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O Papel dos Fitoquímicos na Quimioprevenção do
Cancro
The Role of Phytochemicals in Cancer
Chemoprevention
Miléna Sales Henriques Batista
Orientado por: Dr. Themudo Barata
Monografia
Porto, 2010
O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro ii
Miléna Batista 2010
Índice
Lista de Abreviaturas .............................................................................................. iii
Resumo ................................................................................................................... v
Abstract .................................................................................................................. vi
Introdução............................................................................................................... 1
1. Fitoquímicos - classificação ................................................................................ 4
2. Quimioprevenção - definição e perspectiva histórica ......................................... 8
3. O processo de carcinogénese ............................................................................ 9
4 Mecanismos envolvidos na quimioprevenção do cancro ................................... 10
4.1 Bloquear a fase de iniciação da carcinogénese ............................................. 11
4.1.1 Balanço “espécies reactivas de oxigénio/antioxidantes” .............................. 11
4.1.2 Indução de enzimas envolvidas na destoxificação................................... 12
4.1.3 Regulação da via de sinalização do factor de transcrição Nrf2 ................ 13
4.1.4 Diminuição da Inflamação ........................................................................ 17
4.2 Bloquear a fase de promoção da carcinogénese ........................................... 19
4.2.1 Indução da apoptose ................................................................................ 19
4.3 Bloquear a fase de progressão da carcinogénese ......................................... 23
4.3.1 Inibição da angiogénese .......................................................................... 23
5. Biodisponibilidade dos fitoquímicos .................................................................. 25
5.1 Biodisponibilidade da EGCG, da curcumina e dos isotiocianatos ............... 28
6. Efeitos sinérgicos dos fitoquímicos ................................................................... 31
Discussão e Conclusões ...................................................................................... 32
Referências Bibliográficas .................................................................................... 35
Índice de Anexos .................................................................................................. 38
O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro iii
Miléna Batista 2010
Lista de Abreviaturas
ADN – Ácido Desoxirribonucleico
ARE/EpRE - (Antioxidant response elements/electrophile response element) -
Elemento de resposta a antioxidantes/elemento de resposta a electrofílicos
bZIP – (basic leucine zipper)
CYP 450 - citocromo P 450
COX – ciclooxigenase
COX-1 - Ciclooxigenase 1
COX-2 - Ciclooxigenase 2
CNC - “Cap’ n’ collar”
DR (Death receptor) - Receptor de morte
EGCG - Epigalocatequina-3-galato
-GCS (gamma-glutamylcysteine synthetase) – Sintétase da - Glutamil cisteína
GST - Glutationa S-transférase
HO 1 – heme oxigenase 1
iNOS (Inducible nitric oxide synthase) - Sintetase do óxido nítrico induzida
Keap 1(Kelch ECH Associating Protein 1)
Neh – (Nrf2-ECH homology)
NF-kB (Nuclear factor kB) - Factor de transcrição nuclear kB
NO (nitric oxide) - Óxido nítrico
NQO - NADP(H):quinona oxidoreductase
Nrf2 (NF-E2-related factor 2) – factor de transcrição
NADP(H) – Nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato (forma reduzida)
PI3K-Akt - cínase do trifosfato de inositol
O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro iv
Miléna Batista 2010
ROS/RNS (reactive oxygen species/reactive nitrosative species) - Espécies
reactivas de oxigénio/ espécies reactivas de azoto
TNF-α (Tumor necrosis factor-α) - Factor de necrose tumoral
TNFR (Tumor necrosis factor-α receptor ) - Receptor do factor de necrose tumoral
VEGF (vascular endothelial growth factor) – factor de crescimento
O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro v
Miléna Batista 2010
Resumo
Apesar dos progressos significativos no conhecimento da biologia do
cancro, o número de mortes causadas por esta temível doença permaneceu
inflexível até ao final do século vinte, seguido de uma tendência invertida apenas
nos últimos anos. Os achados epidemiológicos relativamente consistentes de que
o consumo de frutos, hortícolas e cereais inteiros, está fortemente associado à
redução do risco de cancro, originaram a hipótese de que específicos metabolitos
secundários das plantas biologicamente activos, designadamente fitoquímicos,
podem ser responsáveis pela acção preventiva observada. Os fitoquímicos
podem ser tão diversos como os ácidos fenólicos, os taninos, os estilbenos, as
cumarinas e os flavonóides. Estes compostos alimentares oferecem um grande
potencial na luta contra o cancro ao inibir processos carcinogénicos através da
regulação da homeostasia da célula e da “maquinaria” de morte celular. O
presente trabalho pretende elucidar alguns aspectos relevantes dos
conhecimentos emergentes sobre os mecanismos celulares que parecem estar
envolvidos na quimioprevenção do cancro pelos fitoquímicos.
Palavras-Chave: fitoquímicos, cancro, carcinogénese, quimioprevenção, enzimas
destoxificantes, apoptose, sinalização celular, biodisponibilidade.
O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro vi
Miléna Batista 2010
Abstract
In spite of significant progress in our understanding of the biology of cancer,
the number of death caused by this dreaded disease remained unabated until the
end of the twentieth century, followed by a reverse trend only for the past several
years. The relatively consistent epidemiological finding that consumption of fruits,
vegetables and whole grains is strongly associated with reduced risk of cancer,
has led to the hypothesis that specific biologically-active plant secondary
metabolites, namely phytochemicals, may be responsible for the observed
prevention action. Phytochemicals can be as diverse as phenolic acids, tannins,
stilbenes, coumarins and flavonoids. These dietary compounds offer great
potential in the fight against cancer by inhibiting the carcinogenesis process
through the regulation of cell homeostasis and cell-death “machineries”. The aim
of the present work is to elucidate some important aspects of emerging knowledge
about molecular mechanisms that are likely to be involved in cancer
chemoprevention of phytochemicals.
Keywords: phytochemicals, cancer, carcinogenesis, chemoprevention,
detoxifying enzymes, apoptosis, cellular signalling, bioavailability.
