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O Papel dos Fitoquímicos na Quimioprevenção do Cancro The Role of Phytochemicals in Cancer Chemoprevention Miléna Sales Henriques Batista Orientado por: Dr. Themudo Barata Monografia Porto, 2010

O Papel dos Fitoquímicos na Quimioprevenção do … efeitos metabólicos.(3) Actualmente, várias centenas de moléculas são O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro

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O Papel dos Fitoquímicos na Quimioprevenção do

Cancro

The Role of Phytochemicals in Cancer

Chemoprevention

Miléna Sales Henriques Batista

Orientado por: Dr. Themudo Barata

Monografia

Porto, 2010

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O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro ii

Miléna Batista 2010

Índice

Lista de Abreviaturas .............................................................................................. iii

Resumo ................................................................................................................... v

Abstract .................................................................................................................. vi

Introdução............................................................................................................... 1

1. Fitoquímicos - classificação ................................................................................ 4

2. Quimioprevenção - definição e perspectiva histórica ......................................... 8

3. O processo de carcinogénese ............................................................................ 9

4 Mecanismos envolvidos na quimioprevenção do cancro ................................... 10

4.1 Bloquear a fase de iniciação da carcinogénese ............................................. 11

4.1.1 Balanço “espécies reactivas de oxigénio/antioxidantes” .............................. 11

4.1.2 Indução de enzimas envolvidas na destoxificação................................... 12

4.1.3 Regulação da via de sinalização do factor de transcrição Nrf2 ................ 13

4.1.4 Diminuição da Inflamação ........................................................................ 17

4.2 Bloquear a fase de promoção da carcinogénese ........................................... 19

4.2.1 Indução da apoptose ................................................................................ 19

4.3 Bloquear a fase de progressão da carcinogénese ......................................... 23

4.3.1 Inibição da angiogénese .......................................................................... 23

5. Biodisponibilidade dos fitoquímicos .................................................................. 25

5.1 Biodisponibilidade da EGCG, da curcumina e dos isotiocianatos ............... 28

6. Efeitos sinérgicos dos fitoquímicos ................................................................... 31

Discussão e Conclusões ...................................................................................... 32

Referências Bibliográficas .................................................................................... 35

Índice de Anexos .................................................................................................. 38

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Lista de Abreviaturas

ADN – Ácido Desoxirribonucleico

ARE/EpRE - (Antioxidant response elements/electrophile response element) -

Elemento de resposta a antioxidantes/elemento de resposta a electrofílicos

bZIP – (basic leucine zipper)

CYP 450 - citocromo P 450

COX – ciclooxigenase

COX-1 - Ciclooxigenase 1

COX-2 - Ciclooxigenase 2

CNC - “Cap’ n’ collar”

DR (Death receptor) - Receptor de morte

EGCG - Epigalocatequina-3-galato

-GCS (gamma-glutamylcysteine synthetase) – Sintétase da - Glutamil cisteína

GST - Glutationa S-transférase

HO 1 – heme oxigenase 1

iNOS (Inducible nitric oxide synthase) - Sintetase do óxido nítrico induzida

Keap 1(Kelch ECH Associating Protein 1)

Neh – (Nrf2-ECH homology)

NF-kB (Nuclear factor kB) - Factor de transcrição nuclear kB

NO (nitric oxide) - Óxido nítrico

NQO - NADP(H):quinona oxidoreductase

Nrf2 (NF-E2-related factor 2) – factor de transcrição

NADP(H) – Nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato (forma reduzida)

PI3K-Akt - cínase do trifosfato de inositol

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ROS/RNS (reactive oxygen species/reactive nitrosative species) - Espécies

reactivas de oxigénio/ espécies reactivas de azoto

TNF-α (Tumor necrosis factor-α) - Factor de necrose tumoral

TNFR (Tumor necrosis factor-α receptor ) - Receptor do factor de necrose tumoral

VEGF (vascular endothelial growth factor) – factor de crescimento

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Resumo

Apesar dos progressos significativos no conhecimento da biologia do

cancro, o número de mortes causadas por esta temível doença permaneceu

inflexível até ao final do século vinte, seguido de uma tendência invertida apenas

nos últimos anos. Os achados epidemiológicos relativamente consistentes de que

o consumo de frutos, hortícolas e cereais inteiros, está fortemente associado à

redução do risco de cancro, originaram a hipótese de que específicos metabolitos

secundários das plantas biologicamente activos, designadamente fitoquímicos,

podem ser responsáveis pela acção preventiva observada. Os fitoquímicos

podem ser tão diversos como os ácidos fenólicos, os taninos, os estilbenos, as

cumarinas e os flavonóides. Estes compostos alimentares oferecem um grande

potencial na luta contra o cancro ao inibir processos carcinogénicos através da

regulação da homeostasia da célula e da “maquinaria” de morte celular. O

presente trabalho pretende elucidar alguns aspectos relevantes dos

conhecimentos emergentes sobre os mecanismos celulares que parecem estar

envolvidos na quimioprevenção do cancro pelos fitoquímicos.

Palavras-Chave: fitoquímicos, cancro, carcinogénese, quimioprevenção, enzimas

destoxificantes, apoptose, sinalização celular, biodisponibilidade.

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Abstract

In spite of significant progress in our understanding of the biology of cancer,

the number of death caused by this dreaded disease remained unabated until the

end of the twentieth century, followed by a reverse trend only for the past several

years. The relatively consistent epidemiological finding that consumption of fruits,

vegetables and whole grains is strongly associated with reduced risk of cancer,

has led to the hypothesis that specific biologically-active plant secondary

metabolites, namely phytochemicals, may be responsible for the observed

prevention action. Phytochemicals can be as diverse as phenolic acids, tannins,

stilbenes, coumarins and flavonoids. These dietary compounds offer great

potential in the fight against cancer by inhibiting the carcinogenesis process

through the regulation of cell homeostasis and cell-death “machineries”. The aim

of the present work is to elucidate some important aspects of emerging knowledge

about molecular mechanisms that are likely to be involved in cancer

chemoprevention of phytochemicals.

Keywords: phytochemicals, cancer, carcinogenesis, chemoprevention,

detoxifying enzymes, apoptosis, cellular signalling, bioavailability.

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Introdução

Desde Hipócrates (460-377 A.C.) que se conhece a correlação entre

alimentação e saúde, o qual reconheceu que “as diferenças nas doenças

dependem dos nutrimentos”.(1) No entanto, foi apenas na última década que

vários estudos epidemiológicos indicaram uma associação positiva entre o

consumo de frutos, hortícolas e cereais inteiros, e uma menor incidência de

cancros do estômago, esófago, pulmões, faringe e cavidade oral, endométrio,

pâncreas e cólon.(1-5) Estes estudos apoiam a ideia de que mais de 70% de todos

os tipos de cancro não são dependentes de um fundo genético e que podem ser

prevenidos através de mudanças de estilos de vida, tal como uma alimentação

adequada. Com base nestas evidências científicas, vários programas

educacionais deram início na Europa e na América para promover o consumo de

vegetais a fim de diminuir a incidência do cancro.(2) Contudo, recentemente

parece ter ocorrido uma mudança de opinião no sentido de que as evidências são

menos fortes do que originalmente se pensava, sobretudo devido a vários estudos

prospectivos de grande escala que, pondo em evidência as principais causas de

cancro nos países ocidentais, não encontraram nem efeitos protectores, nem

efeitos débeis, comparativamente àqueles esperados com base nos estudos

prévios de caso-controlo.(2, 4) No entanto, embora tenham sido colocados em

questão os reais efeitos benéficos de uma alimentação rica em vegetais na

protecção contra o cancro,(2, 4) o interesse nos efeitos biológicos dos seus

constituintes aumentou. As evidências emergentes sobre uma variedade de

mecanismos anti-carcinogénicos potencialmente importantes, estimulou o

interesse no conceito de quimioprevenção, concentrando as atenções em

particulares frutos e hortícolas ricos em compostos biologicamente activos,

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designados de fitoquímicos.(4) Estes compostos foram seleccionados ao longo da

