

reconhecimento em relação às suas demandas, habilidades e necessidades, e a diversos

tipos de participação desde comparecimento a festas/eventos à construção conjunta em

espaços avaliativos.

Essas categorias também significam que as relações de reciprocidade internas à

comunidade escolar são insuficientes para caracterizar o fenômeno da confiança, sendo

necessária a inclusão da relação com o poder público (confiança institucional) e suas

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dinâmicas de redistribuição. Nesse sentido, veremos como a confiança interpessoal e

institucional está associada ao papel distributivo do poder público e à participação nos

espaços públicos de negociação.

5.3. Confiança e Redistribuição: professores e Secretaria Municipal de Educação

Nesse tópico, pretendemos defender que o papel distributivo do poder público

em alocar adequadamente recursos físicos e materiais para as escolas, bem como

condições satisfatórias de trabalho aos professores, é importante para a construção de

relações de confiança interpessoal e institucional.

Da mesma forma, mostraremos que um tipo de participação específico - via

instituições democráticas com poder de afetar os resultados da distribuição de bens e

recursos, bem como as concepções do que é uma educação de qualidade - também se

relaciona à construção da confiança. Na linha da argumentação cíclica de Fraser (2003)

que relaciona redistribuição e reconhecimento com participação51

, os professores

precisam participar de espaços democráticos para conquistar melhores condições de

trabalho e terem seus pensamentos sobre educação reconhecidos, ao mesmo tempo em

que condições objetivas e intersubjetivas adequadas são necessárias à prática

participativa.

A pertinência desse tópico, focado na questão da redistribuição e da

participação, também é justificada pela teoria de Misztal (1996), segundo a qual a

confiança enquanto recurso para cooperação social depende da legitimidade das

instituições públicas. Tal legitimidade, por sua vez, depende da existência de estruturas

institucionais de democracia deliberativa, que garantam oportunidades para os cidadãos

participarem das tomadas de decisões que afetam suas vidas, sobretudo aquelas

relacionadas à provisão do bem-estar social e econômico.

Como se pode observar no gráfico acima, o grau mais baixo de confiança foi em

relação à Secretaria Municipal de Educação. Uma questão que pode ajudar a explicar

esse dado diz respeito ao caráter autoritário assumido pela SME na visão dos

professores entrevistados, uma vez que 15% deles remetiam a palavras como “controle”

e “imposição” quando perguntados sobre essa instituição:

14. A gente perdeu muito o caráter da escola, autonomia escolar pra decisões escolares. O que

era escolar não é mais, é decidido na SME e depois rebate aqui. Eu percebo que existem

algumas coisas que são levadas muito a ferro e fogo. Que o pessoal dá uma razão pros pais e

51 Essa argumentação foi exposta no item 1.1 da presente tese.

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pra pessoas que não entendem nada de educação, dão razão pra essas pessoas, e quem tem anos

de experiência fica relegado ao nada [...] A SME deveria confiar nos professores e nos gestores,

deixar ousar, tem que buscar dos professores e gestores a melhoria.

13. Eles só vêm pra impor. Sempre acontece de uma forma muito truculenta. Tão sempre

distantes, e quando vem é pra impor. Causa na gente certa aversão. Deveriam dar respaldo pra

que todos trabalhassem de uma forma melhor na escola [...].Vejo como uma instância de

cobrança e não de assistência.52

Outros analisam que há um distanciamento grande dessa instituição em relação

às unidades escolares. Nesse aspecto, 30% dos professores entrevistados relataram

sentir necessidade de uma aproximação maior de representantes da SME com a

realidade das escolas.

1. Tem que auxiliar pedagogicamente, estar mais presente na escola, mas não para pressionar,

para ajudar.

4. Eles têm que ter contato mais próximo com a escola, percepção do cotidiano escolar, da

especificidade de cada escola, das necessidades e características reais de cada escola.

8. Penso na SME como um prédio distante onde as coisas são decididas pensando mais no peso

econômico, em reduzir gastos.

13. Falta vínculo da Secretaria com o trabalho pedagógico, com o que acontece na escola, estar

presente nas reuniões, Conselho, espaços da escola, fazer parte do coletivo, pra entenderem por

que reprovamos, por exemplo, como o processo de dá.

17. Deveriam ter uma relação mais próxima com a comunidade, participar das reuniões,

palestras pra comunidade, pra mostrar que somos uma equipe. Assim comunidade se sentiria

mais segura.

29. Pra ter confiança na SME, eles deveriam estar mais próximos da realidade da escola,

mostrar a cara, ir mais à escola.

Segundo os entrevistados, o supervisor educacional, profissional lotado no nível

descentralizado dos NAEDs, seria a figura capaz de concretizar essa relação mais

pessoalizada entre escolas e SME, pois é esse cargo que têm atribuição de realizar

visitas às escolas. Os professores esperam, no geral, que essa aproximação sirva para os

supervisores enxergarem mais de perto a realidade das escolas e as apoiarem em suas

necessidades, ajudando-as a resolver questões diretamente pedagógicas, ou relativas a

condições de trabalho e ao encaminhamento de alunos para órgãos de apoio

especializado.

3. Quero respaldo, apoio. Na educação especial isso se manifesta em recursos, por exemplo,

mais fonos e psicólogos para dar atendimento adequado ao aluno.

11. Quero suporte para amparar o trabalho da escola, quando a escola tem problema e não dá

conta de resolver. Agilidade na resposta ao problema. NAED poderia ter procedido de outra

forma no caso de aluno com problema de agressividade, encaminharam pra abrigo ao invés de

pensar em algo que a escola pudesse fazer para ajudá-lo.

52

Cada número corresponde a um professor entrevistado. Lembrando que foram trinta professores.

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17. Atender às necessidades da comunidade escolar, nas questões além das pedagógicas, que

envolvam saúde, questão familiar, articulação intersetorial, pra dar maior atenção ao aluno.

18. A lei deveria ter flexibilidade para se ajustar ao que a escola precisa. Por exemplo, CHP

(hora de reforço com aluno) poderia ser usada pra planejamento.

18. Deveria se preocupar com questões pedagógicas, ter mais tempo pra conversar com o

professor, reuniões focadas nas dificuldades de grupos menores (profs. do 1º ano por ex), para

ver o que se pode fazer para o aluno melhorar, planejar estratégias a longo prazo.

19. Dar resposta para questões como problemas de alunos (saúde, família, violência).

22. Precisam olhar mais o lado do professor. Ouvem mais o pai, por exemplo, quando querem

matricular mais alunos mesmo a escola já estando no limite.

26. Falta apoio na questão pedagógica, saber lidar com alunos que precisam de atendimento

especializado. Pra onde encaminho, o que faço?

Os professores esperam que eles venham mais à escola no dia a dia pra conhecer a comunidade,

conhecer as situações reais, pra não mandar mais aluno pra um espaço que não comporta.

Estar aqui conosco, ver que preciso de uma sala, não tenho infra-estrutura, quais adequações a

gente faz.(Orientador Pedagógico E)

28. O supervisor vem à escola quando é chamado, por exemplo, no caso do fechamento do

período intermediário. E ouvem as demandas, ainda que não atendam sempre. Há uma

negociação, veem o que é possível fazer. As turmas fecharam, não teve jeito, mas ajudaram a

gente na transição, alugando um barracão bem perto da escola.

No entanto, nem sempre essas visitas cumprem as expectativas verbalizadas

pelos professores. Em partes porque o objetivo dessas visitas, segundo determinação

legal, restringe-se a “supervisionar os estabelecimentos de ensino sob sua

responsabilidade, acompanhando as questões de caráter administrativo e legal,

cumprindo e fazendo cumprir a legislação vigente”53

. O apoio mais diretamente

pedagógico não faz parte das atribuições legais desse cargo. A figura responsável

antigamente por realizar esse apoio eram os coordenadores pedagógicos (CPs), que a

partir de 2014 passaram a estar lotados no nível central da SME.

o PPP passava pela análise do CP, que subsidiava e dava um parecer: o que a escola colocou

no PPP? Essas ações vão dar conta de atingir a meta? Essa escola tem muitos alunos sem

conceito, o que ta havendo? Auxiliava a escola a pensar seu Projeto. Era mais próximo, ia lá e

analisava, “essa classe ta com muitos alunos sem conceito, sem bom desempenho, o que ta

acontecendo?”. Todos trabalhavam o PPP. E também ajudava a implementar a política, fichas

descritivas, diretrizes curriculares. (Coordenador Pedagógico 1)

[os CPs] estavam muito próximos a escola, iam à escola, participavam das reuniões, tinha um

apoio pedagógico próximo, acompanhavam organização da escola, tempos pedagógicos, TDCs,

planejamento dos professores, CPAs, planejamento do trabalho dos OPs. (Coordenador

Pedagógico 2)

Com a saída desses profissionais do nível dos NAEDs, os professores parecem

estar sentindo falta daquele acompanhamento pedagógico, o qual não é suprido pelo

supervisor. Além disso, os professores entrevistados mencionaram que os supervisores

53

Diário Oficial do município de Campinas. Campinas, quinta-feira, 31 de julho de 2014.

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vão com pouca frequência às escolas, só para resolver problemas pontuais diretamente

com a equipe gestora referentes, por ex., à matrícula, fechamento de turmas,

transferência de alunos, tendo pouco contato com a equipe docente.

Segundo uma Orientadora Pedagógica entrevistada, os supervisores cobram “o

cumprimento de determinações legais (preenchimento de ficha, do PPP online,

reposição de aula)”, o que ela considera um trabalho “muito legalista, pautado em

números, quantidade, não é orientação pedagógica”. Um coordenador pedagógico

entrevistado concorda que “o olhar ainda é legal, administrativo, ver se falta professor,

se o aluno ta sem escola, se o ponto escola foi entregue no prazo, se tem aula pra repor,

transferência pra aluno”, o que ele considera uma “carga burocrática intensa, que

toma muito tempo, enquanto o trabalho mais pedagógico, olhar pras fichas descritivas,

pro Projeto Pedagógico, fica em segundo plano”.

O instrumento confirmou que a proximidade da SME em relação às escolas,

manifesta de forma pessoalizada na figura do supervisor, influencia a construção da

confiança dos professores em relação ao poder público. Nos três itens 40, 41 e 42,

relativos a essa questão, a maior percentagem de respondentes alegou ser

indiferente/não sei/não se aplica (resposta 3). Como alguns salientaram, “não existe

muito contato entre SME/Supervisor e os professores, tanto que nem sei o nome dele”;

“vejo pouco a supervisora... quando está na escola, não fico sabendo que assunto veio

tratar ou resolver”, segundo comentários por escrito deixados por professores na parte

aberta do questionário.

Tabela 10 - Itens e Médias da Relação Professor-Secretaria Municipal de Educação

ITEM MÉDIA

(0-6)

40. O(a) supervisor(a) conhece a realidade de nossa escola. 3

41. O(a) supervisor(a) mostra prontidão em comparecer à escola quando é solicitado

para ajudar a resolver algum problema. 3,18

42. O(a) supervisor(a) nos ajuda a defender as necessidades da nossa escola. 2,91

43. A SME cria espaços e oportunidades para ouvir a opinião dos professores sobre

questões que impactam a qualidade da educação. 2,03

44. A voz dos professores é considerada pela SME nos processos de tomada de decisões. 1,64

45. A SME cumpre adequadamente sua parte de responsabilidade na garantia de uma

educação pública de qualidade. 2,06

46. A SME compromete-se com a melhoria da minha qualificação profissional, criando

espaços e oportunidades para isso. 3,33

47. No que se refere à infra-estrutura, a SME oferece boas condições de trabalho para

nossa escola. 2,36

48. A SME oferece boas condições de trabalho para nossa escola, no que se refere à

garantia de quadro completo de docentes, funcionários, e equipe gestora. 2,31

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49. Em termos de salário/jornada/formação, os professores têm boas condições de

trabalho nessa rede. 3,19

50. Estou satisfeita(o) com o desempenho do atual governo municipal na área da

educação. 1,41

MÉDIA GERAL 2,49

Fonte: dados da pesquisa. O programa SPSS calculou as médias das respostas para cada item, lembrando

que o intervalo é de 0 a 6 (0-discordo totalmente; 6-concordo totalmente).

Os dados quantitativos corroboram os dados qualitativos das entrevistas

exploratórias. As principais faltas sentidas pelos professores dizem respeito à

infraestrutura física das escolas e ao provimento de profissionais em número suficiente,

e às oportunidades de participação/escuta nos processos decisórios. Em termos de

qualificação, salário, jornada e formação, a avaliação foi mais positiva, mas ainda assim

a percentagem maior de respostas foi “concordo pouco”.

Todos esses dados no conjunto ajudam a explicar a baixa satisfação dos

professores com o desempenho do atual governo municipal na área da educação, bem

como a avaliação de que a Secretaria Municipal de Educação não cumpre

adequadamente sua parte de responsabilidade na garantia de uma educação pública de

qualidade.

Dialogando com os dados das entrevistas exploratórias, os professores

mencionaram bastante que esperam da SME condições adequadas de trabalho, o que se

manifesta na infra-estrutura física (quadras cobertas, salas de aula em número

suficiente, laboratórios de informática e de ciências); recursos humanos (quadro de

professores e funcionários completo, educadores sociais para escolas de tempo integral,

criação de novos cargos como bibliotecário e monitor de informática); materiais e

equipamentos (“em consonância com o que a escola precisa”); remuneração e

composição de jornada (lei do piso e garantia de tempos pedagógicos para formação,

trabalho coletivo e desenvolvimento de projetos na escola, valorização do professor);

número adequado de alunos por sala.

Esses dados também podem ser comparados com as demandas feitas pelas

escolas à Secretaria de Educação na ocasião das Reuniões de Negociação. A partir dos

arquivos disponibilizados pelo Núcleo de Avaliação Institucional, pudemos categorizar

os tipos de demandas feitas nessas reuniões nos anos de 2010, 2011 e 201454

. Dessa

54

Quanto às demandas de 2014, utilizamos tabelas organizadas pela SME com as demandas das escolas

das regiões NOROESTE, NORTE e SUL. Algumas escolas destas regiões, bem como escolas da LESTE

e SUDOESTE, não constavam nessas tabelas, e para estas escolas recorremos às apresentações/slides que

as escolas enviaram à SME. Quanto a 2010 e 2011, utilizamos folhas impressas que a SME nos

disponibilizou, nas quais constavam as demandas por escola. Esses dados dispersos nos permitiram

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sistematização, concluímos que as RNs são utilizadas para a escola colocar suas

demandas individuais a respeito das condições estruturais de seu funcionamento, sendo

as questões mais frequentes aquelas relativas à infraestrutura física e recursos humanos -

44,8% e 29,7% respectivamente, das 575 demandas.

Gráfico 3 - Tipos de Demandas das Reuniões de Negociação

0

50

100

150

200

250

300

Infra

-Est

rutu

ra

Recurs

os Hum

anos

Outros

Inte

r-Seto

rial

Mate

riais/

Equipam

entos

Apoio à

Escola

Form

ação

Serv

iços

Fonte: elaborado pela pesquisadora

Nesta primeira categoria, apareceram principalmente: pedidos de construção,

ampliação e/ou reforma de espaços da escola utilizados para atividades com alunos

(salas de aula, biblioteca, laboratórios, quiosques, quadras), entre outros, como cozinha,

refeitório, banheiros, almoxarifado etc. As escolas reclamam da ausência ou tamanho

reduzido dos espaços que possuem, reivindicando em alguns casos que se alugue outro

espaço para ampliação da Unidade, ou mesmo que se construam outras EMEFs na

região. Algumas reformas bastante reivindicadas são construção de rampas de

acessibilidade para deficientes e cobertura da quadra de esportes. Aqui também

apareceram pedidos de pequenas reformas como troca de azulejo do banheiro e pintura

de muro, alguns cuja responsabilidade de execução é da escola a partir do dinheiro do

“Conta Escola”.

Na segunda categoria, as reivindicações giram principalmente em torno de:

contratação de professores (titulares e adjuntos) e funcionários (inspetores de alunos,

montar, primeiramente por escola, tabelas com as demandas de todos os anos (2010, 2011, 2014). Depois,

categorizamos as demandas de todas as escolas e de todos os anos de acordo com a semelhança de

conteúdo observada entre elas (BARDIN, 2004).

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agente de limpeza, agente administrativo etc), de forma a completar o quadro necessário

para o bom atendimento dos alunos/comunidade em todos os turnos;

profissionais/estagiários que auxiliem o trabalho pedagógico nas salas de

informática/multimídia e na biblioteca; monitores/cuidadores de educação especial. Nas

duas escolas em que realizei as observações, os professores sentiam bastante

necessidade de mais apoio na lida com o aluno especial. Julgavam necessário ter mais

oportunidade para conversar com a professora de educação especial, lamentando que

naquele momento isso era inviável, pois havia somente uma professora para todos os

turnos, e não havia tempo de planejamento entre pares incluído na jornada. Outras

questões que impactam são o número insuficiente de cuidadores e a quantidade elevada

de alunos por turma, dificultando a atenção individualizada.

Uma demanda bastante recorrente nas Reuniões de Negociação é a garantia de

que a escola tenha a equipe de professores completa, inclusive professores que

substituam os titulares nos casos de licenças, faltas e abonadas. Relatam que a

substituição tem sido precária, devido à demora no envio desses profissionais à escola, e

por conta de muitas vezes não possuírem formação compatível com a disciplina

assumida. Para não prejudicar os casos de faltas/abonadas, reivindicam que haja

profissionais “contínuos livres” nas unidades escolares, que “não tenham carga

atribuída”, e que os adjuntos participem das atividades com os professores titulares.

A falta de equipe completa de profissionais influencia a confiança dos

professores no poder público, e parece afetar também a confiança nas relações internas

da escola. Há algumas situações emblemáticas trazidas pela pesquisa de campo que nos

ajudam a explicar a correlação entre confiança institucional e interpessoal aferida no

teste quantitativo. Segundo uma Orientadora Pedagógica entrevistada, por fazer parte da

equipe gestora da escola que apresentou mais alto grau de confiança da rede:

Vejo essa situação de confiança localizada no ano passado [2016], quando você aplicou o

questionário. Porque tínhamos uma equipe completa de professores e a equipe gestora completa,

e também o quadro de apoio administrativo completo. Nessas condições havia de fato essa

confiança aqui dentro: tínhamos alguns combinados, quando surgia alguma questão que

precisávamos discutir, fazíamos isso nas RPAIs, CPA. Conseguimos trazer apoio das famílias...

a família tinha uma visão que aqui era uma bagunça, aí depois criamos procedimentos pra tudo.

A figura do diretor era importante pra isso. Ele também era o responsável por fazer compra dos

materiais que os professores pediam... Hoje [sem diretor/a] os professores precisam de lista de

material, mas a gente não consegue comprar. Aí cria uma apatia: professor bravo falando da falta

de condição de trabalho... e a gente [OP e vices] ta dando jeitinho em tudo, tivemos que pedir

pro diretor da outra escola assinar a compra, porque a gente não pode assinar papelada pra

compra. Nesse ano também tivemos muita situação de pais querendo agredir a gente. Teve

semana passada reunião com a supervisora pra essa mãe entender que ela não pode entrar

qualquer hora na escola....com o diretor aqui ele conseguia segurar esses problemas. Chegava um

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pai desse jeito, e ele que resolvia. Ele dava o tom da música, a gente negociava... e agora a gente

ta apagando fogo... A gente tem que fazer de tudo agora, questões de relacionamento,

comportamento... estamos vivendo um momento de descaracterização da nossa função. Isso

fragiliza nossa confiança na SME. Ano passado a gente tinha condições melhores, por isso deu

que a confiança aqui era alta (Orientadora Pedagógica da escola com maior grau de confiança

segundo nosso instrumento, 13/04/2017).

A “descaracterização da função” parece fragilizar a confiança nas relações

internas, pois os professores dirigem certas expectativas à orientadora pedagógica que,

por estar com a equipe gestora e de funcionários incompleta, não consegue cumpri-las

adequadamente.

Outra situação aconteceu na Escola B, onde também há expectativas frustradas,

pois os professores esperam que a diretora dê conta de resolver um problema criado pela

ausência de adjuntos. Eles reclamam que os alunos, quando estão de aula vaga devido à

falta de algum professor, bagunçam muito, atrapalhando quem está tendo aula.

Atribuem essa bagunça à falta de postura da equipe gestora, que, segundo eles, não

repensa formas de “subir aula” dos professores, não cobra comportamento adequado dos

alunos, ou não está presente na escola em determinados dias da semana. No entanto, em

conversa comigo, ela lembra que faz parte de sua função ausentar-se alguns períodos

para comparecer a reuniões externas, reforçando que essa cobrança dos professores é

descabida. Também ressalta que não deveria depender só dela o controle da disciplina,

que a SME deveria cumprir sua parte de responsabilidade garantindo adjuntos para a

escola, da mesma forma que os professores também deveriam se responsabilizar em

avisar com antecedência quando irão abonar ou faltar.

Em suma, nas duas escolas a desresponsabilização da SME em prover equipe

completa de profissionais gerou uma sobrecarga de expectativas na orientadora

pedagógica e na diretora que elas não deram conta de cumprir, o que ajudou a fragilizar

a confiança interna. Por outro lado, na Escola A pude perceber como o quadro completo

de profissionais e sua permanência na escola é capaz de modificar positivamente as

relações internas, como narra o Orientador Pedagógico:

Até 2014, havia muitas mudanças nos cargos inclusive na equipe gestora, as pessoas eram

transitórias e faltava comprometimento. Havia muito enfrentamento, falta de diálogo, de gestor

com aluno, professor com aluno, polícia vinha sempre tirar aluno da escola. Agora a SME

mudou o olhar, a partir de 2014, completou quadro com professores efetivos. Alunos passaram a

ter rotina, e uma equipe gestora olhando pra eles o tempo todo (Diário de Campo, Escola A,

04/08/2016).

Em terceiro lugar, apareceu a categoria das demandas referentes ao número de

alunos por turma. Estas, junto com outras como fortalecimento dos espaços

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participativos na rede, compuseram a categoria “outros”. Isso porque reivindicar menor

quantidade de alunos por sala relaciona-se tanto com estrutura física (mais salas de aula)

quanto com recursos humanos (mais professores), de forma que não foi possível

encaixá-la em apenas uma dessas categorias. Da mesma forma, a reivindicação de

momentos participativos apareceu com frequência muito baixa nos documentos das

RNs, não justificando a criação de uma categoria exclusiva para isso. Apesar disso,

discutiremos adiante que nas entrevistas uma quantidade expressiva de professores

reivindica maior participação na condução da política da rede.

Em quarto lugar, mas ainda com número expressivo de demandas, veio a

categoria “ações intersetoriais”. Aqui apareceram reivindicações relacionadas a diversas

parcerias que as escolas precisam firmar com outras Secretarias e serviços da prefeitura

para que as crianças sejam atendidas integralmente em suas necessidades. Muitas

escolas solicitam maior interação com o Serviço de Saúde/Posto de Saúde local, que

este atenda satisfatoriamente os alunos encaminhados principalmente para as áreas de

fonoaudiologia e psicologia, pois relatam que “muitos encaminhamentos ficam parados

e sem atendimento, dificultando assim o desenvolvimento escolar do aluno”. As escolas

reivindicam essa interação de diferentes formas: que haja reuniões do pessoal das

escolas com os profissionais da saúde para apresentação das necessidades dos alunos;

formação de um “centro de especialidades que reúna tais profissionais”; presença de

uma “equipe de apoio escolar (fonoaudiólogo, psicólogo, assistente social, agentes de

saúde, terapeutas, oftalmologista e psicopedagogos)”, que tenha relação direta com as

Unidades Escolares, auxiliando de perto os pais/professores na avaliação diagnóstica e

acompanhamento dos alunos. Também salientam a necessidade de ações efetivas e

eficazes junto ao Conselho Tutelar.

Outra questão importante, que apareceu de diversas formas nas entrevistas e nas

Reuniões de Negociação, refere-se à composição da jornada e tempos pedagógicos para

formação, trabalho coletivo e realização de projetos na escola. Os entrevistados

valorizam condições adequadas para que possam participar de cursos de formação, e

para que a escola consiga implementar projetos de acordo com suas necessidades. No

entanto, ressaltamos que, para o conjunto dos entrevistados, essas “condições

adequadas” não significam necessariamente incorporar na jornada a formação, os

projetos, os tempos coletivos.

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Uma coordenadora pedagógica que participou da Comissão de Estudos sobre

Jornada, Carreira e Formação55

considera que essa questão de incluir na jornada tempos

pedagógicos além do trabalho em sala de aula é polêmica:

Ao discutir jornada em 2013, e fui da comissão que sistematizou as propostas da rede, vimos que

há grandes resistências dos professores em ampliar jornada, colocar na carga obrigatória a

formação etc. Vieram à tona as várias visões: dos que querem jornadas mais coerentes com uma

dedicação ao trabalho, como profissão de alta responsabilidade, que viam isso como

potencializador da escola e do trabalho do professor; e dos que não querem muito envolvimento

com a escola, querem dar sua aula e sair correndo, se cansavam dessas horas, faltavam,

reclamavam, queriam abrir mão. Era penoso também pra quem acumulava trabalho com outras

redes; outros preferiam mais tempo com a família, por isso não queriam formação ou horas de

trabalho coletivo na jornada. Não era assim tão simples, a polêmica era grande. (Coordenadora

Pedagógica, grifo meu).

Nas Reuniões de Negociação, apareceu apenas em sete reivindicações a

formulação de uma nova jornada para o professor, que amplie seu tempo de

permanência na escola em momentos de planejamento coletivos garantindo inclusive

sua participação nas CPAs e em cursos/projetos de formação continuada. Nas palavras

de algumas escolas, pede-se a “implementação total da Lei do Piso” para “realização de

atividades coletivas/recuperação paralela/CPA”, uma vez que “o tempo é insuficiente

para discussão coletiva e realização de trabalhos interdisciplinares, incluindo a

coordenação de ciclo”.

No entanto, a baixa ocorrência dessas reivindicações nos documentos das

Reuniões de Negociação pode ocorrer também pelo fato de que as escolas acabam

utilizando as RNs para solicitar questões mais individualizadas. Pouco se toca em

questões que impactariam a formulação de novas resoluções e políticas públicas para o

conjunto das escolas e dos profissionais. Talvez isso ocorra, entre outras questões, pelo

próprio caráter da CPA, que foi pensada, segundo a resolução de sua criação

(RESOLUÇÃO SME Nº 05/2008), para se referir ao processo de auto-avaliação da

própria Unidade Escolar, pelo qual se “constrói conhecimento sobre sua própria

realidade com a finalidade de planejar as ações destinadas ao aprimoramento

institucional (...)” (grifos meus). Isso também pode explicar porque a

criação/fortalecimento de espaços de participação na rede não é tão reivindicada nas

RNs quanto nas entrevistas.

Com vistas a entender melhor as expectativas dos professores quanto à jornada,

recorremos também à análise do Relatório56

elaborado pela Comissão de Estudos sobre

55

Essa comissão foi formada em 2013, visando a subsidiar a SME na implementação da Lei 11.738 de 16

de julho de 2008, que regulamenta o Piso Salarial Nacional para os Profissionais do Magistério Público

da Educação Básica.

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Jornada, Carreira e Formação (2013), o qual traz propostas de todas as escolas da rede a

respeito dessa questão. O Relatório documenta que “a grande maioria dos professores

(87%), sejam eles da educação infantil ou fundamental/EJA do ensino fundamental,

defende a proposta que a formação esteja incluída na jornada semanal”; e que, apesar da

baixa indicação de ampliação dos Tempos de Trabalho Coletivos (TDC), 54% dos

professores dos anos iniciais e 55% dos anos finais do Fundamental propuseram a

criação de outros tempos de trabalho coletivo direcionados especificamente para

planejamento dentro do mesmo ciclo, período, ou área curricular (COMISSÃO DE

ESTUDOS SOBRE JORNADA, CARREIRA, FORMAÇÃO, 2013).

Esses dados corroboram o que temos observado em campo. Os professores

ressentem a falta de momentos de planejamento entre pares, sem a presença da equipe

gestora como no TDC, nos quais possam trabalhar em conjunto com os colegas de ciclo,

ou sentar com a professora de educação especial e planejar atividades para os alunos

com deficiência: “eles querem que a gente trabalhe em ciclo, mas não conseguimos

sentar junto!” (Diário de Campo Escola B, 13/03/2017).

Os professores também reclamavam que havia cada vez mais cobrança da

Secretaria sem a contrapartida do apoio necessário em termos de tempo e condições

materiais. Por exemplo, durante boa parte do ano de 2017 eles tentaram se adaptar a

uma nova exigência de registrar as faltas/presenças dos alunos em um sistema online, o

que gerou bastante insatisfação. Eles reclamavam que os computadores das salas de

informática eram precários, o sinal de wifi não chegava às salas de aula, nem todos os

professores receberam tablets, e que o sistema era muito ruim e demorado. Diante dessa

situação, pediam às equipes gestoras se podiam usar algum tempo pedagógico para

transportar os registros do papel impresso ao sistema, o que era dificilmente atendido

dado que o escopo de atividades permitidas nesses tempos tornava-se cada vez mais

limitado.

Em 2017, a jornada do professor de ensino fundamental incluía, além do tempo de

aula propriamente (TDA), o Trabalho Docente Coletivo de reunião entre professores e

equipe gestora (TDC), o Trabalho Docente Individual, utilizado para atendimento aos

pais (TDI) e o Trabalho Docente Preparação de Aulas (TDPA). O TDEP (Trabalho

Docente entre os Pares) existe apenas para as escolas de Educação Integral.

56

O objetivo do relatório era subsidiar a SME Campinas na implementação da Lei 11.738 de 16 de

julho de 2008, que regulamenta o Piso Salarial Nacional para os Profissionais do Magistério Público da

Educação Básica.

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Para realização de formação continuada, projetos na escola, e participação na

CPA, os professores podem optar pela Hora-Projeto (HP), que não faz parte da jornada.

Alguns possuem em sua jornada a CHP - apenas aqueles que ingressaram na rede antes

de 2004 e optaram por manter essas horas na jornada, utilizadas também para formação

e realização de projetos. As professoras da Escola B relataram usar a CHP para planejar

atividades com a professora de educação especial. No entanto, em janeiro de 2017 a

SME lançou uma resolução limitando o uso da CHP, gerando insatisfação no corpo

docente dessa escola. Desde então, essas horas deveriam ser usadas apenas para

atividades diretas com o aluno, pois, segundo Orientadora Pedagógica dessa escola, “em

reunião a supervisora disse que os índices da prefeitura estão muito baixos na

avaliação externa, então a orientação foi usar todos os tempos pedagógicos para

recuperação dos alunos” (Diário de Campo Escola B, 13/03/2017).

Considerando que a maior parte dos professores respondeu o instrumento em

201657

, anteriormente à resolução acima, pode-se afirmar que ele não captou a

insatisfação dos professores com essa modificação. No item “Em termos de

salário/jornada/formação, os professores têm boas condições de trabalho nessa rede?”, a

maior parte dos respondentes marcou “concordo pouco” (30,5%). Ainda assim, os

respondentes estão mais distribuídos no nível do concordo (55,2%) do que do discordo

(41,3%).

Analisamos que, apesar das insatisfações acima mencionadas, a maioria dos

professores avalia positivamente o desempenho do poder público nesse aspecto, pois,

pelo menos até 2016, havia a possibilidade de fazerem projetos, formação e

planejamento coletivo através das horas CHP e HP. Isso é considerado suficiente por

muitos professores, pois nem todos almejam a inclusão desses tempos na jornada. Como

disse uma entrevistada, “comparando com outras redes que temos hoje no país, a nossa

é avançada quanto a essas possibilidades”. Ela completa, no entanto, que quando se

compara com outras profissões de mesma formação, o professor é desvalorizado e as

condições são precárias. Essa ambiguidade pode explicar o “concordo pouco” dos

professores nesse item.

Vale retomar que as questões do instrumento foram construídas a partir da

pergunta feita a trinta professores da rede: “O que você espera da SME? Do que

depende sua confiança nessa instituição?”. Isso significa que todos os aspectos acima

57

Apenas três escolas responderam em 2017.

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mencionados, desde condições de trabalho à permeabilidade dos processos decisórios,

fazem parte das expectativas dos professores quanto ao desempenho e às características

dessa instituição. Eles avaliam o desempenho da SME em termos de resultados

concretos, manifestos no provimento de condições de trabalho, mas também avaliam

suas características, no sentido de abertura das estruturas de poder às demandas

docentes. Por enquanto, vimos que os professores esperam poder influenciar algumas

decisões da SME (ex. quantidade de alunos por turma, uso do CHP) via proximidade do

supervisor com a realidade das escolas. Veremos que eles também esperam canalizar

suas demandas através da participação em espaços institucionais da rede. Na medida em

que a avaliação desses aspectos corresponda às expectativas depositadas, desenvolve-se

então a confiança dos professores nessa instituição.

A baixa confiança dos professores na Secretaria Municipal de Educação

corrobora achados já documentados na literatura sobre confiança política nas

instituições democráticas (NEWTON & NORRIS, 1999; MOISÉS, 2005; RIBEIRO,

2011). Tais estudos documentam uma onda global de desencanto com essas instituições,

o que seria explicado, sobretudo, pela sua ineficácia em desempenhar as funções para as

quais foram criadas, na percepção dos cidadãos.

Utilizando os dados do World Values Survey (WVS)58

em suas sucessivas ondas

desde 1980 até 2005, Ribeiro (2011) conclui que nos países da América Latina, o

contexto de transição democrática gerou uma série de expectativas positivas em relação

à democracia e às instituições que se solidificavam. No entanto, a ineficiência da

maioria dos regimes implementados no atendimento a essas expectativas, sobretudo nas

áreas econômica e social, levaram gradualmente ao desencanto e ceticismo em relação

ao sistema político, o que aparece claramente nas baixas taxas de confiança depositadas

em suas instituições fundamentais, como o parlamento, partidos políticos, poder

judiciário, serviços públicos e sindicatos.

Esse estudo mostrou que a confiança em tais instituições é influenciada pela

avaliação concreta que os indivíduos fazem do sistema político, medida pela pergunta

V163 do WVS: “Em que medida o Brasil está sendo governado de maneira democrática

hoje?”. Outra variável que se mostrou relevante para a formação da confiança foi

relativa à avaliação da situação financeira familiar, o que de alguma forma está ligado à

58

O WVS é uma grande investigação sobre mudanças socioculturais e políticas, executada por uma rede

global de cientistas sociais a partir de surveys aplicados a amostras nacionais representativas de mais de

oitenta nações espalhadas por todos os continentes do planeta.

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avaliação do governo, em termos das consequências que suas escolhas políticas geram

na vida privada (RIBEIRO, 2011).

Na mesma linha, Newton e Norris (1999) também utilizam dados do WVS

(1981-84; 1990-93) para documentar a crescente desconfiança política nas instituições

públicas da democracia representativa, desta vez nos países centrais de industrialização

avançada, considerando o parlamento, sistema legal, forças armadas, polícia, e serviços

civis. A explicação para o declínio da confiança foca no desempenho dos governos e

instituições políticas. Por meio de regressões estatísticas e influenciada pela teoria de

Robert Putnam, a pesquisa mostrou que, no nível agregado nacional, redes densas e

vibrantes de capital social, e os elevados níveis de cooperação e confiança a elas

associados, conduzem a instituições eficientes e responsivas às demandas dos cidadãos.

O bom desempenho dessas instituições, por sua vez, gera níveis elevados de confiança

política, o que sinaliza para uma relação entre confiança social e confiança institucional

mediada pelo desempenho das instituições.

Especificamente sobre o caso brasileiro, pesquisas recentes mostram que, apesar

do apoio ao regime democrático per se, cerca de 2/3 dos brasileiros não confiam - em

diferentes graus - em parlamentos, partidos políticos, órgãos executivos, tribunais de

justiça e serviços públicos de saúde, educação e segurança (MOISÉS, 2005a), o que

sinaliza para a multidimensionalidade do conceito de confiança: confiar nos princípios

do regime é diferente de confiar no desempenho concreto de suas instituições.

O autor busca as raízes dessa desconfiança nas teorias institucionais, segundo as

quais a explicação da confiança política radica na experiência dos cidadãos com as

instituições. A confiança é gerada, assim, pela avaliação crítica que eles fazem do

funcionamento concreto das instituições a partir do que aprenderam que é a sua missão

fundamental. A confiança depende, então, tanto da internalização de valores

normativos, ou seja, da identificação das pessoas com as instituições, aprendida através

de processos sucessivos de transmissão de seu significado de geração a geração, quanto

das experiências dos indivíduos ao longo de suas vidas adultas, o que os qualifica para

fazer avaliações racionais.

Os cidadãos confiam em instituições que funcionam de forma compatível com as

expectativas suscitadas por sua justificação normativa e seus fundamentos legais, ou

seja, que sinalizem imparcialidade, universalismo, justeza e probidade, decorrentes do

princípio da igualdade de todos perante a lei. Por outro lado,

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A desconfiança política corresponderia ao oposto disso, ou seja, à situação

em que os cidadãos sentem-se desrespeitados por procedimentos

institucionais ilícitos ou não autorizados, a exemplo de eleições irregulares

ou fraudulentas, corrupção e comportamento anti-republicano de governos e

políticos; ou, ainda, quando os cidadãos não encontram motivos para

acreditar que instituições como as agências de serviços públicos funcionam

de acordo com o fim para o qual existem ou com a eficiência necessária ao

cumprimento de sua missão; e, finalmente, quando estão convencidos de que

alguns entre eles têm mais acesso a direitos civis, políticos e sociais do que

outros – ao contrário do que preconizam a constituição e as leis do país

(MOISÉS, 2005a, p. 52).

Em outras palavras, uma vez que as instituições sejam capazes de sinalizar, de

modo inequívoco, o universalismo, a imparcialidade, a justeza e a probidade de seus

procedimentos, assegurando que os interesses dos cidadãos sejam efetivamente levados

em conta pelo sistema político, elas geram solidariedade e ganham a confiança dos

cidadãos. Em sentido contrário, quando prevalece a ineficiência ou a indiferença

institucional diante de demandas para fazer valer direitos assegurados por lei ou

generalizam-se práticas de corrupção, de fraude ou de desrespeito ao interesse público,

instala-se uma atmosfera de suspeição, de descrédito e de desesperança (MOISÉS,

2005b).

Os três trabalhos citados acima focam no desempenho das instituições,

questionando as explicações fornecidas pelas teorias sócio-psicológicas e socioculturais

para o fenômeno da confiança. Segundo essa primeira, a disposição de confiar, seja em

instituições ou em outras pessoas, é fruto de um traço de personalidade individual.

Dependendo da história psicológica e afetiva de cada um, algumas pessoas teriam uma

atitude mais positiva diante da vida e seriam, em consequência, mais propensas a

cooperar e a confiar nos outros. Já as teorias socioculturais pressupõem que as pessoas

que participam de instituições intermediárias (associações voluntárias e comunitárias,

por exemplo) qualificam-se para a realização de objetivos comuns, ao desenvolverem

espírito cívico e solidariedade, em um ambiente propício à criação da confiança entre os

membros das associações, o que consequentemente fomentaria a confiança desses

membros em relação às autoridades e instituições políticas.

No entanto, ao testar esse modelo, Newton e Norris (1999) não encontraram

associação significativa, no nível individual, entre confiança social, confiança

institucional e participação em associações voluntárias. Ribeiro (2011) também testou

essa hipótese considerando as respostas fornecidas pelos entrevistados do World Values

Survey a uma série de perguntas sobre sua participação em diferentes organizações,

instituições e atividades voluntárias, como igreja ou grupo religioso, organização

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183

esportiva, organização cultural ou artística, sindicato, partido político, organização

ambiental, associação profissional, associação de caridade, grupos de autoajuda, etc.

Além dessas organizações disponíveis no survey em questão, ele também introduziu no

modelo a ser testado tipos de participação “não-convencionais ou contestatórias”

(RIBEIRO, 2011), como boicotes, ocupações, greves ilegais e passeatas. Concluiu que

não há diferenciais em termos de confiança institucional entre aqueles que participam

mais ou menos dessas organizações e atividades, independentemente da forma de

participação.

Os estudos acima, portanto, questionam que a participação em termos de capital

social gere nos indivíduos maior propensão à confiança nas instituições políticas. A

confiança política, ao invés, seria influenciada pelo desempenho concreto das

instituições, avaliado com base em uma ideia aprendida sobre qual é sua missão. Por um

lado, essa conclusão dialoga com parte de nossos achados, de que a confiança dos

professores é influenciada pelo desempenho da Secretaria Municipal de Educação em

termos do provimento de condições de trabalho.

Por outro lado, deixa descoberta outra parte, que mostrou que as oportunidades

de participação nos processos decisórios da rede afetam a confiança institucional -

segundo os itens 43 e 44 do instrumento. Isso porque, tal como nas teorias do capital

social, os estudos acima medem engajamento na vida cívica através da participação em

atividades e organizações limitadas, nos moldes do que é considerado “comunidade

cívica” por Robert Putnam. No máximo, Ribeiro acrescenta participação em boicotes,

ocupações, passeatas. Analisaremos que nesses estudos pouco ou nada se fala a respeito

de movimentos sociais e instituições participativas, como Orçamento Participativo e

Conselhos Municipais. Elege-se apenas uma parte da sociedade civil como lugar

privilegiado de onde irão imergir esforços profícuos de participação e florescimento da

vida cívica.

Lembrando que nosso instrumento captou tanto as expectativas de melhores

condições de trabalho (infraestrutura e quadro completo de profissionais, salário,

jornada, formação), quanto de que os professores possuam algum poder de influir sobre

o processo decisório, e de que a ordem institucional seja capaz de absorver e processar

suas demandas. Os professores esperam que isso ocorra não somente via contato dos

supervisores com a realidade das escolas, mas, sobretudo, via participação efetiva em

espaços institucionais de negociação e/ou deliberação.

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De trinta e cinco sujeitos entrevistados59

, quinze (42%) mencionaram que

esperam que a Secretaria de Educação “chame os professores para construir junto”, ou

seja, esperam uma postura de escuta e consideração em relação ao que os profissionais

da escola julgam necessário para a melhoria da educação. Segundo eles, isso deve

ocorrer, sobretudo, através de sua participação em formatos institucionais como

conselhos, comissões, conferências, reuniões de negociação etc. Os professores mais

antigos se reportavam com nostalgia ao governo petista entre 2001-2004, quando a

professora Dra. Corinta Geraldi assumiu a Secretaria de Educação. Nessa época, ela

implementou um projeto de educação denominado Escola Viva que, além de trazer

modificações na organização do trabalho pedagógico das escolas, propiciou momentos

de discussão pública no âmbito da rede através dos fóruns e congressos de educação60

.

Segundo 36% dos professores entrevistados com no mínimo quinze anos de rede, esse

formato de negociação rendeu-lhes poder de influência sobre os rumos da política

municipal, afetando principalmente o Plano de Cargos, Carreira e Salários, o que

aumentou sua confiança na SME.

