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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE FRANCISCA ANDRA SILVA OLIVEIRA O PAPEL DO JUDICIÁRIO NAS POLÍTICAS PÚBLICAS: UMA ANÁLISE DAS AÇÕES DE CONCESSÃO DE MEDICAMENTOS FORTALEZA 2013

O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E

SOCIEDADE

FRANCISCA ANDRA SILVA OLIVEIRA

O PAPEL DO JUDICIÁRIO NAS POLÍTICAS PÚBLICAS: UMA ANÁLISE DAS AÇÕES DE CONCESSÃO DE MEDICAMENTOS

FORTALEZA 2013

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FRANCISCA ANDRA SILVA OLIVEIRA

O PAPEL DO JUDICIÁRIO NAS POLÍTICAS PÚBLICAS: UMA ANÁLISE DAS AÇÕES DE CONCESSÃO DE MEDICAMENTOS

Dissertação submetida à Coordenação do Curso de Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade - MAPPS da Universidade Estadual do Ceará - UECE, como requisito para obtenção do grau de Mestre em Políticas Públicas e Sociedade Orientação: Profª. Drª. Mônica Dias Martins

FORTALEZA 2013

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Dedico esta dissertação a minha família, meus pais e irmãos, que sempre ao meu lado, me ajudam a seguir em frente em todos os momentos.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por quem tantas vezes chamo e que está sempre presente em meus lábios nos diversos “meu Deus, ajudai-me!” e “Meu Deus do céu”. Agradeço pelas alegrias e pelos obstáculos nesses dois anos de mestrado. Agradeço pelas pessoas que conheci, pelos amigos que fiz e pelas pessoas que se fizeram lições para mim. Aos meus pais! Exemplo de coragem, de crença e de força no seguir em frente. Ao meu pai, pelo olhar compassivo, o sorriso gentil e as palavras sábias nos momentos certos. A minha mãezinha, que assim como muitos outros que começaram a trabalhar cedo para ajudar a família, não teve a oportunidade de estudar e hoje se orgulha de que seus filhos tenham chegado a Universidade. Vocês são meus exemplos. Aos meus maninhos ... André, pela alegria de todas as horas e o carisma que faz germinar a amizade até mesmo nos corações mais endurecidos. Drica ... minha amiga-irmã, que me escuta e me ajuda em todos os momentos. Sarinha ... companheira de debates, amante dos livros e defensora ferrenha de Rachel de Queiroz. Obrigada pela paciência e pelo carinho nesse período. Eu os amo muito e me orgulho de vocês. Com especial carinho a família McClure, Claudia, David e Davidzinho. Grandes amigos, grandes mestres. Se os amigos são a família que Deus nos permitiu escolher, sou extremamente grata a Ele por ter me dado a oportunidade de conhecê-los e tê-los como meus amigos. Deus os abençoe! A Ozzie Ruiz Figueroa pelo carinho, cumplicidade e companheirismo quando mais precisei. Nunca vou esquecer. Ao Professor Hermano Ferreira Machado, meu primeiro orientador e que sempre me impressionou pela simplicidade. As conversas sempre ornamentadas pela sua erudição me renderam grandes ideias e lições que vou levar mundo afora. Ao Professor Filomeno Moraes que gentilmente participou da minha qualificação, me honrando com sua presença e críticas. Aos professores do Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade; e a Cristina e a Débora por toda a ajuda nesse período. Por último, mas não menos importante, a minha orientadora, Mônica Dias Martins. Nem sei o que dizer para lhe agradecer. Sua ajuda, sua disponibilidade, sua gentileza me marcaram muitíssimo, especialmente considerando o momento em quem lhe propus ser minha orientadora, quase as vésperas da qualificação. Sou profundamente grata por cada correção, cada crítica e cada comentário rabiscado nos meus manuscritos. Obrigada por assumir com zelo a sua profissão. Muito obrigada!

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Amor e verdade são fontes de vida, são a vida. E uma vida sem amor não é vida.

Papa Bento XVI

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RESUMO

Este trabalho apresenta um estudo sobre a questão da judicialização das Políticas Públicas no Brasil, tendo como exemplo a questão das ações de concessão de medicamentos. A judicialização em si, significa que questões importantes do ponto de vista político – como as políticas públicas – e que historicamente ficavam ao encargo do Legislativo e do Executivo tem sido decididas em caráter final pelo Poder Judiciário. No primeiro capítulo, analisamos a trajetória da judicialização, revisando obras de autores que se debruçaram sobre a questão mais atentamente. No segundo capítulo, partimos para o nosso exemplo, apresentando a judicialização no Brasil, caracterizando historicamente o desenvolvimento da saúde pública no país. Explicamos o que vem a ser as ações de concessão de medicamentos e apresentamos alguns posicionamentos favoráveis/desfavoráveis a essas ações. No terceiro capítulo, nos debruçamos mais atentamente sobre casos específicos, dando prioridade ao caso da jovem Clarice de Abreu, originário de Fortaleza/CE, que foi levado ao STF e gerou uma audiência pública para discutir as ações de concessão de medicamentos na mais alta Corte do país. Palavras-chave: Judicialização da Política. Políticas Públicas. Saúde Pública. Poder Judiciário. Concessão de Medicamentos.

ABSTRACT This paper presents a study on the issue of legalization of Public Policies in Brazil, taking as an example the issue of actions to grant drugs. Judicialization itself means that important issues of political viewpoint - as public policy - and that historically were the burden of the Legislature and the Executive has been decided in finality by the judiciary. In the first chapter, we analyze the trajectory of judicialization, reviewing works of authors who have studied the issue more closely. In the second chapter, we left for our example, showing the judicialization in Brazil, featuring historical development of public health in the country. We explain what has to be the actions of granting medicines and present some positions favorable / unfavorable to these actions. In the third chapter, we examine more closely on specific cases, giving priority to the case of the young Clarice de Abreu, originally from Fortaleza / CE, which was taken to the STF and generated a public hearing to discuss the actions to provide medicines in the highest court of the country. Keywords: Legalization of Politics. Public Policy. Public Health. Judiciary. Concession of Medicines.

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Orientação Preponderante de Decisões Judiciais por Instância - % de

Concordância .................................................................................................... .42

Tabela 2: Orientação Preponderante de decisões Judiciais por tempo na

Magistratura - % de Concordância .................................................................... .42

Tabela 3: Ao julgar, o juiz deve levar em conta o impacto de sua decisão em

termos sociais, econômicos e de governabilidade? (Em números absolutos) .. .43

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................. .11

CAPÍTULO I: A EXPANSÃO DO PODER JUDICIAL:

JUDICIALIZAÇÃO E POLÍTICA .............................................................. .24

Ativismo judicial: juízes protagonistas? ........................................................... .30

O Poder Judiciário e as políticas públicas: um novo agente implementador? .. .40

CAPÍTULO II: JUDICIALIZAÇÃO E SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL:

AS AÇÕES DE CONCESSÃO DE MEDICAMENTOS ............................ .44

CAPÍTULO III: AS POLÍTICAS DE SAÚDE VÃO AO TRIBUNAL –

CONCESSÃO DE MEDICAMENTOS E TRATAMENTOS CLÍNICOS . 55

No Sudeste do País: São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais ....................... .57

A Constituição de 1988 e a política pública de fornecimento de medicamentos e

tratamentos clínicos do SUS ............................................................................. .65

Estudo de caso: a jovem Clarice Abreu de Castro Neves e a concessão do

remédio Zavesca ................................................................................................ .78

CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 83

REFERÊNCIAS ............................................................................................... 86

ANEXOS ........................................................................................................... 93

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INTRODUÇÃO

Nossa pesquisa se propôs a estudar a “judicialização da política”, buscando

compreender o que chamamos de expansão do Poder Judicial no Brasil. Nossa ideia é

contextualizar o fenômeno, procurando conhecer como ocorre na Europa e nos EUA, em

especial, e posteriormente estabelecendo relações e comparações com o caso brasileiro. O

estudo analisa as ações de concessão de medicamentos que levam ao contexto do tribunal uma

política pública de saúde.

Para Teresa Sadek (2011, p.7), nesse início de século XXI, o juiz “boca da lei” de

fato, virou um recurso de retórica. Na verdade, os magistrados tem marcado presença na arena

política participando ativamente de debates sobre temas polêmicos que aos poucos invadem

as varas e os tribunais do país. Poucos contestam que nos últimos anos, juízes,

desembargadores, ministros de tribunais superiores tornaram-se figuras mais conhecidas do

que eram no passado. Para ilustrar, basta lembrar que, na última década, o Supremo Tribunal

Federal impôs a fidelidade partidária, decidiu sobre o direito de greve de servidores públicos,

proibiu o nepotismo no setor público, arbitrou sobre o uso de células-tronco e, por fim, julgou

um episódio de corrupção no Brasil, o “mensalão”, com grande repercussão na mídia nacional

e internacional.

Os conflitos que decorrem dessas decisões são sempre amplamente noticiados.

Um bom exemplo é a manifestação de partidos políticos, no início de 2010, criticando a

resolução do Tribunal Superior Eleitoral que restringiu as chamadas doações ocultas e

obrigou os candidatos a apresentarem certidão criminal digitalizada. O líder do governo na

Câmara dos deputados, Cândico Vacarezza (PT-SP), afirmou que o “TSE não tem autoridade

para fazer modificações na lei eleitoral. A resolução do Tribunal tem que ser feita com base

na lei e não ao arrepio da lei”. (SADEK, 2011, p.17)

Da mesma forma, o presidente da República na época, Luís Inácio Lula da Silva,

disse que “Não podemos ficar subordinados, a cada eleição, ao juiz que diz o que a gente pode

ou não fazer (...) Não podemos permitir que nosso destino fique correndo de tribunal para

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tribunal”1

São numerosos e enfáticos os protestos por parte de administradores públicos

questionando determinações judiciais, sob o argumento da impossibilidade orçamentária ou

material de cumpri-las. Devido à enorme repercussão, destacam-se as decisões por parte de

magistrados que obrigam a internação de doentes em hospitais, ou a concessão de

medicamentos, ou ainda a paralisação de obras públicas.

Mas o que faz o Poder Judiciário emergir como protagonista no debate de

questões polêmicas, que aos poucos migram da arena legislativa e passam a ser decididas nos

tribunais?

Para alguns autores, como Vallinder (1995, p.24), essa judicialização de questões

políticas relaciona-se diretamente com a expansão e ascensão do Poder Judiciário em várias

partes do mundo, especialmente nos países europeus. Para o professor da Universidade de

Yale, Alec Stone Sweet (2000, p.35-36):

A visão prevalecente nas democracias parlamentares tradicionais de ser necessário evitar um ‘governo de juízes, reservando ao Judiciário apenas uma atuação como legislador negativo, já não corresponde à prática politica atual. Tal compreensão da separação de Poderes encontra-se em ‘crise profunda’ na Europa Continental.

Na América do Sul, este fenômeno tem sido estudado com bastante afinco por

Rodrigo Uprimny (2007, p 15), que destaca o fortalecimento do Poder Judiciário na Colômbia

como um efeito da perda de credibilidade dos outros poderes do Estado em virtude,

sobretudo, da corrupção. Os cidadãos colombianos tendem a crer que o Poder Judiciário pode

ser um caminho mais útil e eficiente para assegurar seus direitos fundamentais, mesmo que

não tenham votado em qualquer dos juízes presentes nos tribunais. Esse detalhe destaca uma

particularidade do fenômeno: a possibilidade de que membros de um poder não eleito, como o

1 Jornal O Estado de São Paulo, p. A8, 09.04.2010. 2 O controle abstrato de constitucionalidade se encontra previsto no art. 102 (STF) e no art. 125, § 2º. O STF controla a constitucionalidade de lei federal e de lei estadual frente à Constituição da República, e o Tribunal de Justiça local controla a constitucionalidade de lei estadual e de lei municipal, face à Constituição do Estado. A finalidade do controle abstrato é declarar a inconstitucionalidade da lei em tese (em abstrato). É o que a doutrina jurídica chama de defesa do Ordenamento Jurídico. 3 Checks and balances, ou sistema de freios e contrapesos. Fundamentado na Teoria da separação dos Poderes de

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Judiciário, revisem e decidam sobre políticas desenhadas e propostas por representantes

eleitos pelo povo. Mas isso constitui uma particularidade a ser analisada mais adiante.

No Brasil, Werneck Vianna foi um dos primeiros a contextualizar e dar ao assunto

status acadêmico em sua obra “A judicialização das relações sociais no Brasil” (1997).

Analisando a quantidade de ADINS (Ações Diretas de Inconstitucionalidade) endereçadas ao

Supremo Tribunal Federal (STF), Werneck conclui que ao Judiciário foi incumbida a tarefa

de exercer um controle sobre a vontade do soberano – o Executivo – tendo sido adotado um

modelo de controle abstrato2 da constitucionalidade das leis.

A Constituição Federal de 1988 confiou ao órgão máximo do Judiciário, o STF, a

atribuição desse controle, que lhe garante o poder da última palavra quanto ao tema da

interpretação constitucional das normas. Logo criadas, as ADINS passaram a ser vistas como

instrumento de significativa importância para os direitos da cidadania e para a racionalização

da administração pública.

Os anos 90 confirmam a supremacia dos chamados “neoliberais”. Cresceu o uso

das medidas provisórias como instrumento de regulação da sociedade, notadamente no âmbito

de matérias de natureza econômica. A necessidade de dar continuidade a estas disposições

gera nos governos atuais a característica de presidencialismo de coalizão, provocando a união

mais improvável de partidos. As medidas provisórias, a bem da verdade, são fruto da relação

entre Executivo e Legislativo, que negociam com suas competências. O parlamento,

pressionado pelos governos estaduais, utiliza seu poder de dar continuidade às medidas do

Executivo como moeda de troca com o governo federal. Isso se percebe pela aprovação

massiva das matérias propostas pelo Executivo no Congresso Nacional em um curto espaço

de tempo.

Segundo Werneck, o uso continuado das medidas provisórias provoca a corrosão

das formas de controle parlamentar do Executivo, cabendo ao Judiciário controlá-lo sozinho.

2 O controle abstrato de constitucionalidade se encontra previsto no art. 102 (STF) e no art. 125, § 2º. O STF controla a constitucionalidade de lei federal e de lei estadual frente à Constituição da República, e o Tribunal de Justiça local controla a constitucionalidade de lei estadual e de lei municipal, face à Constituição do Estado. A finalidade do controle abstrato é declarar a inconstitucionalidade da lei em tese (em abstrato). É o que a doutrina jurídica chama de defesa do Ordenamento Jurídico.

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Em havendo uma coalizão entre Executivo e Legislativo e consequente elaboração desmedida

de legislações em conformidade com o interesse da União, a competência fiscal do Judiciário

acaba por tornar-se um trabalho árduo e enorme. Recai sobre o Judiciário, assim, toda a

responsabilidade do conhecido checks and balances3.

Com a finalidade de “compensar a tirania da maioria, sempre latente na fórmula

brasileira de presidencialismo de coalizão”, o judiciário acaba por judicializar a política no

Brasil. Nas visionárias palavras de Werneck Vianna, já que o texto data de 1999 –, época em

que poucos percebiam o fenômeno emergente:

O Tribunal começa a migrar, silenciosamente, de coadjuvante na produção legislativa do poder soberano, de acordo com os cânones clássicos do republicanismo jacobino, para uma de ativo guardião da Carta Constitucional e dos direitos fundamentais da pessoa humana (VIANNA, 1999, P.51)

Busca-se então, uma resposta à seguinte questão: porque aos poucos várias

questões, especialmente relativas aos direitos fundamentais, estão sendo judicializadas? A

resposta que se apresenta é que o Direito tem invadido todas as relações e o aplicador (Poder

Judiciário) acaba sendo levado a intervir a todo o momento. Isso porque o Direito no mundo

contemporâneo tem alcançado todas as relações sociais. Mesmo as práticas sociais de

natureza tipicamente privadas, como o ambiente familiar, sofrem intervenção estatal quando

este dita a forma de tratamento que deve ser dispensado pelos pais ou responsáveis aos

menores impúberes, ou:

(...) mulheres vitimizadas, aos pobres e ao meio ambiente, passando pelas crianças e pelos adolescentes em situação de risco, pelos dependentes de drogas e pelos consumidores inadvertidos -, os novos objetos sobre os quais se debruça o Poder Judiciário, levando a que as sociedades contemporâneas se vejam, cada vez mais, enredadas na semântica da justiça. É, enfim, a essa crescente invasão do direito na organização da vida social que se convencionou chamar de judicialização das relações sociais (VIANNA, 1999, p.149).

Ainda segundo Werneck, foi a “incapacidade de o Executivo e o Legislativo

fornecerem respostas efetivas à explosão das demandas sociais por justiça” que fez repousar

no judiciário a esperança da concretização da democracia e da cidadania na recente história

3 Checks and balances, ou sistema de freios e contrapesos. Fundamentado na Teoria da separação dos Poderes de Montesquieu, significa em termos práticos um sistema onde os três Poderes se complementam, sendo que cada poder é controlado pelos outros dois, evitando desmandos e sobreposição de um único poder.

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democrática brasileira. Enquanto o Legislativo perde espaço na função legislativa para o

Executivo, este, por sua vez, deixa de lado as funções de administração do bem-estar, “sendo

progressivamente alçado à condição de uma agência tecnoburocrática que responde, de forma

contingente e arbitrária, às variações da imediata conjuntura econômica” (VIANNA, 1999, p.

152). Na ausência de Estado, ou de outras formas de regulação social – como a religião fora

outrora –, com a falta de ideologia e a desorganização das estruturas familiares em constante

crise decorrente das mudanças culturais, coube ao Judiciário o papel de regulador social.

Luís Roberto Barroso (2009, p.28), jurista renomado, também destacou o caso

específico da frequente propositura de ações relativas à concessão de medicamentos e

tratamentos clínicos não oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), junto aos tribunais.

Estas ações se apresentam como um pequeno recorte de um grande painel, em que tantas

outras questões referentes às políticas públicas são submetidas ao crivo do Poder Judiciário.

A partir dos direitos fundamentais assegurados pela Constituição e considerando

as políticas públicas existentes, são encaminhadas ao Judiciário ações questionando a

eficiência dessas políticas, sua viabilidade, ou simplesmente pleiteando liminares relativas a

casos não contemplados pelas políticas públicas implantadas pelo Executivo. É o que pode ser

visualizado analisando-se as ações de concessão de medicamentos.

O SUS foi criado pela Constituição Federal de 1988 com a finalidade de alterar a

situação de desigualdade na assistência à saúde da população, ao instituir um sistema de saúde

público, que oferecesse atendimento a qualquer cidadão. O sistema é amplo e engloba receitas

vindas não apenas da União, mas dos Estados e Municípios. Através do SUS todos os

cidadãos têm direito a consultas, exames, internações e tratamentos, além da possibilidade de

receber medicamentos, alguns de elevado valor, que são comprados e disponibilizados pelo

poder público. Para que isto ocorra, é feita uma lista prévia com os medicamentos que podem

ser fornecidos pelo SUS, ressaltando-se que, de acordo com a conveniência da Administração,

nem todos os medicamentos receitados por médicos para o tratamento das mais diversas

doenças, são contemplados.

Esta limitação enseja as ações de concessão de medicamentos, geralmente

envolvendo pacientes com doenças graves que após consultas com médicos da rede pública,

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ou mesmo da rede particular, recebem a indicação de um medicamento ou tratamento caro4 e

que por suas condições financeiras não podem arcar. Baseados, então, no artigo 196 da

Constituição Federal de 1988 que dispõe que o direito a saúde deve ser garantido pelo Estado,

essas pessoas, por meio de seus advogados, ingressam com ações requerendo a concessão do

medicamento (ou tratamento) receitado pelo médico.

De fato, o êxito dessas ações tem crescido a olhos vistos, a despeito das tentativas

das Procuradorias da União, Estados e Municípios em demonstrar a falta de legitimidade do

Poder Judiciário para decidir quanto a execução do SUS. Nos anos 2000-2002, os tribunais

tendiam a rejeitar essas ações, acatando a argumentação estatal de que as políticas públicas só

podem ser definidas pelos poderes Executivo e Legislativo, mediante aprovação de lei

orçamentária, prevendo os recursos destinados à consecução da política pública tratada.

Acatava-se largamente, à época, o princípio da reserva do possível, que diz, grosso modo, que

o Estado, partindo de seus escassos recursos, deve limitar-se a conceder o que é possível, pois

não é capaz de assegurar e satisfazer todas as necessidades de seus cidadãos.

Nesse âmbito, os direitos sociais, especialmente o direito à saúde, previstos na

Constituição, são vistos de forma programática, como parte de um plano a ser executado pelo

governo de acordo com suas possibilidades e seus recursos. A ex-ministra do STF, Ellen

Gracie se pronunciou sobre o assunto em 2006, mostrando preocupação quanto “a

interpretação ampliativa que vem sendo dada às decisões desta Presidência em relação às

demandas por fornecimento de medicamentos pelos Estados”. Isso porque, segundo a própria

Ministra, os pedidos devem ser analisados “caso a caso, de forma concreta, e não de forma

abstrata e genérica (...) não se estendendo os seus efeitos e as suas razões a outros casos, por

se tratar de medida tópica, pontual”. (STF, 2006, Online)

Na SS 30735, de 2007, a ministra Ellen Gracie decidiu ainda que não há direito do

cidadão ao fornecimento do medicamento Mabthera. 6. Posteriormente, ela afirma, como

razões a essa negativa, que o direito à saúde, refere-se, em princípio, à efetivação de políticas 4 Mediante a análise das ações de concessão de medicamentos é possível ver que a grande maioria dos medicamentos pedidos nessas ações são importados e de alto valor. 5 SS, abreviação para Suspensão de Segurança, refere-se às ações ditas Mandado de Segurança que visam defender direito líquido e certo contra o arbítrio de autoridade pública. 6 Mabthera é um medicamento indicado para o caso de linfomas não-Hodgkin indolentes de células B e também pode ser utilizado concomitantemente a outros medicamento para auxiliar no tratamento dos sintomas da Artrite Reumatóide dos adultos. MabThera 500mg/50ml frasco custa R$ R$ 9.316,20

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públicas que alcancem a população como um todo, e não a situações individualizadas e que,

ao se deferir o custeio do medicamento em prol do impetrante, está-se diminuindo a

possibilidade de serem oferecidos serviços de saúde básicos ao restante da coletividade. A

ministra também argumenta que o medicamento solicitado não é fornecido pelo SUS, que ele

tem custo elevado, ainda está em fase de estudos e pesquisas, e haveria tratamento semelhante

para o solicitante.