evolução e armazenados nos tecidos para defender a planta de patogéneos ou

predadores.(3, 6) O ser humano foi exposto a uma variedade de fitoquímicos

durante milhões de anos: através da cautelosa selecção de espécies de plantas

para a sua alimentação, conseguiu evitar as que causam toxicidade aguda. No

entanto, vários fitoquímicos presentes nos alimentos vegetais ainda afectam a

saúde humana positivamente ou negativamente a longo prazo. Devido à sua

grande diversidade, os fitoquímicos podem atingir uma ampla variedade de

funções fisiológicas e de vias metabólicas.(3) Vários fitoquímicos tais como os

curcuminóides da cúrcuma, os glucosinolatos dos vegetais crucíferos, as

isoflavonas da soja ou o licopeno do tomate, evidenciam propriedades

anticancerígenas. Estes compostos actuam através de diversos mecanismos

celulares e moleculares, incluindo a estimulação de sistemas destoxificantes, a

inibição do ciclo de proliferação celular, a indução da apoptose, a

imunomodulação ou inibição da angiogénese. Numerosos relatórios destacam as

propriedades dos fitoquímicos antioxidantes como sequestradoras de radicais

livres, tais como os polifenóis. Parece que os efeitos biológicos desses

antioxidantes são diversos e envolvem respostas mediadas pelas células e a

modulação de várias vias de sinalização celular. As hipóteses sobre os

mecanismos de acção dos fitoquímicos têm procedido frequentemente do

conhecimento das suas estruturas químicas e das suas propriedades físico-

químicas. Presentemente, o desafio está em interpretar as complexas relações

entre os fitoquímicos presentes na alimentação humana e a saúde, tendo em

conta, quer a diversidade das suas estruturas químicas, quer a complexidade dos

seus efeitos metabólicos.(3) Actualmente, várias centenas de moléculas são

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estudadas como potenciais “agentes quimiopreventivos” e mais de 50 compostos

estão a ser testados em ensaios clínicos. Apesar destes esforços, a

quimioprevenção representa um tópico altamente controverso por questões

éticas, económicas e científicas.(2) . A carcinogénese é geralmente um processo

complexo e multi-etápico no qual ocorrem alterações moleculares e celulares

distintas. A fim de simplificar a compreensão das diferentes opções possíveis para

a quimioprevenção no desenvolvimento e na progressão do cancro, são descritas

as seguintes etapas: iniciação, quando as células estão expostas a um agente

carcinogénico; promoção, quando as células “anormais” persistem e iniciam uma

etapa pré-neoplásica; progressão, fase final da tumorigénese, quando ocorre

crescimento celular descontrolado. Um agente quimiopreventivo do cancro

poderia ser efectivo em qualquer uma das etapas clássicas da carcinogénese

(iniciação, promoção, progressão). A intervenção na carcinogénese multi-etápica

através da modulação das vias de sinalização intracelulares fornece a base da

quimioprevenção com uma vasta variedade de fitoquímicos alimentares. As

células cancerígenas adquirem resistência à apoptose através da expressão

aumentada de proteínas anti-apoptóticas, e/ou por uma repressão ou mutação de

proteínas apoptóticas. Por conseguinte, uma excelente abordagem para inibir a

promoção e a progressão da carcinogénese, e para remover células pré-malignas

e malignas do organismo, seria pela indução da apoptose ou da paragem do ciclo

celular através de compostos quimiopreventivos O alcance da eficácia desses

agentes pode ser profundo, uma vez que o curso natural do total desenvolvimento

de um cancro clinicamente evidente é relativamente longo e por vezes demora

décadas.(7)

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1. Fitoquímicos: classificação

Estima-se que os frutos, hortícolas e cereais inteiros, tenham algures entre

5.000 a 25.000 fitoquímicos individuais, dos quais apenas uma pequena fracção

foi identificada. Com a presença de milhares de fitoquímicos, é imperativo

classificar os diferentes agentes para melhor estudar as complexas misturas

encontradas nos vegetais.(8) Os fitoquímicos apresentam uma grande diversidade

de estruturas químicas. Estes compostos podem ser classificados em vários

grupos, sendo os principais: compostos fenólicos, terpenóides, alcalóides e outros

compostos nitrogenados, hidratos de carbono e lípidos.(3) (anexo 1)

Os compostos fenólicos, frequentemente referidos como polifenóis,

constituem um dos grupos mais numerosos de metabolitos secundários das

plantas. Não são biossintetizados em mamíferos, sendo assim necessária a sua

ingestão. Em resultado da sua ubiquidade nas plantas, estes compostos são parte

integral da alimentação humana. Nas plantas, estes constituintes participam de

uma forma decisiva na morfologia (ex: pigmentação), crescimento, reprodução e

resistência a patogenias e predadores (através do aumento da adstringência, o

que leva a que a sua ingestão seja pouco atractiva).(9) Estruturalmente, os

compostos fenólicos compreendem um anel aromático comportando um ou mais

grupos hidroxilo substituintes, originando desde compostos fenólicos simples até

moléculas altamente polimerizadas.(10) Os compostos fenólicos podem ser

classificados em diferentes classes de acordo com a disposição da cadeia

carbonada ligada ao anel aromático (C6)(9): flavonóides, compostos cumarínicos,

taninos, ácidos fenólicos e estilbenos.(2)

Grande parte das pesquisas realizadas sobre os efeitos fisiológicos dos

compostos fenólicos centra-se no estudo dos flavonóides. Todos os flavonóides

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possuem o mesmo elemento estrutural, o difenilpropano, formado por dois anéis

aromáticos ligados por uma cadeia de três átomos de carbono (C6-C3-C6) que,

geralmente constitui um heterociclo central contendo oxigénio(11), e têm a

presença de, pelo menos, três hidroxilos fenólicos, um deles ligado a uma ose,

quando sob a forma de heterósidos (substâncias formadas pela condensação de

uma ou mais oses, muitas vezes, a glucose, com um grupo não osídico

denominado aglicónico ou genina).(9) Conhecem-se mais de 4000 compostos(11),

sendo frequentemente encontrados no meio metabólico na forma heterosídica.

Contudo, também podem aparecer na forma livre (geninas - sem unidades de

açúcar). Os heterósidos são normalmente solúveis na água ao contrário das

formas livres.(9) De acordo com as características estruturais são classificados em

subclasses: flavanonas (naringenina, eriodictiol), flavonas (apigenina, luteolina),

flavonóis (quercetina, campferol, miricetina), flavanóis ou catequinas

(catequina, epicatequina, epigalocatequina, epicatequina galato), antocianidinas

(cianidina,malvidina), e isoflavonas ou isoflavonóides (daidzeína, genisteína).(11-

12)

Os compostos cumarínicos derivam de lactonas dos ácidos orto-

hidroxicinâmico, estando presente em diferentes partes das plantas. O seu nome

deve-se ao facto de ter sido primeiramente encontrada na espécie Coumarona

odorata. Dos compostos cumarínicos mais conhecidos citam-se entre outros, a

cumarina, a umbeliferona, a herniarina, o esculetol, etc. Apesar da grande

predominância de compostos cumarínicos simples no reino vegetal, outras

subclasses destes compostos são encontrados de forma bastante diversificada

entre a taxonomia botânica, como as furanocumarinas (bergapteno, xantotoxina),

as piranocumarinas (visnadina) e as furanocromonas (quelina).(9, 12)

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Os taninos são compostos fenólicos com elevada massa molecular (entre

500 e 3000 daltons) e têm capacidade para formar complexos com proteínas. A

sua presença em folhas ou frutos confere característica adstringente, importante

como mecanismo de defesa geral da planta contra o ataque de insectos. Os

taninos são comumente divididos em duas subclasses: os hidrolisáveis

(poliésteres de ácidos fenólicos) e os condensados ou proantocianidinas (de

estrutura próxima dos flavonóides), estes representados pelos taninos catéquicos

e as procianidinas oligoméricas (caso da procianidina B-2) formadas por dois ou

quatro monómeros da catequina ou da epicatequina. Já os taninos hidrolisáveis

são sempre constituídos por ésteres de uma ose e de um número variável de

ácidos fenólicos. Quando o ácido gálhico está presente origina os galhotatinos. O

representante mais simples do grupo de taninos hidrolisáveis é o 1 – O – galoilβ-

D-glicopiranose (β-glicogalina), identificado há mais de um século como produto

natural.(9, 12)

Os ácidos fenólicos derivados dos ácidos hidroxibenzóicos ou dos ácidos

hidroxicinâmicos são os ácidos fenólicos mais comuns nas plantas. Os ácidos

hidroxicinâmicos ocorrem mais frequentemente como ésteres simples ligados a

ácidos carboxílicos ou glucose, e os ácidos hidroxibenzóicos estão geralmente

presentes sob a forma de heterósidos (ou glicosídeos). São representativos dos

ácidos hidroxicinâmicos, o ácido cafeico, o ácido para-cumárico e o ácido ferúlico.