No entanto, os entrevistados colocam sua impressão de que “hoje [2015] não

tem muito esses espaços”. As entrevistas proveram situações concretas que

exemplificam como a SME por vezes até cria alguns poucos espaços para participação,

ou “até ouve os professores”, sem que disso decorra necessariamente um

comprometimento com as demandas dos docentes.

Nos dados estatísticos, vimos que a maioria dos professores discorda das

seguintes afirmativas: “A SME cria espaços e oportunidades para ouvir a opinião dos

professores sobre questões que impactam a qualidade da educação”; “A voz dos

professores é considerada pela SME nos processos de tomada de decisões”, o que

contribui para gerar a baixa confiança nesse nível institucional. Os momentos que os

entrevistados julgaram mais impositivos foram: a construção do Plano Municipal de

Educação61

em 2015; o convênio da Prefeitura com a empresa Comunitas/Falconi,

firmado em 2014, com objetivo de implementar uma assessoria de gestão por resultados

59

Considerando os trinta professores e os cinco OPs inicialmente escolhidos. 60

Para uma análise completa sobre a política de educação desse governo, ver tese de Oliveira (2005). 61

A construção do Plano Municipal de Educação envolveu um momento de consulta às escolas e

discussão de suas propostas em cinco pré-conferências e uma Conferência Municipal de Educação,

convocadas pelo Fórum Municipal de Educação, ocorridas em maio de 2015.

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nas escolas62

; e a construção da matriz de Educação Integral, quando a SME fechou a

matriz em 2015 decidindo padronizar os projetos das escolas.

4. Espero que ouçam nas mudanças relacionadas ao cotidiano escolar, porque parece que é

uma realidade distante deles, e como a gestão conhece melhor a escola, ela poderia propor

soluções que seriam mais produtivas ao invés de seguir uma receita. O que ta acontecendo

agora são várias reuniões sobre a organização das escolas integrais, eles querem mais

uniformidade...foi aberto o diálogo com os professores, mas muito do que foi pedido e proposto

pelas escolas [professores e direção] não foi atendido. Então ficou impressão de que tava tudo

pronto e que a abertura foi só uma máscara.

2. Espero que ofereçam recursos de acordo com o que a escola precisa...e deem maior

autonomia pras escolas. Formaram a comissão de escola integral consultiva... a escola vota

uma coisa, mas decidem outra....espero que realmente levem em consideração a consulta que

eles resolveram fazer. Acho que é isso, ouvir as escolas, o que ela aponta como necessidade.

8. Quando eu entrei [época em que Corinta estava à frente da SME] eu me sentia mais

valorizada do que agora, em relação a plano de carreira, em relação ao cumpra-se. Se a

educação é feita por nós, é a gente que tem que pautar as coisas. E obviamente a SME pode

dizer ‘isso é legal, mas não temos dinheiro’, mas eu só vejo o ‘isso vai ser assim e assado’. O

fechamento do período intermediário é um exemplo...(...), quando fecha período fecha sala de

aula (...) não fizeram rasgado como ta sendo do Alckmin63

, mas teve caso de escola que a

prefeitura pagou ônibus pra estudar longe...acho isso ruim, fechar número de sala sem construir

escola...alunos perdem vínculo (...) tem uma sala aqui que tem um degrauzinho, é escura, e a

gente tem que por aluno lá (...), são condições de trabalho que impedem diálogo que nem tem...

quando diz que quer dialogar... mas como dialogar se a gente não tem condição de trabalho?

11. Por exemplo a questão do Plano Municipal de Educação... eles têm que promover os debates

dentro das escolas, fazer com que haja o diálogo, não podia ser uma opção de cada diretor. Tem

que ter essa discussão. Só depois de pressão que liberaram dois dias pra discussão, esse

espacinho precisou ser cavado.

15. A discussão é apenas pró-forma. A própria implantação da questão da Falconi... quando

vieram pra discutir, já tava tomada a decisão... também a educação integral, a discussão do

plano municipal de educação... aquilo que foi discutido não foi levado em conta. Eles até ouvem

o que a gente fala [faz careta], agora se um grupo de pai fala, eles têm mais poder do que o

professor (...). Eu particularmente tive confiança na época da Corinta. Acho que ali houve um

momento de discussão, ela atendeu o próprio Plano de Carreira, surgiu naquela época. Quando

você tem pessoas que estão dispostas a ouvir, o que não significa fazer tudo que a gente quer,

mas aquilo que a gente pleiteia ou discute não seja simplesmente colocado num canto e fazer de

conta que ouviu. O que não significa que a gente vai concordar com tudo e não vai ter conflito...

sempre vai ter. Às vezes é bom o conflito. Mas que os diferentes grupos se ouçam, façam as

coisas em conjunto... vinham as discussões pra gente fazer...ela [Corinta] atendeu muitos desejos

e anseios que a gente tinha, não só na questão salarial, que houve uma melhora, também mais

tempo pra desenvolver projeto, isso foi colocado na jornada.

24. Eu espero fomento, no sentido de garantir tempos e espaços de diálogo pra construção

participativa das políticas públicas da cidade, e isso não tem ocorrido (...) não só o espaço pra

discussão, mas pra avaliação, retorno, construção de ações, e retorno dessas ações (...) Hoje

não é um tom de vamos trabalhar juntos. Na época da Corinta existia tensão também, porque

tem os limites de verbas e tal. Mas hoje é só tensão, ta difícil. As últimas semanas a SME decidiu

padronizar os projetos de Ed. Integral. E isso mexeu muito com o projeto dessa escola. A nossa

escola tem um projeto diferente em termos de matriz. Eles mudaram a matriz, tiraram

62

Sobre a chegada dessa assessoria à RMC e os embates gerados com os educadores, ver Oliveira (2016). 63

Referindo-se à política do Estado de São Paulo de implementação das escolas de ciclo único, proposta

pelo então governador Geraldo Alckmin em 2015, que gerou muita polêmica entre educadores e

estudantes que reclamavam da forma autoritária como a decisão havia sido tomada.

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profissionais. Já informaram do fechamento de turmas, não com plano de abrir outras, vão

aumentar o número de crianças na sala (...). Nenhuma das propostas que nós levamos foi

discutida, analisada. Eles queriam propostas que mudassem um pouquinho o formato dentro da

lógica que eles já tavam querendo.

5. Teria que olhar pra demanda da educação. Quando teve o Plano Municipal de Educação,

eles ouviram nossas vontades, mas na hora H fecharam com as entidades [organizações sociais].

Não ouvem nossa demanda, não atendem, não valorizam a educação pública.

16. A impressão que dá é que eles não têm uma total consciência do ambiente escolar. Escola

integral por ex. veio a ordem da implementação da escola integral, sem que tivesse a menor

condição física, pessoal, de funcionários, e às vezes a SME toma algumas atitudes arbitrárias

que vão contra tudo que a gente já ta desenvolvendo na escola, desconsidera...(...) e teve a

Falconi....uma decisão que vem sem consultar a escola, sem conhecer as reais necessidades da

escola (...) Pra ter confiança... que as ações sejam realmente democráticas, que os professores

sejam ouvidos. Normalmente são ouvidos...até tem aquela cara democrática...eles vem e

propõem...aí a gente dá o retorno, mas as coisas acontecem da forma como iam acontecer

mesmo, independente do que a gente pensou praquela ação.

23. o PME foi levado, foram levadas as propostas, aí vai lá na Câmara, o projeto aprovado tem

trocentos cortes. “A gente deu oportunidade”... mas e daí? Que oportunidade foi essa que a

gente vê que não tem encaminhamentos, que não é respeitado. Ocorreram discussões sérias em

várias escolas....e aí? Pelo menos um retorno a gente tinha que ter.

A mesma percepção vale para as Reuniões de Negociação. Ainda que esse

espaço não tenha influenciado a política da rede como um todo uma vez preenchido

com demandas individuais das escolas, ele representa um canal importante de

negociação externa. No entanto, muitos entrevistados mencionaram essas reuniões

como momentos negativos, à medida que as CPAs não tiveram suas demandas

atendidas.

Solicitamos construção de sala, laboratório de informática. Mas até agora nada. Reunião de

negociação não avança nisso, não tem continuidade na gestão. Ir lá é expor nossa parte sem

acreditar que vai ter retorno (Orientadora Pedagógica B).

Espero que atenda às demandas da CPA. Nossa CPA fez umas reivindicações pra Secretaria,

mas não responderam... cobertura da quadra, questões de infra-estrutura. Às vezes não dá pra

atender, mas ao menos dar um retorno (Orientadora Pedagógica E).

6. Costumamos protocolar via CPA questionamento pro DEPE [Departamento Pedagógico] em

relação à sala de informática. Eles respondem, mas não atendem: “estamos discutindo”, e a

coisa vai enrolando.

20. Pedimos computadores na sala de informática, quadra de esportes. A CPA fez documento e

levou lá, mas até hoje nada.

22. Tivemos caso de demanda da CPA por quadra coberta, que nesse caso foi positivo porque

foram pra escola medir o espaço e hoje a escola é a segunda da lista.

Nota-se que a situação ideal é que as demandas de todas as escolas sejam

atendidas prontamente; no entanto, os professores parecem ter flexibilizado essa

exigência, entendendo o caráter de “negociação” destes espaços, esperando ao menos

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que haja um retorno com clareza e registro dos encaminhamentos dados pela SME, e

listas que explicitem/acompanhem o compromisso de atendimento das demandas.

Quanto a isso, uma coordenadora pedagógica entrevistada ressalta a necessidade

de haver esse retorno, pois a falta dele desmobilizou tanto o núcleo de avaliação

institucional da SME que em 2015 não marcou reuniões de negociação, quanto as

próprias escolas, cujas CPAs passaram a se concentrar exclusivamente em demandas

internas.

Falta clareza em termos de política de rede, por parte de Secretaria e DEPE pra fortalecer

algumas coisas. Por ex., quando faz Reunião de Negociação, não precisa necessariamente

atender tudo, mas dar um retorno. Primeira reunião [em 2010] tinha só o Tadeu, o Secretário.

Não ficava nenhum registro de como as demandas iam ser encaminhadas, ele só falava na

reunião informalmente. Depois [reunião de 2011] tinha representante do CGP64

, que cuida dos

recursos humanos, outro representante que cuida da arquitetura escolar, do CAE. Aí quando as

escolas apresentavam as demandas, tinha a fala do Secretário e do fulano da área, mas ainda não

tinha retorno pra escola. A última [2014] foi no mesmo modelo, também acho que não teve

retorno. Teria que organizar a reunião da seguinte forma: CAE fala “temos 20 escolas”, organiza

uma lista, “nossa verba é tanto, esse ano vamos atender tal, tal e tal escola, primeiro atender a

escola Edson que ta mais precária”. E publiciza isso, dá a devolutiva pra todo mundo saber. Tem

que dar visibilidade pra isso e estar claro. Como não tem retorno, isso contamina outras coisas.

Como fazer reunião de negociação esse ano [2015] se não temos o retorno do ano passado?

(Coordenadora Pedagógica responsável pelo Núcleo de Avaliação Institucional, 2015).

No período de realização da pesquisa de campo, pode-se dizer que os canais de

negociação das escolas com a Secretaria não existiam formalmente, devido à ausência

das Reuniões de Negociação. O que lhes restou como opção foi o envio de ofícios de

solicitação/esclarecimento, como se pode ver na situação abaixo:

A Orientadora Pedagógica conta aos professores que acabou de chegar de uma reunião com a

Supervisora, que informou sobre a mudança no CHP que agora é pra ser usado exclusivamente

com o aluno: “falei pra ela [supervisora] que vocês precisavam de um espaço pra conversar

com a professora de educação especial. Ela falou que a gente tem que documentar essa

necessidade, ou mandar um projeto de acordo com a carga de cada um”. As professoras

estavam indignadas que o horário CHP não poderia mais ser usado para planejamento e

formação. Diante disso, a diretora sugeriu: “vamos documentar que precisa desse momento de

planejamento, senão ano que vem vai ser igual”. Junto com uma professora, a Orientadora

Pedagógica reforça: “Temos que mandar um ofício, requerimento. Se não mandamos nada, fica

por isso mesmo!”. (Diário de Campo, ESCOLA B, 10/03/2017).

Ainda assim, às vezes as escolas parecem ser desencorajadas a mandar ofícios

de solicitação, em situações nas quais já teria sido dada uma resposta, como certa vez

disse o Orientador Pedagógico da Escola A:

Quando terminou essa parte inicial [do evento de recepção aos pais, em que se falou sobre as

regras da escola, mostrou-se vídeo enaltecendo o trabalho dos alunos, e a Secretária de Educação

e o diretor do Departamento Pedagógico noticiaram à comunidade que a escola foi escolhida

para receber uma biblioteca, por meio de parceria entre uma ONG, a CPFL e a prefeitura], as

famílias presentes começaram a se dispersar. Alguns foram embora para trabalhar, outros

64

CGP: Coordenadoria de Gestão de Pessoas. CAE: Centro de Arquitetura Escolar.

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procuraram os professores da turma de seu filho para conversar, e alguns alunos aproveitaram a

presença da Secretária de Educação para pedir a tão sonhada quadra coberta e ampliação da

cozinha. Depois de um tempo, em um cantinho, sentamos eu, o Orientador Pedagógico, alguns

alunos e uma professora participantes da CPA. Uma das alunas comentou como foi conversar

com a Secretária: “ela disse que não tem dinheiro esse ano, quem sabe ano que vem”. Nisso, a

professora indignou-se, cobrando que a CPA formalizasse mais uma vez o pedido, dessa vez

enviando um ofício à SME exigindo resposta formal por escrito, pois “não é de hoje que a gente

tenta, uma vez disseram pra CPA que a escola tava na lista, mas cadê que nunca chega nossa

vez?”. O Orientador Pedagógico (OP) interveio nessa hora, dizendo que foi dito ao diretor que a

escola não pode mais fazer o mesmo pedido, sendo que já tiveram uma resposta... insistir nisso

enviando um ofício de cobrança configuraria incitação ao poder público quando feito pelos

servidores públicos, sendo passível de processo legal. Mais uma vez a professora indignou-se,

desta vez questionando: “então qual é a função da CPA?”, ao que o OP respondeu que somente

a comunidade poderia fazer essa solicitação: “os pais/famílias teriam que se unir pra mandar um

ofício questionando sobre uma verba parte do Programa de Aceleração do Crescimento do

governo federal, que tem sido enviada aos municípios e usada pra cobrir a quadra das escolas.

O problema é que a verba vem em partes, uma escola por vez, daí você acha que eles vão

preferir cobrir aqui ou uma escola de tempo integral, que é o que gera visibilidade pro

governo?”. (Diário de campo, ESCOLA A, 20/04/2017).

Avaliamos que essa situação caracteriza inclusive um enfraquecimento do papel

da CPA. O que sobra para as escolas são pequenos momentos, não espaços, de

interlocução com o poder público, quando se “aproveita” a vinda da Secretária para

fazer uma solicitação no corredor, ou quando a equipe gestora das escolas se reúne com

a Supervisora ou Representante Regional.

Na Escola B, a diretora e a orientadora pedagógica mais ouvem quais são as

novas orientações da Secretaria (diário eletrônico, novas regulamentações dos tempos

pedagógicos) e as repassam aos professores do que expressam demandas. Pelo que

consegui observar, a escola parece não ter um conjunto de demandas organizadas, talvez

pelo fato de que nela a CPA não esteja solidamente constituída. No segundo

semestre/2016, houve apenas três reuniões de CPA, sem cronograma pré-agendado; no

primeiro semestre/2017, não houve nenhuma reunião, em partes por conta da saída da

Orientadora Pedagógica que as vinha conduzindo até então.

Vale mencionar que a Escola B é a escola da rede que tem o grau de confiança

mais baixo no poder público. Em nossa escala de zero a seis, ela pontuou com 1,48

nesse par de relação, enquanto a maior média foi 3,21. A Escola A, por sua vez, esteve

no grupo das melhores classificadas, com 3,07, ainda assim um grau de confiança baixo.

Na Escola A, observou-se que diante de novas resoluções que mexem na vida da

escola e no trabalho docente, o diretor pede aos professores que escrevam suas dúvidas

e questionamentos para que ele possa encaminhá-las à SME e depois dar-lhes a

devolutiva. Nessa escola, o diretor se antecipou na atitude de sistematizar e encaminhar

as demandas docentes e de fato executou essa promessa. Ainda assim, aqui o contato

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dos professores com a SME também depende dessa mediação feita pelo diretor, que

acaba centralizando em suas mãos os canais de reivindicação, o que pode ser percebido

na situação acima e outras vezes em que a CPA foi desincentivada a encaminhar ofícios

na Escola A.

A observação das duas escolas autoriza a conclusão de que, na ausência/carência

das reuniões de negociação e outros espaços institucionalizados de negociação com o

poder público, os professores: 1. ficam dependentes do contato pessoal da equipe

gestora com os supervisores para manifestar suas demandas, porém esse contato, pelo

seu próprio caráter, fica mais restrito ao repasse de novas normas e à manifestação de

dúvidas; e, como veremos, 2. ficam reféns da disposição da equipe gestora de se

envolver em relações de troca do tipo mercadológicas (ex. troca de favores) com a SME

e com organizações do terceiro setor para conseguir certas condições de infraestrutura,

como parquinho e biblioteca.

Quanto a esse segundo aspecto, na Escola B não havia essa disposição,

predominando o clima de insatisfação e desconfiança internamente e nas relações com a

SME. Já na Escola A foi observada uma relação peculiar entre SME e equipe gestora.

Apesar da reivindicação histórica da escola em receber uma quadra coberta, ainda não

atendida, a SME parece dar uma atenção especial à escola em outros aspectos, quando,

por exemplo, a escolheu para receber um projeto de construção de biblioteca através de

parceria do poder público municipal com uma empresa, e também quando a indicou

para receber outro projeto, de protagonismo juvenil, coordenado por uma Fundação.

Parece que essas “benesses” são obtidas dentro de uma relação de troca, na qual a

equipe gestora, por sua vez, tem feito sua parte ao “fazer” o IDEB da escola subir, e

também ao ser uma das poucas escolas que aceitaram receber uma assessoria privada de

gestão que a prefeitura queria impor à rede (OLIVEIRA, 2016).

A equipe gestora mostra ter uma preocupação grande com a imagem da Escola

A e sua visibilidade, pois, como já me disse algumas vezes, trata-se de uma escola

localizada em região de alta vulnerabilidade que sempre foi conhecida por seus aspectos

negativos: pobreza, baixos índices no IDEB, violência. Alguns alunos mesmo já

comentaram “quando toca no nome da escola, o pessoal já se assusta: por que você

estuda lá? É uma escola que não presta”. Já ouvi também dizerem que os moradores do

bairro têm dificuldade de conseguir emprego quando colocam no currículo onde moram.

Certa vez, acompanhando o evento de Encontro das CPAs promovido pelo

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Departamento Pedagógico em outubro/2016, após a apresentação da Escola A ouvi

algumas professoras de outra escola comentando entre elas que não imaginavam que

essa escola fizesse um trabalho tão interessante. Elas estavam surpresas, já que a Escola

A sempre foi conhecida “como aquele lugar pra onde nenhum professor quer ir”, mas,

segundo elas, “agora [depois de tomar contato com o trabalho que a escola desenvolve]

eu até pensaria em pegar aula lá”.

Por isso a meta da equipe gestora tem sido mudar essa imagem, ciente de que

por aí passa a conquista de melhorias. Tal mudança parece estar surtindo efeito, pois

também ouço elogios e vejo olhares admirados sobre a escola: “é verdade que as

reuniões de pais lá são cheias, a comunidade lota a escola?” (diretora de outra escola

da rede); “a direção la é ótima, topa participar de vários projetos, a escola ta sempre

cheia de coisa acontecendo” (coordenadora do projeto de protagonismo juvenil

oferecido em parceria com uma Fundação); “desde que essa gestão entrou, as coisas

estão muito melhores aqui” (professora antiga na escola). A escola atraiu atenção de um

canal renomado de TV, que escolheu fazer uma série de reportagens em cinco escolas

brasileiras que se destacaram por terem passado por processos grandes de mudança.

Trata-se de uma escola que ainda apresenta um dos mais baixos IDEBs da rede, mas que

vem evoluindo significativamente nesse índice. Em entrevista, o canal de TV perguntou

a uma aluna, presidente do grêmio da escola, qual foi a maior mudança que ela sentiu na

escola. Ela disse que foram as relações:

“Antes os alunos falavam muito palavrão, não se respeitavam. Hoje as pessoas se respeitam, tem

amizade, é isso que eu vou levar da escola”. Ela lembrou que os amiguinhos cantaram parabéns

pra ela no dia do seu aniversário. Ressaltou que sente que todo mundo se importa com ela, desde

a equipe gestora aos professores e colegas (Diário de Campo, Escola A, 04/08/2016).

A escola não mede esforços para buscar inclusive recursos de outras fontes

através da exibição de seu trabalho. Um exemplo é quando o diretor instigou a CPA a

organizar atividades de desenvolvimento sustentável como parte da parceria da escola

com um projeto da Fundação Depaschoal. A professora coordenadora da CPA deixou

clara a intenção dessa atividade na escola: “precisamos fazer os projetos [sabão

artesanal, vassoura com material reciclável, caixa de captação de água da chuva] e

apresentar no evento que vai ter em outubro pra nossa escola ser a melhor e ganhar o

prêmio [da Fundação]”. Além da CPA, o grêmio da escola é constantemente

reconhecido, tendo já ganho prêmio em dinheiro de uma Fundação que foi utilizado

para fazer a reforma do parquinho.

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Apesar de esses ganhos serem vistos pela escola como um importante

reconhecimento pelo seu trabalho, eles funcionam na lógica mercadológica da

premiação individualizada. Ressalta-se, assim, que uma vez enfraquecidos os espaços

participativos nos quais todas as escolas possam, sem preferências, colocar-se no debate

sobre qualidade da educação e negociar demandas, resta-lhes se render à lógica de

mercado como única forma de conseguir melhorias. No entanto, mesmo aquelas que se

rendem a essa lógica e melhoram alguns aspectos de sua infraestrutura, como a Escola

A, não apresentam níveis elevados de confiança no poder público, como se pode

observar nos dados do nosso instrumento. Fica claro, portanto, que a baixa confiança

dos professores da rede na SME é explicada também pela falta de espaços de

interlocução entre as escolas e a Secretaria Municipal de Educação.

Quando falamos das reuniões de negociação, ou de outros espaços de

deliberação sobre políticas públicas, estamos falando da criação de oportunidades

institucionais ou, em outras palavras, de “Instituições Participativas” (PIRES, 2011).

Esta forma de participação institucional, no entanto, não é considerada na literatura

sobre capital social, que enfoca a participação das pessoas em clubes desportivos,

igrejas, associações locais, clubes de futebol etc., sem discutir propriamente o conteúdo

desses lugares de participação, dada a preocupação restrita em estabelecer uma

correlação - não uma explicação - entre essas redes de reciprocidade e o bom

desempenho do governo (PUTNAM, 2002).

É certo que Putnam usa, além dessas medidas de solidariedade social, algumas

relativas à participação política mais diretamente (comparecimento às urnas e a

referendos). No entanto, essas medidas referem-se a formas restritas de participação,

pois continuam a ignorar toda uma gama de processos participativos vinculados a

projetos democratizantes - como aquele construído no Brasil desde os anos 80,

encabeçado pelos movimentos sociais e inserido na própria dinâmica institucional

através da Constituição Cidadã (1988) e de diversas leis municipais que implementaram

Conselhos Gestores e Orçamentos Participativos.

Esse projeto tinha como objetivo a expansão da cidadania e o aprofundamento

da democracia, expressos na criação de espaços públicos que dessem vazão à crescente

participação da sociedade civil nos processos de discussão e de tomada de decisão

relacionados às políticas públicas. Aqui, a participação da sociedade civil é marcada

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pelo objetivo da “partilha efetiva do poder” entre Estado e sociedade, por meio do

exercício da negociação e da deliberação no interior de espaços públicos institucionais.

A cidadania seria, assim, um processo de constituição de sujeitos sociais pelo

fortalecimento da sociedade civil, à medida que essa última passaria a dividir com os

atores estatais a arena de formulação de políticas públicas fundamentais à garantia e

ampliação de direitos de todo tipo (direitos humanos, direitos sociais, e os “novos

direitos”, como à autonomia sobre o próprio corpo e o direito à diferença) (DAGNINO,

2004; PAULA, 2005).

Tais características essenciais do projeto democrático historicamente situado,

com todos os embates e lutas que empreendeu pra se fazer reconhecer no nível

institucional, oferecem um parâmetro que nos permite situar teorias e experiências

dentro de um projeto social mais amplo. A partir daí podemos afirmar que, ao sequer

mencionar esses espaços públicos deliberativos tampouco os movimentos sociais, as

teorias e políticas respaldadas no conceito de “capital social” acabam vinculando-se a

outro projeto, o neoliberal da terceira via, que esvazia os sentidos público e político da

participação e da cidadania, caros ao projeto democrático.

O projeto da terceira via, cujas implicações e características foram discutidas no

item 2.1.2, vale-se das mesmas palavras (cidadania, democracia, participação) para

defender uma corresponsabilização entre “sociedade civil” e Estado no que diz respeito

à garantia e à ampliação do acesso aos direitos sociais básicos. Essa

corresponsabilização ocorre, no entanto, transferindo-se a responsabilidade estatal pela

gestão e execução desses serviços a determinados atores da sociedade civil, como

ONGs e Organizações Sociais. Além desses atores do chamado “terceiro setor”, os

institutos e fundações, representantes da “nova filantropia”, tornaram-se os

interlocutores preferenciais do Estado no nível da elaboração de políticas públicas,

tendo influenciado fortemente a formulação, por exemplo, da Base Nacional Curricular

Comum através do Movimento pela Base Nacional Comum (AVELAR & BALL,

2017).

O projeto democrático não defende o Estado como único protagonista da gestão

pública. Pelo contrário, nele também se reivindica o fortalecimento do papel da

sociedade civil na condução da vida política do país. Esse fortalecimento, no entanto,

assume aqui outro caráter, pois envolve a elaboração de formatos institucionais que

possibilitem a cogestão e a participação dos cidadãos comuns no nível da deliberação e

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tomada de decisões (PAULA, 2005). Envolve, assim, a garantia de diálogo com

diversos atores da sociedade civil, incluindo movimentos sociais, que precisam poder

negociar suas demandas com o Estado via processo deliberativo institucional, no que

tange à garantia de direitos já conquistados, e, mais que isso, ao reconhecimento de

novos direitos.

As noções de cidadania, participação, sociedade civil adquirem, no projeto

democrático, um sentido diverso do projeto neoliberal acima mencionado. A

“confluência perversa” (DAGNINO, 2004) dos dois projetos fundamentalmente

distintos na década de 1990 no Brasil é o que trouxe a confusão conceitual que perpassa

essas palavras, e o que traz a necessidade de se definir claramente de onde se está

falando.

De onde falam as teorias e experiências que defendem o trabalho voluntário de

indivíduos ou grupos moralmente engajados, a filantropia das Fundações, ou mesmo o

engajamento de cidadãos em redes de confiança e solidariedade que priorizam a busca

por soluções locais para problemas de exclusão social? Como Dagnino (2004),

analisamos que esse tipo de solidariedade ou de “responsabilidade social” baseia-se em

uma perspectiva privatista e individualista, que substitui e redefine o significado

coletivo da participação social, conformando-a ao terreno privado da moral.

Além de desviar o sentido de uma “cidadania” comprometida com a participação

nos processos deliberativos e a partilha efetiva de poder, essas teorias e experiências

encobrem um processo de desresponsabilização do Estado face à questão social, à

medida que a solidariedade sistêmica baseada em direitos universais e na vinculação

desses direitos à atividade estatal é substituída por formas particulares e voluntárias de

solidariedade dependentes da aleatoriedade da ajuda individual/organizacional

(MONTAÑO, 2008). Trata-se de:

[...] um sistema em que cada um é solidário, desde que a isso se disponha

com seus pares, com seus iguais ou semelhantes, com seu grupo de interesse

particular. A substituição do princípio da solidariedade baseada em direitos

universais (presente no sistema de tributação direta, na previdência única e na

seguridade e nas políticas sociais do welfare state) faz com que cada grupo

ou coletivo que apresenta uma necessidade ou carência particular tenha de se

auto-responsabilizar (direta ou indiretamente) pelo financiamento/prestação

da sua resposta (MONTAÑO, 2008, p. 44).

Esses apontamentos nos fazem desconfiar das intenções democráticas das teorias

do capital social, por não sublinharem a importância de determinadas formas de

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participação para a garantia de políticas redistributivas, o que na presente pesquisa se

mostrou essencial à formação da confiança institucional e interpessoal.

Segundo Wampler (2011), a qualidade da democracia e o bem-estar dos

cidadãos estão ligados à consolidação da “governança participativa” através do

fortalecimento das Instituições Participativas (IPs), como Conselhos Gestores e

Orçamento Participativo. As IPs se fortalecem, aumentando a disposição dos diversos

atores em participar delas, quando apresentam impactos substanciais 1. na melhoria da

qualidade dos serviços públicos, 2. na qualidade da deliberação e 3. no bem-estar social.

É nesse âmbito que se pode entender a construção da confiança como um componente

fundamental da criação de instituições eficazes, pois:

A arquitetura institucional das IPs liga os movimentos sociais e as lideranças

comunitárias em um processo contínuo, que pode construir a confiança por

meio de interações repetidas. Os cidadãos têm, através deste canal, meios

para compartilhar seus problemas, bem como para estabelecer “laços de

solidariedade” com indivíduos e grupos que enfrentam problemas

semelhantes. (...). Assim, a arquitetura institucional fornece os meios para

que os cidadãos possam desenvolver fortes laços com os seus concidadãos,

bem como com representantes do governo (WAMPLER, 2011, p.48)

Diversos trabalhos buscaram lidar com a espinhosa questão de aferir os impactos

das IPs nas três ordens de fatores expostos acima. Maureen Donaghy (2013) em Civil

society and participatory governance: municipal councils and social housing programs

in Brazil discute os efeitos da participação na alocação de bens públicos e na promoção

de políticas de bem-estar. Ela conclui que a “densidade associativa da sociedade civil”

não é um fator relevante capaz de gerar políticas e programas sociais e que, ao invés, é

pela via das instituições, no caso os Conselhos Municipais de Habitação, que a

participação consegue gerar resultados do ponto de vista do incremento do acesso da

população aos direitos de cidadania.

Esses estudos, junto com os dados da presente pesquisa, mostram a importância

das instituições participativas como lócus privilegiado que confere à participação o

poder de influenciar os processos decisórios relativos à esfera da distribuição de bens e

recursos. Nossos dados confirmam que a confiança dos professores passa pela

existência desses espaços e, mais que isso, pela legitimidade e efetividade dos mesmos.

Ou seja, não basta que existam: é preciso que sejam legítimos, efetivos, o que deve se

manifestar no respeito às aspirações dos professores e na garantia de condições

adequadas de trabalho para as escolas e seus profissionais.

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5.4. Confiança e Reconhecimento: professores e pais/famílias

Nesse tópico, faremos um diálogo entre a literatura, os dados quantitativos e os

qualitativos das entrevistas e da observação em campo, com objetivo de defender que o

reconhecimento entre pessoas com diferentes status, aqui representado pela relação

professores-famílias e desenvolvido através dos diversos tipos de interações entre esses

segmentos, afeta a construção de relações de confiança.

O segundo grau de confiança mais baixo, de acordo com o gráfico do tópico 5.2,

é dos professores em relação às famílias. Os dados de observação das duas escolas nos

mostram que isso pode ser reforçado devido aos poucos momentos de interação entre

docentes e famílias, o que faz com que eles tenham poucas oportunidades para construir

entendimentos comuns sobre as expectativas que possuem uns em relação aos outros e

em relação ao projeto da escola.

Como vimos no capítulo 1, há alguns fatores que ajudam a explicar a baixa

participação das famílias, sobretudo, nos espaços colegiados da escola, desde as

condições objetivas de vida, passando pelo constrangimento das famílias das camadas

populares em interagir com pessoas de escolaridade/status maior que o seu, até a visão

que os profissionais da escola possuem em relação à comunidade, relacionada a

taxações pejorativas ou mesmo à falta de desejo de que leigos se intrometam em

assuntos pedagógicos, o que muitas vezes desmotiva esses profissionais a efetivamente

convidarem a comunidade para participar dos espaços avaliativos e deliberativos da

escola.

De qualquer forma, o que perpassa todos esses fatores é a existência de uma

assimetria de status nessas relações: apesar de famílias das camadas populares e

docentes das escolas públicas pertencerem, grosso modo, à “classe que vive do

trabalho” (ANTUNES, 1995), não havendo entre eles uma clivagem de classe social

propriamente, pode-se dizer que existe, em geral, uma diferença de status, sobretudo,

quando se considera o nível médio de escolaridade e o fato de que os professores

representam o capital cultural valorizado pela instituição escolar e pela sociedade,

enquanto as famílias seriam dotadas de um capital cultural popular que tende a ser

desvalorizado e até mesmo excluído, de formas mais ou menos veladas, do sistema

educacional em particular e da sociedade como um todo (FREITAS, 2007; NOGUEIRA

& CATANI, 2001).

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Essas diferenças de status, que numa sociedade capitalista se traduzem em

desigualdades, parecem afetar, além das possibilidades de participação, a própria

formação de confiança. Isso porque tais assimetrias, quando não são trabalhadas através

de interações que permitam aos participantes (re)conhecerem as condições, aspirações e

necessidades uns dos outros, colocam os sujeitos em posição de pré-julgar o outro a

partir dos seus próprios pressupostos, o que acontece de forma particular na relação

entre docentes e famílias afetando o grau de confiança entre eles.

Os dados de campo mostrarão que a confiança nesse par de relação é afetada

pela “avaliação informal” que os professores fazem em relação aos alunos e suas

famílias, a qual, segundo Freitas (2012a), corresponde aos julgamentos/juízos de valor

sobre comportamentos e atitudes do outro a partir do ponto de vista próprio, que é

culturalmente situado. Nesse sentido, os professores constantemente expressam diversas

expectativas, formuladas internamente ao grupo docente, de como os pais/responsáveis

devem se comportar em relação à escola e a seus filhos, e também avaliam internamente

se os alunos e seus pais/responsáveis estão ou não cumprindo tais expectativas. No

entanto, essas expectativas frequentemente se mostram frustradas. Uma vez que as

famílias não correspondem ao modelo que se espera delas de comportamento e atitudes

perante os filhos e a escola, elas são taxadas como “deficitárias”, “desinteressadas”

entre outros adjetivos pejorativos, o que gera baixa confiança dos professores nesse

segmento.

Nos termos da presente tese, analisaremos que um dos motivos que ajuda a

explicar essa baixa confiança é a “falta de reconhecimento” em relação às condições,

capacidades, e aspirações das famílias. Isso, por sua vez, é afetado pela baixa frequência

de interações entre esses segmentos, o que torna raras as oportunidades de que docentes

e famílias possam, inclusive, negociar e avaliar coletivamente as expectativas que

possuem uns em relação aos outros, colocando novos patamares mais justos para a

construção da confiança.

Segundo Fraser (2003), a “falta de reconhecimento” manifesta-se pela

“dominação cultural” e pelo “desrespeito”, que ocorrem quando os grupos/pessoas de

maior status rotineiramente difamam ou depreciam os de menor status “através de

representações culturais públicas estereotipadas e/ou nas interações sociais rotineiras”,

ou quando determinados grupos/pessoas estão “sujeitos a padrões de interpretação

associados a outra cultura” ou são tornados invisíveis por meio de práticas

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interpretativas e representativas autoritárias. A causa primeira dessas atitudes, no

entanto, não está na mente dos oprimidos nem dos opressores, mas nos “padrões

institucionalizados de valoração culturais” que, ao classificarem determinados

grupos/pessoas e comportamentos como normativos e outros como inferiores ou

desviantes, impedem esses últimos de participarem como iguais da vida social

(FRASER, 2003, p.13, tradução minha).

Vale lembrar que a autora defende que o enfrentamento da “falta de

reconhecimento” é necessário, tanto quanto a luta pela distribuição igualitária de bens e

recursos, para o alcance pleno dos objetivos de justiça social. Isso porque ela considera

que todos os tipos de injustiça, em maior ou menor grau, contém algum elemento das

duas esferas, de forma que não é possível, por exemplo, englobar satisfatoriamente

todas as demandas por reconhecimento dentro da esfera distributiva presumindo-se que

a distribuição igualitária de direitos, bens e recursos dê conta de sanar completamente as

injustiças do tipo cultural, nem vice-versa. Usemos como exemplo o tipo de injustiça

mais aparentemente “puro”, vinculado à classe social. É certo que sua causa última é a

estrutura econômica do capitalismo; no entanto, é preciso considerar que os efeitos daí

gerados incluem danos culturais, que podem ter se tornado suficientemente autônomos

em sua operação a ponto de requererem também “remédios” independentes de

reconhecimento. A atenção a essa dimensão torna-se importante, inclusive, para a

transformação econômica, à medida que o questionamento dos padrões culturais que

invisibilizam, desvalorizam e/ou difamam os pobres da classe trabalhadora contribui

para alavancar sua capacidade de lutar contra a má distribuição de recursos.

Segundo Fraser (2003), os remédios próprios da esfera do reconhecimento para

enfrentar situações de dominação cultural e desrespeito envolvem investir as instituições

e práticas sociais de novos padrões culturais, que ou valorizem as diferenças que

contribuem para o alcance da “paridade participativa”, ou desmontem as diferenças que

negam tal paridade, ou reforcem a humanidade comum acima das diferenças. A escolha

por um ou outro caminho vai depender dos obstáculos existentes à paridade

participativa em cada caso concreto.

É importante dizer que essa forma de abordar o “reconhecimento” mostra como

a concepção de Fraser busca escapar das armadilhas do relativismo pós-moderno,

segundo o qual todos devem ter suas peculiaridades respeitadas como se o objetivo

último fosse apenas a auto-realização individual ou de grupos. Já que para ela o

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“reconhecimento” não é, como em Axel Honneth (2013b), uma questão de auto-

realização subjetiva, mas de justiça social, ela defende que sejam valorizadas apenas

aquelas diferenças que não impliquem negação do critério da “paridade participativa”.

Nesse sentido, um grupo como a Ku Klux Klan, por exemplo, não deve ter a sua

identidade respeitada.

De toda forma, a autora defende que qualquer um desses “remédios” para a falta

de reconhecimento deve ser construído de forma dialogada, através de processos

democráticos de debate público, em que as pessoas com diferentes status e de diferentes

classes sociais possam argumentar/debater em que medida as normas vigentes de

alocação de recursos bem como os atuais padrões de valoração cultural impedem as

pessoas de interagirem como pares na vida social, e se as alternativas propostas são

capazes de fomentar essa paridade sem introduzir outras disparidades.

Pode-se dizer que a capacidade da escola é limitada para sanar as desigualdades

socioeconômicas e culturais geradas fora dela. No entanto, uma vez que essa instituição

não é um campo somente de reprodução, mas também de disputa, ela não pode esperar

uma suposta situação ideal, em que haja igualdade prática material e de

respeito/reconhecimento, para promover interações sociais entre as pessoas. Se por um

lado essa igualdade cria as condições objetivas e subjetivas à participação democrática,

é também através da participação que se dão as lutas por reconhecimento e

redistribuição (FRASER, 2003; RANSON, 2018).

É dessa forma que entendemos a importância do fortalecimento dos espaços

públicos de diálogo entre famílias e docentes para a formação da confiança, pois é

através deles que os participantes podem ser reconhecidos em sua humanidade comum,

valorizados em suas necessidades, aspirações, e capacidades distintivas, naquilo que

tiverem de positivo para contribuir com a formulação de entendimentos compartilhados

socialmente justos sobre os propósitos da escola e os papéis de cada segmento. Por

outro lado, as interações entre os diferentes dependem da confiança, ou seja, é preciso

que eles confiem que os outros possuem competência, integridade, respeito e

consideração para se dispor a construir junto.

Da mesma forma que a esfera da redistribuição, analisada no tópico anterior,

remete em alguma medida à “política de legitimidade” defendida por Misztal (1996),

aqui a importância da esfera do reconhecimento para construção da confiança é

reforçada pela defesa da “política de tolerância” (MISZTAL, 1996), a qual, segundo a

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autora, remete ao respeito igualitário a todas as pessoas independentemente de suas

filiações particulares.

No entanto, a nosso ver, a ideia de “reconhecimento” defendida por Fraser

(2003), uma vez intrinsecamente atrelada a questões de justiça social e à esfera da

distribuição, é mais completa e adequada que a ideia de “tolerância” ou de “inclusão”.

Isso porque o “reconhecimento” supera os limites da concepção pós-moderna

multicultural que, ao restringir-se à defesa da tolerância enquanto respeito a todas as

diferenças, cai num relativismo cultural que fragmenta a luta por mudanças sociais

substantivas capazes de superar as estruturas e padrões culturais de opressão e

exploração.

Passemos aos dados empíricos, começando com as expectativas que os docentes

depositam nas famílias. A análise dos itens do instrumento, bem como das entrevistas e

dos dados de campo, revela que os professores esperam que os pais/responsáveis

acompanhem a vida escolar de seus filhos, sinalizem a eles a ideia de que a escola e a

educação são importantes, e ensinem-lhes certas posturas e comportamentos necessários

para uma boa convivência e um bom andamento nos estudos. Uma vez que as famílias

não agem em conformidade com essas expectativas, a confiança dos professores é

afetada. Os itens com menos concordância por parte dos professores foram: “Os

pais/famílias se esforçam para ajudar seus filhos a aprender”; “Os pais/famílias dessa

escola preocupam-se em acompanhar a vida escolar de seus filhos”.

Tabela 11 - Itens e Médias da Relação Professor-Pais/Famílias

ITEM MÉDIA

(0-6)

1. Sinto que posso contar com o apoio dos pais/famílias dessa escola para realização do

meu trabalho. 3,39

2. Sinto-me respeitada(o) pelos pais/famílias. 4,23

3. Sinto que os pais/famílias têm consideração pelo que nós professores dizemos sobre

a educação de seus filhos. 3,87

4. Os pais/famílias confiam no trabalho dos professores dessa escola. 4,4

5. Os pais/famílias se esforçam para ajudar seus filhos a aprender. 2,9

6. Os pais/famílias mostram interesse pelos assuntos da escola. 3,07

7. Os professores e pais/famílias dessa escola estão juntos na educação das

crianças/jovens. 3,22

8. Os pais/famílias dessa escola preocupam-se em acompanhar a vida escolar de seus

filhos. 2,96

9. Os pais/famílias estão sempre participando das reuniões, festas e eventos dessa

escola. 3,5

MÉDIA GERAL 3,5

Fonte: dados da pesquisa. O programa SPSS calculou as médias das respostas para cada item, lembrando

que o intervalo é de 0 a 6 (0-discordo totalmente; 6-concordo totalmente).

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Nas entrevistas, 57% dos entrevistados mencionaram que esperam o

acompanhamento da vida escolar: os pais precisam estar sempre atentos ao caderno dos

filhos, cuidar para que tragam material na mochila, e devem ajudá-los a fazer lição de

casa. Esse modelo idealizado pela escola de acompanhamento foi problematizado por

apenas dois dos dezessete professores que mencionaram essa questão:

11. Tem pai que não vai conseguir acompanhar o filho em casa, não tem o tempo... não pode

colocar isso como determinante.