Na ocasião, referindo-se ao princípio da reserva do possível, a ministra se

pronunciou pela inviabilidade de o Estado assegurar a satisfação das necessidades de cada um

dos seus cidadãos, o que significava eleger prioridades a serem satisfeitas mediantes políticas

públicas previamente estabelecidas. Criticou ainda, a ingerência do Poder Judiciário nas

políticas públicas, o que para ela caracterizava uma usurpação da legitimidade de governo

somente conferida aos poderes eleitos pelo povo.

Contudo, em julgamentos posteriores, a ministra reviu sua posição, mostrando-se

flexível; chegou a afirmar que a omissão dos Poderes eleitos pelo povo na concretização de

direitos fundamentais assegurados pela Constituição legitimava o Poder Judiciário para que

este, revestido das competências constitucionais, agisse a fim de tornar válidos os direitos

fundamentais. Tal flexibilidade foi muito relevante para uma ministra da mais alta Corte do

país. Da mesma forma, outros ministros reviram suas posições, especialmente diante da

grande quantidade não apenas dessas ações, mas de outras questões políticas submetidas ao

Poder Judiciário e que por seu conteúdo constitucional chegam ao Supremo Tribunal Federal.

O mesmo fato ocorreu com a decisão sobre as pesquisas com células tronco-

embrionárias, o aborto de fetos anencéfalos, a lei da ficha limpa e mais recentemente, em

agosto de 2012, o julgamento do mensalão.

Neste trabalho conceituamos o que se releva chamar de “judicialização”. Ao

discorrer sobre o histórico do fenômeno, pontuamos casos interessantes que engataram o

controle judicial de políticas públicas em vários países, particularmente nos Estados Unidos.

Tratamos do que se denomina “ativismo judicial” nos Tribunais e Cortes constitucionais e sua

relação com a expansão e ascensão do Poder Judicial.

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Apresentamos um breve histórico a respeito da democracia no Brasil, ressaltando

a atuação do Poder Judiciário e sua relação com os outros poderes. Exemplificamos com

alguns casos considerados de relevância política, assim como, políticas públicas e questões

polêmicas, discutidas e decididas pelo Judiciário, com destaque para o STF e o STJ. Da

mesma forma, oferecemos alguns dados colhidos de observatórios do STF, notadamente o

observatório do STF pertencente à Sociedade Brasileira de Direito Público, referentes aos

casos de políticas públicas, submetidas ao Judiciário para julgamento.

Partindo dessa compreensão global do fenômeno, analisamos o caso da

judicialização das políticas públicas de saúde, especialmente, no que se refere a política

pública de distribuição e fornecimento de medicamentos e tratamentos clínicos.

Mas percorrer esse caminho de pesquisa com o rigor científico que uma

dissertação de mestrado requer tem implicações metodológicas. Precisamos voltar um pouco

no tempo para falar das motivações pessoais e como elas guiaram as escolhas feitas na

elaboração do texto final que ora apresentamos. A pesquisa trouxe surpresas, dificuldades,

percalços, alegrias inesperadas e situações que pediram criatividade e ânimo para superar.

As motivações para o estudo desse tema, decerto, são muitas. Em primeiro lugar,

o interesse pelo assunto nasceu ainda nos bancos da graduação em Direito, quando

defendemos a monografia sobre “Neoconstitucionalismo (s)” e a importância da Constituição

de 1988 para a concretização dos direitos fundamentais. Nela discorremos sobre o princípio

da supremacia constitucional, a trajetória democrática do Brasil e a promulgação da

Constituição, que desde 1988 havia elevado nosso país à categoria de uma democracia

constitucional.

Um dos tópicos do trabalho de conclusão de curso tratava da judicialização das

relações privadas, fato extremamente comentado pelos autores que consultamos. À época, não

abordamos o assunto com tanta ênfase, mas passada a defesa da monografia, percebemos que

esse tema seria um caminho de estudo a ser trilhado e passamos a pesquisar, buscando

construir um projeto de pesquisa para submeter ao mestrado.

Com esse projeto em mente, concorremos à seleção do Mestrado Acadêmico em

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Políticas Públicas e Sociedade da Universidade Estadual do Ceará. A meta era buscar um

ambiente interdisciplinar, em que se pudesse estabelecer uma relação contínua de intercâmbio

de informações entre Direito, Sociologia e Política. Nesse sentido, o MAPPS poderia não

apenas oferecer tal ambiente, mas também facilitar a análise a partir de outras perspectivas,

uma prioridade em nossa vida acadêmica.

Por isso, acreditamos ser bastante salutar que o desenvolvimento dessa pesquisa

se dê sob um viés das ciências sociais, tendo em vista a necessária abordagem da natureza das

políticas públicas e a análise mais detalhada das políticas de saúde desenvolvidas pelo SUS.

No caso específico do Brasil, a Constituição de 1988 nasceu de intensa luta pela

democratização do país, após um regime de cerceamento de direitos e sobreposição do

Executivo ao Legislativo. O papel do Judiciário, nesse período, se apresentava bastante

controverso, já que os tribunais tentavam aplicar uma legislação que afirmava, entre outras

coisas, que o Executivo poderia fechar o Congresso ou suspender direitos políticos dos seus

cidadãos.

A Constituição de 1988 fortaleceu o Judiciário e o chamou a exercer um papel

mais atuante na dinâmica da democracia, dando-lhe responsabilidades e competências para

que seus membros exercessem com independência suas funções. 7 A ousadia que caracteriza

algumas sentenças, hoje emitidas pelo Poder Judiciário ordenando ao Executivo que fomente

políticas públicas para a educação e para a saúde ou requerendo ao Poder Legislativo que

produza normas a fim de regulamentar algumas questões políticas8, demonstra uma mudança

de posição e uma ascensão do Poder Judiciário, que aumenta sua visibilidade junto à

população.

De fato, é comum nos dias de hoje os meios de comunicação abordarem o

julgamento de questões de repercussão nacional no plenário do STF ou do Tribunal Superior

Eleitoral (TSE), onde regras sobre eleições e infidelidades são gestadas e passam a

balizar, com suporte nesses ambientes judiciais, todo o sistema político brasileiro.

7 No artigo 5º, inciso , a Constituição garante a inamovibilidade e vitaliciedade dos membros do judiciário. 8 Possível através do mandado de injunção. Através dessa ação prevista na Constituição, é possível pleitear ao Judiciário que ordene ao Legislativo produzir norma para regulamentar questões ainda não previstas pela legislação existente.

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É interessante observar que expressões técnicas como ADIN, liminar ou tutela

antecipada são cada vez mais presentes no vocabulário de pessoas sem formação jurídica – o

que é salutar para a democracia –, mas também demonstra a crescente expansão desse

poder judicial no que se refere a assuntos tradicionalmente discutidos no parlamento ou em

debates entre Executivo e Legislativo.

Fatos como esses impõem o desenvolvimento de uma dissertação capaz de

discutir questões como a separação de Poderes, a doutrina das questões políticas e a

judicialização da Política em âmbito mundial, nacional e local. Pensamos que é possível

refletir essas temáticas a partir do estudo específico das ações de concessão de medicamentos,

contextualizando-as nesse panorama geral em que questões políticas passam a ser decididas

pelo Poder Judiciário.

Consideramos ainda a adequabilidade do trabalho de campo no ambiente do Poder

Judiciário, em especial nas Varas Federais, obviamente procurando os locais onde as ações de

concessão de medicamentos, que representam o nosso foco, se concentram. Chegamos a

folhear processos nas Varas Federais, conversar com servidores, mas percebemos que seria

possível obter dados mais efetivos através do próprio site da Justiça Federal.

Com base na análise bibliográfica, compreendemos que há um fenômeno maior

que contextualiza e engloba as categorias que estudamos, e que corresponde à judicialização

de questões políticas, principalmente, no que concerne às políticas públicas. Entendemos que

esse fenômeno deriva de um fortalecimento do Poder Judiciário e que constitui um fenômeno

mundial, como a ele se referem os autores com os quais dialogamos (Barroso, 2009; Sweet,

2001; Vallinder, 1997).

Mas, que conflitos redundam desse fenômeno?

As políticas públicas são da competência do Legislativo e do Executivo. Existem

para concretizar direitos fundamentais e devem ser fomentadas com esse intuito. Contudo, se

um direito fundamental, como o direito à saúde, não é concretizado na prática, cabe ao Poder

Judiciário, analisar o caso. Ao decidir sobre os rumos de uma política pública e ordenar ao

Executivo, por exemplo, que forneça um medicamento, o Judiciário interfere em um

Page 21: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

orçamento previamente autorizado e definido pelo Poder competente para tal atuação.

Por outro lado, dialogamos no texto com o pensamento que os direitos

fundamentais precisam ser concretizados, e se o Legislativo ou Executivo se recusam a fazê-

lo, o Judiciário deve assumir esse encargo, mesmo que através de ações afirmativas e da

prática do ativismo judicial.

Estaria o Poder Judiciário exorbitando de sua competência ou essa atuação apenas

decorre das competências conferidas ao ele pela Constituição de 1988? Haveria uma ofensa

ao princípio da separação de Poderes? Quais os impactos dessa atuação mais proativa do

Judiciário? Haveria o risco de termos um poder adentrando a esfera de competência dos

outros poderes?

Para desenvolver o trabalho aqui apresentado, passamos por algumas etapas.

Desde a pesquisa bibliográfica até a reunião de dados junto aos sites dos tribunais no país.

Encontramos algumas resistências no percurso e tivemos de nos adaptar ao que poderia ser

conseguido e o que era oferecido pelo campo. Buscamos, entretanto, a compreensão do

fenômeno da judicialização da política de forma global e interrelacionada, privilegiando os

contextos que se apresentam cotidianamente, em especial, o das ações de concessão de

medicamentos.

Diante da necessidade de dados quantitativos e sabendo do curto período que

tínhamos para desenvolver a pesquisa, recorremos aos trabalhos de Marcos Faro (2007),

Lênio Streck (2008), Chieffi (2010) e Grinover (2011) bem como às pesquisas realizadas

catalogando o número de ações envolvendo questões políticas que foram remetidas aos

tribunais no início da última década no Brasil.

Partimos de uma revisão rigorosa das obras listadas ao final do texto, etapa que se

estendeu por todo o processo de feitura dessa pesquisa. Durante o período de escrita dessa

dissertação, várias obras e artigos foram publicados abordando o mesmo tema. Por vezes, foi

difícil escolher entre tantas fontes o que poderia ser acrescentado à pesquisa como fato

notório.

Page 22: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

No primeiro capítulo, apresentamos uma revisão bibliográfica, onde descrevemos

e contextualizamos a judicialização da política a partir dos autores que a estudam, revisando

conceitos e ideias importantes para a compreensão do fenômeno. Essa foi uma etapa difícil;

em dois anos de pesquisa ocorreram diversos eventos que poderiam ter sido acrescentados ao

trabalho, com destaque para o “mensalão”, julgado no STF em 2012 e que rendeu diversas

reflexões a respeito do papel do Judiciário na sociedade brasileira contemporânea.

O capítulo II aborda a judicialização no Brasil, ressaltando o processo histórico

que culminou com a Constituição de 1988 e o fortalecimento do Judiciário no país. Fazemos

também um breve comentário sobre o sistema de saúde pública, a legislação que o conduz e

as políticas públicas de saúde, como a farmácia popular.

No terceiro capítulo, analisamos alguns casos de concessão de medicamentos, em

particular no sudeste do país – Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, onde essas ações se

concentram, apesar de nos últimos cinco anos, outras regiões terem avançado no número de

ações juntos aos Tribunais Regionais Federais. Ainda nesse capítulo, comentamos o caso da

jovem cearense Clarice Abreu de Castro Neves, que teve sua ação discutida no Supremo em

2009/2010. Destacamos as considerações do relator da ação, Ministro Gilmar Mendes, que à

época do pleito, examinando o número de ações que chegavam a mais alta corte do país com

o mesmo tema, convocou uma audiência pública para discutir a judicialização da saúde no

país.

O que se pretendeu com essa pesquisa foi entender como o Poder Judiciário atua

na concretização das Políticas Públicas, tendo em vista as ações de concessão de

medicamentos, que questionam uma política pública já criada pelo Executivo. Trata-se de

contextualizar esse momento democrático posterior à Constituição de 1988 e compreender o

papel do Poder Judiciário na delimitação e julgamento de políticas públicas no Brasil

atualmente, tendo como foco, a análise das ações de concessão de medicamentos. Buscamos

analisar os conflitos e impactos dessa atuação do Judiciário sobre a governabilidade, a

autonomia do Executivo e dp Legislativo na produção e execução de Políticas Públicas.

Page 23: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

CAPÍTULO I

A EXPANSÃO DO PODER JUDICIAL: JUDICIALIZAÇÃO E POLÍTICA

A expansão do papel do judiciário representa o necessário contrapeso, segundo entendo, num sistema democrático de “checks and balances”, a paralela expansão dos “ramos políticos” do estado moderno (CAPPELLETI, Mauro, 1993, p.19)

Judicialização, em termos simples, significa que questões relevantes do ponto de

vista político, social ou moral estão sendo decididas, em caráter final, pelo Judiciário. Trata-se

de uma transferência de poder para as instituições judiciais, em detrimento das instâncias

políticas tradicionais, que são o Legislativo e o Executivo (VALLINDER, 1999, p.38).

Essa expansão da jurisdição e do discurso jurídico constitui uma mudança drástica

no modo de se pensar e de se praticar o direito. Fruto da conjugação de circunstâncias

diversas, o fenômeno aparece em vários países do globo, até mesmo aqueles que adotam o

modelo inglês com característica de soberania parlamentar e ausência de controle de

constitucionalidade. Exemplos numerosos e inequívocos de judicialização ilustram a fluidez

da fronteira entre política e justiça no mundo contemporâneo, documentando que nem sempre

é nítida a linha que divide a criação e a interpretação do direito. Os precedentes podem ser

encontrados em países diversos e distantes entre si, como Canadá, Estados Unidos, Israel,

Turquia, Hungria e Coreia, dentre muitos outros.

Nas palavras de Pilar Domingo (2009, p. 37)

A judicialização da política significa, em primeiro lugar, uma maior presença da atividade judicial na vida política e social; em segundo lugar, nos fala que os conflitos políticos, sociais ou entre o Estado e a sociedade se resolvem cada vez mais nos tribunais; em terceiro lugar, é fruto do processo pelo qual diversos atores políticos ou sociais, veem como vantagem recorrer aos tribunais com o fim de proteger ou promover os seus interesses. A utilização de estratégias jurídicas, de alguma forma, amplia o poder político dos juízes. Por último, a judicialização da

Page 24: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

política aponta, em certo modo, para uma tendência talvez crescente de que a legitimidade do sistema político vai ligado com a capacidade do Estado democrático moderno de cumprir com as suas promessas do Estado de direito, de proteger os direitos do cidadão, de garantir o principio de dito processo e os mecanismos de rendição de contas dos governantes.

A expansão da atuação do Poder Judiciário no mundo está intimamente ligada à

terceira onda de democratização9 que produziu um conhecimento acerca do controle judicial

das leis. Segundo o artigo do Professor americano Donald Horowitz, publicado em 2006, mais

de três quartos dos países do mundo consagram alguma forma de controle judicial de

constitucionalidade ou de revisão judicial (HOROWITZ, 2006, p.37).

Este fato de mais da metade dos países do mundo possuir alguma forma de

controle judicial de constitucionalidade não impressiona tanto, até que compreendamos que o

mecanismo de controle de constitucionalidade das leis teve uma grande influência sobre os

sistemas de justiça de vários países ocidentais, constituindo um importante elemento político

que outorga preponderância ao Poder Judiciário, como pedra angular nas democracias

modernas. Sua instituição e aplicação não só confere aquele poder à faculdade de invalidar os

atos legislativos e executivos, como lhe confere da mesma forma uma margem de

discricionariedade para atuar tanto no controle do processo legislativo quanto na execução de

políticas públicas.

Inicialmente, a crescente intervenção do Judiciário nas democracias

contemporâneas, partindo da compreensão de N. Tate e T. Vallinder, guarda uma estrita

relação com o fim da ex União Soviética e com a permanência dos Estados Unidos como

potência econômica mundial. Esse aspecto histórico teria propiciado a difusão do

funcionamento institucional do sistema norte-americano de judicial review (revisão judicial)

que tem inspirado a expansão dos métodos de controle jurisdicional em vários países do

globo.

9 Para o Professor Samuel Huntigton, na obra A terceira Onda, as ondas de democratização são eventos simultâneos que ocorrem eum curto espaço de tempo, levando países não democráticos para regimes democráticos. A “primeira onda de democratização”, segundo o professor Huntigton, teria ocorrido entre 1828 e 1926 e teve como fonte de inspiração a Revolução Francesa. A “segunda onda de democratização” teria ocorrido, por sua vez com o fim da Segunda Guerra Mundial e a derrota do Nazi-Fascismo. Por fim, a “terceira onda de democratização” teria começado em 1974 com a Revolução dos Cravos que derrubou a ditadura de Salazar e Marcelo Caetano em Portugal e se estendeu por toda a América Latina no final dos anos 70 e início dos anos 80.

Page 25: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

De outro lado, não cabem dúvidas de que a nova atuação do Poder Judiciário está

ligada à implementação de novas políticas públicas em uma grande maioria de países

ocidentais durante o pós-guerra, as quais fomentaram um acelerado crescimento tanto no

campo econômico como social. Tais políticas estimularam importantes reformas nas leis e,

sobretudo, no que se refere à estrutura organizacional que conforma o Poder Judiciário, com o

propósito de impedir eventuais abusos de poder por parte das instâncias representativas

(SWEET, 2002, p.48).

Além disso, a difusão de modernas teorias sobre o direito e as novas construções

teóricas em torno ao significado de justiça, acompanhada da publicação de obras de autores

como John Rawls (A Theory of Justice), em 1971, e Ronald Dworkin (Taking Rights

Seriously), em 1978, promoveram intensos debates públicos sobre a garantia e a efetividade

dos direitos e liberdades individuais. O que pode ser apreendido, é que uma nova linguagem

dos direitos tem sido importante para o discurso sobre o fortalecimento do Estado de direito e

da democracia.

Da mesma forma, se inserem as novas perspectivas em relação aos interesses

econômicos globais que incentivaram o fenômeno da judicialização da vida política, tendo em

vista que se requer a presença de um sistema judicial forte e independente, capaz de

estabelecer as bases para a instituição de um modelo de governabilidade democrática. Sobre

esse aspecto, Boaventura de Sousa Santos (2003, p.17) assegura que a administração da

justiça é essencialmente um serviço prestado pelo Estado à comunidade, como forma de

preservar a paz social e facilitar o desenvolvimento econômico por meio da resolução de

conflitos.

Há causas de naturezas diversas para o fenômeno. A primeira delas diz respeito ao

reconhecimento da importância de um Judiciário forte e independente, como elemento

essencial para as democracias modernas. Como consequência, operou-se uma vertiginosa

ascensão institucional de juízes e tribunais, particularmente o Brasil.

Contudo, sendo que a expansão do Poder Judiciário é um fenômeno característico

das democracias modernas. Dificilmente se poderia compatibilizar governos autoritários com

a expansão do Judiciário em virtude dos obstáculos impostos ao princípio da independência

Page 26: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

funcional dos juízes. No Brasil, a trajetória histórica do órgão de máxima instância da justiça

brasileira (Supremo Tribunal Federal), comprova que foi somente a partir do processo de

redemocratização, com a consequente promulgação da Constituição Federal de 1988 (após

vários anos de um duro regime militar), que o Poder Judiciário obteve a possibilidade de

exercer o veto constitucional sobre as ações promovidas pelo Executivo, denotando assim

uma intervenção daquele poder na vida política do país.

É possível compreender a judicialização da política como uma decorrência da

consolidação democrática através de uma Constituição equipada com extensa leva de direitos

políticos. Ou seja, a existência de um catálogo de direitos formalmente estabelecidos pela

Constituição ou pela aceitação de que os indivíduos são titulares de direitos oponíveis as

ações praticadas por uma maioria no Estado. Nessa mesma direção, a política de direitos

contribui para a aplicação e interpretação das normas em favor dos interesses de uma minoria,

possibilitando-lhes o acesso às instâncias judiciais para garantir a tutela dos seus direitos

fundamentais. Segundo Mauro Barberis:

O texto constitucional representa um projeto de vida em comunidade que se divide em duas partes, as quais delineiam as principais funções de uma Constituição: a primeira consiste na declaração de direitos como limitação ao poder do Estado mediante um catálogo de direitos que ele não pode violar; a segunda reside na forma de governo que institui o poder político, conferindo aos órgãos ou conjunto de órgãos as três funções estatais, que a partir da doutrina de Montesquieu, se denominam Legislativo, Executivo e Judiciário. (BARBERIS, 2008, p. 127)

Uma outra causa, envolveria o que se pode chamar de certa desilusão com a

política majoritária, em razão da crise de representatividade e de funcionalidade dos

parlamentos em geral. Neal Tate y Torbjörn Vallinder mencionam a incapacidade das

instituições majoritárias para fazer frente às novas e crescentes demandas sociais, em razão de

fatores como: os altos índices de corrupção, os impasses políticos que obstruem a tomada de

decisões sobre questões fundamentais para a preservação da vida do Estado; e, finalmente, a

presença de uma gama de partidos políticos sem grande expressão no cenário nacional para

desenvolver políticas públicas concretas.