De entre os derivados dos ácidos hidroxibenzóicos, temos o ácido gálhico (um

dos constituintes dos taninos), o ácido procatecóico e o ácido vanílico.(9-10, 12)

Os estilbenos são compostos orgânicos que contêm o 1,2-difeniletileno

como grupo funcional. O resveratrol (3,5,4’ -trihidroxiestilbeno) é um membro dos

estilbenos, sendo muito abundante nas uvas e moderadamente nos mirtilos e

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amendoins. Nas uvas, atinge a sua maior concentração na casca (50 100 μg por

grama), constituindo os vinhos tintos a sua fonte predominante. O resveratrol

pode apresentar-se quer na forma livre (configuração cis ou trans), quer na forma

heterosídica. A partir do resveratrol podem formar-se naturalmente uma série de

análogos, destacando-se o pteroestilbeno e o piceatanol. (10)

Os terpenóides, outra classe principal de fitoquímicos, têm características

lipofílicas na natureza. Os terpenóides apresentam unidades isoprénicas nas suas

estruturas e são, por isso, conhecidos como isoprenóides. Podem ser

classificados de acordo com o número de unidades isoprénicas C5 incorporadas à

estrutura. (anexo 2) Dessa forma, os terpenóides formam uma grande família de

compostos estruturalmente diversos, destacando-se os monoterpenos (formados

por duas unidades isoprénicas), os sesquiterpénicos (formados por três unidades

isoprénicas), os diterpenos (com quatro unidades isoprénicas), e os triterpenos

(com 6 unidades isoprénicas). Os monoterpénicos e sesquiterpénicos são

constituintes dos óleos essenciais. Nos monoterpénicos, os hidrocarbonetos

podem ser acíclicos (mirceno, da folha do loureiro, etc.) ou monocíclicos

(limoneno, dos citrinos, etc.). Nos diterpenos podemos encontrar o Gingko biloba.

Um exemplo dos triterpenos será o giseng. Algumas transformações nos

esqueletos estruturais dos terpenóides levam à biossíntese de classes de

produtos naturais com propriedades físico-químicas e farmacológicas próprias,

como os esteróides, vitaminas lipofílicas, grande parte dos óleos essenciais,

saponinas e glicosídeos cardiotónicos.(9, 12)

Os alcalóides são definidos como constituintes azotados, de origem não-

peptídica, tendo aminoácidos como precursores biossintéticos. Encontram-se nas

plantas, normalmente combinados com ácidos orgânicos, formando sais solúveis

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e são dotados de grande actividade biológica. Quimicamente, os alcalóides

podem ser classificados de acordo com o aminoácido precursor. A título de

exemplo, considera-se os seguintes tipos de estruturas para os quais se indica

um alcalóide representativo: purina (cafeína) e quinolizidina (lupanina, do

tremoço).(9, 12)

No grupo de compostos nitrogenados incluem-se os glucosinolatos (sulfo-

heterósidos), particularmente, os glucosinolatos alifáticos (a mostarda-negra -

Brassica nigra) e os glucosinolatos indólicos (brócolo – Brassica Oleraceae).(9, 13)

2. Quimioprevenção - definição e perspectiva histórica

Quando Michael Sporn cunhou pela primeira vez em 1976 o termo

“quimioprevenção”, referindo-se à actividade da vitamina A e dos seus análogos

sintéticos na prevenção de certos tipos de cancro, ele originou um novo domínio

na pesquisa do cancro.(2, 13-14) De acordo com uma definição mais moderna e

completa, a quimioprevenção inclui o uso de agentes naturais ou farmacológicos

para suprimir, interromper ou inverter a carcinogénese(15) nas suas fases iniciais.

Nos últimos 5 anos, o termo “quimioprevenção” passou de 4.000 para 10.000

referências na “Pubmed”, e na actualidade é geralmente utilizado para indicar a

capacidade de uma molécula, não só prevenir, mas também curar o cancro.(2)

Recentemente, o atributo “quimiopreventivo” tem sido associado a um contexto

mais amplo, em concreto o estilo de vida, tal como uma alimentação adequada.(2,

13) Ao longo dos anos, um vasto número de agentes quimiopreventivos presentes

em produtos “naturais” tem sido avaliado(8) através de diferentes abordagens

experimentais: estudos epidemiológicos; ensaios clínicos; estudos em modelos

com animais em que a carcinogénese é induzida experimentalmente; testes in

vitro em linhas celulares.(2) Mais recentemente, o foco tem sido orientado para os

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alvos moleculares dos agentes quimiopreventivos no intuito de identificar os

mecanismos de acção destes compostos bioactivos.(8) O Instituto Nacional do

Cancro (NCI – “National Cancer Institute”) americano, baseado em numerosos

relatórios sobre a actividade anticancerígena de moléculas que ocorrem

naturalmente, identificou 40 plantas comestíveis possuindo potenciais compostos

quimiopreventivos.(2) Desta forma, o instituto americano mantém uma base de

recursos para fitoquímicos com potenciais propriedades quimiopreventivas.1

3. O processo de carcinogénese

Actualmente, o conceito de “carcinogénese multi-etápica” propõe que o

cancro é desenvolvido ao longo de um período de tempo por acumulação de

mutações somáticas numa única célula, resultando em alterações fenotípicas

graduais, desde a célula normal à pré-neoplásica, progredindo para a neoplásica.

Estas diferentes etapas na carcinogénese são geralmente descritas como:

iniciação (dias), promoção (vários anos) e progressão (1-5 anos).

A iniciação é irreversível e inclui a alteração inicial ao nível do ácido

desoxirribonucleico (ADN) pelos agentes carcinogénicos químicos ou físicos.(2) O

curso da transformação celular (ou iniciação) envolve a mutação genética, o

metabolismo carcinogénico e a reparação deficiente do ADN. Nesta fase inicial,

os carcinogénicos ambientais (alimentares, tabaco, poluição) induzem uma ou

mais mutações simples, incluindo pequenas delecções nos genes que controlam

o processo da carcinogénese.(8)

A promoção envolve mecanismos epigenéticos, sendo um processo

relativamente lento e reversível. A fase de promoção é caracterizada por uma

1 http://resresources.nci.nih.gov/database.cfm?id=1165

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desregulação das vias de sinalização do controlo da proliferação celular e da

apoptose, levando à acumulação de divisões anormais de células pré-malignas.(2,

8)

A progressão é geralmente irreversível e caracteriza-se pelas alterações

genéticas no cariótipo, as quais surgiram pela acumulação de genes mutados,

resultando em anomalias cromossómicas. A fase de progressão desencadeia a

última etapa da carcinogénese com invasão, angiogénese e potencial

metastização (8)

A transformação de células pré-malignas para malignas envolve a

activação de proto-oncogenes e/ou inactivação dos genes supressores tumorais.

Ambos os tipos de genes, quando mutados, causam alterações em processos

celulares preponderantes, relacionados com o crescimento celular e a

proliferação.(2) No desenvolvimento tumoral, as células têm de alcançar certas

características para adquirir malignidade: capacidade de serem auto-suficientes,

em termos de sinais de crescimento; potencial replicativo ilimitado; insensibilidade

a sinais de paragem de proliferação; capacidade de escapar à apoptose;

capacidade de induzir e manter a angiogénese; capacidade de invasão de tecidos

e de metastização.(5)

4. Mecanismos envolvidos na quimioprevenção do cancro

Muitos fitoquímicos presentes numa alimentação rica em frutos e hortícolas

têm sido propostos como potenciais agentes quimiopreventivos.(2) Segundo a

classificação proposta em 1985 por Lee Wattenberg, os fitoquímicos podem agir

como agentes bloqueadores, imediatamente antes ou durante a iniciação da

carcinogénese ou como agentes supressores, actuando no decorrer das fases de

promoção e de progressão. Os agentes bloqueadores previnem a activação

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metabólica de pré-carcinogéneos ou aumentam as actividades enzimáticas na

destoxificação carcinogénica (biotransformação) para uma eficiente eliminação de

carcinogéneos ou espécies reactivas de oxigénio/azoto (“reactive oxygen

species”/“reactive nitrosative species” - ROS/RNS). Os agentes supressores

inibem a promoção e a progressão do cancro após a formação de células pré-

neoplásicas, interferindo com a regulação do ciclo celular, os sinais de

transdução, a regulação da transcrição e a apoptose.(2, 4-5, 14, 16) Alguns agentes

quimiopreventivos podem funcionar, quer como bloqueadores, quer como

supressores através de mecanismos distintos.(14)

4.1 Bloquear a fase de iniciação da carcinogénese

4.1.1 Balanço “espécies reactivas de oxigénio/antioxidantes”

O balanço entre a carga oxidativa e a defesa antioxidante no organismo é

decisivo na manutenção da integridade e funcionalidade das membranas, das

proteínas e dos ácidos nucleicos.(17) As ROS incluem uma variedade de

moléculas químicas diversas extremamente instáveis, tais como os aniões

superóxido, os radicais hidroxilo e o peróxido de hidrogénio. Estes últimos são

geradores de radicais hidroxilo e portanto susceptíveis de causar danos no ADN.

