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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO CLAUDIA MAGALHÃES ELOY O papel do Sistema Financeiro da Habitação diante do desafio de universalizar o acesso à moradia digna no Brasil. SÃO PAULO | 2013

O papel do Sistema Financeiro da Habitação diante do desafio de

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  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO

    CLAUDIA MAGALHES ELOY

    O papel do Sistema Financeiro da Habitao diante do

    desafio de universalizar o acesso moradia digna no Brasil.

    SO PAULO | 2013

  • Claudia Magalhes Eloy

    O papel do Sistema Financeiro da Habitao diante do

    desafio de universalizar o acesso moradia digna no Brasil.

    Tese apresentada Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de So Paulo como requisito obteno do titulo de Doutora em Arquitetura e Urbanismo rea de Concentrao: Habitat

    Orientador Prof. Dr. Nabil Georges Bonduki

    EXEMPLAR REVISADO E ALTERADO EM RELAO VERSO ORIGINAL, SOB RESPONSABILIDADE DO AUTOR E ANUNCIA DO ORIENTADOR. O original se encontra disponvel na sede do programa

    So Paulo, 02 de agosto de 2013.

  • AUTORIZO A REPRODUO E DIVULGAO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

    E-MAIL: [email protected]

    Eloy, Claudia Magalhes E48p O papel do Sistema Financeiro da Habitao diante do desafio

    de universalizar o acesso moradia digna no Brasil / Claudia

    Magalhes Eloy. So Paulo, 2013. 274 p. : il.

    Tese (Doutorado - rea de Concentrao: Habitat) - FAUUSP.

    Orientador: Nabil Georges Bonduki

    1. Poltica habitacional - Brasil 2. Financiamento habitacional

    Brasil 3. Sistema Financeiro de Habitao 4. Fundo de Garantia

    por Tempo de Servio 5. Sistema Brasileiro de Poupana e

    Emprstimo I.Ttulo

    CDU 711.58.001.12(81)

  • Este trabalho dedicado a todos os brasileiros que passaram e passam pela vida sem saber o que viver em uma morada digna.

    Em especial, s crianas que tm seu desenvolvimento comprometido pela falta de uma casa, de um ambiente adequado

    1.

    Espero ter conseguido produzir um trabalho que, de algum modo, contribua para que um dia no existam mais brasileiros assim.

    1 Para refletir sobre o signifcado da casa para o ser humano vale a pena ler Gaston Bachelard em A Potica do Espao (1957) e, sobre a importncia do ambiente na formao do indivduo, as teorias de ambincia e holding de Donald Winnicott. Um trabalho interessante, que entrelaa os dois pensamentos, foi elaborado por Parente (2011).

  • AGRADECIMENTOS

    Agradecimentos primordiais, mais que especiais, a minha famlia: meus pais Dalva e

    Aloisio que me deram exemplo de retido, busca tica, bem como suporte e incentivo para

    os estudos e, tambm, tias, irmos, cunhadas, sobrinhos e enteada, por me cercarem de

    carinho e estmulo para encarar este doutoramento, acreditando que eu seria capaz. A Clcio,

    meu companheiro, que me apoia sempre nos meus sonhos e projetos, que me proporcionou

    todas as condies para que eu pudesse perseguir esta meta e que, junto com nossos filhos

    Guilherme e Gabriel aceitou pacientemente que eu passasse tanto tempo dedicada a esta

    tarefa em lugar de estar com eles. A Gui e Biel por trazerem tanta luz pra minha vida.

    Aos Profs. Drs. Nabil Bonduki e Silvia Schor, cujos ensinamentos me possibilitaram encarar

    este desafio, cujo apoio me deu fora para no desistir desse tema e cuja competente

    orientao foi decisiva para o trabalho aqui apresentado. Sem eles este trabalho nunca teria

    passado de uma inteno.

    Prof Dr Marja Hoek-Smit com quem eu, pela primeira vez, adentrei na histria do SFH e

    me apaixonei pelo tema da poltica, financiamento e subsdios habitacionais.

    A todos eles, minha mais profunda gratido.

    Sou extremamente grata a Marcos Antnio Macedo Cintra pelas valiosas crticas na

    qualificao e pela indicao de textos importantes para uma melhor compreenso do tema.

    Aos demais membros da banca de defesa, Adauto Cardoso e Joo Whitaker Ferreira por

    trazerem novas questes e abordagens, enriquecendo minha reflexo. Da mesma forma, a

    Rafael Fagundes Cagnin, Paulo Antnio Neto Ribeiro e Vladmir Maciel pela cuidadosa

    leitura crtica de alguns captulos e pelas inmeras discusses de questes fundamentais ao

    longo da elaborao desta tese, oportunidades em que me ofereceram novas perspectivas e

    contrapontos importantes, contribuindo decisivamente para este resultado.

    Agradecimentos especiais s queridas amigas Fernanda Costa e Rossella Rossetto, que alm

    de contribuirem, incansavelmente, com diversas reflexes e revises, me apoiaram com suas

    palavras e seus ombros, nos momentos de desnimo. Do mesmo modo a Luciana Royer,

    Noya Baark e Nerian Gussoni, sempre presentes, to generosas comigo. Tambm

    Conceio e Tereza, anjos que cuidaram amorosamente dos meus filhos, permitindo que eu

    me dedicasse elaborao desta tese.

  • Agradeo muito a meu assistente de pesquisa e parceiro de outros trabalhos, Henrique Botura

    Paiva, pela imensa ajuda e por tornar o trabalho sempre muito mais divertido.

    Sou grata, ainda, a pessoas que gentilmente dedicaram parte do seu tempo para me auxiliar

    com informaes e esclarecimentos: em especial, Jos Pereira Gonalves, Ricardo Cavalcante

    e Teotnio Rezende. Tambm a Janana Viti da ABECIP; Jlio Carneiro, Felipe Derzi

    Pinheiro e Elisabeth Mota do Banco Central; Gildasio Silveira, Henrique Jos Santana,

    Marcelo Duarte e Maurcio Migliacci da CAIXA/FGTS; e, Paulo Cesar de Almeida do

    Santander.

    Este trabalho fruto de um longo caminho, por sorte compartilhado com pessoas fantsticas,

    com as quais tanto aprendi. Destaco Vera Vianna, parceira na consultoria ao Ministrio das

    Cidades, que muito me ensinou com toda a sua competncia e simplicidade; as equipes da

    Secretaria de Habitao do Ministrio das Cidades e da consultoria do Plano Nacional de

    Habitao; e, por ltimo, mas no menos importante, a equipe da assessoria de planejamento

    da URBIS, Cohab da Bahia, com a qual tive o prazer de trabalhar, em especial Dinamerica

    Nogueira e Lcia Hasselman. Foi muito proveitoso tambm participar dos debates com

    professores e colegas nos cursos de Housing Finance da Wharton e de especializao em

    Economia da Construo e Financiamento Imobilirio da OEB/FIPE/ABECIP.

    Sou eternamente grata Mrcia Dias, Sor e toda a equipe da ONG Santa F, por me

    ensinarem a importncia da casa e da ambincia para a ressignificao do abandono e de

    vivncias traumticas na infncia e adolescncia, por me apresentarem, entre as tantas

    incoerncias e os absurdos da nossa sociedade, a faceta mais ausente de efetivao do

    Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA), mas, ao mesmo tempo, me inspirarem com seu

    exemplo de luta e superao.

    Agradeo de corao tambm a Malu Refinetti Martins e Luciana Travassos por me

    aceitarem como monitora da disciplina Habitao de Interesse Social na Faculdade de

    Arquitetura e Urbanismo da Universidade de So Paulo (FAU-USP). Nessa oportunidade

    ampliei minhas reflexes sobre quantos erros podemos cometer, inclusive, e especialmente,

    quando temos dinheiro para subsidiar e financiar novas construes. Que a natureza e, como

    diria Brecht, os que vierem depois de ns possam nos desculpar pela nossa ignorncia.

    Por fim, agradeo a toda equipe do Laboratrio de Habitao da FAU-USP, pela carinhosa

    acolhida.

  • Agradeo Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo (FAPESP) pelo apoio

    financeiro e institucional para a realizao deste trabalho, bem como pelos comentrios

    crticos que contriburam para o seu aprimoramento, em especial para o desenvolvimento do

    captulo seis.

    Registro, ainda, agradecimentos ao empenho da Controladoria Geral da Unio (CGU) para

    fazer valer a Lei de Acesso Informao (LAI) e para o funcionamento do Servio de

    Informao ao Cidado (SIC), avanos fundamentais para a democratizao do acesso

    informao no Brasil.

  • RESUMO

    ELOY, Claudia Magalhes. O papel do Sistema Financeiro da Habitao diante do desafio de universalizar o acesso moradia digna no Brasil. 2013. 274 f. Tese (Doutorado) Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2013.

    A questo habitacional vem ocupando, recentemente, lugar de destaque entre as polticas

    pblicas prioritrias no pas, configurando um movimento de revitalizao apoiado por um

    marco regulatrio aprimorado e um ambiente macroeconmico favorvel, alm do

    restabelecimento da Poltica Nacional de Habitao (PNH) que exibe vertiginoso

    crescimento do crdito habitacional na ltima dcada. O Sistema Brasileiro de Poupana e

    Emprstimo (SBPE) e o Fundo de Garantia por Tempo de Servio (FGTS), fontes

    arregimentadas para serem os pilares do Sistema Financeiro da Habitao (SFH), criado em

    1964, ainda sustentam preponderantemente o crdito habitacional no Brasil e constituem,

    conjuntamente, a espinha dorsal de funding do atual Sistema Nacional de Habitao (SNH).

    Esta tese analisa essas duas fontes de captao de recursos a partir do pressuposto de que

    ambas devem ser dedicadas, de modo estratgico, ao financiamento habitacional. As

    justificativas residem, de um lado, na observao do potencial de captao dessas fontes

    que acumulam R$ 685 bilhes (set./2012) a taxas abaixo do livre mercado e, de outro, no

    reconhecimento de que h um segmento de famlias que possui condio de acessar crdito

    habitacional, desde que em condies especiais em relao s oferecidas pelo livre

    mercado. A universalizao do acesso moradia digna, meta mxima estabelecida pela

    nova PNH, requer o atendimento a essas famlias. Dessa forma, este trabalho parte da

    hiptese de que o SFH, apesar de regulamentado, constituindo um circuito direcionado de

    crdito habitacional, no tem o seu potencial estratgico utilizado plenamente para realizar

    esse atendimento. Ou seja, o SFH no est aderente atual Poltica. As anlises confirmam a

    hiptese postulada: apesar de o SFH ser mantido sob regulamentao especfica, preservando

    a vinculao de suas fontes ao crdito habitacional, tanto o SBPE quanto o FGTS vm

    apresentando desempenho abaixo do seu potencial, comprometendo a necessria expanso

    downmarket. Se reformulada a regulao dessas fontes, essa expanso ganhar um ritmo

    muito mais adequado ao objetivo da universalizao. Este trabalho abarcou, ainda, a reviso

    do desenho proposto para o SNH e consideraes sobre limitaes do financiamento e suas

    interfaces com o territrio.