Sob essa perspectiva, nos países da América Latina sobrevive uma patente

dificuldade para promover políticas públicas com partidos políticos sem grande importância e

com problemas de manutenção das maiorias parlamentárias. Esse quadro de ineficiência das

Page 27: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

instituições políticas, por sua vez, favorece a submissão de causas políticas à apreciação

judicial.

No mesmo sentido, atores políticos, muitas vezes, preferem que o Judiciário seja a

instância decisória de certas questões polêmicas, em relação às quais exista desacordo moral

razoável na sociedade. Com isso, evitam o próprio desgaste na deliberação de temas

polêmicos, como das uniões homossexuais, aborto ou demarcação de terras indígenas.

O que se percebe é que a expansão dos direitos (incluindo os direitos políticos)

procede de uma intensa e incansável trajetória de lutas e pressões exercidas por parte de

organizações de caráter social, materializada através de movimentos ou mesmo da ação dos

grupos de interesses. Em muitos países da América Latina, o que se vê é que tais grupos

passaram a disputar os espaços de deliberação pública junto com os partidos políticos e, para

tanto, consideraram a possibilidade de utilização do veto nos tribunais com o fim de alcançar

os seus objetivos.

Corroborando esta análise, a propagação da judicialização da política se relaciona

com a efetiva participação desses grupos de interesses nas ações judiciais promovidas perante

os tribunais. Para melhor ilustrar a tese que aqui se pretende defender, no caso brasileiro é

possível verificar que das 4.751 ações direta de inconstitucionalidade (ADIn´s) que chegaram

ao Supremo Tribunal Federal entre 1988 – 2012, um total de 1.202 (25,3%) foram interpostas

pelas confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional10

No Brasil, o fenômeno assumiu proporção ainda maior, em razão da

constitucionalização abrangente e analítica. A Constituição Federal brasileira guarda caráter

bastante analítico e abrange diversos tópicos e assuntos em seu texto. Desde as relações

familiares aos princípios da ordem financeira e orçamentária, se encontram

constitucionalizados, o que faz com todos os assuntos abordados pela Constituição ingressem

na lista das pretensões judicializáveis.

Como consequência, quase todas as questões de relevância política, social ou

10 Informações extraídas do Banco Nacional de Dados da página web do Supremo Tribunal Federal (www.stf.gov.br).

Page 28: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

moral foram discutidas ou já estão postas em sede judicial, especialmente perante o Supremo

Tribunal Federal. A enunciação que se segue, meramente exemplificativa, serve como boa

ilustração dos temas judicializados: (a) instituição de contribuição dos inativos na Reforma da

Previdência (Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI 3105/DF); (b) criação do

Conselho Nacional de Justiça na Reforma do Judiciário (Ação Direta de

Inconstitucionalidade- ADI 3367); (c) pesquisas com células-tronco embrionárias (Ação

Direta de Inconstitucionalidade ADI 3510/DF); (d) liberdade de expressão e racismo

(Habeas Corpus 82424/RS – caso Ellwanger); o aborto de fetos anencefálicos (Arguição

de Descumprimento de Direito Fundamental -ADPF 54/DF); restrição ao uso de algemas

(Habeas Corpus - HC 91952/SP e Súmula Vinculante nº 11); a demarcação da reserva

indígena Raposa Serra do Sol (Pet 3388/RR); a legitimidade de ações afirmativas e quotas

sociais e raciais (Ação Direta de Inconstitucionalidade -ADI 3330); a vedação ao

nepotismo (Ação Direta de Constitucionalidade -ADC 12/DF e Súmula nº 13); e por fim,

a não-recepção da Lei de Imprensa (Arguição de Descumprimento de Direito Fundamental

-ADPF 130/DF).

A lista poderia prosseguir indefinidamente, com a identificação de casos de

grande visibilidade e repercussão, como a extradição do militante italiano Cesare Battisti

(Ext 1085/Itália e MS 27875/DF), a questão da importação de pneus usados (ADPF 101/DF)

ou da proibição do uso do amianto (ADI 3937/SP).E, obviamente, merece destaque a

realização de diversas audiências públicas, perante o STF, para debater a questão da

judicialização de prestações de saúde, notadamente o fornecimento de medicamentos e de

tratamentos fora das listas e dos protocolos do Sistema Único de Saúde. (BARROSO, 2009,

p.35).

A judicialização parece decorrer, sobretudo, de dois fatores: em (1) do modelo de

Constitucionalização abrangente e analítica adotado; (2) e o sistema de controle de

constitucionalidade vigente, que combina a matriz americana – em que todo juiz e tribunal

pode pronunciar a invalidade de uma norma no caso concreto – e a matriz européia, que

admite ações diretas ajuizáveis perante a corte constitucional. No caso das cortes européias a

validade constitucional de leis e atos normativos é discutida em tese, perante o Supremo

Tribunal Federal, fora de uma situação concreta de litígio. Essa fórmula foi maximizada no

sistema brasileiro pela admissão de uma variedade de ações diretas e pela previsão

Page 29: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

constitucional de amplo direito de propositura. Nesse contexto, a judicialização constitui um

fato inelutável, uma circunstância decorrente do desenho institucional vigente, e não uma

opção política do Judiciário. O modo como os juízes venham a exercer essa competência é

que vai determinar a existência ou não de ativismo judicial.

Ativismo judicial: juízes protagonistas?

Ativismo judicial é uma expressão cunhada nos Estados Unidos e que foi

empregada, sobretudo, para qualificar a atuação da Suprema Corte durante os anos em que foi

presidida por Earl Warren, entre 1954 e 1969. Ao longo desse período, ocorreu uma

revolução profunda e silenciosa em relação a inúmeras práticas políticas nos Estados Unidos,

conduzida por uma jurisprudência progressista em matéria de direitos fundamentais.

Todas essas transformações foram efetivadas sem qualquer ato do Congresso ou

decreto presidencial. A partir daí, por força de uma intensa reação conservadora, a expressão

ativismo judicial assumiu, nos Estados Unidos, uma conotação negativa, depreciativa,

equiparada ao exercício impróprio do poder judicial. Todavia, depurada dessa crítica

ideológica, a ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa

do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no

espaço de atuação dos outros dois Poderes. Em muitas situações, sequer há confronto, mas

mera ocupação de espaços vazios (BARROSO, 2009, p.39).

De fato, o ativismo judicial, considerado por muitos como negativo, foi o

responsável por grandes mudanças sociais nos Estados Unidos, no período da Corte Warren11

(1953-1969), a qual ampliou os direitos civis e políticos dos cidadãos americanos. Com efeito,

a Corte Warren foi considerada a mais ativista da história americana, pois determinou que a

separação de crianças brancas e negras nas escolas americanas era inconstitucional; instituiu a

adoção de uma política de integração; considerou inadmissível o uso de provas obtidas de

forma ilícita; os acusados em processo criminal só poderiam ser julgados na presença de um

11 Assim chamada em virtude seu presidente Earl Warren, indicado para a presidência da Suprema Corte Americana em 1953, pelo então presidente Eisenhower. Após 1962, com a entrada de Byron White e Arthur Goldberg, a Corte assumiu posturas mais liberais, como o célebre julgamento Brown vs. Board of education, de 1954, que foi reputada inconstitucional pela Corte, permitindo que crianças brancas e negras estudassem nas mesmas escolas.

Page 30: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

advogado; protegeu o direito à intimidade. Enfim, a Corte Warren não foi apenas uma Corte

ativista, teve papel crucial para a construção de uma democracia inclusiva, agiu na resolução

dos problemas sociais de forma humanista, produzindo um expressivo avanço dos direitos

civis e constitucionais.

No Brasil, há diversos precedentes de postura ativista do STF, manifestada por

diferentes linhas de decisão. Dentre elas se incluem: a) a aplicação direta da Constituição a

situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de

manifestação do legislador ordinário, em casos como o da imposição de fidelidade partidária e

o da vedação do nepotismo; b) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos

emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e

ostensiva violação da Constituição, de que são exemplos as decisões referentes à

verticalização das coligações partidárias e à cláusula de barreira; c) a imposição de condutas

ou de abstenções ao Poder Público, tanto em caso de inércia do legislador – como no

precedente sobre greve no serviço público ou sobre criação de município – como no

de políticas públicas insuficientes, de que têm sido exemplo as decisões sobre direito à

saúde.

Todas essas hipóteses distanciam juízes e tribunais de sua função típica de

aplicação do direito vigente e os aproximam de uma função que mais se assemelha à de

criação do próprio direito. A judicialização é um fato, uma circunstância do desenho

institucional brasileiro. Já o ativismo é uma atitude, a escolha de um modo específico e

proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance (BARROSO, 2009,

p.35).

Normalmente, ele se instala – e este é o caso do Brasil – em situações de retração

do Poder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil,

impedindo que determinadas demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva. O oposto

do ativismo é a autocontenção judicial, conduta pela qual o Judiciário procura reduzir sua

interferência nas ações dos outros Poderes.

Diversas objeções têm sido colocadas, ao longo do tempo, à expansão do Poder

Judiciário nos Estados constitucionais contemporâneos, considerando o ativismo e a conduta

Page 31: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

proativa das Cortes e Tribunais como algo prejudicial a dinâmica democrática. Tais críticas

não infirmam a importância do papel desempenhado por juízes e tribunais nas democracias

modernas, mas merecem consideração.

O modo de investidura dos juízes e membros de tribunais, sua formação específica

e o tipo de discurso que utilizam são aspectos que exigem reflexão. Não se deseja o Judiciário

como instância hegemônica e a interpretação constitucional não pode se transformar em

usurpação da função legislativa. A jurisdição constitucional e a atuação expansiva do

Judiciário têm recebido, historicamente, críticas de natureza política, que questionam sua

legitimidade democrática e sua suposta maior eficiência na proteção dos direitos

fundamentais.

Ao lado dessas, há, igualmente, críticas de cunho ideológico, que veem no

Judiciário uma instância tradicionalmente conservadora das distribuições de poder e de

riqueza na sociedade. Nessa perspectiva, a judicialização funcionaria como uma reação das

elites tradicionais contra a democratização, um antídoto contra a participação popular e

a política majoritária. (VIANNA, 1999, p.28)

Juízes e membros dos tribunais não são agentes públicos eleitos. Sua investidura

não tem o batismo da vontade popular. Nada obstante isso, quando invalida atos do

Legislativo ou do Executivo ou impõe-lhes deveres de atuação, o Judiciário desempenha um

papel que é inequivocamente político. Essa possibilidade de as instâncias judiciais

sobreporem suas decisões às dos agentes políticos eleitos gera aquilo que em teoria

constitucional foi denominado de “dificuldade contramajoritária”.

Cabe aos três Poderes interpretar a Constituição e pautar sua atuação com base

nela. Mas, em caso de divergência, a palavra final é do Judiciário. Essa primazia não

significa, porém, que toda e qualquer matéria deva ser decidida em um tribunal. Para

evitar que o Judiciário se transforme em uma indesejável instância hegemônica, a doutrina

constitucional tem explorado duas ideias destinadas a limitar a ingerência judicial: a de

capacidade institucional e a de efeitos sistêmicos.

Capacidade institucional envolve a determinação de qual Poder está mais

Page 32: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

habilitado a produzir a melhor decisão em determinada matéria. Temas envolvendo aspectos

técnicos ou científicos de grande complexidade podem não ter no juiz de direito o árbitro

mais qualificado, por falta de informação ou de conhecimento específico. Também o

risco de efeitos sistêmicos imprevisíveis e indesejáveis podem recomendar uma posição de

cautela por parte do Judiciário. O juiz, por vocação e treinamento, normalmente estará

preparado para realizar a justiça do caso concreto, a microjustiça, sem condições, muitas

vezes, de avaliar o impacto de suas decisões sobre um segmento econômico ou sobre a

prestação de um serviço público, ou mesmo uma política pública.

O mundo do direito tem categorias, discurso e métodos próprios de argumentação.

O domínio desse instrumental exige conhecimento técnico e treinamento bastante específico,

o que não é acessível à generalidade das pessoas. A primeira consequência drástica da

judicialização é a elitização do debate e a exclusão dos que não dominam a linguagem nem

têm acesso aos locus de discussão jurídica. Institutos como audiências públicas, amicus

curiae e direito de propositura de ações diretas por entidades da sociedade civil atenuam, mas,

não eliminam esse problema.

Surge assim, o perigo de se produzir uma apatia nas forças sociais, que passariam

a ficar à espera de juízes providenciais (SANTOS, 2001, p.35). Na outra face da moeda, a

transferência do debate público para o Judiciário traz uma dose excessiva de politização dos

tribunais, dando lugar a paixões em um ambiente que deve ser presidido pela razão

(BARROSO, 2009, p.23). No movimento seguinte, processos passam a tramitar nas

manchetes de jornais – e não na imprensa oficial – e juízes trocam a racionalidade

plácida da argumentação jurídica por embates próprios da discussão parlamentar,

movida por visões políticas contrapostas e concorrentes.

As constituições contemporâneas, tem desempenhado dois grandes papéis: o de

condensar os valores políticos nucleares da sociedade, os consensos mínimos quanto a suas

instituições e quanto aos direitos fundamentais nela consagrados; e o de disciplinar o processo

político democrático, propiciando o governo da maioria, a participação da minoria e a

alternância no poder. Este seria, em tese, o grande papel do Supremo Tribunal Federal, no

caso brasileiro: proteger e promover os direitos fundamentais, bem como resguardar as regras

do jogo democrático. Logo, eventual atuação contramajoritária do Judiciário em defesa dos

Page 33: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

elementos essenciais da Constituição se dará a favor e não contra a democracia.

Para Barroso, nas demais situações, isto é, quando não estejam em jogo os direitos

fundamentais ou os procedimentos democráticos, juízes e tribunais devem acatar as escolhas

legítimas feitas pelo legislador, assim como ser deferentes com o exercício razoável de

discricionariedade pelo administrador, abstendo-se de sobrepor-lhes sua própria

valoração política. Isso deve ser feito não só por razões ligadas à legitimidade democrática,

como também em atenção às capacidades institucionais dos órgãos judiciários e sua

impossibilidade de prever e administrar os efeitos sistêmicos das decisões proferidas em casos

individuais.

Segundo Guastini (2005. p.70.), a judicialização da política decorre de uma

consolidação democrática que brota de uma Constituição amplamente aceita e defendida. Ao

explicitar em seu texto que ao Judiciário cabe a função de sua guarda, a Constituição atribuiu

uma inegável função política, precisando o juiz estar ciente disso ao decidir uma questão.

Analisando dessa forma, pareceria absurdo esperar que o juiz, diante de uma questão que

envolvesse claramente elementos políticos, suspendesse o seu julgamento para aguardar uma

definição dos legisladores ou deixasse de dar uma resposta adequada à demanda proposta ao

Judiciário.

O que se espera do juiz é que ele esteja consciente da dimensão política de sua

decisão, especialmente quando o conflito que lhe é apresentado envolve questões referentes à

inconstitucionalidade de uma determinada norma. Häberle (1997, p.56) ao propor uma visão

ampliada quanto aos sujeitos da interpretação constitucional, acaba por indicar que o Juiz

constitucional tem que considerar o grau de participação no debate político que resultou no

ato normativo considerado inconstitucional (POSNER, 2008, p.47).

Nos últimos anos, no Brasil, a Constituição conquistou, verdadeiramente, força

normativa e efetividade. A jurisprudência acerca do direito à saúde e ao fornecimento de

medicamentos é um exemplo emblemático do que se vem de afirmar. As normas

constitucionais deixaram de ser percebidas como integrantes de um documento estritamente

político, mera convocação à atuação do Legislativo e do Executivo, e passaram a desfrutar de

aplicabilidade direta e imediata por juízes e tribunais.

Page 34: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

Nesse ambiente, os direitos constitucionais em geral, e os direitos sociais em

particular, converteram-se em direitos subjetivos em sentido pleno, comportando tutela

judicial específica. A intervenção do Poder Judiciário, mediante determinações à

Administração Pública para que forneça gratuitamente medicamentos em uma variedade de

hipóteses, procura realizar a promessa constitucional de prestação universalizada do serviço

de saúde.

Por outro lado, não há um critério firme para a aferição de qual entidade estatal –

União, Estados e Municípios – deve ser responsabilizada pela entrega de cada tipo de

medicamento. Diante disso, os processos terminam por acarretar superposição de esforços e

de defesas, envolvendo diferentes entidades federativas e mobilizando grande quantidade de

agentes públicos, aí incluídos procuradores e servidores administrativos. Desnecessário

enfatizar que tudo isso representa gastos, imprevisibilidade e desfuncionalidade da prestação

jurisdicional. Segundo o Professor Luís Roberto Barroso, tal desfuncionalidade põe em risco a

própria continuidade das políticas de saúde pública, desorganizando a atividade administrativa

e impedindo a alocação racional dos escassos recursos públicos.

No limite, o casuísmo da jurisprudência brasileira pode impedir que políticas

coletivas, dirigidas à promoção da saúde pública, sejam devidamente implantadas. Trata-se de

hipótese típica em que o excesso de judicialização das decisões políticas pode levar à não

realização prática da Constituição Federal. Em muitos casos, o que se revela é a concessão de

privilégios a alguns jurisdicionados em detrimento da generalidade da cidadania, que continua

dependente das políticas universalistas implantadas pelo Poder Executivo.

É possível supor que se está diante de uma colisão de valores ou de interesses que

contrapõe, de um lado, o direito à vida e à saúde e, de outro, a separação de Poderes, os

princípios orçamentários e a reserva do possível. Contudo, em uma análise mais apurada, é

possível perceber que o que está em jogo, é o direito à vida e à saúde de uns versus o direito

à vida e à saúde de outros.

Na prática, em todas as hipóteses em que a Constituição tenha criado direitos

subjetivos – políticos, individuais, sociais ou difusos – são eles, como regra, direta e

imediatamente exigíveis, do Poder Público ou do particular, por via das ações constitucionais

Page 35: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

e infraconstitucionais contempladas no ordenamento jurídico.

O Poder Judiciário, como consequência, passa a ter papel ativo e decisivo na

concretização da Constituição. A doutrina da efetividade serviu-se, como se deduz

explicitamente da exposição até aqui desenvolvida, de uma metodologia positivista: direito

constitucional é norma; e de um critério formal para estabelecer a exigibilidade de

determinados direitos: se está na Constituição é para ser cumprido.

A teoria dos princípios, à qual se acha associada uma teoria dos direitos

fundamentais, desenvolveu-se a partir dos estudos de Ronald Dworkin (2002) difundidos no

Brasil ao final da década de 80 e ao longo dos anos 90 do século passado. Na sequência

histórica, Robert Alexy ordenou a teoria dos princípios em categorias mais próximas da

perspectiva romano-germânica do Direito. As duas obras precursoras desses autores,

respectivamente - Levando os direitos a sério e Teoria dos direitos fundamentais –

deflagraram uma verdadeira explosão de estudos sobre o tema, no Brasil. São elementos

essenciais do pensamento jurídico contemporâneo a atribuição de normatividade aos

princípios e o reconhecimento da distinção qualitativa entre regras e princípios.

Alexy (2008), autor alemão, partindo da concepção de Dworkin, desenvolveu

analiticamente o tema e diz que as regras veiculam mandados de definição, enquanto os

princípios veiculam mandados de otimização. Ou seja, Alexy quis dizer que as regras

possuem natureza biunívoca, isto é, só admitem duas espécies de situação, dado o seu

substrato fático: ou são válidas e aplicáveis ou não se aplicam por serem inválidas. Uma regra

vale ou não vale, não há gradações. A exceção de uma regra é outra regra ou sua violação. Os

princípios, por seu turno, comportam-se de maneira bem diversa. Sendo mandados de

otimização, pretendem ser realizados da forma mais ampla possível, admitindo aplicação mais

ou menos intensa, de acordo com a possibilidade jurídica existente, sem que isso comprometa

a sua validade. Os limites jurídicos capazes de restringir a aplicação ampla de um princípio

podem ser regras que o excepcionam em algum ponto ou outros princípios de mesma estatura

e opostos que procuram da mesma forma maximizar-se, impondo-se, então, a necessidade de

ponderação.

Regras, portanto, são enunciados objetivos descritivos de condutas e aplicáveis a

Page 36: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

um conjunto delimitado de situações. A regra incide através do tradicional método da

subsunção que pode ser descrito da seguinte forma: premissa maior – enunciado normativo ou

regra – incidindo sobre a premissa menor – fato – resultando na aplicação da norma ao caso

concreto (BARCELLOS, 2004, p.51). Logo, a aplicação de uma regra se opera na modalidade

tudo ou nada: ou a regra regula o fato por inteiro ou não é aplicada.

Já os princípios admitem um grau muito maior de abstração. No

Constitucionalismo orientam-se pela pretensão de correção, não especificando uma conduta,

como as regras, por isso podem ser aplicados a um conjunto muito mais amplo de situações.

Mas a aplicação dos princípios, por vezes, exige um exercício dialético, em virtude do grau de

abstração dessas normas que muitas vezes apontam direções diversas. Por isso a aplicação dos

princípios deve ocorrer mediante ponderação. Isso significa que diante do caso concreto, o

intérprete deverá medir o peso que cada princípio deverá desempenhar na hipótese, mediante

concessões recíprocas e preservando ao máximo, a essência de cada um (BARROSO, 2004,

p.39).