O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 1
Miléna Batista 2010
Introdução
Desde Hipócrates (460-377 A.C.) que se conhece a correlação entre
alimentação e saúde, o qual reconheceu que “as diferenças nas doenças
dependem dos nutrimentos”.(1) No entanto, foi apenas na última década que
vários estudos epidemiológicos indicaram uma associação positiva entre o
consumo de frutos, hortícolas e cereais inteiros, e uma menor incidência de
cancros do estômago, esófago, pulmões, faringe e cavidade oral, endométrio,
pâncreas e cólon.(1-5) Estes estudos apoiam a ideia de que mais de 70% de todos
os tipos de cancro não são dependentes de um fundo genético e que podem ser
prevenidos através de mudanças de estilos de vida, tal como uma alimentação
adequada. Com base nestas evidências científicas, vários programas
educacionais deram início na Europa e na América para promover o consumo de
vegetais a fim de diminuir a incidência do cancro.(2) Contudo, recentemente
parece ter ocorrido uma mudança de opinião no sentido de que as evidências são
menos fortes do que originalmente se pensava, sobretudo devido a vários estudos
prospectivos de grande escala que, pondo em evidência as principais causas de
cancro nos países ocidentais, não encontraram nem efeitos protectores, nem
efeitos débeis, comparativamente àqueles esperados com base nos estudos
prévios de caso-controlo.(2, 4) No entanto, embora tenham sido colocados em
questão os reais efeitos benéficos de uma alimentação rica em vegetais na
protecção contra o cancro,(2, 4) o interesse nos efeitos biológicos dos seus
constituintes aumentou. As evidências emergentes sobre uma variedade de
mecanismos anti-carcinogénicos potencialmente importantes, estimulou o
interesse no conceito de quimioprevenção, concentrando as atenções em
particulares frutos e hortícolas ricos em compostos biologicamente activos,
O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 2
Miléna Batista 2010
designados de fitoquímicos.(4) Estes compostos foram seleccionados ao longo da
evolução e armazenados nos tecidos para defender a planta de patogéneos ou
predadores.(3, 6) O ser humano foi exposto a uma variedade de fitoquímicos
durante milhões de anos: através da cautelosa selecção de espécies de plantas
para a sua alimentação, conseguiu evitar as que causam toxicidade aguda. No
entanto, vários fitoquímicos presentes nos alimentos vegetais ainda afectam a
saúde humana positivamente ou negativamente a longo prazo. Devido à sua
grande diversidade, os fitoquímicos podem atingir uma ampla variedade de
funções fisiológicas e de vias metabólicas.(3) Vários fitoquímicos tais como os
curcuminóides da cúrcuma, os glucosinolatos dos vegetais crucíferos, as
isoflavonas da soja ou o licopeno do tomate, evidenciam propriedades
anticancerígenas. Estes compostos actuam através de diversos mecanismos
celulares e moleculares, incluindo a estimulação de sistemas destoxificantes, a
inibição do ciclo de proliferação celular, a indução da apoptose, a
imunomodulação ou inibição da angiogénese. Numerosos relatórios destacam as
propriedades dos fitoquímicos antioxidantes como sequestradoras de radicais
livres, tais como os polifenóis. Parece que os efeitos biológicos desses
antioxidantes são diversos e envolvem respostas mediadas pelas células e a
modulação de várias vias de sinalização celular. As hipóteses sobre os
mecanismos de acção dos fitoquímicos têm procedido frequentemente do
conhecimento das suas estruturas químicas e das suas propriedades físico-
químicas. Presentemente, o desafio está em interpretar as complexas relações
entre os fitoquímicos presentes na alimentação humana e a saúde, tendo em
conta, quer a diversidade das suas estruturas químicas, quer a complexidade dos
seus efeitos metabólicos.(3) Actualmente, várias centenas de moléculas são
O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 3
Miléna Batista 2010
estudadas como potenciais “agentes quimiopreventivos” e mais de 50 compostos
estão a ser testados em ensaios clínicos. Apesar destes esforços, a
quimioprevenção representa um tópico altamente controverso por questões
éticas, económicas e científicas.(2) . A carcinogénese é geralmente um processo
complexo e multi-etápico no qual ocorrem alterações moleculares e celulares
distintas. A fim de simplificar a compreensão das diferentes opções possíveis para
a quimioprevenção no desenvolvimento e na progressão do cancro, são descritas
as seguintes etapas: iniciação, quando as células estão expostas a um agente
carcinogénico; promoção, quando as células “anormais” persistem e iniciam uma
etapa pré-neoplásica; progressão, fase final da tumorigénese, quando ocorre
crescimento celular descontrolado. Um agente quimiopreventivo do cancro
poderia ser efectivo em qualquer uma das etapas clássicas da carcinogénese
(iniciação, promoção, progressão). A intervenção na carcinogénese multi-etápica
através da modulação das vias de sinalização intracelulares fornece a base da
quimioprevenção com uma vasta variedade de fitoquímicos alimentares. As
células cancerígenas adquirem resistência à apoptose através da expressão
aumentada de proteínas anti-apoptóticas, e/ou por uma repressão ou mutação de
proteínas apoptóticas. Por conseguinte, uma excelente abordagem para inibir a
promoção e a progressão da carcinogénese, e para remover células pré-malignas
e malignas do organismo, seria pela indução da apoptose ou da paragem do ciclo
celular através de compostos quimiopreventivos O alcance da eficácia desses
agentes pode ser profundo, uma vez que o curso natural do total desenvolvimento
de um cancro clinicamente evidente é relativamente longo e por vezes demora
décadas.(7)
O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 4
Miléna Batista 2010
1. Fitoquímicos: classificação
Estima-se que os frutos, hortícolas e cereais inteiros, tenham algures entre
5.000 a 25.000 fitoquímicos individuais, dos quais apenas uma pequena fracção
foi identificada. Com a presença de milhares de fitoquímicos, é imperativo
classificar os diferentes agentes para melhor estudar as complexas misturas
encontradas nos vegetais.(8) Os fitoquímicos apresentam uma grande diversidade
de estruturas químicas. Estes compostos podem ser classificados em vários
grupos, sendo os principais: compostos fenólicos, terpenóides, alcalóides e outros
compostos nitrogenados, hidratos de carbono e lípidos.(3) (anexo 1)
Os compostos fenólicos, frequentemente referidos como polifenóis,
constituem um dos grupos mais numerosos de metabolitos secundários das
plantas. Não são biossintetizados em mamíferos, sendo assim necessária a sua
ingestão. Em resultado da sua ubiquidade nas plantas, estes compostos são parte
integral da alimentação humana. Nas plantas, estes constituintes participam de
uma forma decisiva na morfologia (ex: pigmentação), crescimento, reprodução e
resistência a patogenias e predadores (através do aumento da adstringência, o
que leva a que a sua ingestão seja pouco atractiva).(9) Estruturalmente, os
compostos fenólicos compreendem um anel aromático comportando um ou mais
grupos hidroxilo substituintes, originando desde compostos fenólicos simples até
moléculas altamente polimerizadas.(10) Os compostos fenólicos podem ser
classificados em diferentes classes de acordo com a disposição da cadeia
carbonada ligada ao anel aromático (C6)(9): flavonóides, compostos cumarínicos,
taninos, ácidos fenólicos e estilbenos.(2)
Grande parte das pesquisas realizadas sobre os efeitos fisiológicos dos
compostos fenólicos centra-se no estudo dos flavonóides. Todos os flavonóides
O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 5
Miléna Batista 2010
possuem o mesmo elemento estrutural, o difenilpropano, formado por dois anéis
aromáticos ligados por uma cadeia de três átomos de carbono (C6-C3-C6) que,
geralmente constitui um heterociclo central contendo oxigénio(11), e têm a
presença de, pelo menos, três hidroxilos fenólicos, um deles ligado a uma ose,
quando sob a forma de heterósidos (substâncias formadas pela condensação de
uma ou mais oses, muitas vezes, a glucose, com um grupo não osídico
denominado aglicónico ou genina).(9) Conhecem-se mais de 4000 compostos(11),
sendo frequentemente encontrados no meio metabólico na forma heterosídica.