    Palavras-chave: Poltica Habitacional; Financiamento Habitacional; Sistema Financeiro de Habitao; Fundo de Garantia por tempo de Servio; Sistema Brasileiro de Poupana e Emprstimo; crdito habitacional; moradia digna; dficit habitacional.

  • ABSTRACT

    Eloy, Claudia Magalhes. The role of the Housing Finance System in expanding access to housing in Brazil. 2013. PhD Thesis, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de So Paulo. 274 pages.

    The housing issue has recently been occupying center stage in Brazils social policies,

    supported by the revamp of the countrys Housing Finance System (SFH), favored by a

    refined regulatory framework, by income growth and a stable macroeconomic environment.

    The Brazilian Savings and Loan System (SBPE) and the Severance Indemnity Guarantee

    Fund (FGTS) instituted to be the pillars of the SFH, created in 1964, predominantly support,

    even today, the housing credit in Brazil and together constitute the backbone of funding for

    the new National Housing Policy (PNH), established in 2004. This paper attempts to analyze

    both the SBPE and the FGTS based on the assumption that they should be strategically

    targeted to expand housing finance downmarket. This depository-based system has

    accumulated assets of around BRL 685 billion (Sept/2012) and can offer below market

    interest rates, while a significant portion of families can only access housing finance in

    subsidized conditions. The main hypothesis that guides this analysis is that notwithstanding

    current regulations which still make the SFH an earmarked finance market, its funding is not

    being efficiently used to extend housing finance to those families. Thus, the SFH lacks better

    alignment with the present national housing policy and its main target of promoting universal

    access to decent homes. The analyses undertaken confirm the postulated hypothesis:

    although the SFH has been kept under specific regulation, thus preserving its links to housing

    credit, both the SBPE and the FGTS have been underperforming in expanding mortgage

    finance to lower income groups. This paper also includes a critical overview of the design of

    the National Housing System and reflects on the limits of Brazils finance system in reaching

    downmarket.

    Keywords: Housing finance; Housing policy; Brazilian Housing Finance System; Severance Indemnity Guarantee Fund; Brazilian Savings and Loan System; Housing affordability; Housing shortage.

  • LISTA DE FIGURAS

    Figuras do Captulo 3:

    3.1 Fontes de Recursos do Sistema Nacional de Habitao ......................................... p.75

    3.2 Eixos de Articulao do SNHIS ............................................................................. p.78

    3.3 O SNHIS e o PMCMV ........................................................................................... p.83

    3.4 Fontes e taxas de captao e financiamento ........................................................... p.90

    3.5 Segmentao das Famlias ...................................................................................... p.97

    3.6 Demanda por financiamento e subsdio .................................................................. p.98

    3.7 Distribuio das fontes de recursos conforme a segmentao das famlias ............ p.99

  • LISTA DE QUADROS

    Quadros do Captulo 3:

    3.1 Atendimento sob o SNHIS e distribuio das famlias (PNAD 2011) ...................... p. 94

    Quadros do Captulo 4:

    4.1 Direcionamento Vigente ............................................................................................ p.107

    4.2 - Operaes computadas para fins de atendimento da exigibilidade

    Res. BCB n 1980/1983 ...................................................................................................... p.112

    4.3 Novas operaes autorizadas para cmputo pela Res. BCB n 3005/2002 ............... p.113

    4.4 Outras operaes autorizadas para cmputo pela Res. BCB n 3347/2006 ............... p.114

    4.5 Mais operaes imobilirias autorizadas para cmputo, Res. BCB n 3932/2010 ... p.114

    4.6 Operaes enquadrveis para fins de exigibilidade no mbito do SFH

    (Res. BCB n 3932/2010, vigente)..................................................................................... p.116

    4.7 Limites para verificao do atendimento da exigibilidade ....................................... p.119

    4.8 Penalidades e Flexibilizaes ................................................................................... p.142

    Quadros do Captulo 5:

    5.1 Taxas de Juros na Operao de Emprstimo FGTS/Agente Financeiro .............. p.168

    5.2 Taxas de Juros na Operao de Financiamento Agente Financeiro/Muturio ...... p.170

    5.3 Faixas de Atendimento do FGTS por Renda Familiar em 1995 .............................. p.208

    5.4 Evoluo das condies de financiamento para habitao popular

    pelo FGTS 2004-2012 ....................................................................................................... p.212

  • LISTA DE TABELAS

    Tabelas do Captulo 4:

    4.1 Fontes e Usos do SFH Dez/2002 a Set/2012 ........................................................... p.126

    4.2 Financiamentos Habitacionais Efetivos no SBPE ................................................... p. 126

    4.3 Regresso Linear Simples para FHE-SBPE ............................................................ p.132

    4.4 Estimativa de Renda Familiar Mnima a partir de

    Valores Financiados Mdios SFH .................................................................................... p.149

    Tabelas do Captulo 5:

    5.1 Detalhamento da Margem Prudencial em 2011 ....................................................... p.174 5.2 Custo Seco e Excedente Bruto do FGTS entre 2002 e 2011 .................................... p.177

    5.3 Reduo da Taxa da Carteira de Emprstimos e Novo Excedente Bruto

    do FGTS entre 2004 e 2011 ............................................................................................... p.178

    5.4 Margem Operacional para Taxa de Emprstimo reduzida para 3% a.a. .................. p.179

    5.5 Aplicaes em Letras do Tesouro entre 2008 e 2011 ............................................... p.180

    5.6 Margens Operacionais Auferida, Simuladas e Requerida ........................................ p.197

  • LISTA DE GRFICOS

    Grficos do captulo 1:

    1.1 Poupana vs PIB e os Planos Econmicos ............................................................... p. 17

    1.2 SBPE vs PIB e Selic ................................................................................................. p. 18

    1.3 Financiamentos Habitacionais BNH/FGTS em nmero de unidades ...................... p. 34

    1.4 Estoque de Ttulos Imobilirios ............................................................................... p. 44

    Grficos do captulo 2:

    2.1 Distribuio dos Financiamentos no PMCMV por faixa em SMs ........................... p. 60

    2.2 % de famlias que teriam acesso ao financiamento habitacional (PNAD 2011) ....... p. 66

    Grficos do captulo 4:

    4.1 Evoluo do Direcionamento para Financiamentos Habitacionais ........................... p.110

    4.2 Percentuais aplicados em FHE/SFH por classe de instituio financeira ................. p.123

    4.3 Evoluo percentual do FHE/SBPE sobre a Base de Clculo .................................. p.128

    4.4 Saldos do SBPE versus FHE-SBPE (Dez/2002 a Set/2012) .................................... p.131

    4.5 Distribuio mdia das Aplicaces Imobilirias (Jan-Set/2012) .............................. p.137

    4.6 Fontes e Usos do SBPE em 2012 .............................................................................. p.139

    4.7 Distribuio mdia das Aplicaes Imobilirias nas Instituies Pblicas .............. p.140

    4.8 - Distribuio mdia das Aplicaes Imobilirias nas Instituies Privadas ............... p.140

    4.9 Evoluo VA Mx. pelas regras do SFH (dez/1996-set/2012) .................................. p.146

    4.10 Evoluo do VF Mdio e VF Mx (Dez/2002-Set/2012) ........................................ p.150

    4.11 Distribuio das prestaes e rendas mnimas equivalentes .................................... p.152

    4.12 - Distribuio dos Contratos da CAIXA SBPE/SFH (Jan/2011-Set/2012)

    por faixa de renda familiar .................................................................................................. p.154

    Grficos do captulo 5:

    5.1 Margem Operacional Apurada 2002-2011 ................................................................ p.173

    5.2 Evoluo do Patrimnio Lquido, 2001 a 2011 ......................................................... p.181

    5.3 Evoluo do Fundo de Liquidez em relao aos Saques, 2001 a 2011 ............ p.183

    5.4 Reserva de Contas Inativas, 2001 a 2011 .................................................................. p.184

    5.5 Crescimento Real dos Oramentos para Emprstimos Habitacionais

    e dos Ativos Totais do FGTS .............................................................................................. p.187

    5.6 Carteira de Emprstimos Habitacionais sobre Ativos Totais .................................... p.189

    5.7 Valores orados e realizados em Emprstimos Habitacionais entre 2002 e 2011 .... p.190

    5.8 Evoluo real da arrecadao do FGTS, 2001 a 2011 .............................................. p.192

  • 5.9 Crescimento dos Depsitos Vinculados Totais ......................................................... p.194

    5.10 Carteira de Financiamentos Habitacionais versus Ativos Totais ............................ p.195

    5.11 Valores Aplicados em Emprstimos Habitacionais e em Ttulos e

    Valores Mobilirios, 2005 a 2011 ..................................................................................... p.199

    5.12 Crescimento real anual das Carteiras e Ativos Totais do FGTS, 2001 a 2011 ........ p.200

    5.13 Ativos totais e carteiras de aplicaes, 2001 a 2011 ................................................ p.200

    5.14 Fundo de Liquidez e demais aplicaes em ttulos pblicos federais,

    2001 a 2011 ........................................................................................................................ p.202

    5.15 Diversificao da Carteira de Ttulos e Valores Mobilirios, 2001 a 2011 ............ p.203

    5.16 Evoluo do FIFGTS em relao ao Patrimnio Lquido ....................................... p.204

    5.17 Evoluo dos limites de atendimento no FGTS, 2004 a 2012 ................................. p.210

  • LISTA DE SIGLAS

    ABECIP Associao Brasileira das Entidades de Crdito Imobilirio e Poupana

    APE Associao de Poupana e Emprstimo

    BNH Banco Nacional de Habitao

    BB Banco do Brasil

    BCB Banco Central do Brasil

    CAIXA Caixa Econmica Federal

    CBIC Cmara Brasileira da Indstria da Construo

    CDB Certificado de Depsito Bancrio

    CCI Cdulas de Crdito Imobilirio

    CCFGTS Conselho Curador do Fundo de Garantia do Tempo de Servio

    CETIP Cmara de Custdia e Liquidao

    CGU Controladoria Geral da Unio

    CIBRASEC Companhia Brasileira de Securitizao

    CM Correo Monetria

    CMN Conselho Monetrio Nacional

    COHAB Companhia de Habitao

    CRI Certifi cado de Recebveis Imobilirios

    CVM Comisso de Valores Mobilirios

    EMGEA Empresa Gestora de Ativos

    FAHBRE Fundo de Apoio Produo de Habitao para Populao de Baixa Renda

    FAR Fundo de Arrendamento Residencial

    FAS Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social

    FAT Fundo de Amparo ao Trabalhador

    FCVS Fundo de Compensao de Variaes Salariais

    FDS Fundo de Desenvolvimento Social

    FESTA Fundo de Estabilizao

    FGHab Fundo Garantidor da Habitao Popular

    FGTS Fundo de Garantia do Tempo de Servio

    FIDC Fundo de Investimentos em Direitos Creditrios

    FIEL - Fundo para Pagamento de Prestaes no caso de Perda de Renda por Desemprego e/ou

