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Racismo e sexismo no Brasil Para melhor analisar o papel da mulher negra no Brasil é necessário entender a dinâmica das duas formas de discriminação que ela enfrenta no país: o racismo e o sexismo. É importante ressaltar que a situação da mulher negra suas lutas! suas opress"es# não resulta apenas da $ustaposição das condiç"es das duas minorias que ela representa% o feminismo negro possui uma agenda particular que! mais do que promo&er a igualdade racial ou de g'nero! (uscam li(ertá)la dos papéis que a sociedade designa.  *élia +on,ales! em Racismo e sexismo na cultura brasileira ! destaca tr's estere-tipos: a mulata! a doméstica e a mãe preta. la os descre&e e demonstra como foram inseridos na cultura e no inconsciente coleti&o nacional pelo discurso do dominador! esta( elecendo um paralelo com a psicanálise e utili,ando os conceitos de mem-ria e consci'ncia.  / mulata possui um papel central no 0arna&al! o e&ento que a$uda a sustentar o mito da democracia racial (rasileira. / crença de que não há discriminação racial no Brasil e que todos aceitam a miscigenação inerente a composição demográfica do país reforçada durante a época de festa! quando as pessoas se relacionam sem aparente discriminação racial e dançam ao som de m1sicas que poderiam ser africanas! na democracia dos (locos de rua.  / id eia de democracia racia l é! por definição! a negação d o racismo no Brasil! o que constitui uma das principais dificuldades para enfrenta)lo. 2ua inexist'ncia e a presença do racismo no país podem ser atestada por algumas ideias do senso comum! como exemplifica +on,ales:  / primeira coisa que a gente perce(e! nesse papo de racismo é que todo mundo acha que é natural. 3ue negro tem mais é que &i&er na miséria. Por que4 5ra! porque ele tem umas qualidades que não estão com nada: irresponsa(ilidade! incapacidade intelectual! criancice! etc. e tal Por ser o elemento mais representati&o da promoção da imagem de um país inclusi&o e li&re de preconceitos! a mulata é a mais afetada pelo fim do 0arna&al e su(sequente enfraquec imento do mito! saindo do extraordinário para o comum. 2egundo a autora: 0omo todo mito! o da democracia racial oculta algo para além daquilo que mostra. 6uma primeira aproximação! constatamos que exerce sua &iol'ncia sim(-lica de maneira especial so(re a mulher negra. Pois o outro lado do

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Racismo e sexismo no Brasil

Para melhor analisar o papel da mulher negra no Brasil é necessário entender 

a dinâmica das duas formas de discriminação que ela enfrenta no país: o racismo e

o sexismo. É importante ressaltar que a situação da mulher negra suas lutas! suas

opress"es# não resulta apenas da $ustaposição das condiç"es das duas minorias

que ela representa% o feminismo negro possui uma agenda particular que! mais do

que promo&er a igualdade racial ou de g'nero! (uscam li(ertá)la dos papéis que a

sociedade designa.

 *élia +on,ales! em Racismo e sexismo na cultura brasileira! destaca tr's

estere-tipos: a mulata! a doméstica e a mãe preta. la os descre&e e demonstracomo foram inseridos na cultura e no inconsciente coleti&o nacional pelo discurso do

dominador! esta(elecendo um paralelo com a psicanálise e utili,ando os conceitos

de mem-ria e consci'ncia.

 / mulata possui um papel central no 0arna&al! o e&ento que a$uda a sustentar 

o mito da democracia racial (rasileira. / crença de que não há discriminação racial

no Brasil e que todos aceitam a miscigenação inerente a composição demográfica

do país reforçada durante a época de festa! quando as pessoas se relacionam semaparente discriminação racial e dançam ao som de m1sicas que poderiam ser

africanas! na democracia dos (locos de rua.

 / ideia de democracia racial é! por definição! a negação do racismo no Brasil!

o que constitui uma das principais dificuldades para enfrenta)lo. 2ua inexist'ncia e a

presença do racismo no país podem ser atestada por algumas ideias do senso

comum! como exemplifica +on,ales:

 / primeira coisa que a gente perce(e! nesse papo de racismo é que todomundo acha que é natural. 3ue negro tem mais é que &i&er na miséria. Porque4 5ra! porque ele tem umas qualidades que não estão com nada:irresponsa(ilidade! incapacidade intelectual! criancice! etc. e tal

Por ser o elemento mais representati&o da promoção da imagem de um país

inclusi&o e li&re de preconceitos! a mulata é a mais afetada pelo fim do 0arna&al e

su(sequente enfraquecimento do mito! saindo do extraordinário para o comum.