Contudo, também podem aparecer na forma livre (geninas - sem unidades de
açúcar). Os heterósidos são normalmente solúveis na água ao contrário das
formas livres.(9) De acordo com as características estruturais são classificados em
subclasses: flavanonas (naringenina, eriodictiol), flavonas (apigenina, luteolina),
flavonóis (quercetina, campferol, miricetina), flavanóis ou catequinas
(catequina, epicatequina, epigalocatequina, epicatequina galato), antocianidinas
(cianidina,malvidina), e isoflavonas ou isoflavonóides (daidzeína, genisteína).(11-
12)
Os compostos cumarínicos derivam de lactonas dos ácidos orto-
hidroxicinâmico, estando presente em diferentes partes das plantas. O seu nome
deve-se ao facto de ter sido primeiramente encontrada na espécie Coumarona
odorata. Dos compostos cumarínicos mais conhecidos citam-se entre outros, a
cumarina, a umbeliferona, a herniarina, o esculetol, etc. Apesar da grande
predominância de compostos cumarínicos simples no reino vegetal, outras
subclasses destes compostos são encontrados de forma bastante diversificada
entre a taxonomia botânica, como as furanocumarinas (bergapteno, xantotoxina),
as piranocumarinas (visnadina) e as furanocromonas (quelina).(9, 12)
O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 6
Miléna Batista 2010
Os taninos são compostos fenólicos com elevada massa molecular (entre
500 e 3000 daltons) e têm capacidade para formar complexos com proteínas. A
sua presença em folhas ou frutos confere característica adstringente, importante
como mecanismo de defesa geral da planta contra o ataque de insectos. Os
taninos são comumente divididos em duas subclasses: os hidrolisáveis
(poliésteres de ácidos fenólicos) e os condensados ou proantocianidinas (de
estrutura próxima dos flavonóides), estes representados pelos taninos catéquicos
e as procianidinas oligoméricas (caso da procianidina B-2) formadas por dois ou
quatro monómeros da catequina ou da epicatequina. Já os taninos hidrolisáveis
são sempre constituídos por ésteres de uma ose e de um número variável de
ácidos fenólicos. Quando o ácido gálhico está presente origina os galhotatinos. O
representante mais simples do grupo de taninos hidrolisáveis é o 1 – O – galoilβ-
D-glicopiranose (β-glicogalina), identificado há mais de um século como produto
natural.(9, 12)
Os ácidos fenólicos derivados dos ácidos hidroxibenzóicos ou dos ácidos
hidroxicinâmicos são os ácidos fenólicos mais comuns nas plantas. Os ácidos
hidroxicinâmicos ocorrem mais frequentemente como ésteres simples ligados a
ácidos carboxílicos ou glucose, e os ácidos hidroxibenzóicos estão geralmente
presentes sob a forma de heterósidos (ou glicosídeos). São representativos dos
ácidos hidroxicinâmicos, o ácido cafeico, o ácido para-cumárico e o ácido ferúlico.
De entre os derivados dos ácidos hidroxibenzóicos, temos o ácido gálhico (um
dos constituintes dos taninos), o ácido procatecóico e o ácido vanílico.(9-10, 12)
Os estilbenos são compostos orgânicos que contêm o 1,2-difeniletileno
como grupo funcional. O resveratrol (3,5,4’ -trihidroxiestilbeno) é um membro dos
estilbenos, sendo muito abundante nas uvas e moderadamente nos mirtilos e
O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 7
Miléna Batista 2010
amendoins. Nas uvas, atinge a sua maior concentração na casca (50 100 μg por
grama), constituindo os vinhos tintos a sua fonte predominante. O resveratrol
pode apresentar-se quer na forma livre (configuração cis ou trans), quer na forma
heterosídica. A partir do resveratrol podem formar-se naturalmente uma série de
análogos, destacando-se o pteroestilbeno e o piceatanol. (10)
Os terpenóides, outra classe principal de fitoquímicos, têm características
lipofílicas na natureza. Os terpenóides apresentam unidades isoprénicas nas suas
estruturas e são, por isso, conhecidos como isoprenóides. Podem ser
classificados de acordo com o número de unidades isoprénicas C5 incorporadas à
estrutura. (anexo 2) Dessa forma, os terpenóides formam uma grande família de
compostos estruturalmente diversos, destacando-se os monoterpenos (formados
por duas unidades isoprénicas), os sesquiterpénicos (formados por três unidades
isoprénicas), os diterpenos (com quatro unidades isoprénicas), e os triterpenos
(com 6 unidades isoprénicas). Os monoterpénicos e sesquiterpénicos são
constituintes dos óleos essenciais. Nos monoterpénicos, os hidrocarbonetos
podem ser acíclicos (mirceno, da folha do loureiro, etc.) ou monocíclicos
(limoneno, dos citrinos, etc.). Nos diterpenos podemos encontrar o Gingko biloba.
Um exemplo dos triterpenos será o giseng. Algumas transformações nos
esqueletos estruturais dos terpenóides levam à biossíntese de classes de
produtos naturais com propriedades físico-químicas e farmacológicas próprias,
como os esteróides, vitaminas lipofílicas, grande parte dos óleos essenciais,
saponinas e glicosídeos cardiotónicos.(9, 12)
Os alcalóides são definidos como constituintes azotados, de origem não-
peptídica, tendo aminoácidos como precursores biossintéticos. Encontram-se nas
plantas, normalmente combinados com ácidos orgânicos, formando sais solúveis
O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 8
Miléna Batista 2010
e são dotados de grande actividade biológica. Quimicamente, os alcalóides
podem ser classificados de acordo com o aminoácido precursor. A título de
exemplo, considera-se os seguintes tipos de estruturas para os quais se indica
um alcalóide representativo: purina (cafeína) e quinolizidina (lupanina, do
tremoço).(9, 12)
No grupo de compostos nitrogenados incluem-se os glucosinolatos (sulfo-
heterósidos), particularmente, os glucosinolatos alifáticos (a mostarda-negra -
Brassica nigra) e os glucosinolatos indólicos (brócolo – Brassica Oleraceae).(9, 13)
2. Quimioprevenção - definição e perspectiva histórica
Quando Michael Sporn cunhou pela primeira vez em 1976 o termo
“quimioprevenção”, referindo-se à actividade da vitamina A e dos seus análogos
sintéticos na prevenção de certos tipos de cancro, ele originou um novo domínio
na pesquisa do cancro.(2, 13-14) De acordo com uma definição mais moderna e
completa, a quimioprevenção inclui o uso de agentes naturais ou farmacológicos
para suprimir, interromper ou inverter a carcinogénese(15) nas suas fases iniciais.
Nos últimos 5 anos, o termo “quimioprevenção” passou de 4.000 para 10.000
referências na “Pubmed”, e na actualidade é geralmente utilizado para indicar a
capacidade de uma molécula, não só prevenir, mas também curar o cancro.(2)
Recentemente, o atributo “quimiopreventivo” tem sido associado a um contexto
mais amplo, em concreto o estilo de vida, tal como uma alimentação adequada.(2,
13) Ao longo dos anos, um vasto número de agentes quimiopreventivos presentes
em produtos “naturais” tem sido avaliado(8) através de diferentes abordagens
experimentais: estudos epidemiológicos; ensaios clínicos; estudos em modelos
com animais em que a carcinogénese é induzida experimentalmente; testes in
vitro em linhas celulares.(2) Mais recentemente, o foco tem sido orientado para os
O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 9
Miléna Batista 2010
alvos moleculares dos agentes quimiopreventivos no intuito de identificar os
mecanismos de acção destes compostos bioactivos.(8) O Instituto Nacional do
Cancro (NCI – “National Cancer Institute”) americano, baseado em numerosos
relatórios sobre a actividade anticancerígena de moléculas que ocorrem
naturalmente, identificou 40 plantas comestíveis possuindo potenciais compostos
quimiopreventivos.(2) Desta forma, o instituto americano mantém uma base de
recursos para fitoquímicos com potenciais propriedades quimiopreventivas.1
3. O processo de carcinogénese
Actualmente, o conceito de “carcinogénese multi-etápica” propõe que o
cancro é desenvolvido ao longo de um período de tempo por acumulação de
mutações somáticas numa única célula, resultando em alterações fenotípicas
graduais, desde a célula normal à pré-neoplásica, progredindo para a neoplásica.
Estas diferentes etapas na carcinogénese são geralmente descritas como:
iniciação (dias), promoção (vários anos) e progressão (1-5 anos).