    Invalidez Temporria

    FIFGTS Fundo de Investimento do FGTS

    FII Fundo de Investimento Imobilirio

    GAP Grupo Tcnico de Apoio Permanente ao Conselho Curador do FGTS

    GEAVO Gerncia Nacional de Ativo do FGTS (CAIXA)

  • IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    IN Instruo Normativa

    INPC Indice Nacional de Preos ao Consumidor

    LH Letra Hipotecria

    LCI Letra de Crdito Imobilirio

    LTV Loan to Value

    MBS Mortgage Backed Securities

    MCidades Ministrio das Cidades

    OGU Oramento Geral da Unio

    OTN Obrigao do Tesouro Nacional

    PAEG Plano de Ao Econmica do Governo

    PAIH Plano de Ao Imediata para Habitao

    PEP Programa de Emprstimo Popular

    PLANHAP Plano Nacional de Habitao Popular

    PLANHAB Plano Nacional de Habitao

    PMCMV Programa Minha Casa, Minha Vida

    PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclio

    PND Plano Nacional de Desenvolvimento

    PROER Programa de Estmulo Recuperao e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro

    Nacional

    PROHAP Programa de Habitao Popular

    SBPE Sistema Brasileiro de Poupana e Emprstimo

    SCI Sociedades de Crdito Imobilirio

    SELIC Sistema Especial de Liquidao e Custdia

    SEPURB Secretaria Especial de Planejamento Urbano

    SERFHAU Servio Federal de Habitao e Urbanismo

    SFH Sistema Financeiro de Habitao

    SFI Sistema Financeiro Imobilirio

    SINDUSCON Sindicato da Indstria da Construo Civil

    SM Salrio Mnimo

    SNH Sistema Nacional de Habitao

    SNHIS Subsistema Nacional de Habitao de Interesse Social

    SNM Subsistema Nacional de Mercado

    STF Supremo Tribunal Federal

    TR Taxa Referencial

  • SUMRIO

    INTRODUO ..................................................................................................... p. 1

    1. A POLTICA HABITACIONAL BRASILEIRA E O SFH .................. p. 8 1.1 A criao do SFH ............................ p. 9

    1.2 A construo da Poupana como um dos pilares do SFH ............... p. 13

    1.3 A criao do FGTS, o outro pilar do SFH ........................................ p. 23

    1.4 A pujana e a crise do financiamento habitacional ......................... p. 33

    1.5 A revitalizao do SFH ....................................................................... p. 45

    2. RELEVNCIA E LIMITAES DO FINANCIAMENTO HABITACIONAL ................................................................................................. p. 49

    3. O SISTEMA NACIONAL DE HABITAO ........................................ p. 70 3.1 O Subsistema Nacional de Habitao de Interesse Social ............... p. 75

    3.2 O Subsistema Nacional de Mercado .................................................. p. 86

    3.3 Segmentao das famlias conforme a capacidade de

    adquirir financiamento ............................................................................. p. 92

    4. O FINANCIAMENTO HABITACIONAL PELO SISTEMA BRASILEIRO DE POUPANA E EMPRSTIMO ......................................... p.102

    4.1 Evoluo da exigibilidade ................................................................... p.106

    4.2 Percentuais efetivamente aplicados em financiamento

    Habitacional com recursos da Poupana ................................................ p.120

    4.3 Demais aplicaes e aplicaes a taxa de mercado .......................... p.136

    4.4 Enforcement do direcionamento ........................................................ p.141

    4.5 Fatores de Multiplicao .................................................................... p.143

    4.6 Enquadramento no SFH ..................................................................... p.144

    4.7 Famlias atendidas pelo SBPE ............................................................ p.148

    4.8 Concluses da anlise do SBPE .......................................................... p.156

  • 5. O FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIO E O FINANCIAMENTO HABITACIONAL .................................................... p.160

    5.1 Custo dos Emprstimos Habitacionais concedidos pelo FGTS ...... p.166

    5.2 Parcela do FGTS destinada habitao ........................................... p.186

    5.3 Rendas atendidas pelo FGTS ............................................................. p.207

    5.4 Outros aspectos relevantes a serem analisados ................................. p.213

    5.5 Concluses da anlise do FGTS ......................................................... p.216

    6. AS INTERFACES ENTRE O FINANCIAMENTO

    HABITACIONAL E O TERRITRIO ............................................................. p.219

    CONCLUSO E INDICAES DE APRIMORAMENTO

    DO SFH E SNH .................................................................................................... p.235

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................................................... p.251

  • INTRODUO

    1

  • Esta tese pretende analisar as duas fontes de captao de recursos que integram o Sistema

    Financeiro da Habitao (SFH): o Sistema Brasileiro de Poupana e Emprstimo (SBPE) e o

    Fundo de Garantia por Tempo de Servio (FGTS). Essas fontes, arregimentadas para serem

    os pilares do SFH, criado em 1964, ainda sustentam preponderantemente o crdito

    habitacional e constituem, conjuntamente, a espinha dorsal de funding do atual Sistema

    Nacional de Habitao (SNH).

    A questo habitacional vem ocupando, na ltima dcada, lugar de destaque entre as polticas

    pblicas prioritrias no pas, configurando um movimento de retomada propiciado pelo

    vertiginoso crescimento do crdito habitacional lastreado por essas duas fontes tradicionais e

    pela dotao de recursos oramentrios para a concesso de subsdios.

    Ambas as fontes do SFH captam depsitos, sendo o SBPE um sistema de poupana

    voluntria e o FGTS, de depsitos compulsrios que compreendem o peclio de um conjunto

    de trabalhadores, regidos pela Consolidao das Leis do Trabalho (CLT). Historicamente,

    essas fontes do SFH tm sido bem sucedidas na captao de recursos, inclusive de baixo

    custo em relao ao livre mercado1. J seu desempenho na proviso de crdito habitacional

    pode ser dividido, para fins deste estudo, em quatro perodos.

    O primeiro, de alta atividade, compreendido entre o incio dos anos 70 e meados dos 80. O

    segundo, de baixa atividade ou quase estagnao, entre meados dos anos 80 e dos 90,

    caracterizado por forte crise econmica e desmantelamento das estruturas criadas no perodo

    anterior. O terceiro, entre os anos 90 e incio dos anos 2000, ainda de atividade fraca,

    compreendeu um perodo de equacionamento de heranas do passado, tais como o

    descasamento entre reajustes de prestaes e prazos, saneamento do sistema financeiro, em

    particular do Fundo de Compensao de Variaes Salariais (FCVS) e a criao da Empresa

    Gestora de Ativos (EMGEA), tendo como pano de fundo, a conquista da estabilizao

    econmica e como marcos, a insero do Direito Moradia na Constituio e a promulgao

    do Estatuto das Cidades. O quarto e atual, a partir de 2003, caracterizado pela revitalizao

    do SFH com crescimento significativo do financiamento e da produo habitacional e, mais

    recentemente, pelos esforos de reconstruo das instituies pblicas, nos trs nveis

    federativos, voltadas para a questo habitacional.

    1 O conceito de livre mercado adotado aqui o do mercado de crdito que opera segundo as condies de taxas de juros e prazos livremente pactuados pelas partes, fora dos ditames do circuito direcionado. No Brasil o caso de CRIs, Letras lastreadas em crdito imobilirio e outros instrumentos de crdito, incluindo recursos prprios dos agentes financeiros, cujas taxas so marcadas a mercado, ainda que contem com algum incentivo e sejam submetidas a regulao.

    2

  • Nesse ltimo perodo, foram realizados importantes avanos, fundamentais para o

    crescimento experimentado. Aprimoramentos do marco regulatrio, que imprimiram maior

    segurana jurdica, estimulando a expanso do crdito pelos agentes, dentre os quais destaca-

    se o regime da alienao fiduciria em substituio s tradicionais hipotecas. A consolidao

    da estabilidade macroeconmica com a reduo das taxas de juros, aliada ao crescimento real

    da renda. Por fim, avanos institucionais que compreendem a criao do Ministrio das

    Cidades e a nova Poltica Nacional de Habitao, o Sistema Nacional de Habitao, dos

    Conselhos e fundos de habitao, o desenvolvimento do Plano Nacional de Habitao, e, por

    fim, a implantao do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV). Este ltimo instituiu o

    mix de recursos oramentrios e onerosos, reconhecendo finalmente que o subsdio

    condio sine qua non para o acesso moradia pelos segmentos de menor renda da

    populao. Todos esses acontecimentos contribuiram para recolocar a questo habitacional na

    agenda das polticas pblicas.

    Como o atual momento de celebrada pujana, com nveis inditos de crescimento dos

    financiamentos habitacionais, tanto com recursos do SBPE, quanto do FGTS, impulsionados

    pelos subsdios concedidos no mbito do PMCMV, pode parecer fora de propsito analisar

    um Sistema que parece estar revitalizado e desempenhando to bem. Todavia, a motivao

    para realizar esta pesquisa nasce de outro olhar para o presente. Justamente quando o pas

    rene condies extremamente positivas cria-se a oportunidade para enfrentar, de fato, sua

    grave questo habitacional.

    Delineia-se, assim, um momento mpar, que, de um lado, propicia condies por demais

    favorveis para a expanso do crdito e, de outro, impe o desafio de universalizar o acesso

    moradia digna meta mxima estabelecida pela PNH a um nmero to expressivo de

    famlias com rendas to limitadas. O dficit habitacional estimado (Fundao Joo Pinheiro,

    2008, pp.29 e 35) em 5,5 milhes de unidades2, sendo 89,6% concentrado em famlias com

    renda mensal de at trs salrios mnimos (doravente, SMs). H, ainda, a demanda por

    moradia que se constitui a cada ano3 e as habitaes que apresentam alguma inadequao

    para o uso residencial4.

    tempo, portanto, de rever as estruturas que promovem o crdito habitacional no pas,

    identificando as perspectivas e limitaes para o enfrentamento da questo habitacional.

    2 Conforme estimativa de Magalhes Eloy e Paiva (2010), pela PNAD 2009, com base na metodologia da Fundao Joo Pinheiro. 3 Ver os estudos do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional de Minas Gerais (Cedeplar), 2007. 4 Ver os estudos da Fundao Joo Pinheiro (FJP), 2008.