A ponderação pode ser definida como uma técnica de decisão dos casos difíceis, o

que em inglês se denomina hard cases, quando a técnica da subsunção não se mostra

satisfatória. Quando se maneja a Constituição na busca de soluções para as situações jurídicas

em questão, não é possível simplesmente escolher uma norma em detrimento das outras, visto

que em virtude do princípio da unicidade da Constituição, todas as normas constitucionais

têm a mesma hierarquia e devem ser interpretadas harmonicamente. De tal forma, no caso de

colisão de normas constitucionais, a simples subsunção não se mostraria adequada.

(BARCELLOS, 2004, p.98)

Em muitas situações, o legislador realiza ponderações em abstrato, definindo

parâmetros que devem ser seguidos nos casos de colisão. Quando isso ocorrer, não deve o

intérprete judicial sobrepor a sua própria valoração à que foi feita pelo órgão de representação

popular, a menos que esteja convencido, e seja capaz de racionalmente demonstrar, que a

norma em que se consubstanciou a ponderação não é compatível com a Constituição.

A ideia de Estado democrático de direito, consagrada no art. 1º da Constituição

brasileira, é a síntese histórica de dois conceitos que são próximos, mas não se confundem: os

Page 37: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

de constitucionalismo e de democracia. Constitucionalismo significa, em essência, limitação

do poder e supremacia da lei (Estado de direito, Rule of law, Rechtsstaat). Democracia, por

sua vez, em aproximação sumária, traduz-se em soberania popular e governo da maioria.

Entre constitucionalismo e democracia podem surgir, eventualmente, pontos de tensão: a

vontade da maioria pode ter de estancar diante de determinados conteúdos materiais,

orgânicos ou processuais da Constituição. Ou também, o direito de um indivíduo pode se

contrapor a vontade de uma maioria.

O que deve ser mantido em mente é que o Estado constitucional de direito gravita

em torno da dignidade da pessoa humana e da centralidade dos direitos fundamentais. A

dignidade da pessoa humana é o centro de irradiação dos direitos fundamentais, sendo

frequentemente identificada como o núcleo essencial de tais direitos.

Os direitos fundamentais incluem: a) a liberdade, isto é, a autonomia da vontade,

o direito de cada um eleger seus projetos existenciais; b) a igualdade, que é o direito de ser

tratado com a mesma dignidade que todas as pessoas, sem discriminações arbitrárias e

exclusões evitáveis; c) o mínimo existencial, que corresponde às condições elementares de

educação, saúde e renda que permitam, em uma determinada sociedade, o acesso aos valores

civilizatórios e a participação esclarecida no processo político e no debate público

(BARCELLOS, 2004, p.41). Os três Poderes – Legislativo, Executivo e Judiciário – têm o

dever de realizar os direitos fundamentais, na maior extensão possível, tendo como limite

mínimo o núcleo essencial desses direitos.

O princípio democrático, por sua vez, se expressa na ideia de soberania popular:

todo poder emana do povo, conforme o parágrafo único do art. 1º da Constituição brasileira.

Como decorrência, o poder político deve caber às maiorias que se articulam a cada época. O

sistema representativo permite que, periodicamente, o povo se manifeste elegendo seus

representantes. O Chefe do Executivo e os membros do Legislativo são escolhidos pelo voto

popular e são o componente majoritário do sistema. Os membros do Poder Judiciário são

recrutados, como regra geral, por critérios técnicos e não eletivos. Logo, a ideia de governo da

maioria se realiza, sobretudo, na atuação do Executivo e do Legislativo, aos quais compete a

elaboração de leis, a alocação de recursos e a formulação e execução de políticas públicas,

inclusive as de educação, saúde, segurança etc.

Page 38: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

Como visto, constitucionalismo traduz-se em respeito aos direitos fundamentais. E

democracia, em soberania popular e governo da maioria. Mas pode acontecer de a maioria

política vulnerar direitos fundamentais das minorias, ou mesmo de indivíduos em particular.

Quando isto ocorre, cabe ao Judiciário agir.

É nesse ambiente, é nessa dualidade presente no Estado constitucional

democrático que se coloca a questão essencial: podem juízes e tribunais interferir com as

deliberações dos órgãos que representam as maiorias políticas – isto é, o Legislativo e o

Executivo –, impondo ou invalidando ações administrativas e políticas públicas?

A resposta será afirmativa sempre que o Judiciário estiver atuando,

inequivocamente, para preservar um direito fundamental previsto na Constituição ou para dar

cumprimento a alguma lei existente. Vale dizer: para que seja legítima, a atuação judicial não

pode expressar um ato de vontade própria do órgão julgador, precisando sempre reconduzir-se

a uma prévia deliberação majoritária, seja do constituinte, seja do legislador.

Sempre que a Constituição define um direito fundamental ele se torna exigível,

inclusive mediante ação judicial. Pode ocorrer de um direito fundamental precisar ser

ponderado com outros direitos fundamentais ou princípios constitucionais, situação em que

deverá ser aplicado na maior extensão possível, levando-se em conta os limites fáticos e

jurídicos, preservado o seu núcleo essencial.

O Judiciário deverá intervir sempre que um direito fundamental – ou

infraconstitucional – estiver sendo descumprido, especialmente se vulnerado o mínimo

existencial de qualquer pessoa. Se o legislador tiver feito ponderações e escolhas válidas, à

luz das colisões de direitos e de princípios, o Judiciário deverá ser deferente para com elas,

em respeito ao princípio democrático.

Page 39: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

O Poder Judiciário e as políticas públicas: um novo agente implementador?

De acordo com Maria Paula Dallari (2008, p.45), políticas públicas são programas

de ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do estado e as atividades

privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados.

Políticas públicas são ‘metas coletivas conscientes’ e, como tais, um problema de direito

público, em sentido lato.

A Constituição Federal de 1988 implementou uma mudança fundamental no

Estado Brasileiro: a constitucionalização de inúmeros direitos sociais e coletivos que, até

então, não encontravam proteção sob a égide constitucional. Com isso, passou-se de uma

ordem garantista, assim considerada quando o acesso ao ao Judiciário restringiria-se a pedir

proteção e conservação de um bem jurídico que já se tem, a uma ordem de caráter

promocional, na qual há espaço para pleitear direitos a fim de obter acesso a bens que ainda

não se tem, mas que se deseja ter em virtude de promessas constitucional, política ou

legalmente feitas.

Nesse sentido, um conjunto de fenômenos institucionais e históricos vem atuando

na direção de propiciar fortes incentivos para uma atuação do Poder Judiciário na arena

pública e especialmente no que diz respeito as políticas públicas (BARBOSA, 2007, p.25). No

que diz respeito a Magistratura, deve-se ressaltar que o Judiciário age essencialmente por

provocação e após a Emenda Constitucional nº45, temos um Poder Judiciário com seus

poderes fortalecidos e maior probabilidade de acesso, especialmente através da chamada

repercussão geral12.

Ocorre que, face ao princípio constitucional da tripartição dos poderes, compete 12 A Repercussão Geral é um instrumento processual inserido na Constituição Federal de 1988, por meio da Emenda Constitucional 45, conhecida como a “Reforma do Judiciário”. O objetivo desta ferramenta é possibilitar que o Supremo Tribunal Federal selecione os Recursos Extraordinários que irá analisar, de acordo com critérios de relevância jurídica, política, social ou econômica. O uso desse filtro recursal resulta numa diminuição do número de processos encaminhados à Suprema Corte. Uma vez constatada a existência de repercussão geral, o STF analisa o mérito da questão e a decisão proveniente dessa análise será aplicada posteriormente pelas instâncias inferiores, em casos idênticos. A preliminar de Repercussão Geral é analisada pelo Plenário do STF, através de um sistema informatizado, com votação eletrônica, ou seja, sem necessidade de reunião física dos membros do Tribunal. Para recusar a análise de um RE são necessários pelo menos 8 votos, caso contrário, o tema deverá ser julgado pela Corte. Após o relator do recurso lançar no sistema sua manifestação sobre a relevância do tema, os demais ministros têm 20 dias para votar. As abstenções nessa votação são consideradas como favoráveis à ocorrência de repercussão geral na matéria.

Page 40: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

aos Poderes Executivo e Legislativo determinar a alocação dos recursos oficiais para o

cumprimento de programas e objetivos de governo anteriormente propostos aos cidadãos,

uma vez que ambos poderes são fundamentados pela legitimidade popular ((BARBOSA,

2007, p.25). De fato, cabe ao Poder Público a formulação e a implementação de ações

positivas no sentido de realizar seu programa de governo e, conseqüentemente, de conferir

efetividade aos direitos e princípios constitucionais. Tem-se, portanto, que as denominadas

“políticas públicas” constituem a forma típica de atuação do Executivo na consecução de seus

objetivos (LOPES, 1994, p.36).

De qualquer forma, a despeito dos debates doutrinários, são inúmeras as decisões

em que o Poder Judiciário, em suas diversas esferas, decide pela alocação de recursos

orçamentários para efetivação de direitos sociais. Como já foi dito, em alguns casos estas

decisões produzem efeito no âmbito de políticas públicas já formuladas pelo Executivo e/ou

Legislativo, em outros, determinam o gasto público em ações não previstas em qualquer tipo

de programa social ou econômico.

Dentre as áreas de política pública, a da saúde tem recebido publicidade. A

atuação de juízes concedendo liminares obrigando o poder público, a fornecer gratuitamente

remédios que não constam das listas do Sistema Único de Saúde tem instigado fortes reações

por parte de administradores públicos, da imprensa e de algumas associações da sociedade

civil. As demandas que chegam até o Judiciário bem como as decisões judiciais tem por base

o entendimento de que a saúde é um direito.

Invoca-se, pois o artigo 196 da Constituição que a define a saúde como “direito de

todos e dever do Estado”. O texto diz claramente que é dever do poder público garantir esse

direito “mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de

outros agravos e o acesso igual e igualitário as ações e serviços para sua promoção, proteção e

recuperação.

E qual seria o papel do Judiciário em relação as Políticas Públicas? Em que

sentido e até que ponto, o Poder Judiciário através de seus juízes poderia atuar?

Como se pode notar de interessante pesquisa realizada pela Associação de

Page 41: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

Magistrados Brasileiros (SADEK, 2006, p.38) é significativo o percentual de juízes que

percebem o impacto de sua atuação na arena pública. Curiosamente, como se verá adiante,

quando indagados se as decisões judiciais deveriam orientar-se de modo preponderante por

parâmetros legais, atentar para sua consequências econômicas e ter compromisso com as

consequências sociais, é notável a proporção de respostas que apontam fatores que

ultrapassam os limites da lei.

Observando a tabela 1, é de se notar que a maioria dos juízes (86,5 %) considera

que as decisões judiciais devem orientar-se preponderantemente por parâmetros legais.

Apesar disso, essa opção não exclui o compromisso com as consequências sociais e as

condições econômicas.

Tabela 1: Orientação Preponderante de Decisões Judiciais por Instância - % de Concordância.

1º Grau 2º Grau 3º Grau

Parâmetros Legais 86,5 86,6 86,5

Compromisso com as consequências econômicas 37,5 34,1 36,5

Compromisso com as consequências sociais 80,3 73,1 78,5

Fonte: Pesquisa AMB, 2005.

Tabela 2 – Orientação Preponderante de decisões Judiciais por tempo na Magistratura - % de Concordância.

Até 5 anos De 6 a 10 anos

De 11 a 20 anos Mais de 20 anos

Parâmetros legais 88,6 89,0 86,1 85,0

Compromisso com as consequências econômicas

48,1 42,0 37,4 27,2

Compromisso com as consequências sociais 90,2 85,9 81,9 64,9

Deve ressaltar-se aqui, que quanto mais tempo de magistratura, menos

Page 42: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

magistrados ao julgar, assumem compromisso com as consequências econômicas ou sociais

de seus julgamentos. Utilizando uma pesquisa mais recente, realizada pelo Anuário da

Justiça13, junto a integrantes do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores de

Justiça, do Trabalho e Eleitoral, podemos ver com mais clareza esses dados:

Tabela 3 – Ao julgar, o juiz deve levar em conta o impacto de sua decisão em termos sociais, econômicos e de governabilidade? (Em números absolutos)

SIM NÃO NÃO RESPONDERAM

TOTAL

STF 6 1 4 11

STJ 20 6 7 33

TST 18 7 4 29

TSE 2 0 0 2

TOTAL 46 14 15 75

Fonte: Anuário da Justiça, 2010.

Como se viu, para a maioria dos respondentes, o juiz deve dar um peso maior ao

papel de interpretar a lei de acordo com as circunstâncias do momento e com a realidade do

que a tarefa técnica de aplicar as leis simplesmente.

Assim, 61% (46 do total de 75 juízes) concordaram com a afirmação segundo a

qual “ao julgar, o juiz deve levar em conta o impacto de sua decisão em termos sociais,

econômicos e de governabilidade”. Essa proporção é mais alta no STJ (60,6 %), no TST

(62%) e no TSE (54,5%) (SADEK, 2011, p.17). O que se deseja salientar é, de acordo com a

Professora Teresa Sadek, que uma proporção expressiva de magistrados sobreleva a

identidade do juiz delimitada pela mera aplicação da lei. A definição do papel do juiz como a

de um ator político envolve o reconhecimento de que suas atribuições produzem impactos

sociais, econômicos e políticos.

13 Ver Anuário da Justiça 2010, Consultor Jurídico.

Page 43: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

CAPÍTULO II

JUDICIALIZAÇÃO E SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL: AS AÇÕES DE CONCESSÃO DE MEDICAMENTOS

A constitucionalização do pós 1988, ocorrida no Brasil, com a consolidação da

Carta Magna, como já dito aqui, exprime a irradiação dos valores constitucionais no sistema

jurídico. Durante muito tempo, no Brasil, a importância das decisões sobre as políticas

públicas ficou restrita ao pessoal e defensores do Governo, sendo impensável a possibilidade

de influência do Judiciário e da Constituição sobre os projetos elaborados pelo Executivo.

O Brasil, como outros países latino-americanos, tem uma trajetória particular e

muitas vezes conturbada com a prática democrática. As arbitrariedades praticadas pelas

classes dominantes, incluindo os períodos de ditaduras, por diversas vezes projetaram no país

uma sensação epidêmica de fragilidade da democracia brasileira (STRECK, 2004, p.45).

Tendo sido uma colônia de Portugal, o Brasil mesmo após sua independência

permaneceu ligado ao sistema de governo português. As instituições políticas existentes se

curvavam aos poderes do imperador, que por sua vez se dizia legitimado por uma

Constituição por ele esboçada. Com o advento da República em 1891, sob os olhos pálidos e

abismados da população, o Brasil se viu no dever de consolidar um projeto novo com

instituições velhas. Mesmo República, o agora presidente buscava para si os mesmos poderes

contestados no Império.

Com a Revolução de 1930, o Brasil desperta para os movimentos sociais que

movimentavam a Europa na época. A Constituição desse período nasce encharcada dos

valores sociais dos regimes europeus da época. O Estado liberal vai sendo questionado em seu

absenteísmo e a pressão sobre o Estado é contrária ao que até então se via: busca-se um

Estado prestacional, presente e atuante na busca pela efetividade dos direitos dos cidadãos

(BARROSO, 2009, p.42).

Page 44: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

Como seria possível garantir a liberdade, sem fornecer ao cidadão segurança?

Como assegurar a propriedade sem que o Estado intervenha para garantir esse direito? A

política econômica liberal não produzia a riqueza para distribuição igualitária, pelo contrário,

apenas acentuava as desigualdades, produzindo mais exclusão. Ao Estado cabia, então,

reequilibrar as relações sociais. Essa influência dos direitos sociais se tornou visível na

Constituição brasileira de 1934. A partir daí, todas as constituições brasileiras cederam um

espaço aos direitos sociais tidos como direitos de segunda geração/dimensão14. A

Constituição de 1988, tida como a Constituição Cidadã traz um capítulo dirigido apenas aos

direitos sociais, além de dispor sobre outros direitos sociais ao longo de seu texto.

Como dito, esses direitos tem por característica fundamental o dever prestacional

do Estado. Ao Estado, enquanto Legislativo e Executivo, cabe a tarefa de concretizá-los

precipuamente e o deve fazê-lo através de suas políticas de desenvolvimento e atendimento a

população. Logo, é dever primeiro desses dois Poderes a efetivação de Políticas Públicas que

tornem concretas as diretrizes de desenvolvimento traçadas na Constituição.

Em um Estado democrático de Direito, as funções estatais do Legislativo,

Executivo e Judiciário devem se encontrar perfeitamente delineadas, o que não exclui a

possibilidade de controle mútuo entre elas. Desta forma dispõe a Constituição Federal, ao

afirmar que os Poderes da União – Legislativo, Executivo e Judiciário – são independentes e

harmônicos entre si.

Contudo, no Brasil, essa autonomia dos Poderes da União entre si sempre se

apresentou bastante delicada. Por diversas vezes, a história brasileira viu a prevalência de um

dos poderes em relação aos outros, como nos períodos de ditadura, em que se dissolvia o

Congresso Nacional sob o manto de leis extravagantes editadas pelo Executivo e sob o olhar

silencioso do Poder Judiciário (BONAVIDES, 2009, p.58)

14 Alguns autores como Norberto Bobbio (1986), Luís Roberto Barroso (2005) e Ana Paula de Barcelos (2008), por exemplo, preferem o termo dimensão a geração, por entenderem que o termo geração poderia indicar uma sobreposição de direitos, onde os posteriores seriam mais importantes que os anteriores. Na verdade, teria ocorrido uma ampliação de perspectiva, com o reconhecimento de outros direitos no decorrer da história.

Page 45: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

Como sabemos, a separação dos Poderes é um princípio básico em um Estado

democrático de Direito. O ideal é que não haja a prevalência de um sobre os outros, mas que

atuem em equilíbrio e harmonia para a consecução dos fins do Estado.

No Brasil, entretanto, como já dito, um fenômeno se mostra corrente nos tribunais

com ampla repercussão nos meios de comunicação. É a judicialização da política, que

significa que questões relevantes do ponto de vista político, social ou moral estão sendo

decididas, em caráter final pelo Poder Judiciário.

Trata-se de fato de uma espécie de transferência para as instâncias judiciárias, o

dever de concretizar as políticas públicas, em detrimento das instituições políticas

tradicionais, que são o Legislativo e o Executivo.

Podemos ver essa judicialização de questões políticas em países como Estados

Unidos – onde em 2000, ficou a cargo da Suprema Corte a decisão sobre a eleição de Bush

versus Al Gore. Da mesma forma, na Turquia, as decisões da Suprema Corte com vistas a

conter os avanços do fundamentalismo islâmico e por fim a decisão da Suprema Corte

canadense sobre a constitucionalidade de os Estados Unidos realizarem testes de mísseis em

solo canadense.

Na América Latina e de acordo com Rodrigo Uprimny Yepes (2007), podemos

nos referir ao caso mais significativo que é a Colômbia. Segundo o autor, algumas das mais

importantes causas para judicialização da política na Colômbia envolveram a luta contra a

corrupção, a contenção dos abusos das autoridades governamentais, a proteção das minorias e

das populações estigmatizadas, e por fim a necessidade de interferência em políticas

econômicas buscando a proteção judicial para os direitos sociais, como o direito ao emprego e

ao salário mínimo.

Como vemos, as causas para esse fenômeno são várias e no Brasil podemos

visualizar algumas delas. Da mesma forma que em nosso vizinho sulamericano, a corrupção e

os abusos por parte do Executivo e do Legislativo tem um impacto profundo sobre a

população, no Brasil, a desconfiança e o temor para com os políticos, acarreta uma inevitável

perda de credibilidade desses Poderes junto à sociedade. Nesse contexto, percebe-se o

Page 46: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

fortalecimento do Poder Judiciário como via utilizável para combater os arbítrios dos

integrantes dos outros poderes, punindo-os e obrigando-os a tornar efetivas as normas

presentes na Constituição que definem políticas de desenvolvimento para o país.

Da mesma forma, em Tribunais brasileiros inferiores vemos a atuação do Poder

Judiciário na concretização das políticas públicas. Urbano Ruiz (2005), desembargador do

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, enumera alguns casos como o da delegacia do

ensino da Cidade de Rio Claro, interior do Estado de São Paulo, que informou ao promotor de

Justiça que no ano letivo que se aproximava – 1998, faltariam cerca de 500 vagas na primeira

série do ensino fundamental e muitas crianças não teriam acesso à escola.

O Ministério Público documentou os fatos e promoveu ação civil pública para

obrigar o prefeito a criar tais vagas, já que a Constituição Federal, nos art. 211 e 212 obrigava

a Municipalidade a atuar prioritariamente no ensino fundamental, investindo 25%, no mínimo

da receita resultante de impostos. Na audiência de conciliação, o Município relutou em criar

as vagas, mas a liminar foi deferida pelo juiz obrigando o chefe do executivo a alocar essas

crianças nas escolas. Percebe-se aqui a atuação do Poder Judiciário em virtude da omissão do

Executivo em tornar efetivas as políticas públicas para a educação.

Da mesma forma, ações idênticas são propostas no Brasil inteiro a fim de obrigar

a Administração Pública a distribuir gratuitamente remédios para pessoas carentes, sobretudo

aidéticos, que não tenham condições econômicas de adquiri-los.