A iniciação é irreversível e inclui a alteração inicial ao nível do ácido
desoxirribonucleico (ADN) pelos agentes carcinogénicos químicos ou físicos.(2) O
curso da transformação celular (ou iniciação) envolve a mutação genética, o
metabolismo carcinogénico e a reparação deficiente do ADN. Nesta fase inicial,
os carcinogénicos ambientais (alimentares, tabaco, poluição) induzem uma ou
mais mutações simples, incluindo pequenas delecções nos genes que controlam
o processo da carcinogénese.(8)
A promoção envolve mecanismos epigenéticos, sendo um processo
relativamente lento e reversível. A fase de promoção é caracterizada por uma
1 http://resresources.nci.nih.gov/database.cfm?id=1165
O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 10
Miléna Batista 2010
desregulação das vias de sinalização do controlo da proliferação celular e da
apoptose, levando à acumulação de divisões anormais de células pré-malignas.(2,
8)
A progressão é geralmente irreversível e caracteriza-se pelas alterações
genéticas no cariótipo, as quais surgiram pela acumulação de genes mutados,
resultando em anomalias cromossómicas. A fase de progressão desencadeia a
última etapa da carcinogénese com invasão, angiogénese e potencial
metastização (8)
A transformação de células pré-malignas para malignas envolve a
activação de proto-oncogenes e/ou inactivação dos genes supressores tumorais.
Ambos os tipos de genes, quando mutados, causam alterações em processos
celulares preponderantes, relacionados com o crescimento celular e a
proliferação.(2) No desenvolvimento tumoral, as células têm de alcançar certas
características para adquirir malignidade: capacidade de serem auto-suficientes,
em termos de sinais de crescimento; potencial replicativo ilimitado; insensibilidade
a sinais de paragem de proliferação; capacidade de escapar à apoptose;
capacidade de induzir e manter a angiogénese; capacidade de invasão de tecidos
e de metastização.(5)
4. Mecanismos envolvidos na quimioprevenção do cancro
Muitos fitoquímicos presentes numa alimentação rica em frutos e hortícolas
têm sido propostos como potenciais agentes quimiopreventivos.(2) Segundo a
classificação proposta em 1985 por Lee Wattenberg, os fitoquímicos podem agir
como agentes bloqueadores, imediatamente antes ou durante a iniciação da
carcinogénese ou como agentes supressores, actuando no decorrer das fases de
promoção e de progressão. Os agentes bloqueadores previnem a activação
O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 11
Miléna Batista 2010
metabólica de pré-carcinogéneos ou aumentam as actividades enzimáticas na
destoxificação carcinogénica (biotransformação) para uma eficiente eliminação de
carcinogéneos ou espécies reactivas de oxigénio/azoto (“reactive oxygen
species”/“reactive nitrosative species” - ROS/RNS). Os agentes supressores
inibem a promoção e a progressão do cancro após a formação de células pré-
neoplásicas, interferindo com a regulação do ciclo celular, os sinais de
transdução, a regulação da transcrição e a apoptose.(2, 4-5, 14, 16) Alguns agentes
quimiopreventivos podem funcionar, quer como bloqueadores, quer como
supressores através de mecanismos distintos.(14)
4.1 Bloquear a fase de iniciação da carcinogénese
4.1.1 Balanço “espécies reactivas de oxigénio/antioxidantes”
O balanço entre a carga oxidativa e a defesa antioxidante no organismo é
decisivo na manutenção da integridade e funcionalidade das membranas, das
proteínas e dos ácidos nucleicos.(17) As ROS incluem uma variedade de
moléculas químicas diversas extremamente instáveis, tais como os aniões
superóxido, os radicais hidroxilo e o peróxido de hidrogénio. Estes últimos são
geradores de radicais hidroxilo e portanto susceptíveis de causar danos no ADN.
Os radicais superóxido e hidroxilo podem ser formados exogenamente ou no
interior das células a partir das enzimas citosólicas (ex: oxidases do NADPH) e da
cadeia respiratória na mitocôndria.(2) A formação de ROS é inevitável em
organismos aeróbios, estando a sua produção fisiológica associada a importantes
processos celulares. As células mantêm o seu potencial redox através de um
sistema intracelular de defesas antioxidantes, em concreto, enzimas como a
catalase, a dismútase do superóxido, a peroxídase da glutationa, a
O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 12
Miléna Batista 2010
peroxirredoxina, e a glutationa.(2, 5, 18) Além de ocorrer uma produção de ROS
através do metabolismo oxidativo, estas espécies reactivas também podem
resultar da destoxificação de compostos xenobióticos.(8) A forma mais efectiva de
prevenir a carcinogénese é bloquear a sua iniciação, prevenindo os danos no
ADN provocados pelas ROS. Por exemplo, o sequestro directo de ROS altera o
metabolismo das moléculas pré-carcinogénicas no sentido de que não são
convertidas em espécies carcinogénicas pelas enzimas de metabolização da fase
I (em particular o citocromo P 450 – CYP 450), ou então, são removidos da célula
por uma segunda linha de defesa que envolve enzimas de conjugação da fase II
(ex: glutationa S-transférase (GST), glicuronidases e sulfotransférases). Têm sido
classificados vários fitoquímicos como anti-iniciadores, incluindo a genisteína, os
indóis, o resveratrol e os compostos sulfurosos alilo.(5, 8)
4.1.2 Indução de enzimas envolvidas na destoxificação
As enzimas de metabolização de xenobióticos têm um papel fundamental
na activação e/ou destoxificação de carcinogéneos.(19)
Os agentes bloqueadores (fitoquímicos) contrapõem a actividade de
potenciais carcinogéneos exógenos ou endógenos, suprimindo as reacções da
fase I e/ou activando as reacções da fase II, ambas catalizadas por enzimas
metabólicas. Estas enzimas estão envolvidas nas duas principais reacções de
biotransformação: as reacções da fase I que envolvem reacções de oxidação,
redução e hidrólise de xenobióticos (nomeadamente fármacos, toxinas e
carcinogéneos) e as reacções da fase II que implicam a conjugação de moléculas
hidrossolúveis (glicuronidação, sulfatação, acetilação, metilação e conjugação
com a glutationa) com xenobióticos.(2) Estes dois grupos de enzimas também são
conhecidas como enzimas activadoras e destoxificantes, respectivamente, com
O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 13
Miléna Batista 2010
base nas consequências biológicas das reacções enzimáticas. A família do CYP
450, um grupo importante de monooxigenases, metaboliza muitos xenobióticos e
cataliza várias reacções da fase I. Os produtos do metabolismo da fase I são
muitas vezes intermediários genotóxicos altamente reactivos que formam
substratos para as enzimas da fase II, ou interagem com o ADN e outras
proteínas, podendo causar mutações e/ou alterações das vias de sinalização.
Alguns fitoquímicos induzem a activação da transcrição de enzimas da fase I ou
II, através do elemento de resposta aos xenobióticos (“xenobiotic response
element” - XRE) e do elemento de resposta aos antioxidantes (“Antioxidant
response elements” - ARE), respectivamente. Os agentes bloqueadores que
induzem apenas enzimas destoxificantes são denominados de indutores
monofuncionais (sulforafano, tert-butihidroquinona), enquanto que os compostos
que induzem, simultaneamente, as monooxigenases CYP e as enzimas
destoxificantes são designados de indutores bifuncionais (indol-3-carbinol). (2, 4, 16)
4.1.3 Regulação da via de sinalização do factor de transcrição Nrf2
A propriedade dos agentes quimiopreventivos, quer como indutores
monofuncionais, quer como bifuncionais de enzimas metabolizadoras de
fármacos, indicou a existência de múltiplos mecanismos regulatórios na
expressão de genes das enzimas destoxificadoras. De entre todas estas enzimas,
a GST e a NADP(H):quinona oxidoreductase (NQO) têm uma reacção muito
aumentada ao estímulo químico e ambiental, especialmente os indutores
monofuncionais. O estudo genético da região promotora dos genes da GST e da
NQO levaram à descoberta de uma sequência promotora (“enhancer”),
nomeadamente o elemento de resposta a antioxidantes/elemento de resposta a
electrofílicos (Antioxidant response elements/electrophile response element -
O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 14
Miléna Batista 2010
ARE/EpRE). As evidências indicam que esta sequência ARE/EpRE tem um papel
central na regulação do sistema de defesa celular e está fortemente relacionada
com os efeitos citoprotectores de agentes indutores quimiopreventivos
alimentares, especialmente os indutores monofuncionais. Esforços no sentido
de identificar proteínas ligadas ao ARE, revelaram a existência de um factor de
transcrição, NF-E2-related factor 2 (Nrf2), o qual tem um papel determinante na
regulação da expressão de genes mediada pelo ARE.(2, 16) Várias proteínas têm
sido identificadas como reguladores-chave da activação do ARE, mas a
descoberta do Nrf2 abriu caminho para elucidar o mecanismo de activação do
mesmo. Por essa razão, no ponto seguinte deste trabalho irei incidir sobre este
factor de transcrição.