    3

  • Tendo sempre em mente, como objetivo ltimo, a consecuo da meta de universalizar o

    acesso moradia digna, poderiam ser escolhidos dois caminhos distintos. O primeiro, adotado

    por esta pesquisa, que compreende a anlise das fontes existentes, em franca atuao, para

    verificar em que medida vm atuando de modo potencializado e estratgico. O outro,

    consistiria na proposio de um novo Sistema, que talvez pudesse oferecer condies para

    uma maior eficincia e equidade, superando as limitaes do atual.

    A proposio de um novo sistema demandaria, de todo modo, a anlise do Sistema vigente,

    sendo esta, portanto, tarefa necessria, qualquer que fosse o caminho escolhido. Iria requerer,

    ainda, uma avaliao criteriosa das possibilidades reais oferecidas pelo contexto brasileiro. As

    experincias nacional e internacional vm revelando que modelos no so facilmente

    copiveis, pois esto referenciados aos seus contextos de origem. Ademais, novos sistemas

    levam alguns anos para serem implantados e comearem a dar resultados efetivos, enquanto

    as necessidades habitacionais so prementes. Pareceu ser mais vivel e adequado, neste

    momento, analisar criticamente o SFH estabelecido e consolidado, responsvel pela quase

    totalidade do crdito habitacional formalmente concedido no pas sob a crena de que essa

    anlise poder fornecer parmetros para seu aprimoramento. A escolha feita aqui no impede,

    obviamente, que outros estudos, inclusive valendo-se das contribuies que aqui se busca

    oferecer, possam caminhar no sentido de refletir sobre novos modelos a serem paulatinamente

    implantados no mdio ou longo prazos. O intuito porm, deve ser sempre o de promover o

    acesso universal, para todos os brasileiros, a uma moradia digna.

    A moradia digna um conceito ampliado que incorpora o direito infraestrutura,

    saneamento ambiental, mobilidade e transporte coletivo, equipamentos e servios urbanos e

    sociais, de modo a garantir o direito cidade5. Essa compreenso remete fundamental

    reflexo sobre o contexto de insero da Poltica Nacional de Habitao que, frente

    desigualdade de renda e regional brasileiras, precisa estar entrelaada com outras polticas

    urbana, fundiria, educacional, de sade, de emprego e ambiental constituindo uma

    micropoltica dentro de um espectro muito mais abrangente de ao do Estado. Se construda

    de forma isolada, a PNH tem poucas chances de lograr os esperados resultados.

    Feita essa importante ressalva, preciso esclarecer que o objetivo deste trabalho bem mais

    modesto. Compreende apenas, e to somente, uma parte da estruturao da Poltica

    Habitacional: duas fontes do sistema de financiamento, o FGTS e o SBPE. A poltica , ou

    precisa ser, muito maior que o sistema de financiamento. Especialmente no contexto

    5 Segundo a atual Poltica Nacional de Habitao.

    4

  • brasileiro de desigualdade de renda, um sistema de financiamento, ainda que subsidiado, no

    oferece acesso a todas as famlias, posto que muitas no tm disponibilidade de renda ou

    estabilidade para assumir um compromisso financeiro de longo prazo. Nem garante,

    necessariamente, que o acesso unidade habitacional possibilitar a incluso social e urbana.

    No obstante, os sistemas de financiamento tm grande relevncia para as polticas

    habitacionais, pois viabilizam a produo e alavancam a capacidade de pagamento das

    famlias, expandindo o acesso habitao. Sendo a moradia um bem de alto valor em relao

    s rendas, sem o crdito, raramente viabiliza-se. Por esse motivo, sistemas de financiamento

    habitacional constituem pea fundamental das polticas habitacionais em todo o mundo e so,

    em maior ou menor grau, regulados pelo Estado. O desafio para as polticas e,

    consequemente, para os gestores pblicos, justamente calibrar a regulao de modo a fazer

    com que esses sistemas desempenhem, dentro do contexto especfico, o mais eficientemente

    possvel do ponto de vista dos objetivos da poltica, sem pr em risco a sustentabilidade dos

    mecanismos de financiamento e do prprio sistema financeiro.

    Portanto, o esforo de olhar detida e minuciosamente para a questo vale a pena.

    A pesquisa, aqui apresentada, assume o pressuposto de que as fontes do SFH FGTS e SBPE

    devem ser dedicadas prioritariamente e de modo estratgico ao financiamento habitacional.

    O potencial oferecido por essas fontes, com seus expressivos volumes de recursos e taxas de

    juros situados abaixo do livre mercado, indica que elas precisam no apenas produzir

    financiamentos habitacionais expressivos, como vem acontecendo nos ltimos anos, mas,

    principalmente, faz-lo de forma estratgica.

    Tanto no SBPE, quanto no FGTS, a concesso de crdito vem sendo direcionada por meio de

    regulamentao especfica imposta a cada fonte. Originalmente ambos estavam sob a batuta

    nica do BNH, mas hoje o SBPE regulado pelo Conselho Monetrio Nacional e pelo Banco

    Central, enquanto o FGTS, pelo seu Conselho Curador, uma instncia tripartite da qual

    participam o governo e representaes de classe patronais e sindicais. Os agentes financeiros

    captam recursos seja de uma ou da outra fonte e concedem financiamentos habitacionais

    submetidos regulamentao imposta em cada caso. A regulamentao define como os

    recursos captados so utilizados e , portanto, chave para compreender o desempenho desse

    Sistema.

    A hiptese geral formulada, que embasa esta pesquisa, que, apesar de regulamentado, o

    SFH no tem o seu potencial plenamente utilizado para a expanso do crdito downmarket, e,

    5

  • portanto, carece de um melhor alinhamento PNH na busca pela universalizao do acesso.

    Todavia, se reformulado, poder oferecer maior contribuio para a questo habitacional.

    necessrio, portanto, verificar quais os aspectos que podem estar comprometendo essa

    aderncia. Tal hiptese central, ponto de partida que origina esta pesquisa, traduzida nas

    seguintes hipteses:

    i. a regulamentao permite a subutilizao do potencial dessas fontes, que

    convertem menos recursos para o financiamento habitacional do que

    seria possvel;

    ii. tanto o SBPE quanto o FGTS no apresentam uma relao tima entre os

    custos de oportunidade gerados pela captao dos recursos a taxas abaixo

    das de mercado e os benefcios gerados pelo financiamento habitacional

    concedido;

    iii. o FGTS e o SBPE carecem de uma atuao mais complementar.

    Se confirmadas as hipteses postuladas, ser possvel identificar em que aspectos a

    regulamentao poderia promover a expanso do financiamento habitacional e,

    principalmente, de faz-lo de modo mais articulado e estratgico, oferecendo contribuio

    mais alinhada com os objetivos da PNH. Essas hipteses so testadas por meio dos seguintes

    mtodos:

    i. anlise crtica do arranjo das fontes de financiamento no desenho do Sistema

    Nacional de Habitao, com nfase para o posicionamento do FGTS e do

    SBPE;

    ii. anlise do SBPE reviso histrica da regulamentao para mapear a evoluo

    da exigibilidade e do enquadramento nas condies estabelecidas pelo SFH,

    bem como do exerccio do enforcement para fazer cumprir a regulamentao;

    e, verificao, por meio das estatsticas disponibilizadas pelo Banco Central do

    Brasil (BCB), dos nveis de captao e desempenho em crdito habitacional

    pelos agentes do Sistema entre 2002 e 2012, complementada pela identificao

    do perfil de renda das famlias atendidas;

    iii. anlise do FGTS, verificando, por meio dos dados fornecidos nos seus

    demonstrativos financeiros, do custo de oportunidade gerado pela captao

    compulsria dos depsitos, contraposta s receitas geradas pelo Fundo,

    complementada pela avaliao de como esse custo de oportunidade vem sendo

    6

  • utilizado e, ainda, da gerao de crdito habitacional vis--vis as

    disponibilidades do Fundo, alm da amplitude de atendimento e outros

    aspectos relevantes.

    O presente trabalho divide-se em sete captulos.

    O primeiro comea com uma retrospectiva do contexto da criao do SFH, em 1964, e sua

    evoluo at o momento atual, trazendo, como destaque, a reviso do esforo empreendido

    pelo pas para consolidar as duas fontes de captao de recursos o fomento poupana,

    como hbito das famlias brasileiras e a criao e legitimao do FGTS de modo a constituir

    os pilares de funding do SFH.

    O segundo, baseado em outros trabalhos, reflete sobre a capacidade de pagamento das

    famlias brasileiras para embasar o argumento, mesmo que bvio, de que o financiamento

    para aquisio no pode constituir o meio universal de acesso moradia no Brasil.

    O terceiro captulo inicia a anlise proposta, discutindo criticamente a estruturao do Sistema

    Nacional de Habitao e o posicionamento do SBPE e FGTS nele, a partir da segmentao

    das famlias conforme sua capacidade de adquirir financiamento. Outros aspectos da proposta

    do SNH so tambm abordados.

    O quarto e quinto compreendem, respectivamente, as anlises do SBPE e FGTS, essncia

    deste trabalho, em que as hipteses postuladas so testadas.

    O sexto faz uma reflexo sobre as interfaces entre financiamento e territrio, no intuito de

    enfatizar a importncia das polticas urbana e fundiria, inclusive para melhor equacionar o

    financiamento.

    O ltimo oferece, como consideraes finais, alm da concluso conjunta das anlises,

    sugestes para a busca de aprimoramentos do Sistema Financeiro da Habitao.

    7

  • Captulo 1

    A POLTICA HABITACIONAL BRASILEIRA E O SFH

    8

  • Este Captulo pretende realizar uma restrospectiva histrica sobre o financiamento

    habitacional no Brasil, iniciando com uma breve descrio do perodo anterior criao do

    Sistema Financeiro da Habitao (SFH) a fim de contextualiz-lo. Busca enfatizar o percurso

    de consolidao das duas fontes de captao de recursos a criao e legitimao do Fundo

    de Garantia por Tempo de Servio (FGTS) e a regulamentao da Poupana reunida sob o

    Sistema Brasileiro de Poupana e Emprstimo (SBPE) dedicando a isso as duas prximas

    sees. Nas seguintes, finaliza a retrospetiva sobre o perodo do Banco Nacional de

    Habitao (BNH), desta vez voltando-se para a concesso de financiamento e revendo, de

    modo sinttico, a evoluo do Sistema nessas quase cinco dcadas.

    1.1 A criao do SFH

    Antes de 1964, ano da estruturao do Sistema Financeiro da Habitao, os esquemas de

    financiamento habitacional eram bastante restritos e no havia alternativa para a proviso

    formal de unidades para a populao de baixa renda. Os Institutos de Aposentadorias e

    Penses produziram os primeiros conjuntos habitacionais do pas, porm destinados

    exclusivamente s suas categorias profissionais, formadas por famlias de renda mdia ou

    moderada. Os resultados alcanados foram, todavia, pouco expressivos cerca de 260 mil

    unidades, entre 1937 e 1964, uma mdia anual de menos de 10 mil unidades1.