5. Você acha que pela condição de vida de algumas mães, tem alguma condição de eu condenar

que ela não ajuda em casa? Professores têm que entender a questão social que está por trás da

participação das famílias.

Essas falas explicitam consideração em relação à forma pela qual as famílias dos

estudantes se organizam, suas dificuldades e contextos particulares. Porém, no geral,

idealiza-se um modelo de famílias que saibam ajudar os filhos nas lições de casa e

garantam que eles cheguem à escola “prontos para aprender”. Os professores também

esperam que as famílias ensinem regras e princípios básicos de convivência e de

valorização dos estudos. Seguem as ocorrências a esse respeito:

2. Acompanhar o filho na vida escolar, dar suporte em casa, perguntar pro filho o que ele fez na

escola, mostrar interesse, construir junto com a escola.

3. Participar mais da vida escolar dos filhos, saber o que ta acontecendo.

4. O pai precisa se preocupar com o filho, saber sobre o cotidiano escolar dele, se tem mochila,

estojo, em que série está, quem são os professores.

8. Ver lição, olhar o caderno, mostrar que ta preocupado, dar atenção, cuidar, querer conhecer

o que ta acontecendo.

13. Acompanhar o aprendizado do filho, estar próximo ao que o aluno faz, à leitura de bilhetes,

ao trabalho que a gente manda pra casa (lição de casa, projetos), ler caderno do filho.

14. Conversem com os filhos, participem da vida escolar, olhem caderno e mandem bilhete caso

percebam algo errado, se preocupem com o que ele faz na escola. Venham pelo menos à reunião

de pais pra saber da vida do filho, não só pra reclamar.

15. Acompanhe e se preocupe com a educação dos filhos, dividindo com a gente as

responsabilidades, observe como ta o filho, se interesse pelo que o filho faz na escola, se

preocupe que o filho não falte.

16. Participar da vida escolar dos filhos, perguntar sobre a atividade, como foi o dia, olhar o

caderno. Levar filho no posto quando fazemos agendamento.

17. Precisa dar atenção ao filho, olhar caderno, estabelecer horário de estudo, ainda que não

saiba ler, isso já mostra cuidado.

18. Comprometimento com a escola: não deixar o filho faltar, saber como pode ajudar na lição

de casa sem dar a resposta.

20. Olhar caderno do filho, se preocupar se estão fazendo o que é pedido.

25. Parceria, que cumpram os combinados, olhem caderno do filho, mochila.

26. Tem que participar mais na escola, ter comprometimento com os estudos do filho, ver

caderno, lição.

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27. Dar suporte de material e na lição de casa, se preocupar com o que o filho ta aprendendo na

escola.

28. Cumprir combinados, acompanhar a vida escolar dos filhos (olhar mochila, acompanhar

caderno), pois mostra que valoriza a educação, que não enxerga a escola somente como o lugar

onde vai deixar o filho enquanto trabalha.

30. Que acompanhem a vida escolar dos filhos, as tarefas, as dificuldades, os sucessos.

2. Reforçar a ideia de que educação é importante, valorizar a escola.

13. Mostrar ao filho que a escola é importante.

15. Valorizar a escola, pensar como a gente, que aqui é um lugar de socialização do

conhecimento.

3. Eles têm que fazer sua parte na educação dos filhos, dar limite pros filhos, não deixá-los tão

soltos.

7. Que saibam dizer ao filho que não pode ficar até altas horas da noite na internet, senão chega

apático no dia seguinte na escola. Eles são responsáveis por essa educação dos filhos.

16. Cumprir a função dele de passar educação básica e princípios éticos pro filho dele.

17. Exercer a responsabilidade própria da família, de formação da criança em casa, passar

valores ao filho de respeito ao outro, aos professores, aos colegas.

30. Que se responsabilizem por sua parte na educação das crianças: valores éticos, respeito,

limites, higiene, alimentação.

22. Entender que eles têm uma parte na responsabilidade de ajudar o filho, pôr regras e limites,

saber dizer não.

29. Assumam a parte de sua responsabilidade na educação das crianças: cobrem a importância

de estudar, respeitar os outros, fazer tarefa, respeitar regras.

Outra questão com número elevado de ocorrências refere-se às expectativas dos

professores que os pais atendam aos chamados da escola, estejam dispostos a ouvir as

orientações dos professores, e a procurá-los para tirar dúvidas ou contar questões

pessoais que interfiram no aprendizado do filho. Esperam também que os pais acreditem

na palavra do professor e confiem no seu trabalho, mencionando que muitas vezes eles

chegam “armados” e tratam os professores de forma agressiva. Essas expectativas

relacionadas ao diálogo foram mencionadas por 20 dos 30 entrevistados (67%):

3. Se um professor chama, entender que está chamando por um motivo importante.

8. Pai tem que atender quando o professor chama, e procurar o professor pra perguntar alguma

coisa que não entendeu sobre o aprendizado da criança.

15. Vir conversar com a gente sobre a situação do filho.

20. Ir às reuniões quando são chamados.

22. Ter parceria, vir pra escola quando mandamos bilhete, não se chatear com nossas

orientações. Procurar o professor para contar questões pessoais que possam estar prejudicando

o aprendizado.

25. Estar disposto a vir conversar com a gente quando pedimos, e procurar a escola quando

tiver passando por algum problema familiar que influencie o aprendizado do filho.

27. Ir à escola quando chamamos e procurar a gente quando precisam, pra contar questões

pessoais que possam interferir na aprendizagem.

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29. Responder nossos bilhetes, e vir falar conosco quando precisam.

4. Precisam compreender que os professores também sabem o que é melhor pro filho deles, são

profissionais da educação que precisam ser ouvidos. Não deveriam chegar com agressividade,

achando que somos prestadores de serviço, que eles sabem melhor o que passar pros filhos do

que nós.

7. Precisam acreditar no que dissemos.

9. Tem que saber a hora de chegar, o momento de ser falado, não é chegar no meio da aula:

“meu filho bateu num menino e quero falar agora”.

17. Quando chamamos os pais para falar que é preciso ensinar certos princípios e valores aos

filhos, precisam ser receptivos.

19. Quando vêm conversar, não chegar armado só reclamando, numa postura de duelo, mas

numa postura de trabalhar em conjunto, dialogar, ter reciprocidade, bons tratos no

relacionamento: “sou pai do fulano, como posso ajudar?”.

20. Acreditar no professor quando estes dizem algo sobre o filho, por exemplo, que estão

faltando. Pais acreditam mais quando conhecem o professor (dei aula pro pai).

22. Quando mandamos bilhete dizendo que não pode fazer a lição pelo filho, ou que o filho está

com problema de comportamento, ou que o filho tem alguma questão que precisa de ajuda

profissional fora da escola, tem que ouvir a gente, acreditar no professor.

23. O pai não pode vir sempre armado, achando que o filho tem sempre razão. Pai tem que estar

próximo, apoiar as orientações do professor, ir à escola quando chamamos, escutar o que temos

pra dizer, crescer conosco.

24. Tem que ter parceria pra pensar na melhor maneira de educar a criança, porque às vezes as

famílias pensam o ato de educar diferente da gente, mas tem que estar aberta ao diálogo, vir pra

escola conversar com a gente, entender que precisa dar limites à criança, que conflito não se

resolve na porrada.

25. Eles precisam confiar no nosso trabalho.

26. Vir conversar abertamente com o professor. Porque a maioria acha que a gente só critica,

não acreditam na gente, a gente ta sempre errado.

30. Que nos ouçam: “é assim que queremos educar seu filho, essas são as regras, você

concorda?”. E serem ouvidos também.

Em uma das escolas nas quais apliquei o instrumento da pesquisa, o vice-diretor

narrou uma situação ocorrida na escola como parte de um momento conturbado

caracterizado por “muitos casos de pais vindo agredir a gente”. Segundo ele, a mãe de

uma criança chegou de repente na escola, fazendo “o maior escândalo” querendo falar

com a professora de seu filho, que estava dando aula no momento. Ela queria tirar

satisfação do porquê a professora tinha impedido a criança de fazer a aula de educação

física. O vice-diretor narrava esse caso indignado, reforçando que a escola tem regras

que precisam ser respeitadas pelos pais, que eles não podem chegar a hora que querem,

têm que marcar hora, e vir com uma postura aberta para dialogar e ouvir as razões da

escola.

Caso semelhante ocorreu na Escola B. Em dia de reunião de pais, no qual eles iam

chegando aos poucos no decorrer do período para conversar com a professora

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responsável sobre o desempenho do filho, uma mãe reclamou para a diretora que uma

professora foi grosseira com sua filha, ao dizer para um colega de turma dela:

“problema dela que ela não veio fazer a prova!”. Essa reclamação foi feita no ambiente

externo do corredor com várias pessoas olhando, inclusive a professora envolvida. Essa

professora depois me confessou que naquele momento esperou que a diretora a

defendesse das agressões verbais da mãe; a diretora, por sua vez, me confessou que não

sabe como agir nesses momentos, que as duas são adultas e deveriam se entender

sozinhas, e que aquela professora nem mereceria ser defendida.

Além do olhar da escola, que julga com razão essas situações como

desrespeitosas e como sinal de que as famílias mimam demais seus filhos, poderíamos

enxergar a situação também pelo lado das famílias, que, ao contrário do que o senso

comum preconiza, estariam demonstrando como se preocupam com seus filhos, ao

zelarem para que sejam respeitados pelos professores. A situação acaba sendo

canalizada apenas no sentido de “acalmar” as famílias, mas pouco se observa no sentido

de acolher sua preocupação fazendo disso um disparador de diálogos coletivos entre os

próprios profissionais da escola, e entre estes e as famílias que se sentem desrespeitadas.

Dialogar sobre essas questões seria muito profícuo na Escola B, pois, como narraremos

mais adiante, a forma como muitos professores dirigem-se aos alunos e suas famílias

nessa escola é de fato desrespeitosa.

Em geral, as falas dos entrevistados remetem mais ao que a família deve fazer.

Mesmo quando mencionam “parceria”, é mais no sentido de “entender o trabalho que

realizamos”, ajudar a escola cumprindo os combinados, estando presentes quando são

chamados e “ouvindo nossas orientações”, “nos ajudando a resolver problemas

relacionados ao filho”. Isso nos remete à observação de Almeida et al. (2016, p.650):

Mesmo quando a instituição escolar admite a contribuição positiva do

trabalho em parceria com as famílias, ainda ocorre certo “tutelamento”, no

qual a escola tem um conjunto de orientações a serem passadas aos

pais/responsáveis como a melhor forma destes participarem da vida escolar

de seus filhos.

Nas falas das entrevistas, esse “tutelamento” é expresso, sobretudo, na expectativa

de que as famílias compareçam à escola para assistir a “palestras de orientação”. Quanto

a isso, é interessante trazer uma fala do Orientador Pedagógico da Escola A, proferida

em momento de Trabalho Docente Coletivo:

O Orientador dizia: “essa é a cultura deles, os filhos ficam aqui e os pais não vêm buscar,

querem que o filho volte sozinho pra casa. Temos que começar a mudar algumas coisas no

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longo prazo, senão daqui a pouco vamos ta apanhando”. Um professor perguntou se existe uma

possibilidade de fazer palestras pros pais em relação à violência, respeito, pra que eles saibam o

que fazer com os filhos, já que o problema é a cultura do bairro. O Orientador respondeu: “é

questão de capital cultural. Acho interessante, sim, a gente passar nosso conhecimento

agregado pra eles, não é discriminatório. Temos que fazer um ponto de ruptura, porque daí vão

passando de geração pra geração” (Diário de Campo, Escola A, 26/09/2016).

Nessa linha, existe uma expectativa de que as famílias sejam inseridas dentro da

escola na perspectiva de aceitar uma proposta de trabalho que já foi previamente

definida. É nesse sentido que os professores esperam que os pais se mobilizem mais

para participar das reuniões da escola, desde reuniões de pais a Conselho de Escola e

CPA, onde poderiam indagar aos professores: “Como você ensinou isso?”, “O que a

criança ta aprendendo?”, “Por que faltam professores na escola?”, bem como

“entender qual escola estamos construindo”.

3. Participar mais das reuniões (reunião de pais, de Conselho).

6. A preocupação deles deveria ser no sentido de um lugar bacana onde meus filhos vão aprender

o que tem que aprender. Gostaria que eles cobrassem mais em relação à aprendizagem. Não

lembro de nenhum pai perguntando: “como você ensinou isso?”. Eles não questionam. Deveriam

e poderiam questionar mais.

11. Espero que ajudem a construir os rumos da escola. Participam do Conselho de Escola, das

reuniões de pais. Estão interessados, participam muito, sabem das coisas que estão acontecendo

na escola. Questão da biblioteca, por ex. Mesmo que pensem diferente dos professores, é bom que

venham e se coloquem.

16. Estar presente no ambiente escolar, não só quando solicitamos, mas também para fazer

críticas, dar sugestões, querer saber por exemplo por que faltam professores, pois isso mostra que

ele ta preocupado com a educação do filho; ir às reuniões da escola.

21. Muitos pais não sabem como participar, não sabem que têm direito de cobrar da escola

pública. Deveriam vir mais pras reuniões (CPA, C.E, reunião de família), pra saber o que ta

acontecendo na escola, o que a criança ta aprendendo, como ta sendo esse aprendizado.

23. Ter parceria, que participem do Conselho pra entender qual escola estamos construindo.

Por outro lado, há algumas falas que situam a parceria no sentido da

responsabilização compartilhada, reforçando que também cabe à escola e seus

profissionais ouvir os pais quando estes querem conversar sobre seus filhos, e chamá-

los a participar de eventos, reuniões, projetos, gincanas, festas, oficinas, feiras de

divulgação do trabalho das crianças. Poucos professores mencionaram que a escola

precisa também chamá-los a participar dos colegiados como CPA e Conselho de Escola,

estando aberta a ouvir suas opiniões e fazendo-os se sentirem à vontade nesses espaços

avaliativos e deliberativos. Apenas uma fala mencionou que estimular verdadeiramente

a participação implica também buscar horários alternativos de acordo com as

possibilidades de vida das famílias.

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Ainda sobre a parte de responsabilidade da escola, alguns entrevistados

mencionaram que, para construção de relações de confiança, os professores precisam

respeitar e ser afetuosos com os pais e as crianças, mostrando preocupação com seu

aprendizado e reconhecendo suas potencialidades.

4. Escola tem que promover momentos, chamar os pais pra escola, não só pra falar sobre mau

comportamento do filho, mas ter um diálogo constante em que possam falar sobre a educação dos

filhos, suas dificuldades, e possamos ajudá-los, passar nossos conhecimentos. (ex. higiene,

vacinação)

5. Temos que chamar os pais, chamar pros eventos na escola, comentar em relação às atividades.

Deveríamos trabalhar com todos os pais, respeitá-los, deixá-los entrar na escola e opinar, e não

achar que eles vêm pra atrapalhar. A escola tem que ir pra comunidade e vice-versa.

8. Tem que ter prontidão das duas partes, o professor atender o pai quando o pai quer vir

conversar.

8. Dificuldade dos pais participarem... Cita condições de trabalho, não podem faltar no trabalho.

Escola cria horários alternativos pros pais darem conta de vir.

9. A escola estar com as portas abertas (tem o “leia e leve” na biblioteca). É essencial que tenha

essa convivência, que é a chave de tudo, o diálogo com a comunidade. Temos a CPA, um espaço

pra pais e professores verem problemas e pensarem juntos como encaminhar os problemas.

10. Pais confiam no professor quando percebem que o filho gosta do professor.

10. Que estejam presentes na escola, quero conhecer os pais, não só quando o aluno ta dando

muito trabalho. Quero trazê-los para a sala de aula. Eles têm que descobrir o poder que têm, mas

o que acontece hoje é que eles se inferiorizam, vêm à CPA e só a gestão fala, ficam com medo do

enfrentamento.

11. [sobre os pais que opinaram contrariamente aos professores em reunião para discutir a chegada

de uma assessoria de gestão na escola]: significa que eles têm abertura pra se posicionar no

Conselho. O OP chamou pra participar do Conselho.

12. A escola tem que dar o acolhimento, construir um vínculo fortalecido, dar abertura pra que os

pais contem a vida deles. Principalmente pais que tiveram vida conturbada, que não acreditam na

escola. Eles não vão dar, é a escola que tem que oferecer. Ouvir esses pais, pra entender por que

o filho deles tem determinado comportamento na escola.

13. Movimento contínuo de trazer os pais pra escola, ter ações comunitárias, mas os professores

muitas vezes são resistentes porque dá trabalho.

14. Professor tem que ser acolhedor, beijar o pai no rosto, saber como falar do filho, não falar só

coisa ruim, saber reconhecer o que o aluno tem de bom.

15. Professor tem que mostrar seriedade e coerência no que ele faz, que se preocupa com o filho

dele.

16. Responsabilidade da escola também de fazer chamamento, palestras, feira cultural.

18. Quero fazer uma dinâmica pra conversar sobre como ensinar o filho em casa, acho que

poderia sintetizar desempenho do aluno numa nota para que eles entendam melhor a descrição

dos saberes.

20. Por parte do professor: tem que mostrar que se preocupa com o aprendizado da criança, ser

sério, não faltar, passar atividade.

24. Nós também temos que ouvir os pais e saber ceder, passar atividades que eles gostam. Temos

que ir negociando os sentidos do que é educar.

25. Tem que estar dispostos a ouvir os pais e orientá-los, e respeitá-los.

26. De nossa parte, temos que trazer mais os pais pra escola, gincana, oficina, festas.

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27. Saber ouvir o pai, conversar, acalmar quando chegam nervosos e querem proceder de formas

que não apoiamos. Fazer eventos, festas, pra chamar mais os pais, ajudar a divulgar o trabalho

que as crianças fazem. E promover atividades para os pais (ex. artesanato).

28. Professor tem que mostrar preocupação com o filho deles, tratar bem a criança, de forma

respeitosa.

29. O professor tem que respeitar o pai, respeitar o filho dele, não falar só coisa ruim do filho,

saber enxergar o lado bom. Isso muda o olhar do pai sobre o filho.

30. E que os pais sejam ouvidos também, sobre como educar os filhos.

Especialmente três entrevistados expuseram de forma mais detalhada o que

queriam dizer com “respeitar os alunos e suas famílias”. Para eles, o respeito passa

pelas ideias de inclusão, de trato humano e de escuta, e tem mais chances de ser

garantido quando a equipe gestora se compromete com essa visão:

5. As pessoas na escola têm que entender um pouco de história, entender a pessoa humana,

respeitar as diferenças. Mas ninguém gosta de pai de aluno, porque “pai só reclama, vem

atrapalhar”. Eles têm que entender que o pai é classe trabalhadora, e que nós professores

também! O nosso inimigo não é o pai do nosso aluno. Temos que trabalhar junto com eles,

pensar junto. Mas os professores têm boa relação só com os pais de nível sócio-econômico

melhor... já aqueles alunos que realmente precisam, que tem dificuldade em casa...quando esses

pais não vêm pra escola, os professores reclamam; quando vêm, não recebem bem, falam só mal

do filho: “o senhor tem que dar um jeito nele, tem que educar”. Os professores têm que entender

que existe um problema social. Ficar culpando a família de tudo não dá. Fizeram aqui um

questionário pra conhecer a comunidade, perguntando quantos livros o pai lê por ano, mas nem

o próprio professor lê! E você não conhece a comunidade por um questionário. Medem a

participação da comunidade pela ida às festas, mas só querem nas festas, e aquela parte da

comunidade que sabem que não vai atrapalhar. Será que querem mesmo toda a comunidade

dentro da escola? Vamos mandar também questionário pra comunidade avaliar a gente? Os

professores não querem, disseram que a comunidade não tem condição de avaliar a escola. No

TDC, só falam de indisciplina, falta de lição... Na CPA também, tem 5 ou 6 professores

pensando nessas ações....e os pais que vêm no Conselho de Escola são das crianças brilhantes.

Os professores querem expulsar algumas “laranjas podres”, mas o diretor não deixa....diz que a

escola é o último vínculo da criança, a hora que sair da escola, cai na vida.

11. As conversas informais dizem muito também... a partir disso, eu balizo que tipo de problema

levo ou não pro gestor. Dependendo do problema que eu tenho em sala, eu levo pro orientador

pedagógico, não pra diretora, porque eu sei que ele vai conduzir a coisa de uma forma mais

humana, que vai respeitar o aluno, a família do aluno... Chego pro OP e digo: como eu conduzo

a situação com esse aluno? Porque nele tenho confiança.

6. Quando começou a política de inclusão, ficamos horas debatendo se a palavra todos deveria

ou não aparecer no Projeto. Porque sabíamos que “todos” ia implicar um compromisso outro

de todos. Aí a gente votava. Agora, se você tem uma equipe gestora que zela para que a escola

funcione em função do que está posto no Projeto, isso gera confiança. Pelo que está posto como

princípio no PPP da escola, é o que agrega os profissionais que estão ali. Outra coisa que

gerava confiança, é o foco muito grande nos alunos que não aprendiam, que aprendiam menos,

aprendiam pouco...Tinha essa proximidade de concepção de escola. Com a troca de equipe

gestora, a escola entrou numa crise de identidade, vários colegas acabaram se aposentando.

Estamos hoje experimentando a construção de outra escola. Aí numa primeira conversa, chega

a OP e diz que “se o aluno aprende, aprende, se não aprende, reprova”. Fiquei muito chateado.

Isso fortalece as posições mais conservadoras dentro da escola, deixa de trabalhar pela lógica

da aprendizagem pra trabalhar pela lógica da repetência. Agora estamos acostumando a uma

escola que reprova...por conta da equipe gestora. É feita pouca pergunta do porquê esse aluno

não aprendeu. E “ah, agora sim a escola ta boa”. São concepções de educação diferentes.

Tivemos reunião de sétimo ano pra saber como resolver alunos que vão reprovar. Eram muitos.

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Fizemos mediação a três: o aluno, o professor que se da bem com o aluno, e a professora que

tem problema com o aluno. A professora disse que já tinha desistido do aluno... é concepção que

não bate.

Chama atenção que esse último entrevistado cita a importância de um processo

de “mediação”, como uma oportunidade de interação e diálogo em que os diferentes

pontos de vista são confrontados, buscando-se chegar a uma relação mais humana entre

a professora e o aluno do qual ela havia “desistido”. E a primeira fala mostra como a

escola muitas vezes acaba se blindando da avaliação feita pela comunidade. Em geral,

percebe-se que para essas professoras, a confiança está necessariamente ligada ao

respeito, o qual implica não assumir como natural que o aluno não aprenda, não

naturalizar a reprovação, e ouvir os pontos de vista dos alunos e suas famílias como

condição para a melhoria do aprendizado e o alcance de relações mais humanas.

Expostos os dados das entrevistas, que serviram de base para elaboração dos itens

do instrumento, é interessante observar que todos os itens que buscaram captar a parte

de responsabilidade da escola foram eliminados na análise fatorial, porque não

apresentaram “coerência” de escolhas pelos respondentes, ou seja, apresentaram baixa

correlação com os outros itens/variáveis. São os que seguem:

1. Os professores realmente se importam com a comunidade que atendem.

2. A escola empenha-se constantemente em convidar os pais/famílias para

participar da CPA e/ou Conselho de Escola.

3. Os pais/famílias sentem-se à vontade nas reuniões da escola, expondo suas

opiniões, anseios, necessidades.

4. Avaliamos coletivamente, com alunos e pais/famílias, quais são as potências,

as dificuldades, e o que podemos melhorar no trabalho da escola.

5. Os professores dessa escola têm consideração pelas opiniões dos

pais/famílias.

É significativo notar que sobraram apenas os itens que medem a parte de

responsabilidade das famílias. Isso significa que, na visão dos professores, a confiança

que sentem em relação às famílias está associada às expectativas de que elas

correspondam a um modelo idealizado pela escola: que acompanhem em casa os

estudos dos filhos; que os ensinem comportamentos e posturas valorizados pela escola;

que compareçam à escola, sobretudo, para ouvir orientações ou contar algum problema

familiar que esteja prejudicando a aprendizagem das crianças e jovens. Se as famílias

não procedem dessa forma, elas são avaliadas negativamente.

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Ao não ocorrer um acompanhamento minucioso das atividades escolares,

facilmente identificado pela escola, tais famílias são rotuladas como

desinteressadas da vida escolar dos filhos ou, ainda, como afirma

Albuquerque (2014, p. 622), a elas são atribuídos adjetivos como “famílias

desestruturadas, carentes, problemáticas” (ALMEIDA et al., 2016, p. 651).

Em minhas idas às trinta escolas na ocasião da aplicação do instrumento, pude

interagir com alguns professores, que me procuravam depois da aplicação para fazer

comentários. Em algumas escolas, tive a oportunidade de acompanhar os TDCs

(Trabalho Docente Coletivo), o que também me proveu situações e falas interessantes

para análise. Nessas ocasiões, equipes gestoras e professores manifestaram uma

sensação de desamparo em relação às famílias, ressentindo que os pais não valorizam a

escola, não se envolvem nem se interessam em participar das ações da escola, não

educam adequadamente seus filhos, permitindo, por exemplo, que durmam muito tarde.

ESCOLA 1: Depois de responder o instrumento, um professor me chamou para conversar sobre

as impressões dele. “Você vai ver que estamos sem estrutura nas escolas, a questão salarial, tudo

isso pega, mas hoje em dia o que ta pegando cada vez mais é a falta de valor que a comunidade

dá pra escola. Os alunos não dão valor, porque os pais também não dão, por não considerarem

que a escola teve um papel importante na vida deles. Eu já desisti de passar conteúdo, porque a

gente passa a maior parte do tempo resolvendo conflito, um aluno que se machucou aqui, outro

ali... E eles são violentos, mal educados, falam muito palavrão, porque é o que ouvem em casa”.

ESCOLA 2: Depois da aplicação, voltei outro dia à escola para socializar com os professores os

resultados da pesquisa do LOED (...). A Orientadora Pedagógica falou que a escola piorou no

IDEB, e que os dados que eu expus sobre as várias dimensões da qualidade ajudam a escola a se

olhar e a entender suas fragilidades. Comentou que, de fato, como aparecem nos dados, os alunos

não frequentam as ações de apoio pedagógico oferecidas pela escola. Alguns professores

reforçaram que as famílias não se interessam em participar... A diretora comentou que os

alunos não valorizam a escola, não se interessam pelos conteúdos, e que os pais não têm

controle sobre eles.

ESCOLA 3: Uma professora me chama de canto e diz: “você vai encontrar que a gente ta

totalmente desamparado pelos pais e pelo poder público”.

ESCOLA 4: Um professor me chamou pra conversar. Referindo-se ao item “se os pais educam

seus filhos...”, achou perigoso, pois há um senso comum que diz que os pais não educam, e os

professores acabam sentindo que toda a responsabilidade foi transferida pra escola.

ESCOLA 5: Assisti ao TDC da escola enquanto aguardava o próximo TDC para aplicar o

instrumento na outra metade dos professores. Uma professora se pronunciava, a respeito dos seus

alunos: “Eles dormem na minha aula, como vou lutar contra isso? Eles dormem três da manhã,

porque pras famílias isso é normal”. Uma professora então sugeriu chamar esses pais para

ouvi-los e entender o que pensam, ao que outra professora respondeu: “não é assim, a gente

chama e eles não vem, eles não valorizam nosso trabalho, parece que fora da escola o aluno é

ensinado a valorizar um monte de coisa e aqui a gente tenta fazer ele valorizar a escola e não

consegue, parece que estamos enxugando gelo”.

ESCOLA 6: Voltei à escola, depois da aplicação do instrumento, para dar devolutiva dos dados

da pesquisa do LOED. Observando os gráficos da escola, a conclusão a que professores e equipe

gestora chegaram é que precisam melhorar no aspecto da relação com a comunidade e da

participação. Pontuaram que os alunos não frequentam as ações de reforço e que há uma

dificuldade imensa em envolver a família. A vice diretora interviu: “ok, a gente sabe disso,

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mas a questão é como resolver... a dificuldade dessa escola é que atende muitos bairros,

então não temos essa sensação de que a escola pertence à comunidade”.

(Diário de Campo da aplicação do instrumento nas escolas. De 10/10/2016 a 15/03/2017. Grifos

meus).

As situações observadas nas duas escolas do campo confirmam essa sensação de

desamparo sentida pelas professoras, fruto do não cumprimento das expectativas

unilaterais que a equipe docente deposita nas famílias. Mais que isso, as observações

ajudaram a entender a relação da baixa confiança nesse par de relação com as

oportunidades de interação entre os segmentos e com a falta de reconhecimento.

Pode-se dizer que em nenhuma das duas escolas há uma participação expressiva

das famílias nos colegiados deliberativos e avaliativos da escola (CPA e Conselho de

Escola). Assim, as reuniões mais frequentes com comparecimento de pais que

acompanhei nas duas escolas foram as reuniões periódicas que ocorrem a cada

fechamento de trimestre, com objetivo de socializar com eles o desempenho de seus

filhos; as reuniões de recepção de início de ano; e outras esporádicas com alguns pais

selecionados entre aqueles cujos filhos dão mais “problema” de comportamento e/ou

que estão perigando ser retidos por problema de falta ou conceito insatisfatório.

No entanto, há algumas diferenças entre as duas escolas nesse aspecto das

interações escola-comunidade. É certo que nenhuma delas apresenta um grau de

confiança elevado nas famílias, o que é válido para todas as trinta escolas da pesquisa: a

maior média atingida por elas foi 4,25 numa escala de zero a seis. No entanto, algumas

constatações talvez ajudem a explicar por que a confiança “professores-pais/famílias”

na Escola A é maior que na Escola B (3,75 e 2,84 respectivamente), estando a Escola A

no grupo das melhores classificadas da rede e a Escola B no grupo das piores

classificadas65

.

Na Escola A, as reuniões de pais são preenchidas também com atividades de

valorização da comunidade e da escola, enquanto na Escola B tais reuniões restringem-

se a palestras de orientação, cobranças e comunicados. Além disso, a Escola A promove

mais festas e eventos para os quais a comunidade é convidada de forma ativa. Essas

atitudes, ainda que pareçam pequenas, colocam as pessoas num grau de interação que as

65

As médias das escolas (para cada par de relação) foram comparadas a partir do Independent-Samples T

Teste realizado em SPSS. Fomos comparando entre si as escolas próximas aos valores mínimo e máximo,

até que o valor de ‘p’ passasse a ser menor que 0,05, indicando diferenças significativas entre elas

(DANCEY, REIDY, 2006). Dessa forma chegamos a dois grupos, das piores classificadas em cada par, e

das melhores, sendo que não há diferenças significativas entre as escolas de um mesmo grupo, à medida

que na comparação entre elas ‘p’ foi maior que 0,05.

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permite demonstrar ao menos “respeito” e “consideração” umas pelas outras

(KOCHANEK, 2005).

Essa autora defende que o(a) diretor(a) possui papel fundamental em criar um

ambiente de confiança nas escolas, através, sobretudo, da promoção de oportunidades

de interação entre as pessoas. Considerando que todas as escolas, em maior ou menor

grau, precisam lidar com sensações de vulnerabilidade de pessoas que se conhecem

pouco devido à maior ou menor rotatividade de professores e de famílias/alunos, é

recomendável que a(o) diretor(a) comece pela promoção de interações de “baixo risco”.

Exemplos desse tipo de interação envolvem a formação de pequenas comissões para

discutir/encaminhar assuntos específicos, a realização de projetos ou tarefas conjuntas

como cuidar da horta da escola, ou mesmo a promoção de eventos divertidos ou festas

especiais, como no caso da Escola A. Nesses encontros, segundo Kochanek (2005), os

participantes têm oportunidade de se conhecer melhor e desenvolver sentimentos e

manifestações principalmente de “respeito” e “consideração”. Quando essas estratégias

estiverem bem estabelecidas gerando um grau de confiança relativo, o(a) diretor(a) pode

passar à promoção das interações de “alto risco”, ou seja, aquelas nas quais equipe

gestora, professores e pais discutem e deliberam sobre o plano de ação e a “missão da

escola”. É esse tipo de interação que aprofunda a confiança, à medida que permite às

pessoas irem além do “respeito” e “consideração”, demonstrando e percebendo umas

nas outras um senso de “integridade” e “competência” (KOCHANEK, 2005).

Em nenhuma das duas escolas se chegou ainda às interações de “alto risco”. Na

Escola A não há nenhum representante do segmento famílias frequentando efetivamente

as CPAs, que ocorriam toda semana. Na Escola B, as CPAs eram bimestrais no segundo

semestre de 2016 e também não contavam com participação expressiva de familiares.

Na Escola A, as reuniões do Conselho de Escola ocorrem de forma fragmentada.

Quando o diretor fecha o balancete de prestação de contas, chama alguns pais para

tomar ciência e assinar a ata, e utiliza um tempo dentro do TDC para fazer o mesmo

com os professores. Não se pode dizer então que há propriamente uma reunião de

Conselho de Escola em que todos os segmentos se encontrem, mas uma ciência isolada

da prestação de contas. Na Escola B, essas reuniões existiam efetivamente e no início de

2017 contavam com a participação de doze pais/mães. No entanto, também se

restringiam à tomada de ciência da prestação de contas e a pequenas decisões relativas,

por exemplo, à arrecadação de novos fundos para a APM.

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Nesse aspecto, portanto, as duas escolas são parecidas, pois em nenhuma delas

foram observados momentos coletivos em que os pais pudessem se aproximar entre si e

dos professores e gestores para avaliar e discutir questões substantivas que impactem o

Projeto Político Pedagógico da escola. As oportunidades de conversa são mais

individuais, quando professores e gestores chamam as famílias ou são procurados

pontualmente por elas para tirar alguma dúvida, fazer alguma reclamação etc.

No entanto, na Escola A há mais interações de “baixo risco” do que na Escola B.

As reuniões de pais da Escola A são bastante cheias, marcadas pela divulgação e

exaltação dos trabalhos dos alunos e pela entrega de presentes, por exemplo, quando

numa delas (junho/2017) o diretor sorteou algumas cestas básicas para presentear os

pais. Nelas os alunos e suas famílias parecem se sentir valorizados. Na reunião de

outubro/2016, a equipe gestora projetou, na ampla parede do pátio interno, um vídeo

sobre a escola feito por uma rede de TV, interessada em entender os fatores que a

levaram a melhorar seu IDEB. Na reunião de abril/2017, projetou uma gravação, feita

pelos próprios professores, de uns seminários apresentados pelos alunos nas salas de

aula explicando conteúdos de algumas disciplinas, depois outro vídeo de uma aluna com

deficiência visual dando seu depoimento de como é gostoso estudar naquela escola,

porque ela se sente respeitada pelos colegas e professores.

Também entre si os professores dessa escola estão sempre divulgando e

exaltando os trabalhos dos alunos, compartilhando com orgulho fotos e vídeos na

página do facebook, enfeitando as paredes da escola com diversos tipos de produções

realizadas pelos próprios alunos. Os dois jornais da escola (o “Informafricativo”, sobre

o projeto de educação em africanidades, e o Jornal geral da escola) são outro importante

veículo que divulga suas produções para toda a comunidade, que vão desde poemas

sobre temas discutidos em sala de aula a recados de amizade e agradecimento dirigidos

a colegas e professores.

O projeto de educação em africanidades vem sendo desenvolvido nessa escola

há muitos anos, sob coordenação de um professor que é pessoalmente engajado e

militante da causa, com objetivo de construir um currículo mais democrático no qual a

cultura africana seja de fato valorizada. As atividades do projeto incluem desde estudos

na perspectiva da etnomatemática, passando pela realização de exposições e eventos na

escola, a passeatas pelo bairro com entrega dos jornais à comunidade. A leitura dos

testemunhos de alunos sobre essas e outras atividades, publicados no jornal, mostra que

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os resultados incluem um aumento na autoestima especialmente das meninas negras que

começaram a valorizar seu cabelo; uma maior conscientização entre os estudantes

quanto às origens das desigualdades raciais e sociais no Brasil; e um entendimento mais

profundo sobre as marcas positivas da cultura africana na herança cultural brasileira.

Africanidades trata sobre diversos assuntos tanto do início da nossa história, como dos tempos

atuais, pois até hoje ainda é possível ver desigualdades sociais, econômicas. Portanto quanto

mais puder ser divulgada e explicada o que é africanidades, mais pessoas terão a possibilidade de

não só saber suas raízes e sua real história, mas também de saber seus direitos e deveres.

Eu ajudei a preparar uma exposição sobre africanidades. Eu adorei participar do projeto e acho

muito bonito o trabalho do professor [fulano]. Preservando a cultura africana e conscientizando

as pessoas a respeitar ao próximo independente da raça ou da cor. Isso é muito importante,

porque enfrentamos uma sociedade cheia de preconceitos. Eu cresci em uma família

maravilhosa, tenho primos e irmãos negros e desde cedo adoro as pessoas negras e brancas,

independente da sua orientação sexual. Temos que respeitar o próximo sempre, porque ninguém

é melhor que o outro. Somos todos iguais.

Bom, eu particularmente não tive a oportunidade de participar das últimas ações desenvolvidas,

mas conheço um pouco do trabalho, pois eu já recebi alguns informafricativos, que fala do

assunto. Acho muito importante ter esse diálogo sobre africanidades, afinal a maioria dos

brasileiros tem antecedentes africanos. Por isso é interessante nós estudarmos este assunto, para

conhecer mais sobre a África e sobre africanidades, para ter mais conhecimento sobre o Brasil,

Palmares, Quilombos, etc

Eu acho que esse projeto é preciso se espalhar nas escolas de todo o Brasil e de todo o mundo.

Porque nas escolas se prega que todos têm direitos e deveres, porque somos uma sociedade, mas

nunca conta a nossa história (sou negra) do quanto o povo negro sofreu e ainda tem sofrido até

hoje.

Os livros didáticos em minha opinião deveriam ter mais desenhos e imagens com pessoas negras,

por que nas figurinhas que eu vi nos livros só tem desenhos que apresenta pessoas brancas e

também deveria ter mais professorxs conscientes que aqui ainda tem racismo na nossa escola, na

cidade de Campinas, no estado de São Paulo, no Brasil e também no mundo.

(...) cada dia com mais esperança nesta escola, soube que na África não é tudo ruim. São ruins os

nossos pensamentos cheios de racismo e preconceito com os negros.

(...) Africanidades incentiva os negros a terem orgulho de sua cor e da sua religião.

(...) Foi importante principalmente para muitas adolescentes que aprenderam a se ver de uma

maneira diferente e respeitando o seu cabelo e sua cor.

(Trechos de depoimentos de alunos ao final de 2016. Compilação do professor coordenador.

Enviado à pesquisadora por email).

Esse projeto é um dos três pilares do Projeto Político Pedagógico da escola,

junto com os outros dois relativos à educação ambiental e à sexualidade, que sinalizam

como nessa escola os professores têm a prática de repensar o trabalho pedagógico no

sentido de conectar-se às aspirações e necessidades dos alunos e da comunidade. Do que

pude acompanhar, o primeiro, chamado “Gaia”, envolvia atividades como o

reaproveitamento de materiais usados, questionamento de práticas consumistas, e o

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plantio de sementes. Quanto ao segundo, além da leitura de livros e debates em sala de

aula sobre assédio sexual no ambiente familiar, alguns professores conduziam

atividades dirigidas com grupos de alunos:

Os professores deram o informe aos demais: “Hoje eu e a [nome da professora] estamos com um

projeto na escola: segunda feira, a partir do segundo TDC, vamos atender alunos de ciclos III e

IV. Por exemplo, tem meninos assediando meninas... então a professora vai pegar um grupo de

alunos e levar pra gente trabalhar. Nosso objetivo é dirimir preconceitos, levar informações,

formar o aluno pra que ele multiplique pros colegas” (Diário de Campo Escola A. Momento de

TDC. 13/03/2017. Grifo meu).

Analisamos que não é à toa que essa escola consegue realizar projetos que tocam

em temas tão espinhosos, e ao mesmo tempo caros aos debates sobre justiça social e

reconhecimento, como sexualidade, gênero e raça (FRASER, 2003). De forma geral,

não só através dos projetos pedagógicos que realiza, mas também na forma como a

escola relaciona-se com seus alunos e comunidade, percebe-se que a categoria do

“reconhecimento”, tanto do ponto de vista da “justiça social” (FRASER, 2003) quanto

da “auto-realização” (HONNETH, 2013b), se fez presente de alguma maneira nessa

escola, que está no grupo das melhores classificadas em nossa escala de confiança.

Além disso, aqueles três eixos do Projeto Político Pedagógico da Escola A, em

conjunto com as atividades da CPA, fornecem elementos que nos permitem identificar

nessa escola nuances de um trabalho pedagógico pautado nos pilares da qualidade social

e da formação humana, à medida que busca garantir a todos/as o direito à educação na

perspectiva de formar sujeitos capazes de compreender e atuar sobre a realidade, rumo

ao alcance de relações e condições mais humanas e socialmente justas.

Quanto à CPA, durante o período de campo, pude observar que uma média de

quinze alunos de vários anos mais três professores frequentam suas reuniões todas as

semanas desde início de 2016, e nelas discutem, planejam e põem em prática ações com

vistas a tornar a escola um “ambiente melhor para todos”, nas palavras da professora

coordenadora. Segundo ela, uma das coisas que “ajudou muito na questão do

rendimento e evasão escolar foi o trabalho dos alunos na CPA... a autoestima deles

melhorou quando puderam ser ouvidos” (Diário de Campo, 26/10/2016); além disso, a

CPA colaborou em “ensinar a importância de respeitar, conviver. Tinha muita

depredação, muita quebração de porta, cadeira, lixo, desperdício de alimento. Isso

melhorou. Agora tudo que acontece, a gente discute” (Diário de Campo, 27/07/2016).

Entre as ações/projetos realizados pela CPA, destacamos a pesquisa do “eu

critico”, “eu solicito”, “eu felicito”, preenchida por todas as turmas da escola, de onde

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surgiram reclamações recorrentes quanto, por exemplo, à falta de variedade da merenda,

ao que a CPA reagiu convocando uma reunião com o Ceasa e a Conutri66

, cujos

resultados depois foram socializados em assembleias: “tava todo mundo com medo da

conversa, até pessoal do Ceasa que achou que gente da Escola A fosse mal-educada,

mas a conversa foi tranquila, respeitosa. Conseguimos pratos, talheres, frutas

melhores” (Diário de Campo. Fala de uma aluna em reunião de CPA, 27/07/2016).

Outras ações realizadas foram: elaboração de ofício à Coordenadoria de

Arquitetura Escolar para justificar necessidade de ampliação da cozinha; campanhas

contra bullying, pela boa convivência e adequada higienização das mãos; controle de

frequência, o que gerou ações como conversar diretamente com os alunos faltosos e

suas famílias para saber o motivo de tantas faltas.