De fato, a atuação do Poder Judiciário citada acima encontra previsão

constitucional. A Constituição e a legislação infraconstitucional prevê o controle aos outros

poderes por parte do Poder Judiciário visando o bem coletivo. A legalidade dos atos

praticados pelos poderes estatais é algo a ser extremamente prezado, mas é legítima a atuação

dos juízes na concretização das políticas públicas, tendo em vista que ao contrário do Poder

Executivo e Legislativo, o poder judiciário não é eleito pelo povo? O jogo político entre os

Poderes do Estado sempre evoca o debate a respeito da harmonia dos poderes em virtude do

princípio da separação dos Poderes do Estado; e, para a compreensão e crítica da judicilização

da política, esse princípio assume o caráter de relevância e atualidade, especialmente em

sistemas presidencialistas como o brasileiro.

Page 47: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

Os fundamentos dos Estados democráticos modernos encontram suas raízes em

teorias que no passado empreenderam a tarefa de pensar a solução política para a disputa entre

os interesses e poderes, regulando a participação da sociedade e limitando ou justificando o

poder do Estado.

Nesse ponto a teoria da separação dos poderes apresenta um meio eficaz de se

evitar a tirania atribuindo funções específicas para cada poder. Para utilizar a célebre

classificação de Montesquieu (1973), cabe ao poder Legislativo (fazer as leis); ao Poder

Executivo tratar das coisas que relativas ao direito das gentes (paz, guerra, segurança,

prevenção de invasões e etc), que é o poder Executivo do Estado e o por fim, o Poder

Executivo cabe tratar das coisas que dependem do direito civil (punir os crimes, julgar

conflitos entre os indivíduos e etc), ou seja, o poder de julgar.

No século XX, a questão da organização do Estado gravitou em outras

proposições. Diferentes perspectivas apontaram no aumento dos poderes e atribuições do

Executivo frente ao Legislativo, tendo em vista a complexidade das sociedades modernas. No

caso brasileiro, durante o século passado, o Executivo concentrou em si mesmo por diversas

vezes os poderes de legislar e aplicar as leis (Atos institucionais da ditadura, Medidas

provisórias). Com o restabelecimento da democracia, buscou-se uma reorganização da

dinâmica do poder no país, buscando-se equilibrar as funções estatais por métodos de controle

previstos na própria Constituição promulgada em 1988.

É evidente que houve um fortalecimento do Judiciário, com o incremento do

controle de constitucionalidade das leis e a previsão constitucional de ações específicas para

contestar atos do poder executivo. São várias as possibilidades abertas as pessoas para

permitir que políticas públicas sejam determinadas, contestadas ou ajustadas de acordo com o

programa constitucional (BARROSO, 2001, p.661). Entre elas, a ação civil pública, as

diversas ações constitucionais, as ações específicas previstas no controle concentrado de

constitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal, o mandado de injunção15, a Ação de

15 O Mandado de Injunção diz respeito ao processo que pede a regulamentação de uma norma da Constituição, quando os Poderes competentes (especialmente o Legislativo) não o fizeram. O pedido é feito para garantir o direito de alguém prejudicado pela omissão.

Page 48: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

Inconstitucionalidade por Omissão16 e a Arguição de descumprimento de Preceito

Fundamental17.

O Poder Judiciário vem assumindo um importante papel em delimitar políticas

públicas, especialmente considerando os outros países americanos e o fato de que o Brasil

constitui a maior democracia dentre os países da América Latina. Em várias ocasiões, o Poder

Judiciário tem sido chamado para avaliar decisões feitas pelo Congresso ou pelo Presidente, e

como pontua o Professor Matthew Taylor (2008), o Poder Judiciário brasileiro efetivamente

atuou e atua para delimitar e conduzir a implantação de políticas públicas no país.

Nesse sentido, o Poder Judiciário brasileiro, segundo diretamente desafia o

estereótipo regional prevalecente de cortes flexíveis na aplicação da lei, uma visão mantida

viva em virtude de casos como da Argentina ou Chile, onde as cortes tem pouca influência

nas políticas públicas de Governo.

A reforma política é difícil na maioria dos contextos, mas tem representado um

desafio particularmente grande na nova democracia Brasil, devido à confluência de vários

fatores: a escala do país, de profundidade da crise econômica herdada do regime militar, a

largura da Constituição de 1988, e a dificuldade de encontrar o apoio majoritário

extremamente necessário para aprovar reformas. Sob essas condições, foi preciso recorrer a

oposição política. O que não estava previsto - e não foi suficientemente analisada - é a escolha

feita pela oposição da via judicial para conseguir os seus objetivos políticos, e como esta

escolha tem cada vez mais empurrado os tribunais brasileiros para dentro dos debates

políticos.

16 A Ação direta de inconstitucionalidae por Omissão ou ADO, é a ação cabível para tornar efetiva norma constitucional em razão de omissão de qualquer dos Poderes ou de órgão administrativo. Como a Constituição Federal possui grande amplitude de temas, algumas normas constitucionais necessitam de leis que a regulamentem. A ausência de lei regulamentadora faz com que o dispositivo presente na Constituição fique sem produzir efeitos. A ADO tem o objetivo de provocar o Judiciário para que seja reconhecida a demora na produção da norma regulamentadora. Caso a demora seja de algum dos Poderes, este será cientificado de que a norma precisa ser elaborada. Se for atribuída a um órgão administrativo, o Supremo determinará a elaboração da norma em até 30 dias. 17 É um tipo de ação, ajuizada exclusivamente no STF, que tem por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público. Neste caso, diz-se que a ADPF é uma ação autônoma. Entretanto, esse tipo de ação também pode ter natureza equivalente às ADIs (Ação direta de inconstitucionalidade) , podendo questionar a constitucionalidade de uma norma perante a Constituição Federal, mas tal norma deve ser municipal ou anterior à Constituição vigente (no caso, anterior à de 1988). A ADPF é disciplinada pela Lei Federal 9.882/99. Os legitimados para ajuizá-la são os mesmos da ADI.

Page 49: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

O Brasil é também um estudo de caso relevante porque possui lugar de destaque

em seu espaço regional, qual seja a América Latina. É um país líder em desenvolvimento,

com a quinta maior população do mundo e economia que representa mais de um terço do PIB

regional na América Latina.

A experiência brasileira revela que a Judicialização possui um forte componente

característico. Dentre as condições necessárias para o seu surgimento, conforme a

classificação proposta por Neal Tate y Torbjörn Vallinder em The Global Expansion of

Judicial Power e expostas no capítulo anterior, se pode constatar que todas elas fazem parte da

realidade do país, ainda que em diferentes graus e em razão de certos condicionamentos e

particularidades (situação histórica, estrutura institucional, realidade democrática e política,

transformações legais que repercutiram no exercício da função jurisdicional e os direitos

fundamentais).

Fiona Macaulay (2005, p.154), ao examinar as iniciativas de reformas judiciais

levadas a cabo após o período de transição democrática ocorrido no Brasil em 1985, cujo

objetivo consistia na melhoria do modelo de administração de justiça, indica uma visível

revalorização das instituições judiciais como resultado da influência política, econômica e

social nos distintos conjuntos de reformas propostas. As modificações introduzidas na

organização do Poder Judiciário, que o converteram em um poder mais ativo na condução da

vida do país, não podem ser explicadas somente em razão do movimento constitucionalista de

1988; mas com base nas realidades políticas vigentes, nas conjunturas democráticas, no

balanceamento de poder entre as três esferas do Estado, no sistema federal de governo e nos

interesses corporativistas existentes dentro do Judiciário.

Não obstante tudo quanto foi dito, se pode compreender o desenvolvimento do

fenômeno da judicialização da política no Brasil a partir do controle de constitucionalidade

das leis consagrado pela Constituição de 1988, que implicou substanciais modificações na

condução da função jurisdicional. Além disso, a constitucionalização dos direitos e a

crescente tomada de consciência por parte de vários grupos sociais de que o Poder Judiciário

pode servir como instrumento para a tutela dos seus direitos, redimensionaram os horizontes

da atuação daquele poder e ampliaram a repercussão das suas decisões no âmbito político.

Page 50: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

A trajetória da saúde pública no Brasil inicia-se ainda no século XIX, com a vinda

da Corte portuguesa. Nesse período, eram realizadas apenas algumas ações de combate à lepra

e à peste, e algum controle sanitário, especialmente sobre os portos e ruas. É somente entre

1870 e 1930 que o Estado passa a praticar algumas ações mais efetivas no campo da saúde,

com a adoção do modelo “campanhista”, caracterizado pelo uso corrente da autoridade e da

força policial. Apesar dos abusos cometidos 20, o modelo “campanhista” obteve importantes

sucessos no controle de doenças epidêmicas, conseguindo, inclusive, erradicar a febre amarela

da cidade do Rio de Janeiro.

Durante o período de predominância desse modelo, não havia, contudo, ações

públicas curativas, que ficavam reservadas aos serviços privados e à caridade. Somente a

partir da década de 30, há a estruturação básica do sistema público de saúde, que passa a

realizar também ações curativas. É criado o Ministério da Educação e Saúde Pública. Criam-

se os Institutos de Previdência, os conhecidos IAPs, que ofereciam serviços de saúde de

caráter curativo. Alguns destes IAPs possuíam, inclusive, hospitais próprios. Tais serviços,

contudo, estavam limitados à categoria profissional ligada ao respectivo Instituto. A saúde

pública não era universalizada em sua dimensão curativa, restringindo-se a beneficiar os

trabalhadores que contribuíam para os institutos de previdência.

Ao longo do regime militar, os antigos Institutos de Aposentadoria e Pensão

(IAPs) foram unificados, com a criação do INPS – Instituto Nacional de Previdência Social.

Vinculados ao INPS, foram criados o Serviço de Assistência Médica e Domiciliar de

Urgência e a Superintendência dos Serviços de Reabilitação da Previdência Social. Todo

trabalhador urbano com carteira assinada era contribuinte e beneficiário do novo sistema,

tendo direito a atendimento na rede pública de saúde. No entanto, grande contingente da

população brasileira, que não integrava o mercado de trabalho formal, continuava excluído do

direito à saúde, ainda dependendo, como ocorria no século XIX, da caridade pública.

Com a redemocratização, intensificou-se o debate nacional sobre a

universalização dos serviços públicos de saúde. O momento culminante do “movimento

sanitarista” foi a Assembléia Constituinte, em que se deu a criação do Sistema Único de

Saúde. A Constituição Federal estabelece, no art. 196, que a saúde é “direito de todos e dever

do Estado”, além de instituir o “acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua

Page 51: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

promoção, proteção e recuperação”. A partir da Constituição Federal de 1988, a prestação

do serviço público de saúde não mais estaria restrita aos trabalhadores inseridos no mercado

formal. Todos os brasileiros, independentemente de vínculo empregatício, passaram a ser

titulares do direito à saúde.

Do ponto de vista federativo, a Constituição atribuiu competência para legislar

sobre proteção e defesa da saúde concorrentemente à União, aos Estados e aos Municípios

(CF/88, art. 24, XII, e 30, II). À União cabe o estabelecimento de normas gerais (art. 24, § 1º);

aos Estados, suplementar a legislação federal (art. 24, § 2º); e aos Municípios, legislar sobre

os assuntos de interesse local, podendo igualmente suplementar a legislação federal e a

estadual, no que couber (art. 30, I e II). No que tange ao aspecto administrativo, à

possibilidade de formular e executar políticas públicas de saúde, a Constituição atribuiu

competência comum à União, aos Estados e aos Municípios (art. 23, II). Os três entes que

compõem a federação brasileira podem formular e executar políticas de saúde.

Como todas as esferas de governo são competentes, impõe-se que haja cooperação

entre elas, tendo em vista o “equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito

nacional” (CF/88, art. 23, parágrafo único). A atribuição de competência comum

não significa, porém, que o propósito da Constituição seja a superposição entre a

atuação dos entes federados, como se todos detivessem competência irrestrita em

relação a todas as questões. Isso, inevitavelmente, acarretaria a ineficiência na prestação dos

serviços de saúde, com a mobilização de recursos federais, estaduais e municipais para

realizar as mesmas tarefas.

Logo após a entrada em vigor da Constituição Federal, em setembro de 1990, foi

aprovada a Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080/90). A lei estabelece a estrutura e o modelo

operacional do SUS, propondo a sua forma de organização e de funcionamento. O

SUS é concebido como o conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e

instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta. A

iniciativa privada poderá participar do SUS em caráter complementar. Entre as principais

atribuições do SUS, está a “formulação da política de medicamentos, equipamentos,

imunobiológicos e outros insumos de interesse para a saúde e a participação na sua produção”

(art. 6º, VI).

Page 52: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

A Lei nº 8.080/90, além de estruturar o SUS e de fixar suas atribuições,

estabelece os princípios pelos quais sua atuação deve se orientar, dentre os quais vale destacar

o da universalidade – por força do qual se garante a todas as pessoas o acesso às ações e

serviços de saúde disponíveis – e o da subsidiariedade e da municipalização, que procura

atribuir prioritariamente a responsabilidade aos Municípios na execução das políticas de

saúde em geral, e de distribuição de medicamentos em particular (art. 7 o , I e IX).

A Lei nº 8.080/90 procurou ainda definir o que cabe a cada um dos entes

federativos na matéria. À direção nacional do SUS, atribuiu a competência de “prestar

cooperação técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios

para o aperfeiçoamento da sua atuação institucional” (art. 16, XIII), devendo

“promover a descentralização para as Unidades Federadas e para os Municípios,

dos serviços e ações de saúde, respectivamente, de abrangência estadual e municipal” (art. 16,

XV).

À direção estadual do SUS, a Lei nº 8.080/90, em seu art.17, atribuiu as

competências de promover a descentralização para os Municípios dos serviços e das ações de

saúde, de lhes prestar apoio técnico e financeiro, e de executar ações e serviços de saúde.

Por fim, à direção municipal do SUS, incumbiu de planejar, organizar, controlar, gerir e

executar os serviços públicos de saúde (art. 18, I e III).

Como se observa, Estados e União Federal somente devem executar diretamente

políticas sanitárias de modo supletivo, suprindo eventuais ausências dos Municípios.

Trata-se de decorrência do princípio da descentralização administrativa.

A mesma lei disciplina ainda a participação dos três entes no financiamento do

sistema. Os temas do financiamento e da articulação entre os entes para a administração

econômica do sistema, porém, não serão objeto de exame neste estudo. Veja-se, portanto, que

o fato de um ente da Federação ser o responsável perante a população pelo fornecimento de

determinado bem não significa que lhe caiba custeá-lo sozinho ou isoladamente. Esta, porém,

será uma discussão diversa, a ser travada entre os entes da Federação, e não entre eles e os

cidadãos.

Page 53: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

No que toca particularmente à distribuição de medicamentos, a competência de

União, Estados e Municípios não está explicitada nem na Constituição nem na Lei. A

definição de critérios para a repartição de competências é apenas esboçada em inúmeros atos

administrativos federais, estaduais e municipais, sendo o principal deles a Portaria nº

3.916/98, do Ministério da Saúde, que estabelece a Política Nacional de

Medicamentos. De forma simplificada, os diferentes níveis federativos, em colaboração,

elaboram listas de medicamentos que serão adquiridos e fornecidos à população.

Ao gestor federal caberá a formulação da Política Nacional de

Medicamentos, o que envolve, além do auxílio aos gestores estaduais e municipais, a

elaboração da Relação Nacional de Medicamento (RENAME). Ao Município, por

seu turno, cabe definir a relação municipal de medicamentos essenciais, com base

na RENAME, e executar a assistência farmacêutica.

O propósito prioritário da atuação municipal é assegurar o suprimento de

medicamentos destinados à atenção básica à saúde, além de outros medicamentos essenciais

que estejam definidos no Plano Municipal de Saúde. O Município do Rio de Janeiro, por

exemplo, estabeleceu, através da Resolução SMS nº 1.048, de março de 2004, a

Relação Municipal de Medicamentos Essenciais (REMUME), instrumento técnico-normativo

que reúne todo o elenco de medicamentos padronizados usados pela Secretaria

Municipal de Saúde.

O papel do Poder Judiciário, em um Estado constitucional democrático, é o de

interpretar a Constituição e as leis, resguardando direitos e assegurando o respeito ao

ordenamento jurídico. Em muitas situações, caberá a juízes e tribunais o papel de construção

do sentido das normas jurídicas, notadamente quando esteja em questão a aplicação de

conceitos jurídicos indeterminados e de princípios.

Em inúmeros outros casos, será necessário efetuar a ponderação entre

direitos fundamentais e princípios constitucionais que entram em rota de colisão, hipóteses em

que os órgãos judiciais precisam proceder a concessões recíprocas entre normas ou fazer

escolhas fundamentadas.

Page 54: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

CAPÍTULO III

AS POLÍTICAS DE SAÚDE VÃO AO TRIBUNAL – CONCESSÃO DE MEDICAMENTOS E TRATAMENTOS CLÍNICOS.

No início do ano de 2006, o Ministério Público Federal no Estado do Ceará,

ingressou com ação junto a Justiça Federal no Estado do Ceará, pleiteando “a adoção de

medidas atinentes à solução definitiva da problemática da fila de espera das cirurgias eletivas

ortopédicas de alta complexidade, relativas aos hospitais HGF (Hospital Geral de Fortaleza) e

HUWC (Hospital Universitário Walter Cantídio)”.

O Ministério Público Federal, notadamente, faz um pedido bastante genérico: que

o Poder Judiciário obrigue o Poder Executivo (União, Estado do Ceará e Município de

Fortaleza) a solucionarem “definitivamente” a questão grave do longo tempo de espera nas

filas para cirurgias eletivas ortopédicas no Hospital Geral de Fortaleza (HGF) e também no

Hospital Universitário Walter Cantídio. Após pedir a condenação dos três entes demandados a

efetuarem, no máximo em 12 meses, “todas as cirurgias dos pacientes já cadastrados nas filas

de espera do Hospital Universitário Walter Cantídio e Hospital Geral de Fortaleza, sem

descurar das demais medidas médicas que deverão envolver o tratamento a ser dado a esses

pacientes”, o MPF especificou o que deveria ser praticado por cada um dos demandados, no

caso, União, Estado do Ceará e Município de Fortaleza.

O Estado do Ceará e o Município de Fortaleza rebateram as alegações do

Ministério Público do Estado do Ceará, concentrando-se em alguns eixos: primeiro a) as

normas constitucionais que tratam da saúde pública são de eficácia programática; b) compete

exclusivamente ao Poder Executivo formular as políticas públicas; c) a intromissão do Poder

Judiciário, que decide casos específicos, compromete a implantação e efetividade da macro-

política pública; d) devem ser observadas a reserva do possível e as limitações orçamentárias

legalmente previstas.

A União por sua vez, fez uma longa digressão a respeito do princípio da separação

de Poderes do Estado, afirmando que uma decisão favorável ao pleito do MPF (Ministério

Page 55: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

Público Federal) constituiria uma grave lesão ao princípio democrático e a própria República

em si. Aduziu ainda que as decisões judiciais que determinam a execução de política pública

não criam recursos financeiros nem podem levar à aplicação de verbas em fins diversos dos

previstos na lei orçamentária.

Para o juiz que analisou a questão, a apreciação judicial da pretensão à execução

de política pública de saúde não esbarra no princípio constitucional da separação dos poderes

e não implica em invasão, pelo Judiciário, do núcleo de discricionariedade reservado à

Administração no trato dos recursos públicos. Essa opinião representa uma amostra das

decisões recentemente dadas em matéria de concessão de medicamentos, onde segundo

cálculos do próprio STJ, quase 83,4% das ações envolvendo fornecimento de medicamentos

ou tratamentos clínicos, a decisão é favorável ao doente.

Seguindo o pensamento defendido pelo juiz do caso, se a norma jurídica deixa ao

administrador margem de liberdade para agir, não caberia ao Judiciário imiscuir-se nessa

atividade substituindo por sua própria vontade aquela do agente legitimamente eleito para

decidir quanto à conveniência e oportunidade da prática do ato ou de seu objeto.

Contudo, não se pode deixar de frisar que a atividade administrativa destina-se à

satisfação das necessidades e interesses públicos, bem como que a competência

discricionária18 só é atribuída ao administrador em razão da impossibilidade do legislador

prever previamente as soluções ideais para todos os casos concretos. Trata-se de expediente

normativo destinado a fazer com que a Administração melhor atenda à finalidade a que a

regra de direito se destina.

Daí por que, ainda que prevista na lei, se diante de um caso concreto houver uma

única solução possível de atender às necessidades ou interesses públicos, não remanescerá ao

administrador qualquer margem de liberdade. A competência discricionária que lhe foi

atribuída em tese deixará de subsistir em razão das peculiaridades da situação concreta. O

administrador não terá mais possibilidade de escolha sobre a prática ou não do ato ou sobre

18 Competência discricionária: Ato discricionário é aquele praticado com liberdade de escolha de seu conteúdo, do seu destinatário, tendo em vista a conveniência, a oportunidade e a forma de sua realização.Isso não significa que o ato discricionário, por dar uma certa margem de liberdade ao administrador, será realizado fora dos princípios da legalidade e moralidade, pelo contrário segue o mesmo parâmetro do ato vinculado.

Page 56: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

seu objeto, tendo o dever de agir da única forma capaz de satisfazer os interesses coletivos

que a norma procura tutelar.