    O aluguel era, at ento, uma importante via de acesso moradia, mas a crise no mercado de

    aluguis foi deflagrada por sucessivas Leis do Inquilinato entre 1940 e 1960, que congelaram

    os preos e provocaram a estagnao da produo destinada a esse fim. Isso contribuiu para o

    surgimento de estratgias privadas de produo e comercializao, montadas para alcanar

    uma classe mdia em expanso, com certo poder de compra e localizada na cidade.

    Segundo Rossetto (2002),2 a expanso da propriedade foi possvel mediante a ocorrncia de

    dois processos paralelos de produo: um voltado para o uso prprio e outro visando

    comercializao de unidades, com o objetivo de obter lucro por meio da atividade

    imobiliria. Por volta dos anos 50 houve uma mudana de escala na produo imobiliria,

    com um salto significativo do montante do investimento nacional privado em novas

    construes e, tambm, uma mudana na tipologia das construes popularizou-se o prdio

    1 Ver: Bonduki, 1999; Trindade, (1971 apud Arago, 2007). 2 Ver: Rosseto 2002 e Bonduki, 1998.

    9

  • de apartamentos como forma de otimizar os terrenos urbanos. A construo de edifcios de

    apartamentos para venda exigia investimentos de maior porte com fluxo constante de

    recursos, afastando os pequenos investidores imobilirios e concentrando a atividade

    imobiliria no incorporador. Este obtinha o capital necessrio para o investimento

    habitacional, em muitos casos, a partir da venda do imvel na planta.

    Em meados dos anos 50, as estratgias privadas de promoo e comercializao destinadas

    classe mdia j comearam a apresentar sinais de estrangulamento, particularmente devido

    inflao e taxas de juros reais negativas, que inibiam tanto a poupana quanto a constituio

    de mecanismos de financiamento imobilirio, impondo limites para as possibilidades de

    crescimento desse setor.

    O esquema de financiamento imobilirio vigente, baseado na concesso de emprstimos a

    valores nominais fixos, segundo Kampel e Valle (1974, p.12.),

    [...] distorcia o mercado em trs aspectos: primeiro, premiava os muturios, os quais pagavam suas amortizaes em cruzeiros desvalorizados; segundo, afastava a poupana voluntria desse mercado, tendo em vista as taxas reais de juros fortemente negativas; terceiro, minguava a capacidade de aplicao das poucas instituies existentes.

    O financiamento habitacional necessitava, portanto, ser equacionado. Ademais, o governo

    militar, que assume o poder aps o Golpe de 1964, precisava legitimar-se e, para tanto,

    buscava o apoio das massas populares urbanas, base de sustentao do populismo afastado do

    poder. Segundo Bonduki (2008, p.3) havia

    [...] a preocupao de fazer da poltica habitacional, baseada na casa prpria, um instrumento de combate s idias comunistas e progressistas no pas, em tempos de guerra fria e de intensa polarizao poltica e ideolgica em todo o continente.

    Alm do avano do processo de urbanizao, acentuando a necessidade de moradia urbana, a

    produo habitacional era, e continua sendo, alavanca para a gerao de emprego de baixa

    qualificao e para a dinamizao da economia. No incio dos anos 60, a indstria da

    construo civil brasileira clamava por estmulo, pois, enquanto na dcada anterior tinha

    vivido uma grande expanso proporcionada pelo Plano de Metas do governo federal,

    enfrentava ento uma forte retrao de atividade.

    10

  • Nesse contexto, em 1964, no bojo da reestruturao do sistema financeiro3 que instituiu a

    correo monetria no pas, o Conselho Monetrio Nacional (CMN), o Banco Central (BCB)

    e regulamentou o Sistema Financeiro Nacional foi criado o Sistema Financeiro da

    Habitao (SFH), com objetivo declarado de enfrentar o dficit habitacional urbano

    estimado na poca em 8 milhes de unidades4. Com nfase voltada para as cidades com

    populao superior a 50 mil habitantes ou com crescimento acima da mdia nacional e

    acelerado desenvolvimento industrial, o SFH estabelecia, como prioridade, a promoo do

    acesso da populao de menor renda habitao, conforme versa o Art. 8 da Lei n 4.380 de

    21 de agosto de 19645: [...] destinado a facilitar e promover a construo e a aquisio da

    casa prpria, especialmente pelas classes de menor renda da populao [...]

    Historicamente, sua implementao compreendeu a primeira estruturao de uma poltica

    habitacional de maior envergadura no Brasil.

    O Banco Nacional de Habitao, rgo central operador do SFH, coordenava todos os

    agentes, regulamentando, fiscalizando e garantindo a liquidez do Sistema, definindo as

    diretrizes para os investimentos pblicos e privados, bem como as condies de

    financiamento para os muturios finais. A princpio, seu esforo foi dedicado a

    institucionalizar uma rede de agentes6: Companhias de Habitao (Cohabs); cooperativas; os

    3 Antes da Lei n 4.380, supra citada, houve a Lei n 4.357, de 16 de julho de 1964 (disponvel em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4357.htm), que introduziu a correo monetria para permitir investimentos de longo prazo em um cenrio de taxas de juros reais negativas. A seguir, em 31 de dezembro de 1964, a Lei n 4.595 regulamentou o Sistema Financeiro Nacional (SFN), criou o Conselho Monetrio Nacional (CMN) e o Banco Central do Brasil (BCB) e extinguiu a Lei da Usura, em vigor desde 1933. A Lei n 4.728 de 14 de julho de 1965 (Disponvel em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4728.htm regulamentou o Mercado de Capitais e, em 1966, a Resoluo BCB n 18, de 18 de fevereiro de 1966, instituiu os bancos de investimento. Um ano depois, a Resoluo BCB n 63 de 21 de agosto de 1967, permitiu a captao de recursos no mercado financeiro internacional. Mais tarde criada a Comisso de Valores Mobilirios (CVM), pela Lei n 6.385, de 7 de dezembro de 1976. Em 1979, foi criado o Sistema Especial de Liquidao e Custdia (SELIC), que passa a realizar a custdia e a liquidao financeira eletrnica das operaes envolvendo ttulos pblicos. O regime de mercado para as taxas de juros praticadas pelas instituies financeiras s foi institudo pelo CMN em 5 de dezembro de 1985, pela Resoluo n 1.064. Em 1986, foi criada a Central de Custdia e de Liquidao Financeira de Ttulos (CETIP), um mercado de balco organizado para registro e negociao de valores mobilirios de renda fixa, permitindo a introduo dos Depsitos Interfinanceiros (DI ou CDI). Em 22 de dezembro de 1988, a Resoluo CMN n 1.524 regulamentou o surgimento dos bancos mltiplos. Em 1996, foi institudo o Comit de Poltica Monetria (COPOM), com o objetivo de estabelecer diretrizes da poltica monetria. Com a introduo da sistemtica de "metas para a inflao", o COPOM passou a definir a meta da Taxa SELIC e seu eventual vis. 4 Segundo Pereira (1989) citando o relatrio do BNH de 1970. 5 Disponvel em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4380.htm. Acesso em 10 de novembro de 2010. 6 Hoje, os agentes financeiros do SFH compreendem (Resoluo BCB n 3.157, de 17 de dezembro de 2003,): os bancos mltiplos com carteira de crdito imobilirio, as caixas econmicas, as sociedades de crdito imobilirio, as associaes de poupana e emprstimo, as companhias de habitao, as fundaes habitacionais, os institutos de previdncia, as companhias hipotecrias, as carteiras hipotecrias dos clubes militares, as caixas militares, os Montepios estaduais e municipais e as entidades de previdncia complementar.

    11

    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4357.htmhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4728.htmhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4380.htm

  • Institutos de Orientao s Cooperativas Habitacionais (Inocoops); Sociedades de Crdito

    Imobilirio (SCIs); Associaes de Poupana e Emprstimo (APEs); e, as Caixas, entre elas a

    Caixa Econmica Federal (CAIXA)7.

    Os recursos provinham, inicialmente, da emisso de letras imobilirias (emitidas com prazo

    de resgate superior a dois anos e reajuste monetrio semestral), alm de recursos da Unio e

    de contribuio sobre salrios8. Essas fontes mostraram-se, contudo, flagrantemente

    insuficientes para a realizao das ambiciosas metas at 1966 apenas 57.283 unidades

    haviam sido financiadas9.

    Era preciso, portanto, equacionar o funding, o que aconteceu a partir de 1966, quando foram

    criadas e regulamentadas duas fontes de recursos, baseadas em captao de depsitos

    voluntrios e compulsrios para prover o necessrio respaldo financeiro que, juntamente com

    a estrutura organizacional de abrangncia nacional, seria capaz de empreender o

    financiamento e a produo habitacional em larga escala. Assim foi regulamentada a j

    existente Poupana, mais tarde reunida sob a denominao de Sistema Brasileiro de

    Poupana e Emprstimo (SBPE), e foi institudo o Fundo de Garantia por Tempo de Servio

    (FGTS), concluindo, do ponto de vista do funding, o desenho do SFH.

    Entretanto, havia ainda um caminho a ser trilhado para atrair recursos para a Poupana e para

    legitimar o FGTS. O percurso percorrido pelo pas para consolidar essas duas fontes de

    captao ser relatado a seguir, nas prximas sees. No obstante haja similaridades no seu

    desenvolvimento, suas especificidades, determinadas inclusive por suas distintas naturezas,

    sugerem que suas histrias sejam contadas separadamente, a partir deste momento, para

    depois retomar, de forma breve, a evoluo do SFH no aspecto da concesso do crdito.

    7 As SCIs foram criadas em 1964 e regulamentadas com a Resoluo BNH n 20/1966; as Associaes de Poupana e Emprstimo (APEs), criadas pelo Decreto-Lei n 70, de 21 de novembro de1966 (disponvel em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0070-66.htm, acesso em 17 de novembro de 2010) e regulamentadas pela Resoluo BNH n 12/1967; a Caixa Econmica Federal (CAIXA), instituio financeira sob a forma de empresa pblica, vinculada ao Ministrio da Fazenda, com o Decreto-Lei n 66.303, de 6 de maro de1970. 8 Segundo Royer (2009, p.49) os recursos iniciais destinados ao SFH e previstos na lei de criao do BNH/SFH eram oriundos de uma contribuio de 1% incidente sobre salrios e tambm de subscrio compulsria de letras imobilirias emitidas pelo BNH por locadores de imveis com rea superior a 160 m2, por institutos de previdncia, SESC, SESI, Caixas Econmicas e promotores da construo de imveis com valor entre 1000 e 2000 SMs, alm de recursos subscritos pela Unio. 9 Arago, 2007, p.98.

    12

    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0070-66.htm

  • 1.2 A construo da Poupana como um dos pilares do SFH

    A captao de poupana existia no pas desde muito antes da criao do SFH10, mas havia

    quase desaparecido sob a inflao. Em 1966 o BNH (RD 30, de 11 de maio de 1966)

    reconheceu que o sistema de captao de poupana para aplicao no setor habitacional

    repousa(va), fundamentalmente, no restabelecimento da confiana popular na Poupana.