Os radicais superóxido e hidroxilo podem ser formados exogenamente ou no

interior das células a partir das enzimas citosólicas (ex: oxidases do NADPH) e da

cadeia respiratória na mitocôndria.(2) A formação de ROS é inevitável em

organismos aeróbios, estando a sua produção fisiológica associada a importantes

processos celulares. As células mantêm o seu potencial redox através de um

sistema intracelular de defesas antioxidantes, em concreto, enzimas como a

catalase, a dismútase do superóxido, a peroxídase da glutationa, a

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O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 12

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peroxirredoxina, e a glutationa.(2, 5, 18) Além de ocorrer uma produção de ROS

através do metabolismo oxidativo, estas espécies reactivas também podem

resultar da destoxificação de compostos xenobióticos.(8) A forma mais efectiva de

prevenir a carcinogénese é bloquear a sua iniciação, prevenindo os danos no

ADN provocados pelas ROS. Por exemplo, o sequestro directo de ROS altera o

metabolismo das moléculas pré-carcinogénicas no sentido de que não são

convertidas em espécies carcinogénicas pelas enzimas de metabolização da fase

I (em particular o citocromo P 450 – CYP 450), ou então, são removidos da célula

por uma segunda linha de defesa que envolve enzimas de conjugação da fase II

(ex: glutationa S-transférase (GST), glicuronidases e sulfotransférases). Têm sido

classificados vários fitoquímicos como anti-iniciadores, incluindo a genisteína, os

indóis, o resveratrol e os compostos sulfurosos alilo.(5, 8)

4.1.2 Indução de enzimas envolvidas na destoxificação

As enzimas de metabolização de xenobióticos têm um papel fundamental

na activação e/ou destoxificação de carcinogéneos.(19)

Os agentes bloqueadores (fitoquímicos) contrapõem a actividade de

potenciais carcinogéneos exógenos ou endógenos, suprimindo as reacções da

fase I e/ou activando as reacções da fase II, ambas catalizadas por enzimas

metabólicas. Estas enzimas estão envolvidas nas duas principais reacções de

biotransformação: as reacções da fase I que envolvem reacções de oxidação,

redução e hidrólise de xenobióticos (nomeadamente fármacos, toxinas e

carcinogéneos) e as reacções da fase II que implicam a conjugação de moléculas

hidrossolúveis (glicuronidação, sulfatação, acetilação, metilação e conjugação

com a glutationa) com xenobióticos.(2) Estes dois grupos de enzimas também são

conhecidas como enzimas activadoras e destoxificantes, respectivamente, com

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O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 13

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base nas consequências biológicas das reacções enzimáticas. A família do CYP

450, um grupo importante de monooxigenases, metaboliza muitos xenobióticos e

cataliza várias reacções da fase I. Os produtos do metabolismo da fase I são

muitas vezes intermediários genotóxicos altamente reactivos que formam

substratos para as enzimas da fase II, ou interagem com o ADN e outras

proteínas, podendo causar mutações e/ou alterações das vias de sinalização.

Alguns fitoquímicos induzem a activação da transcrição de enzimas da fase I ou

II, através do elemento de resposta aos xenobióticos (“xenobiotic response

element” - XRE) e do elemento de resposta aos antioxidantes (“Antioxidant

response elements” - ARE), respectivamente. Os agentes bloqueadores que

induzem apenas enzimas destoxificantes são denominados de indutores

monofuncionais (sulforafano, tert-butihidroquinona), enquanto que os compostos

que induzem, simultaneamente, as monooxigenases CYP e as enzimas

destoxificantes são designados de indutores bifuncionais (indol-3-carbinol). (2, 4, 16)

4.1.3 Regulação da via de sinalização do factor de transcrição Nrf2

A propriedade dos agentes quimiopreventivos, quer como indutores

monofuncionais, quer como bifuncionais de enzimas metabolizadoras de

fármacos, indicou a existência de múltiplos mecanismos regulatórios na

expressão de genes das enzimas destoxificadoras. De entre todas estas enzimas,

a GST e a NADP(H):quinona oxidoreductase (NQO) têm uma reacção muito

aumentada ao estímulo químico e ambiental, especialmente os indutores

monofuncionais. O estudo genético da região promotora dos genes da GST e da

NQO levaram à descoberta de uma sequência promotora (“enhancer”),

nomeadamente o elemento de resposta a antioxidantes/elemento de resposta a

electrofílicos (Antioxidant response elements/electrophile response element -

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O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 14

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ARE/EpRE). As evidências indicam que esta sequência ARE/EpRE tem um papel

central na regulação do sistema de defesa celular e está fortemente relacionada

com os efeitos citoprotectores de agentes indutores quimiopreventivos

alimentares, especialmente os indutores monofuncionais. Esforços no sentido

de identificar proteínas ligadas ao ARE, revelaram a existência de um factor de

transcrição, NF-E2-related factor 2 (Nrf2), o qual tem um papel determinante na

regulação da expressão de genes mediada pelo ARE.(2, 16) Várias proteínas têm

sido identificadas como reguladores-chave da activação do ARE, mas a

descoberta do Nrf2 abriu caminho para elucidar o mecanismo de activação do

mesmo. Por essa razão, no ponto seguinte deste trabalho irei incidir sobre este

factor de transcrição.

O Nrf2 é um factor de transcrição da família “Cap ’n’ collar” (CNC) e contém

um domínio de ligação ao ADN, basic leucine zipper (bZIP). O Nrf2 contém seis

domínios altamente conservadores, designadamente, o Nrf2-ECH homology

(Neh) 1 até ao Neh 6. De entre estes domínios interessa destacar os seguintes: o

Neh 1, que corresponde à região CNC e ao domínio bZIP, necessários para a

ligação ao ADN e para a dimerização com outros factores de transcrição; o

domínio Nh2, que permite a ligação com o domínio Kelch ECH Associating

Protein 1(Keap 1), um regulador negativo do Nrf2; e o Neh3, necessário para a

activação transcricional. O papel preponderante que o Nrf2 desempenha na

regulação da expressão de muitas enzimas antioxidantes e destoxificantes tem

sido verificado em vários estudos in vivo com ratinhos deficientes (Knockouts) em

Nrf2, nos quais a expressão das enzimas referidas foi severamente suprimida.

Verificou-se adicionalmente que os ratinhos Knockout manifestaram uma

susceptibilidade aumentada aos carcinogéneos e que ficaram refractários aos

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O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 15

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efeitos quimioprotectores de compostos quimiopreventivos.(6, 20) Tal como

mencionado anteriormente, muitos fitoquímicos poderão exercer os seus efeitos

quimiopreventivos bloqueando a etapa de iniciação da carcinogénese. Para um

subconjunto destes compostos, a quimioprevenção é sobretudo originada pela

indução dos genes reguladores Nrf2/ARE.

Sob condições basais, em que se mantém nas células a homeostasia do

sistema redox, o Nrf2 é sequestrado pelo Keap 1, o seu repressor citosólico, e fica

bloqueado no citoplasma como um complexo inactivo. O heterodímero Nrf2-Keap

1 funciona como um sensor intracelular contra as alterações nas concentrações

de electrófilos ou de ROS. O Nrf2 é uma molécula de semi-vida muito curta, em

que a maior parte é ubiquitinada, tendo como destino a degradação proteossomal

mediada pelo Keap 1. Daí que em condições basais, o Nrf2 é uma proteína muito

instável, e está em constante renovação porque o Keap 1 incide activamente

sobre ele para ubiquitinação e degradação. Esta instabilidade é um sistema de

feed-back negativo, elaborado para prevenir um excesso de acumulação de

antioxidantes na célula.(21)

Em resposta aos indutores do Nrf2 (stresse oxidativo ou compostos

quimiopreventivos), este é fosforilado e dissocia-se da proteína inibidora Keap 1.

A dissociação do complexo Nrf2-Keap 1 é um pré-requisito para a translocação

nuclear. Uma vez no núcleo, o Nrf2 liga-se ao ARE em associação com a proteína

Maf, activando a expressão dos genes-alvo. (anexo 3)

Através da indução dos genes das enzimas antioxidantes e

destoxificadoras da fase II, os fitoquímicos aumentam a destoxificação de pré-

carcinogéneos ou carcinogéneos e protegem as células normais dos danos

provocados por electrófilos e intermediários reactivos de oxigénio, portanto,

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O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 16

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diminuindo a incidência da iniciação e reduzindo o risco de cancro. Alguns

exemplos de fitoquímicos indutores do Nrf2 incluem o sulforafano (vegetais

crucíferos), a curcumina (açafrão-da-índia), a epigalocatequina-3-galato (EGCG)/

(chá verde), o resveratrol (uvas), os compostos cinamonil (canela), o zerumbone

(gengibre), os compostos organosulfurados (do alho), e o licopeno (tomate). Por

exemplo, o sulforafano (isotionianato) demonstrou capacidade de aumentar os

níveis da quinona reductase, da uridina difosfato glucuronil transférase (UDPGT),

da GST e da heme oxigenase 1 (HO 1). Estes resultados estão relacionados com

o facto do sulforafano estabelecer uma ligação covalente com os grupos tiol do

Keap 1, permitindo a libertação do Nrf2 com subsequente localização nuclear.