É o que o jurista Celso de Mello afirma em sua obra Discricionariedade e controle

jurisdicional (2000, pp. 36-37.) :

Com efeito, se a lei comporta a possibilidade de soluções diferentes, só pode ser porque pretende que se dê uma certa solução para um dado tipo de casos e outra solução para outra espécie de casos, de modo a que sempre seja adotada a decisão pertinente, adequada à fisionomia própria de cada situação, tendo em vista atender a finalidade que inspirou a regra de direito aplicanda. A existência de uma variedade de soluções comportadas em lei outorgadora de discrição evidentemente não significa que esta considere que todas estas soluções são igual e indiferentemente adequadas para todos os casos de sua aplicação. Significa, pelo contrário, que a lei considera que algumas delas são adequadas para alguns casos e que outras delas são adequadas para outros casos. Ora, em sendo verdadeira esta afirmação, em sendo corretas – como certamente o são – as lições de Guido Falzone, segundo quem existe um dever jurídico de boa Administração porque a norma só quer a solução excelente, se não for esta a adotada haverá pura e simplesmente violação da noram de Direito, o que enseja correção jurisdicional, dado que terá havido vício de legitimidade. Donde, perante eventos desta compostura, em despeito da discrição presumida na norma de direito, se o administrador houver praticado ato discrepante do único cabível, ou se tiver eleito algum seguramente impróprio ante o confronto com a finalidade da norma, o Judiciário deverá prestar a adequada revisão jurisdicional, porquanto, em rigos, a Adrministração terá desbordado da esfera discricionária, já que esta, no plano das relações jurídicas, só existe perante o caso concreto. Na regra de direito ela está prevista como uma possibilidade – não como uma certeza. A “admissão” de discricionariedade no plano da norma é condição necessária, mas não suficiente para que ocorra in concreto. Sua previsão na “estática” do Direito, não lhe assegura presença na “dinâmica do Direito. Para servimo-nos de expresões da filosofia aristotélico-tomista, a discricionariedade na regra de direito contém in potentia a discricionariedade in actu, mas nada mais que isto. (….) Logo, não bastará invocar a expressão legal enunciadora de conceito fluido ou que dá liberdade de fazer ou não fazer, ou que permite praticar o ato A, B ou C, para que o órgão controlador (interno ou externo) da legitimidade, seja o Judiciário, seja a Administração Pública, tenha que concluir que existe discrição e que, por isso, não pode ser examinado a fundo o ato, sob pena de estar-se entrando no mérito do ato administrativo. É que isto não é “mérito” do ato administrativo.

No Sudeste do País: São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

Segundo Fernanda Bassete, do Jornal Estado de São Paulo (BASSETE, 2011,

p.A24), em 4 anos , São Paulo simplesmente duplicou seus gastos com remédios por

determinação Judicial. Em 2007, o Estado gastou R$ 400 milhões para atender a 8 mil ações,

em 2010 foram gastos R$ 700 milhões para 25 mil ações.

Os itens mais pedidos são para atender doentes que sofrem de diabetes, que não

Page 57: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

são fornecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Além desses, nos três principais estados

do País – Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais –, medicamentos para asma e Doença

Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) lideram o ranking de ações na Justiça. Em geral para

tratamento de alguns tipos de câncer, como drogas para quimioterapria oral ou de doenças

raras.

Esse é o caso, citado pela jornalista, da empresária Francisca Bruzzi, de 50 anos

que precisou recorrer a Justiça para conseguir dar continuidade ao tratamento do marido,

Raimundo, de 61. Diagnosticado como mieloma múltiplo (um tipo de câncer na medula) em

2008, ele tentou vários tratamentos e passou por transplante de medula, mas nada deu certo. A

única alternativa para ele é o medicamento Revlimid19, que não é vendido no Brasil e custa

cerca de R$ 16,5 mil - preço de uma caixa com 30 comprimidos.

O Estado forneceu a ele o remédio similar, chamado Lenalid, que tem o mesmo

princípio ativo do de marca (lenalidomida). Teoricamente, ele oferece os mesmos efeitos ao

paciente e custa R$ 790,00 – 5% do valor do remédio de marca. Segundo a esposa do senhor

Raimundo, dona Francisca, a médica do seu esposo disse que não recomenda o consumo de

um remédio sem comprovação científica da sua eficácia. Por isso, o Sr. Raimundo está sem

receber tratamento.

Apesar disso, o Secretário de Saúde, Giovanni Guido Cerri, diz que a secretaria

recorre as drogas genéricas ou similares quando o juiz não especifica na decisão o nome do

medicamento de marca e sim o princípio ativo. O hematologista Celso Massumoto, da

Associação brasileira de Linfoma e Leucemia, diz que os médicos costumam receitar o

remédio de marca, muitas vezes motivados por laboratórios, mas que a maior dificuldade é o

preço. Em geral, os laboratórios costumam seguir exigências internacionais, mas os genéricos

produzidos em países como Índia, possuem o mesmo princípio ativo.

E não é só a lenalidomida que apresenta versões similares ou genéricas. Segundo

dados da secretaria, há 118 ações para fornecimento de anastrazol – droga usada no

19 Revmilid é utilizado para tratar doentes adultos aos quais tenha sido diagnosticado mieloma múltiplo. Mieloma múltiplo é um tipo de cancro do sangue que afecta os glóbulos brancos que produzem anticorpos.

Page 58: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

tratamento de câncer de mama. Em 95 delas, o Estado fornece a versão genérica e para as

outras 13, entrega a droga de referência (Arimidex)20. A mesma coisa também tem acontecido

com 131 ações que pedem o medicamento letrozol21 – também para câncer de mama. Em 116

casos, o Estado fornece a droga genérica; nas 15 restantes, entrega a versão de marca

(Femara)

Ainda segundo a reportagem do Jornal Estado de São Paulo, a aposentada Alda

Scurzio Mantovani, de 70 anos, trata um câncer de mama e também foi à Justiça. Por dois

anos, ela comprou o remédio que custava cerca de R$ 500,00 por mês. Mas foi a Justiça

quando se endividou. Alda precisava do Arimidex mas recebeu a versão genérica do Estado.

“algumas vezes me peguei pensando: será que esse remédio tem o mesmo efeito do de marca?

Fiquei com dúvida, porque o câncer é uma doença muito difícil, mas o meu médico me

tranquilizou, diz” (BASSETE, 2011, p.A24).

Pacientes que sofrem com doenças raras reclamam principalmente da demora para

o fornecimento de medicamentos. A associação Brasileira de Hemoglobinuria Paroxística

Noturna22 afirma que 16 pacientes já receberam liminares ou sentenças que garantem o acesso

a um remédio essencial para o tratamento, mas ainda aguardam o fornecimento do Estado.

A doença afeta 1 a cada 100 mil pessoas e é hereditária. Causa uma anemia

crônica e aumenta as chances de trombose. Fernanda Tavares, advogada que atende a

ABHPN, afirma que alguns pacientes demoram mais de 60 dias para receber o remédio –

prazo concedido para a secretaria cumprir a decisão. Em nota, a secretaria critica a “enxurrada

de decisões judiciárias obrigando o governo a comprar medicamentos não padronizados,

alguns sem registro (BASSETE, 2011, p.A24).

Como dito, geralmente, os médicos receitam os medicamentos de marca, muitas

20 Arimidex é um potente inibidor não-hormonal da aromatase e altamente seletivo para mulheres em tratamento contra o câncer de mama. Seu valor fica em torno de R$ 690,00, por uma caixa com 28 comprimidos. 21 Letrozol, versão genérica do medicamento Femara. Utilizado no combate ao Câncer de mama pós-menopausa. O preço da versão de marca Femara pode chegar a R$ 530,00 por uma caixa com 25 comprimidos. A versão genérica Letrozol se apresenta com o preçø de até R$ 200,00, por uma caixa com 28 comprimidos. 22 Hemoglobinúria paroxística noturna (ou HPN) é uma anemia hemolítica crônica causada por um defeito na membrana das hemácias. Caracterizada pela presença de hemácias na urina (hematúria). O termo noturno se refere a crença de que a hemólise era causada pela acidose que ocorre durante o sono mas a hemólise ocorre continuamente. Esta doença rara atinge igualmente ambos os sexos.

Page 59: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

vezes motivados por laboratórios. Ao Estado é facultado conceder o genérico, contudo, alguns

juízes determinam em suas sentenças até mesmo que apenas o remédio de marca pode ser

concedido.

Os gêmeos Aurélio e Rômulo Galina nasceram em 1978, prematuros. Na

maternidade, receberam sangue para contornar os riscos da gestação interrompida aos sete

meses. Sem exames preliminares, o material doado fez com que os dois contraíssem o vírus

da hepatite C. Por ser uma doença assintomática, ela só foi diagnosticada mais de 20 anos

depois, durante uma doação de sangue. Segundo os irmãos Galina, para conviver com o

problema, acima de tudo, é preciso dinheiro. Em média, os tratamentos para a hepatite C

exigem um gasto anual de 150 mil reais.

Segundo Aurélio falando ao Portal IG: “Conseguir medicamentos por ação

judicial no Brasil é uma questão de sorte”, diz Aurélio, hoje advogado, especializado na área.

Ele revela que começou a focar sua atuação profissional nesse tipo de caso logo após

descobrir a doença e entender a burocracia necessária para obter tratamento. (MACHADO,

2012, online)

Por um ano, ele e o irmão tiveram acesso aos remédios específicos, custeados pela

Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo. Entretanto, sem a resposta esperada, foi preciso

mudar a medicação. Ao solicitarem a alteração prescrita pelo médico, foram informados que

tal medicamento só era concedido aos pacientes que nunca haviam recebido tratamento. O

processo exigiu ação contra a Secretaria da Saúde para reverter e garantir a medicação – que,

em média, pode demorar 30 dias para ser aprovada ou não. Em alguns casos, é preciso expedir

um Mandado de Segurança. Nele, a resposta não deve ultrapassar 48 horas.

A falta de critérios também abala os cofres públicos, já que muitos juízes não

dispõe de meios adequados ou suficiente conhecimento para avaliar a necessidade de

concessão do medicamento em questão. Vânia Saerma Rabello, assessora-chefe da Assessoria

Técnica da Secretaria da Saúde de Minas Gerais, alega que, em seu Estado, a maioria das

ações são aprovadas pelos juízes.

“Quando o assunto é saúde e tem risco de vida, é muito difícil de um juiz ser

Page 60: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

contrário. Ele não tem embasamento técnico para avaliar corretamente. Na dúvida, a maioria

aprova. Em casos de pacientes exigindo medicamentos para câncer, por exemplo,

praticamente não há indeferimento. De janeiro a agosto de 2009 já gastamos 35 milhões para

subsidiar medicamentos.”

A Secretaria de Estado da Saúde do Estado de São Paulo revela que atende

atualmente a 24,3 mil ações judiciais para distribuição de medicamentos padronizados e não

padronizados pelo Ministério da Saúde para entrega na rede pública, com gasto de 57 milhões

por mês. E atende a 17,9 mil pedidos administrativos, com gasto mensal de 30,8 milhões.

Em 2009 foram ajuizadas 4.588 ações novas contra o Estado do Rio de Janeiro no

âmbito da saúde. Em 2007, foram gastos nove milhões de reais na compra de medicamentos e

serviços com intuito de cumprir as decisões judiciais. Em 2009 esse gasto aumentou para 50

milhões.

Entre 2003 e 2009, o Ministério da Saúde respondeu a 5.323 processos judiciais

com solicitações de medicamentos, o que representou um gasto de 159,03 milhões de reais.

Os 5.323 processos de ações judiciais com solicitações de remédios se referem a 1.151

medicamentos – do total são 1.116 fabricados no país e 35 importados. Em 2009, o Ministério

da Saúde investiu 83,16 milhões na compra desses medicamentos– 78,4% desse valor foi para

aquisição dos 35 remédios importados. Na esfera federal, os gastos com demandas judiciais

também aumentaram.

O Ministério da Saúde afirmou em janeiro de 2013 por meio de sua Assessoria de

Imprensa, que, entre 2003 e 2011, o gasto com pedidos de medicamentos cresceu 142 mil

vezes. "O aumento das ações judiciais se dá ano a ano por diversos fatores. Entre eles está o

fato de aumentar, a cada ano, o número de novos medicamentos e tratamentos no mercado, o

que expande a demanda. Além disso, está crescendo a cultura da judicialização", declarou em

nota.

Para diminuir os abalos financeiros e tentar conter as incoerências, a capital

fluminense criou o Núcleo de Assessoria Técnica em Ações de Saúde. Uma cooperação entre

a Secretaria da Saúde e o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. A proposta foi de

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dar subsídios técnicos aos juízes nas ações para fornecimento de medicamentos, insumos para

saúde, alimentos e tratamentos médicos.

As incoerências se transformam em aberrações em determinadas cidades do

Brasil. A Defensoria Pública de Santa Cataria revela que nos últimos anos, o atendimento

básico de saúde do Estado não recebeu nenhum investimento. Medicamentos já assimilados

pela Secretaria de Saúde de São Paulo, e incorporado ao SUS nessa região, ainda são motivos

de ações judiciais na região sul. (MACHADO, 2012, online)

Em 2009, Florianópolis protocolou 1600 novos casos de ações por medicamento.

A Defensoria atende a população carente, com renda de até 1500 reais mensais. Segundo

Oliveira, o número é crescente porque a informação chega às comunidades. Segundo o

Defensor Público Gabriel Oliveira “Antigamente só os mais ricos sabiam como reivindicar os

direitos. Hoje, as famílias mais pobres começaram a recorrer também".

O lobby de empresas farmacêuticas, ações judiciais para exigir uma determinada

marca de um medicamento disponível nos postos de saúde são alertas recorrentes dos órgãos

públicos e justificativa para que muitas ações não sejam aprovadas.

Para Ana Luiz Chieffi (2010, p.44), em trabalho que analisou várias ações de

concessão de medicamentos, há na verdade, uma verdadeira estratégia da indústria

farmacêutica que se utiliza das ações judiciais para introduzir e vender novos medicamentos.

Segundo Chieffi, O lobby da indústria e do comércio de produtos farmacêuticos com

associações de portadores de doenças crônicas e o intenso trabalho de propaganda com os

médicos fazem com que tanto os usuários quanto os prescritores passem a considerar

imprescindível o uso de medicamentos novos. Em regra, esses produtos são de altíssimo

custo, mas nem sempre são mais eficazes que outros de custo inferior, indicados para a

mesma doença

No Brasil, o medicamento só pode ser comercializado após a aprovação do

registro do produto pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Porém, sua

aprovação não signifi ca que será incorporado aos programas de assistência farmacêutica do

SUS. O poder público defi ne em seus programas os medicamentos para tratamento das

Page 62: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

doenças, com base em critérios aceitos cientificamente, pois esses medicamentos serão

utilizados por milhões de brasileiros; dessa maneira, é primordial ofertar à população

medicamentos seguros, efi cazes, eficientes e custo-efetivos.

Grande parte da demanda judicial solicita medicamentos não incorporados pelo

SUS, isto é, que não têm sua distribuição prevista por algum dos programas de assistência

farmacêutica. Entretanto, existem casos em que o tratamento da doença, para o qual o

medicamento está sendo solicitado, está previsto e normatizado com a oferta de alternativas

terapêuticas. A interpretação do direito universal à saúde e da responsabilidade do Estado em

garanti-lo, bem como dos princípios constitucionais da universalidade e integralidade, têm

sido utilizados para justificar as demandas judiciais para a obtenção de medicamentos e outros

procedimentos médicos quando estes não estão programaticamente padronizados pelo SUS.

A corrupção na área da saúde, entretanto, na visão do defensor público Gabriel

Oliveira em entrevista ao portal IG, não pode mascarar um problema crônico de acesso.

“Impedir que um cidadão consiga um medicamento para tratar um câncer linfático, o mesmo

que curou a Presidente eleita Dilma Rousseff, depende do Estado onde ele mora, de ação na

Justiça e da sorte de seu processo cair nas mãos do juiz certo, ou no mínimo, mais flexível.”

É o que afirma WEICHERT, citado por Wanderley (2011, p.88)

Vale dizer, o cidadão tem o direito a tratamento para qualquer patologia, ainda que de extrema complexidade e de elevado custo. (...) No caso da rede do SUS, porém, a integralidade é princípio constitucional e fundamenta, inclusive, a obrigação do poder público oferecer serviços em todas as especialidades e complexidades, mesmo quando não rotineiramente incluídas na sua lista de serviços. Não pode o Poder Público deixar de prestar adequado atendimento, ainda que se trate de mal raro. A integralidade de atendimento compreende, ainda, a obrigação do Poder Público fornecer medicamentos e correlatos, mesmo a pacientes não internados, na linha do vetor da prevenção estipulado no inciso II do artigo 198. evidente, porém, que apenas medicamentos devidamente registrados nos órgãos nacionais de vigilância sanitária devem ser fornecidos. Por outro lado, há parcial discricionariedade do Poder Público para definir, dentre os vários remédios disponíveis no mercado, os mais eficazes e compatíveis com as patologias tratadas. Essa discricionariedade, todavia, não permite a recusa em fornecer produtos caros ou específicos para certas moléstias raras.

Quando alguém necessita de cuidados médicos e recorre ao SUS, geralmente

Page 63: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

procura uma unidade de saúde municipal, ou posto de saúde. Essa unidade tem o dever de

prestar o atendimento e de fornecer os medicamentos receitados. Se o Município não puder

prestar o serviço cabível, tendo em vista as obrigatoriedades assumidas, nos termos de seu

nível de inserção ao SUS, o que está definido na política estadual, ou não contar com o

medicamento exigível, deve encaminhar o paciente ao Estado ou requisitar, do Estado, o

medicamento. (MURARO, 2008, online)

O SUS é financiado pela União, estados-membros, Distrito Federal e municípios,

e é solidária responsabilidade dos referidos entes no cumprimento dos serviços públicos de

saúde que devem ser prestados em favor da população, consoante o expresso no artigo 23, II

da CF/88, ainda que exista hierarquia interna na divisão de responsabilidades, em especial no

tocante à dispensação dos medicamentos.

A implantação das políticas sociais que concretizam os direitos desta natureza

carecem de recursos que, na realidade, são escassos. As necessidades são crescentes e os

recursos, escassos; surge o problema da escolha de quais casos serão atendidos. Quem vai a

juízo com uma pretensão, exercendo direito de ação, não busca meramente uma decisão

judicial, mas sim um efeito fático-jurídico concreto. A pretensão relativa a um medicamento

ou tratamento não terá seu direito atendido com uma mera declaração judicial acerca de sua

existência.

Qualquer dos meios de coerção utilizados pelo Direito para obrigar o agente

público a fornecer o medicamento requerido apresenta problemas sérios frente ao Estado. A

pena pelo crime de desobediência a uma decisão judicial, encontra grave óbice na

consideração de que a falta de recursos não pode ser diretamente imputada ao administrador e

a escolha de atendimento de um caso em detrimento de outro se encontra em um nebuloso

campo próximo ao mérito administrativo.

No que tange aos medicamentos e tratamentos de alto custo, existem correntes

doutrinárias afirmando que não pode haver o fornecimento de um medicamento ou tratamento

de alto custo em detrimento de outros pacientes que não têm acesso a tratamentos tão

onerosos. As negativas da satisfação do direito à saúde também se justificam com base apenas

na teoria da reserva do possível e nos princípios da competência parlamentar em matéria

Page 64: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

orçamentária, e no da separação dos poderes.

A Constituição de 1988 e a política pública de fornecimento de medicamentos e

tratamentos clínicos do SUS.

A Constituição de 1988 representou sob diversos aspectos um divisor de águas na

história do país, e um dos mais destacados é o da assistência pública à saúde. O tema, ausente

das Constituições anteriores, foi incluído e tratado com princípios muito claros:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao poder público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III - participação da comunidade.

Segundo tais princípios foi concebido e criado o Sistema Único de Saúde (SUS),

regulado pela Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, complementada pela Lei nº 8.142, de

28 de dezembro de 1990, chamadas conjuntamente de leis orgânicas da saúde. O capítulo II

da Lei nº 8.080/90 trata dos princípios e diretrizes do SUS:

Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios: I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema; III - preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral; IV - igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer

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espécie; V - direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde; VI - divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e a sua utilização pelo usuário; VII - utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação de recursos e a orientação programática; VIII - participação da comunidade; IX - descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de governo: a) ênfase na descentralização dos serviços para os municípios; b) regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde; X - integração em nível executivo das ações de saúde, meio ambiente e saneamento básico; XI - conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de serviços de assistência à saúde da população; XII - capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência; e XIII - organização dos serviços públicos de modo a evitar duplicidade de meios para fins idênticos.

Entre os princípios do SUS, está o da integralidade da assistência, que pode ser

compreendida como o conjunto articulado de ações e serviços preventivos e curativos,

individuais e coletivos, exigidos para cada caso, em todos os níveis de complexidade do

sistema (MACHADO, 2010, online) . Da mesma forma, os princípios do SUS advogam,

ainda, a igualdade da assistência, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie. Por

sua vez, o fornecimento de medicamentos aos beneficiários do SUS está previsto no art. 6o da

Lei nº 8.080/90:

Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS):1 I - a execução de ações: a) de vigilância sanitária; b) de vigilância epidemiológica; c) de saúde do trabalhador; e d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica;

Como já dito, a integralidade da assistência é um dos princípios basilares do SUS.

O medicamento não deve ser concebido isoladamente, mas como um dos componentes do

tratamento. É, contudo, um componente essencial cuja disponibilidade para os pacientes

necessita ser garantida.

Para garantir esse fornecimento de medicamentos, há uma verdadeira teia com

diversas leis e portarias que são dispostas de forma sistêmica a fim de abarcar várias situações

Page 66: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

possíveis, desde a produção de medicamentos, seleção de medicamentos a serem utilizados

pelo SUS, financiamento de medicamentos, até a prescrição e dispensação de medicamentos.

Quanto a produção e seleção de medicamentos a serem empregados pelo SUS,

temos inicialmente a Portaria GM nº 374 de 28 de fevereiro de 2008, que institui no âmbito do

Sistema Único de Saúde - SUS, o Programa Nacional de Fomento à Produção Pública e

Inovação no Complexo Industrial da Saúde; assim como, a Portaria nº 2.012, de 24 de

setembro de 2008 que aprova a 6ª Edição da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais -

Rename. Temos também a portaria nº 1.254, de 29 de julho de 2005 que Constitui a Comissão

Técnica e Multidisciplinar de atualização da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais –

Rename.