    A correo monetria, instituda pela Lei n 4.380/1964, seria o atrativo para restabelecer a

    poupana e as Caixas Econmicas, por sua tradio, o aparelho mais adequado para o

    incio do desenvolvimento desse programa de captao de depsitos. Definida pelo Banco

    Central, a correo monetria passava, ento, a ser acrescida remunerao anual da

    Poupana de 6% (0,5% ao ms).

    Para o desenvolvimento da Poupana, o BNH disponibilizou Cr$ 60 bilhes11 de capital

    estmulo12 e, em seguida, concluindo pela convenincia para os objetivos do Plano Nacional

    de Habitao de estimular a Poupana, autorizou o resgate antecipado das Letras Imobilirias

    para aplicao em contas de depsito nas carteiras de habitao das Caixas Econmicas, SCIs

    e APEs 13.

    A RC BNH n 29/1968 normatizou e disciplinou a abertura e movimentao das contas de

    poupana, por meio de cadernetas, junto ao pblico pelas j criadas SCIs, APEs e Caixas

    Econmicas, estabelecendo a rentabilidade semestral14, regulamentando, assim as

    Cadernetas de Poupana para compor uma das fontes de recursos do SFH.

    Ainda em 1968, o BNH (RC BNH n 32/68) criou um fundo de promoo das Cadernetas de

    Poupana para incentivar e difundir hbitos de poupana entre os brasileiros. No ano

    seguinte, as 22 Caixas Econmicas Federais existentes no pas foram unificadas em uma

    nica empresa pblica, a Caixa Econmica Federal (CAIXA), jurisdicionada ao Ministrio da

    Fazenda15.

    10 Tem origem no Decreto n 2.723, de 12 de janeiro de 1861. Disponvel em: http://www.caixa.gov.br/Voce/poupanca/historia.asp. Acesso em 17 de novembro de 2010. 11 O Cruzeiro (Cr$) era a moeda brasileira entre 1942 e 1967, substitudo ento pelo Cruzeiro Novo, retornando a se chamar Cruzeiro at 1986, quando foi institudo o Cruzado. Voltou, pela ltima vez, entre 1990 e 1993. 12 O capital estmulo consistia em um emprstimo ao agente financeiro, com carncia de um ano, retorno em 15 anos, taxa de 6% a.a., mais correo monetria (CM). 13 A RC BNH n 52/1967. 14 Havia inicialmente uma carncia de seis meses para o recebimento da correo. No caso das APEs, em lugar de juros, eram distribudos dividendos. 15 Ver Arago (2007, p.177).

    13

    http://www.caixa.gov.br/Voce/poupanca/historia.asp

  • Em 1971, o FGTS representava a principal fonte de recursos do SFH e a RC BNH n 26/71

    liberou o uso dos depsitos do Fundo para amortizar total ou parcialmente dvidas de

    financiamento habitacional com recursos da Poupana16.

    O esforo engendrado para estimular a captao pela Poupana logo surtiu efeito. Segundo a

    Abecip (1994, p.28), em meados dos anos 70, a Caderneta de Poupana j constitua o

    principal ativo financeiro no monetrio do pas. A taxa de crescimento dos seus saldos

    superou sistematicamente a dos haveres financeiros no monetrios em conjunto, saltando de

    7,1% do conjunto de haveres financeiros em 1970, para 33,7%, 10 anos depois. Em 1970, o

    saldo da Poupana era de US$ 421 milhes e j no incio dos anos 80 ele atingia US$ 15

    bilhes.

    O sucesso das Cadernetas de Poupana como instrumento de captao motivou o ingresso

    dos principais conglomerados financeiros no SBPE, acelerado, de acordo com Arago (2007,

    p.178), com a liquidao de algumas SCIs e a progressiva perda de competitividade das SCIs

    e APEs independentes, promovendo muitas aquisies pelos grandes bancos, estimuladas

    pelo BNH. Desse modo, j em 1983, Arago (2007, p.180) observa uma transformao

    significativa na estrutura do SBPE:

    Extremamente velozes e eficientes em sua capacidade de captao de recursos, os grandes bancos apresentavam menor velocidade quando se tratava de aplicar tais recursos no setor habitacional [revelando sua preferncia por] setores que lhes assegurassem retorno mais rpido e melhor rentabilidade que o habitacional (Ibid, p.182).

    Aes de estmulo Poupana continuaram no princpio dos anos 80. Em 1983, a Res. BNH

    n 192/1983 estabeleceu a periodicidade mensal para o rendimento das contas de Poupana,

    ento trimestral, a fim de aumentar sua atratividade. Em seguida, a RD BNH n 1/1984

    determinou a divulgao da garantia oferecida pelo BNH aos depsitos de Poupana e o

    Decreto Lei n 2127 de 20 de junho de 198417, isentou de tributao os rendimentos auferidos

    na Poupana at o final de 1985.

    Todavia, medidas de poltica monetria que promoveram frequentes desajustes no

    alinhamento dos ndices de correo monetria de inflao e alteraes bruscas das taxas de

    juros do mercado, comprometeram a estabilidade dos recursos da Poupana a partir de

    16 Mais tarde, em 1978, a RD BNH n 06/1978 regulamentou a Poupana programada. 17 Disponvel em http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/24/1984/2127.htm. Acesso em 22 de novembro de 2010.

    14

    http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/24/1984/2127.htm

  • meados dos anos 80. As decises de investimento passaram a ser definidas pela perspectiva

    de ganho financeiro em curtssimo prazo, enquanto a poltica de arrocho salarial e a inflao

    crescente corroam a capacidade de poupar das famlias.

    Antes mesmo da extino do Banco Nacional de Habitao, a Res. BCB n 1103/1986

    retornou o rendimento da Poupana para a periodicidade trimestral e proibiu depsitos de

    pessoas jurdicas de fins lucrativos. A partir de ento, os diversos planos econmicos

    implementados e a instabilidade de regras de reajuste das prestaes, expuseram o SFH a

    flutuaes e inmeras demandas judiciais.

    O Plano Cruzado, em 1986, deslocou a preferncia dos investidores para ativos reais e

    provocou aumento significativo do consumo, motivando saques macios da Poupana,

    reduzindo sobremaneira a capacidade de emprstimo das instituies do SBPE. Para

    aumentar a liquidez de curto prazo do Sistema e o interesse dos bancos, o recolhimento

    compulsrio dos depsitos foi reduzido e o limite da taxa de juros efetiva dos emprstimos

    foi aumentado para 12%. Os anos seguintes ainda foram de instabilidade entre fluxos de

    depsitos e retiradas.

    No incio de 1989, outro plano econmico instituiu nova moeda, o Cruzado Novo, congelou

    preos e desindexou a economia. Poucos meses depois, o descontrole do processo

    inflacionrio provocou forte elevao das taxas de juros, desestabilizando a performance dos

    ativos financeiros, em particular, a da Poupana.

    Em 1990, o Plano Collor I18 promoveu o confisco das aplicaes financeiras, esvaziando

    drasticamente a Poupana por meio do bloqueio, por 18 meses, de cerca de 60% do saldo das

    Cadernetas com a transferncia dos depsitos para o Banco Central. Acrescido aos saques

    espontneos dos depsitos no bloqueados e motivados por liberaes judiciais, o confisco

    resultou na reduo dos volumes de depsitos em mais de 50% de US$ 30 bilhes para US$

    14 bilhes praticamente extinguindo os financiamentos habitacionais pelo Sistema (Abecip,

    1994, p.29).

    A volta dos recursos ocorreu em ritmo lento. O Imposto sobre Operaes Fincanceiras (IOF)

    incidente sobre operaes de curto prazo favoreceu a atratividade da Poupana, livre desse

    imposto.

    18 Determinava o bloqueio, por 18 meses, das aplicaes financeiras que ultrapassassem o limite de NCr$ 50 mil (cinquenta mil cruzados novos).

    15

  • O Plano Collor II, em fevereiro de 1991, extinguiu as aplicaes em Overnight19 e em fundos

    de curto prazo, fortes concorrentes da Poupana, substituindo-os pelos Fundos de Aplicao

    Financeira (FAF), com rentabilidade mais baixa, enquanto a Lei 8.177, de 1 de maro de

    199120, instituiu a Taxa Referencial (TR)21, que passou a vigorar como indexador dos

    depsitos e contratos no mbito do SFH e determinou a volta da remunerao mensal (0,5%).

    Contudo, em 1992, os cruzados retidos no Banco Central ainda no haviam retornado para a

    Poupana, como se esperava inicialmente. Os Depsitos Especiais Remunerados (DER),

    ativo criado pelo governo com taxas de juros de 8% ao ano, os Certificados de Depsito

    Bancrio (CDBs) e os fundos de investimento eram mais atrativos.

    Assim, entre 1981 e 1993, o ritmo de crescimento real da Poupana foi inferior ao dos

    haveres financeiros no monetrios, caindo para uma participao de 18,7% no total desses

    haveres no incio de 1994 (Abecip, 1994, p.29). Em 1993, o SBPE havia alcanado US$ 22

    bilhes, volume inferior ao perodo anterior ao Plano Collor I (Abecip, 1994, p.10). A seguir,

    mudanas na metodologia de clculo da TR tornaram a rentabilidade da Poupana mais

    prxima dos CDBs. As Cadernetas voltaram ento a registrar crescimento real significativo.

    O Grfico 1.1 apresenta a evoluo da Poupana em termos percentuais em relao ao PIB,

    entre 1970 e 1994, e ilustra, claramente, o efeito das intervenes econmicas no seu

    comportamento.

    19 Overnight so operaes realizadas no open market por prazo mnimo de um dia, restritas s instituies financeiras. Operaes de troca de dinheiro por um dia, para resgate no primeiro dia til seguinte (http://www.igf.com.br/aprende/glossario/glo_Resp.aspx?id=2212). 20 Disponvel em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8177.htm. Acesso em 23 de novembro de 2010. 21 A TR calculada a partir da remunerao mensal mdia lquida de impostos, dos depsitos a prazo fixo captados nos bancos comerciais, bancos de investimentos, bancos mltiplos com carteira comercial ou de investimentos, Caixas Econmicas, ou dos ttulos pblicos federais, estaduais e municipais, de acordo com metodologia aprovada pelo Conselho Monetrio Nacional.

    16

    http://www.igf.com.br/aprende/glossario/glo_Resp.aspx?id=2212http://www.igf.com.br/aprende/glossario/glo_Resp.aspx?id=2212http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8177.htm

  • Grfico 1.1: Poupana vs PIB e os Planos de Estabilizao Econmica

    Fonte dos dados: Banco Central, Abecip e IPEADATA. Elaborao prpria.