Além disso, o sulforafano ainda suprime a degradação proteossomal. Também foi

observado que os isotiocianatos induzem a activação do Nrf2 através do aumento

da fosforilação, levando à acumulação nuclear, mas teve pouco efeito no atraso

da degradação.(20) Os compostos quimiopreventivos podem igualmente causar

directamente a clivagem da ponte dissulfídica entre o Nrf2 e o Keap-1. (6, 22)

Embora o Keap 1 seja o maior regulador da activação do Nrf2, existem

mais evidências indicando múltiplos níveis de regulação do Nrf2. Por exemplo, a

fosforilação do Nrf2 por várias cínases, de entre as quais a cínase da proteína C

(PKC) e a cínase do fosfatidilinositol 3 (PI3K).(22)

Desde a descoberta do Nrf2, diversos estudos têm demonstrado o seu

papel positivo na protecção contra o cancro e doenças relacionadas com o stress

oxidativo. Até aqui, o principal foco da pesquisa tem sido a procura de activadores

do Nrf2 para quimioprevenção, contudo, recentes descobertas sugerem que

existe um lado “negro” do Nrf2. Estudos in vitro mostram que a expressão

aumentada do Nrf2 pode levar a um aumento de proteínas intracelulares do

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O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 17

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balanço oxidativo, de enzimas destoxificadoras da fase II e de transportadores, os

quais podem fornecer, às células cancerígenas, vantagens no crescimento e

causar resistência às quimioterapias.(22)

4.1.4 Diminuição da Inflamação

Desde longa data se reconhece que a inflamação é um factor de risco para

determinados cancros. Um exemplo evidente é o aumento de risco do cancro

colo-rectal associado à doença inflamatória intestinal.(23) A inflamação por si só

não causa cancro; as mutações e as alterações epigenéticas, decorrentes da

exposição ambiental ou de alterações imunitárias, concorrem para o processo

carcinogénico. Vários mediadores pró-inflamatórios, tais como as citocinas, as

quimiocinas, as prostaglandinas, o óxido nítrico e os leucotrienos desregulam as

cascatas de sinalização nas células, o que contribui para o desenvolvimento de

neoplasmas. Existem igualmente evidências circunstanciais de que a inflamação

sistémica crónica, associada talvez a factores metabólicos adversos, pode ser um

meio condutor para cancros do tracto digestivo. Estas linhas de evidência focaram

a atenção nos sinais moleculares associados à inflamação e nos fitoquímicos que

os modulam.(4) Por conseguinte, nessa área de pesquisa do cancro inclui-se a

clarificação dos mecanismos de sinalização intracelulares envolvidos na activação

do factor de transcrição nuclear kB, Nuclear Factor-kB (NF-kB), e a indução da

ciclooxigenase 2 (COX-2) e da sintetase do óxido nítrico induzida (“inducible nitric

oxide synthase” – iNOS), e como é que eles influenciam o processo inflamatório.

O NF-kB é muitas vezes visto como um “elemento decisivo para

estabelecer o elo entre a inflamação e o cancro”.(17) O NF-kB é um factor de

transcrição sensível ao sistema redox, (6, 24) encontrando-se normalmente no

citoplasma como parte de um complexo inactivo,(4, 6, 17) mas quando as células

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O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 18

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recebem o sinal (radicais livres, estímulo inflamatório, carcinogéneos, promotores

tumorais, endotoxinas, e radiação) que activa a via de sinalização do NF-kB,(6)

este move-se para o núcleo(4, 6, 17) onde vai induzir a expressão de mais de 200

genes. Estes genes, não só afectam a inflamação como também estão

associados à apoptose, à proliferação e à metastização.(4, 17) Muitos desses

genes-alvo activados pela via do NF-kB são elementos-chave no estabelecimento

de muitos cancros agressivos. (17) Uma série de fitoquímicos, incluindo o

resveratrol, o limoneno, a glicirrizina (alcaçuz), o gingerol, o indol-3-carbinol, a

genisteína, a apigenina e outros mais, têm demonstrado inibir a actividade do NF-

kB em diferentes etapas da sua via reguladora.(4) Por exemplo, a curcumina

suprime a produção do factor de necrose tumoral (“tumor necrosis factor-α” –

TNF-α), uma citocina pró-inflamatória que leva à activação da cínase da proteína

reguladora IkB, necessária à translocação do NF-kB para o núcleo (4, 6); enquanto

que o ácido cafeico impede especificamente a ligação do NF-kB à sua sequência-

alvo no ADN. Os efeitos a jusante dos inibidores do NF-kB são a diminuição da

expressão das enzimas-chave pró-inflamatórias como a iNOS e a COX-2.(4) A

ciclooxigenase (COX) existe em duas isoformas: a COX-1 e a COX-2, as quais

têm diferentes distribuições nos tecidos e funções fisiológicas. A COX-1 é

constitutivamente expressa e produz prostaglandinas essenciais à agregação

plaquetária e à manutenção da integridade da mucosa gástrica, enquanto que a

COX-2 é pró-inflamatória e é apenas expressa em resposta a certos estímulos,

tais como mitogénios, citocinas, factores de crescimento, ou hormonas.(4, 6) É de

referir um dado significativo sobre o efeito inibitório da quercetina na transcrição

da COX-2, não só in vitro, como também in vivo.(4, 17)

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O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 19

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A iNOS, predominantemente localizada nos astrócitos e na microglia, cataliza a

produção de óxido nítrico (NO), um potente mediador inflamatório. O excesso de

produção de NO mediado pela iNOS está envolvido em perturbações

inflamatórias e imunológicas, cancro, entre outros.(6) Têm sido investigados vários

fitoquímicos pelos seus efeitos inibitórios sobre o NO, de entre os quais a

curcumina, o gingerol e a quercetina. A supressão do NO poderá provavelmente

reflectir a inactivação da iNOS.(17)

4.2 Bloquear a fase de promoção da carcinogénese

4.2.1 Indução da apoptose

A apoptose é considerada um mecanismo pelo qual os fitoquímicos

poderiam exercer propriedades quimiopreventivas, as quais têm sido verificadas

em células malignas in vitro. A importância desta observação tornou-se óbvia pela

constatação do mecanismo de acção pelo qual os fármacos quimiopreventivos

exercem o seu efeito, em concreto, a indução da apoptose.(25)

A programação da morte celular, apoptose, desempenha um papel central

na homeostasia de vários processos biológicos. O conceito de apoptose envolve

a acção concertada de numerosas vias de sinalização intracelulares, incluindo os

membros da família das caspases (proteases de cisteína), armazenadas em

muitas células na forma zimogénica ou procaspases. Esta definição de apoptose

contrasta com outras formas de morte celular, em concreto a autofagia, a oncose

e a necrose. A apoptose é um processo de morte celular subordinado a controlos

genéticos muito restritos, com aspectos bioquímicos e morfológicos

característicos: atrofia celular, formação de vesículas (“blebbing”) membranares,

condensação da cromatina e formação de uma “escada” de ADN com múltiplos

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O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 20

Miléna Batista 2010

fragmentos resultantes da clivagem do ADN nas zonas internucleossómicas. As

caspases implicadas na apoptose são classificadas em iniciadoras (ex: caspases

8, 9 e 10) e efectoras (ex: caspases 3, 6 e 7). A clivagem proteolítica das

procaspases é uma etapa essencial na activação da caspase iniciadora que vai

ser amplificada pela activação sequencial em cascata. (25)

De uma forma geral, a apoptose pode ser dividida em duas vias distintas: a

via extrínseca (através de receptores de morte, DR - “death receptor”) e a via

intrínseca (mitocondrial).(8, 20, 25) Os DR são receptores da superfície da membrana

celular que desencadeiam a apoptose mediante a interacção com o seu ligando

específico.(20) De entre eles destacam-se: Fas (CD95 ou Apo1), o receptor do

factor de necrose tumoral (“Tumor necrosis factor-α receptor” - TNFR), o DR3

(também designado por Apo3, WSL-1, TRAMP ou LARD), o DR4, ou o DR5

(também designado por Apo2, TRAIL-R2, TRICK2 ou KILLER).(25-26) Ambas as

vias apoptóticas vão ser activadas pelas caspases, sendo a primeira activada pela

caspase 8 e a segunda pela caspase 9.(25)

Na via extrínseca, a activação do DR (Fas) pela interacção com o seu

ligando Fas (FasL - “Fas Ligand”) induz uma agregação de receptores e a

formação de um complexo de sinalização indutor de morte (DISC – Death-

Inducing Signaling Complex). O complexo recruta a procaspase 8, via Fas-

associated death domain (FADD), resultando a activação da caspase 8. Esta

caspase activada cliva e activa directamente a caspase 3 que, por sua vez, cliva

outras caspases.(20, 25) A caspase 3 activada, cliva a poli (ADP-ribose) polimerase

(PARP), a qual é determinante no processo apoptótico.(8)

No mecanismo intrínseco, a mitocôndria é um organelo central na

sinalização da morte celular, através da sua capacidade de regulação

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O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 21

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diferenciada do movimento de proteínas pró-apoptóticas (Ex: Bax) e anti-

apoptóticas (como o Bcl2) no seu espaço intermembranar, dependendo do tipo de

estímulo. (26-27) Os danos no ADN e o stress oxidativo são exemplos clássicos de

sinais que podem activar a via apoptótica mitocondrial. Estes sinais de stresse

geralmente resultam na ruptura da membrana mitocondrial e libertação de

proteínas internas como o citocromo c, um factor crucial no processo de

apoptose.(20) Ocorre a dissipação do potencial de membrana mitocondrial e a

redistribuição do citocromo c do espaço intermembranar para o citosol,

possibilitando a activação da caspase 9. Posteriormente, o citocromo c libertado,

em conjunto com uma proteína reguladora, Apaf-1, e a caspase 9, clivam a

caspase 3, activando-a. (8) Portanto, as caspases 8 e 9 activadas, activam

caspases efectoras, as quais por sua vez vão clivar uma série de proteínas

celulares, nomeadamente, proteínas estruturais, proteínas nucleares, proteínas

do citoesqueleto e moléculas de sinalização.(25)

Além disso, os membros da família de proteínas Bcl2 (anti-apoptótica) são

decisivos no controlo da apoptose mediado pela mitocôndria: o Bcl2 e os seus

homólogos são capazes de interromper as perturbações na membrana

mitocondrial e a libertação do citocromo c, e de outros factores apoptóticos.