Quanto a aquisição de medicamentos pelo SUS e possivelmente, uma das leis que

mais no interesse quanto a esse trabalho, porque delimita os limites orçamentários para a

compra de medicamentos e os prazos licitatórios para que isto aconteça, temos a Lei nº 8.666,

de 21 de junho de 1993 que regulamenta o Art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal,

institui normas para licitações e contratos da Administração Pública; temos também, Portaria

nº 2.583, de 10 de outubro de 2007 que define elenco de medicamentos e insumos

disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde, nos termos da Lei nº 11.347/2006, aos

usuários portadores de Diabetes Mellitus23.

Junte-se a estas normas a Portaria nº 1.818, de 02 de dezembro de 1997 que

recomenda que nas compras e licitações públicas de produtos farmacêuticos realizadas nos

níveis federal estadual e municipal pelos serviços governamentais, conveniadas e contratados

pelo SUS, sejam incluidas exigências sobre requisitos de qualidade a serem cumpridas pelos

fabricantes e fornecedores desses produtos.

Quanto a prescrição e dispensação de medicamentos, devemos citar a Resolução

23 Esse dado é interessante, visto que essa norma foi publicada em 2007, momento em que as ações envolvendo medicamentos passaram a ter mais visibilidade e se refere a doença Diabetes Mellitus. Segundo Fernanda Bassete em matéria publicada pelo Jornal o Estado de São Paulo dia 03 de dezembro de 2011, página A24, os itens mais pedidos são para diabetes, que não são fornecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), além de remédios de alto custo – em geral para tratamento de alguns tipos de câncer, como drogas para quimioterapria oral ou de doenças raras.

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nº 480, de 23 de setembro de 1999 que publicou a atualização das listas de substâncias

sujeitas a controle especial (anexo I) em acordo com o artigo 101 do Regulamento Técnico

aprovado pelas Portaria SVS/MS 344, de 12 de maio de 1998, republicado no Diário Oficial

da União (D.O.U) de 01 de fevereiro de 1999. Cite-se também a Portaria nº 344, de 12 de

maio de 1998 que aprova o Regulamento Técnico sobre substâncias e medicamentos sujeitos

a controle especial.

Além disso, quanto ao financiamento de medicamentos, temos a Portaria nº 1.928,

de 17 de setembro de 2008 que altera os dados populacionais dos Municípios brasileiros

discriminados no Anexo III da Portaria nº 3.237/GM, de 24 de dezembro de 2007, referente

aos recursos financeiros do Componente Básico da Assistência Farmacêutica; temos também

a Portaria nº 362, de 27 de fevereiro de 2008 que aprova incentivo financeiro para apoio as

ações de assistência farmacêutica no âmbito do Programa Nacional de Reorientação da

Formação Profissional em Saúde - PRÓ-SAÚDE.

Junte-se a estas, a Portaria nº 3.237, de 25 de dezembro de 2007 que aprova as

normas de execução e de financiamento da assistência farmacêutica na atenção básica em

saúde; assim como a Portaria nº 204/GM, de 29 de janeiro de 2007 que regulamenta o

financiamento e a transferência dos recursos federais para as ações e os serviços de saúde, na

forma de blocos de financiamento, com o respectivo monitoramento e controle.

Quanto a política de medicamentos e assistência farmacêutica, temos a Portaria nº

2.577, de 27 de outubro de 2006 que aprova o Componente de Medicamentos de Dispensação

Excepcional como parte da Política Nacional de Assistência Farmacêutica do Sistema Único

de Saúde; temos também a Portaria nº 816, de 31 de maio de 2005 que constitui o Comitê

Gestor Nacional de Protocolos de Assistência, Diretrizes Terapêuticas e incorporação

Tecnológica em Saúde, e dá outras providências. Junte-se a estas, a Resolução nº 338, de 06

de maio de 2004 que aprova a Política Nacional de Assistência Farmacêutica; a Portaria nº

3.916, de 30 de outubro de 1998 que aprova a Política Nacional de Medicamentos.

Por fim, quanto ao uso racional de medicamentos, temos a Portaria nº 2, de 01 de

fevereiro de 2008 que aprova o Regimento Interno do Comitê Nacional para a promoção do

Uso Racional de Medicamentos; temos também a Portaria nº 1.555, de 27 de junho de 2007

Page 68: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

que institui o Comitê Nacional para a Promoção do Uso Racional de Medicamentos.

Nota-se que a política pública de distribuição de medicamentos existente no

Brasil, se encontra fundamentada em um sólido sistema de portarias e resoluções.

Inicialmente, de acordo com a Portaria nº 204/GM, de 29 de janeiro de 2007 temos que:

1) o financiamento das ações e serviços de saúde é de responsabilidade das três

esferas de gestão do SUS;

2) os recursos federais destinados às ações e aos serviços de saúde são

organizados e transferidos na forma de blocos de financiamento, a saber: I - Atenção Básica;

II - Atenção de Média e Alta Complexidade Ambulatorial e Hospitalar; III - Vigilância em

Saúde; IV - Assistência Farmacêutica; e V - Gestão do SUS. Ao tratar especificamente da

assistência farmacêutica, a portaria dispõe:

Art. 24. O bloco de financiamento para a Assistência Farmacêutica será constituído por três componentes: I - Componente Básico da Assistência Farmacêutica; II - Componente Estratégico da Assistência Farmacêutica; e III - Componente de Medicamentos de Dispensação Excepcional. Art. 25. O Componente Básico da Assistência Farmacêutica destina-se à aquisição de medicamentos e insumos da assistência farmacêutica no âmbito da atenção básica em saúde e àqueles relacionados a agravos e programas de saúde específicos, no âmbito da atenção básica. § 1º O Componente Básico da Assistência Farmacêutica é composto de uma Parte Financeira Fixa e de uma Parte Financeira Variável. § 2º A Parte Financeira Fixa do Componente Básico da Assistência Farmacêutica consiste em um valor per capita, destinado à aquisição de medicamentos e insumos da assistência farmacêutica em atenção básica, transferido aos Estados, ao Distrito Federal e (ou) Municípios, conforme pactuação nas Comissões Intergestores Bipartite - CIB. § 3º Os gestores estaduais e municipais devem compor o financiamento da Parte Fixa do Componente Básico, como contrapartida, em recursos financeiros, medicamentos ou insumos, conforme pactuação na CIB e normatização da Política de Assistência Farmacêutica vigente. § 4º A Parte Financeira Variável do Componente Básico da Assistência Farmacêutica consiste em valores per capita, destinados à aquisição de medicamentos e insumos da assistência farmacêutica dos Programas de Hipertensão e Diabetes, Asma e Rinite, Saúde Mental, Saúde da Mulher, Alimentação e Nutrição e Combate ao Tabagismo. § 5º Os recursos da Parte Variável do Componente Básico da Assistência Farmacêutica referentes a medicamentos para os Programas de Asma e Rinite, Hipertensão e Diabetes, devem ser descentralizados para Estados, Distrito Federal ou Municípios, conforme pactuação na Comissão Intergestores Bipartite. § 6º Os demais recursos da Parte Variável do Componente Básico da Assistência Farmacêutica poderão ser executados centralizadamente pelo Ministério da Saúde ou descentralizados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, conforme

Page 69: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

pactuação na Comissão Intergestores Tripartite e, posteriormente, nas Comissões Intergestores Bipartite, mediante a implementação e a organização dos serviços previstos nesses programas. § 7º Os recursos destinados ao medicamento Insulina Humana, do grupo de medicamentos do Programa Hipertensão e Diabetes, serão executado centralizadamente pelo Ministério da Saúde, conforme pactuação na CIT. Art. 26. O Componente Estratégico da Assistência Farmacêutica destinase ao financiamento de ações de assistência farmacêutica dos seguintes programas de saúde estratégicos: I - controle de endemias, tais como a tuberculose, a hanseníase, a malária, a leishmaniose, a doença de chagas e outras doenças endêmicas de abrangência nacional ou regional; II - anti-retrovirais do programa DST/Aids; III - sangue e hemoderivados; e IV - imunobiológicos. Art. 27. O Componente Medicamentos de Dispensação Excepcional –CMDE destina-se ao financiamento de Medicamentos de Dispensação Excepcional, para aquisição e distribuição do grupo de medicamentos, conforme critérios estabelecidos em portaria específica. § 1º O financiamento para aquisição dos medicamentos do Componente de Medicamentos de Dispensação Excepcional é de responsabilidade do Ministério da Saúde e dos Estados, conforme pactuação na Comissão Intergestores Tripartite - CIT. § 2º Os recursos do Ministério da Saúde aplicados no financiamento do CMDE terão como base a emissão e aprovação das Autorizações de Procedimentos de Alta Complexidade/Alto Custo – APAC, emitidas pelos gestores estaduais, vinculadas à efetiva dispensação do medicamento e de acordo com os critérios técnicos definidos na Portaria nº 2.577/GM, de 27 de outubro de 2006. § 3º Trimestralmente, o Ministério da Saúde publicará portaria com os valores a serem transferidos mensalmente às Secretarias Estaduais de Saúde, apurados com base na média trimestral das Autorizações de Procedimentos de Alta Complexidade/Alto Custo – APAC, emitidas e aprovadas conforme critérios e valores de referência indicados para o Grupo 36 da Tabela SIA/SUS.

Em princípio, o SUS deve ser capaz de fornecer medicamentos de forma gratuita

para todas as pessoas. Contudo, diante da dificuldade para que essa meta se concretize, outras

medidas foram tomadas no âmbito das políticas públicas, como a criação do Programa

“Farmácia Popular do Brasil, mediante o Decreto nº 5.090, de 20 de maio de 2004:

Art. 1o Fica instituído o Programa "Farmácia Popular do Brasil", que visa a disponibilização de medicamentos, nos termos da Lei no 10.858, de 13 de abril de 2004, em municípios e regiões do território nacional. § 1o A disponibilização de medicamentos a que se refere o caput será efetivada em farmácias populares, por intermédio de convênios firmados com Estados, Distrito Federal, Municípios e hospitais filantrópicos, bem como em rede privada de farmácias e drogarias. § 2oEm se tratando de disponibilização por intermédio da rede privada de farmácia e drogarias, o preço do medicamento será subsidiado. Art. 2oA Fundação Oswaldo Cruz - FIOCRUZ será a executora das ações inerentes à aquisição, estocagem, comercialização e dispensação dos medicamentos, podendo para tanto firmar convênios com a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, sob a supervisão direta e imediata do Ministério da Saúde. Parágrafo único. O Ministério da Saúde poderá firmar convênio com entidades

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públicas e privadas, visando à instalação e implantação de novos serviços de disponibilização de medicamentos e insumos, mediante ressarcimento, tão-somente, de seus custos de produção ou aquisição. Art. 3o O rol de medicamentos a ser disponibilizado em decorrência da execução do Programa "Farmácia Popular do Brasil" será definido pelo Ministério da Saúde, considerando-se as evidências epidemiológicas e prevalências de doenças e agravos. Art. 4o O Programa "Farmácia Popular do Brasil" será executado sem prejuízo do abastecimento da rede pública nacional do Sistema Único de Saúde - SUS.

Segundo dados do portal do Ministério da Saúde, o programa Farmácia Popular

do Brasil começou em 2004 com apenas 27 unidades e hoje conta com 529 unidades.

Como se pode antever, o principal fator limitante dos sistemas de saúde em todo o

mundo é sem sombra de dúvida o orçamentário. A descoberta de novos tratamentos e drogas,

a sofisticação dos procedimentos, a criação de novos exames, o envelhecimento populacional,

o alto preço dos medicamentos sob proteção patentária, todos fatores somam-se para criar

uma espiral ascendente de custos, e cada país lança mão dos meios disponíveis para suprir as

necessidades de seus cidadãos.

O que percebemos em nossa pesquisa, é que enquanto Política de Saúde Pública, o

SUS se apresenta com alternativas viáveis, buscando atender a população dentro dos limites

orçamentários que possui. O que nos fez concluir que as ações pleiteando o fornecimento de

medicamentos constituem exceções, instigadas pela omissão do Poder Público em legislar ou

expandir a política de saúde pública a fim de abarcar situações ainda sem o amparo que

necessita.

A questão é sem dúvida, bem grave, complexa e com capacidade de gerar ainda

muitas discussões e conflitos. O SUS, apesar de todo o arcabouço que possui para amparar os

cidadãos e dos avanços nos últimos anos, apresenta falhas e por vezes, é golpeado pela

corrupção e pelo descaso.

Podemos analisar o fenômeno por duas óticas então: por uma ótica micro, pontual

relativa a casos individuais e outra macro referente a problemas de natureza estrutural e geral.

A questão é controversa porque envolve princípios e direitos fundamentais, como

dignidade da pessoa humana, vida e saúde. Disso resultam duas consequências relevantes. A

Page 71: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

primeira: como cláusulas gerais que são, comportam uma multiplicidade de sentidos possíveis

e podem ser realizados por meio de diferentes atos de concretização. Em segundo lugar,

podem eles entrar em rota de colisão entre si. A extração de deveres jurídicos a partir de

normas dessa natureza e estrutura deve ter como cenário principal as hipóteses de omissão dos

Poderes Públicos ou de ação que contravenha a Constituição. Ou, ainda, de não atendimento

do mínimo existencial.

Para Barroso (2009, p.67), o controle jurisdicional em matéria de entrega de

medicamentos deve ter por fundamento, como todo controle jurisdicional, uma norma

jurídica, fruto da deliberação democrática. Assim, se uma política pública, ou qualquer

decisão nessa matéria, é determinada de forma específica pela Constituição ou por leis

válidas, a ação administrativa correspondente poderá ser objeto de controle jurisdicional como

parte do natural ofício do magistrado de aplicar a lei. Também será legítima a utilização de

fundamentos morais ou técnicos, quando seja possível formular um juízo de certo/errado

em face das decisões dos poderes públicos.

A normatividade e a efetividade das disposições constitucionais estabeleceram

novos patamares para o constitucionalismo no Brasil e propiciaram uma virada

jurisprudencial que é celebrada como uma importante conquista. Em muitas situações

envolvendo direitos sociais, direito à saúde e mesmo fornecimento de medicamentos, o

Judiciário poderá e deverá intervir. Tal constatação, todavia, não torna tal intervenção imune a

objeções diversas, sobretudo quando excessivamente invasiva da deliberação dos outros

Poderes. De fato, existe um conjunto variado de críticas ao ativismo judicial nessa matéria,

algumas delas dotadas de seriedade e consistência.

A primeira e mais freqüente crítica oposta à jurisprudência brasileira se apóia na

circunstância de a norma constitucional aplicável estar positivada na forma de norma

programática. O artigo 196 da Constituição Federal deixa claro que a garantia do direito à

saúde se dará por meio de políticas sociais e econômicas, não através de decisões judiciais. A

possibilidade de o Poder Judiciário concretizar, independentemente de mediação legislativa, o

direito à saúde encontra forte obstáculo no modo de positivação do artigo 196, que claramente

defere a tarefa aos órgãos executores de políticas públicas.

Page 72: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

Talvez a crítica mais freqüente seja a financeira, formulada sob a denominação de

“reserva do possível”. Os recursos públicos seriam insuficientes para atender às necessidades

sociais, impondo ao Estado sempre a tomada de decisões difíceis. Investir recursos em

determinado setor sempre implica deixar de investi-los em outros. De fato, o orçamento

apresenta-se, em regra, aquém da demanda social por efetivação de direitos, sejam

individuais, sejam sociais.

Em diversos julgados mais antigos, essa linha de argumentação predominava. Em

1994, por exemplo, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ao negar a concessão de medida

cautelar a paciente portador de insuficiência renal, alegou o alto custo do medicamento, a

impossibilidade de privilegiar um doente em detrimento de outros, bem como a

impropriedade de o Judiciário “imiscuir-se na política de administração pública”.

Mais recentemente, vem se tornando recorrente a objeção de que as decisões

judiciais em matéria de medicamentos provocam a desorganização da Administração Pública.

São comuns, por exemplo, programas de atendimentos integral, no âmbito dos quais, além de

medicamentos, os pacientes recebem atendimento médico, social e psicológico.

Quando há alguma decisão judicial determinando a entrega imediata de

medicamentos, freqüentemente o Governo retira o fármaco do programa, desatendendo a um

paciente que o recebia regularmente, para entregá-lo ao litigante individual que obteve a

decisão favorável (CHIEFFI, 2010, p.51). Tais decisões privariam a Administração da

capacidade de se planejar, comprometendo a eficiência administrativa no atendimento ao

cidadão. Cada uma das decisões pode atender às necessidades imediatas do jurisdicionado,

mas, globalmente, impediria a otimização das possibilidades estatais no que toca à promoção

da saúde pública.

No contexto da análise econômica do direito, costuma-se objetar que o benefício

auferido pela população com a distribuição de medicamentos é significativamente

menor que aquele que seria obtido caso os mesmos recursos fossem investidos em outras

políticas de saúde pública, como é o caso, por exemplo, das políticas de saneamento básico e

de construção de redes de água potável 52 . Em 2007, por exemplo, no Estado do Rio de

Janeiro, já foram gastos com os programas de Assistência Farmacêutica R$240.621.568,00 –

Page 73: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

cifra bastante superior aos R$102.960.276,00 que foram investidos em saneamento

básico.

Tal opção não se justificaria, pois se sabe que esta política é significativamente

mais efetiva que aquela no que toca à promoção da saúde. Na verdade, a jurisprudência

brasileira sobre concessão de medicamentos se apoiaria numa abordagem individualista dos

problemas sociais, quando uma gestão eficiente dos escassos recursos públicos deve ser

concebida como política social, sempre orientada pela avaliação de custos e benefícios As

políticas públicas de saúde devem seguir a diretriz de reduzir as desigualdades econômicas e

sociais. Contudo, quando o Judiciário assume o papel de protagonista na implantação dessas

políticas, privilegia aqueles que possuem acesso qualificado à Justiça, seja por conhecerem

seus direitos, seja por poderem arcar com os custos do processo judicial.

Por isso, a possibilidade de o Judiciário determinar a entrega gratuita de

medicamentos mais serviria à classe média que aos pobres. Inclusive, a exclusão destes se

aprofundaria pela circunstância de o Governo transferir os recursos que lhes dispensaria, em

programas institucionalizados, para o cumprimento de decisões judiciais, proferidas, em sua

grande maioria, em benefício da classe média.

O primeiro parâmetro que parece consistente elaborar é o que circunscreve

a atuação do Judiciário – no âmbito de ações individuais – a efetivar a realização das opções

já formuladas pelos entes federativos e veiculadas nas listas de medicamentos referidas acima.

Veja-se que o artigo 196 da Constituição Federal associa a garantia do direito à saúde a

políticas sociais e econômicas, até para que seja possível assegurar a universalidade das

prestações e preservar a isonomia no atendimento aos cidadãos, independentemente de

seu acesso maior ou menor ao Poder Judiciário. Presume-se que Legislativo e Executivo, ao

elaborarem as listas referidas, avaliaram, em primeiro lugar, as necessidades prioritárias a

serem supridas e os recursos disponíveis, a partir da visão global que detêm de tais

fenômenos. E, além disso, avaliaram também os aspectos técnico-médicos envolvidos na

eficácia e emprego dos medicamentos.

A verdade é que os recursos públicos são insuficientes para atender a todas as

necessidades sociais, impondo ao Estado a necessidade permanente de tomar decisões

Page 74: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

difíceis: investir recursos em determinado setor sempre implica deixar de investi-los em

outros. A decisão judicial que determina a dispensação de medicamento que não consta das

listas em questão enfrenta todo esse conjunto de argumentos jurídicos e práticos.

Essa mesma orientação predominou no Superior Tribunal de Justiça, em ação na

qual se requeria a distribuição de medicamentos fora da lista. Segundo o Ministro Nilson

Naves, havendo uma política nacional de distribuição gratuita, a decisão que obriga a

fornecer qualquer espécie de substância fere a independência entre os Poderes e

não atende a critérios técnico-científicos. A princípio, não poderia haver interferência

casuística do Judiciário na distribuição de medicamentos que estejam fora da lista. Se os

órgãos governamentais específicos já estabeleceram determinadas políticas públicas e

delimitaram, com base em estudos técnicos, as substâncias próprias para fornecimento

gratuito, não seria razoável a ingerência recorrente do Judiciário.

Um dos fundamentos para o primeiro parâmetro proposto acima, como referido, é

a presunção – legítima, considerando a separação de Poderes – de que os Poderes Públicos, ao

elaborarem as listas de medicamentos a serem dispensados, fizeram uma avaliação

adequada das necessidades prioritárias, dos recursos disponíveis e da eficácia dos

medicamentos. Essa presunção, por natural, não é absoluta ou inteiramente infensa a revisão

judicial. Embora não caiba ao Judiciário refazer as escolhas dos demais Poderes, cabe-lhe por

certo coibir abusos.

Assim, a impossibilidade de decisões judiciais que defiram a litigantes

individuais a concessão de medicamentos não constantes das listas não impede que

as próprias listas sejam discutidas judicialmente. O Judiciário poderá vir a rever a lista

elaborada por determinado ente federativo para, verificando grave desvio na avaliação dos

Poderes Públicos, determinar a inclusão de determinado medicamento.