Um aluno sugere que tire alguma coisa que eles [alunos faltosos] gostam, por exemplo, não

deixar jogar bola, ao que a professora coordenadora responde: “vocês não acham que a pessoa

que ta faltando muito, tem alguma coisa que ta fazendo ela faltar? Vamos analisar. Um faltou

porque ficou com alguém que ta doente. Mas tem alguns casos que tão enforcando mesmo.

Quem falta sempre é quem tem mais dificuldade... se a gente fizer esse negócio de punir, a gente

vai afastar mais a pessoa do que ajudar. Temos que bolar um jeito de aproximar, perguntar:

‘por que você faltou?’, não esperar eu perguntar. Temos que pensar o que podemos fazer pra

deixar a escola mais interessante. Gincana? Vamos ver se a gente monta tipo um campeonato

brasileiro...”(...) Um aluno comenta: “eles faltam porque não tem apoio, vê que ninguém vai

ajudar”. Professora: “isso que eu to falando, trazer apoio, verificar quem ta faltando e destacar

pessoas pra ajudar... eles adoram ouvir os mais velhos”. Uma aluna lembrou que foi numa sala

conversar com eles e eles respeitaram ela. O aluno anterior reforçou: “tem que ser insistente, não

desistir na primeira patada”. Outra aluna disse: “você podia ir conversando com o Vinícius, ele

é muito inteligente, mas tem uma necessidade de aparecer” (Diário de Campo, reunião CPA,

10/08/2016).

A Escola A é conhecida pela relação forte que possui com a comunidade. As

reuniões são bastante cheias, e as festas de final de semana também, como a Mostra de

Africanidades e a Festa Junina. Certa vez saí com os alunos participantes da CPA para

colar cartazes nos estabelecimentos comerciais do bairro divulgando a Festa Junina da

escola, quando pude ouvir alguns comerciantes empolgados querendo saber quando

seria e dizendo que iam comparecer, mesmo sem ter filho na escola. Um professor

costumava me dizer que a escola é referência importante naquele entorno, desde seu

momento histórico inicial, quando cumpriu o papel de assegurar a consolidação do

processo de luta pela ocupação do bairro, até hoje, sendo a marca da presença do Estado

na comunidade. Ele também disse que as famílias confiam muito na escola, procurando-

a para pedir ajuda sobre como encaminhar questões de saúde do filho, por exemplo.

66

Ceasa: Centrais de abastecimento de Campinas. Conutri: Coordenadoria de Nutrição da prefeitura

Municipal de Campinas.

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A Escola A parece ser um importante lugar de socialização e auto-realização

para a comunidade em geral, e particularmente para os alunos e suas famílias. Outra

situação representante disso é que os alunos frequentam bastante a escola fora do seu

turno de aula, seja para participar das reuniões da CPA, do Grêmio, dos encontros de

protagonismo juvenil coordenados pelos “multiplicadores” de uma Fundação. Nota-se

também que alguns desses alunos vão ficando conhecidos, sendo vistos com admiração

por certos colegas, como exemplo a ser seguido, e ao mesmo tempo como alvo de

chacota por outros que “só querem saber de zoar”. Mas em geral parece que as ações

desses alunos são vistas com bons olhos pelos demais. Lembro, por exemplo, quando os

alunos participantes da CPA ensinaram os pequenos como lavar as mãos antes de

comer. Eles faziam aquela ação com orgulho, se sentindo importantes, sensação que

parece acompanhá-los em todas as atividades que realizam pela CPA, pois sentem que

estão ajudando os colegas e contribuindo para tornar a escola um ambiente melhor.

Percebo que a CPA tem forte adesão desses alunos também por conta da relação de

confiança e respeito que eles têm com a professora responsável, que sempre se mostra

pessoalmente preocupada com suas vidas. Por fim, é comum também a escola ceder seu

espaço nos finais de semana para eventos do bairro, por exemplo, para as reuniões de

um grupo de escoteiros da igreja.

Como certa vez me disse uma professora, a escola acaba sendo o único espaço

de sociabilidade positiva naquele bairro povoado por práticas de tráfico de drogas e

prostituição e carente de recursos como praças, quadras de esporte etc. Ela acrescenta:

“quero dizer, o único que é para todos”, pois há outros espaços como as ONGs do

bairro, porém elas têm a limitação de trabalhar com pequenos grupos de crianças e

jovens.

Além do espaço público da Escola A, são esses espaços privados do bairro que

parecem trazer sociabilidade positiva e sensação de reconhecimento para alguns alunos,

no sentido de auto-realização e promoção da autoestima dado por Honneth (2013b).

Eles me contavam com satisfação que participavam das atividades culturais oferecidas

por uma ONG, como aulas de teatro, passeios a chácaras, aulas de dança e de

informática. Outros alunos, por sua vez, contavam que gostavam de frequentar suas

igrejas, pois lá seria um espaço de encontrar as pessoas e aprender a tocar instrumentos.

No entanto, apesar dos benefícios proporcionados, esses espaços de fato não são para

todos, como bem lembra a professora.

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Apesar dessa relação relativamente próxima com a comunidade, a fala de um

professor nos lembra que a Escola A não dá conta de resolver sozinha os problemas

sociais do seu entorno, e como essa sensação de impotência acaba de alguma forma

justificando certa blindagem da escola à comunidade.

(...) “ter consciência da importância da comunidade é uma coisa, mas fazer na prática é outra. A

escola ta ainda blindada dessa comunidade. Quando ela vier aqui pra dentro com a totalidade de

problemas que ela tem, talvez a gente não suporte a experiência. Será que a gente quer isso de

fato? Tem alguns lugares que eu me blindo... eu vou pro shopping, pra biblioteca... temos algumas

maneiras de expurgar: temos alvos, reprovação... O que os alunos que tão fora da nota nos dizem,

incomoda” (Diário de Campo, Escola A, set/2016).

A própria postura de “tutelamento”, que tende a ser adotada por professores e

equipe gestora das escolas em relação às famílias, pode ser vista como uma forma de

lidar com essa impotência, ou seja, é aquilo que se pode fazer dadas as condições que se

tem. Nas duas escolas observadas em campo, foram registradas situações que ilustram

como esse “tutelamento” está baseado de certa forma na ideia de que as famílias

possuem algumas limitações ou déficits de certos conhecimentos básicos em relação ao

cuidado com os filhos, necessitando ser orientadas ou ensinadas pela escola quanto à

melhor forma de proceder.

Na Escola A, em reunião de pais de abril de 2017, a equipe gestora tinha intenção

de orientar os pais sobre a importância de colocar seus filhos para dormir cedo; porém,

diante da hora adiantada, preferiu liberá-los dessa parte inicial, deixando à vontade

aqueles que pudessem e quisessem procurar os professores para conversar mais em

particular. Acompanhei então um grupo de pais e mães que procuraram uma professora

do 6º ano. Ela dizia ao grupo como um todo que eles precisavam cuidar para os filhos

dormirem cedo, precisavam impor limites e mostrar aos filhos que é preciso respeitar as

regras: “vocês têm regras no seu serviço, não é? Não pode chegar tarde, tem que ir bem

vestido. O mesmo vale aqui na escola”. Também falou da necessidade de cobrar que os

filhos façam lição de casa, que é um momento importante para eles consolidarem o que

viram em sala de aula. Às vezes ela se dirigia especificamente para um ou outro,

dizendo que a filha precisa ter mais foco, por exemplo.

Em outra ocasião, na reunião de outubro/2016, a professora responsável pela sala

que acompanhei entregou para cada pai um papel com o desempenho do filho na forma

de “grupos de saberes”, que vão do G1 ao G4. Ela tentou explicar-lhes o que essas

siglas significavam, traduzindo-as de acordo com o antigo sistema de notas de zero a

dez. Ouvi alguns pais/mães manifestarem baixinho que não estavam entendendo.

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Conversando mais tarde com o diretor sobre isso, ele me disse que “não adianta

explicar muito por que eles não vão entender mesmo”. Nesse caso, o pressuposto de que

as famílias são deficitárias motivou uma atitude de desistência ao invés de gerar

esforços de orientação.

Certa vez em horário de Trabalho Docente Coletivo, presenciei as professoras

dos ciclos III e IV discutindo quais pais deveriam ser convocados para tomarem ciência

de problemas relacionados à infrequência do filho ou a questões comportamentais, na

esperança que a família “dê um jeito” na criança.

Os professores de sexto ano foram com a professora coordenadora de ciclo pensar juntos quais

pais eles vão chamar para conversar. Começaram então a separar, aluno por aluno, quem são os

alunos com problema de comportamento e quem são os faltosos. Em reunião passada, uma

professora havia lembrado que não pode deixar de falar do comportamental: “Isso vem da

família!”. E completa: “Também temos que mostrar o IDEB pra eles, dizer que eles estão em

último. Se somos os últimos no IDEB, vamos ser os últimos a conseguir posto de saúde, quadra

na escola”. Na presente reunião, discutindo caso a caso, comentam: “Esse é frequente, mas é

indisciplinado, conversa demais, atrapalha a aula”. “Ele não faz as atividades, enrola. Vamos

chamar o pai dele por indisciplina e frequência. Ele não pára no lugar!”. “Mas vocês sabem

que vamos convocar 30, vão vir uns 10”. “Tem que chamar esses pais, fazer pressão pra

cuidarem do filho. Porque aqui não é depósito!”. “Esse precisa chamar denovo porque combinei

da mãe acompanhar a vida escolar dele. Esse é o tipo de aluno que tem que acompanhar senão

perde... O pai falou que ele permite o filho fazer tudo que quiser. Ele não vai escutar a gente.

Ele diz que criou um filho autônomo... e a gente fala que não é bem assim, mas ele não quer

entender. Pior que ele é um dos melhores alunos, mas vamos acabar perdendo ele... não adianta

conversar com o pai... o pai veio na reunião já”. “A mãe tal veio pra mim e perguntou se a gente

não tem lista pras coisas boas que eles fazem. Eu disse que mesmo se tivesse, não ia ser o filho

dela... Falei que temos os alunos destaques, mas não chamamos mesmo pra falar disso, né.

Deveria, mas é outra história”. “Esse tem que chamar de novo, eu me responsabilizo. Esse

menino ta mentindo pro pai que ta vindo no reforço, mas não ta....o problema dele é

comportamento, sem contar o que ele ta falando pras meninas”. “A gente tem que orientar os

pais a lavar direito o sovaco pra não chegar fedido, a saber o que é essa história de criar filho

com autonomia”. “A Fulana ta com bastante falta... a mãe já veio, disse que quem passa a mão

na cabeça é o pai e ela não tem mais o que fazer”. (Diário de Campo, 10/10/2016. Momento de

TDC. ESCOLA A).

Essas falas mostram uma preocupação recorrente do professorado: as famílias

precisam aprender a colocar limites nos filhos, e às escolas cabe o papel de orientá-las

nessa empreitada, explicando inclusive qual é o sentido de “criar com autonomia”.

Na Escola B presenciei essa preocupação sendo posta em prática de forma mais

enfática. Lembrando que a Escola B, segundo nossa escala, possui o mais baixo grau de

confiança geral das trinta escolas pesquisadas (2,85), e um dos mais baixos no par de

relação “professores-pais/famílias” (2,84). Nela pude observar uma ocorrência

significativa de palestras de orientação às famílias, da qual participaram também

professores, funcionários, equipe gestora, e convidados externos. Uma delas ocorreu no

começo de 2017, na reunião de recepção aos pais, que se iniciou com uma exposição

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das regras da escola (uso de roupas adequadas, proibição de celular, necessidade de

marcar horário para conversar com os professores etc.). Depois disso:

[...] A diretora falou orgulhosa sobre uma aluna da escola que passou na ETECAP. Reforçou que

foram os professores que deram essa oportunidade, mas que também existe a parte da família e o

mérito do aluno. “Se todos trabalharmos juntos, eles vão ter ótimos resultados”. Passou a

palavra para a Guarda Municipal. O guarda falou sobre a importância de dar atenção aos filhos,

que mesmo trabalhando muito, a gente precisa chegar à noite em casa e dizer que os ama, dar-

lhes atenção, senão depois pode ser tarde demais. Depois falou sobre a importância dos limites,

de saber falar ‘não’, transferir valores morais e éticos pra eles, porque a vida lá fora não é fácil,

ele vai encontrar um monte de ‘não’, vai ter várias frustrações, e como vai lidar com elas? Às

vezes eles entram em situações complicadas por não terem aprendido a ter limites. “Vocês

conhecem o Cortela? Ele conta história de um pai que contou que o segredo da vida é: a vaca

não dá leite, é a gente que tira dela. Temos que ensinar que ele tem que correr atrás das coisas:

filho, vai lavar seu prato, vai arrumar sua cama. É passar algumas responsabilidades pra eles,

pra eles não sofrerem lá na frente, pra aprenderem a respeitar, dar valor pro trabalho dos

outros. Onde ta a raiz da violência? Um dos ramos está na família. É duro dizer isso, mas muito

dela ocorre dentro de casa... Quantas ocorrências nós atendemos de violência doméstica? Uma

história mais triste que a outra... é onde nossos filhos deveriam ter proteção, segurança, amor,

carinho, mas eles tão sofrendo violência. A sociedade acaba sendo vítima da criança que sofreu

violência na vida dela. Por que isso ocorre? Se eu recebo violência a vida toda, o que eu

devolvo pra sociedade? Não vou dar amor”. Falou sobre os tipos de violência: física,

psicológica, sexual. “Precisamos tomar alguns cuidados com a internet, TV. Quando a criança

entra na internet, elas encontram pedófilos, gente ruim. É uma ferramenta muito boa, mas

também tem coisas terríveis. Temos que supervisionar, é o mais importante. De vez em quando,

temos que convidar a família pra jantar, olhar pro filho, perguntar como ele ta, o que fez na

escola. Às vezes a gente pára pra olhar pro filho, e vê como ele cresceu, e o que a gente fez com

ele? Temos que jogar bola, conversar, enquanto dá tempo. A sociedade hoje é muito consumista,

individualista, às vezes a gente deixa de lado coisas importantes do “ser” pra correr atrás do

“ter”. Moral da historia é ter tempo pra família”. Depois da palestra, a equipe gestora

dispensou as famílias. Nenhuma delas colocou questões durante a palestra, não houve perguntas

no coletivo. Algumas foram depois procurar os guardas para conversar individualmente. Os

professores achavam que o assunto era de algum tema delicado, relativo a algum tipo de

violência que elas sofrem em casa (Diário de Campo, 17/02/2017. Reunião de Recepção aos

Pais. ESCOLA B).

Tendo em mente os estudos de Gewirtz et al. (2005), a respeito das tentativas

das Education Action Zones de construir capital social dentro da família e na relação

escola-comunidade, podemos dizer que esse tipo de iniciativa pode ter representado um

tipo linking de capital social, gerando, por um lado, efeitos positivos para as famílias

envolvidas, que podem ter enxergado nos guardas municipais um meio de manifestar

certas angústias e de buscar ajuda para certos problemas.

No entanto, essas iniciativas são limitadas porque, entre outras razões, reforçam

estigmas de que as famílias e alunos são deficitários, e seu desenho dificilmente é

formulado em conjunto com os destinatários buscando ouvi-los para saber quais são

suas reais aspirações e necessidades. No geral, como lembram Gewirtz et al. (2005),

esses programas/iniciativas não capacitam as pessoas para agirem coletivamente rumo à

mudança sistêmica nem contribuem para o equacionamento das injustiças que

perpassam os sistemas educacionais.

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Além disso, esse tipo de iniciativa não seria um problema tão fundamental na

Escola B se não viesse associado com a baixa frequência67

de manifestações de

reconhecimento, e com a recorrência de outras formas de estigmatização e de

responsabilização unilateral dos alunos e suas famílias.

Aqui é constante a referência aos alunos como desinteressados, sem foco,

preguiçosos, apáticos, “perdidos, não sabem pra onde vão, não tem limites”, ou como

violentos, agressivos, mal educados, o que nos remete à denúncia feita por Arroyo

(2011) de como a escola tende a se referir aos coletivos populares, inferiorizando-os. A

forma como alguns professores dos ciclos III e IV referem-se aos alunos e famílias nos

momentos de TDC são bastante pejorativas e em geral são corroboradas pelos colegas

com risos e sinais de concordância:

“Mas também, não sabe nem ler nem escrever, daí o que sobra é ter que mostrar o corpo!”;

“Fico impressionado, eles não sabem nem entender o que a gente fala!”; “Falei pra ela: ‘copia

da lousa e responde depois as perguntas’, e a aluna ‘mas é pra copiar?’. Gente!!!”; “Ela [OP]

vai ficar falando do problema da casa do aluno, que a mãe dele não pintou a parede de verde,

que o papagaio morreu... não aguento!”; “E a professora [cita o nome] que ficou lá ouvindo a

mãe falar não sei o que da vida dela, credo, parecia terapia!”; “Ela é quietinha, esforçada, mas

é limitada, coitada”. (Diário de Campo, Escola B. Momentos de TDC)

Como consequência dessa forma de enxergar os alunos, é enfática a chamada de

responsabilidade para as famílias. Em reunião de pais com alunos dos 6ºs e 9ºs anos,

foram convocados aqueles cujos filhos estão em situação de possível retenção. Em pé na

frente da sala, estavam seis professoras/es e a orientadora pedagógica, enquanto as

famílias ficavam sentadas nas carteiras, visivelmente acuadas, ouvindo os sermões. A

OP e os professores falavam para elas que falta comprometimento, que os alunos

brincam muito, bagunçam muito, não têm foco nem interesse, e não se comprometem

com a aprendizagem. As famílias, por sua vez, mostraram que se sentem impotentes e

que também não têm controle total sobre as crianças e jovens.

Os professores enfatizavam:“Vocês precisam cobrar que eles sejam bons na vida, na

escola!”;“a gente precisa que vocês puxem também a orelha deles, marquem no calendário um

dia para sentar com eles e cobrar as coisas da escola!”; “vocês têm que acompanhar em

casa!”; “então fala pra mãe dele que ela tem que pegar firme com ele, mudar a postura!”.

Também era recorrente a responsabilização do aluno: “Tem que chamar a responsabilidade

deles, não é a professora que reprova, é ele! Eles precisam se esforçar, parar de enrolar, tem

que entender que precisa estudar pra ser alguém na vida... mas é um desinteresse total, o outro

só quer saber de namorar!” (Diário de Campo, Escola B, 09/09/2016).

Ao final da reunião, algumas mães tomaram a palavra: “eles acham que são donos do nariz. Eles

sempre acham que sabem o que é melhor pra eles. Tenho certeza que a maioria aqui cobra os

filhos, mas eles mentem, esquivam, a gente se sente chata de cobrar muito... eles têm preguiça

de tudo, estão sempre cansados”; “Ela não trabalha, não peço pra me ajudar, não faz nada, só

67

Ao menos nos espaços coletivos que pude observar.

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peço pra focar nos estudos! Tem perigo de reprovar esse ano?”; “ele é muito apático, pergunto

as coisas e ele só responde sim ou não. Vou por ele pra trabalhar pra ver se anima!”; “não sei o

que é, se é a idade, ou as amizades” (Diário de Campo, Escola B, 09/09/2016).

A parte de responsabilidade da escola, segundo os professores, já está sendo

cumprida. Em nenhum momento pude visualizar algum movimento de autoavaliação

feito pelos profissionais da escola para repensar as próprias práticas e sugerir novas

formas de organizar seu trabalho. Segundo certa vez me contou a OP da escola, “eu

queria que os ciclos III e IV fizessem assembleia de classe, como os ciclos I e II fazem,

pra ouvir o lado dos alunos, mas eles têm uma resistência imensa a isso, pois acham

que aluno não sabe avaliar professor”. Nos momentos de trabalho coletivo os

professores não compartilham seu trabalho e pouco se fala sobre projetos pedagógicos

da escola. As conversas giram mais em torno de preenchimento de dados em sistemas,

dias de reposição, levantamento de lugares interessantes para os alunos visitarem,

organização prática de festas, informes sobre novas resoluções da Secretaria Municipal

etc. É comum ouvir os professores reclamarem do TDC e não verem utilidade nesse

momento, dizendo constantemente que não veem a hora de ir embora, ou que trocariam

esse horário por qualquer outra coisa.

A relação dessa escola com a comunidade parece ser distante. Na festa do dia da

consciência negra, poucas famílias compareceram. Houve, aliás, imensa resistência dos

professores dos ciclos III e IV em organizar as atividades para esse dia, pois segundo

eles isso atrasaria seu planejamento e estava impedindo que se discutissem assuntos

mais urgentes. Já a festa junina foi um evento fechado somente para alunos e

professores, sem participação das famílias. Em conversa informal, o zelador da escola

me disse que o motivo é “porque aqui não gostam muito de chamar as pessoas da

comunidade pra escola”; já uma professora avalia que é porque não tem espaço

suficiente na escola, nem dinheiro.

As informações que consegui colher sobre a relação da Escola B com a

comunidade derivam mais da observação de ausências do que de

depoimentos/conversas com os alunos, uma vez que nessa escola tive pouco contato

com eles. Enquanto na Escola A tive a oportunidade de conversar bastante com os

alunos, principalmente com os que frequentavam a CPA toda semana, na Escola B

nunca conversei com nenhum aluno. Pude encontrar alguns poucos nas três reuniões da

CPA que ocorreram ao longo do segundo semestre de 2016, e mesmo assim não

consegui me aproximar deles. A própria relação deles com essa instância era mais

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distante, pois não participavam ativamente nas reuniões, apenas ouviam a OP

explicando os dados dos índices externos (IDEB, ANA) e do Provão da escola, sem

intervir ou colocar suas opiniões.

A Orientadora Pedagógica falava com os dez alunos presentes, uma professora, dois funcionários

e duas mães: “A CPA vai analisar o que ta por trás das notas. Vou trazer as provas pra vocês

verem, sem nome dos colegas. Vocês sabem que vocês são da CPA, temos que ser éticos... é pra

ficar aqui o que foi conversado aqui. Por ex. falar de resultado de avaliação... estamos falando

da escola, não de fulano e beltrano... por que os alunos foram tão mal nessas provas? Nós

professores temos discutido bastante sobre isso. A última reunião foi até difícil. Teve aluno de

nono ano que marcou várias alternativas. Na hora de prestar vestibulinho, se errar já era. Aqui

errar é aprender, mas lá não tem como. Então a gente não vai abolir o provão... a gente tem que

trabalhar mais com vocês o provão. Pensar o tempo... teve aluno que fez muito rápido... a gente

encontrou redação de uma linha. Alguma coisa ta errada. Vamos pensar junto? De repente

trabalhar mais com produção de texto... fazer alguma coisa pensando em leitura e

interpretação... O tema era olimpíada, e a pessoa tava falando de paraolimpíada. Vocês como

multiplicadores podem falar isso pros colegas. Muitos entregaram de qualquer jeito. A gente já

ta reavaliando essa coisa de fazer interdisciplinar... mas é uma pena pra vocês, porque é estilo

Enem. Aí a gente vai voltar.... mas não vai perder isso de ter atividade avaliativa no final, com

objetivo de fazer alunos se prepararem... esse retorno vocês podem dar pros colegas”. Os alunos

se mostraram apáticos e não interviram. Ao final, tiraram a data da próxima reunião para

continuar a discutir índices externos e notas de provas da escola (Diário de Campo. Reunião de

CPA. Escola B. 29/09/2016).

Havia cinco alunos, dois funcionários, e duas professoras. A orientadora pedagógica explicou

pros alunos sobre a ANA [avaliação nacional de alfabetização], como funcionam os níveis de

aprendizagem em língua portuguesa e matemática, quais são as habilidades requeridas pra cada

nível, e mostrou os gráficos de desempenho da escola, comparando-os com a rede, e fazia

perguntas: “vocês acham que a escola ta bem? A intenção é pensar depois num plano de ação

pra fazer os alunos dos níveis mais baixos avançarem”. Os alunos estavam apáticos e não se

manifestaram. Uma delas falou que não gosta de matemática, ao que uma professora respondeu:

“do que você gosta também?” E ela: “nada, gosto de dormir na minha cama”. Ao final, a OP

disse que ficou chateada porque muita gente não foi pro dia da consciência negra. Explicou que é

um dia importante, que eles precisavam valorizar; disse que muitos alunos não foram porque

“ah, minha mãe precisou fazer compra”. Falou que o que foi exposto foram os trabalhos deles

mesmos! Uma das alunas disse que não teve trabalho da sala dela. A professora e a OP insistiram

que teve sim. (Diário de Campo. Reunião de CPA. Escola B. 24/11/2016).

Da mesma forma, a minha relação com a CPA da Escola B foi distante, ou seja,

ali minha ajuda não era demandada, diferente da Escola A, na qual me senti mais

acolhida e acabei me envolvendo com várias ações da CPA, ajudando-os a confeccionar

vídeos, elaborar ofício, distribuir cartazes pela comunidade.

Com a saída da antiga OP que conduziu as reuniões da CPA em 2016, estas

deixaram de ocorrer no primeiro semestre de 2017. Em nenhum momento a nova OP

sinalizou vontade de retomar essas reuniões. Conversando com uma professora, ela

comentou que em 2017 estava tentando implementar grêmio na escola, mas que o

processo ainda estava muito incipiente: “fizemos uma primeira reunião com quem

topou participar, pra começar a compor as chapas... mas eu queria que eles tomassem

mais as rédeas, vejo que se eu deixo acontecer, não acontece”.

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Sinto que na Escola B os alunos não ocupam os espaços, o que se manifesta

tanto na sua falta de participação em instâncias como grêmio e CPA, quanto na quase

ausência de produções suas coladas nos murais e paredes dos corredores da escola.

Nessa escola, ouvi mais referências ao que os alunos não sabem e às suas deficiências

do que elogios e reconhecimento pelo que eles são e produzem.

De tudo que foi exposto nesse tópico, percebe-se como o reconhecimento e a

falta de reconhecimento em relação à comunidade manifestam-se de diversas formas,

seja no currículo propriamente, quando a Escola A decide realizar projetos que

dialogam diretamente com as necessidades de seus alunos, seja nas relações, quando a

Escola B faz uso de adjetivos pejorativos para se referir aos alunos e suas famílias, e até

mesmo na forma como os alunos participam ou deixam de participar de instâncias

avaliativas e as famílias são convidadas e ocupam ou não as festas e eventos da escola.

Fica claro, assim, como o reconhecimento/falta de reconhecimento dos

professores em relação às famílias e o reconhecimento/falta de reconhecimento em

relação aos alunos se contaminam mutuamente, e como a confiança nas famílias/alunos

não está relacionada apenas às dinâmicas de reciprocidade e ao quanto eles se

enquadram nas expectativas formuladas internamente ao grupo docente. A confiança

está associada, sobretudo, à abertura da escola à comunidade e à mudança de olhar

sobre o papel da escola e sobre os alunos e suas famílias.

5.5. Confiança e Reciprocidade: relações entre pares e entre professores e equipe

gestora

Nesse tópico, faremos um diálogo entre a literatura, os dados quantitativos e os

qualitativos das entrevistas e da observação em campo, com objetivo de defender que as

relações de reciprocidade entre professores, e entre eles e a equipe gestora, afetam a

construção de relações de confiança.

Entendemos o conceito de reciprocidade no sentido dado por James Coleman

(1988) conforme exposto no capítulo 2. Nessa perspectiva, a confiança dos professores

nos colegas e na equipe gestora é influenciada a) pelo quanto eles percebem a existência

de lealdade no ambiente da escola, ou seja, que as obrigações e ajudas serão retornadas;

b) pela percepção de que as pessoas se dispõem a trocar informações e conhecimentos

valiosos entre si; c) pelo senso de compartilhamento de normas e regras combinadas e

cumpridas coletivamente.

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Da mesma forma que a “redistribuição” remete, em alguma medida, à

“legitimidade” das instituições públicas, e o “reconhecimento” à “política de

tolerância”, pode-se dizer que a importância da esfera da “reciprocidade” é reforçada

pela ideia de “solidariedade” defendida por Misztal (1996), segundo a qual uma “ordem

solidária” baseia-se no entendimento mútuo e na reciprocidade entre pessoas que,

mesmo sendo diferentes, se reconhecem pertencentes a uma mesma coletividade,

possuindo, portanto, um interesse comum e uma responsabilidade de contribuir com o

bem-estar de todos.

O gráfico exposto no tópico 5.2 mostra que os segmentos mais “confiáveis” são

aqueles que guardam mais semelhança de status com os professores e estão de certa

forma mais próximos deles, interagindo com eles cotidianamente no ambiente escolar:

os próprios pares (4,6) e a equipe gestora (4,5). Vale notar que, ainda que estes

segmentos gozem de um grau mais elevado de confiança em comparação às famílias e à

Secretaria Municipal de Educação, eles ainda carecem do que poderia ser considerado

um grau elevado de confiança, uma vez que nenhuma das duas médias chega a cinco

pontos.

Vejamos primeiro o que nos dizem os itens do instrumento e as entrevistas sobre

a construção de relações de confiança entre professores e equipe gestora. Nesse caso,

diferentemente da relação entre os pares professores, existe uma hierarquia dada pela

própria definição legal das atribuições conferidas ao papel de cada segmento. No

entanto, mesmo nesse caso em que as trocas não são consideradas propriamente

simétricas em termos de poder, os dados nos mostram que ainda é possível desenvolver

relações de reciprocidade, sobretudo, quando a(o) diretor(a) engendra ações que

diminuam o senso de vulnerabilidade dos professores.

Tabela 12 - Itens e Médias da Relação Professor-Equipe Gestora

ITENS Média (0-6)

1.Tenho autonomia para organizar minha prática pedagógica em sala de aula. 5,18

2. Sinto que posso contar com o apoio do(a) diretor(a) para realização do meu trabalho. 4,81

3. O(a) diretor(a) compartilha informações importantes com os professores (por ex. sobre

nossa vida funcional, sobre o que está acontecendo na rede etc.) 4,62

4.Sinto-me como se estivesse sozinha(o) nas minhas atividades profissionais, no

cotidiano da escola. (INVERTIDO) 3,95

5.A equipe gestora preocupa-se com nosso desenvolvimento profissional (por ex.,

garantindo momentos de formação na escola etc.). 4,49

6.Gosto de procurar o(a) orientador(a) pedagógico(a) quando preciso conversar sobre

minhas práticas pedagógicas. 4,26

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7.Sinto-me respeitada(o) pelo(a) diretor(a) da minha escola. 4,84

8.Os professores sentem liberdade para se colocarem, opinarem, pautarem questões com

o(a) diretor(a). 4,54

9.O(a) diretor(a) cumpre sua parte na garantia de condições adequadas de trabalho para

nossa escola. 4,57

10.Os professores sentem que suas opiniões e propostas são consideradas pela equipe

gestora. 4,07

11.O(a) diretor(a) confia no trabalho dos professores dessa escola. 4,56

12.O(a) diretor(a) trata todos os alunos com respeito. 5,05

13.Sinto-me como se estivesse sendo vigiada(o) em meu trabalho. (INVERTIDO) 4,13

14.A equipe gestora incentiva a participação de todos (professores, funcionários,

famílias e alunos) na definição do Projeto Pedagógico da escola. 4,34

15.O(a) diretor(a) compromete-se com o bem-estar de todos os estudantes. 4,78

16. O(a) diretor(a) age de forma coerente com aquilo que foi combinado coletivamente. 4,29

17. O(a) orientador(a) pedagógico(a) está sempre combinando com os professores ações

pedagógicas para ajudar os alunos que mais precisam. 4,47

18. O(a) diretor(a) desencoraja momentos coletivos de tomada de decisão sobre as

questões da escola. (INVERTIDO) 3,99

MÉDIA GERAL 4,5

Fonte: dados da pesquisa. O programa SPSS calculou as médias das respostas para cada item, lembrando

que o intervalo é de 0 a 6 (0-discordo totalmente; 6-concordo totalmente).

Os professores esperam que a equipe gestora como um todo tenha consideração

e respeito por eles, o que se manifesta em várias situações concretas, conforme consta

nos itens acima e nas entrevistas exploratórias. O tratamento humano e a preocupação

com o bem estar pessoal foi tema de um item retirado do instrumento durante a

validação conceitual68

, mas apareceu nas entrevistas (e no campo) como uma

manifestação importante da dimensão consideração:

1. Preocupar-se com bem-estar do professor, enquanto ser humano.

16. Olhar carinhoso e humano para o professor, quando sente que ele ta passando por alguma

dificuldade, problema pessoal.

29. Apoio humano, perceber quando o professor ta com algum problema pessoal e ouvi-lo.

Também é relevante para a formação da confiança que a equipe gestora

demonstre se preocupar com as necessidades profissionais dos professores, oferecendo

apoio para que eles consigam realizar a contento suas atividades. Demonstrar esse tipo

de consideração significa, segundo os entrevistados, atender às necessidades de compra

e disponibilização de materiais e recursos; ajudar a pensar formas de proceder em casos

de alunos com dificuldade, tanto no aspecto disciplinar quanto de aprendizagem;

incentivar propostas inovadoras de trabalho que possam mexer com formas tradicionais

de disposição dos tempos e espaços; ajudar a buscar e a conversar com os pais. Os

68

Ver detalhes em Anexo 3.

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professores precisam poder conversar com a gestão sobre as conquistas e dificuldades

de suas práticas pedagógicas, de forma a obterem um retorno sobre o trabalho que estão

realizando, terem respaldo para repensar métodos e objetivos e encontrar ideias de

novos caminhos.

1. Espero que o cabo da TV não seja trancado a sete chaves.

2. Quando precisamos de um projetor... e apoio para solucionar problemas com alunos.

3. Apoiar propostas de trabalho do professor.

4. Apoio na lida com indisciplina dos alunos... E quando propomos coisas, mostras, projetos... e

para conversar com pais.

13. Chamar pai de aluno pra vir à escola.

26. Apoio na aprendizagem e disciplina: compra de materiais, ligar pros pais, ajudar a fazer

encaminhamentos para alunos que precisam de ajuda especializada.

5. Ajudar a pensar como operacionalizar ideias.

8. Ouvir os professores, sobre os conteúdos que aplicamos, sobre nossas relações com os

alunos; dar feedback, discutir pedagogicamente as ações.

10. Poder falar sobre o trabalho pedagógico, o que é dado em sala de aula, sobre o que cada

um ta fazendo, o que eu penso, porque eu to fazendo isso, qual meu objetivo, quais dificuldades

eu tenho encontrado. Conversar sobre práticas, conhecer o trabalho do outro, apoiar ideias

diferentes, como a que eu to fazendo na minha sala.

14. Apoio e orientação, conversar com os professores sobre o trabalho deles, o que ta legal, o

que não ta, fazer crítica, elogio.

29. Apoio pedagógico com ideias para fazer em sala de aula.

A dimensão do respeito apareceu associada à abertura ao diálogo: os professores

esperam ser ouvidos para tratar das prioridades dos gastos, para pensar a forma de se

relacionar com os pais e os encaminhamentos para alunos. Em geral, trata-se de um

senso de escuta àquilo que eles têm a dizer. Também apareceu associada ao

reconhecimento das diferenças e individualidades:

2. Ouvir professores quanto às prioridades de gasto, gerenciamento de recursos.

4. A porta tem que ta sempre aberta... o diretor tem que estar atento à escola, sabendo o que ta

acontecendo, o que os professores estão fazendo... Na outra escola tinha que marcar hora, eu

batia na porta e pensava: “o que essa mulher ta fazendo lá dentro?”.

8. Espero que a gestão atue junto com o professor, seja parceira. Não gosto de hierarquia, “eu

que mando aqui”, não é chefe. Tem que funcionar como se fosse uma engrenagem, saber ouvir e

saber falar, saber fazer e receber críticas, ter diálogo, pensar projetos coletivamente.

9. Dar ouvido aos professores, ouvir seus argumentos. Dar a liberdade de expor aquilo que

acham que tem que ser feito. Deu algum problema, fez algo errado, “vem cá, vamos resolver”,

sem fazer alarde. A porta da direção tem que estar sempre aberta.

16. Ouça os professores, pondere, ainda que nem sempre seja possível acolher tudo.

21. Abrir situações para serem discutidas: prioridades de gastos; encaminhamentos para alunos

(encaminhar aluno com excesso de falta ao Conselho Tutelar, chamar os pais em situações de

briga tensa).

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28. Um posicionamento autoritário (aí faço a diferença entre autoridade e autoritário) traz pra

quem recebe as ordens um sentimento que pode gerar um comportamento de obediência, mas

não de confiança. E quando exerce autoridade considerando o posicionamento e as

características... vou dizer individuais... esse relacionamento de confiança, acredito que ele se

faça de maneira mais sólida.

28. Tem que dar liberdade das pessoas falarem, sugerirem, se colocarem (por ex. sobre a data

de envio de bilhete aos pais, sobre a forma como é escrito).

7. Nível justo no tratamento com alunos e professores.

9. Respeitar as diferenças, reconhecer as potencialidades de cada um.

10. Trabalhar com todos, inclusive com quem pensa diferente.

14. Tratar os professores de forma igual, sem diferenciar. Tem que ser perspicaz, valorizar os

talentos dos professores. Por mais que a pessoa seja difícil no trato, a diretora pega a parte boa

dele e diz “faz esse cartaz pra mim, pra escola, essa arte gráfica, esse filminho pra mim”.

28. Respeitar as características individuais dos professores.

Na dimensão da competência, as expectativas relacionadas à adequada execução

dos papéis da direção e orientação pedagógica apareceram nas falas dos entrevistados.

Referem-se à capacidade de articular a equipe e administrar conflitos, estabelecer regras

claras para o bom funcionamento da escola, gerenciar recursos e materiais. De forma

recíproca, os professores precisam sentir que a equipe gestora confia que os professores

farão adequadamente e de forma competente o seu trabalho.

2. Trabalhar as relações interpessoais e conflitos, pra equipe ficar unida.

4. Manter espírito de equipe.

5. Articular os projetos da escola, os professores, fazer o trabalho coletivo.

14. Saiba delegar funções por ex. através de comissões de trabalho (comissão da festa junina,

dia das crianças...).

15. Em certos momentos é função dela tomar decisão, às vezes essa decisão não agrada os

professores. Na medida do possível, ela tem que discutir com a gente, procurar soluções em

conjunto, sem que isso tire a autoridade que é dela. Por exemplo, gerenciar os recursos da

escola, de forma que esses recursos atendam a questão pedagógica, isso é próprio da direção.

19. Tem que ter conhecimento de como administrar, encaminhar, resolver demandas, por

exemplo, relativas a materiais, recursos, jornada. Tem que conhecer a unidade escolar. Portar-

se como um profissional, sendo justo, e não trazendo problemas pessoais.

20. Cuidar da organização burocrática do ambiente da escola, organização de todas as equipes,

de limpeza, da cozinha, que organize essas equipes.

21. Saber conduzir conflitos, delegar funções e cobrar seu cumprimento adequado, ouvir os

clamores da comunidade e filtrar o que é possível, ter a visão do todo da escola e tomar atitudes

pro bom funcionamento da escola (por ex. não deixar professores saírem mais cedo).

23. Profissionais competentes em gerir recursos humanos, administrar questões legais, articular

os professores, saber ouvir e ao mesmo tempo tomar decisões e conversar duro quando for

preciso.

30. Saber ler e administrar conflitos.

3. Confiar e valorizar o trabalho do professor, quando a gente faz propostas diferentes.

5. Acreditar no trabalho dos professores.

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16. Confiar no nosso trabalho, saber que a gente ta fazendo nosso melhor.

18. Dar autonomia pra que os professores escolham seus próprios métodos pedagógicos.

29. Respeito à competência profissional do professor. Autoridade na sala de aula sou eu,

ninguém vai me dizer o que vou fazer com meus alunos. Essa cátedra merece respeito.

Na dimensão da integridade, os professores mencionaram que esperam

comprometimento da equipe gestora com a educação, com os acordos coletivos da

escola, com a formação e o bem estar das crianças. Isso envolve estar aberto a pensar

novas formas de trabalhar, fomentado pelo compromisso com um processo de melhoria

constante; estar sempre próximo às crianças, conhecer seus nomes, tratá-las com

respeito e envolver-se nas questões que afetam sua formação; comprometer-se a

cumprir e cobrar ações coerentes com os pactos acordados pelo coletivo. Mais que o

cumprimento dos pactos, apareceu nas falas que a equipe gestora precisa incentivar uma

concepção coletiva de trabalho, abrindo espaços e momentos de discussão em que todos

possam participar na definição dos rumos da escola.

3. Saber fugir do quadradinho, do certinho, bonitinho, quando professor propõe coisa diferente.

10. Viabilizar ações criativas, do aluno, do professor, ter posturas e falas aprovando e

defendendo novas ideias.

1. Preocupar-se com o que ta sendo ensinado, o que o aluno ta aprendendo.

5. Saber ouvir e respeitar a criança, ter compromisso com a criança.

6. Foco grande nos alunos que tem mais dificuldade, fazer o máximo por esses alunos,

investigar por que não estão aprendendo.

4. A diretora ta sempre andando pela escola. Isso é um ponto positivo, essa relação de portas

abertas pra receber os alunos... até na entrada, dizer: “oi, boa tarde, o que aconteceu, você

machucou?”.

9. Conhecer os alunos, se preocupar com os alunos (cita recebê-los na entrada e estar sempre

circulando pela escola).

11. Respeitar o aluno, a família do aluno, conduzir os problemas de uma forma humana.

23. Não perder de vista as crianças.

6. Zelar para que os combinados coletivos sejam cumpridos.

9. Estar sempre atenta ao que está acontecendo na escola, ao que os professores estão fazendo.

10. Dar voz aos alunos, que possam decidir sobre questões, avaliar qualidade do trabalho dos

professores.

8. Discutir coletivamente como vai ser o plano pedagógico, fazer avaliação, e comprometer-se a

aplicar.

11. Propiciar momentos coletivos de discussão, não trazer decisões prontas.

13. Comparecer às reuniões; ter compromisso com a escola, com as crianças.

15. Discutir com professores, procurar soluções em conjunto, sem tirar a autoridade que é dela.

Pensar na escola como um trabalho coletivo, usar as reuniões pra discutir trabalhos, projetos,

planejamento, avaliação, que exigem discussões coletivas.

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22. União com a gente pra melhorar a escola, resolver juntos os problemas, trabalhar em

conjunto. Por ex, não deixar tudo pra gestão resolver. Alunos e professores na CPA fazem

projetos e encaminham certas coisas (troca de cortina, curso vestibulinho) que ajudam a livrar a

gestão para correr atrás de coisas que não podemos resolver.

24. Alimente o trabalho coletivo, permita espaço destinado à produção coletiva (em que todos

tenham voz, possam pautar questões, avaliem quais são os objetivos dos trabalhos que

realizamos, como as oficinas, por exemplo); cuide dos tempos de formação, ajude todos a

pensarem no trabalho da escola como um todo.

25. Articular o trabalho da equipe, pra ter coerência no trabalho da escola como um todo. Que

apoie e acolha as decisões tomadas pelo grupo, não seja impositiva.

8. Fazer aquilo com que se compromete nas discussões pedagógicas.

11. Ter critérios claros pras escolhas que faz.

13. Ter um posicionamento político claro, mantendo esse posicionamento diante da SME.

15. Não atuar de forma diferente nos bastidores e na frente dos professores.

24. Honestidade, ter clareza quanto ao projeto que se está trabalhando, agir de forma coerente.

25. Adequar os mandos da SME à realidade da escola.

28. Agir de forma coerente com aquilo que foi combinado e acordado entre a equipe, ter clareza

quanto a normas e regras, o que é pra ser feito e respeitado.