2egundo a autora:

0omo todo mito! o da democracia racial oculta algo para além daquilo quemostra. 6uma primeira aproximação! constatamos que exerce sua &iol'nciasim(-lica de maneira especial so(re a mulher negra. Pois o outro lado do

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endeusamento carna&alesco ocorre no cotidiano dessa mulher! no momentoem que ela se transfigura na empregada doméstica. É por aí que aculpa(ilidade engendrada pelo seu endeusamento se exerce com fortescargas de agressi&idade. É por aí! tam(ém! que se constata que os termosmulata e doméstica são atri(uiç"es de um mesmo su$eito.

ssa dualidade mulata)doméstica pode ser encontrada! no período

escra&ocrata! na figura da mucama! que tam(ém assume o papel da mãe preta.

7une . 8ahner! em A Mulher no Brasil ! assim a descre&e:

a escra&a de cor criou para a mulher (ranca das casas grandes e dasmenores! condiç"es de &ida amena! fácil e da maior parte das &e,es ociosa.0o,inha&a! la&a&a! passa&a a ferro! esfrega&a de $oelhos o chão das salas edos quartos! cuida&a dos filhos da senhora e satisfa,ia as exig'ncias dosenhor. 9inha seus pr-prios filhos! o de&er e a fatal solidariedade deamparar seu companheiro! de sofrer com os outros escra&os da sen,ala e

do eito e de su(meter)se aos castigos corporais que lhe eram!pessoalmente! destinados.

5utro aspecto rele&ante da mucama é o de! por meio de seu tra(alho na

0asa +rande! aumentar as diferenças entre as pr-prias condiç"es e as da mulher

(ranca! sendo responsá&el pelas atri(uiç"es da família e da casa desta! além das

suas pr-prias. as ela tam(ém é responsá&el por uma mudança! mesmo que sutil

no status quo! segundo +on,ales:

;sto porque! o senhor aca(a&a por assumir posiç"es antiecon<micas!determinadas por sua postura sexual% como hou&esse negros quedisputa&am com ele no terreno do amor! partia para a apelação! ou se$a! atortura e a &enda dos concorrentes.

 / moderna &ersão da mucama! a doméstica! perde algumas dessas

atri(uiç"es! mas ganha algumas atri(uiç"es de&ido a perda da mão de o(ra no

n1cleo familiar! como afirma a autora:

;sto porque seu homem! seus irmãos ou seus filhos são o($eto deperseguição policial sistemática esquadr"es da morte! =mãos (rancas estãoaí matando negros > &ontade% o(ser&e)se que são negros $o&ens! com

menos de trinta anos. Por outro lado! que se &e$a quem é a maioria dapopulação carcerária deste país#.

6esse aspecto! estão reunidos homens e mulheres negras na luta contra o

racismo. as as mulheres! apesar das diferenças raciais! tam(ém são unificadas

pelo feminismo. Pode)se perce(er uma certa preponderância desse mo&imento no

sentido em que são mais comuns rein&indicaç"es de =enegrecer o feminismo? do

que =tornar o mo&imento negro mais feminista?.

 / opressão do patriarcado recai fortemente so(re as mulheres na forma deo($etificação! que é tam(ém característica do sistema escra&ista. as uma das

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figuras citada por +on,ales escapa a essa l-gica! e é humani,ada! mesmo na

condição de escra&a: a mãe preta! ou a (á. la é responsá&el pelo ensino da

linguagem! de &alores! e por parte do processo de sociali,ação! tendo um papel

importante na formação de crianças (rancas! tendo um impacto significati&o na

formação da cultura (rasileira! pois influencia (rancos e negros. @epresenta um

papel am(íguo! mas que +on,ales sinteti,a:

5 que a gente quer di,er é que ela não é esse exemplo extraordinário de

amor e dedicação totais como querem os (rancos e nem tampouco essa

entreguista! essa traidora da raça como quem alguns negros muito

apressados em seu $ulgamento. la! simplesmente! é a mãe.

 / mãe preta é mencionada por 0onceição &aristo em Da representação à

auto-apresentação da Mulher Negra na Literatura Brasileira:

Am aspecto a o(ser&ar é a aus'ncia de representação da mulher negracomo mãe! matri, de uma família negra! perfil delineado para as mulheres(rancas em geral. ata)se no discurso literário a prole da mulher negra.3uanto > mãe)preta! aquela que causa comiseração ao poeta! cuida dosfilhos dos (rancos em detrimento dos seus. 6a ficção! quase sempre! asmulheres negras surgem como infecundas e por tanto perigosas.