O Nrf2 é um factor de transcrição da família “Cap ’n’ collar” (CNC) e contém
um domínio de ligação ao ADN, basic leucine zipper (bZIP). O Nrf2 contém seis
domínios altamente conservadores, designadamente, o Nrf2-ECH homology
(Neh) 1 até ao Neh 6. De entre estes domínios interessa destacar os seguintes: o
Neh 1, que corresponde à região CNC e ao domínio bZIP, necessários para a
ligação ao ADN e para a dimerização com outros factores de transcrição; o
domínio Nh2, que permite a ligação com o domínio Kelch ECH Associating
Protein 1(Keap 1), um regulador negativo do Nrf2; e o Neh3, necessário para a
activação transcricional. O papel preponderante que o Nrf2 desempenha na
regulação da expressão de muitas enzimas antioxidantes e destoxificantes tem
sido verificado em vários estudos in vivo com ratinhos deficientes (Knockouts) em
Nrf2, nos quais a expressão das enzimas referidas foi severamente suprimida.
Verificou-se adicionalmente que os ratinhos Knockout manifestaram uma
susceptibilidade aumentada aos carcinogéneos e que ficaram refractários aos
O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 15
Miléna Batista 2010
efeitos quimioprotectores de compostos quimiopreventivos.(6, 20) Tal como
mencionado anteriormente, muitos fitoquímicos poderão exercer os seus efeitos
quimiopreventivos bloqueando a etapa de iniciação da carcinogénese. Para um
subconjunto destes compostos, a quimioprevenção é sobretudo originada pela
indução dos genes reguladores Nrf2/ARE.
Sob condições basais, em que se mantém nas células a homeostasia do
sistema redox, o Nrf2 é sequestrado pelo Keap 1, o seu repressor citosólico, e fica
bloqueado no citoplasma como um complexo inactivo. O heterodímero Nrf2-Keap
1 funciona como um sensor intracelular contra as alterações nas concentrações
de electrófilos ou de ROS. O Nrf2 é uma molécula de semi-vida muito curta, em
que a maior parte é ubiquitinada, tendo como destino a degradação proteossomal
mediada pelo Keap 1. Daí que em condições basais, o Nrf2 é uma proteína muito
instável, e está em constante renovação porque o Keap 1 incide activamente
sobre ele para ubiquitinação e degradação. Esta instabilidade é um sistema de
feed-back negativo, elaborado para prevenir um excesso de acumulação de
antioxidantes na célula.(21)
Em resposta aos indutores do Nrf2 (stresse oxidativo ou compostos
quimiopreventivos), este é fosforilado e dissocia-se da proteína inibidora Keap 1.
A dissociação do complexo Nrf2-Keap 1 é um pré-requisito para a translocação
nuclear. Uma vez no núcleo, o Nrf2 liga-se ao ARE em associação com a proteína
Maf, activando a expressão dos genes-alvo. (anexo 3)
Através da indução dos genes das enzimas antioxidantes e
destoxificadoras da fase II, os fitoquímicos aumentam a destoxificação de pré-
carcinogéneos ou carcinogéneos e protegem as células normais dos danos
provocados por electrófilos e intermediários reactivos de oxigénio, portanto,
O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 16
Miléna Batista 2010
diminuindo a incidência da iniciação e reduzindo o risco de cancro. Alguns
exemplos de fitoquímicos indutores do Nrf2 incluem o sulforafano (vegetais
crucíferos), a curcumina (açafrão-da-índia), a epigalocatequina-3-galato (EGCG)/
(chá verde), o resveratrol (uvas), os compostos cinamonil (canela), o zerumbone
(gengibre), os compostos organosulfurados (do alho), e o licopeno (tomate). Por
exemplo, o sulforafano (isotionianato) demonstrou capacidade de aumentar os
níveis da quinona reductase, da uridina difosfato glucuronil transférase (UDPGT),
da GST e da heme oxigenase 1 (HO 1). Estes resultados estão relacionados com
o facto do sulforafano estabelecer uma ligação covalente com os grupos tiol do
Keap 1, permitindo a libertação do Nrf2 com subsequente localização nuclear.
Além disso, o sulforafano ainda suprime a degradação proteossomal. Também foi
observado que os isotiocianatos induzem a activação do Nrf2 através do aumento
da fosforilação, levando à acumulação nuclear, mas teve pouco efeito no atraso
da degradação.(20) Os compostos quimiopreventivos podem igualmente causar
directamente a clivagem da ponte dissulfídica entre o Nrf2 e o Keap-1. (6, 22)
Embora o Keap 1 seja o maior regulador da activação do Nrf2, existem
mais evidências indicando múltiplos níveis de regulação do Nrf2. Por exemplo, a
fosforilação do Nrf2 por várias cínases, de entre as quais a cínase da proteína C
(PKC) e a cínase do fosfatidilinositol 3 (PI3K).(22)
Desde a descoberta do Nrf2, diversos estudos têm demonstrado o seu
papel positivo na protecção contra o cancro e doenças relacionadas com o stress
oxidativo. Até aqui, o principal foco da pesquisa tem sido a procura de activadores
do Nrf2 para quimioprevenção, contudo, recentes descobertas sugerem que
existe um lado “negro” do Nrf2. Estudos in vitro mostram que a expressão
aumentada do Nrf2 pode levar a um aumento de proteínas intracelulares do
O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 17
Miléna Batista 2010
balanço oxidativo, de enzimas destoxificadoras da fase II e de transportadores, os
quais podem fornecer, às células cancerígenas, vantagens no crescimento e
causar resistência às quimioterapias.(22)
4.1.4 Diminuição da Inflamação
Desde longa data se reconhece que a inflamação é um factor de risco para
determinados cancros. Um exemplo evidente é o aumento de risco do cancro
colo-rectal associado à doença inflamatória intestinal.(23) A inflamação por si só
não causa cancro; as mutações e as alterações epigenéticas, decorrentes da
exposição ambiental ou de alterações imunitárias, concorrem para o processo
carcinogénico. Vários mediadores pró-inflamatórios, tais como as citocinas, as
quimiocinas, as prostaglandinas, o óxido nítrico e os leucotrienos desregulam as
cascatas de sinalização nas células, o que contribui para o desenvolvimento de
neoplasmas. Existem igualmente evidências circunstanciais de que a inflamação
sistémica crónica, associada talvez a factores metabólicos adversos, pode ser um
meio condutor para cancros do tracto digestivo. Estas linhas de evidência focaram
a atenção nos sinais moleculares associados à inflamação e nos fitoquímicos que
os modulam.(4) Por conseguinte, nessa área de pesquisa do cancro inclui-se a
clarificação dos mecanismos de sinalização intracelulares envolvidos na activação
do factor de transcrição nuclear kB, Nuclear Factor-kB (NF-kB), e a indução da
ciclooxigenase 2 (COX-2) e da sintetase do óxido nítrico induzida (“inducible nitric
oxide synthase” – iNOS), e como é que eles influenciam o processo inflamatório.