Contrariamente, o Bax (pró-apoptótico) promove todos esses eventos. O balanço

entre Bcl2/Bax, as duas proteínas antagonistas, é considerado um critério

decisório na morte celular programada.(8)

Recentemente tem sido publicado um número considerável de estudos que

estabelecem uma relação entre fitoquímicos alimentares e apoptose.(20) A indução

da apoptose pode eliminar completamente células geneticamente danificadas de

um tecido.(4) Em grande parte dos fitoquímicos têm sido observados efeitos na

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O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 22

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regulação das vias intrínsecas da apoptose.(8) É o caso da EGCG que

demonstrou, em numerosas linhas celulares, aumentar a caspase 9 e a Bax,

modular membros da família de proteínas Bcl2, e aumentar o Fas. De igual modo,

a quercetina, a genisteína e a apigenina revelaram induzir a apoptose em várias

células cancerígenas. Através de resultados obtidos em diversos estudos com

modelos de animais, praticamente todos os fitoquímicos mencionados

anteriormente demonstraram retardar o desenvovimento de tumores.(20) Várias

outras classes de fitoquímicos, incluindo compostos organosulfurados

provenientes do alho (Allium sativum) e isotiocianatos, têm demonstrado a

capacidade de induzir apoptose em linhas celulares. Num estudo experimental,

verificou-se que a administração oral do glucosinolato sinigrina (o precursor do

isotiocianto de alilo) na sua forma pura ou através de couves de Bruxelas cruas

(brassica oleracea var. gemmifera) ricas em sinigrina leva a uma amplificação da

resposta apoptótica ocorrida nas criptas colorectais 24 horas após a exposição a

um carcinogénio químico, o 1,2 dimetilhidrazina. Quer nos modelos animais, quer

em indivíduos, um elevado nível de ocorrência de processos apoptóticos nas

criptas torna-se um factor protector contra a neoplasia colo-rectal. Constatou-se

que o sumo de couve de Bruxelas exerce os mesmos efeitos anti-proliferativos do

isotiocianto de alilo in vitro, embora não contenha o mesmo composto na forma

livre. Ainda não está bem esclarecido quais serão os produtos secundários e

metabolitos na couve-de-bruxelas responsáveis por esta actividade biológica, mas

alguns produtos já estão identificados.(4)

Muitos fitoquímicos evidenciaram a capacidade de induzir a paragem do

ciclo celular. É o caso dos isotiocianatos, dos flavonóides, dos polifenóis, dos

estilbenos, das antocianidinas e das procianidinas – todos eles causaram a

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O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 23

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paragem de G2/M em numerosas linhas celulares.(20) Os genes que controlam o

ciclo celular sofrem, muitas vezes, mutações que resultam na proliferação

contínua das células “transformadas”. Por exemplo, mutações no gene p27 são

comuns na maioria dos tumores pancreáticos; da mesma maneira, a maioria dos

cancros do cólon exibem mutações no gene p53.(8)

4.3 Bloquear a fase de progressão da carcinogénese

4.3.1 Inibição da angiogénese

A angiogénese, a formação de novos vasos a partir de uma rede vascular

pré-existente, é um processo decisivo em diversas doenças, em concreto o

cancro.(28) A angiogénese tumoral é um dos processos-chave no microambiente

tumoral, e portanto, controlar este processo é uma estratégia importante na

prevenção de cancros invasivos(5, 29). De entre os fitoquímicos mais estudados na

modulação da angiogénese encontram-se a EGCG, o resveratrol e a

curcumina.(28) Muitas moléculas reguladoras da angiogénese foram identificadas e

caracterizadas recentemente, incluindo o factor de crescimento Vascular

Endothelial Growth Factor (VEGF). No microambiente tumoral, as células

progenitoras endoteliais (“endothelial progenitor cells” - EPC) também têm um

papel preponderante na angiogénese tumoral. A mobilização de EPC a partir da

medula óssea para o sangue periférico é regulada por citocinas derivadas do

tumor. Em resposta a estas citocinas, a EPC pode contribuir para a angiogénese

tumoral e o crescimento de certos tumores. Desta forma, a EPC é considerada

um importante alvo para a terapia anti-angiogénica. Estratégias que bloqueiam a

mobilização da EPC para a circulação sanguínea poderão fornecer uma nova

abordagem na inibição da angiogénese tumoral. Durante a angiogénese, a

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O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 24

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sinalização do VEGF é mediada pelo ligando dependente da via de sinalização da

cínase do trifosfato de inositol (PI3K-Akt). A cínase Akt tem um papel central nas

células endoteliais maduras. A activação de Akt promove a sobrevivência da

célula pela inibição da apoptose e intervém na indução da migração do VEGF na

célula endotelial. Novas evidências sobre o mecanismo pelo qual a EGCG inibe a

angiogénese tumoral sugerem que a EGCG inibe a migração celular do VEGF

nas células endoteliais associadas ao tumor e nas células progenitoras

endoteliais, mas não nas células endoteliais normais. Além disso, demonstrou-se

que a EGCG inibe a via de sinalização da PI3K-Akt, através da inibição da

fosforilação da Akt, especificamente nas células endoteliais associadas ao tumor,

mas não nas células endoteliais normais. Desta forma existe a possibilidade de

usar a EGCG, seja como um agente isolado, seja como co-adjuvante de

tratamentos anti-cancerígenos, por períodos relativamente longos, uma vez que

não é tóxica para células normais.(29) No que diz respeito ao resveratrol, ele tem

demonstrado efeitos na diminuição da produção de VEGF e da interleucina-8.(28)

Além disso, o seu efeito protector nas células vasculares é muitas vezes apontado

como estando relacionado ao sequestro de ROS.(13, 28) Curiosamente, o peróxido

de hidrogénio também parece ser crucial na angiogénese, induzindo a expressão

de mediadores angiogénicos como o VEGF. As ROS também são produzidas

pelas células endoteliais em resposta a estímulos com factores de crescimento,

tal como o VEGF. Deste modo, alguns dados indicam que as propriedades

sequestradoras do resveratrol poderão contribuir para o seu efeito anti-

angiogénico.(28) O efeito da curcumina no crescimento tumoral também tem sido

estudado. A curcumina demonstrou prevenir totalmente a indução da síntese de

VEGF e poderá também afectar a angiogénese através de outros factores de

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O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 25

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crescimento. Num estudo em ratos foi referido que a curcumina inibiu o factor

básico do crescimento dos fibroblastos (“Basic fibroblast growth factor” – bFGF).(5,

28)

5. Biodisponibilidade dos fitoquímicos

Apesar da extensa literatura sobre a actividade anticancerígena dos

fitoquímicos alimentares, a importância fundamental da sua biodisponibilidade e

do seu metabolismo tem sido por vezes negligenciada. De acordo com as

declarações emitidas pelo Grupo de Trabalho de Quimioprevenção americano,

um dos principais aspectos de um potencial agente quimiopreventivo é a sua

“segurança”: deve ser administrado em doses muito mais reduzidas

comparativamente às de um fármaco quimiopreventivo, uma vez que os

indivíduos “receptores” poderão ser “saudáveis”. No entanto, a partir de uma

apreciação da literatura, parece claro que as concentrações dos agentes

quimiopreventivos geralmente descritas nos artigos científicos, encontram-se

dentro de um intervalo semelhante ou superior ao das doses farmacológicas. (2)

Apesar de alguns estudos estimarem uma média de ingestão total de

1g/dia de compostos fenólicos na alimentação humana, torna-se extremamente

difícil calcular com precisão a ingestão desses compostos.(2) Para avaliar a

ingestão são necessários registos alimentares e tabelas de composição alimentar

para os fitoquímicos. Porém, esta abordagem apresenta um número de

limitações, inerentes às dificuldades de avaliar ingestões alimentares e a carência

de tabelas detalhadas de composição alimentar para os fitoquímicos. Os métodos

mais comuns para estimar a ingestão baseiam-se em questionários de frequência

alimentar ou a recordação das 24 horas precedentes repetidos, mas a precisão

desses questionários e dos auto-relatos ainda é incerto. Várias tabelas de

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O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 26

Miléna Batista 2010

composição alimentar para os fitoquímicos têm sido elaboradas nos últimos anos.