30. Tem que ter pulso firme, ter claro quais são os objetivos da escola, os combinados, as regras

de convivência, os direitos e deveres, deixar isso claro pra todos.

Nas idas às trinta escolas que aceitaram participar da aplicação do instrumento,

diversas situações foram observadas que ajudam a compreender como as dimensões do

respeito, consideração, integridade e competência se manifestam. Em cinco delas, ficou

claro que os professores consideram a equipe gestora autoritária, incapaz de ouvir e

canalizar as demandas docentes. Os professores reclamaram que não foram consultados

quanto à decisão de fechar algumas turmas da escola, ao que a diretora respondeu que

não tinha culpa, pois uma decisão desse porte depende de ordens externas sobre as quais

ela não tem controle. Outra situação que gerou bastante atrito em duas dessas escolas foi

a postura da direção de mudar o que foi decidido em órgão colegiado. Os professores

alegavam que a diretora decidiu aprovar alunos que haviam sido reprovados em

Conselho, descumprindo o acordo coletivo sem consultar os professores.

Outra situação observada diz respeito à falta de apoio da equipe gestora em

prover os materiais requeridos pelos professores para executarem suas ideias de trabalho

com os alunos em eventos da escola. Em uma das escolas onde isso aconteceu, os

professores reclamavam que além de não terem sido apoiados com o devido aporte de

recursos, não foram reconhecidos pelo seu trabalho: “não recebemos nenhum elogio!”.

Por fim, outro tipo de ocorrência que chamou atenção foram conflitos

relacionados à diferença de concepções de educação. Abaixo, segue a narrativa de

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situações que ocorreram em duas escolas, relacionadas às temáticas “trabalho

interdisciplinar e em oficinas” e “divisão das turmas de acordo com classificação do

desempenho de alunos”. Trata-se de temas que, embora bastante debatidos na literatura

e constantes em documentos legais, devem ser constantemente negociados na escola.

Nos exemplos abaixo, as gestoras escutaram os professores, se comprometeram a

satisfazer suas necessidades, ao mesmo tempo em que remeteram à importância de

respeitar os acordos coletivos e souberam apresentar por que pensam de forma

diferente. Houve, portanto, de certa forma, um processo de negociação.

A Orientadora Pedagógica (OP) manifestava indignada que não gostou da postura de dois

professores especialistas, que parecem ter decidido entre eles montar turmas de alunos de acordo

com o grau em que se apropriaram do conteúdo, contrariando uma regra da escola que parece já

ter sido deixada clara pela equipe gestora. O professor justificava que aqueles com mais

dificuldade precisam de atenção individualizada, da mesma forma que os mais avançados não

podem ser segurados pra trás pelos outros. Salientava que a única intenção havia sido essa, que

não fizeram por mal. A OP deixou claro que o que a tinha deixado irritada não era a concepção

em si por trás dessa prática, com a qual ela não concordava, mas a maneira individual como eles

tomaram a decisão sem trazer isso pra discussão. Defendeu que uma decisão como essa tem que

ser trazida pro coletivo, discutida, e que se mesmo assim continuassem achando benéfico montar

turmas homogêneas de alunos, tudo bem. Mas não poderiam achar isso com base em “achismo”,

sendo que há todo um corpo de pesquisa dizendo que a diversidade é boa, que os alunos

precisam conviver com a diferença e inclusive ajudar uns aos outros. Ela dá bastante valor à

pesquisa, aos estudos, e é nisso que fundamenta o valor de toda discussão, como um momento

das pessoas trocarem conhecimentos, aprenderem umas com as outras, ainda mais o professor

novo que acabou de entrar e poderia, antes de tomar essa decisão, conversar com as professoras

mais experientes. Depois da discussão, esses professores especialistas foram embora, pois estava

na hora do fretado sair. Ela continuou a conversa com as professoras de ciclos I e II. Perguntou a

elas se acharam que ela foi grossa. As professoras pareciam concordar com a postura dela. Senti

que, apesar das discordâncias, houve respeito na fala de todos os lados. (Diário de Campo de

aplicação do instrumento, Escola Y, 12/12/2016).

A escola tem um projeto com oficinas (de teatro, dança, MMA, pintura, leitura) e precisava

encaixar esse trabalho dentro da jornada. Um professor se manifestou, disse que não daria pras

oficinas acontecerem sempre no mesmo dia e horário da semana, senão iria prejudicar o

conteúdo da disciplina dele. A diretora explicou que não são coisas separadas: que as oficinas

também são conteúdos. De toda forma, considerou a fala do professor e disse que vai pensar em

diversificar os horários. Discutiram também como compor o provão da escola. A diretora queria

convencê-los a fazer a prova baseada num único texto, pois segundo ela isso é

interdisciplinaridade e trabalho coletivo, tal como preconizado pelas diretrizes curriculares: “eu

não estou inventando a roda”. Os professores acharam que isso seria muito difícil, de um único

texto extrair questões para todas as disciplinas. Pensaram em pegar a prova do SARESP.

Algumas professoras ressalvaram que podem usá-la como base, mas que necessariamente tem

que haver um cuidado de pensar as questões à luz da realidade da rede municipal. A diretora

reforçou que usar uma inspiração não exime os professores daquela escola de fazerem eles

próprios o trabalho de pensar a prova. Combinaram que alguém traria o modelo do SARESP

xerocado para que pudessem trabalhar em cima (Diário de Campo de aplicação do instrumento,

Escola X, 10/11/2016).

Vejamos agora o que dizem os itens do instrumento e as entrevistas sobre a

relação de confiança entre os pares professores.

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Tabela 13 - Itens e Médias da Relação professores- professores

ITENS Média (0-6)

28. Os professores podem contar com a ajuda uns dos outros na condução do trabalho

cotidiano da escola. 4,73

29. Os professores respeitam uns aos outros. 4,89

30. Os professores dessa escola gostam de se ouvir para aprender uns com os outros. 4,47

31. Sinto-me à vontade para expor aos meus colegas professores as fragilidades e

dificuldades do meu trabalho. 4,5

32. Quando um(a) professor(a) tem boas ideias sobre como trabalhar com os alunos,

ele(a) compartilha com os outros professores. 4,52

33. Eu confio na competência profissional dos professores dessa escola. 5

34. Os professores tratam todos os alunos com respeito. 4,66

35. Os professores nunca desistem dos alunos, fazendo o máximo para contribuir com a

formação de todos. 4,57

36. Os professores comprometem-se em avaliar e aprimorar constantemente seu próprio

trabalho. 4,6

37. Os professores dificilmente ouvem uns aos outros, pois acham que os outros

professores têm pouco a contribuir. (INVERTIDO) 4,61

38. Nós professores temos a prática de avaliar nosso trabalho coletivamente, refletindo e

combinando juntos o que podemos melhorar. 4,12

39. Os professores cumprem os combinados coletivos. 4,5

MÉDIA GERAL 4,6

Fonte: dados da pesquisa. O programa SPSS calculou as médias das respostas para cada item, lembrando

que o intervalo é de 0 a 6 (0-discordo totalmente; 6-concordo totalmente).

Tantos nos itens como nas entrevistas, os professores demonstram esperar dos

colegas que tenham compromisso com a educação, o que se manifesta basicamente na

vontade de trabalhar coletivamente, compartilhando visões comuns relativas ao trabalho

pedagógico e às regras de conduta e agindo de acordo com essas visões; na preocupação

constante com o aprendizado dos alunos e no tratamento respeitoso dispensado a eles e

suas famílias; na abertura para repensar o próprio trabalho. Chamamos essa dimensão

de “integridade”.

2. Minha confiança depende muito... da forma como o professor lida com o aluno, como se

refere a ele no TDC, porque aí você vê a visão de mundo da pessoa.

19. Precisa ter compromisso profissional, comprometimento político (refletir sobre mudanças na

escola e na sociedade). Ter um olhar atento pro aluno, perceber a questão social que está por

trás das manifestações e conflitos, por ex., os problemas na família.

5. Professor tem que ter formação política e social, respeitar as diferenças, o ser humano,

querer trabalhar perto da comunidade.

23. Tem que assumir posições políticas claras (enfrentamento com SME).

13. Envolvimento e preocupação com a qualidade da educação.

4. Não pensar só no próprio horário, nas próprias questões pessoais.

5. Não colocar as questões pessoais em primeiro lugar (de casa, de disputa de ego). Pensar na

escola, no trabalho coletivo (planejar junto atividades, fazer parceria com outras áreas, fazer

projetos pensando na escola).

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17. Questões profissionais tem que falar mais alto que as pessoais, mas muitos deles pensam em

si: “porque to chegando agora, porque to próximo de aposentar”. Alguns são individualistas.

Educação melhoraria se a gente trabalhasse de forma coletiva, interdisciplinar, se todos

pensassem no aluno e na melhoria do trabalho que se desenvolve na escola como um todo.

10. Não pensar apenas no salário. Tem que ter compromisso com a educação. Isso envolve

repensar constantemente as próprias práticas, e ter comprometimento com os alunos, relação de

afeto.

21. Professor precisa se atualizar, acompanhar o que é novo na educação (novas formas de

trabalhar conteúdo).

11. Disposição de estar sempre repensando o trabalho. Preocupar-se com os problemas da

escola, e com as crianças.

3. Estejam dispostos a construir coisas novas.

12. Sempre vai haver diferenças entre os professores, mas tem que ter comprometimento com os

alunos, investir no aluno.

6. Não desistir do aluno, tentar pensar sempre o que fazer pro aluno melhorar.

23. Não precisa pensar todo mundo igual, mas tem que pensar no que é importante pra escola e

pro aluno.

15. Ajam de acordo com o que foi combinado no coletivo, mesmo que isso contrarie o que ele

tava querendo.

2. Ouvir o outro, participar dos projetos coletivos, saber abrir mão do que pensa em nome do

que foi decidido coletivamente.

17. Executar o que foi combinado.

23. Ter abertura para conhecer coisas novas, querer trabalhar junto, entender que as pessoas

pensam de forma diferente e nem sempre sua opinião vai ser acatada pelo grupo.

24. Posso confiar em quem pensa diferente, desde que a pessoa seja coerente e deixe às claras, e

tenha compromisso com o outro, com o trabalho, comigo, e principalmente com a criança,

respeite a criança.

26. Comprometimento, querer fazer com que o aluno aprenda.

28. Arriscar novas formas de trabalhar, pensando no aluno, ainda que isso traga insegurança

ao professor acostumado a trabalhar sempre da mesma maneira.

1. Tem que sair um pouco da sala de aula, pensar outros movimentos na escola (aqueles que

vêm com as mudanças da educação integral, por exemplo).

4. Aberto ao diálogo, a sair da sua zona de conforto e repensar formas de trabalhar. Entender

que não é um professor trabalhando individualmente na sua sala, mas parte de uma equipe.

9. Visão coletiva da educação, ação interdisciplinar, ao invés de cada um com seu livrinho

dando sua aula.

6. Ter clareza das intenções da escola.

29. Espero que falemos a mesma língua... que possamos entrar em acordos em relação a vida

escolar, regras escolares, por ex, uso de celular na escola. Tem professor que deixa os alunos

usarem o celular pra ouvir música dentro da sala de aula... como vou dizer que é proibido se o

outro colega deixa usar? Tem que ter acordos, concordâncias, pra que a escola ande bem, e não

gere desorganização.

30. Tem que haver um mecanismo de avaliação do trabalho, pra evitar professores que não se

comprometem, não fazem nada, só reclamam.

Outra questão recorrente nas entrevistas e itens refere-se à disposição para trocar

experiências/conhecimentos e fazer projetos em conjunto, o que requer abertura para

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ouvir e aprender com o outro, afastando a prepotência de achar que já se sabe tudo. Para

tanto, é necessário que se respeitem as diferenças de pensamento e se tenha educação e

cautela na forma de abordar questões e resolver problemas. Chamamos essa dimensão

de “respeito”.

6. Possibilidade de trabalhar junto, construir projetos. Sentir-se à vontade para se expor, falar

com o colega sobre o trabalho pedagógico, o que se faz em sala de aula.

11. Mesmo com as diferenças, tem que estar aberto a pensar junto, construir projeto, conversar

sobre o que ta fazendo. Pactuar formas de trabalhar, não pode cada um se fechar na sua sala.

12. Aberto a escutar e a receber crítica (construtiva), repensar o próprio trabalho, tentar coisas

novas.

13. Diferença não quebra as relações de confiança. Tem que estar aberto ao trabalho coletivo, a

dialogar, debater, trocar, compartilhar.

15. Espero trabalho coletivo... por ex., a gente estabeleceu eixos, apesar de eu estar no sexto

ano, as atividades estavam ligadas ao eixo direitos humanos, desde a leitura desses direitos,

montagem de literatura de cordel... aí tinha o grupo do sexto ano trabalhando isso, e em alguns

momentos em conjunto com o professor do oitavo, que tava organizando o festival de música;

apesar de serem turmas diferentes, a gente juntava a turma de sexto com a de oitavo.

16. Disposição do outro em te auxiliar, trocar e compartilhar metodologias, experiências, fazer

projetos em conjunto. Trocar ideia: “eu trabalhei esse tema de tal forma, e você?”.

17. Devem estar abertos a participar de projetos coletivos, repensar e desenvolver formas novas

de trabalhar e de olhar os alunos, trocar experiências e práticas pedagógicas. Cita exemplo de

projeto que ouve os alunos quanto a problemas pessoais e busca trabalhá-los.

18. Fazer trabalho coletivo, que é sentar junto, conversar, planejar atividades, discutir o que vai

ser trabalhado e como.

19. Poder chegar pra conversar com seu colega: “nessa sala ta acontecendo isso, to com um

problema assim, vamos tentar construir dessa forma”, ir encontrando uma solução, mesmo que

seja para aquela situação, fato específico, mas é uma construção coletiva.

20. Disposto a trabalhar junto, fazer projetos interdisciplinares, compartilhar as dificuldades,

avanços e erros.

22. Trabalhar em conjunto, trocar experiência, pensar que a escola é um todo, não apenas sua

sala de aula. Pensar junto qual a melhor forma de ajudar aquele aluno, no comportamento,

aprendizado.

24. Tem que ter parceria, pensar propostas de trabalho em conjunto, sejam ações com as

crianças, sejam questões da escola.

25. Compartilhar experiências, o que deu certo, o que não deu, materiais pedagógicos,

principalmente professores do mesmo ano.

26. Trocar experiências, conversar sobre o que ta dando certo, o que não ta. Importância dos

projetos coletivos (dengue, reciclagem, reforço). Eu vou pra sala dela [cita professora do mesmo

ano] com minha HP [hora-projeto] e auxilio os alunos dela... a gente fez um acordo, cada uma

faz o projeto na sala da outra na sua hora vaga... e a gente vai conversando, trocando ideias do

que fazer.

28. Disposição ao trabalho coletivo, de se abrir às contribuições do outro, não achar que sabe

tudo.

30. Estar disposto a dialogar, interagir, trocar, ouvir e aprender com o outro, dividir o que

sabe, falar sobre a própria prática, o que deu certo e o que não deu, sem medo do julgamento do

outro.

14. Respeito aos colegas, não falar mal dos colegas na frente dos outros nem sair por aí

criticando sem saber... por ex., vem o professor do quarto ano: “foi aluno de quem essa

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criança? Chegou assim no quarto ano!” E diz isso sem ter lido nada que foi relatado, sem saber

qual foi todo o trabalho que foi desenvolvido. Sem nem sequer vir conversar com a professora

anterior. “nossa, mas o que aconteceu que ele não ta alfabetizado?”. Ele poderia ter vindo

conversar com você, ao invés de já sair falando por aí. Porque senão você fica só denegrindo o

professor...

8. Saber ouvir e saber falar. Não deixar que birrinhas impeçam de ouvir e considerar o que o

outro ta falando.

3. Escutar o outro, o que o outro tem pra oferecer. Não achar que sabe tudo.

27. Estar disposto a trocar, dar opinião, ouvir opinião do outro, sobre atividades para se

trabalhar um tema. Não se fechar na própria sala e querer fazer tudo do seu jeito. Cita parceria

com professora do mesmo ano.

15. Respeitar as diferenças, saber conviver com professores que possuem pensamentos e

ideologias diferentes. Às vezes tem professores com postura muito impositiva nas suas ideias.

Isso não é legal. Por exemplo, a conversa sobre a questão do negro... um ouve, o outro ouve e

diz que não concorda, mas se a pessoa chega impondo a verdade dela, se não ouve o outro, ela

já perde a confiança... se aquela pessoa não acolhe as ideias, aí você já fica distante... aí você

nem entra na discussão com ela: “ah, ela não vai deixar eu falar mesmo, então deixa que ela

fala sozinha”.

21. Respeitar o que eu penso sobre educação. Respeito por aquilo que eu sou, por aquilo que eu

acredito. Ao meu conteúdo, às minhas posições em relação à educação, ao meu trabalho com o

adolescente, com a criança, à minha visão de mundo. As relações dentro da escola são bastante

conflituosas. Professores de várias formações diferentes estão na mesma escola, pertencem a

períodos históricos diferentes. Isso causa conflito no processo de educação, mas não precisa

gerar desrespeito.

25. Ter conversa aberta, pra perguntar sobre os alunos, sobre o trabalho que foi feito no ano

anterior, antes de criticar o trabalho do outro e sair falando. Postura de saber ouvir e acolher

ideias do outro, não chegar impondo achando que é dono da verdade.

30. Respeitar as diferenças de olhares, trabalhar com a diversidade, pois os professores não

pensam igual.

29. Muito respeito um pelo outro. Pelas experiências que já tiveram... pelas coisas que

aprenderam... pelo jeito como ensina. Pelas coisas novas que aprendem e querem falar. Dou

aula com uma colega de 5º ano... temos que ensinar as mesmas coisas...a gente se respeita à

medida que ensinamos a mesma coisa com jeitos diferentes... eu parto de pesquisa, ela gosta de

livro didático...eu a respeito, e ela me respeita....não é porque trabalhamos juntas que uma vai

fazer o que a outra faz o tempo inteiro.

7. O respeito é olhar o outro como se tivesse olhando pra você mesmo. Começa aí. Respeitar o

outro, o espaço do outro, o tempo do outro. Não tem o direito de ultrapassar os limites com o

outro porque ninguém é melhor que ninguém. Você pode ter alguma coisa melhor, mas o outro

tem algo também... ninguém tem o direito de menosprezar, dizer alguma coisa que possa

magoar o outro. Se você não quer magoar, você sempre vai ter um cuidado no relacionamento,

na forma de abordar questões, resolver problemas com educação e cautela, e isso vai gerar

confiança.

4. Deveria ter uma “despessoalização”... aqui não é um grupo de amigos... a gente é amigo fora

da escola...mas aqui dentro da escola, é saber ouvir e saber falar: “entendo que o menino é

peste, mas do jeito que você fez não da, pode vir mãe ou pai reclamar”, e eu falo “é mesmo,

tenho que consertar”... é saber exercitar que nem tudo que fala é pra atingir seu íntimo, não é

pessoal, e nem tudo que fala tem que falar de determinadas maneiras. Tem que deixar claro o

que você ta sentindo e pensando, isso é melhor que metáfora ou silêncio. As relações

interpessoais entre os professores, tem que ser profissional, por mais que tenha amizade.

Alguns entrevistados ressaltaram que o “ser profissional” passa por certa

separação entre as questões pessoais e profissionais, outros sublinharam o compromisso

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ético e político, como já foi possível visualizar nas falas acima. Também foi citada a

competência técnica de forma genérica, como um atributo que deve ser reconhecido

para gerar confiança:

19. Tem que ter competência técnica.

21. Respeitar a competência profissional de cada um.

23. Reconhecer a competência profissional dos colegas.

Por fim, os professores entrevistados esperam que seus pares sejam solidários, o

que se expressa na forma de apoio, ajuda e colaboração nas pequenas coisas do dia a dia

que envolvem o trabalho e a vida pessoal. Chamamos essa dimensão de “consideração”.

14. Colaboração em questões de convivência, por exemplo, limpar a lousa antes do outro usar.

20. Ajudar quando é preciso.

21. Respeito nas pequenas coisas, como tirar carro da garagem, cumprimento de datas,

horários.

23. Sentir solidariedade dos colegas, que se importam com você como ser humano.

25. A questão da sensibilidade... de repente chega e você não ta bem. Aconteceu alguma coisa

na sua casa... não tem como separar o pessoal do profissional. Quando alguém olha pra você de

verdade: “ta tudo bem, aconteceu alguma coisa?” Essa sensibilidade cria um laço de confiança.

29. O apoio, ajuda, solidariedade, nessa época em que a gente vive, é o que tem segurado a

maioria na escola, um apoiar o outro, em todos os sentidos. Com aluno, com disciplina,

materiais, conteúdos a serem dados. A gente troca muito as coisas. Respeito e solidariedade, são

as palavras de ordem. Essa mesma colega... tive um problema que precisei sair da sala, ela fez a

ponte, olhou meus alunos enquanto eu tava com um pai.

. . .

Passemos à análise das observações em campo realizadas nas duas escolas.

Também nos pares “professores-equipe gestora” e “professores-professores”, as escolas

A e B nos proveram ambientes bastante diversificados quanto à formação da confiança.

Os dados mostraram que o grau em que a equipe gestora adota posturas de

reciprocidade - deixando claro quais são as normas e combinados da escola,

compartilhando informações, permitindo a negociação coletiva de demandas e

concepções, e oferecendo apoio/ajuda aos professores - influencia poderosamente a

confiança dos professores nesse segmento. Da mesma forma, colegas professores que

agem de forma recíproca, compartilhando aprendizados, formando parcerias,

oferecendo ajuda e apoio uns aos outros, são capazes de fomentar um senso maior de

confiança entre os pares.

De acordo com nossa escala de zero a seis, a Escola B foi a pior classificada no

grau de confiança dos professores em relação à equipe gestora, com 2,95. A melhor

classificada obteve 5,41. Quanto à relação entre pares, a Escola B obteve 4,13 (a menor

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média foi 4,06, e a maior foi 5,26). Vejamos como as situações observadas em campo

nos ajudam a entender esses números.

Pelo que pude observar, a Escola B não realiza processos efetivos de avaliação

institucional participativa, pois enfrenta dificuldades em negociar entendimentos

comuns no nível das concepções de educação do projeto político pedagógico. Uma vez

que essas questões não estão bem resolvidas/acordadas entre os profissionais da escola,

quando elas inevitavelmente emergem nas situações cotidianas cria-se um ambiente de

suspeição que acirra ainda mais a falta de confiança entre eles.

Exemplos dessas discordâncias que não foram devidamente negociadas giram

em torno dos temas ensino da história da África e aprovação/reprovação. A dificuldade

de se elaborar um entendimento comum sobre essas questões se dá, por um lado, devido

à resistência deliberada do grupo de professores dos ciclos III e IV e, por outro, devido à

postura da equipe gestora que não insiste nas discussões e não oferece apoio pedagógico

para basear possíveis mudanças de concepções. A resistência desses professores parece

ser explicada, em partes, por outros aspectos da atuação da equipe gestora relativos às

dimensões do respeito, consideração, integridade e competência. A equipe gestora, por

sua vez, não consegue promover certas ações e discussões devido à resistência dos

docentes, o que acaba gerando uma espiral de desconfiança difícil de ser quebrada.

Certo dia em horário de TDC do 6º a 9º anos, a Orientadora Pedagógica

informou aos professores que eles precisavam pensar atividades com os alunos para

apresentar na Mostra do Dia da Consciência Negra. Eles questionaram por que essa

Mostra aconteceria de novo esse ano, disseram que não têm tempo para preparar essas

atividades, pois isso implicaria ter que interromper o conteúdo da disciplina que já

estava atrasado. A equipe gestora queria reservar um TDC inteiro pra que eles pudessem

fazer juntos o planejamento, o que foi frontalmente rechaçado pelos professores, que a

chamaram de autoritária por querer impor de última hora um trabalho que segundo eles

nem precisaria de tanto tempo para ser executado, que “em um minuto a gente faz em

casa”. A Orientadora Pedagógica e a diretora ainda tentaram contra-argumentar,

dizendo que essa semana é prevista com antecedência no calendário, e mostraram textos

e legislações que embasam a importância do ensino da história da áfrica nas escolas. No

entanto, elas não foram bem sucedidas, e acabaram cedendo à vontade dos professores

de discutir outra pauta que eles julgavam mais importante, relativa à formatura dos

alunos e ao estudo do meio.

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O TDC seguinte de 6º a 9º estava reservado para uma palestra com um formador

do MIPID69

que trabalha especificamente com a introdução dessas questões raciais no

currículo. Por coincidência, eu havia assistido a essa palestra em outra escola na qual fui

aplicar o instrumento. Lá a formadora foi muito bem recebida e conseguiu fomentar

uma discussão profícua com os professores. Fiquei, então, ansiosa para ver como seria a

recepção desse momento formativo na Escola B. Enquanto esperávamos o formador

chegar à sala dos professores, alguns deles começaram a confessar que não viam sentido

algum no ensino da história da áfrica nas escolas, porque, segundo eles, a premissa da

qual esse ensino parte - de que há racismo no Brasil - é falsa. Um professor

especificamente foi desenvolvendo todo o argumento, ao que os demais reagiam com

sinais de concordância. Uma professora completou dizendo que se você é contra cotas

ou contra esse currículo nas escolas, você é taxado como racista, e isso está errado. Ela

narrou uma situação em que se sentiu desrespeitada pela Orientadora Pedagógica: logo

após elas terem tido uma conversa na escola em que a professora defendeu o “dia da

consciência humana” no lugar da “consciência negra”, a OP teria escrito uma postagem

no facebook dizendo que quem pensa assim é “fascista hipócrita”. A professora

finalizou: “Depois dessa, não falo mais nada também!”. No fim das contas, o formador

não veio, devido a um problema de comunicação com a orientadora pedagógica quanto

à data.

A maioria dos assuntos tratados nos TDCs, tanto dos ciclos I e II quanto dos

ciclos III e IV, refere-se a informes de novas regras estabelecidas pela Secretaria, e a

questões operacionais de escolher a melhor data para festas, passeios pedagógicos,

estudos do meio etc. A diretora diz se sentir acuada para propor discussões mais

acaloradas, sobretudo, nos TDCs de 6º a 9º ano, pois confessa sentir medo desses

professores. A orientadora pedagógica que esteve na escola no segundo semestre de

2016 também se sentia intimidada. Ela reclamava que especialmente esses professores

são muito difíceis, resistentes a tudo, e que várias vezes ia embora da escola chorando

devido às hostilidades que sofria. Como consequência, elas parecem se acuar cada vez

mais e dificilmente propõem discussões que permitam levantar pontos de vista

divergentes. O resultado disso é que a escola não passa por processos de avaliação sobre

a qualidade do ensino que oferece e outras possíveis que poderia oferecer. Essa

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Programa “Memória e Identidade: promoção da igualdade na diversidade”, da Rede Municipal de

Campinas.

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orientadora pedagógica pediu remoção para outra escola mais perto da sua casa, e no

semestre seguinte entrou outra OP, que também dizia sentir a mesma sensação.

Talvez isso também explique por que nessa escola nunca há momentos de

formação com os professores, ou seja, durante o período que acompanhei, nenhum

momento de TDC foi preenchido com palestras/rodas de conversa que fomentassem

discussões conduzidas por especialistas de fora ou de dentro da própria escola. Daí os

professores sentirem que a equipe gestora não se preocupa com seu desenvolvimento

profissional, um dos elementos que contam para a construção da confiança.

Nos encontros coletivos entre professores, dificilmente eles compartilham entre

si novas ideias e trabalhos que vem realizando. Tanto nas RPAIs quanto nos TDCs, não

consegui observar momentos de troca de conhecimentos ou formação de parcerias e

projetos interdisciplinares. O que chamou mais atenção nesse aspecto foi a resistência

explícita dos professores em geral, e especialmente dos ciclos III e IV, em discutir

projetos diferenciados propostos pela equipe gestora, bem como sua tentativa constante

de dirimir pautas mais diretamente pedagógicas e focar naquelas mais organizativas

como formatura, estudo do meio, uso dos espaços, ou encaminhamento de alunos para

atendimento especializado.

Essa resistência foi observada também, ainda que em menor grau, entre as

professoras dos ciclos I e II. Certo dia em TDC a orientadora pedagógica apresentou a

elas um material organizado pelo MIPID sobre educação para as relações étnico-raciais,

sugerindo que isso servisse como base para elaboração das atividades da Mostra do Dia

da Consciência Negra. Pouca atenção foi dada ao material.

A orientadora pedagógica falou: “Então vocês tem que pensar as parcerias... como vocês vão

trabalhar? Por ano?” Uma professora respondeu: “a gente já ta desenvolvendo um projeto do

PNAIC. Não tenho pernas. De acordo com a proposta do PNAIC, perguntei pros alunos o que

eles queriam trabalhar esse ano... eles queriam natureza, arco-íris... já comecei a montar um

trabalho em cima disso. Teria que tentar encaixar [as atividades da Mostra]”.

Outro aspecto que chamou atenção sobre a relação entre os professores é que,

além de haver poucas trocas e parcerias entre eles, há um estado de rixa entre os

professores dos ciclos III e IV de um lado, e os dos ciclos I e II de outro, o que se

manifesta, sobretudo, na desconfiança dos professores “especialistas” em relação à

competência profissional das pedagogas, e na percepção de que a equipe gestora não

aplica as mesmas regras para todos, favorecendo as professoras da manhã (pedagogas).

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“Às vezes eu não faço meu máximo não [pelos alunos]. Eu atribuo essa diferença à formação de

pedagogo... a gente [especialistas] tem uma formação assim, ‘ou você aprende, ou cai fora’, eu

não tenho muita paciência... se não entendeu o conceito, eu não quero explicar denovo, digo:

‘você não sabe ler!!’ As pedagogas são tão emboladas de teoria pedagógica que o menino chega

escrevendo cebola com dois S. Alguém ta errando... como que em cinco anos o menino não sabe

ler nem escrever?!? Chegava os alunos no sexto ano tudo analfabeto porque as P1 [pedagogas]

não conseguem alfabetizar em cinco anos. Elas dizem que tão tentando...mas a equipe gestora

também não tem um norte pra elas... é um mega chororô: ‘ai, o pai é drogado, morreu o

papagaio da outra’... tudo tem desculpa pra não dar nota ruim pro aluno... ela [diretora] falou:

‘um terço de reprovados, não pode’. Aposto que vai retirar tudo que a gente conversou lá no

conselho” .(...). “De manhã [ciclos I e II] ninguém confia em ninguém. O povo da tarde [ciclos

III e IV] não confia no da manhã. E o povo da tarde não confia em 100% do povo da tarde”

(Diário de Campo. Aplicação pré-teste em duas professoras, set/2016).

Uma professora dos ciclos III e IV comentou: “Essa reposição eu não to entendendo como é, tem

um monte de gente que deveria ta repondo... só a gente [ciclos III e IV] vem e conta que todo

mundo ta repondo? Não vejo o pessoal da manhã! (Diário de Campo, TDC 6º ao 9º,

16/09/2016).

A orientadora pedagógica mudou o assunto: “agora um assunto bem chato. Sobre CHP. Só

alguns têm. Acabei de vir de uma reunião com a supervisora. CHP é exclusivamente com o

aluno, essa administração entende que é pra trabalhar só com aluno. O que ela explicou é o

seguinte: se você tiver uma janela, pode usar CHP entrando na sala da colega que ta dando

aula” (...). Uma professora comentou indignada: “as P1 [pedagogas] tão usando CHP pra

encontro com pares, mas elas não fazem isso, vão resolver coisa no Banco do Brasil... sou

contra isso, o que vale pra elas vale pra gente” (Diário de Campo, TDC 6º ao 9º, 10/03/2017).

Principalmente os professores dos ciclos III e IV reclamavam de diversas

posturas da equipe gestora, por exemplo, quanto ao que eles chamaram de

inflexibilidade na elaboração de pauta dos TDCs. Certa vez eles quiseram discutir sobre

a quantidade de alunos por sala, uma reivindicação antiga do professorado da rede

municipal de Campinas, como já demonstrado no tópico “confiança e redistribuição”.

No TDC, um professor perguntou: “Quantas salas tem pra ano que vem? O sexto ano podia

virar dois sétimos”, ao que a OP respondeu: “mas uma sala de aula já ta como sala específica

pra apoio pedagógico”. Uma professora disse: “A gente quer fazer um protesto, queria que

abraçassem uma sala a mais pra poder acomodar os alunos!”. Passaram um tempo discutindo as

demandas de alunos por vaga. Ao final, os professores ressentiram: “agora a gente não vai poder

reverter mais isso, poderia ter falado isso antes pra gente...mas não falaram...”. A Orientadora

Pedagógica disse que isso não estava na pauta de hoje, e que há outras demandas mais urgentes

para serem discutidas. Professores ficaram bastante chateados, queriam colocar pra discutir isso

semana que vem. A equipe gestora não se posicionou nem favorável nem contra, apenas tentou

dirimir esse assunto dizendo que não seria possível colocar os alunos em espaços destinados a

outras atividades: “Nós temos que ter esses espaços pra atender aluno, não pode enfiá-los lá”.

Professora: “mas eles [Secretaria Municipal de Educação] não tão nem aí, mandam colocar

aluno nas salas que tem, enfiam aluno lá. Já não foi sala de aula uma vez? Por que não pode ser

mais?”. Professor: “escola é uma ditadura disfarçada. Falam em gestão democrática, mas isso

não existe aqui. E a gente reproduz com os alunos... nem perguntaram pros alunos se eles

queriam aquela palestra lá. Eles estavam lá, entrando por um ouvido e saindo pelo outro”.

Professora: “é verdade, não há comunicação aqui”. (Diário de Campo, 07/10/2016)

A equipe gestora, no entanto, colocou outra pauta na reunião seguinte, sobre a

Mostra do Dia da Consciência Negra, conforme explicado anteriormente. É certo que a

resistência dos professores em discutir esse assunto tem origens sociais para além da

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postura da equipe gestora da escola, mas pode-se dizer que contribuiu para essa

resistência o fato de não se sentirem respeitados na pauta que solicitaram. Nesse caso,

no fundo os professores estão manifestando desgosto em relação à Secretaria Municipal

de Educação, mas como se trata de uma instância muito distante, acabam enxergando na

diretora a figura que deveria representá-los perante a Secretaria em suas reivindicações.

Segundo Bryk e Schneider (2002), o diretor mostra possuir integridade quando, por

exemplo, enfrenta alguma política que ele acredita não contribuir com a qualidade do

trabalho da escola. Os professores da Escola B não esperam que a equipe gestora mude

as determinações vindas de cima; afinal, sabem que ela não tem poder suficiente para

tanto. No entanto, na ausência de canais diretos de negociação dos professores com o

poder público, eles esperam que a equipe gestora paute os problemas por eles

identificados nas reuniões de planejamento do NAED, que protocole pedidos, que

encaminhe suas dúvidas ao poder público e lhes dê alguma devolutiva.

Outra expectativa frustrada que contribui para minar as relações de confiança

nessa escola é que a equipe gestora respeite o que foi acordado no coletivo. Houve uma

situação emblemática na qual os professores sentiram que a diretora e orientadora

pedagógica passaram por cima do que foi decidido em Conselho de Classe:

As professoras me contaram que em Conselho de Classe, deram I [Insuficiente] para uma aluna

[que tinha chegado à escola fazia pouco tempo, vinda de uma situação de mudança constante de

escola]. Decidiram reprová-la, mas depois perceberam que a gestão alterou as notas dela para S

[Satisfatório] e não reprovou a menina. Acharam um desrespeito, pois ela não teria condições de

passar de ano sendo que não tinha feito nenhuma atividade. Sentiram que isso foi passar pela

autoridade do que foi decidido em Conselho. Mais tarde, a orientadora pedagógica e a diretora

me procuraram para contar o que houve. Senti que a intenção delas era justamente trazer o outro

lado, pois sabiam que eu, que estou sempre rodando pela escola e converso bastante com os

professores, já tinha ouvido falar do ocorrido e não poderia ficar com uma visão parcial. “Como

a gente pode reprovar a menina sem ter o histórico dela? Os professores não mostraram nada

que justificasse a reprovação. Sem contar que ela fez [alguma prova ou atividade] e se saiu bem.

E eles falam que a gente não pode, mas podemos sim tomar a decisão de não reprová-la, porque

consideramos outros fatores que eles não consideram”. A diretora completa: “E o que me

garante que esses professores realmente fizeram de tudo pra ajudar a menina?” (Diário de

Campo, 14/12/2016).

A questão da reprovação ainda é bastante delicada nas escolas. Estudos

documentam as consequências excludentes de tal decisão, ao mesmo tempo em que ela

ainda é sentida como uma necessidade pelos professores, que enxergam na reprovação o

mecanismo mais eficaz de motivação para a aprendizagem (FREITAS, 2007; 2002). De

um lado, os professores não querem abrir mão desse mecanismo; do outro, a equipe

gestora recebe constantemente a pressão de não poder reprovar uma quantidade muito

grande de alunos. Essa pressão, somada ao fato de a diretora e a orientadora pedagógica

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não confiarem no trabalho dos professores, justifica para elas a decisão de mudar o que

foi decidido em Conselho. No entanto, o que os professores mais ressentem é que elas

não colocam abertamente sua postura nos momentos coletivos de reunião; ao invés,

calam-se nesses momentos, procurando evitar conflitos, e agem às escuras sem

consultá-los.

Os professores se sentem desvalorizados pela equipe gestora da Escola B. Se por

um lado eles resistem a certas atividades propostas pela equipe gestora, por outro lado a

orientadora pedagógica e a diretora também não apoiam as propostas inovadoras de

trabalho elaboradas pelos docentes, uma vez que desconfiam da sua competência e

compromisso.

Enquanto fazíamos o pré-teste, as professoras iam comentando sobre as questões do instrumento.

Uma delas disse: “A gente só quer inovar, mas às vezes não da certo... Ela [a diretora] podia

falar: ‘da próxima vez tenta diferente’... mas não, ela já acha que a gente quer matar aula. E

quando fazemos algum trabalho legal, elas nunca elogiam!”. A outra professora completou: “Se

você faz um trabalho interdisciplinar.... Se da certo, ela fica calada, se da errado, ela malha a

gente. Ela fica muito brava: ‘por que vocês juntaram? Vocês não tão querendo dar aula!’. A

gente fez um projeto interdisciplinar sobre o açúcar: ela falou que precisava fazer um projeto

por escrito, fez várias modificações, na tentativa de boicotar... mesmo assim nós insistimos, e ela

ficava com pé atrás: ‘não deixa esses alunos saírem, já tão matando aula!’. Por exemplo, o

projeto da Câmara, o vereador agradeceu, mas aqui é como se não tivesse acontecido nada... a

gente não tem incentivo nenhum por parte da escola”. (Diário de Campo, 28/09/2016).

Certa vez uma professora narrou uma situação na qual se sentiu desrespeitada

em sua competência profissional, quando foi chamada para uma ouvidoria sem ter tido a

oportunidade de se defender, segundo ela.

A professora me contou: “tive uma ouvidoria contra mim... fui chamada na direção, com a

supervisora do NAED, com todas da equipe gestora da escola [OP, diretora, vice], que falaram

pra supervisora que eu não sou uma profissional! Em nenhum momento elas me perguntaram:

‘isso de fato aconteceu?’. Já chegaram me acusando que eu não faço a parte pedagógica”

(Diário de Campo, 28/09/2016).

Por outro lado, essa é a mesma professora que confessou acima que “ou você

aprende, ou cai fora! Eu não tenho muita paciência, se não entendeu o conceito, eu não

quero explicar denovo”. É certo que concepções de educação como essa devem ser

combatidas no meio escolar; no entanto, a forma como a equipe gestora optou por

encaminhar essa questão foi recebida pela professora como um sinal de desrespeito. Na

ausência de mecanismos de controle social nessa escola, pelos quais os profissionais

possam dialogar, aprimorar seus conhecimentos e se apoiar mutuamente, parece que

restou à diretora recorrer a um tipo de controle mais verticalizado.

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Outra professora narrou que certa vez ela se sentiu desrespeitada por uma mãe, e

esperava que a diretora intervisse de alguma forma impedindo ou apaziguando a

situação.

No meio da tarde [em dia de reunião de pais] saí da sala do 6º ano e fui dar uma volta no

corredor para ver como estava o movimento nas demais salas. A professora Regina estava em pé

na porta de uma sala conversando com duas alunas mais uma funcionária, reclamando da

agressão verbal que havia sofrido por parte de uma mãe. Segundo ela, a mãe foi bastante grossa,

porque dizia que Regina havia se referido à filha dela, em conversa com outro aluno, de forma

desrespeitosa. Regina teria dito “problema dela!” se referindo ao fato da aluna ter faltado na

prova. Depois, a diretora veio conversar comigo para contar o que aconteceu. Disse que foi uma

situação bem tensa, porque a mãe chegou falando alto com a professora no meio do corredor, e

juntou um monte de gente em volta para olhar as duas “batendo boca”. Diante do barulho a

diretora acabou aparecendo na cena. Ela disse que não conseguiu se posicionar defendendo

nenhum lado, preferindo se eximir de qualquer responsabilidade de se colocar naquele conflito,

pois “as duas envolvidas que tem que se entender”. Ela me contou que não conseguiu defender a

professora, porque imaginava que a mãe podia ter razão na reclamação dela, já que aquela

professora era realmente desrespeitosa com os alunos (Diário de Campo, 26/05/2017).

Por um lado, os professores esperam da equipe gestora uma postura de

consideração de “acalmar os pais quando tentam agredir a gente”. Como também

mostraram as entrevistas, o professorado espera que os gestores tenham a competência

política de saber administrar conflitos na escola. No entanto, a diretora alega que não foi

possível agir dessa forma, pois ela mesma não confia que os professores tenham

consideração pelos alunos e suas famílias. De fato, observando as falas da professora

Regina e do coletivo de professores de 6º a 9º ano em geral, pode-se dizer que eles se

referem aos alunos de formas bastante pejorativas. A desconfiança, assim, torna-se um

círculo vicioso que afeta todas as relações na escola.

Os professores reclamam também da falta de comunicação. Em reunião de RPAI

no final de 2016, eles expuseram:

“Funcionário entra e a gente não sabe quem entrou quem saiu... ninguém comunica a gente das

coisas. Os terceirizados chegaram e a gente não sabe nada. A comunicação poderia ser

facilitada se fosse passado no TDC: vai acontecer tal coisa na escola. Vai chegar tal pessoa pra

fazer tal projeto”. Outra professora completa: “tipo o coral... Chegou e a gente nem tava

sabendo. E tem também o problema do dinheiro: não tinha dinheiro pra comprar nem uma caixa

de bis!”. Outro professor: “isso é eficácia da pauta. O problema é que parece que não é da nossa

conta, mas tudo que acontece aqui diz respeito a nós. Isso já vem sendo falado há muito tempo.