O NF-kB é muitas vezes visto como um “elemento decisivo para
estabelecer o elo entre a inflamação e o cancro”.(17) O NF-kB é um factor de
transcrição sensível ao sistema redox, (6, 24) encontrando-se normalmente no
citoplasma como parte de um complexo inactivo,(4, 6, 17) mas quando as células
O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 18
Miléna Batista 2010
recebem o sinal (radicais livres, estímulo inflamatório, carcinogéneos, promotores
tumorais, endotoxinas, e radiação) que activa a via de sinalização do NF-kB,(6)
este move-se para o núcleo(4, 6, 17) onde vai induzir a expressão de mais de 200
genes. Estes genes, não só afectam a inflamação como também estão
associados à apoptose, à proliferação e à metastização.(4, 17) Muitos desses
genes-alvo activados pela via do NF-kB são elementos-chave no estabelecimento
de muitos cancros agressivos. (17) Uma série de fitoquímicos, incluindo o
resveratrol, o limoneno, a glicirrizina (alcaçuz), o gingerol, o indol-3-carbinol, a
genisteína, a apigenina e outros mais, têm demonstrado inibir a actividade do NF-
kB em diferentes etapas da sua via reguladora.(4) Por exemplo, a curcumina
suprime a produção do factor de necrose tumoral (“tumor necrosis factor-α” –
TNF-α), uma citocina pró-inflamatória que leva à activação da cínase da proteína
reguladora IkB, necessária à translocação do NF-kB para o núcleo (4, 6); enquanto
que o ácido cafeico impede especificamente a ligação do NF-kB à sua sequência-
alvo no ADN. Os efeitos a jusante dos inibidores do NF-kB são a diminuição da
expressão das enzimas-chave pró-inflamatórias como a iNOS e a COX-2.(4) A
ciclooxigenase (COX) existe em duas isoformas: a COX-1 e a COX-2, as quais
têm diferentes distribuições nos tecidos e funções fisiológicas. A COX-1 é
constitutivamente expressa e produz prostaglandinas essenciais à agregação
plaquetária e à manutenção da integridade da mucosa gástrica, enquanto que a
COX-2 é pró-inflamatória e é apenas expressa em resposta a certos estímulos,
tais como mitogénios, citocinas, factores de crescimento, ou hormonas.(4, 6) É de
referir um dado significativo sobre o efeito inibitório da quercetina na transcrição
da COX-2, não só in vitro, como também in vivo.(4, 17)
O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 19
Miléna Batista 2010
A iNOS, predominantemente localizada nos astrócitos e na microglia, cataliza a
produção de óxido nítrico (NO), um potente mediador inflamatório. O excesso de
produção de NO mediado pela iNOS está envolvido em perturbações
inflamatórias e imunológicas, cancro, entre outros.(6) Têm sido investigados vários
fitoquímicos pelos seus efeitos inibitórios sobre o NO, de entre os quais a
curcumina, o gingerol e a quercetina. A supressão do NO poderá provavelmente
reflectir a inactivação da iNOS.(17)
4.2 Bloquear a fase de promoção da carcinogénese
4.2.1 Indução da apoptose
A apoptose é considerada um mecanismo pelo qual os fitoquímicos
poderiam exercer propriedades quimiopreventivas, as quais têm sido verificadas
em células malignas in vitro. A importância desta observação tornou-se óbvia pela
constatação do mecanismo de acção pelo qual os fármacos quimiopreventivos
exercem o seu efeito, em concreto, a indução da apoptose.(25)
A programação da morte celular, apoptose, desempenha um papel central
na homeostasia de vários processos biológicos. O conceito de apoptose envolve
a acção concertada de numerosas vias de sinalização intracelulares, incluindo os
membros da família das caspases (proteases de cisteína), armazenadas em
muitas células na forma zimogénica ou procaspases. Esta definição de apoptose
contrasta com outras formas de morte celular, em concreto a autofagia, a oncose
e a necrose. A apoptose é um processo de morte celular subordinado a controlos
genéticos muito restritos, com aspectos bioquímicos e morfológicos
característicos: atrofia celular, formação de vesículas (“blebbing”) membranares,
condensação da cromatina e formação de uma “escada” de ADN com múltiplos
O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 20
Miléna Batista 2010
fragmentos resultantes da clivagem do ADN nas zonas internucleossómicas. As
caspases implicadas na apoptose são classificadas em iniciadoras (ex: caspases
8, 9 e 10) e efectoras (ex: caspases 3, 6 e 7). A clivagem proteolítica das
procaspases é uma etapa essencial na activação da caspase iniciadora que vai
ser amplificada pela activação sequencial em cascata. (25)
De uma forma geral, a apoptose pode ser dividida em duas vias distintas: a
via extrínseca (através de receptores de morte, DR - “death receptor”) e a via
intrínseca (mitocondrial).(8, 20, 25) Os DR são receptores da superfície da membrana
celular que desencadeiam a apoptose mediante a interacção com o seu ligando
específico.(20) De entre eles destacam-se: Fas (CD95 ou Apo1), o receptor do
factor de necrose tumoral (“Tumor necrosis factor-α receptor” - TNFR), o DR3
(também designado por Apo3, WSL-1, TRAMP ou LARD), o DR4, ou o DR5
(também designado por Apo2, TRAIL-R2, TRICK2 ou KILLER).(25-26) Ambas as
vias apoptóticas vão ser activadas pelas caspases, sendo a primeira activada pela
caspase 8 e a segunda pela caspase 9.(25)
Na via extrínseca, a activação do DR (Fas) pela interacção com o seu
ligando Fas (FasL - “Fas Ligand”) induz uma agregação de receptores e a
formação de um complexo de sinalização indutor de morte (DISC – Death-
Inducing Signaling Complex). O complexo recruta a procaspase 8, via Fas-
associated death domain (FADD), resultando a activação da caspase 8. Esta
caspase activada cliva e activa directamente a caspase 3 que, por sua vez, cliva
outras caspases.(20, 25) A caspase 3 activada, cliva a poli (ADP-ribose) polimerase
(PARP), a qual é determinante no processo apoptótico.(8)
No mecanismo intrínseco, a mitocôndria é um organelo central na
sinalização da morte celular, através da sua capacidade de regulação
O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 21
Miléna Batista 2010
diferenciada do movimento de proteínas pró-apoptóticas (Ex: Bax) e anti-
apoptóticas (como o Bcl2) no seu espaço intermembranar, dependendo do tipo de
estímulo. (26-27) Os danos no ADN e o stress oxidativo são exemplos clássicos de
sinais que podem activar a via apoptótica mitocondrial. Estes sinais de stresse
geralmente resultam na ruptura da membrana mitocondrial e libertação de
proteínas internas como o citocromo c, um factor crucial no processo de
apoptose.(20) Ocorre a dissipação do potencial de membrana mitocondrial e a
redistribuição do citocromo c do espaço intermembranar para o citosol,
possibilitando a activação da caspase 9. Posteriormente, o citocromo c libertado,
em conjunto com uma proteína reguladora, Apaf-1, e a caspase 9, clivam a
caspase 3, activando-a. (8) Portanto, as caspases 8 e 9 activadas, activam
caspases efectoras, as quais por sua vez vão clivar uma série de proteínas
celulares, nomeadamente, proteínas estruturais, proteínas nucleares, proteínas
do citoesqueleto e moléculas de sinalização.(25)
Além disso, os membros da família de proteínas Bcl2 (anti-apoptótica) são
decisivos no controlo da apoptose mediado pela mitocôndria: o Bcl2 e os seus
homólogos são capazes de interromper as perturbações na membrana
mitocondrial e a libertação do citocromo c, e de outros factores apoptóticos.