 6o mesmo ensaio! a presença de outros estere-tipos é identificada na

literatura colonial! como nos poemas de +reg-rio de atos! por exemplo. 5 poeta!

assim como outros escritores mencionados no ensaio! contri(uiu para o

enrai,amento desses preconceitos! o que le&a a autora a questionar:

m(ora! a representação materna em muitos textos literários possadesagradar tam(ém >s mulheres (rancas em geral! o que se pretendeargumentar aqui é: qual seria o significado da não representação maternapara a mulher negra na literatura (rasileira4 staria o discurso literário!como o hist-rico! procurando apagar os sentidos de uma matri, africana nasociedade (rasileira4 9eria a literatura a tend'ncia em ignorar o papel damulher negra na formação da cultura nacional4

  /s representaç"es literárias podem mostrar tam(ém outra diferença da situação da

mulher negra e da mulher (ranca! como mostra 2ueli 0arneiro em Enegrecer o

eminismo! A situação da mulher negra na Am"rica Latina a partir de uma

 perspecti#a de g$nero:

3uando falamos em romper com o mito da rainha do lar! da musa idolatradados poetas! de que mulheres estamos falando4 /s mulheres negras fa,emparte de um contingente de mulheres que não são rainhas de nada! que sãoretratadas como antimusas da sociedade (rasileira! porque o modelo

estético de mulher é a mulher (ranca. 3uando falamos em garantir asmesmas oportunidades para homens e mulheres no mercado de tra(alho!estamos garantindo emprego para que tipo de mulher4

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 / resist'ncia a essas representaç"es dá)se! como demonstra &aristo! pela

auto)apresentação de mulheres negras! como +eni +uimarães! smeralda @i(eiro!

iriam /l&es! *ia ieira! 0elinha! @oseli 6ascimento! /na 0ru, e ãe Beata de

;emon$á! na literatura recente! e as precursoras aria Cirmina dos @eis e 0arolina

aria de 7esus. &aristo destaca! mais uma &e,! o papel da mãe preta e o dessas

escritoras na resist'ncia:

ntretanto! se a literatura constr-i as personagens femininas negras sempredesgarradas de seu n1cleo de parentesco! é preciso o(ser&ar que a famíliarepresentou para a mulher negra uma das maiores formas de resist'ncia ede so(re&i&'ncia. 0omo heroínas do cotidiano desen&ol&em suas (atalhaslonge de qualquer clamor de gl-rias. ães reais eDou sim(-licas! como asdas 0asas de /xé! foram e são elas! muitas &e,es so,inhas! as grandes

responsá&eis não s- pela su(sist'ncia do grupo! assim como pelamanutenção da mem-ria cultural no interior do mesmo.

2e há uma literatura que nos in&i(ili,a ou nos ficcionali,a a partir deestere-tipos &ários! há um outro discurso literário que pretende rasurarmodos consagrados de representação da mulher negra na literatura. /ssenhoreando)se =da pena?! o($eto representati&o do poder faloc'ntrico(ranco! as escritoras negras (uscam inscre&er no corpus literário (rasileiroimagens de uma auto)representação. 0riam! então! uma literatura em que ocorpo)mulher)negra deixa de ser o corpo do =outro? como o($eto a serdescrito! para se impor como su$eito)mulher)negra que se descre&e! a partirde uma su($eti&idade pr-pria experimentada como mulher negra nasociedade (rasileira. Pode)se di,er que o fa,er literário das mulheresnegras! para além de um sentido estético! (usca semanti,ar um outromo&imento! ou melhor! se inscre&e no mo&imento a que a(riga todas asnossas lutas. 9oma)se o lugar da escrita! como direito! assim como se tomao lugar da &ida

 /s duas autoras ressaltam o papel da mulher negra na formação da cultura

(rasileira% e destacam a supressão desse papel como uma forma importante de

perpetuação dos estere-tipos relati&os > mulher negra! assim como do seu

reconhecimento como forma de resist'ncia aos mesmos.

Conclusão

ste artigo iniciou sua análise do papel da mulher negra na sociedade

(rasileira contemporânea por meio de uma contextuali,ação hist-rica

 /(ordou tam(ém a questão o duplo fen<meno do racismo e do sexismo no

Brasil! tomando como (ase os tr's estere-tipos identificados por *élia +on,ales!

que caracteri,am a particularidade dessa ocorr'ncia simultânea. ;dentificou a

presença dos tr's na literatura (rasileira e apontou um caminho de resist'ncia >s

opress"es no que 0onceição &aristo chamou de =auto)apresentação? literária.

 /lém disso! tratou da questão racial no feminismo

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Por fim! com (ase nessas delimitaç"es! atingiu o o($eti&o a que se propunha!

com uma análise do papel da mulher negra

@efer'ncias:

+56E/*E! *élia. @acismo e sexismo na cultura (rasileira. Ciências sociais hoje! &. F! p.

FFG)FHI! JKLG.

/@;295! 0onceição. Ma representação > auto)apresentação da mulher negra na literatura

(rasileira. Revista Palmares: cultura afro-brasileira! p. IF)IN! FOOI.

0/@6;@5! 2ueli. negrecer o feminismo: a situação da mulher negra na /mérica *atina a

partir de uma perspecti&a de g'nero. Racismos contemporâneos. Rio de aneiro: !a"ano #ditora!

p. HK)IL! FOOG.

8/86@! 7une dith d.#. $ mulher no Brasil. 0i&ili,ação (rasileira! JKNL.