O que se propõe, entretanto, é que essa revisão seja feita apenas no âmbito de

ações coletivas (para defesa de direitos difusos ou coletivos e cuja decisão produz efeitos erga

omnes no limite territorial da jurisdição de seu prolator) ou mesmo por meio de ações

abstratas de controle de constitucionalidade, nas quais se venha a discutir a validade de

alocações orçamentárias. As razões para esse parâmetro são as seguintes

Page 75: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

Em primeiro lugar, a discussão coletiva ou abstrata exigirá naturalmente

um exame do contexto geral das políticas públicas discutidas (o que em regra não ocorre, até

por sua inviabilidade, no contexto de ações individuais) e tornará mais provável esse

exame, já que os legitimados ativos (Ministério Público,associações etc.) terão

melhores condições de trazer tais elementos aos autos e discuti-los. Será possível ter uma

idéia mais realista de quais as dimensões da necessidade (por exemplo, qual o custo

médio, por mês, do atendimento de todas as pessoas que se qualificam como

usuárias daquele medicamento) e qual a quantidade de recursos disponível como um

todo.

Em segundo lugar, é comum a afirmação de que, preocupado com a solução dos

casos concretos – o que se poderia denominar de micro-justiça –, o juiz fatalmente ignora

outras necessidades relevantes e a imposição inexorável de gerenciar recursos limitados para

o atendimento de demandas ilimitadas: a macro-justiça.

Um dos aspectos elementares a serem considerados pelo Judiciário ao discutir a

alteração das listas elaboradas pelo Poder Público envolve, por evidente, a comprovada

eficácia das substâncias. Nesse sentido, por exemplo, o Superior Tribunal de Justiça

suspendeu liminar em ação civil pública que obrigava o Estado a distribuir Interferon

Perguilado ao invés do Interferon Comum, este já fornecido gratuitamente. O

Tribunal entendeu que o novo medicamento, além de possuir custo

desproporcionalmente mais elevado que o comum, não possuía eficácia comprovada.

Entendeu ainda que o Judiciário não poderia se basear em opiniões médicas

minoritárias ou em casos isolados de eficácia do tratamento. No mesmo sentido, não se

justifica decisão que determina a entrega de substâncias como o composto

vitamínico “cogumelo do sol”, que se insiram em terapias alternativas de discutível eficácia.

A inclusão de um novo medicamento ou mesmo tratamento médico nas

listas a que se vinculam os Poderes Públicos deve privilegiar, sempre que possível,

medicamentos disponíveis no mercado nacional e estabelecimentos situados no Brasil, dando

preferência àqueles conveniados ao SUS. Trata-se de decorrência da necessidade de se

harmonizar a garantia do direito à saúde com o princípio constitucional do acesso

universal e igualitário.

Page 76: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

Pelas mesmas razões referidas acima, os medicamentos devem ser

preferencialmente genéricos ou de menor custo. O medicamento genérico, nos termos da

legislação em vigor (Lei nº 6.360⁄76, com a redação da Lei nº 9.787⁄99), é aquele similar ao

produto de referência ou inovador, com ele intercambiável, geralmente produzido após

a expiração da proteção patentária, com comprovada eficácia, segurança e qualidade.

A discussão sobre a inclusão de novos medicamentos na listagem que o Poder

Público deverá oferecer à população deve considerar, como um parâmetro importante, além

dos já referidos, a relação mais ou menos direta do remédio com a manutenção da vida.

Parece evidente que, em um contexto de recursos escassos, um medicamento vital à

sobrevivência de determinados pacientes terá preferência sobre outro que apenas é capaz de

proporcionar melhor qualidade de vida, sem, entretanto, ser essencial para a sobrevida.

Como mencionado, apesar das listas formuladas por cada ente da federação, o

Judiciário vem entendendo possível responsabilizá-los solidariamente, considerando que se

trata de competência comum. Esse entendimento em nada contribui para organizar o já

complicado sistema de repartição de atribuições entre os entes federativos. Assim, tendo

havido a decisão política de determinado ente de incluir um medicamento em sua

lista, parece certo que o pólo passivo de uma eventual demanda deve ser ocupado por esse

ente. A lógica do parâmetro é bastante simples: através da elaboração de listas, os entes da

federação se autovinculam.

Nesse contexto, a demanda judicial em que se exige o fornecimento do

medicamento não precisa adentrar o terreno árido das decisões políticas sobre

quais medicamentos devem ser fornecidos, em função das circunstâncias

orçamentárias de cada ente político. Também não haverá necessidade de examinar o tema do

financiamento integrado pelos diferentes níveis federativos, discussão a ser travada entre

União, Estados e Municípios e não no âmbito de cada demanda entre cidadão e Poder Público.

Basta, para a definição do pólo passivo em tais casos, a decisão política já tomada por cada

ente, no sentido de incluir o medicamento em lista.

Page 77: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

Estudo de caso: a jovem Clarice Abreu de Castro Neves e a concessão do

remédio Zavesca.

Também em 2006, o Ministério Público Federal no Ceará ajuizou ação civil

pública, objetivando que a União, o Estado do Ceará e o Município de Fortaleza sejam

impelidos ao fornecimento, à jovem Clarice Abreu de Castro Neves de 21 anos portadora de

doença neurodegenerativa progressiva (Niemann-Pick Tipo C)24, de medicamento

denominado Zavesca (miglustat), de aquisição impossível pelos genitores da paciente,

professores universitários, por ser significativamente caro (a dosagem necessária mensal

giraria em torno de R$ 52.000,00).

Como foi dito, o MPF asseverou que os pais da jovem não possuiriam condições

financeiras de custear o medicamente, de modo que o teriam solicitado dos poderes públicos,

não obtendo resposta. Realçou que o custo estimado da dosagem mensal prescrita giraria em

torno de R$ 52.000,00. Contudo, admitia que o medicamento estaria ainda pendente de

registro na ANVISA. Sublinhou, entretanto que, consoante laudo de especialista, o único

tratamento eficaz se faria com a substância miglustat (Zavesca), fabricante Actelion, inibidora

da deposição de glicolipídios nas células do cérebro. Afirmou ainda que, segundo laudo da

Rede Sara de Hospitais de Reabilitação, o referido medicamento poderia aumentar a

sobrevida e/ou a melhora da qualidade de vida dos pacientes.

O Juízo da 7ª Vara da Seção Judiciária do Estado do Ceará determinou a extinção

do processo, sem resolução de mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC, por ilegitimidade

ativa do Ministério Público, com base na maioridade da pessoa doente, que a época já contava

com 21 anos e no fato de que o Ministério Público Federal não poderia substituir a Defensoria

Pública.

O Ministério Público Federal no Ceará Recorreu e a 1ª Turma do TRF da 5ª 24 Niemann-pick tipo C é uma doença rara e hereditária que causa problemas neurológicos graves. De um modo geral a doença começa a manifestar-se na idade escolar, entre os 5 e 7 anos e nos casos mais graves as crianças pode apresentar um atraso no desenvolvimento motor e hipotonia (moleza) até mesmo antes dos dois anos de idade. Na Niemann-pick tipo C; o organismo é incapaz de metabolizar de forma correta as gorduras que vão se acumulando, causando grandes danos no indivíduo. As crianças com essa doença tem uma esperança de vida de em média 10 anos, mas existem algumas que vivem até os 20, mas com algumas limitações.

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Região, reconhecendo a legitimidade ativa do Ministério Público para a propositura da ação

civil pública, deferiu antecipação de tutela para que a União, o Estado do Ceará e o Município

de Fortaleza fornecessem o medicamento Zavesca (Miglustat) à jovem de 21 anos portadora

da doença neurodegenerativa progressiva (Niemann-Pick Tipo “C”).

Contra essa decisão a União ajuizou pedido de suspensão dessa tutela, ou seja,

pedindo que não fosse obrigada a conceder o medicamento liminarmente, alegando, em

síntese, a ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal e a ilegitimidade passiva da

União. Sustentou a ocorrência de grave lesão à ordem pública - uma vez que o medicamento

requerido não havia sido aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária e não

constava da Portaria no 1.318 do Ministério da Saúde - e de grave lesão à economia pública,

em razão do alto custo do medicamento (R$ 52.000,00 por mês). Inferiu, ainda, a

possibilidade de ocorrência do denominado “efeito multiplicador”, que significaria que caso

fosse dada uma decisão favorável a jovem Clarice, outras ações, inspiradas por ela se

sucederiam causando maior lesão ao erário.

Dois pedidos de suspensão de tutela foram interpostas: A Suspensão de Tutela

Antecipada 175, promovida pela União e outra de nº 178, promovida pelo Município de

Fortaleza.

A base normativa que fundamenta o instituto da suspensão (Leis 12.016/2009,

8.437/1992, 9.494/1997 e art. 297 do RI-STF) permitem que a Presidência do Supremo

Tribunal Federal, a fim de evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia

públicas, suspenda a execução de decisões concessivas de segurança, de liminar ou de tutela

antecipada, proferidas em única ou última instância, pelos tribunais locais ou federais, quando

a discussão travada na origem for de índole constitucional. No caso, trata-se do artigo 196 da

Constituição Federal de 1988 que trata do direito a saúde. Para o Ministro Gilmar Mendes,

relator da Ação, a controvérsia levantada pela Ação de concessão de Medicamentos de

Clarice era de matéria constitucional por alegada ofensa aos arts. 2º, 6º, caput, 167,

196 e 198 da Constituição.

Dessa forma, a ação da jovem Clarice chegou ao Supremo, quando em 8 de

novembro de 2007, a Ministra Ellen Gracie determinou o apensamento da Suspensão de

Page 79: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

Tutela Antecipada (STA) 178/DF aos autos da STA 175, promovida pela União, por

considerar idênticas as decisões formuladas.

No pedido de Suspensão de Tutela Antecipada nº 178, o Município de

Fortaleza requereu a suspensão da decisão liminar, o que significaria que a decisão que

determinava a concessão de medicamento deveria ser suspensa com base, igualmente, em

alegações de lesão à ordem pública, em virtude da ilegitimidade do Ministério Público para

propositura de ação civil pública a fim de defender interesse individual de pessoa maior de 18

anos. Logo, a decisão liminar que a União e o Município de Fortaleza buscavam suspender

determinou que a União, o Estado do Ceará e o Município de Fortaleza fornecessem o

medicamento Zavesca (Miglustat) à paciente Clarice Neves, com fundamento na aplicação

imediata do direito fundamental social à saúde.

Para o Ministro Gilmar Mendes, em sua digressão a respeito do caso de Clarice, a

judicialização do direito à saúde ganhou tamanha importância teórica e prática que envolve

não apenas os operadores do Direito, mas também os gestores públicos, os profissionais da

área de saúde e a sociedade civil como um todo.

Em 05 de março de 2009, o Ministro Gilmar Mendes convocou Audiência Pública

em razão dos diversos pedidos de suspensão de segurança, de suspensão de tutela antecipada e

de suspensão de liminar em trâmite no âmbito desta Presidência, com vistas a suspender a

execução de medidas cautelares que condenam a Fazenda Pública ao fornecimento das mais

variadas prestações de saúde (fornecimento de medicamentos, suplementos alimentares,

órteses e próteses; criação de vagas de UTIs e leitos hospitalares; contratação de servidores de

saúde; realização de cirurgias e exames; custeio de tratamento fora do domicílio, inclusive no

exterior, entre outros).

Segundo o Ministro, após ouvir os depoimentos prestados pelos representantes

dos diversos setores envolvidos, seria necessário redimensionar a questão da judicialização do

direito à saúde no Brasil. Isso porque, na maioria dos casos, a intervenção judicial não ocorria

em razão de uma omissão absoluta em matéria de políticas públicas voltadas à proteção do

direito à saúde, mas tendo em vista uma necessária determinação judicial para o cumprimento

de políticas já estabelecidas.

Page 80: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

Para melhor sistematizar sua decisão, o Ministro Gilmar Mendes afirmou que o

primeiro dado a ser considerado é a existência, ou não, de política estatal que abranja a

prestação de saúde pleiteada pela parte. Para o Ministro, ao deferir uma prestação de saúde

incluída entre as políticas sociais e econômicas formuladas pelo Sistema Único de Saúde

(SUS), o Judiciário não está criando política pública, mas apenas determinando o seu

cumprimento.

O segundo dado a ser considerado é a existência de motivação para o não

fornecimento de determinada ação de saúde pelo SUS. Há casos em que se ajuíza ação com o

objetivo de garantir prestação de saúde que o SUS decidiu não custear por entender que

inexistem evidências científicas suficientes para autorizar sua inclusão.

No caso de Clarice, o medicamento Zavesca ainda não havia sido aprovado e

muito menos contava de registro na ANVISA. De acordo com o Médico Paulo Hoff, Diretor

Clínico do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo na Audiência Pública realizada pelo

Ministro Gilmar Mendes, essas drogas não podem ser compradas em nenhum país, porque

nunca foram aprovadas ou avaliadas, e o acesso a elas deve ser disponibilizado apenas no

âmbito de estudos clínicos ou programas de acesso expandido, não sendo possível obrigar o

SUS a custeá-las. No entanto, é preciso que o laboratório que realiza a pesquisa continue a

fornecer o tratamento aos pacientes que participaram do estudo clínico, mesmo após seu

término.

Observando o caso específico da jovem Clarice, alguns dados podem ser

destacados:

a) a interessada, a jovem de 21 anos de idade, é portadora da patologia

denominada NIEMANN-PICK TIPO C, doença neurodegenerativa rara, comprovada

clinicamente e por exame laboratorial, que causa uma série de distúrbios neuropsiquiátricos,

tais como, “movimentos involuntários, ataxia da marcha e dos membros, disartria e limitações

de progresso escolar e paralisias progressivas”;

b) os sintomas da doença teriam se manifestado quando a paciente contava com

cinco anos de idade, sob a forma de dificuldades com a marcha, movimentos anormais dos

Page 81: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

membros, mudanças na fala e ocasional disfagia;

c) os relatórios médicos emitidos pela Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação

relatam que o uso do ZAVESCA (miglustat) poderia possibilitar um aumento de sobrevida e a

melhora da qualidade de vida dos portadores de Niemann-Pick Tipo C;

d) a família da paciente declarou não possuir condições financeiras para custear o

tratamento da doença, orçada em R$ 52.000,00 por mês;

Contudo, apesar da inexistência de registro, o Ministro Gilmar Mendes,

analisando os autos, considerou que os atestados de especialistas e pesquisadores eram

suficientes para comprovar que o medicamento miglustato (Zavesca) era o único

medicamento capaz de deter a progressão da Doença de Niemann-Pick Tipo C, aliviando,

assim, os sintomas e sofrimentos neuropsiquiátricos da paciente.

Em consulta posterior, o Ministro verificou no sítio da ANVISA na internet, que o

medicamento ZAVESCA (princípio ativo miglustate), produzido pela empresa ACTELION,

possuia registro (nº 155380002) válido até 01/2012.

Ressaltando ainda que o alto custo do medicamento não é, por si só, motivo para

o seu não fornecimento, o Ministro Gilmar Mendes afirmou não ser possível vislumbrar grave

ofensa à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas a ensejar a adoção da medida

excepcional de suspensão de tutela antecipada. Dessa maneira, em 18 de setembro de 2009, o

Ministro manteve a decisão que obrigava a União, Estado do Ceará e Município de Fortaleza

a conceder o medicamento a Clarice Abreu de Castro Neves.

Page 82: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho buscou compreender o papel do Judiciário brasileiro na

concretização de Políticas Públicas, tomando como exemplo o caso da concessão de

medicamentos. Como dito anteriormente, a população sofre com um déficit enorme não

apenas financeiro, como de recursos de saúde e de alimentos, e o Poder Público é responsável

constitucionalmente pela garantia dos princípios da cidadania e da dignidade da pessoa

humana, bem como pela erradicação da pobreza e da marginalização.

A questão do fornecimento de medicamentos e tratamentos clínicos é crucial

porque toca um ponto muito delicado da vida humana : a saúde. Sem saúde, não se trabalha,

não se produz, não se vive com dignidade. Depender de medicamentos é uma constante na

vida de muitos brasileiros, contudo, grande parte deles necessita de tratamentos específicos e

não tem acesso por razões econômicas. A cada ano, novos medicamentos e tratamentos são

comercializados no mercado mundial. Promessa de cura para alguns, podem significar uma

vida mais digna e com menos dor para outros pacientes. A simples possibilidade de redução

do sofrimento é suficiente para encher de esperança quem convive com uma doença crônica.

Se, por um lado, a atuação do Poder Judiciário é fundamental para o exercício

efetivo da cidadania e para a realização do direito à saúde, por outro, as decisões judiciais têm

significado um forte ponto de tensão perante os elaboradores e executores das políticas

públicas, que se veem compelidos a garantir prestações de direitos sociais as mais diversas,

muitas vezes contrastantes com a política estabelecida pelos governos para a área da saúde e

além das possibilidades orçamentárias.

As ações de fornecimento de medicamentos apresentam então duas faces de uma

mesma moeda: a qualidade de vida de um indivíduo em sua totalidade e a governabilidade do

Executivo e Legislativo que, segundo o mais básico dos princípios da economia, precisa

gerenciar recursos escassos tendo em vista necessidades múltiplas. Para além das soluções

que podem vir a ser tomadas, é preciso que haja uma afirmação da dignidade humana.

Falar sobre a saúde como direito fundamental parece matéria fácil do ponto de

vista constitucional, mas, quando nos deparamos com a realidade da saúde no Brasil, ao longo

Page 83: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

dos anos, pode-se falar em caos social. Se a situação não é tão ruim para os que têm condições

de custear suas despesas com tratamentos caros, o mesmo não ocorre com os demais

cidadãos. Os que não possuem uma situação financeira estável ou não dispõem do suficiente

para bancar os gastos com saúde tendem a padecer em filas de hospitais, SUS ou se utilizam

das tutelas de urgência juntamente com o princípio do acesso à justiça para conseguir o

fornecimento de remédios de alto valor.

Por vezes, em razão da urgência quanto ao fornecimento desses medicamentos,

muitos, devido ao processo de convalescimento da doença, não conseguem ir até o fim da

demanda. Aí cabe perguntar, onde fica a dignidade dessas pessoas? Outro problema que vem

dificultando o fornecimento dos medicamentos é que os entes públicos tentam se esquivar de

suas responsabilidades, jogando o ônus de um para outro. Este embate pode ser visualizado

principalmente em ações nas quais o Estado e o Município são citados. Enquanto se discute

quem tem o ônus ou não desta obrigação, a saúde dessas pessoas se deteriora, sem falar no

desgaste e na humilhação que as famílias têm que suportar durante essas ações.

A saúde é um direito fundamental social assegurado no caput do art. 6º da CF/88

(especificamente no título II, que aborda os direitos e garantias fundamentais, e no capítulo II,

que trata dos direitos sociais); por sua vez, o art. 196[28] da CF/88 define que a saúde é

direito de todos e é dever do Estado assegurar o bem-estar da sociedade.

É certo que não se inclui no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário

a atribuição de formular e implementar políticas públicas, pois nesse domínio o encargo é dos

Poderes Legislativo e Executivo. Contudo, como pontuou o Ministro Celso de Melo, em voto

proferido no caso mencionado nesse trabalho da jovem Clarice Abreu, a incumbência de fazer

implementar políticas públicas fundadas na Constituição pode ser atribuída, ainda que

excepcionalmente, ao Judiciário se e quando os órgãos estatais competentes descumprirem os

encargos políticos-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório, vindo a

comprometer a eficácia e a integridade de direitos individuais, como o direito à saúde.

Acreditamos que isso significa que a intervenção jurisdicional justificada pela

ocorrência de arbitrária recusa governamental em conferir significação real ao direito a saúde,

torna-se plenamente legítima sempre que se impuser, nesse processo de ponderação de

Page 84: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

interesses e de valores em conflito, a necessidade de fazer prevalecer a decisão política

fundamental que o legislador constituinte adotou visando o respeito e a proteção ao direito a

saúde. Poderíamos citar então Luiza Cristina Frischeisen (2000, p.59), que diz:

Nesse contexto constitucional que implica também na renovação das práticas políticas, o administrador está vinculado as políticas públicas estabelecidas na Constituição Federal; a sua omissão é passível de responsabilização e a sua margem de discricionariedade é mínima, não contemplando o não fazer (…) Conclui-se portanto, que o administrador não tem discricionariedade para deliberar sobre a oportunidade e conveniência de implementação de políticas públicas discriminadas na ordem social constitucional, pois tal restou deliberado pelo Constituinte e pelo legislador que elaborou as normas de integração.

Sabendo das limitações orçamentárias, é necessário frisar a importância da

alegação do princípio da reserva do possível. Diz a sabedoria popular que não se pode gastar o

que não se tem. O princípio da reserva do possível contempla essa necessidade de

planejamento do Executivo e do Legislativo de forma a gastar com inteligência, a fim de

potencializar os benefícios adquiridos utilizando o dinheiro público. Porém, cumpre advertir

que esta não cláusula não pode simplesmente ser invocada pelo Estado com a finalidade de

exonerar-se dolosamente do cumprimento de suas obrigações constitucionais, especialmente

quando dessa conduta governamental negativa, puder resultar a aniquilação dos direitos

constitucionais.

A saúde é um direito caro e frágil. Sua ausência limita o ser humano em diversas

dimensões e o fragiliza, impedindo-o de viver com independência e autonomia. O sofrimento

e a morte são capítulos obrigatórios na trajetória humana e, apesar dos avanços na medicina,

não podemos contar com a imortalidade ou a cura de todas as doenças. Aprendemos a

conviver com o sofrimento e a aliviar as dores uns dos outros em nossa caminhada.

O sentido de fundamentalidade do direito a saúde impõe ao Poder Público um

dever de prestação positiva que somente será cumprido, pelas instâncias governamentais,

quando estas adotarem providências destinadas a promover, em plenitude, a satisfação efetiva

da determinação ordenada pelo texto constitucional.

Page 85: O papel do Judiciário nas Políticas Públicas: uma análise das ações

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