Contrariamente, o Bax (pró-apoptótico) promove todos esses eventos. O balanço
entre Bcl2/Bax, as duas proteínas antagonistas, é considerado um critério
decisório na morte celular programada.(8)
Recentemente tem sido publicado um número considerável de estudos que
estabelecem uma relação entre fitoquímicos alimentares e apoptose.(20) A indução
da apoptose pode eliminar completamente células geneticamente danificadas de
um tecido.(4) Em grande parte dos fitoquímicos têm sido observados efeitos na
O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 22
Miléna Batista 2010
regulação das vias intrínsecas da apoptose.(8) É o caso da EGCG que
demonstrou, em numerosas linhas celulares, aumentar a caspase 9 e a Bax,
modular membros da família de proteínas Bcl2, e aumentar o Fas. De igual modo,
a quercetina, a genisteína e a apigenina revelaram induzir a apoptose em várias
células cancerígenas. Através de resultados obtidos em diversos estudos com
modelos de animais, praticamente todos os fitoquímicos mencionados
anteriormente demonstraram retardar o desenvovimento de tumores.(20) Várias
outras classes de fitoquímicos, incluindo compostos organosulfurados
provenientes do alho (Allium sativum) e isotiocianatos, têm demonstrado a
capacidade de induzir apoptose em linhas celulares. Num estudo experimental,
verificou-se que a administração oral do glucosinolato sinigrina (o precursor do
isotiocianto de alilo) na sua forma pura ou através de couves de Bruxelas cruas
(brassica oleracea var. gemmifera) ricas em sinigrina leva a uma amplificação da
resposta apoptótica ocorrida nas criptas colorectais 24 horas após a exposição a
um carcinogénio químico, o 1,2 dimetilhidrazina. Quer nos modelos animais, quer
em indivíduos, um elevado nível de ocorrência de processos apoptóticos nas
criptas torna-se um factor protector contra a neoplasia colo-rectal. Constatou-se
que o sumo de couve de Bruxelas exerce os mesmos efeitos anti-proliferativos do
isotiocianto de alilo in vitro, embora não contenha o mesmo composto na forma
livre. Ainda não está bem esclarecido quais serão os produtos secundários e
metabolitos na couve-de-bruxelas responsáveis por esta actividade biológica, mas
alguns produtos já estão identificados.(4)
Muitos fitoquímicos evidenciaram a capacidade de induzir a paragem do
ciclo celular. É o caso dos isotiocianatos, dos flavonóides, dos polifenóis, dos
estilbenos, das antocianidinas e das procianidinas – todos eles causaram a
O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 23
Miléna Batista 2010
paragem de G2/M em numerosas linhas celulares.(20) Os genes que controlam o
ciclo celular sofrem, muitas vezes, mutações que resultam na proliferação
contínua das células “transformadas”. Por exemplo, mutações no gene p27 são
comuns na maioria dos tumores pancreáticos; da mesma maneira, a maioria dos
cancros do cólon exibem mutações no gene p53.(8)
4.3 Bloquear a fase de progressão da carcinogénese
4.3.1 Inibição da angiogénese
A angiogénese, a formação de novos vasos a partir de uma rede vascular
pré-existente, é um processo decisivo em diversas doenças, em concreto o
cancro.(28) A angiogénese tumoral é um dos processos-chave no microambiente
tumoral, e portanto, controlar este processo é uma estratégia importante na
prevenção de cancros invasivos(5, 29). De entre os fitoquímicos mais estudados na
modulação da angiogénese encontram-se a EGCG, o resveratrol e a
curcumina.(28) Muitas moléculas reguladoras da angiogénese foram identificadas e
caracterizadas recentemente, incluindo o factor de crescimento Vascular
Endothelial Growth Factor (VEGF). No microambiente tumoral, as células
progenitoras endoteliais (“endothelial progenitor cells” - EPC) também têm um
papel preponderante na angiogénese tumoral. A mobilização de EPC a partir da
medula óssea para o sangue periférico é regulada por citocinas derivadas do
tumor. Em resposta a estas citocinas, a EPC pode contribuir para a angiogénese
tumoral e o crescimento de certos tumores. Desta forma, a EPC é considerada
um importante alvo para a terapia anti-angiogénica. Estratégias que bloqueiam a
mobilização da EPC para a circulação sanguínea poderão fornecer uma nova
abordagem na inibição da angiogénese tumoral. Durante a angiogénese, a
O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 24
Miléna Batista 2010
sinalização do VEGF é mediada pelo ligando dependente da via de sinalização da
cínase do trifosfato de inositol (PI3K-Akt). A cínase Akt tem um papel central nas
células endoteliais maduras. A activação de Akt promove a sobrevivência da
célula pela inibição da apoptose e intervém na indução da migração do VEGF na
célula endotelial. Novas evidências sobre o mecanismo pelo qual a EGCG inibe a
angiogénese tumoral sugerem que a EGCG inibe a migração celular do VEGF
nas células endoteliais associadas ao tumor e nas células progenitoras
endoteliais, mas não nas células endoteliais normais. Além disso, demonstrou-se
que a EGCG inibe a via de sinalização da PI3K-Akt, através da inibição da
fosforilação da Akt, especificamente nas células endoteliais associadas ao tumor,
mas não nas células endoteliais normais. Desta forma existe a possibilidade de
usar a EGCG, seja como um agente isolado, seja como co-adjuvante de
tratamentos anti-cancerígenos, por períodos relativamente longos, uma vez que
não é tóxica para células normais.(29) No que diz respeito ao resveratrol, ele tem
demonstrado efeitos na diminuição da produção de VEGF e da interleucina-8.(28)
Além disso, o seu efeito protector nas células vasculares é muitas vezes apontado
como estando relacionado ao sequestro de ROS.(13, 28) Curiosamente, o peróxido
de hidrogénio também parece ser crucial na angiogénese, induzindo a expressão
de mediadores angiogénicos como o VEGF. As ROS também são produzidas
pelas células endoteliais em resposta a estímulos com factores de crescimento,
tal como o VEGF. Deste modo, alguns dados indicam que as propriedades
sequestradoras do resveratrol poderão contribuir para o seu efeito anti-
angiogénico.(28) O efeito da curcumina no crescimento tumoral também tem sido
estudado. A curcumina demonstrou prevenir totalmente a indução da síntese de
VEGF e poderá também afectar a angiogénese através de outros factores de
O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 25
Miléna Batista 2010
crescimento. Num estudo em ratos foi referido que a curcumina inibiu o factor
básico do crescimento dos fibroblastos (“Basic fibroblast growth factor” – bFGF).(5,
28)
5. Biodisponibilidade dos fitoquímicos
Apesar da extensa literatura sobre a actividade anticancerígena dos
fitoquímicos alimentares, a importância fundamental da sua biodisponibilidade e
do seu metabolismo tem sido por vezes negligenciada. De acordo com as
declarações emitidas pelo Grupo de Trabalho de Quimioprevenção americano,
um dos principais aspectos de um potencial agente quimiopreventivo é a sua
“segurança”: deve ser administrado em doses muito mais reduzidas
comparativamente às de um fármaco quimiopreventivo, uma vez que os
indivíduos “receptores” poderão ser “saudáveis”. No entanto, a partir de uma
apreciação da literatura, parece claro que as concentrações dos agentes
quimiopreventivos geralmente descritas nos artigos científicos, encontram-se
dentro de um intervalo semelhante ou superior ao das doses farmacológicas. (2)
Apesar de alguns estudos estimarem uma média de ingestão total de
1g/dia de compostos fenólicos na alimentação humana, torna-se extremamente
difícil calcular com precisão a ingestão desses compostos.(2) Para avaliar a
ingestão são necessários registos alimentares e tabelas de composição alimentar
para os fitoquímicos. Porém, esta abordagem apresenta um número de
limitações, inerentes às dificuldades de avaliar ingestões alimentares e a carência
de tabelas detalhadas de composição alimentar para os fitoquímicos. Os métodos
mais comuns para estimar a ingestão baseiam-se em questionários de frequência
alimentar ou a recordação das 24 horas precedentes repetidos, mas a precisão
desses questionários e dos auto-relatos ainda é incerto. Várias tabelas de
O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 26
Miléna Batista 2010
composição alimentar para os fitoquímicos têm sido elaboradas nos últimos anos.