Mas as RPAIs nunca fecham [no sentido de dar resultado]”. (Diário de Campo, 15/12/2016).

Eles esperam que a equipe gestora comunique os acontecimentos com

antecedência, e deixe claro o que espera dos professores, por exemplo, quanto à

anotação de faltas e presenças dos alunos. Esperam também que estabeleça regras claras

e limites para os alunos. Conversando sobre a bagunça que os alunos fazem quando

ficam de aula vaga devido à falta de algum professor:

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No meio do TDC, uma professora diz que é preciso conversar sobre o que aconteceu terça-feira...

Ela narra que o professor Murilo foi bem grosso com um aluno, dizendo “esse menino vem pra

escola rebolar o cu!” Outra professora completa indignada: “ele chegou extremamente

estressado na sala dos professores, e falou: ‘precisamos reunir conselho de escola pra subir

aula porque os alunos ficam soltos por aí, e não sabem se comportar. A gente não consegue dar

aula por conta desses alunos soltos. Esse biba do Fulano fica solto rebolando a bunda por aí

dando trabalho pra gente. Depois apanha... tem mais é que apanhar mesmo’!!”. Outra

professora tenta entender a atitude estressada do professor, dizendo que todo mundo estava

alterado aquele dia, porque os alunos que estavam de aula vaga e não tinham ido embora ficaram

chamando todo mundo que estava tendo aula de “cuzão”. A professora insiste: “mas nada

justifica o que o Murilo disse, ele é grosso e preconceituoso”. A diretora se pronuncia: “não

vamos falar do professor, é antiético, ele não está presente”, ao que a professora responde: “tem

que falar sim, o que ele disse é inaceitável! Aconteceu outra coisa... uma menina xingou a outra

de preta, ele ouviu e não fez nada!!” Discutiram sobre a possibilidade de subir aula, ou dispensar

os alunos. A diretora disse que não era possível montar horário tirando a aula do professor. As

professoras insistiam se não podia subir aula, pois pareciam ver aí a saída pra resolver o

problema dos alunos que invadem as aulas dos outros enquanto estão de aula vaga. A diretora

responde: “temos que ser uniformes nas regras, rotina, falar a mesma linguagem... A regra é:

faltou professor, tem que aprender a ficar ali sentado esperando”. Uma professora: “mas essa

linguagem não ta posta, porque eles não estão esperando!”. Diretora: “mas falta professor todo

dia...e tudo bem, vocês podem faltar, é direito, eu só peço a gentileza de avisar com

antecedência pra gente se organizar”. Disse que essa linguagem tem que ser construída todo dia,

reforçada a todo momento por todos. Outra professora lembra que é preciso registrar que a zona

aconteceu por falta de professor adjunto, e isso tem que ir pra Secretaria [SME]. Ela opina que o

professor Murilo estava errado de fato, mas ele estava sem apoio nenhum também. As

professoras que começaram colocando o caso insistiram que alguma coisa tinha que ser feita por

conta do que ele falou, que de toda forma a direção tinha que chamar a atenção dele. Mas ela não

se pronunciou quanto a isso. Depois, conversando com a diretora e a orientadora pedagógica,

elas me contaram que de terça-feira realmente é ruim porque elas não estão na escola, mas não

podem fazer nada, pois estão cumprindo o trabalho delas indo a reuniões na SME e não vão se

desdobrar trabalhando a mais. Perguntei como é nos outros dias da semana. A diretora disse que

se sente mais babá correndo atrás de aluno do que diretora, e que são os professores que

deveriam se responsabilizar por colocar essas regras. Perguntei como era a questão das abonadas

na escola, se os professores avisavam com antecedência, ela disse que não, que apenas mandam

mensagem no whatsapp pros colegas. E, pra piorar, não há professor adjunto na escola.

Existem questões estruturais mais de fundo que acabam afetando as relações na

escola, como a falta de professores adjuntos. Como se pode ver no caso relatado, uma

vez que essa questão não é resolvida com a SME, os professores transferem à diretora

toda a responsabilidade de sanar os problemas derivados daí. Da mesma forma, a

diretora tende a responsabilizar unilateralmente os professores pela resolução da

situação, ficando obscuro o que se pode esperar de cada parte. Em um ambiente sem

confiança como esse, torna-se difícil desenvolver processos de avaliação que permitam

acordar responsabilidades compartilhadas para os problemas identificados. E ao mesmo

tempo essa falta de acordo quanto às múltiplas responsabilidades e expectativas ajuda a

minar as relações de confiança.

Quando diz que “se sente mais babá do que diretora” e que “são os professores

que deveriam colocar essas regras”, a diretora mostra possuir uma concepção sobre a

função de seu papel diferente daquela compartilhada pelos professores. Para eles, ser

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diretora implica estabelecer regras e cobrar seu cumprimento, bem como ter

proximidade com os alunos. Certo dia de reunião de pais, eu fiquei na sala

acompanhando uma professora de Ciências. Nos intervalos entre um pai e outro, quando

a sala estava vazia, ela começou a desabafar que sentia falta de uma postura mais

cuidadosa da diretora com os alunos:

“Se você deixa solto, é muito ruim... é importante ta ali, fiscalizar, colocar limite, isso é

importante... dar muita liberdade deu no que deu”. A professora falava isso o tempo todo para as

famílias dos alunos. Mas uma hora falou isso pra mim se referindo à diretora. O assunto

começou quando eu comentei que estava percebendo que havia muitas gerações de pais e filhos

que estudaram na escola. Ela concordou e disse que isso acaba gerando uma confiança deles em

relação à escola: “mas outra coisa que ajudaria também é ter uma equipe gestora envolvida,

presente, preocupada com os alunos, que apareça nas salas de aula, mostre que está ali, se

importando, ao invés de deixar solto ‘se aprendeu, aprendeu, se não aprendeu, paciência’”. Ela

sente que a equipe atual não é assim. Comentava que por um lado entende, sabe que é difícil por

conta das tarefas burocráticas, sem contar que elas acabaram de chegar na escola. Mas de toda

forma disse que os professores sentem muita falta da diretora anterior, que era mais próxima dos

alunos.

Fica claro que os professores cobram da diretora o estabelecimento de regras

claras e limites, mas também uma postura de apoio e carinho. Ou seja, não basta que os

alunos sejam “repreendidos” ou controlados; é preciso que se sintam olhados, cuidados,

e tenham opções de atividades na escola. Certa vez uma professora sugeriu consertar

uma mesa de ping pong para que os alunos tivessem o que fazer nas aulas vagas, mas

isso esbarrou em outro problema que a escola enfrenta: a falta de dinheiro,

constantemente referida pela equipe gestora e ressentida pelos professores.

Não tem dinheiro pra comprar uma caixa de bis! (Diário de Campo, reunião de RPAI,

15/12/2016)

Uma professora contou que leu no Diário Oficial que a escola recebeu tantos mil do Conta

Escola: “agora temos dinheiro pra arrumar várias coisas que precisamos!”. As professoras

começaram a cobrar melhorias na escola. Uma delas questionou: “eu não sei por que essa escola

ta cheia dos problemas!”. A vice-diretora passou a responsabilidade pra estagiária: “ela que não

anotou o que eu pedi, pedi pra ela fazer uma verificação do que ta faltando, mas ela não fez”.

Começaram a pensar necessidades de compra da escola, e alternativas de atividades para ocupar

os alunos no intervalo. Outra professora contou: “o fulano [professor de educação física]

denunciou pro CREF 70

que a gente tava deixando os alunos praticarem Ed. Física sem

supervisão... mas o problema dele é outro... ele queria implicar”, ao que a orientadora

pedagógica respondeu: “Ele tem razão, legalmente, o aluno pode se machucar. E pode quebrar

um braço”. Outra professora: “Mas ping pong é tudo bem, eles ficam quietos quando falta

professor. Se a gente tiver uma mesa pra montar, eles gostam tanto pra brincar... Tem duas

mesas que poderiam ser acertadas, quem sabe a gente consegue alguém pra soldar lá com esse

dinheiro”. (Diário de Campo, 17/02/2017).

As professoras estavam organizando a festa junina. Descobri que não vai ter participação da

comunidade, é só pros alunos e professores. Perguntei para o zelador por quê, ele disse “aqui não

gostam muito de chamar as pessoas da comunidade pra escola”. Uma professora me disse que é

porque não tem espaço, e também pela falta de dinheiro. Durante o TDC, as professoras ficaram

70

Conselho Regional de Educação Física.

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pensando em atividades que não precisassem gastar muito: “Não vai ter prenda... mas pode ter

um lápis de brinde, por exemplo. Vamos fazer uma vaquinha pro bolo”. Depois da reunião, a

diretora falou que estavam sem dinheiro mesmo, e ressentiu que a contribuição dos pais para a

APM estava muito baixa. (Diário de Campo, 19/06/2017).

As questões financeiras, sobre a quantidade de dinheiro disponível e a prestação

de contas, são discutidas no Conselho de Escola da Escola B. Mas nessa instância não é

feita uma avaliação sistematizada que permita vincular problemas detectados a possíveis

soluções e encaminhamentos concretos. A instância própria onde isso deveria acontecer

é a CPA, que não tem sido mais convocada no ano de 2017. Nesse espaço, seria

possível sistematizar e colocar como prioridade, por exemplo, a construção de uma

quadra coberta com objetivo de melhorar a qualidade das aulas de educação física, ou o

conserto de mesas de ping pong para que os alunos tenham mais opções de lazer nos

intervalos e aulas vagas. Na ausência de CPA, no entanto, não há um conjunto

organizado de demandas que permita contínuo monitoramento e alocação de

responsabilidades. Dessa forma, os professores têm a sensação de que os problemas

identificados ficam “soltos”, sem retorno.

. . .

Na Escola A, a relação dos professores com o diretor e com os pares se mostrou

diferente da Escola B nos dados de campo, apesar dessa diferença não ter sido tão

pronunciada nos dados quantitativos.

De acordo com nossa escala de zero a seis, a confiança dos professores na

equipe gestora da Escola A é 4,71, estando mais próxima do grupo das melhores

classificadas (a Escola B obteve a pior média, 2,95; a melhor foi 5,41).

Quanto à relação entre os pares, a Escola A não obteve uma pontuação alta:

4,45, sendo que a menor média foi 4,06 e a maior foi 5,26. Ainda assim, foi maior que a

média da Escola B (4,13).

A pequena diferença na pontuação das duas escolas nesse par de relação nos

motivou a olhar mais de perto as frequências das respostas a cada um dos itens. Dessa

forma, foi possível ver que a diferença entre elas se encontra na percentagem das

respostas localizadas no “padrão concordo”. No máximo 66% dos respondentes da

Escola B, e no mínimo 80% da Escola A, concordam71

que os professores nunca

desistem dos alunos, possuem compromisso em avaliar e aprimorar constantemente o

71

Somando as frequências das respostas ‘concordo pouco’, ‘concordo’, ‘concordo totalmente’.

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próprio trabalho, gostam de se ouvir para aprender uns com os outros, e desenvolvem

propostas em conjunto com os colegas.

Na Escola A, a questão financeira não parece ser um problema tão grande.

Professores e alunos ressentem que suas antigas reivindicações de cobertura da quadra e

ampliação da cozinha não foram atendidas pela prefeitura, ao menos até aquele

momento da pesquisa de campo; no entanto, nessa escola não faltam materiais para a

festa junina, por exemplo, que conta com a ampla participação da comunidade. Certa

vez perguntei a um professor ao que ele atribui a boa situação financeira da escola. Ele

respondeu que a equipe gestora sabe administrar o dinheiro que recebe, pois costuma

pesquisar as opções mais em conta antes de comprar. Pelo que foi possível observar das

reuniões, as verbas vêm não só do recurso Conta Escola, mas do FNDE, do Programa

Mais Educação e até mesmo de Fundações, às quais está atrelada a apresentação de

resultados como, por exemplo, ter um grêmio consolidado, dentro daquela lógica de

mercado da qual falamos no tópico 5.3.

Nas reuniões de TDC o diretor frequentemente dá informes de alguma nova

aquisição da escola, e pede aos professores para fazerem lista dos materiais que vão

precisar para as mostras e festas. Os banheiros foram arrumados; as salas passaram a

contar cada uma com uma rádio para atividades com música; uma mesa de pimbolim foi

comprada para ficar no pátio e melhorar a qualidade da convivência nos intervalos, tal

como proposto pela CPA.

Há outras formas pelas quais os professores se sentem apoiados por essa equipe

gestora. Certa vez uma professora contou uma situação em que se sentiu desrespeitada

por uma mãe, que chegou de repente na escola querendo tirar satisfação sobre a

professora ter falado para seu filho que ele deveria usar cueca e uma calça mais apertada

que não ficasse caindo toda hora expondo seu corpo. A professora conta que se sentiu

apoiada pelo diretor, que disse à mãe: “eu sei a profissional que tenho aqui, ela nunca

desrespeitaria seu filho”. Segundo a professora, ele conseguiu contornar a situação, e ao

final a mãe pediu-lhe até desculpas. A professora me disse que “por mais que o diretor

converse duro com o professor depois, a gente espera que na frente da mãe ele nos

apoie”. Outra professora também me disse certa vez, quando perguntei o que ela

esperava da equipe gestora da escola:

“O importante é que eles reconheçam nosso trabalho, nos apoiem no diálogo com as famílias”.

Perguntei como isso se manifesta. Ela deu um exemplo de quando veio uma mãe raivosa

conversar aqui sobre o filho que não aprendia, colocando a culpa na professora, e o diretor foi

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fazendo perguntas pra mãe ir percebendo que ela tinha sua parte de responsabilidade nisso

(Diário de Campo, 16/09/2016).

O diretor demonstra valorizar e reconhecer o trabalho dos professores, ao elogiá-

los constantemente durante as reuniões, ou quando, por exemplo, fez uma homenagem a

eles no dia dos professores, montando ele próprio um vídeo com depoimentos de pais e

funcionários da escola. Há também uma página fechada no facebook, da qual participam

professores e equipe gestora, onde os professores sempre postam fotos e vídeos sobre os

trabalhos e atividades que realizam com os alunos, que são “curtidos” e comentados

pelo diretor. No final de 2016, houve um evento na escola de fechamento de ano, com

distribuição de certificados para os alunos, professores e funcionários que foram

“destaque” no ano, seja por terem presidido o grêmio, ou por terem coordenado projetos

na escola como a CPA, o Gaia e o Africanidades.

Outro ponto de destaque em relação à postura do diretor é que ele está sempre

andando pelos corredores da escola, conversando com professores e alunos, brincando

com eles, recebendo-os no pátio no momento de entrada. Parece que há entre eles uma

relação próxima de afeto e consideração. Além disso, o diretor é visto como alguém que

se preocupa com o bem estar pessoal dos professores.

Depois da reunião, fui perguntar à professora Marcela se teria RPAI no final do semestre. Ela

disse que não sabia, mas que ia ter com certeza uma feijoada de confraternização na sexta-feira.

Disse que o diretor deu uma reduzida nos horários das crianças nessa última semana do semestre:

elas vão ficar só duas horas no período da tarde. Segundo ela, com isso as professoras terão

tempo para preencher diários etc. “Ele é muito humano... acho que por conta de ser professor

também, ele sabe o que a gente passa, que o trabalho nosso não é fácil, então deixou semana

que vem ser uma semana mais leve pra nós”. (Diário de Campo, 28/06/2017).

“[o aumento do IDEB] se deve bastante à mudança de gestão, que hoje é mais aberta,

participativa, vai às salas de aula, se preocupa se o aluno está na escola. Todo mundo conhece

o diretor. A direção anterior nem ia pras salas de aula” (Diário de Campo, 27/07/2016).

Ao mesmo tempo em que o diretor é visto como uma figura afetuosa que apoia e

reconhece o trabalho dos professores, ele mantém uma postura bastante rígida, sempre

cobrando que os professores cumpram os combinados e regras da escola. Ele reforça

constantemente quais são essas regras, e estabelece claramente o que espera deles em

termos de comportamento e comprometimento.

Na reunião de planejamento (RPAI) de começo de semestre, a equipe gestora entregou um

informativo com cronograma e orientações contendo regras básicas da escola. O diretor deixou

claro que é preciso manter a transparência, sobretudo quando se trata de pedir abonada e precisar

se ausentar. “Tem que informar a escola, não da pra não avisar”. Se avisar em cima da hora, ele

disse que vai por falta. “Também tem que pedir com antecedência as cópias pra secretária,

vocês tem que se planejar, a gestão da sala de aula não está na minha mão. O CHP [horário

destinado à execução de projetos na escola] também é sério; se não solicitar conforme a regra,

vai ficar com falta e não vai receber”. (Diário de Campo, 01/02/2017).

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O diretor disse aos professores durante o TDC: “Acho ótimo que vocês façam cursos [de

formação, oferecidos pela prefeitura, que têm previsão em carga horária], mas tem que estar

previsto do PPP [Projeto Político Pedagógico]. Fazer o mesmo curso durante vários anos

também não pode, né. Quero cursos que vocês usem na sala de aula, e tem que estar previsto no

seu planejamento. Se não tiver previsto no planejamento, se você não usou na sala, não vou

contar”. Um professor perguntou se ele poderia fazer curso relacionado ao tema africanidades,

ao que o diretor respondeu que sim, obviamente, pois esse tema faz parte do Projeto da escola,

não é um projeto individual do professor Fernando. “Não vou me acanhar de perguntar: ‘você

usou isso? Fez parceria com a professora? Quando que eu não vi?’” (Diário de Campo,

29/08/2016).

O diretor várias vezes usa algum momento do TDC para “dar bronca” nos

professores por algum comportamento que julga inadequado, ou por não estarem

cumprindo os acordos coletivos. No geral, os professores ouvem quietos com atenção.

Por vezes, manifestam que se sentiram ofendidos, dizendo que o diretor não deveria

apontar os erros de forma indiscriminada ou sem respaldo.

No TDC, o diretor informou que estava atendendo alguns pais que estão reclamando de professor

que usa celular na sala de aula. “Não pode, pessoal, tem que tomar cuidado. Eu entendo algumas

situações, coisas que acontecem fora do nosso controle... mas não podemos reproduzir essa

prática que a gente mesmo critica. Outra coisa: horário de almoço é preciso que professores

acompanhem os alunos, é um momento de formação, não dá pra nessa hora ir pegar material

que esqueceu não sei onde... O intervalo de vocês é 15 minutos. Isso já foi decidido em Conselho

de Escola antes, tem que respeitar. Se for pra ser vinte minutos, nós vamos fazer vinte

oficialmente. Todo mundo é ser humano, fica conversando um pouquinho a mais. Mas os

estagiários estão sendo formados, temos que deixar claro pra eles que tem que cumprir o

horário certinho. E na hora do almoço, tem que estar junto com os alunos, almoçar junto”.

(Diário de Campo, 15/08/2016)

O diretor deu uma bronca nos professores porque passou em algumas salas e tinha professor

deixando aluno usar celular depois de terminar a atividade, e professor que às 07h25 ainda não

tava dando aula. Cobrou mais compromisso, que não podem ser negligentes, nem muito

permissivos, tem que saber cobrar: “melhor ser professor vilão do que bonzinho, senão chega no

final do ano eles vão ta fazendo o que eles querem. Precisa ter ações pra controlar essa

bagunça. Não podemos deixar o negócio pegar fogo aqui, algumas regras tem que ficar claras,

‘abrir o caderno, cumprir o mapa, vai um por vez no banheiro’. Vocês tem que cumprir os

combinados coletivos. Não pode ter isso: ‘na aula do fulano pode, na do outro não pode, o

professor vilão e o bonzinho’. Se for preciso ferve, suspende, chama a mãe, faz ocorrência se o

aluno não quiser fazer a atividade. Suspende a sala inteira se for preciso. Aqui é um lugar que

se ouve “não” porque isso é formação do cidadão também. Temos que nos credibilizar, só

podemos reivindicar direitos se cumprirmos nosso dever. Outra coisa: não vamos sair por aí

falando mal do colega pros alunos, isso é um desrespeito!”(Diário de Campo, 03/04/2017).

No final do TDC, o diretor retomou o caderno piloto [um caderno de cada sala de aula onde os

alunos anotam as atividades dadas pelos professores daquela sala/turma, com objetivo de

prestação de conta do conteúdo dado]. Ele falou que em três salas os alunos anotaram “aula

livre”, e que não é pra isso acontecer! Os professores não gostaram muito, disseram que é injusto

balizar o trabalho deles só por esse caderno, pois o que os alunos anotam ali pode ser uma visão

parcial, e que às vezes eles colocaram “aula livre” por sacanagem. Uma professora disse: “nós

nunca combinamos aqui que era pra gente verificar o caderno piloto”, ao que o diretor

respondeu: “vamos combinar agora, vocês tem que verificar então” (Diário de Campo,

17/04/2017).

Os momentos de TDC são usados para retomar esses pactos, mas também para

conversar sobre o ensino-aprendizagem, quando, por exemplo, as professoras se reúnem

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em pequenos grupos, geralmente professoras do mesmo ano, para planejar atividades

em conjunto. Nos TDCs também são realizados constantemente momentos de

formação, quando a equipe gestora traz convidados de fora para dar palestras e

promover rodas de conversa, ou aproveita os profissionais da própria escola para

fomentar discussões em torno de temas pedagógicos.

Por exemplo, certa vez trouxeram um formador da área da matemática, que

ofereceu às professoras de ciclos I e II ideias de como começar a introduzir a lógica do

pensamento algébrico para os alunos desde os primeiros anos, e um da área da

psicologia para falar com as professoras dos ciclos III e IV sobre o desenvolvimento da

sexualidade nos adolescentes. Também foram reservados TDCs para a professora de

educação especial da escola explicar o que é adaptação curricular, deficiência

intelectual, oferecendo ferramentas para as demais saberem como proceder em sala de

aula com os alunos especiais. Uma professora de ciclo I da própria escola também teve

sua vez de expor aos colegas seu estudo de mestrado sobre alfabetização e letramento,

reforçando a importância da leitura constante em sala de aula.

Chama atenção como há vários professores que se destacam por conduzir

projetos historicamente enraizados na trajetória da escola. Parecem ser figuras

respeitadas que servem de referência para os colegas:

Fiquei conversando com [o professor coordenador] sobre o projeto africanidades. Ele disse que é

preciso que ele, que tem uma relação mais orgânica com a coisa, encabece o projeto, pra que este

saia da forma senso comum de lidar com a questão. Da mesma forma como se recusa a falar da

questão indígena, se não for trazendo um índio mesmo, porque senão vai acabar ficando naquela

coisa quadrada de pintar as crianças e dançar dança da chuva. Ele disse que virão indígenas à

escola conversar com crianças e professores. Enquanto conversávamos, uma professora veio

perguntar a ele: “selecionei uma lenda pra eu trabalhar na Mostra, depois você vê o que acha?”

Depois veio o orientador pedagógico mostrar ao professor o folder que ele havia feito pra Mostra

de Africanidades (Diário de Campo, Escola A, 15/08/2016).

Os professores constantemente comunicam seus projetos aos colegas, colhem

contribuições uns dos outros e formam parcerias. Por exemplo, certo dia um professor

de geografia expôs aos colegas no TDC sobre o projeto de sexualidade que ele

começaria a implementar na escola em parceria com outra professora. De vez em

quando a professora responsável pela CPA compartilha com os demais quais trabalhos

está realizando com os alunos nessa instância. Em reunião de RPAI no início de 2017,

cada professor teve um tempo para socializar com os colegas o trabalho que realiza em

sua sala de aula, de forma que os professores dos ciclos I e II ouviram os de ciclo III e

IV e vice-versa, com objetivo deliberado da equipe gestora de integrar esses ciclos.

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[questionado sobre as mudanças promovidas na escola, o OP expunha ao jornalista]: “o que

professor de 1º a 5º faz, mostramos pros de 6º a 9º. E pros professores de 1º a 5º, mostramos as

expectativas que os professores de 6º a 9º têm” (Diário de Campo, Escola A, 04/08/2016).

Professora falou: “pensei em trabalhar um filme sobre consumismo, e depois aplicar um

questionário pra avaliar se a pessoa é consumista”. Dividiu essa ideia com professores.

Luciano: “minha ideia é pensar a questão indígena a partir da visão que o aluno tem sobre isso.

A partir daí, trabalhar povos indígenas nomeados, os xavanti... o que é índio? Mostrar o vídeo

índios do Brasil... o cara entrevista o que a pessoa pensa do índio: ‘ele anda nu’, e a ideia é

desconstruir isso”. Outros dois professores se envolveram na discussão, falaram de várias

populações indígenas, que também tem uma no Vale do Ribeira, em Campinas, que seria legal

problematizar que muitos deles se consideram pardos. O Orientador Pedagógico também tentou

ajudar: “tem vários livros aqui pra vocês pegarem da coleção ler e escrever” (Diário de Campo,

Escola A, TDC 6º - 9º ano, 20/03/2017).

Os professores começaram a expor uns aos outros os trabalhos que vinham realizando, sejam

individuais ou coletivos. A professora Cleusa falou que trabalhou em conjunto com os

professores Cleber e Paula, como incorporou o projeto gaia e africanidades nas suas aulas... disse

que só teve dificuldade com a discussão da sexualidade, pois gera conflito com pais (Diário de

Campo. Reunião RPAI com todos os ciclos. 06/02/2017).

Além dos espaços reservados pela equipe gestora nos TDCs e RPAIs, contribui

para esse compartilhamento a existência de um sistema de comunicação e divulgação

eficiente. Os professores compartilham seus trabalhos entre si e com a comunidade mais

ampla através dos jornais que fazem circular por várias escolas da rede e até na

Faculdade de Educação da Unicamp, ou mesmo através dos murais e paredes da escola

que estão constantemente repletos de produções realizadas pelos alunos. Além disso,

existe o já mencionado grupo criado no facebook, e uma pasta de Google Drive,

organizada pelo orientador pedagógico, com objetivo de facilitar o compartilhamento de

atividades e projetos realizados:

O orientador pedagógico mostra como acessar o Google drive, lembra que é para fins bastante

pedagógicos, como postar contribuições para o jornal. Ou dentro do projeto Gaia, por exemplo.

Mostra a pasta dos professores que conduzem o projeto sexualidade, com textos sobre

sexualidade. Reforça que é para acesso de todos, e aberto a contribuições: “tem uma pasta com

os planos de todas as disciplinas, até as coisas do TDC estão numa pasta. Também coloquei lá

todos os trabalhos do ano passado, e documentos da escola pra vocês acessarem”. (Diário de

Campo, TDC 6º a 9º ano, 20/03/2017).

Dessa dinâmica de troca de conhecimentos, fazem parte também as relações de

apoio mútuo entre os professores, pelas quais eles se inspiram, se ajudam, se fortalecem.

Como certa vez me disse um professor da Escola A durante a aplicação do pré-teste do

instrumento:

“Havia grupos da escola que não sustentavam um horizonte de esperança: ‘ah, não vejo a hora

de me aposentar’. Como se isso fosse ser feliz para sempre. Por isso é bom socializar,

compartilhar esperanças e sonhos, pra termos fôlego. A pessoa ta saturada de que a educação é

o futuro, e temos cada vez mais aulas, o que torna a nossa prática inviável. Eu fui e tive

privilégio de estar num grupo... tem gente que me inspira, a gente vai se retroalimentando, se

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fortalecendo”. Conta história de uma professora que era bastante desanimada, e agora não é mais

por conta da dinâmica da escola. Segundo o professor, ela chegou pra ele e disse: “você não sabe

o quanto eu to gostando de falar do meu trabalho” (...). Ele continua: “melhorou porque a gente

consegue ficar quinze minutos do lado dela: ‘não deu certo? Experimenta desse outro jeito’.

Antes era impossível falar com ela sobre a aula que ela dava, porque ela projetava tudo nos

alunos. Aí a gente dizia: ‘você tem que pegar alguma coisa que deu certo!’, e ela foi

mudando...” (Diário de Campo, set/2016).

Analisamos que a existência daqueles canais de comunicação representa, além

de maior transparência e oportunidades de aprendizado pelo compartilhamento de ideias

e trabalhos realizados, uma forma de valorização da criatividade e competência

profissional dos professores, bem como da produção dos alunos. Como nessa escola foi

possível entrar mais em contato com essas produções, pude perceber que elas sinalizam

um trabalho na perspectiva da formação humana e da qualidade social, como já

explicamos no tópico 5.4 a respeito da CPA e dos projetos sobre sexualidade e

africanidades. Observamos outras situações que reforçam essa impressão. Por exemplo,

na ocasião da roda de conversa promovida por uma pesquisadora da Unicamp em

momento de RPAI, uma professora fez o seguinte comentário:

Também me surpreendi com essa escola... porque a totalidade dos professores que trabalham

aqui são preocupados com os alunos, fazem projetos novos, a comunidade nos exige, não temos

como ficar calados com uma realidade que é muito difícil, e que mesmo assim estão aqui todos

os dias... o pessoal da noite trabalha o dia inteiro, mas vem pra ca... isso é uma coisa que mexe

com a gente, nos motiva. No livro da EJA tinham que comentar sobre as habitações do Brasil,

eles falaram: ‘eu já morei numa casa de pau a pique’, a partir disso a gente simulou uma casa

de pau a pique com depoimentos deles que eles criaram. É isso, valorizar a história desses

alunos e mostrar que a história deles faz parte da História do país... num primeiro momento a

gente pensa que eles não têm valores...mas quando entendemos a realidade deles, a gente se

transforma. (Diário de Campo, RPAI, 03/02/2017).

Pode-se dizer que as dinâmicas de reciprocidade nessa escola existem devido a

dois fatores conectados: por um lado, o protagonismo e compromisso emanam dos

próprios professores; por outro, a equipe gestora tem o mérito de apoiar e valorizar suas

iniciativas, o que parece autorizá-la a exercer certo controle sobre o trabalho docente.

O diretor e o Orientador Pedagógico estão sempre propondo novas ideias de

trabalho para os professores, que por vezes sentem que isso é imposto de certa forma.

Um exemplo foi quando requisitaram que todos os professores trabalhassem com os

alunos textos e músicas que falavam sobre consumismo e homofobia, todos os dias

durante a semana de provas, nas aulas anteriores ao horário de aplicação das provas.

Também informaram os professores, em reunião de RPAI de começo de semestre, que

eles deveriam cobrar dos alunos de 6º a 9º ano ao menos uma produção de texto em

todas as disciplinas como parte obrigatória da avaliação:

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O Orientador Pedagógico informa: “(...) vamos exigir produção de texto dos alunos desde o 6º

ano. Ainda há defasagens na linguagem escrita, então é preciso encontrar meios de superar

essas deficiências. Cada sala vai ter uma pastinha... não vamos exigir redação de vestibular... é

um registro de autoria do aluno sobre o conteúdo da sala de aula... por exemplo, matemática,

tem que se pensar um modo pra que ele registre o que foi trabalhado”. O Orientador leu nas

Diretrizes Curriculares de Campinas o que é considerado uma produção satisfatória: “pontuação,

ortografia, letras maiúsculas, observância ao gênero textual...” e continua: “isso vai contar um

percentual da nota de uns 20%. Letramento é imprescindível na situação de vulnerabilidade que

eles vivenciam”. Os professores queriam entender melhor como isso vai ocorrer, ficaram

preocupados com o tempo de correção das produções. Nessa hora, o diretor interveio: “gente, é

uma por trimestre, não é muito! Vi ano passado que teve professor que não deu nenhuma

atividade de escrita ao longo do semestre inteiro... temos que estimular! Aí o aluno tira Ótimo

numa matéria, mas não sabe escrever! Não pode isso. Eu que sugeri pro Orientador Pedagógico

trabalhar isso. Se não tiver na pasta na data estipulada, vou questionar e querer saber o que

aconteceu!” (Diário de Campo, 01/02/2017).

Às vezes, esses informes sobre novos trabalhos que deverão ser realizados pelos

professores causam-lhes algum estranhamento, mas não percebi que há um incômodo

generalizado. Certa vez um professor disse pra mim que a ideia de trabalhar aqueles

textos e músicas sobre homofobia e consumismo foi uma imposição, porque segundo

ele a equipe gestora avisou de última hora: “nem deu tempo de discutir, e eu já falei que

não trabalho de final de semana, de jeito nenhum!”. O orientador pedagógico, quando

me contou sobre essa atividade, relatou que alguns professores toparam e outros se

mostraram resistentes a princípio. Mas esse mesmo professor narrou que, no final das

contas, ele acha que houve ampla adesão e foi produtivo.

Algumas práticas adotadas pela equipe gestora parecem tributárias de uma

postura controladora. Quando o diretor propôs o caderno piloto72

, já sabia que muitos

professores franziriam a testa e se sentiriam controlados ou vigiados, então já se

antecipou explicando que a intenção não era essa:

O diretor apresentou aos professores um novo mecanismo a ser adotado na escola, o caderno

piloto. Ele disse que os alunos representantes de sala serão os responsáveis pelos cadernos de

forma geral, mas que cada dia um aluno deve se encarregar de anotar todo o conteúdo que foi

dado no dia. “Queremos ver o conteúdo que é dado. É fiscalização? Entenda como quiser. Mas

não é isso. É possível replanejar, planejamento é flexível. Mas me permite perguntar: ‘por que

esse professor só deu adição o ano todo?’ Se precisar dizer a verdade, vou dizer na cara. Vocês

podem explorar os espaços da escola: ‘ah, fiz uma leitura, uma roda de conversa no quiosque,

uma atividade de mural’, tudo bem, vão constar as atividades que você fez no dia. Não quero

volume. É o que você fez. Se planeja muita coisa, mas não deu conta de fazer tudo, isso

acontece. Ninguém vai ser enforcado. É só pra ter o registro.” (Diário de Campo, 02/08/2016)

O caderno-piloto serviu, por exemplo, para o diretor cobrar por que alguns

professores estariam dando “aula livre”, ao que eles responderam que era injusto balizar

seu trabalho apenas por aquilo que o aluno, muitas vezes de sacanagem, anota num

72

Como já explicado em trecho de diário de campo, trata-se de um caderno de cada sala de aula onde os

alunos anotam as atividades dadas pelos professores daquela sala/turma, com objetivo de prestação de

conta do conteúdo dado.

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caderno. Os dois lados negociaram, então, que os professores deveriam conversar com

os alunos e checar os cadernos-piloto em suas aulas para evitar uma avaliação unilateral.

Da mesma forma, o diretor pediu à professora responsável que os alunos da CPA

comparassem o conteúdo desses cadernos com o planejamento de cada professor, o que

a professora realizou a contragosto, reportando depois ao diretor, de forma genérica, que

os conteúdos dados nas aulas estavam todos em conformidade com os planejamentos.

Esses dois casos são emblemáticos, pois o desconforto dos professores em ter seu

trabalho avaliado unilateralmente pelos alunos mostra como a avaliação precisa ser um

empreendimento coletivo, no qual esteja presente também a parte avaliada.

No entanto, de modo geral e também nessa escola, ainda há dificuldade de se

avaliar coletivamente o trabalho pedagógico. A atitude controladora do diretor de

implementar os cadernos-piloto é reveladora da ausência desse processo avaliativo

coletivo em que estejam presentes todos os segmentos e no qual se discutam

sistematicamente questões pedagógicas sobre currículo e práticas de ensino.

Vimos que essas questões são discutidas somente entre professores em

momentos de Trabalho Docente Coletivo, e ainda assim eles mais compartilham

conhecimentos, projetos e novas ideias do que propriamente identificam falhas em seu

trabalho e avaliam medidas reparadoras. Os dados quantitativos confirmam essa

impressão: o item com a menor média da rede nesse par de relação foi “nós professores

temos a prática de avaliar nosso trabalho coletivamente, refletindo e combinando juntos

o que podemos melhorar”.

Além disso, vimos que nessa escola o Conselho de Escola restringe-se à

prestação de contas e a reuniões isoladas com cada segmento; por sua vez, a CPA conta

com a participação apenas de alunos e professores e suas discussões/atuações não tocam

propriamente no cerne da prática docente. É certo que, como descrevemos, essa

instância aborda questões pedagógicas importantes, como assiduidade dos alunos e

melhoria da convivência entre eles. No entanto, as soluções elaboradas para esses

problemas restringiam-se, respectivamente, a conversar individualmente com os alunos

faltosos e suas famílias; elaborar cartazes para campanha contra bullying e comprar uma

mesa de jogos para os intervalos. Ou seja, dificilmente a CPA discute e sistematiza

problemas de aprendizagem propriamente, tampouco encaminha soluções pedagógicas

que incidam sobre o currículo e sobre as práticas docentes.

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Voltando à questão da postura de controle exercida pelo diretor, por se sentirem

excessivamente cobrados e controlados, onze professores pediram remoção da escola

em 2013, na época em que o novo diretor entrou. Uma delas foi uma professora que me

concedeu entrevista em 2015, quando ela já estava lecionando em outra escola. Quando

perguntei o que ela espera de uma equipe gestora, ela respondeu:

Espero que a equipe gestora seja humana, e pra mim essa é humana. Acho a diretora muito

humana com todos. Por exemplo, você vai tirar uma abonada, que é um direito seu, lá na Escola

A era muito burocrático, tinha que fazer papel solicitando, e o diretor deferia ou não. Aqui é

mais democrático, tem um calendário, você marca lá. O outro diretor [da Escola A] já pensava

que se dois ou três vão tirar abonada, “eu vou indeferir”... às vezes você precisava com

urgência, mas ligar de um dia pro outro não podia, ele colocava falta.... Já aqui aconteceu de eu

ligar no dia anterior e pedir pra marcar abonada e a gestão aceitou. Sinto que aqui tem mais

diálogo... [Sobre o diretor da Escola A]: No TDC era só brigando com a gente, dando bronca,

falando que professores não sabiam dar aula. Tinha vez que ficava no corredor ouvindo a aula

da gente. Quando o professor falava alguma coisa contra na reunião, se você fosse contra as

ideias dele, você era professor ruim, ele passava a perseguir. Aí não liberava abonada, ou

quando professor pedia pra ir no NAED assinar licença premium, ouvi ele falando “vou dar

uma canseira no fulano, não vou assinar licença premium”, sendo que é um direito da gente.

Não é uma postura correta pra um gestor. Ele não confiava em ninguém... eu fazia parte do

programa Y, eu era obrigada a filmar, tirar foto, pra ele ver que a gente tava trabalhando.

Parece que ele tava sempre desconfiado que as pessoas não iam cumprir sua responsabilidade.

Tinha professor que se calava... No fim, teve onze que se removeram, professores que estavam lá

fazia dez anos. (Entrevista com professora, 19/11/2015).

No entanto, segundo a frequência das respostas aos itens do instrumento, a

maioria dos atuais professores da Escola A não se sentem vigiados, sentem que o diretor

confia no seu trabalho e os respeita, e que suas opiniões e propostas são consideradas

pela equipe gestora. O caderno piloto inclusive foi visto por uma professora como um

mecanismo de apoio:

O diretor falou com orgulho sobre o aumento do IDEB, informou os professores que a escola

atingiu a meta de 1º a 5º ano: “Isso mostra o compromisso de vocês, todo o esforço de vocês!”.

Parabenizou todas pelo ótimo trabalho. Disse também que os cadernos pilotos “estão lindos!

Mesmo os alunos que têm dificuldade estão fazendo... porque a ideia é essa mesmo. Se

preocupem menos em mostrar pra mim, façam como fariam normalmente. Os índices também

são só uma consequência”. Uma professora elogiou a utilidade do caderno piloto: “uma mãe veio

me cobrando por que a filha dela não faz nada, daí mostrei o caderno piloto pra ela ver como a

turma faz. Acaba sendo um instrumento pra nos ajudar na conversa com os pais” (Diário de

Campo, 12/09/2016).

Os atuais professores da escola não parecem concordar que o diretor é

“desumano” porque não permite abonadas de última hora. Como vimos, eles associaram

a “humanidade” a outras questões, por exemplo, quando o diretor atenuou a carga de

trabalho da última semana do ano. Além disso, os professores parecem sancionar a regra

de que as abonadas, horas-projeto, cópias para impressão etc. devem ser solicitadas com

alguma antecedência. O que afeta positivamente a confiança nesse caso não é a ausência

de cobranças e de regras, pelo contrário, os professores esperam isso da equipe gestora,

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como manifesto nas entrevistas. O que afeta a confiança é precisamente o quanto essas

regras são percebidas como benéficas ao bem comum e transmitidas às claras, o quanto

as cobranças são percebidas como justas, e o quanto se age de forma coerente com o

que foi combinado.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pretendemos demonstrar como a confiança é um recurso social importante para

o estabelecimento de políticas democráticas participativas nas escolas, que se pretendam

pautadas nos pilares da qualidade social, responsabilização compartilhada e negociação.

Na presente tese, as implicações práticas desses pilares foram estudadas no contexto

concreto de uma rede municipal de educação que implementa política de avaliação

institucional participativa. A observação dos espaços coletivos de duas escolas dessa

rede, diferentes do ponto de vista da construção da confiança e da qualidade social,

permitiu concluir que a existência de processos participativos de avaliação da qualidade

está relacionada ao fortalecimento de relações de confiança entre os professores, e entre

estes e a equipe gestora, os pais/responsáveis, e a Secretaria Municipal de Educação.

A análise dos dados quantitativos e qualitativos permitiu confirmar que a

disposição para a cooperação entre esses segmentos, com vistas ao alcance de um bem

comum socialmente referenciado, é afetada pela confiança, ou seja, por quanto se

percebe que o outro lado da relação cumpre determinadas expectativas de respeito,

consideração, integridade e competência.

Na escola com baixo grau de confiança em todos os pares de relação, ficou claro

que o trabalho pedagógico é fragmentado, ou seja, professores, famílias, alunos e equipe

gestora não se envolvem em discussões coletivas que permitam compartilhar

responsabilidades e negociar os sentidos da qualidade educacional. Nessa escola, em

geral os professores sentem-se pouco apoiados, ouvidos, reconhecidos, e respeitados

pela equipe gestora, famílias e colegas; eles dificilmente consideram, de forma geral, as

atividades propostas pela equipe gestora; resistem a ouvir os pontos de vista dos alunos

e de suas famílias e a valorizar suas produções e contribuições; não confiam na

competência e integridade da equipe gestora, de alguns colegas, famílias e alunos.

Dessa forma, esse ambiente mostrou-se desfavorável a que os professores se

envolvam em processos de avaliação do próprio trabalho, caracterizados pelo

compartilhamento de conhecimentos e exposição de fragilidades, pela proposição de

projetos coletivos e inovadores que possam oferecer novas possibilidades à formação

humana dos estudantes. Nessa escola, os momentos de Trabalho Docente Coletivo

(TDC) são considerados perda de tempo e os profissionais tendem a responsabilizar

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unilateralmente os alunos e suas famílias pelo alcance de melhores resultados de

aprendizado acadêmico.

Por outro lado, a outra escola observada pertence ao grupo com grau de

confiança interpessoal e institucional acima de quatro pontos. Lá os professores, em

geral, sentem-se mais apoiados, reconhecidos, valorizados e respeitados pela equipe

gestora, e também sentem que o diretor e o orientador pedagógico cumprem suas

expectativas de competência e integridade; eles demonstram ouvir mais os alunos e

valorizar suas produções; sentem-se mais confortáveis com a presença da comunidade

na escola, que inclusive parece ser um importante espaço de socialização e

reconhecimento para alunos e suas famílias; eles também sentem apoio por parte dos

colegas professores, bem como comprometimento com a educação, com os alunos e

com os projetos coletivos da escola.