    A despeito de todas as turbulncias aqui brevemente relembradas, a Poupana atravessou a

    dcada perdida e seguiu se consolidando. Sua manuteno, no cenrio brasileiro, como

    importante ativo financeiro sugere que, apesar das inmeras intervenes efetuadas entre

    meados dos anos 80 e 90, o esforo inicial feito pelo governo a partir de 1966 para sua

    consolidao como instrumento de captao de recursos logrou pleno xito. Tanto, que

    parece fazer com que a opo pela Poupana transcenda muitas vezes as decises puramente

    racionais, que tendem a mover as decises de investimento financeiro, conforme observa

    Khler (2009, p.1): A Poupana adquiriu um valor simblico que a distingue das demais

    aplicaes financeiras e a desloca para o campo dos traos culturais do Pas.

    No obstante, a Poupana reune vantagens comparativas concretas para o poupador.

    Particularmente, a prerrogativa de iseno tributria Imposto de Renda (IR) e Imposto sobre

    Operaes Financeiras (IOF) para pessoas fsicas, ainda que no seja exclusiva sua22, aliada

    22 No apenas a Poupana que isenta do Imposto de Renda (IR). Atualmente, os investimentos em Fundos Imobilirios, Letras de Crdito Imobilirio (LCI) ou Certificados de Recebveis Imobilirios (CRI) tambm o so. Alm disso, o governo federal oferece incentivos para investimentos de longo prazo, como reduo da alquota do IR para investimentos acima de dois anos ou a possibilidade de deduzir parte do imposto a ser pago por meio de investimento em Planos Privados de Previdncia (PGBL), por exemplo.

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    http://queroficarrico.com/blog/2010/10/05/fii-fundo-de-investimento-imobiliario/http://queroficarrico.com/blog/2010/10/05/fii-fundo-de-investimento-imobiliario/http://queroficarrico.com/blog/2010/05/26/lci-letras-de-credito-imobiliario/http://queroficarrico.com/blog/2010/11/04/cri-certificado-de-recebiveis-imobiliarios/

  • garantia governamental sobre saldos de at R$70 mil pelo Fundo Garantidor de Crdito

    (FGC)23. Outras vantagens que, sem dvida, favorecem a sua popularidade compreendem a

    reduo dos custos de transao, incluindo iseno de taxa de administrao; a simplicidade

    em relao as demais aplicaes financeiras (funo dos procedimentos de abertura de conta

    e aplicao); o baixo aporte mnimo inicial e a uniformidade de rentabilidade entre os

    diversos bancos, alm da liquidez imediata24.

    Aps o Plano Real, com a conquista da estabilidade macroeconmica, a Poupana adquire

    uma trajetria mais estvel. Embora atravessando perodos de baixa rentabilidade relativa,

    quando as taxas de juros estiveram elevadas, provocando certa oscilao mensal no

    desempenho das captaes, resultando em captao lquida negativa em diversos meses entre

    2000 e 2006, o estoque dos depsitos vem apresentando crescimento real initerrupto desde

    2006.

    Destaca-se, especialmente, sua estabilidade nesses ltimos 18 anos, observada na relao com

    o Produto Interno Bruto (PIB). O estoque dos depsitos vm equivalendo, em mdia, a 8,7%

    do PIB, variando em um curto intervalo entre 7,4% e 10,3%, conforme pode ser visualizado

    no Grfico 1.2 a seguir.

    Grfico 1.2: SBPE vs PIB e Selic

    Fonte: Banco Central, Abecip e IPEADATA. Elaborao prpria. Nota: Valores do SBPE atualizados pelo INPC para R$ de 2012.

    23 Por conglomerado financeiro, depositante ou aplicador. 24 As quantias depositadas podem ser sacadas a qualquer tempo, embora a remunerao s seja devida a cada 30 dias de permanncia dos recursos.

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  • O comportamente observado a partir de 1995 contrasta fortemente com o do perodo

    imediatamente anterior, compreendido entre o Plano Cruzado e o Plano Real, apresentado no

    Grfico 1.1. Sem as constantes alteraes e interferncias, o SBPE apresenta-se como uma

    fonte de captao robusta que, embora seja constituda por depsitos livres, os quais podem

    ser sacados a qualquer momento, apresenta uma estabilidade em relao ao PIB que a

    capacita a seguir lastreando o crdito habitacional de longo prazo.

    O crescimento do nmero de poupadores outro aspecto favorvel. Entre dezembro de 2006

    e de 2010, segundo o BCB (2011, p.69), o nmero de contas Poupana movimentadas saltou

    de 74 milhes para 89 milhes. Em 2006, 573 em cada um mil adultos possuam conta-

    poupana no Brasil. Em fins de 2010, eram 671. Nesse perodo, o volume de depsitos a

    prazo aumentou 105%, enquanto os depsitos de Poupana aumentaram 104%, os depsitos

    vista, 50% e o volume global teve aumento de 95% em valores correntes (BCB, 2011, p.70).

    No primeiro semestre de 2009, os Fundos DI25 e os CDBs voltados ao pequeno investidor

    perderam atratividade para a Poupana. O aumento da competitividade do SBPE levou o

    governo a anunciar, em abril de 2009, que planejava alterar as regras da Poupana para taxar

    as aplicaes superiores a R$ 50 mil a partir de 2010, provocando aumento dos saques. A

    medida decorria do interesse de o governo federal em reduzir a taxa Selic e privilegiar os

    fundos para rolar parte relevante de sua dvida, mas a justificativa oficial alegou defesa do

    interesse da populao de baixa renda: "Ns no podemos permitir que pessoas que tenham

    muito dinheiro utilizem o dinheiro para aplicar na Poupana. A Poupana para guardar os

    interesses da maioria da populao, que tem pouco dinheiro26.

    O Plano Nacional de Habitao (PLANHAB), elaborado em 2008, j havia sugerido alterar a

    iseno, porm tributando apenas saldos superiores a R$15 mil e canalizando os recursos

    oriundos da tributao para o Fundo Nacional de Habitao de Interesse Social (FNHIS).

    A medida de tributao da Poupana no foi adiante, mas iniciou-se um movimento de

    reduo das taxas de administrao dos Fundos. A Poupana voltou a registrar captao

    lquida positiva, sendo que, de janeiro a agosto de 2010, somou R$ 20,89 bilhes, valor 71%

    maior que o de igual perodo em 2009.

    25 Fundos referenciados nos Certificados de Depsitos Interbancrios (CDIs). 26 Reportagem intitulada Lula refora que caderneta de Poupana para baixa renda, citando pronunciamento do ento presidente Lula, publicada pelo Jornal O Estado de So Paulo em 16 de abril de 2009.

    19

  • Alm de popular alternativa de investimento, a Poupana exerceu papel de instrumento de

    bancarizao para os segmentos de menor renda, porm parece vir perdendo essa funo.

    Como analisa pesquisa do BCB (2011, p.84), o avano na quantidade de CPFs com

    relacionamento bancrio ativo (de 97 milhes em 2007 para 115 milhes em 2010) est,

    atualmente, mais ligado ao maior acesso conta-corrente do que a conta-poupana,

    especialmente entre as famlias da classe C 52% delas j possuam conta-corrente em 2010,

    contra 39% em 2005 e 46% em 2007. J o percentual de famlias dessa classe com conta-

    poupana caiu levemente de 44% para 42%, entre 2007 e 2010.

    Nas classes D e E, o percentual das famlias que possuem conta-corrrente cresceu de 27%

    para 29%, entre 2007 e 2010, enquanto o percentual de famlias com conta-poupana subiu

    um pouco mais, de 27% para 30%, no mesmo perodo27. Ou seja, mesmo com iniciativas para

    expandir a bancarizao, tais como a criao da Conta-Corrente Simplificada (Res. BCB n

    3211 de 30 de junho de 2004)28, com cerca de 6 milhes de contas ativas em 2011, e o Projeto

    de Incluso Bancria (PIB), lanado em 2008, para inserir beneficirios do Programa Bolsa

    Famlia (PBF) no Sistema Financeiro Nacional por meio de contas simplificadas (Conta

    Caixa Fcil), que alcanou, at abril de 2011, apenas aproximadamente 15% dos

    beneficirios do PBF29, a Poupana ainda constitui uma via de acesso aos bancos para as

    famlais de baixa renda.

    Como alternativa de investimento a Poupana exerce papel relevante mesmo entre as famlias

    de maior renda, que contam com conhecimento e acesso a diversas opes de investimento.

    Em 2010, 70% das famlias das classes A e B possuam conta-corrente e 52% detinham

    conta-poupana. A pesquisa do BCB (2011, p.83 e 84) observa, ainda, que a chance de uma

    famlia das classes A e B deter uma conta-poupana 22% maior que a de uma famlia das

    classes D e E, embora se trate de um instrumento financeiro com apelo popular.

    A Poupana carateriza-se pela rentabilidade, paga aos depsitos, fixada historicamente em

    6% a.a. acrescida de, quando da criao do SFH, correo monetria substituda

    posteriormente, em 1991, pela Taxa Referencial (TR). Segundo Giambiagi e Nascimento

    27 Em 2005, apenas 16% das famlias das classes D e E possuam conta-corrente, 28 Criada para facilitar o acesso a contas por parte da populao de baixa renda, simplificou o processo de abertura, mas imps limites de movimentao: saldo no pode ultrapassar R$ 2 mil e o somatrio dos depsitos efetuados no ms no pode superar esse valor. A instituio pode cobrar por servios nos seguintes casos: (a) realizao de mais de quatro saques no ms, (b) fornecimento de mais de quatro extratos no ms, (c) realizao de mais de quatro depsitos no ms e (d) fornecimento de folha de cheque avulso ou de recibo destinado realizao de saque de recursos. BCB (2011, p.70). 29 BCB (2011, p.102).

    20

  • (2008, p.19) a TR, em termos reais, deflacionada pelo ndice Nacional de Preos ao

    Consumidor Amplo (IPCA), passou de uma mdia anual fortemente positiva de 4,4%, nos

    primeiros quatro anos do Plano Real, a uma mdia real extremamente negativa em nove anos

    (1999-2007), de - 4,1%. A combinao da taxa de juros fixa, independente das taxas

    praticadas pelo mercado, com a TR que no constitui indexador baseado em ndices de

    preos, e cuja frmula de clculo pode ser modificada a qualquer tempo, fazem a posio da

    rentabilidade oferecida pela Poupana relativamente a outras opes de investimento

    oscilar.