Incluem-se, por exemplo, as diferentes bases de dados do Departamento de

Agricultura da América, a base de dados “Phenol-Explorer” para todos os

compostos fenólicos, inclusive os ácidos fenólicos, etc. No entanto, estas bases

de dados ainda estão incompletas tendo em conta a diversidade considerável de

fitoquímicos nas plantas.(2) Vários parâmetros têm um profundo impacto nos

níveis de fitoquímicos nos alimentos, tais como, genéticos, factores ambientais

(incluindo local de produção ou práticas agrícolas), processamento alimentar e

armazenamento.(2, 5)

Visto que as propriedades dos compostos fenólicos dependem da sua

biodisponibillidade, torna-se imperativo investigar esta questão antes de analisar a

sua eficácia quimiopreventiva.(2) Tal como foi referido no início, a maioria dos

compostos fenólicos estão armazenados nas plantas conjugados a um grupo

glicosídico, sendo que este pode variar no seu grau de polimerização. Embora

tenha sido observado em ratos a absorção de compostos fenólicos através do

estômago, o local predominante de absorção no ser humano ocorre no intestino.

A extensão da absorção intestinal, por exemplo, da quercetina, que ocorre nos

frutos na sua forma glicosídica, rutina, é determinada pelo tipo de glicosídeo.(10)

De facto, as diferentes estruturas químicas dos compostos fenólicos determinam

a sua selectividade na absorção intestinal. No entanto, apesar dos compostos

fenólicos estarem geralmente presentes no intestino delgado na forma de

derivados glicosilados,(2) estes geralmente não são encontrados no plasma, na

urina e nos tecidos, porque para permitir a sua passagem pela barreira intestinal,

as glicosidases removem a parte glucídica.(10) Os níveis plasmáticos e urinários

representam bons marcadores para verificar a biodisponibilidade dos compostos

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O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 27

Miléna Batista 2010

fenólicos e dos seus metabolitos. De uma maneira geral, menos de 10% dos

compostos fenólicos (ou dos seus metabolitos) ingeridos são detectados na urina

e no plasma, onde as concentrações dificilmente atingem 1 μM.(2) Após a hidrólise

pelas glicosidases e correspondente formação das agliconas, os compostos

fenólicos são submetidos ao mesmo processo de biotransformação dos fármacos:

são conjugados por metilação, sulfatação, glucuronidação ou uma combinação

dos anteriores.(2, 30) Este processo é um ponto crucial em termos de actividade

quimiopreventiva, ou seja, os conjugados podem alterar significativamente as

propriedades biológicas do composto original.(2) Os resultados de um estudo em

ratos indicaram que a ingestão de elevadas doses de quercetina origina uma

maior formação do composto conjugado, isoramnetina, o qual é ainda mais activo

na inibição da xantina oxídase do que a sua correspondente aglicona.(30)

Outro aspecto relevante é o facto de que, quando os compostos fenólicos

são administrados em doses farmacológicas (centenas de miligramas), ou

consumidos numa alimentação rica nesses mesmos compostos (superior a

1g/dose), eles podem rapidamente saturar as vias de conjugação, levando à

detecção de compostos não conjugados no plasma. Portanto, as concentrações

utilizadas influenciam, não só a qualidade e a quantidade das espécies em

circulação, mas também a distribuição dos compostos fenólicos e dos seus

respectivos metabolitos nos tecidos. De facto, enquanto que grandes doses são

metabolizadas no fígado, as pequenas doses são primeiramente metabolizadas

pela mucosa intestinal.

As concentrações sanguíneas de um composto fenólico não conjugado

(forma livre), ou dos seus metabolitos, não influenciam significativamente a

capacidade antioxidante do plasma. No entanto, quando a contribuição dos

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O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 28

Miléna Batista 2010

compostos fenólicos alimentares (0,5-1g da alimentação) é considerada no seu

conjunto, o poder antioxidante no plasma aumenta para um valor situado entre 50

a 75 μM equivalentes de vitamina C. A baixa biodisponibilidade comum nos

compostos não conjugados, em conjunto com as complexas reacções de

transformação, torna difícil uma análise causa-efeito. Pelo contrário, quando

ingeridos através do alimento, a “combinação” dos fitoquímicos antioxidantes

pode sugerir um fundamento para a quimioprevenção.(2)

5.1 Biodisponibilidade da EGCG, da curcumina e dos isotiocianatos

A EGCG tem sido proposta como o mais activo constituinte responsável

pelos efeitos quimiopreventivos do chá verde. Dados recolhidos a partir de muitos

estudos clínicos, experimentais e epidemiológicos suportam claramente que o

consumo de chá verde pode diminuir a incidência de muitos tipos de cancro,

incluindo o gástrico, o esofágico, o colorectal, o pancreático, o pulmonar, o da

mama, o da próstata e o ovárico. Os mecanismos anticarcinogénicos têm sido

elucidados em vários modelos experimentais. A EGCG demonstrou actividade

sequestradora de radicais livres e capacidade de aumentar a destoxificação

através da indução selectiva ou modificação de enzimas da fase II.

Adicionalmente, a EGCG consegue inibir marcadores bioquímicos da iniciação e

promoção de tumores, inibindo assim o desenvolvimento e crescimento do

cancro. Embora a baixa biodisponibilidade sistémica(10) registada em modelos de

animais seja um obstáculo no que diz respeito à administração de EGCG, os seus

efeitos benéficos promissores convenceram os investigadores a conduzir estudos

em humanos. A investigação em humanos na área da farmacocinética indica que,

após a administração oral de EGCG, a qual apresenta baixa absorção intestinal,

encontram-se níveis séricos sub-micromolares ou dentro de intervalos

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O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 29

Miléna Batista 2010

nanomolares, enquanto que as concentrações séricas fisiológicamente relevantes

estão a níveis micromolares (10-100 μM) Após a ingestão, a EGCG está

principalmente na forma livre e é seguidamente excretada pela urina como um

conjugado α-glucoronídeo ou sulfato. Além disso, observaram-se grandes

diferenças individuais nos níveis plasmáticos de EGCG. Portanto, os factores que

influenciam a biodisponibilidade e a biotransformação da EGCG ainda carecem

de esclarecimentos.

As múltiplas funções biológicas e as potenciais propriedades

anticancerígenas da curcumina (ex: açafrão-da-índia) têm sido amplamente

revistas. As actividades da curcumina incluem efeitos anti-inflamatórios,

anti.angiogénicos, anti-oxidativos, entre outros. É de salientar que a sua

capacidade de prevenir e inibir a tumorigénese em diferentes órgãos tem sido

confirmada em vários modelos com ratos. A curcumina consegue inibir a

actividade das isoenzimas do citocromo P450 da fase I, resultando na diminuição

da activação metabólica de compostos carcinogéneos. Contrariamente, a

curcumina tem a capacidade de induzir as enzimas GST destoxificadoras da fase

II. Dado que algumas das “enzimas–alvo” destoxificadoras exibem polimorfismos,

a influência da variação genética nos efeitos quimiopreventivos da curcumina

necessitam de adicionais avaliações. Após uma administração oral, a curcumina

exibe baixa biodisponibilidade sistémica. Esta característica farmacocinética da

curcumina é o resultado de uma baixa absorção e de consideráveis conjugações

metabólicas. A partir de estudos no ser humano verificou-se que as

concentrações de curcumina, após uma administração oral, eram apenas na

ordem dos nanomolares no plasma, e no tecido hepático, não era detectável. Na

maioria dos estudos in vitro, as concentrações detectadas para a obtenção dos

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O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 30

Miléna Batista 2010

efeitos biológicos da curcumina, eram na ordem dos 5-50 μM. Embora as

concentrações séricas da curcumina sejam consideravelmente baixas, os estudos

em modelos com animais reportam que a administração oral da curcumina pode

exercer actividades biológicas no local de absorção. É importante destacar que a

curcumina deve persistir nos tecidos-alvo para exibir os seus efeitos protectores

contra o cancro.

Os isotiocianatos, os metabolitos biologicamente activos dos

glucosinolatos, encontram-se abundantemente nos vegetais crucíferos como os

brócolos, agriões e couves (couve-flor, couves de Bruxelas). Dados

epidemiológicos obtidos a partir de modelos com animais evidenciam que os

isotiocianatos poderão prevenir ou atrasar a progressão do cancro do pulmão, do

pâncreas, da bexiga, da próstata, dos ovários, da pele, do estômago e do cólon.