Dessa forma, esse ambiente mostrou-se mais propício à troca de conhecimentos

entre os professores, ao fomento da criatividade e da aprendizagem social, ao

desenvolvimento de projetos coletivos comprometidos com a formação humana das

crianças e jovens. Nessa escola, a CPA é um espaço ativo no qual alunos identificam

problemas e sugerem ações de melhoria, e os TDCs são frequentemente preenchidos

com práticas de formação e discussões sobre assuntos pedagógicos.

No entanto, ainda que comparativamente haja diferenças claras entre as duas

escolas do ponto de vista da confiança e da qualidade social, pode-se dizer que o grau

de confiança geral, bem como em cada par de relação, é relativamente baixo também na

Escola A e na rede como um todo. De forma correspondente, nas duas escolas ainda é

baixo o envolvimento conjunto de famílias, alunos e profissionais em discussões

relativas aos conteúdos e procedimentos curriculares e aos sentidos do projeto político

pedagógico. Os colegiados das duas escolas apresentam dificuldades em formular, de

forma coletiva e sistemática, indicadores de qualidade, estratégias de monitoramento,

ações que levem à superação dos problemas e ao alcance de metas. Essas observações

reforçam como a participação genuína de toda comunidade escolar e a qualificação da

escola pública dependem, entre outras coisas, da intensificação das relações de

confiança entre os sujeitos da escola e destes com o poder público.

A literatura internacional demonstrou a importância da confiança interpessoal,

vista como um recurso de “capital social”, para a coordenação coletiva de esforços de

todos os atores da comunidade escolar rumo à melhoria da qualidade educacional.

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Acertadamente, tais pesquisadores (BRYK & SCHNEIDER, 2002; FORSYTH et al.,

2011) defendem que a mudança substantiva e duradoura só é possível através de

políticas de “controle social”, baseadas na criação de estruturas de apoio que permitam a

emergência de processos e práticas alinhados à confiança, ao trabalho cooperativo, a

reflexão, autonomia profissional e responsabilidade coletiva, tendo como foco o nível

local das escolas. Tal perspectiva questiona os pressupostos hegemônicos por trás das

reformas gerenciais, segundo os quais a melhoria dos índices de qualidade é resultado

de políticas de controle verticalizado. Como reforçam Forsyth et al. (2011), esse tipo de

controle é o modelo dominante de regulação do passado, o qual já provou sua ineficácia,

enquanto a confiança coletiva precisa se tornar o modelo de regulação do futuro.

No entanto, a análise dessas teorias à luz dos pressupostos da avaliação

institucional participativa mostrou que para elas a confiança é um recurso que facilita a

adaptação ou a adesão coletiva dos membros da comunidade escolar a reformas

externamente definidas, preocupadas exclusivamente com a melhoria dos resultados

acadêmicos e da eficácia organizacional. Além de ignorar as dinâmicas de negociação

para produção de uma qualidade socialmente relevante, tais teorias não consideram o

papel do poder público em prover melhores condições de trabalho para as escolas e seus

profissionais, estando, pois, restritas às dinâmicas internas de “reciprocidade” como

condição suficiente para promoção de uma qualidade educacional restrita.

Para que a confiança seja um recurso importante à avaliação institucional

participativa e à transformação educacional rumo a objetivos de qualidade social, ela

precisa ser concebida não só enquanto política de “reciprocidade” e “solidariedade”,

mas também em articulação com os pilares da “redistribuição” e do “reconhecimento”.

Demonstramos que o papel redistributivo do poder público em alocar

adequadamente recursos físicos e materiais para as escolas, bem como condições

satisfatórias de trabalho aos professores, é importante para a construção de relações de

confiança interpessoal e institucional. Ou seja, a confiança externa nas instituições

democráticas afeta a confiança interpessoal das relações internas à escola.

Por sua vez, a formação de confiança entre segmentos marcadamente diferentes

em termos de status, como o professorado e as famílias das camadas populares, exige

não só que as famílias/alunos cumpram expectativas de comportamento formuladas pelo

coletivo docente; exige, sobretudo, que essas expectativas sejam mutuamente

negociadas, e que o professorado reconheça os alunos/famílias em sua humanidade

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comum, e valorizem suas necessidades, aspirações e capacidades distintivas, naquilo

que tiverem de positivo para contribuir com a formulação de entendimentos

compartilhados socialmente justos sobre os propósitos da escola e os papéis de cada

segmento. Assim pautada no reconhecimento mútuo, a confiança deixa de ser afetada

negativamente pela “avaliação informal” (FREITAS, 2012a) costumeiramente feita

pelos professores em relação aos alunos/famílias das camadas populares.

A pesquisa de campo na Escola A mostrou que, no âmbito das possibilidades da

escola, o fortalecimento das interações sociais entre esses segmentos - ainda que

restritas a eventos pontuais de “baixo risco” - contribui para fomentar tal

reconhecimento bem como demonstrações de respeito e consideração que afetam

positivamente a construção da confiança. No entanto, a ainda baixa confiança dos

professores nas famílias, de forma geral e também nessa escola, pode ser explicada pela

assimetria existente nessa relação, o que inclusive dificulta o envolvimento das famílias

em interações de “alto risco” nas quais se possa discutir a “missão” da escola e,

consequentemente, aprofundar a confiança (KOCHANEK, 2005). Quando se trata desse

par de relação, sobretudo da relação entre professores e famílias da camadas populares,

fica claro como as desigualdades sociais podem afetar a construção da confiança.

Da mesma forma que o “reconhecimento” é afetado pelas oportunidades de

interação social, a “distribuição” adequada de recursos e condições de trabalho para as

escolas e seus profissionais é afetada pela possibilidade do diálogo público via

instituições participativas. As entrevistas e o instrumento confirmaram que esse tipo de

participação institucional é importante para a construção de relações de confiança tanto

institucional quanto interpessoal. Por sua vez, a pesquisa de campo reforçou essa

importância: na ausência de espaços de negociação com o poder público, a Escola A vê-

se motivada a se envolver em relações de troca do tipo mercadológicas com a SME e

com organizações do terceiro setor para conseguir certas condições de infraestrutura. A

conquista dessas “benesses” via lógica de mercado pode explicar, por um lado, porque a

confiança dos professores da Escola A no poder público é maior que na Escola B, já que

ao menos eles percebem algumas melhorias em sua realidade. Por outro lado, também

explica porque a confiança é baixa nesse par de relação de forma geral, dada a ausência

de espaços de negociação e a consequente percepção de que a SME significa controle,

imposição, distanciamento, e prioriza interesses privados acima dos interesses públicos.

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Por fim, tal articulação entre confiança, participação, reconhecimento e

redistribuição parece abrir novas possibilidades de aproximar os estudos sobre

confiança do campo de investigação sobre justiça social.

É certo que já existem estudos quantitativos no campo amplo da sociologia que

buscam entender a relação entre justiça social e confiança, incluindo como principais

variáveis a “distribuição de renda” e a “diversidade étnica”. Por exemplo, utilizando

análises multi-nível dos dados do World Values Surveys de oitenta países, You (2005)

conclui que o grau de justiça de uma sociedade - medido através da existência de regras

e procedimentos legais justos (democracia), administração justa das regras (ausência de

corrupção), distribuição de renda justa (simétrica e relativamente igual) - produz

incentivos para a confiança interpessoal, e uma vez que essas condições estão presentes

numa sociedade, a homogeneidade étnica perde significância enquanto fator que afeta a

confiança. No âmbito da educação, no entanto, o máximo que se chegou a estudar foi a

relação da confiança com o conceito de “justiça organizacional” (HOY & TARTER,

2004), como explicado no referencial teórico, não havendo, portanto, qualquer

articulação entre confiança e justiça social no campo da sociologia educacional.

Pode-se dizer que os estudos sobre confiança ainda estão predominantemente

vinculados às teorias sociológicas normativas preocupadas com a estabilidade da ordem

social, com o crescimento econômico ou com a “eficácia organizacional” no caso das

escolas (FORSYTH et al., 2011). Na perspectiva dessas teorias, a confiança seria o

motor de uma ação coletiva pautada estritamente na lógica da “reciprocidade” e da

“solidariedade”, com objetivo de garantir coesão social pelo cumprimento de normas e

papéis sociais dados a priori, determinados pelas próprias demandas funcionais de

manutenção da estabilidade sistêmica.

De forma diferente, na presente pesquisa a confiança aparece como um recurso

importante para as práticas democráticas de negociação entre diferentes sujeitos sociais,

com vistas ao alcance de entendimentos comuns sobre uma concepção de qualidade que

não se restringe às demandas de mercado impostas de cima para baixo. Esse tipo de

confiança mostra-se, portanto, extremamente necessário no atual cenário caracterizado

pela hegemonia das reformas gerenciais, que minam o significado emancipatório da

participação com objetivo de conformar os membros da comunidade escolar às regras e

concepções de interesse mercadológico.

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Nesse contexto, é imperativo o fortalecimento de uma concepção de confiança

que não seja conformista, mas que garanta a participação genuína da comunidade

escolar nos processos decisórios, assegurando que os diversos sujeitos interessados na

qualidade da escola pública de interesse público possam tocar em discussões

pedagógicas e políticas profundas sobre a função da escola e dos segmentos que a

compõem. Isso porque a formação de coletivos robustos assim concebidos é a única

forma de evitar que a educação escolar fique refém dos interesses de mercado, e de

garantir que ela sirva ao propósito de educar para o alcance de relações e condições

sociais mais humanas e mais justas, dentro e fora das escolas.

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271

ANEXOS

ANEXO 1- Instrumento Confiança (versão final)

CONSTRUCTOS ITENS/VARIÁVEIS e suas DIMENSÕES

Confiança na

relação

Professores-

Pais/famílias

1. Sinto que posso contar com o apoio dos pais/famílias dessa escola

para realização do meu trabalho. (Consideração)

2. Sinto-me respeitada(o) pelos pais/famílias. (Respeito)

3. Sinto que os pais/famílias têm consideração pelo que nós professores

dizemos sobre a educação de seus filhos. (Respeito)

4. Os pais/famílias confiam no trabalho dos professores dessa escola.

(Competência)

5. Os pais/famílias se esforçam para ajudar seus filhos a aprender.

(Integridade)

6. Os pais/famílias mostram interesse pelos assuntos da escola.

(Integridade)

7. Os professores e pais/famílias dessa escola estão juntos na educação

das crianças/jovens. (Integridade)

8. Os pais/famílias dessa escola preocupam-se em acompanhar a vida

escolar de seus filhos. (Integridade)

9. Os pais/famílias estão sempre participando das reuniões, festas e

eventos dessa escola. (Integridade)

Confiança na

relação

Professores-

Equipe Gestora

10. Tenho autonomia para organizar minha prática pedagógica em sala

de aula. (Respeito)

11. Sinto que posso contar com o apoio do(a) diretor(a) para realização

do meu trabalho. (Consideração)

12. O(a) diretor(a) compartilha informações importantes com os

professores (por ex. sobre nossa vida funcional, sobre o que está

acontecendo na rede etc.) (Consideração)

13. Sinto-me como se estivesse sozinha(o) nas minhas atividades

profissionais, no cotidiano da escola. (Consideração)

14. A equipe gestora preocupa-se com nosso desenvolvimento

profissional (por ex., garantindo momentos de formação na escola etc.).

(Consideração)

15. Gosto de procurar o(a) orientador(a) pedagógico(a) quando preciso

conversar sobre minhas práticas pedagógicas. (Competência)

16. Sinto-me respeitada(o) pelo(a) diretor(a) da minha escola.

(Respeito)

17. Os professores sentem liberdade para se colocarem, opinarem,

pautarem questões com o(a) diretor(a). (Respeito)

18. O(a) diretor(a) cumpre sua parte na garantia de condições adequadas

de trabalho para nossa escola. (Competência)

19. Os professores sentem que suas opiniões e propostas são

consideradas pela equipe gestora. (Respeito)

20. O(a) diretor(a) confia no trabalho dos professores dessa escola.

(Competência)

21. O(a) diretor(a) trata todos os alunos com respeito. (Integridade)

22. Sinto-me como se estivesse sendo vigiada(o) em meu trabalho.

(Competência)

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23. A equipe gestora incentiva a participação de todos (professores,

funcionários, famílias e alunos) na definição do Projeto Pedagógico da

escola. (Integridade)

24. O(a) diretor(a) compromete-se com o bem-estar de todos os

estudantes. (Integridade)

25. O(a) diretor(a) age de forma coerente com aquilo que foi combinado

coletivamente. (Integridade)

26. O(a) orientador(a) pedagógico(a) está sempre combinando com os

professores ações pedagógicas para ajudar os alunos que mais precisam.

(Integridade)

27. O(a) diretor(a) desencoraja momentos coletivos de tomada de

decisão sobre as questões da escola. (Integridade)

Confiança na

relação

Professores-

Professores

28. Os professores podem contar com a ajuda uns dos outros na

condução do trabalho cotidiano da escola. (Consideração)

29. Os professores respeitam uns aos outros. (Respeito)

30. Os professores dessa escola gostam de se ouvir para aprender uns

com os outros. (Respeito)

31. Sinto-me à vontade para expor aos meus colegas professores as

fragilidades e dificuldades do meu trabalho. (Respeito)

32. Quando um(a) professor(a) tem boas ideias sobre como trabalhar

com os alunos, ele(a) compartilha com os outros professores.

(Integridade)

33. Eu confio na competência profissional dos professores dessa escola.

(Competência)

34. Os professores tratam todos os alunos com respeito. (Integridade)

35. Os professores nunca desistem dos alunos, fazendo o máximo para

contribuir com a formação de todos. (Integridade)

36. Os professores comprometem-se em avaliar e aprimorar

constantemente seu próprio trabalho. (Integridade)

37. Os professores dificilmente ouvem uns aos outros, pois acham que

os outros professores têm pouco a contribuir. (Respeito)

38. Nós professores temos a prática de avaliar nosso trabalho

coletivamente, refletindo e combinando juntos o que podemos melhorar.

(Integridade)

39. Os professores cumprem os combinados coletivos. (Integridade)

Confiança na

relação

Professores-

Secretaria

Municipal de

Educação

40. O(a) supervisor(a) conhece a realidade de nossa escola.

(Consideração)

41. O(a) supervisor(a) mostra prontidão em comparecer à escola quando

é solicitado para ajudar a resolver algum problema. (Consideração)

42. O(a) supervisor(a) nos ajuda a defender as necessidades da nossa

escola. (Consideração)

43. A SME cria espaços e oportunidades para ouvir a opinião dos

professores sobre questões que impactam a qualidade da educação.

(Respeito)

44. A voz dos professores é considerada pela SME nos processos de

tomada de decisões. (Respeito)

45. A SME cumpre adequadamente sua parte de responsabilidade na

garantia de uma educação pública de qualidade. (Competência)

46. A SME compromete-se com a melhoria da minha qualificação

profissional, criando espaços e oportunidades para isso. (Competência)

47. No que se refere à infraestrutura, a SME oferece boas condições de

trabalho para nossa escola. (Competência)

48. A SME oferece boas condições de trabalho para nossa escola, no

que se refere à garantia de quadro completo de docentes, funcionários, e

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equipe gestora. (Competência)

49. Em termos de salário/jornada/formação, os professores têm boas

condições de trabalho nessa rede. (Competência)

50. Estou satisfeita(o) com o desempenho do atual governo municipal na

área da educação. (Integridade)

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ANEXO 2- Cinco Dimensões da Qualidade Social segundo OBEDUC

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS (PP)

Ações intencionais tomadas pelo professor, com olhar atento às singularidades dos alunos, seus

interesses, potencialidades e dificuldades, visando a promover seu desenvolvimento integral

nas múltiplas dimensões da formação humana: dos valores, relacional, afetiva, política/social,

cognitiva, cultural.

Itens da Escala:

-Os professores desenvolvem práticas pedagógicas que estimulam a aprendizagem da

participação dos alunos?

-Os professores oportunizam o desenvolvimento do trabalho autônomo dos alunos?

-Os professores promovem a autoestima dos alunos?

-Os professores promovem um clima de solidariedade na sala de aula?

-Os professores levam em conta os argumentos dos alunos no contexto da aula?

-Os professores transformam as situações de conflito entre os alunos em oportunidade de

aprendizagem?

-São desenvolvidos projetos que priorizam temas de interesse social (dengue, água, violência,

etc)?

-Os projetos propostos, nas diversas áreas do conhecimento, exploram os interesses de

aprendizagem de todos os alunos?

-As pessoas se preocupam em garantir a aprendizagem de todos os alunos?

-Os professores promovem atividades que colocam o aluno em contato com as diversas

manifestações culturais?

____________________________________________________________________________

_

TRABALHO COLETIVO (TC)

Ação desenvolvida com intencionalidade dentro e entre os segmentos de sujeitos da escola

(professor, aluno, equipe gestora, funcionários, família) que se organizam para o

acompanhamento, a avaliação, e o (re)planejamento dos trabalhos educativos, norteados por

objetivos negociados no Projeto Político Pedagógico. Efetiva-se por meio de discussões,

reflexões e apresentação de ideias, pelo que se garante a escuta aos diferentes pontos de vista

em defesa da qualidade social e da formação humana. Nesse processo, estabelecem-se

parcerias com partilha de responsabilidades e compromissos.

Itens da Escala:

-As vozes dos diferentes segmentos são igualmente respeitadas no ambiente escolar?

-As propostas dos professores são consideradas nas reuniões coletivas?

-A equipe gestora considera os argumentos dos diferentes segmentos para a tomada de

decisão?

-As relações interpessoais dificultam a participação de todos os segmentos na vida da escola?

-Os profissionais da escola demonstram dificuldade em ouvir nos momentos de discussão?

-Os profissionais da escola (equipe gestora, docentes e equipe de apoio) mostram-se resistentes

ao trabalho em grupo?

____________________________________________________________________________

_

ACESSO E PERMANÊNCIA (AP)

Ações ligadas à matrícula, ao acolhimento das crianças, adolescentes e jovens na escola e à

garantia das mesmas de frequentar todo o ano letivo com possibilidade de aprender. Nesse

sentido, a escola preocupa-se em oferecer propostas de trabalho que garantam o ensino e a

aprendizagem a todos/as, a partir dos conhecimentos que estes/as já possuem; e, para a garantia

da permanência com qualidade, busca parceria com as famílias e/ou com outras instituições.

Itens da Escala:

-Há a preocupação em se buscar informações junto à família, quando se observa a infrequência

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do aluno?

-Tomam-se providências para evitar que os alunos fiquem próximos ao limite dos 25% de

infrequência?

-A escola se articula com outros órgãos/setores sociais para resolver problemas dos alunos?

-Os problemas de aprendizagem dos alunos são discutidos coletivamente?

-O abandono dos estudos pelos alunos gera ações do coletivo da escola além dos

encaminhamentos ao Conselho Tutelar?

____________________________________________________________________________

_

PARTICIPAÇÃO (PA)

Processo de aprendizagem que constitui a formação política, social e cidadã, pela qual o sujeito

percebe-se histórico e social à medida que se integra e se sente parte de um coletivo, com o

qual aprende a colocar suas posições e a respaldá-las, a argumentar, dialogar, escutar, refletir,

respeitar ideias divergentes. Nesse processo, desenvolve um senso de protagonismo ao

partilhar pontos de vista e decisões, produzindo conhecimento social em permanente

construção. Consolida-se por meio da participação ativa, crítica e consciente dos sujeitos, com

vistas à tomada de decisões e à ação que transformem a realidade rumo à melhoria da

qualidade de vida individual e coletiva.

Itens:

-A construção do Projeto Pedagógico da escola limita-se à equipe gestora e docente?

-A escola promove a participação da comunidade na construção do Projeto Pedagógico?

-Há momentos que propiciam a participação dos diversos segmentos na avaliação do Projeto

Pedagógico?

-Os alunos participam na tomada de decisões sobre a escola?

____________________________________________________________________________

__

RELAÇÃO ESCOLA-COMUNIDADE (REC)

Envolvimento, preocupação e ação sobre as questões que dizem respeito à

sociedade/coletividade com o objetivo de promover maior bem-estar individual e coletivo. Ter

compromisso social implica desempenhar uma atuação responsável quanto às questões de

convivência, meio-ambiente, enfrentamento à desigualdade social e a todas as formas de

discriminação.

Itens:

-Os problemas da comunidade são inseridos nas discussões feitas na escola?

-Os problemas do bairro são também problemas da escola? Fonte: Elaborado pelo coletivo de pesquisadores do LOED, como parte da Pesquisa OBEDUC (SORDI,

et al., 2017).

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ANEXO 3- Alterações no Instrumento e Justificativas

PROFESSOR-EQUIPE GESTORA

Itens

(primeira versão) Alterações e Justificativas

(após validação conceitual e semântica)

1. A equipe gestora preocupa-

se com o bem estar pessoal dos

professores.

RETIRADO.

Considerei comentário de uma juíza:

“quando se pergunta sobre o bem estar pessoal, penso que

muitos professores atribuem alto grau de consideração

quando o diretor é “bonzinho”, sem relacionar o bem

estar ao trabalho que ele tem o compromisso de realizar.”

2. A equipe gestora sempre

apóia os professores em nosso

trabalho cotidiano.

REFORMULADO.

“Sinto que posso contar com o apoio do(a) diretor(a) para

realização do meu trabalho”

3. A equipe gestora é bastante

acessível quando precisamos

conversar sobre nossas práticas

pedagógicas.

REFORMULADO.

“Gosto de procurar o(a) orientador(a) pedagógico(a)

quando preciso conversar sobre minhas práticas

pedagógicas”.

4. A equipe gestora preocupa-

se mais em resolver questões

burocráticas do que em dar

apoio pedagógico aos

professores.

RETIRADO.

Segundo um juiz, não discriminava adequadamente os

diferentes papeis do diretor e do orientador pedagógico.

5. A equipe gestora preocupa-

se com nosso desenvolvimento

profissional.

COMPLEMENTADO.

“(...) (por ex., garantindo momentos de formação na escola

etc.)”.

Pois na validação semântica, professores não entenderam o

que eu quis dizer.

6. A equipe gestora repassa

informações importantes aos

professores (por ex. sobre

nossa vida funcional, sobre o

que está acontecendo na rede

etc.)

REFORMULADO.

“O diretor “compartilha” informações importantes (...)”.

7. A equipe gestora sempre

respeita os professores.

REFORMULADO.

“Sinto-me respeitado(a) pelo(a) diretor(a) da minha

escola.”

8. A equipe gestora dá bastante

liberdade para os professores REFORMULADO.

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se colocarem, pautarem

questões, opinarem.

“Os professores sentem liberdade para se colocarem,

opinarem, pautarem questões com o(a) diretor(a)”.

9. A equipe gestora é

competente na execução de

suas responsabilidades

REFORMULADO.

“O(a) diretor(a) cumpre sua parte na garantia de condições

adequadas de trabalho para nossa escola”.

Pois não estava claro o que quis dizer com competência.

10. A equipe gestora confia no

trabalho dos professores. MANTIDO.

11. Há coerência entre o

discurso da equipe gestora e

suas ações.

RETIRADO.

Os respondentes sentiram dificuldade para responder essa

questão no pré-teste.

Conversando com um deles e com um dos juízes, percebi

que o item era frágil: o gestor pode ter um discurso

autoritário e agir de acordo com ele. Esse tipo de coerência

não se relaciona com a concepção de confiança aqui

adotada.

Juiz: “Pode haver coerência, mas as ações não serem

legais. A coerência pode ser transgredir... No oficial eu

posso falar tudo que deve ser dito, e no paralelo eu posso

construir outra coisa. Isso é ser coerente com minhas

concepções”.

12. A equipe gestora age de

forma coerente com aquilo que

foi combinado e acordado

coletivamente.

MANTIDO.

Ainda assim, o mesmo juiz acima questionou essa questão

da coerência:

“Posso perceber contradições e coerências... coerência

pode ser calar todo mundo, isso não ajuda

necessariamente. As contradições não necessariamente

são ruins. Não é a unanimidade que me interessa, é a

diversidade, as divergências com respeito”.

No entanto, nesse momento estamos apostando que o

coletivo, permeado pela confiança e pelo respeito às

diferentes vozes, delibera ações que vão de encontro à

formação humana. Um coletivo com essas características

não deliberaria por ações que caminham no sentido

contrário a esse.

13. A equipe gestora trata

todos os alunos com respeito. MANTIDO.

14. A equipe gestora

compromete-se seriamente com

todos os alunos.

REFORMULADO.

“O(a) diretor(a) compromete-se com o bem-estar de todos

os(as) estudantes”.

Um juiz colocou uma questão pertinente:

“Qual o significado de “seriamente”, pois para alguns

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278

professores, o sério pode significar uma forma autoritária

no tratamento com os alunos”.

Nesse sentido, ele sugeriu:

“Fico preocupado com as diferentes concepções de

educação e ensino presentes entre os entrevistados,

produzindo interpretações que não representam a

realidade, mas apenas um “desabafo” em relação aos

colegas gestores e professores. Sugiro que, antes da

entrevista seja elaborada uma ou duas questões

relacionadas a CONCEPÇÃO POLÍTICO –

PEDAGÓGICA do entrevistado”.

Apesar de o juiz não ter dado sugestões de questões nesse

sentido, incluí algumas (explicadas no próximo quadro).

15. A equipe gestora coloca

seus interesses pessoais e/ou

políticos acima das

necessidades dos alunos.

RETIRADO.

Um juiz questionou por que interesses pessoais e políticos

estariam em oposição a interesses dos alunos,

considerando que toda ação é política.

“os meus interesses pessoais e políticos dialogam com as

necessidades dos alunos. O que a equipe gestora faz

reflete o que ela faz na política. Não ta claro que interesse

político é esse. Pode ser bom, porque toda ação que a

gente faz é política”.

16. A equipe gestora alimenta

o trabalho coletivo,

incentivando a participação de

todos na definição do Projeto

Pedagógico da escola.

REFORMULADO.

“A equipe gestora incentiva a participação de todos

(professores, funcionários, famílias e alunos) na definição

do Projeto Pedagógico da escola”.

17. A equipe gestora traz as

decisões prontas,

desencorajando momentos

coletivos de discussão sobre as

questões da escola.

REFORMULADO:

“O(a) diretor(a) desencoraja momentos coletivos de

tomada de decisão sobre as questões da escola”.

18. Há uma nítida falta de

sintonia dentro da equipe

gestora da minha escola.

RETIRADO.

Juiz argumentou que “sintonia”, “coerência”, “falar a

mesma língua”, pode estar numa perspectiva que abafa os

conflitos, as contradições.

REFORMULADO.

Buscamos evitar falar “equipe gestora”, pois no pré-teste os respondentes não identificavam

todos da equipe, mas remetiam mais ao diretor. Uma juíza também pontuou isso. Era preciso

deixar mais claro de quem se estava falando. Desmembramos então as perguntas em diretor e

orientador pedagógico; mantivemos “equipe gestora” apenas nos casos que inevitavelmente

queríamos saber sobre a equipe como um todo.

PROFESSOR-PROFESSOR

Itens

(primeira versão) Alterações e Justificativas

(após validação conceitual e semântica)

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19. As(os) professoras(es) nessa

escola realmente se importam

uns com os outros.

RETIRADO.

Redundante.

20. Os professores podem

contar sempre com a ajuda uns

dos outros na condução do

trabalho cotidiano da escola.

MANTIDO.

21. Os professores respeitam

uns aos outros. MANTIDO.

22. Os professores estão

sempre dispostos a se ouvir

para aprender uns com os

outros.

REFORMULADO.

“Os professores gostam de se ouvir para aprender uns com

os outros”.

23. Os professores nunca

ouvem uns aos outros, pois

acham que os outros

professores têm pouco a

contribuir.

MANTIDO.

24. Sinto-me à vontade para

expor aos meus colegas as

fragilidades e dificuldades do

meu trabalho.

MANTIDO.

25. Os professores dessa escola

são profissionais competentes.

REFORMULADO.

“Eu confio na competência profissional dos professores

dessa escola”.

26. Os professores nunca

desistem dos alunos, fazendo o

máximo para contribuir com a

formação de todos.

MANTIDO.

27. Os professores tratam todos

os alunos com respeito. MANTIDO.

28. Os professores colocam

seus interesses pessoais acima

das necessidades dos alunos.

RETIRADO.

Não ficou claro pra um juiz e pra alguns respondentes o

que quis dizer com “interesses pessoais”.

Ao explicar que se tratava de professores que chegam

atrasado, faltam sem avisar, etc, um juiz respondeu:

“aí é uma questão ética. Ele ta errado, passível de

processo. Tem alguma coisa que é ética. Eu todo dia não

estar disposto a não dar aula... aí não é uma questão de

confiança... é de contrato profissional. Ta agindo

criminosamente. Escrevendo assim parece que é possível

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fazer essa forma de negociação. A direção que compactua

com isso ta sendo negligente criminalmente”.

29. Os professores

comprometem-se em

aprimorar constantemente seu

trabalho.

COMPLEMENTADO.

“Os professores comprometem-se em avaliar e aprimorar

constantemente seu próprio trabalho”.

30. Os professores cumprem os

combinados coletivos, mesmo

quando isso significa abrir mão

de suas opiniões individuais.

REFORMULADO.

Retiramos o “mesmo quando isso significa abrir mão de

suas opiniões individuais”, pois não queremos colocar o

coletivo do lado oposto ao respeito às individualidades.

Segundo um juiz:

“Fala recorrente que me incomoda do ‘todos falarem a

mesma língua’. Acho que pode ter várias línguas. Mas

todo mundo pode fazer do seu jeito e do melhor jeito.

Mesmo no combinado quando você transgride, não é em

detrimento do coletivo. Tua dinâmica de aula permite você

analisar isso. Nem tudo dá pra ser delegado pelo coletivo.

Não pode ter essa camisa de força. Tem algumas

alternativas que é bom que o professor construa. Essa

coisa do coletivo... algumas transgressões são boas”.

31. Os professores se “fecham

em suas salas de aula” e se

recusam a trabalhar

coletivamente com os colegas.

RETIRADO.

Um dos respondentes do pré-teste e um juiz questionaram

essa questão, pois ela jogaria toda a responsabilidade sobre

os professores.

“cada um fica na sua sala, mas não porque se recusam...

A palavra recusa que ta meio forte. Não se trata de uma

recusa, se alguém me procurasse, eu toparia...”.

“professor não é algoz. Tem uma série de questões que

afetam nisso... por ex. formação”.

32. Os professores estão

dispostos a desenvolver

propostas de trabalho em

conjunto com os colegas.

REFORMULADO.

“Os professores dessa escola frequentemente desenvolvem

propostas de trabalho em conjunto com os colegas (por ex.

dupla docência, trabalhos temáticos etc.)”.

33. Os professores nessa escola

confiam uns nos outros.

RETIRADO.

Redundância.

PROFESS0R – PAIS/RESPONSÁVEIS

Itens

(primeira versão) Alterações e Justificativas

(após validação conceitual e semântica)

34. Sinto que posso contar

com o apoio dos

pais/responsáveis para

realização do meu trabalho.

MANTIDO.

35. Os professores dessa

escola realmente se importam MANTIDO.

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281

com a comunidade que

atendem.

36. Os professores

empenham-se continuamente

em aproximar os

pais/responsáveis da vida

escolar.

REFORMULADO.

“A escola empenha-se constantemente em convidar os

pais/famílias para participar da CPA e/ou Conselho de

Escola”.

Uma juíza apontou que a resposta dos sujeitos poderia

expressar o socialmente desejável.

Além disso, a responsabilidade não é apenas do professor

em fazer esse chamamento.

Decidimos explicitar dois espaços avaliativos/decisórios

(CPA/Conselho de Escola), pois “aproximar da vida

escolar” pode significar o mero chamamento para reuniões

nas quais se fala sobre o mau desempenho das crianças.

37. Os professores dessa

escola sempre respeitam os

pais/responsáveis.

RETIRADO.

Uma juíza apontou que o sujeito poderia responder pautado

naquilo que a sociedade deseja que ele responda.

Além disso, alguns respondentes no pré-teste disseram

que, na hora do tratamento, tratam com respeito, ou seja,

não xingam os pais. No entanto, isso não implica

necessariamente uma postura de olhar atento às suas

necessidades, opiniões, como se pode depreender da

seguinte fala de uma respondente: "respeitamos, mas desde

que não encham muito o saco". A pesquisa de campo

também refinou esse olhar para a questão.

Com objetivo de captar respeito para além desse tratamento

formal, considera-se que outras perguntas cumpram melhor

esse objetivo: quando se busca saber se os pais sentem-se à

vontade nas reuniões da escola, se eles freqüentam a escola,

se os professores consideram suas opiniões e necessidades.

38. Os professores dessa

escola ouvem com atenção o

que os pais/responsáveis têm a

dizer sobre a educação dos

seus filhos.

REFORMULADO.

“Os professores dessa escola têm consideração pelas

opiniões dos pais/famílias.”

É necessário ter um senso de consideração, não apenas

escutar.

39. Sinto-me respeitado pelos

pais/responsáveis. MANTIDO.

40. Sinto que os

pais/responsáveis são abertos

a ouvir o que nós professores

temos a dizer sobre a

educação de seus filhos.

REFORMULADO.

“Sinto que os pais/famílias têm consideração pelo que nós

professores dizemos sobre a educação de seus filhos.”

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41. Os pais/responsáveis

cumprem sua parte de

responsabilidade na educação

das crianças/jovens.

RETIRADO.

Redundante.

42. Os pais/responsáveis

confiam no trabalho dos

professores dessa escola.

MANTIDO.

43. Os pais/responsáveis dão o

seu melhor para ajudar seus

filhos a aprender.

REFORMULADO.

“Os pais/famílias se esforçam para ajudar seus filhos a

aprender”.

‘Dão o seu melhor’ induz a responder negativamente,

porque já existe no senso comum que a família não

acompanha o estudante.

44. Os pais/responsáveis

preocupam-se em

acompanhar a vida escolar de

seus filhos.

MANTIDO

45. Os pais/responsáveis

fazem o possível para

participar das reuniões da

escola.

MANTIDO.

46. Os pais/responsáveis

mostram interesse pelos

assuntos da escola.

MANTIDO.

47. Professores e

pais/responsáveis consideram-

se parceiros na educação das

crianças/jovens.

REFORMULADO.

“Professores e pais/famílias estão juntos na educação das

crianças/jovens”.

Mudou-se de pais/responsáveis para pais/famílias, pois se trata de considerar não apenas os

responsáveis legais, mas as famílias em geral.

PROFESSOR- SECRETARIA DE EDUCAÇÃO

Itens

(primeira versão) Alterações e Justificativas

(após validação conceitual e semântica)

48. O(a) supervisor(a) conhece

de perto a realidade de nossa

escola.

REFORMULADO.

“O(a) supervisor(a) conhece a realidade de nossa escola.”

Excluiu-se “de perto”, pois de fato ele não participa do dia-

a-dia da escola.

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283

49. O(a) supervisor(a) mostra

prontidão em comparecer à

escola quando é solicitado(a)

para resolver algum

problema.

REFORMULADO.

“O(a) supervisor(a) mostra prontidão em comparecer à

escola quando é solicitado(a) para ajudar a resolver algum

problema.”

Pois ele não resolve, mas ajuda a resolver. Como colocou

um juiz:

“supervisor faz diferença quando você tem a questão

criminal. Na hora de separar ele tem que entrar na

relação... enquanto a gente tiver casado, não precisa. Só

aparece numa cobrança específica, não vive a escola. É

uma figura meio sogra. Não faz parte da relação da escola

com comunidade. Não tenho uma relação muito simpática

com essa ideia do supervisor. Gosto da ideia da escola

conseguir encontrar maneiras de resolver. Nunca tive neles

um aporte. Mas é porque eu tenho outras fontes pra buscar

conhecimento que não passa pela fonte do supervisor.

Talvez para uma pergunta muito específica podemos

recorrer a eles: pode subir aula, adiantar aula, fazer algo

que é fora do padrão e precisa de uma autorização”.

50. O(a) supervisor(a) nunca

está conosco nos momentos

em que a escola está passando

por dificuldades.

RETIRADO.

Pois o supervisor não está mesmo presente no cotidiano da

escola, nas dificuldades cotidianas que ela enfrenta.

51. O(a) supervisor(a) zela

pelas necessidades da nossa

escola.

REFORMULADO.

“O(a) supervisor(a) nos ajuda a defender as necessidades da

nossa escola”.

Um juiz estranhou a palavra “zelo”. Uma juíza apontou,

referindo-se a outra questão, que o supervisor não resolve

sozinho os problemas. No máximo ele ajuda a escola.

Pensamos que, em se tratando de um cargo no âmbito

descentralizado, deveria ficar mais claro que ele tem um

papel de ajudar a escola a defender seus interesses perante

os decisores centrais.

52. A SME cria espaços e

oportunidades para ouvir a

opinião dos professores sobre

questões que impactam a

qualidade da educação.

MANTIDO.

53. A voz dos professores é

considerada pela SME nos

processos de tomada de

decisões.

MANTIDO.

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54. A SME cumpre

adequadamente sua parte de

responsabilidade na garantia

de uma educação pública de

qualidade.

MANTIDO.

55. No que se refere à infra-

estrutura, a SME oferece boas

condições de trabalho para

nossa escola.

MANTIDO.

56. No que se refere a

recursos humanos, a SME

oferece boas condições de

trabalho para nossa escola.

REFORMULADO.

“A SME oferece boas condições de trabalho para nossa

escola, no que se refere à garantia de quadro completo de

docentes, funcionários, e equipe gestora”.

Um juiz apontou a inadequação do uso do termo “recursos

humanos”. No pré-teste, respondentes tiveram dificuldade

para entender do que se tratava.

57. Em termos de

salário/jornada/formação, os

professores têm boas

condições de trabalho nessa

rede.

MANTIDO.

58. A Secretaria de Educação

me valoriza enquanto

profissional.

RETIRADO.

Abstrato e redundante, pois outras questões já perguntaram

isso.

59. Eu confio na Secretaria

Municipal de Educação.

RETIRADO.

Redundante

60. A SME coloca a qualidade

da educação acima de

interesses políticos e

financeiros.

RETIRADO.

Conforme apontou um juiz, não faz sentido dissociar

qualidade da educação de interesses políticos. A luta pela

qualidade não é apolítica.

Fonte: elaborado pela pesquisadora

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ANEXO 4- Itens Incluídos no Instrumento e Justificativas

ITENS JUSTIFICATIVAS

Os pais/famílias sentem-se à vontade nas

reuniões da escola, expondo suas

opiniões, anseios, necessidades.

Com objetivo de captar respeito para além do

tratamento formal. Quando se busca saber se os

pais sentem-se à vontade nas reuniões da escola,

é uma forma de avaliar quanto a escola os deixa

à vontade, respeitando-os em suas falas.

Sinto que os pais/famílias não educam

seus filhos e, portanto, eles não se

comportam adequadamente na escola.

Sugestão de um juiz.

É necessário avaliar a concepção dos

professores em relação às famílias.

Os pais/famílias estão sempre

participando das reuniões, festas e

eventos dessa escola.

Saber se a comunidade efetivamente participa

dos eventos e reuniões é uma forma de avaliar

mais claramente em que medida ela é bem

acolhida pela escola.

Avaliamos coletivamente, com alunos e

pais/famílias, quais são as potências, as

dificuldades, e o que podemos melhorar

no trabalho da escola.

A pesquisa de campo tem mostrado que a

avaliação é um tema delicado, ainda mais

quando se trata de submeter o próprio trabalho

ao olhar do outro.

Parece-me, pelas observações, que os

professores são resistentes a esse diálogo, pois

não consideram que alunos e famílias possam

contribuir no processo de avaliação do trabalho

pedagógico.

Julgou-se importante incluir uma questão que

captasse mais claramente a presença/ausência de

processos de negociação nesse sentido.

Sinto-me como se estivesse sozinha(o) nas

minhas atividades profissionais, no

cotidiano da escola.

Sugestão de juiz.

Julgou-se ir de encontro com o aspecto do

apoio, suporte, ajuda, já mensurado em outros

itens.

Os professores sentem que suas opiniões

e propostas são consideradas pela equipe

gestora.

Faltava um item que deixasse claro esse

sentimento de sentir-se ouvido e considerado.

Minha forma de trabalhar com os alunos

é estabelecida pelo(a) diretor(a) e tenho

que cumprir as recomendações

profissionais que são feitas.

Sugestão juiz.

Captar em que medida o diretor respeita a

autonomia profissional dos professores.

Sinto-me como se estivesse sendo

vigiada(o) em meu trabalho.

Sugestão juiz.

Captar em que medida o diretor respeita a

autonomia profissional dos professores.

Tenho autonomia para organizar minha

prática pedagógica em sala de aula.

Idem.

O(a) orientador(a) pedagógico(a) está

sempre combinando com os professores

ações pedagógicas para ajudar os alunos

que mais precisam.

A partir do momento que se desmembrou o

“equipe gestora”, julgou-se pertinente incluir

perguntas específicas para a função do

orientador pedagógico. Nesse caso, trata-se de

captar o respaldo que o OP oferece, em termos

de pensar alternativas pedagógicas para ajudar

os alunos.

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A escola toma, com freqüência, medidas

sérias (por ex. suspensão, formas de

punição) em relação aos alunos

considerados indisciplinados.

Objetivo de deixar clara a concepção do que

seja “comprometer-se com os alunos...”,

buscando entender como a concepção se

relaciona com a confiança.

Em uma questão do quadro acima (“o diretor

compromete-se seriamente com os alunos’), um

juiz pontuou:

“Qual o significado de “seriamente”, pois para

alguns professores, o sério pode significar uma

forma autoritária no tratamento com os

alunos”.

Há um clima de competição entre os

professores dessa escola.

Sugestão juiz.

Considerando que a competição é oposta à

confiança.

Quando um(a) professor(a) tem boas

ideias sobre como trabalhar com os

alunos, ele(a) compartilha com os outros

professores.

Sugestão juiz.

Importante incluir questão sobre a iniciativa dos

professores em compartilhar boas ideias. Antes

havia questão apenas sobre a iniciativa de expor

fragilidades, e sobre a disposição em ouvir o

colega.

Os professores não conseguem fazer seu

trabalho devido à falta de interesse e de

disciplina das crianças/jovens.

Sugestão juiz.

Captar concepção, se os professores isentam-se

de sua parte de responsabilidade, culpabilizando

os alunos.

Nós professores temos a prática de

avaliar nosso trabalho coletivamente,

refletindo e combinando juntos o que

podemos melhorar.

Captar o empenho da escola em assumir sua

parte de responsabilidade por meio de processos

constantes de avaliação.

Importante marcar o caráter coletivo da

avaliação, pois a hipótese é que avaliações desse

tipo necessitam de confiança entre as pessoas

para se desenvolver.

A SME compromete-se com a melhoria

da minha qualificação profissional,

criando espaços e oportunidades para

isso.

Sugestão juíza.