    Recentemente, a Lei n 12703, de 7 de agosto de 2012, alterou a regra de remunerao da

    Poupana para os depsitos realizados a partir de 4 de maio desse mesmo ano30, definindo

    uma rentabilidade bruta inferior taxa bsica de juros (Taxa Selic) equivalente a 70% da

    Selic, sempre que esta for igual ou menor que 8,5% ao ano. O estoque de depsitos realizados

    anteriormente permanecem remunerados a 6% aa (acrescidos da TR). Alm da reduo

    imediata da rentabilidade dos novos depsitos, funo do patamar da Selic abaixo do teto de

    8,5% a.a., a instituio da nova regra define, em carter definitivo, uma rentabilidade bruta

    sempre abaixo da taxa bsica de juros. Essa questo de suma importncia no SFH, pois

    reitera o SBPE como uma fonte cujo custo de captao permance fixado abaixo do livre

    mercado31.

    Entretanto, isso pode ter impacto no resultado das captaes, mudando a tendncia observada

    nos ltimos 18 anos, caracterizada por uma captao crescente e uma relao com o PIB de

    certa estabilidade. A princpio, porm, nos meses subsequentes alterao na regra de

    remunerao, a Poupana permaneceu bastante atrativa, surpreendendo com o crescimento

    expressivo dos seus saldos. As captaes lquidas do SBPE que haviam registrado, j no

    primeiro semestre de 2012, um resultado superior a todo o ano de 2011, somaram R$37,2

    bilhes ao longo de todo o ano, o maior nvel desde o incio da srie histrica do BCB em

    1995. Em novembro de 2012, a Poupana bateu recorde de captao lquida para o ms desde

    o ano de 2009 e tambm para o ano, quebrado, em seguida, por novo recorde em dezembro,

    quando o saldo entre captaes e saques atingiu R$6,9 bilhes (SBPE apenas).

    30 A Medida Provisria 567, que deu origem a essa Lei, foi editada em 3 de maio de 2012. 31 O conceito de livre mercado adotado aqui o do mercado de crdito que opera segundo as condies de taxas de juros e prazos livremente pactuados pelas partes, fora dos ditames do circuito direcionado. No Brasil o caso de CRIs, Letras lastreadas em crdito imobilirio e outros instrumentos de crdito, incluindo recursos prprios dos agentes financeiros, cujas taxas so marcadas a mercado, ainda que contem com algum incentivo fiscal e sejam submetidas regulao prudencial.

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    http://www.portalbrasil.net/2012/economia/poupanca_novasregras.htmhttp://www.portalbrasil.net/indices_selic.htm

  • A alterao foi motivada pela necessidade de continuar o movimento de queda da taxa bsica

    de juros, pois sendo a demanda por ttulos pblicos afetada pela rentabilidade lquida relativa

    oferecida pela Poupana, esta acabava por definir um piso para a Selic. Novamente o governo

    alegou a defesa do interesse do pequeno poupador, ao justificar a medida, como indica o

    pronunciamento da presidente Dilma Rousseff a seguir reproduzido:

    A Caderneta de Poupana um patrimnio dos brasileiros e o governo tem obrigao de proteg-la, de torn-la cada vez mais segura e mais rentvel para o pequeno poupador. isso que estamos fazendo. No podemos aceitar que agora, quando estamos baixando os juros, ela se torne uma forma de lucro fcil para aqueles que s querem especular.32

    O receio que pairou sobre o impacto popular quando da deciso de modificar a regra de

    remunerao da Poupana e os pronunciamentos governamentais, alguns aqui reproduzidos,

    denotam o carter de patrimnio do pas e, especialmente, do pequeno poupador que

    sempre atribudo Poupana.

    Nesse sentido, ainda que possa ser vista por alguns como uma herana do passado, da qual

    no h como livrar-se, restando apenas administr-la para que no atrapalhe a poltica

    monetria e as demais aplicaes ofertadas pelos bancos, o SBPE tende a ser preservado.

    A interveno efetuada agora, distancia-se da lgica anteriormente proposta de taxao

    parcial, segundo a qual os pequenos poupadores seriam poupados, por meio da manuteno

    da iseno para pequenas aplicaes (determinado valor de saldo).

    Por outro lado, a nova sistemtica mantm as caractersticas histricas da Poupana,

    particularmente, a iseno fiscal, a regra nica de remunerao para todos os poupadores e

    sua posio como ativo que opera a taxas reguladas abaixo das de livre mercado, como j

    mencionado. justamente esta ltima que a torna estratgica para o crdito habitacional no

    contexto brasileiro: uma taxa de captao regulada abaixo do mercado permite emprstimos

    tambm abaixo das taxas ofertadas pelo livre mercado, reduzindo a prestao e ampliando o

    acesso ao crdito habitacional.

    A utilizao dos recursos captados de forma estratgica e direcionada ao financiamento da

    habitao tem sua contrapartida no custo gerado pelas vantagens comparativas oferecidas

    pela Poupana. Segundo Kehler (2011), somente a iseno de imposto de renda sobre os

    32 Publicado pela revista Carta Capital em 7 de maio de 2012. Disponvel em http://www.cartacapital.com.br/economia/mudanca-na-caderneta-de-poupanca-protege-pequeno-poupador-diz-dilma

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    http://www.cartacapital.com.br/economia/mudanca-na-caderneta-de-poupanca-protege-pequeno-poupador-diz-dilmahttp://www.cartacapital.com.br/economia/mudanca-na-caderneta-de-poupanca-protege-pequeno-poupador-diz-dilma

  • rendimentos da Poupana, gera um custo para o setor pblico estimado em R$ 6,1 bilhes

    entre julho de 2009 e junho de 2010. A garantia sobre os saldos tambm tem valor, do ponto

    de vista financeiro.

    Os custos, suportados por toda a sociedade, parecem s encontrar justificativa sob o vis de

    poltica pblica estratgica. O presente trabalho parte justamente dessa perspectiva: a de que

    a Poupana, por constituir fonte de captao de recursos a taxas abaixo das de livre mercado,

    cria uma oportunidade mpar para o crdito habitacional. Por esse motivo e pelo ainda

    expressivo volume de recursos captados, a Poupana compreende, conforme ser discutido ao

    longo deste trabalho, um pilar extremamente importante para o crdito habitacional no Brasil.

    No obstante, para garantir que a Poupana exera tal papel, preciso que seu status, perante

    o governo e a sociedade brasileira evidencie tanto o seu carter de patrimnio das famlias,

    em especial de mdia e baixa renda, para poupar, quanto o de funding estratgico para

    habitao. preciso verificar, portanto, tarefa na qual se empenha o presente trabalho, se a

    regulamentao atual a que submetido o SBPE reflete, adequadamente, a agenda

    habitacional consubstanciada na Poltica Nacional de Habitao vigente no pas.

    1.3 A criao do FGTS, o outro pilar do SFH

    O Fundo de Garantia por Tempo de Servio (FGTS) foi criado pela Lei n 5.107, de 13 de

    setembro de 196633, estabelecendo, compulsoriamente, o recolhimento mensal, efetuado

    pelos empregadores, de depsitos em valor equivalente a 8% do salrio mensal, em nome de

    todos os trabalhadores cujos regimes de trabalho fundam-se na Consolidao de Leis do

    Trabalho (CLT), os chamados celetistas34. O conjunto de contas vinculadas e individuais,

    pertencentes a esses trabalhadores, no qual os depsitos so feitos, constitui um fundo

    contbil, de natureza financeira e privada, com duplo objetivo compor peclio para esse

    segmento de trabalhadores e, ao mesmo tempo, uma fonte de recursos dedicada ao

    financiamento habitacional.

    A criao de sistemas de financiamento baseados em depsitos foi o caminho inicial adotado

    pela maioria dos pases, pois constituem sistemas de originao primria que no requerem a

    33 Disponvel em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5107.htm. 34 Engloba os trabalhadores urbanos e rurais, cujo regime de trabalho regido pela CLT.

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    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5107.htm

  • existncia de um mercado de capitais desenvolvido. Contudo, constituir funding de longo

    prazo, compatvel com os termos dos financiamentos habitacionais um desafio quando se

    opera exclusivamente com depsitos voluntrios, com saques livres, como o caso do SBPE.

    Nos fundos de captao compulsria, conhecidos como provident funds35, as restries

    impostas aos saques garantem um fluxo perene de entrada e o acmulo de volumes

    significativos de recursos, com certa estabilidade de permanncia. Por essas caractersticas

    so, em muitos casos, canalizados para o financiamento habitacional.

    No caso do Brasil, o FGTS constituiu, no momento de sua criao, a possibilidade de

    enfrentar duas questes prementes: a necessidade de captar recursos para o recm-lanado

    SFH, posto que a captao significativa de poupana voluntria demandaria tempo, bem

    como a de prover alternativa ao regime de estabilidade decenal celetista para poder extingui-

    lo.

    A CLT vigente estabelecia, desde 194336, uma indenizao por tempo de servio ao

    trabalhador demitido equivalente a um ms de salrio por cada ano trabalhado ou perodo

    acima de seis meses (Art. 478)37. Garantia, ainda, estabilidade aps dez anos na mesma

    empresa, admitindo demisses somente por falta grave ou circunstncias de fora maior,

    devidamente comprovadas (Art. 492)38. Esse sistema apresentava, ento, inconvenientes

    que segundo Cintra (2007, p.1) podiam ser resumidos em trs questes principais:

    O primeiro era que as empresas acabavam no se preparando para arcar com os nus das indenizaes. No constituam as provises necessrias e tinham problemas de caixa no momento das demisses. O segundo era a descontinuidade que ocorria no dia do dcimo aniversrio do funcionrio na empresa, quando a sua sada dobrava de custo. Isso fazia com que muitas empresas demitissem sistematicamente seus funcionrios medida que se aproximava aquela data crtica. O terceiro era que, se o empregado se aposentasse na mesma empresa em que havia

    35 Alguns exemplos so o Fovisste (funcionrios pblicos) e Infonavit (funcionrios do setor privado), no Mxico, National Housing Trust na Nigeria, Fundo de Desenvolvimento Habitacional (PAG-IBIG) nas Filipinas, Central Provident Fund em Cingapura. 36 Decreto-Lei No. 5.452, de 1 de maio de 1943. Sua origem data da dcada de 20, da Lei Previdenciria n 4682, de 24 de janeiro de1923, (chamada Lei Eli Chaves). Com a sistematizao das leis trabalhistas (CLT), em 1943, a estabilidade deixa de ser ligada Previdncia para passar a constar em diploma legal vinculado ao contrato de trabalho urbano, estendido ao trabalhador rural em 1946. O conceito de estabilidade na esfera pblica foi, todavia, precursor, primeiramente, com os militares (Constituio de 1824) e, mais tarde, em 1915, para os servidores pblicos, restringindo a demisso a casos especiais. 37 No caso de demisso sem justa causa, a indenizao era em dobro: dois salrios por ano no emprego (Art. 497). 38 A estabilidade s no era estendida aos que exerciam cargos de diretoria, gerncia ou outros de confiana imediata do empregador, ressalvado o cmputo do tempo de servio para todos os efeitos legais (Art. 499). Valeriano (1978) conclui que a obsolescncia da lei de estabilidade decorreu, em grande medida, da mudana estrutural no processo produtivo.

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