De entre os isotiocianatos, o sulforafano (produto da hidrólise da glucorafanina) e

o fenetil-isotiocianato (“Phenethyl isothiocyanate” - PEITC; produto da hidrólise da

gluconasturtina) são os indutores mais eficazes das enzimas de defesa celulares

e destoxificadoras (como a GST, NQO1, “gamma-glutamylcysteine synthetase” (-

GCS) – sintétase da - Glutamil cisteína, HO1 e outras). Tal como explicado

anteriormente, estas enzimas antioxidantes/destoxificadoras da fase II são

“genes-alvo” do factor de transcrição Nrf2 via ARE. Os isotiocianatos também

modulam as actividades de outros factores de transcrição nucleares decisivos tal

como o factor nuclear-kB (NF-kB) e o activador da proteína 1 (AP-1), os quais

estão envolvidos na apoptose e nos processos de proliferação, assim como de

transformação de células malignas. Dados oriundos de estudos farmacocinéticos

pré-clínicos em modelos com ratos revelaram que as concentrações séricas de

sulforafano eram suficientemente elevadas para exercerem um efeito protector

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O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 31

Miléna Batista 2010

contra o cancro. Resultados semelhantes foram obtidos em estudos com

indivíduos.(14)

6. Efeitos sinérgicos dos fitoquímicos

Recentemente têm surgido evidências de que, combinações específicas de

fitoquímicos, podem ser de longe mais protectoras contra o cancro do que os

compostos isolados. Numerosos estudos têm vindo a salientar o efeito

quimiopreventivo de misturas de compostos fenólicos(11) provenientes do chá

verde ou de outras fontes alimentares. Foi descrito que a epicatequina aumentou

a indução da apoptose pela EGCG e inibiu a libertação do TNF-α. Os resultados

deste estudo indicam que, em resultado dos efeitos sinérgicos entre os

compostos fenólicos do chá verde, o chá é uma mistura mais eficiente para a

prevenção do cancro do que a suplementação de EGCG. Curiosamente,

observou-se que a catalase bloqueou o efeito sinérgico da epicatequina e da

EGCG, sugerindo que a produção de peróxido de hidrogénio e das ROS estão

envolvidas no mecanismo de sinergia. Os potenciais efeitos sinérgicos entre os

compostos fenólicos e outros fitoquímicos também foram investigados.

Estudos sobre o efeito da combinação de isotiocianatos e indóis

(fitoquímicos presentes nos vegetais crucíferos), demonstraram que os efeitos

sinérgicos podem depender das condições experimentais e das concentrações. A

combinação de outros dois fitoquímicos das crucíferas, o indol-3-carbinol e o

crambe, foi estudada em ratos, tendo sido observado que o grupo experimental

submetido a uma dose elevada ficou protegido contra a toxicidade induzida pela

aflatoxina B1, mostrando efeitos sinérgicos, enquanto que no grupo submetido a

uma baixa dose não foram observados efeitos. Também têm sido registados

efeitos sinérgicos de alimentos e de outras misturas complexas. Em recentes

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O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 32

Miléna Batista 2010

estudos com animais, nos quais se avaliou o efeito da ingestão de vegetais na

modulação da expressão de genes, foi descoberto que a maioria dos genes que

foram expressos de forma distinta antes e depois da ingestão dos vegetais,

representaram alterações na expressão que poderiam ser interpretadas como um

efeito preventivo contra o cancro. Além disso, os resultados destes estudos

indicaram que, o efeito de quatro vegetais isolados nas alterações da expressão

de genes no cólon e pulmão de ratos, diferiu do efeito da mistura dos quatro

vegetais. Adicionalmente, a mistura dos vegetais apresentou capacidade de

modular genes que não foram significativamente modulados por um dos

específicos vegetais presentes na mistura. (31) Portanto, a associação de várias

moléculas (como naturalmente acontece nos alimentos) poderá ser mais eficaz na

prevenção do cancro do que compostos isolados. Estes aspectos originaram o

desenvolvimento da “quimioprevenção combinada” no sentido de que, baixas

doses de agentes quimiopreventivos, diferindo no modo de acção, podem

aumentar a eficácia e reduzir a toxicidade, gerando um efeito sinérgico.

Discussão e Conclusões

O tema desta monografia é com certeza uma área de estudo complexa e

sinuosa, porém motivadora e aliciante. A pesquisa realizada permitiu-me indagar

diversos ramos da ciência, concretamente, Biologia celular, Genética, Patologia,

Bioquímica, Toxicologia, Fisiologia, etc. Reafirmei a minha convicção de que

conseguir atingir novas etapas no conhecimento é gratificante.

Neste trabalho foram apresentados apenas alguns dos mecanismos

biológicos geralmente mais observados em determinados fitoquímicos. Contudo,

esses exemplos ilustram o enorme potencial destes compostos na modulação do

processo carcinogénico.

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O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 33

Miléna Batista 2010

Da mesma forma que muitos estudos demonstram claramente que os

fitoquímicos são altamente eficazes a impedir o desenvolvimento do cancro em

cada fase da carcinogénese, também se constata que estes agentes são

protectores para as células ditas “normais”. O exacto mecanismo do efeito

diferencial entre células “normais” e “anormais” que os fitoquímicos evidenciam,

não está completamente esclarecido, mas pensa-se ser o resultado da

capacidade destes compostos de induzir ou suprimir de forma diferenciada certos

eventos celulares, assim como de regular através da transcrição, a actividade de

vários genes de defesa.

O conhecimento dos mecanismos moleculares subjacentes aos efeitos

sinérgicos dos fitoquímicos ainda é limitado, mas parece que muitos fitoquímicos

agem sinergicamente, o que poderá explicar a razão pela qual alguns alimentos

mostram efeitos preventivos contra o cancro que não são explicados com base

nos compostos bioactivos individuais.

Paradoxalmente, a preparação quimiopreventiva mais eficaz é a

alimentação. As várias centenas de compostos presentes nos alimentos diferem

na estrutura molecular, na estabilidade, na solubilidade, no metabolismo e na

absorção. Eles são submetidos a actividades sinérgicas e/ou competitivas que

não podem ser simplesmente reproduzidas num fármaco.

Embora os modelos de culturas celulares in vitro e de animais têm

demonstrado a eficácia quimiopreventiva de numerosos fitoquímicos, o efeito

protector desses agentes no risco de cancro nos seres humanos ainda não está

estabelecido de forma conclusiva. Estas inconsistências parecem reflectir a

natureza complexa dos alimentos e dos sistemas biológicos (i. e., os seres

humanos).

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O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 34

Miléna Batista 2010

Do mesmo modo que os efeitos benéficos destes agentes estão muito bem

estudados, os possíveis efeitos tóxicos estão a ser destrinçados a passos largos.

Desta forma, uma predição bem sucedida das consequências do consumo destes

fitoquímicos por parte do ser humano só irá ser possível depois de se traçarem

doses apropriadas e de se atenderem às questões da segurança. Portanto,

deparam-se muitas pedras no caminho que têm de ser transpostas antes do uso

bem sucedido dos putativos agentes quimiopreventivos no ser humano. Contudo,

entender os mecanismos de acção dos fitoquímicos será um auxílio para esse

esforço, uma vez que a maior parte desses compostos são uma parte integral da

nossa alimentação. Em termos de saúde pública, a erradicação do cancro nos

países ocidentais representa uma das missões científicas do novo milénio.

Uma pequena história da medicina:

Eu tenho uma otalgia…

2000 A.C. – Toma, come esta raiz.

1000 D.C. – Essa raiz é paganismo. Toma, diz esta reza.

1850 D.C. – Essa reza é superstição. Toma, bebe esta poção.

1940 D.C. – Esta poção é banha da cobra. Toma, engole este comprimido.

1985 D.C. – Esse comprimido é ineficaz. Toma, ingere este antibiótico.

2000 D.C. – Esse antibiótico é artificial. Toma, come esta raiz.

Traduzido a partir de (1)

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O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 35

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O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 38

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Índice de Anexos

Anexo 1 – Principais classes de fitoquímicos nos alimentos ................................ 39

Anexo 2 – Subclasses de terpenóides ................................................................. 42

Anexo 3 - Via de sinalização do factor de transcrição Nrf2 .................................. 44

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Anexo 1 – Principais classes de fitoquímicos nos

alimentos

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O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 40

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Anexo 2 – Subclasses de terpenóides

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O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 43

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Subclasses de terpenóides provenientes de unidades precursoras isoprénicas

Nº de unidades

isoprénicas C5

Nº de átomos de carbono

da cadeia principal Nome da subclasse

2 10 Monoterpenos

3 15 Sesquiterpenos

4 20 Diterpenos

5 25 Sesterpenos

6 30 Triterpenos

8 40 Tetraterpenos

n n Polisoprenos

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O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 44

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Anexo 3 - Via de sinalização do factor de transcrição Nrf2

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Miléna Batista 2010