Não havia de fato uma questão que abordasse

isso explicitamente.

Estou satisfeita(o) com o desempenho do

atual governo municipal na área da

educação.

A literatura sobre confiança política nas

instituições (NEWTON & NORRIS, 2000)

aponta que a confiança dos cidadãos é

influenciada pelo desempenho institucional

percebido por eles.

Na definição da dimensão “Integridade”, um

juiz apontou que os interesses do governo e da

Secretaria de Educação não são conflitantes.

Tendo em vista esses dois apontamentos, incluí

uma questão sobre avaliação do desempenho do

governo, apostando que isso influencie o grau

de confiança dos professores na Secretaria

Municipal de Educação. Fonte: elaborado pela pesquisadora

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ANEXO 5 - Motivos de Recusa das Onze Escolas

ESCOLA 1- OP disse não poder em 2016 por conta das muitas demandas de final de

ano. No começo de fevereiro/2017, retornei, mas ela disse que só poderíamos marcar

dia 20 de março, alegando que "retomaremos as reuniões de TDC em março". No

entanto, essa data seria inviável dentro do meu planejamento (marquei de iniciar o

processamento estatístico dia 15 de março).

(email)

ESCOLA 2 - “Nós estamos com um número de demandas para o TDC bastante

intensa, visto que nesse último mês há muitos acontecimentos que foram previamente

programados pela escola. Conversei com a Fulana, a outra OP, que cuida do 1º ao 5º

e ela também está na mesma situação. Para além disso, nesse ano os professores

tiveram já outras pessoas que fizeram com eles aplicações de pesquisa e já haviam

pedido que não colocássemos mais ninguém. Caso haja abertura para próximo ano,

retomo contato com você”. (email)

ESCOLA 3- “Discuti com a diretora a respeito e não temos mesmo como

disponibilizar tempo no TDC deste ano para pesquisas acadêmicas, porque o tempo

está sendo insuficiente para todas as demandas internas de planejamento. Um projeto

diferenciado exige maior trabalho de estudo e planejamento coletivos e os tempos

institucionais para isso são bastante escassos. Para 2017, podemos pensar nessa

possibilidade. A outra consideração que temos feito com todos os pesquisadores

interessados em fazer pesquisas nessa escola é que apenas dispensarmos mais tempo

coletivo para retorno sobre as avaliações feitas é um retorno muito pequeno para a

colaboração da escola na pesquisa. A Academia precisa repensar sua relação com a

escola básica para além de tê-la como campo de pesquisa para aquisição de títulos

acadêmicos. Precisa pensar em projetos que ajudem a propor mudanças positivas na

escola, não apenas investigar se o que a escola faz sozinha dá ou não certo. A parceria

escola-academia precisa se dar no dia-a-dia e não mais nesse processo em que a

Academia vem apenas analisar o já feito”.

(email)

ESCOLA 4 - Conversei com a OP por telefone. Ela ficou de ver com os professores.

Retornei depois de um tempo para saber a resposta. Ela disse que eles não aceitaram

usar o espaço do TDC nem horário livre: “a gente ta se sentindo muito pressionada na

escola. Marquei dois conselhos de quatro classes no TDC... os professores estão tendo

formação à noite. Estamos muito sobrecarregadas. Com professoras de 1º a 5º nem

falei, porque estão fazendo PNAIC, tem que fazer evento da escola... de 6º a 9º

algumas poucas vão aceitar”. (telefone)

Perguntei se poderia usar um tempo menor de TDC somente para explicar a pesquisa e

depois voltar para recolher os questionários de quem aceitasse participar. Ela até

deixou, mas só em metade da escola. No TDC das professoras de 1º a 5º não quis nem

disponibilizar esse espaço. Achei que não valia à pena ir a essa escola.

ESCOLA 5- Tinha marcado aplicação com o OP. Estava tudo certo. Mas chegando à

escola, ele disse que conversou no dia anterior, domingo, com a diretora, e acharam

que agora não era o momento: “quem sabe em outro momento”. Ele narrou que a

equipe passou por um momento delicado. Houve fechamento de turmas, e os

professores da escola são muito críticos, acharam que a diretora tem culpa, então houve

tensão. “Mas a gente fica de mãos atadas, são ordens da Secretaria. Quando

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soubemos, nos perguntamos: vamos contar pra eles? Nem adiantaria falar antes ou

não, ia fechar mesmo. Mas resolvemos contar. Se eles respondessem agora à pesquisa,

não refletiria a nossa realidade aqui, porque eles só falariam mal da escola”.

(conversa pessoal)

Perguntei se eu poderia entrar em contato no começo de 2017, em fevereiro, ele disse

que ainda seria muito cedo, não daria tempo de a equipe acalmar, porque também

houve muitas mudanças (oito professores saíram da escola).

ESCOLA 6- Não consegui falar com diretora em 2016, estava sempre ocupada quando

eu ligava. Escola ficou muito tempo sem OP. Essa escola também não aceitou

participar da pesquisa do LOED.

ESCOLA 7- Em 2016, liguei e mandei email explicando as intenções da pesquisa.

Fiquei aguardando durante umas semanas a resposta da equipe gestora. Diante da

ausência de resposta, liguei mais uma vez. Ficaram de ver o email e retornar por email.

Não retornaram. Insisti ligando ainda mais uma vez, ao que a OP pediu para enviar

outro email com os arquivos da pesquisa. Fiz isso. Mesmo assim não retornaram.

ESCOLA 8- Em 2016, a escola alegou não ter tempo. Em 2017, consegui marcar com a

OP. Mas ela desmarcou comigo, pois disse que surgiu uma demanda muito urgente. Ela

pediu pra eu ligar para conversarmos. Liguei, ela explicou por que desmarcou, e

quando solicitei uma nova data, ela disse que naquele momento não poderia ver isso,

mas que me retornaria depois por email. Mandei um email lembrando alguns dias

depois, mas não tive mais resposta.

ESCOLA 9- A OP me passou whatsapp dela na primeira vez que liguei na escola.

Disse pra conversarmos por lá. Eu perguntei por lá se ela já tinha visto com a equipe,

mas ela não respondeu. Liguei então novamente, ela me atendeu de forma mais fria,

disse a mesma coisa, que me retornaria depois, mais pro final do ano. Mandei outro

whatsapp lembrando, mas não tive resposta. Em 2017, entrei em contato novamente.

Ela foi bastante solícita dessa vez, mas disse que em reunião com a diretora, esta não

aceitou a pesquisa, pois o questionário vai de encontro com o que a escola está

vivendo, e ela é bastante centralizadora, na visão da OP. Quando ela questionou à

diretora por que a recusa, a diretora respondeu rispidamente que entraria em contato

comigo, mas não entrou.

ESCOLA 10- Nunca atendem o telefone. Liguei muitas e muitas vezes em 2016. Em

2017, consegui pegar o telefone novo da escola com uma professora que tinha

trabalhado lá em 2016. Mas também não atendeu.

ESCOLA 11- Ano passado, a OP Fulana chegou a pré-agendar comigo dia 20 de

dezembro em RPAI. Pediu pra que eu falasse com a outra OP Ciclana pra confirmar.

Falei com ela, ela disse que dia 20 seria ruim, que seria melhor eu ir no TDC, mas só

prontificou um TDC, apesar de eu dizer que teria que ir nos dois. Mantive então que

seria melhor em RPAI, ela disse que me retornaria para confirmar, mas não retornou.

Fui à escola pessoalmente esse dia, e ninguém estava lá. A RPAI foi adiantada pra

outro dia. Começo de 2017, tentei inicialmente falar com Ciclana, pois Fulana estava

de licença. Nunca consegui, ela estava sempre ocupada. Deixei o telefone duas vezes

com a secretária, com a promessa de que ela me retornaria quando estivesse livre, mas

não tive retorno. Depois, comecei a tentar falar com Fulana. Também não consegui

falar com ela, pois diziam que ela “não está na escola” ou que “está ocupada”. O

pessoal da secretaria em geral apenas ligava na sala dela, e se ela não atendia, já diziam

que não estava na escola. Apenas uma vez se prontificaram a procurá-la pelas

dependências da escola. Acharam-na, mas, mais uma vez, ela estava ocupada em

reunião. Uma vez apenas ela me atendeu, eu expliquei toda a pesquisa, mas ela disse

pra eu retornar outro momento, pois estava ocupada no meio de um atendimento com

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pai. Mandei email à escola direcionado a elas, mas também não tive retorno. Fonte: elaborado pela pesquisadora

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ANEXO 6- Modelo Impresso do Instrumento

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ANEXO 7 - Termos de Consentimento Livre e Esclarecido

7.1. TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

(Instrumento)

Influência da Confiança Relacional nos processos de participação ativa

Pesquisadora Responsável: Sara Badra de Oliveira

Número do CAAE: 49929615.7.0000.5404

Você está sendo convidado a participar como voluntário de um estudo. Este

documento, chamado Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, visa assegurar seus

direitos como participante e é elaborado em duas vias, uma que deverá ficar com você e

outra com o pesquisador.

Por favor, leia com atenção e calma, aproveitando para esclarecer suas dúvidas.

Se houver perguntas antes ou mesmo depois de assiná-lo, você poderá esclarecê-las com

o pesquisador. Se preferir, pode levar para casa e consultar seus familiares ou outras

pessoas antes de decidir participar. Se você não quiser participar ou retirar sua

autorização, a qualquer momento, não haverá nenhum tipo de penalização ou prejuízo.

Justificativa e Objetivo

É crescente a literatura internacional que aborda a importância das interações,

trocas sociais e relações entre os diversos sujeitos do ambiente escolar no processo de

melhoria da qualidade educacional. O objetivo da pesquisa é investigar, em uma

realidade brasileira, como a confiança que os professores sentem em relação aos

pais/responsáveis, equipe gestora e demais professores, e em relação à Secretaria de

Educação, influencia o trabalho coletivo na escola e sua capacidade de produzir

qualidade socialmente relevante.

Procedimentos

Participando do estudo você está sendo convidado a preencher um questionário

que levará cerca de 30 minutos. O questionário possui questões relativas às dimensões

que compõem a confiança em cada um dos pares citados (professor-professor;

professor-pais/responsáveis; professor-equipe gestora; professor-Secretaria Municipal

de Educação).

A aplicação do questionário acontecerá em seu local de trabalho, após consulta

prévia, de modo a atendê-lo da melhor maneira possível, sem prejuízos para as suas

atividades profissionais.

Sigilo e privacidade

Você tem a garantia de que sua identidade e a identidade da sua escola serão

mantidas em sigilo e nenhuma informação será dada a outras pessoas que não façam

parte da equipe de pesquisadores. Na divulgação dos resultados desse estudo, seu nome

e o nome da sua escola não serão citados.

Benefícios

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Não haverá benefícios diretos para o participante da pesquisa. No entanto, o

benefício indireto será contribuir com a criação de um corpo de conhecimento científico

ainda escasso na realidade brasileira, a respeito de um importante fator que influencia a

melhoria da qualidade educacional.

Desconfortos e riscos

Com relação aos riscos, caso você sinta qualquer tipo de desconforto em função

dos assuntos aflorados durante as entrevistas, tem o direito de negar-se a responder

qualquer pergunta ou parte de informações. A pesquisadora estará atenta à questão e

tomará medidas, na situação, para amenizá-la, como mudar o tema ou até interromper a

sessão, se for necessário.

Ressarcimento

Em caso de dano decorrente da pesquisa, está garantida a assistência integral e

imediata, de forma gratuita, pelo tempo que for necessário. Você também tem direito a

indenização em caso de danos.

Contato

Em caso de dúvidas sobre o estudo, você poderá entrar em contato com a

pesquisadora Sara Badra de Oliveira:

Endereço: Rua Uruguaiana, 431, apto 104. CEP 13026-001. Campinas -SP

Telefone: (19) 99794-7315. (19) 3342-5187

E-mail: [email protected]

Em caso de denúncias ou reclamações sobre sua participação e sobre questões

éticas do estudo, você pode entrar em contato com a secretaria do Comitê de Ética em

Pesquisa (CEP) da UNICAMP: Rua: Tessália Vieira de Camargo, 126; CEP 13083-887

Campinas – SP; telefone (19) 3521-8936; fax (19) 3521-7187; e-mail:

[email protected]

Consentimento livre e esclarecido

Após ter sido esclarecimento sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos,

métodos, benefícios previstos, potenciais riscos e o incômodo que esta possa acarretar,

aceito participar:

Nome do(a) participante:

______________________________________________________________________

_________________________________________Data: ____/_____/______

(Assinatura do participante)

Responsabilidade da Pesquisadora

Asseguro ter cumprido as exigências da resolução 466/2012 CNS/MS e

complementares na elaboração do protocolo e na obtenção deste Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido. Asseguro, também, ter explicado e fornecido uma

cópia deste documento ao participante. Informo que o estudo foi aprovado pelo CEP

perante o qual o projeto foi apresentado. Comprometo-me a utilizar o material e os

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dados obtidos nesta pesquisa exclusivamente para as finalidades previstas neste

documento ou conforme o consentimento dado pelo participante.

______________________________________________Data:____/_____/______.

Sara Badra de Oliveira

7.2. TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

(entrevistas)

Influência da Confiança Relacional nos processos de participação ativa

Pesquisadora Responsável: Sara Badra de Oliveira

Número do CAAE: 49929615.7.0000.5404

Você está sendo convidado a participar como voluntário de um estudo. Este

documento, chamado Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, visa assegurar seus

direitos como participante e é elaborado em duas vias, uma que deverá ficar com você e

outra com o pesquisador.

Por favor, leia com atenção e calma, aproveitando para esclarecer suas dúvidas.

Se houver perguntas antes ou mesmo depois de assiná-lo, você poderá esclarecê-las com

o pesquisador. Se preferir, pode levar para casa e consultar seus familiares ou outras

pessoas antes de decidir participar. Se você não quiser participar ou retirar sua

autorização, a qualquer momento, não haverá nenhum tipo de penalização ou prejuízo.

Justificativa e Objetivo

É crescente a literatura internacional que aborda a importância das interações,

trocas sociais e relações entre os diversos sujeitos do ambiente escolar no processo de

melhoria da qualidade educacional. O objetivo da pesquisa é investigar, em uma

realidade brasileira, como a confiança que os professores sentem em relação aos pais,

equipe gestora e demais professores, e em relação à Secretaria de Educação, influencia

o trabalho coletivo na escola e sua capacidade de produzir qualidade socialmente

relevante.

Procedimentos

Participando do estudo você está sendo convidado a conceder uma entrevista que

será transcrita e durará cerca de 40 minutos. A entrevista será realizada em seu local de

trabalho e de acordo com sua disponibilidade, após consulta prévia, de modo a atendê-lo

da melhor maneira possível, sem prejuízos para as aulas ou demais atividades escolares.

Desconfortos e riscos

Com relação aos riscos, caso você sinta qualquer tipo de desconforto em função

dos assuntos aflorados durante as entrevistas, tem o direito de negar-se a responder

qualquer pergunta ou parte de informações. A pesquisadora estará atenta à questão e

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297

tomará medidas, na situação, para amenizá-la, como mudar o tema ou até interromper a

sessão, se for necessário.

Benefícios

Não haverá benefícios diretos para o participante da pesquisa. No entanto, o

benefício indireto será contribuir com a criação de um corpo de conhecimento científico

ainda escasso na realidade brasileira, a respeito de um importante fator que influencia a

melhoria da qualidade educacional.

Sigilo e privacidade

Você tem a garantia de que sua identidade será mantida em sigilo e nenhuma

informação será dada a outras pessoas que não façam parte da equipe de pesquisadores.

Na divulgação dos resultados desse estudo, seu nome não será citado.

Ressarcimento

Em caso de dano decorrente da pesquisa, está garantida a assistência integral e

imediata, de forma gratuita, pelo tempo que for necessário. Você também tem direito a

indenização em caso de danos.

Contato

Em caso de dúvidas sobre o estudo, você poderá entrar em contato com a

pesquisadora Sara Badra de Oliveira:

Endereço: Rua Uruguaiana, 431, apto 104. CEP 13026-001. Campinas -SP

Telefone: (19) 99794-7315. (19) 3342-5187

E-mail: [email protected]

Em caso de denúncias ou reclamações sobre sua participação e sobre questões

éticas do estudo, você pode entrar em contato com a secretaria do Comitê de Ética em

Pesquisa (CEP) da UNICAMP: Rua: Tessália Vieira de Camargo, 126; CEP 13083-887

Campinas – SP; telefone (19) 3521-8936; fax (19) 3521-7187; e-mail:

[email protected]

Consentimento livre e esclarecido

Após ter sido esclarecimento sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos,

métodos, benefícios previstos, potenciais riscos e o incômodo que esta possa acarretar,

aceito participar:

Nome do(a) participante:

______________________________________________________________________

________________________________________Data: ____/_____/______.

(Assinatura do participante)

Responsabilidade da Pesquisadora

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Asseguro ter cumprido as exigências da resolução 466/2012 CNS/MS e

complementares na elaboração do protocolo e na obtenção deste Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido. Asseguro, também, ter explicado e fornecido uma

cópia deste documento ao participante. Informo que o estudo foi aprovado pelo CEP

perante o qual o projeto foi apresentado. Comprometo-me a utilizar o material e os

dados obtidos nesta pesquisa exclusivamente para as finalidades previstas neste

documento ou conforme o consentimento dado pelo participante.

______________________________________________Data:____/____/____.

Sara Badra de Oliveira

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ANEXO 8 - Frequências das respostas do Instrumento

(geradas no SPSS 15.00)

PA_1 - Sinto que posso contar com o apoio dos pais/famílias dessa escola para

realização do meu trabalho.

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid ,00 11 2,5 2,5 2,5

1,00 52 11,7 11,7 14,1

2,00 81 18,2 18,2 32,3

3,00 24 5,4 5,4 37,7

4,00 181 40,6 40,6 78,3

5,00 80 17,9 17,9 96,2

6,00 17 3,8 3,8 100,0

Total 446 100,0 100,0

PA_7- Sinto-me respeitada(o) pelos pais/famílias.

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid ,00 9 2,0 2,0 2,0

1,00 14 3,1 3,1 5,2

2,00 41 9,2 9,2 14,3

3,00 17 3,8 3,8 18,2

4,00 139 31,2 31,2 49,3

5,00 173 38,8 38,8 88,1

6,00 53 11,9 11,9 100,0

Total 446 100,0 100,0

PA_9 - Sinto que os pais/famílias têm consideração pelo que nós professores dizemos

sobre a educação de seus filhos.

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid ,00 8 1,8 1,8 1,8

1,00 20 4,5 4,5 6,3

2,00 53 11,9 11,9 18,2

3,00 23 5,2 5,2 23,3

4,00 198 44,4 44,4 67,7

5,00 127 28,5 28,5 96,2

6,00 17 3,8 3,8 100,0

Total 446 100,0 100,0

Page 300: O PAPEL DA CONFIANÇA INTERPESSOAL E ...repositorio.unicamp.br/.../1/Oliveira_SaraBadraDe_D.pdfAutora: Sara Badra de Oliveira COMISSÃO JULGADORA: Profa. Dra. Mara Regina Lemes de

300

PA_10 - Os pais/famílias confiam no trabalho dos professores dessa escola.

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid ,00 2 ,4 ,4 ,4

1,00 12 2,7 2,7 3,1

2,00 24 5,4 5,4 8,5

3,00 12 2,7 2,7 11,2

4,00 149 33,4 33,4 44,6

5,00 212 47,5 47,5 92,2

6,00 35 7,8 7,8 100,0

Total 446 100,0 100,0

PA_11 - Os pais/famílias se esforçam para ajudar seus filhos a aprender.

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid ,00 16 3,6 3,6 3,6

1,00 49 11,0 11,0 14,6

2,00 143 32,1 32,1 46,6

3,00 24 5,4 5,4 52,0

4,00 184 41,3 41,3 93,3

5,00 28 6,3 6,3 99,6

6,00 2 ,4 ,4 100,0

Total 446 100,0 100,0

PA_12 - Os pais/famílias mostram interesse pelos assuntos da escola.

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid ,00 10 2,2 2,2 2,2

1,00 35 7,8 7,8 10,1

2,00 143 32,1 32,1 42,2

3,00 26 5,8 5,8 48,0

4,00 190 42,6 42,6 90,6

5,00 40 9,0 9,0 99,6

6,00 2 ,4 ,4 100,0

Total 446 100,0 100,0

PA_13 - Os professores e pais/famílias dessa escola estão juntos na educação das

crianças/jovens.

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid ,00 7 1,6 1,6 1,6

1,00 37 8,3 8,3 9,9

2,00 122 27,4 27,4 37,2

Page 301: O PAPEL DA CONFIANÇA INTERPESSOAL E ...repositorio.unicamp.br/.../1/Oliveira_SaraBadraDe_D.pdfAutora: Sara Badra de Oliveira COMISSÃO JULGADORA: Profa. Dra. Mara Regina Lemes de

301

3,00 28 6,3 6,3 43,5

4,00 194 43,5 43,5 87,0

5,00 55 12,3 12,3 99,3

6,00 3 ,7 ,7 100,0

Total 446 100,0 100,0

PA_14 - Os pais/famílias dessa escola preocupam-se em acompanhar a vida escolar de

seus filhos.

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid ,00 11 2,5 2,5 2,5

1,00 47 10,5 10,5 13,0

2,00 150 33,6 33,6 46,6

3,00 24 5,4 5,4 52,0

4,00 172 38,6 38,6 90,6

5,00 39 8,7 8,7 99,3

6,00 3 ,7 ,7 100,0

Total 446 100,0 100,0

PA_15 - Os pais/famílias estão sempre participando das reuniões, festas e eventos dessa

escola.

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid ,00 5 1,1 1,1 1,1

1,00 28 6,3 6,3 7,4

2,00 97 21,7 21,7 29,1

3,00 21 4,7 4,7 33,9

4,00 210 47,1 47,1 80,9

5,00 76 17,0 17,0 98,0

6,00 9 2,0 2,0 100,0

Total 446 100,0 100,0

G_16 - Tenho autonomia para organizar minha prática pedagógica em sala de aula.

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid 1,00 5 1,1 1,1 1,1

2,00 11 2,5 2,5 3,6

3,00 4 ,9 ,9 4,5

4,00 44 9,9 9,9 14,3

5,00 197 44,2 44,2 58,5

6,00 185 41,5 41,5 100,0

Total 446 100,0 100,0

Page 302: O PAPEL DA CONFIANÇA INTERPESSOAL E ...repositorio.unicamp.br/.../1/Oliveira_SaraBadraDe_D.pdfAutora: Sara Badra de Oliveira COMISSÃO JULGADORA: Profa. Dra. Mara Regina Lemes de

302

G_17 - Sinto que posso contar com o apoio do(a) diretor(a) para realização do meu

trabalho.

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid ,00 6 1,3 1,3 1,3

1,00 9 2,0 2,0 3,4

2,00 25 5,6 5,6 9,0

3,00 11 2,5 2,5 11,4

4,00 75 16,8 16,8 28,3

5,00 165 37,0 37,0 65,2

6,00 155 34,8 34,8 100,0

Total 446 100,0 100,0

G_18 - O(a) diretor(a) compartilha informações importantes com os professores (por ex.

sobre nossa vida funcional, sobre o que está acontecendo na rede etc.)

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid ,00 7 1,6 1,6 1,6

1,00 15 3,4 3,4 4,9

2,00 37 8,3 8,3 13,2

3,00 14 3,1 3,1 16,4

4,00 81 18,2 18,2 34,5

5,00 147 33,0 33,0 67,5

6,00 145 32,5 32,5 100,0

Total 446 100,0 100,0

G_19 - Sinto-me como se estivesse sozinha(o) nas minhas atividades profissionais, no

cotidiano da escola. (INVERTIDO)

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid ,00 9 2,0 2,0 2,0

1,00 31 7,0 7,0 9,0

2,00 88 19,7 19,7 28,7

3,00 14 3,1 3,1 31,8

4,00 95 21,3 21,3 53,1

5,00 123 27,6 27,6 80,7

6,00 86 19,3 19,3 100,0

Total 446 100,0 100,0

G_20 - A equipe gestora preocupa-se com nosso desenvolvimento profissional (por ex.,

garantindo momentos de formação na escola etc.).

Page 303: O PAPEL DA CONFIANÇA INTERPESSOAL E ...repositorio.unicamp.br/.../1/Oliveira_SaraBadraDe_D.pdfAutora: Sara Badra de Oliveira COMISSÃO JULGADORA: Profa. Dra. Mara Regina Lemes de

303

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid ,00 5 1,1 1,1 1,1

1,00 13 2,9 2,9 4,0

2,00 30 6,7 6,7 10,8

3,00 15 3,4 3,4 14,1

4,00 125 28,0 28,0 42,2

5,00 163 36,5 36,5 78,7

6,00 95 21,3 21,3 100,0

Total 446 100,0 100,0

G_21 - Gosto de procurar o(a) orientador(a) pedagógico(a) quando preciso conversar

sobre minhas práticas pedagógicas.

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid ,00 15 3,4 3,4 3,4

1,00 25 5,6 5,6 9,0

2,00 24 5,4 5,4 14,3

3,00 31 7,0 7,0 21,3

4,00 100 22,4 22,4 43,7

5,00 170 38,1 38,1 81,8

6,00 81 18,2 18,2 100,0

Total 446 100,0 100,0

G_22- Sinto-me respeitada(o) pelo(a) diretor(a) da minha escola.

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid ,00 11 2,5 2,5 2,5

1,00 10 2,2 2,2 4,7

2,00 19 4,3 4,3 9,0

3,00 13 2,9 2,9 11,9

4,00 56 12,6 12,6 24,4

5,00 176 39,5 39,5 63,9

6,00 161 36,1 36,1 100,0

Total 446 100,0 100,0

G_23 - Os professores sentem liberdade para se colocarem, opinarem, pautarem

questões com o(a) diretor(a).

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid ,00 12 2,7 2,7 2,7

1,00 13 2,9 2,9 5,6

2,00 32 7,2 7,2 12,8

Page 304: O PAPEL DA CONFIANÇA INTERPESSOAL E ...repositorio.unicamp.br/.../1/Oliveira_SaraBadraDe_D.pdfAutora: Sara Badra de Oliveira COMISSÃO JULGADORA: Profa. Dra. Mara Regina Lemes de

304

3,00 10 2,2 2,2 15,0

4,00 88 19,7 19,7 34,8

5,00 179 40,1 40,1 74,9

6,00 112 25,1 25,1 100,0

Total 446 100,0 100,0

G_24 - O(a) diretor(a) cumpre sua parte na garantia de condições adequadas de trabalho

para nossa escola.

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid ,00 6 1,3 1,3 1,3

1,00 12 2,7 2,7 4,0

2,00 37 8,3 8,3 12,3

3,00 12 2,7 2,7 15,0

4,00 86 19,3 19,3 34,3

5,00 188 42,2 42,2 76,5

6,00 105 23,5 23,5 100,0

Total 446 100,0 100,0

G_25 - Os professores sentem que suas opiniões e propostas são consideradas pela

equipe gestora.

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid ,00 13 2,9 2,9 2,9

1,00 19 4,3 4,3 7,2

2,00 57 12,8 12,8 20,0

3,00 11 2,5 2,5 22,4

4,00 139 31,2 31,2 53,6

5,00 147 33,0 33,0 86,5

6,00 60 13,5 13,5 100,0

Total 446 100,0 100,0

G_26 - O(a) diretor(a) confia no trabalho dos professores dessa escola.

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid ,00 10 2,2 2,2 2,2

1,00 8 1,8 1,8 4,0

2,00 23 5,2 5,2 9,2

3,00 23 5,2 5,2 14,3

4,00 82 18,4 18,4 32,7

5,00 218 48,9 48,9 81,6

6,00 82 18,4 18,4 100,0

Total 446 100,0 100,0

Page 305: O PAPEL DA CONFIANÇA INTERPESSOAL E ...repositorio.unicamp.br/.../1/Oliveira_SaraBadraDe_D.pdfAutora: Sara Badra de Oliveira COMISSÃO JULGADORA: Profa. Dra. Mara Regina Lemes de

305

G_28 - O(a) diretor(a) trata todos os alunos com respeito.

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid ,00 3 ,7 ,7 ,7

1,00 7 1,6 1,6 2,2

2,00 15 3,4 3,4 5,6

3,00 16 3,6 3,6 9,2

4,00 39 8,7 8,7 17,9

5,00 186 41,7 41,7 59,6

6,00 180 40,4 40,4 100,0

Total 446 100,0 100,0

G_29 - Sinto-me como se estivesse sendo vigiada(o) em meu trabalho. (INVERTIDO)

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid ,00 18 4,0 4,0 4,0

1,00 24 5,4 5,4 9,4

2,00 55 12,3 12,3 21,7

3,00 33 7,4 7,4 29,1

4,00 63 14,1 14,1 43,3

5,00 159 35,7 35,7 78,9

6,00 94 21,1 21,1 100,0

Total 446 100,0 100,0

G_30 - A equipe gestora incentiva a participação de todos (professores, funcionários,

famílias e alunos) na definição do Projeto Pedagógico da escola.

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid ,00 8 1,8 1,8 1,8

1,00 17 3,8 3,8 5,6

2,00 39 8,7 8,7 14,3

3,00 32 7,2 7,2 21,5

4,00 88 19,7 19,7 41,3

5,00 178 39,9 39,9 81,2

6,00 84 18,8 18,8 100,0

Total 446 100,0 100,0

G_31 - O(a) diretor(a) compromete-se com o bem-estar de todos os estudantes.

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid ,00 4 ,9 ,9 ,9

1,00 5 1,1 1,1 2,0

Page 306: O PAPEL DA CONFIANÇA INTERPESSOAL E ...repositorio.unicamp.br/.../1/Oliveira_SaraBadraDe_D.pdfAutora: Sara Badra de Oliveira COMISSÃO JULGADORA: Profa. Dra. Mara Regina Lemes de

306

2,00 22 4,9 4,9 7,0

3,00 18 4,0 4,0 11,0

4,00 80 17,9 17,9 28,9

5,00 192 43,0 43,0 72,0

6,00 125 28,0 28,0 100,0

Total 446 100,0 100,0

G_32 - O(a) diretor(a) age de forma coerente com aquilo que foi combinado

coletivamente.

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid ,00 19 4,3 4,3 4,3

1,00 21 4,7 4,7 9,0

2,00 42 9,4 9,4 18,4

3,00 13 2,9 2,9 21,3

4,00 85 19,1 19,1 40,4

5,00 165 37,0 37,0 77,4

6,00 101 22,6 22,6 100,0

Total 446 100,0 100,0

G_33- O(a) orientador(a) pedagógico(a) está sempre combinando com os professores

ações pedagógicas para ajudar os alunos que mais precisam.

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid ,00 7 1,6 1,6 1,6

1,00 13 2,9 2,9 4,5

2,00 42 9,4 9,4 13,9

3,00 10 2,2 2,2 16,1

4,00 104 23,3 23,3 39,5

5,00 168 37,7 37,7 77,1

6,00 102 22,9 22,9 100,0

Total 446 100,0 100,0

G_34- O(a) diretor(a) desencoraja momentos coletivos de tomada de decisão sobre as

questões da escola. (INVERTIDO)

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid ,00 23 5,2 5,2 5,2

1,00 34 7,6 7,6 12,8

2,00 64 14,3 14,3 27,1

3,00 22 4,9 4,9 32,1

4,00 56 12,6 12,6 44,6

5,00 156 35,0 35,0 79,6

Page 307: O PAPEL DA CONFIANÇA INTERPESSOAL E ...repositorio.unicamp.br/.../1/Oliveira_SaraBadraDe_D.pdfAutora: Sara Badra de Oliveira COMISSÃO JULGADORA: Profa. Dra. Mara Regina Lemes de

307

6,00 91 20,4 20,4 100,0

Total 446 100,0 100,0

PR_36 - Os professores podem contar com a ajuda uns dos outros na condução do

trabalho cotidiano da escola.

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid ,00 4 ,9 ,9 ,9

1,00 4 ,9 ,9 1,8

2,00 21 4,7 4,7 6,5

3,00 11 2,5 2,5 9,0

4,00 111 24,9 24,9 33,9

5,00 185 41,5 41,5 75,3

6,00 110 24,7 24,7 100,0

Total 446 100,0 100,0

PR_38- Os professores respeitam uns aos outros.

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid ,00 4 ,9 ,9 ,9

1,00 6 1,3 1,3 2,2

2,00 19 4,3 4,3 6,5

3,00 4 ,9 ,9 7,4

4,00 66 14,8 14,8 22,2

5,00 220 49,3 49,3 71,5

6,00 127 28,5 28,5 100,0

Total 446 100,0 100,0

PR_39 - Os professores dessa escola gostam de se ouvir para aprender uns com os

outros.

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid ,00 4 ,9 ,9 ,9

1,00 11 2,5 2,5 3,4

2,00 29 6,5 6,5 9,9

3,00 21 4,7 4,7 14,6

4,00 127 28,5 28,5 43,0

5,00 172 38,6 38,6 81,6

6,00 82 18,4 18,4 100,0

Total 446 100,0 100,0

Page 308: O PAPEL DA CONFIANÇA INTERPESSOAL E ...repositorio.unicamp.br/.../1/Oliveira_SaraBadraDe_D.pdfAutora: Sara Badra de Oliveira COMISSÃO JULGADORA: Profa. Dra. Mara Regina Lemes de

308

PR_40 - Sinto-me à vontade para expor aos meus colegas professores as fragilidades e

dificuldades do meu trabalho.

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid ,00 4 ,9 ,9 ,9

1,00 8 1,8 1,8 2,7

2,00 44 9,9 9,9 12,6

3,00 19 4,3 4,3 16,8

4,00 88 19,7 19,7 36,5

5,00 195 43,7 43,7 80,3

6,00 88 19,7 19,7 100,0

Total 446 100,0 100,0

PR_41 - Quando um(a) professor(a) tem boas ideias sobre como trabalhar com os

alunos, ele(a) compartilha com os outros professores.

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid ,00 4 ,9 ,9 ,9

1,00 6 1,3 1,3 2,2

2,00 22 4,9 4,9 7,2

3,00 10 2,2 2,2 9,4

4,00 151 33,9 33,9 43,3

5,00 185 41,5 41,5 84,8

6,00 68 15,2 15,2 100,0

Total 446 100,0 100,0

PR_42- Eu confio na competência profissional dos professores dessa escola.

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid ,00 3 ,7 ,7 ,7

1,00 2 ,4 ,4 1,1

2,00 14 3,1 3,1 4,3

3,00 3 ,7 ,7 4,9

4,00 60 13,5 13,5 18,4

5,00 232 52,0 52,0 70,4

6,00 132 29,6 29,6 100,0

Total 446 100,0 100,0

PR_43 - Os professores tratam todos os alunos com respeito.

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid ,00 3 ,7 ,7 ,7

Page 309: O PAPEL DA CONFIANÇA INTERPESSOAL E ...repositorio.unicamp.br/.../1/Oliveira_SaraBadraDe_D.pdfAutora: Sara Badra de Oliveira COMISSÃO JULGADORA: Profa. Dra. Mara Regina Lemes de

309

1,00 8 1,8 1,8 2,5

2,00 33 7,4 7,4 9,9

3,00 10 2,2 2,2 12,1

4,00 86 19,3 19,3 31,4

5,00 207 46,4 46,4 77,8

6,00 99 22,2 22,2 100,0

Total 446 100,0 100,0

PR_45 - Os professores nunca desistem dos alunos, fazendo o máximo para contribuir

com a formação de todos.

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid ,00 2 ,4 ,4 ,4

1,00 8 1,8 1,8 2,2

2,00 38 8,5 8,5 10,8

3,00 10 2,2 2,2 13,0

4,00 111 24,9 24,9 37,9

5,00 183 41,0 41,0 78,9

6,00 94 21,1 21,1 100,0

Total 446 100,0 100,0

PR_46 - Os professores comprometem-se em avaliar e aprimorar constantemente seu

próprio trabalho.

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid ,00 2 ,4 ,4 ,4

1,00 6 1,3 1,3 1,8

2,00 33 7,4 7,4 9,2

3,00 15 3,4 3,4 12,6

4,00 105 23,5 23,5 36,1

5,00 197 44,2 44,2 80,3

6,00 88 19,7 19,7 100,0

Total 446 100,0 100,0

PR_47 - Os professores dificilmente ouvem uns aos outros, pois acham que os outros

professores têm pouco a contribuir. (INVERTIDO)

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid ,00 3 ,7 ,7 ,7

1,00 12 2,7 2,7 3,4

2,00 35 7,8 7,8 11,2

3,00 20 4,5 4,5 15,7

4,00 80 17,9 17,9 33,6

Page 310: O PAPEL DA CONFIANÇA INTERPESSOAL E ...repositorio.unicamp.br/.../1/Oliveira_SaraBadraDe_D.pdfAutora: Sara Badra de Oliveira COMISSÃO JULGADORA: Profa. Dra. Mara Regina Lemes de

310

5,00 180 40,4 40,4 74,0

6,00 116 26,0 26,0 100,0

Total 446 100,0 100,0

PR_49 - Nós professores temos a prática de avaliar nosso trabalho coletivamente,

refletindo e combinando juntos o que podemos melhorar.

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid ,00 5 1,1 1,1 1,1

1,00 15 3,4 3,4 4,5

2,00 57 12,8 12,8 17,3

3,00 28 6,3 6,3 23,5

4,00 136 30,5 30,5 54,0

5,00 149 33,4 33,4 87,4

6,00 56 12,6 12,6 100,0

Total 446 100,0 100,0

PR_50 - Os professores cumprem os combinados coletivos.

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid ,00 3 ,7 ,7 ,7

1,00 12 2,7 2,7 3,4

2,00 27 6,1 6,1 9,4

3,00 7 1,6 1,6 11,0

4,00 131 29,4 29,4 40,4

5,00 198 44,4 44,4 84,8

6,00 68 15,2 15,2 100,0

Total 446 100,0 100,0

S_51 - O(a) supervisor(a) conhece a realidade de nossa escola.

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid ,00 40 9,0 9,0 9,0

1,00 58 13,0 13,0 22,0

2,00 52 11,7 11,7 33,6

3,00 123 27,6 27,6 61,2

4,00 80 17,9 17,9 79,1

5,00 72 16,1 16,1 95,3

6,00 21 4,7 4,7 100,0

Total 446 100,0 100,0

S_52 - O(a) supervisor(a) mostra prontidão em comparecer à escola quando é solicitado

para ajudar a resolver algum problema.

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311

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid ,00 25 5,6 5,6 5,6

1,00 42 9,4 9,4 15,0

2,00 52 11,7 11,7 26,7

3,00 152 34,1 34,1 60,8

4,00 79 17,7 17,7 78,5

5,00 74 16,6 16,6 95,1

6,00 22 4,9 4,9 100,0

Total 446 100,0 100,0

S_53 - O(a) supervisor(a) nos ajuda a defender as necessidades da nossa escola.

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid ,00 40 9,0 9,0 9,0

1,00 53 11,9 11,9 20,9

2,00 62 13,9 13,9 34,8

3,00 135 30,3 30,3 65,0

4,00 80 17,9 17,9 83,0

5,00 62 13,9 13,9 96,9

6,00 14 3,1 3,1 100,0

Total 446 100,0 100,0

S_54 - A SME cria espaços e oportunidades para ouvir a opinião dos professores sobre

questões que impactam a qualidade da educação.

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid ,00 91 20,4 20,4 20,4

1,00 102 22,9 22,9 43,3

2,00 85 19,1 19,1 62,3

3,00 70 15,7 15,7 78,0

4,00 69 15,5 15,5 93,5

5,00 26 5,8 5,8 99,3

6,00 3 ,7 ,7 100,0

Total 446 100,0 100,0

S_55 - A voz dos professores é considerada pela SME nos processos de tomada de

decisões.

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid ,00 130 29,1 29,1 29,1

1,00 112 25,1 25,1 54,3

2,00 71 15,9 15,9 70,2

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312

3,00 66 14,8 14,8 85,0

4,00 56 12,6 12,6 97,5

5,00 10 2,2 2,2 99,8

6,00 1 ,2 ,2 100,0

Total 446 100,0 100,0

S_56 - A SME cumpre adequadamente sua parte de responsabilidade na garantia de uma

educação pública de qualidade.

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid ,00 91 20,4 20,4 20,4

1,00 108 24,2 24,2 44,6

2,00 80 17,9 17,9 62,6

3,00 52 11,7 11,7 74,2

4,00 86 19,3 19,3 93,5

5,00 24 5,4 5,4 98,9

6,00 5 1,1 1,1 100,0

Total 446 100,0 100,0

S_57 - A SME compromete-se com a melhoria da minha qualificação profissional,

criando espaços e oportunidades para isso.

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid ,00 29 6,5 6,5 6,5

1,00 57 12,8 12,8 19,3

2,00 63 14,1 14,1 33,4

3,00 26 5,8 5,8 39,2

4,00 151 33,9 33,9 73,1

5,00 100 22,4 22,4 95,5

6,00 20 4,5 4,5 100,0

Total 446 100,0 100,0

S_58 - No que se refere à infra-estrutura, a SME oferece boas condições de trabalho

para nossa escola.

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid ,00 77 17,3 17,3 17,3

1,00 92 20,6 20,6 37,9

2,00 91 20,4 20,4 58,3

3,00 24 5,4 5,4 63,7

4,00 108 24,2 24,2 87,9

5,00 49 11,0 11,0 98,9

6,00 5 1,1 1,1 100,0

Page 313: O PAPEL DA CONFIANÇA INTERPESSOAL E ...repositorio.unicamp.br/.../1/Oliveira_SaraBadraDe_D.pdfAutora: Sara Badra de Oliveira COMISSÃO JULGADORA: Profa. Dra. Mara Regina Lemes de

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Total 446 100,0 100,0

S_59 - A SME oferece boas condições de trabalho para nossa escola, no que se refere à

garantia de quadro completo de docentes, funcionários, e equipe gestora.

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid ,00 80 17,9 17,9 17,9

1,00 97 21,7 21,7 39,7

2,00 90 20,2 20,2 59,9

3,00 22 4,9 4,9 64,8

4,00 100 22,4 22,4 87,2

5,00 53 11,9 11,9 99,1

6,00 4 ,9 ,9 100,0

Total 446 100,0 100,0

S_60 - Em termos de salário/jornada/formação, os professores têm boas condições de

trabalho nessa rede.

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid ,00 27 6,1 6,1 6,1

1,00 54 12,1 12,1 18,2

2,00 103 23,1 23,1 41,3

3,00 16 3,6 3,6 44,8

4,00 136 30,5 30,5 75,3

5,00 91 20,4 20,4 95,7

6,00 19 4,3 4,3 100,0

Total 446 100,0 100,0

S_61 - Estou satisfeita(o) com o desempenho do atual governo municipal na área da

educação.

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid ,00 170 38,1 38,1 38,1

1,00 105 23,5 23,5 61,7

2,00 72 16,1 16,1 77,8

3,00 29 6,5 6,5 84,3

4,00 58 13,0 13,0 97,3

5,00 10 2,2 2,2 99,6

6,00 2 ,4 ,4 100,0

Total 446 100,0 100,0