Incluem-se, por exemplo, as diferentes bases de dados do Departamento de
Agricultura da América, a base de dados “Phenol-Explorer” para todos os
compostos fenólicos, inclusive os ácidos fenólicos, etc. No entanto, estas bases
de dados ainda estão incompletas tendo em conta a diversidade considerável de
fitoquímicos nas plantas.(2) Vários parâmetros têm um profundo impacto nos
níveis de fitoquímicos nos alimentos, tais como, genéticos, factores ambientais
(incluindo local de produção ou práticas agrícolas), processamento alimentar e
armazenamento.(2, 5)
Visto que as propriedades dos compostos fenólicos dependem da sua
biodisponibillidade, torna-se imperativo investigar esta questão antes de analisar a
sua eficácia quimiopreventiva.(2) Tal como foi referido no início, a maioria dos
compostos fenólicos estão armazenados nas plantas conjugados a um grupo
glicosídico, sendo que este pode variar no seu grau de polimerização. Embora
tenha sido observado em ratos a absorção de compostos fenólicos através do
estômago, o local predominante de absorção no ser humano ocorre no intestino.
A extensão da absorção intestinal, por exemplo, da quercetina, que ocorre nos
frutos na sua forma glicosídica, rutina, é determinada pelo tipo de glicosídeo.(10)
De facto, as diferentes estruturas químicas dos compostos fenólicos determinam
a sua selectividade na absorção intestinal. No entanto, apesar dos compostos
fenólicos estarem geralmente presentes no intestino delgado na forma de
derivados glicosilados,(2) estes geralmente não são encontrados no plasma, na
urina e nos tecidos, porque para permitir a sua passagem pela barreira intestinal,
as glicosidases removem a parte glucídica.(10) Os níveis plasmáticos e urinários
representam bons marcadores para verificar a biodisponibilidade dos compostos
O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 27
Miléna Batista 2010
fenólicos e dos seus metabolitos. De uma maneira geral, menos de 10% dos
compostos fenólicos (ou dos seus metabolitos) ingeridos são detectados na urina
e no plasma, onde as concentrações dificilmente atingem 1 μM.(2) Após a hidrólise
pelas glicosidases e correspondente formação das agliconas, os compostos
fenólicos são submetidos ao mesmo processo de biotransformação dos fármacos:
são conjugados por metilação, sulfatação, glucuronidação ou uma combinação
dos anteriores.(2, 30) Este processo é um ponto crucial em termos de actividade
quimiopreventiva, ou seja, os conjugados podem alterar significativamente as
propriedades biológicas do composto original.(2) Os resultados de um estudo em
ratos indicaram que a ingestão de elevadas doses de quercetina origina uma
maior formação do composto conjugado, isoramnetina, o qual é ainda mais activo
na inibição da xantina oxídase do que a sua correspondente aglicona.(30)
Outro aspecto relevante é o facto de que, quando os compostos fenólicos
são administrados em doses farmacológicas (centenas de miligramas), ou
consumidos numa alimentação rica nesses mesmos compostos (superior a
1g/dose), eles podem rapidamente saturar as vias de conjugação, levando à
detecção de compostos não conjugados no plasma. Portanto, as concentrações
utilizadas influenciam, não só a qualidade e a quantidade das espécies em
circulação, mas também a distribuição dos compostos fenólicos e dos seus
respectivos metabolitos nos tecidos. De facto, enquanto que grandes doses são
metabolizadas no fígado, as pequenas doses são primeiramente metabolizadas
pela mucosa intestinal.
As concentrações sanguíneas de um composto fenólico não conjugado
(forma livre), ou dos seus metabolitos, não influenciam significativamente a
capacidade antioxidante do plasma. No entanto, quando a contribuição dos
O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 28
Miléna Batista 2010
compostos fenólicos alimentares (0,5-1g da alimentação) é considerada no seu
conjunto, o poder antioxidante no plasma aumenta para um valor situado entre 50
a 75 μM equivalentes de vitamina C. A baixa biodisponibilidade comum nos
compostos não conjugados, em conjunto com as complexas reacções de
transformação, torna difícil uma análise causa-efeito. Pelo contrário, quando
ingeridos através do alimento, a “combinação” dos fitoquímicos antioxidantes
pode sugerir um fundamento para a quimioprevenção.(2)
5.1 Biodisponibilidade da EGCG, da curcumina e dos isotiocianatos
A EGCG tem sido proposta como o mais activo constituinte responsável
pelos efeitos quimiopreventivos do chá verde. Dados recolhidos a partir de muitos
estudos clínicos, experimentais e epidemiológicos suportam claramente que o
consumo de chá verde pode diminuir a incidência de muitos tipos de cancro,
incluindo o gástrico, o esofágico, o colorectal, o pancreático, o pulmonar, o da
mama, o da próstata e o ovárico. Os mecanismos anticarcinogénicos têm sido
elucidados em vários modelos experimentais. A EGCG demonstrou actividade
sequestradora de radicais livres e capacidade de aumentar a destoxificação
através da indução selectiva ou modificação de enzimas da fase II.
Adicionalmente, a EGCG consegue inibir marcadores bioquímicos da iniciação e
promoção de tumores, inibindo assim o desenvolvimento e crescimento do
cancro. Embora a baixa biodisponibilidade sistémica(10) registada em modelos de
animais seja um obstáculo no que diz respeito à administração de EGCG, os seus
efeitos benéficos promissores convenceram os investigadores a conduzir estudos
em humanos. A investigação em humanos na área da farmacocinética indica que,
após a administração oral de EGCG, a qual apresenta baixa absorção intestinal,
encontram-se níveis séricos sub-micromolares ou dentro de intervalos
O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 29
Miléna Batista 2010
nanomolares, enquanto que as concentrações séricas fisiológicamente relevantes
estão a níveis micromolares (10-100 μM) Após a ingestão, a EGCG está
principalmente na forma livre e é seguidamente excretada pela urina como um
conjugado α-glucoronídeo ou sulfato. Além disso, observaram-se grandes
diferenças individuais nos níveis plasmáticos de EGCG. Portanto, os factores que
influenciam a biodisponibilidade e a biotransformação da EGCG ainda carecem
de esclarecimentos.
As múltiplas funções biológicas e as potenciais propriedades
anticancerígenas da curcumina (ex: açafrão-da-índia) têm sido amplamente
revistas. As actividades da curcumina incluem efeitos anti-inflamatórios,
anti.angiogénicos, anti-oxidativos, entre outros. É de salientar que a sua
capacidade de prevenir e inibir a tumorigénese em diferentes órgãos tem sido
confirmada em vários modelos com ratos. A curcumina consegue inibir a
actividade das isoenzimas do citocromo P450 da fase I, resultando na diminuição
da activação metabólica de compostos carcinogéneos. Contrariamente, a
curcumina tem a capacidade de induzir as enzimas GST destoxificadoras da fase
II. Dado que algumas das “enzimas–alvo” destoxificadoras exibem polimorfismos,
a influência da variação genética nos efeitos quimiopreventivos da curcumina
necessitam de adicionais avaliações. Após uma administração oral, a curcumina
exibe baixa biodisponibilidade sistémica. Esta característica farmacocinética da
curcumina é o resultado de uma baixa absorção e de consideráveis conjugações
metabólicas. A partir de estudos no ser humano verificou-se que as
concentrações de curcumina, após uma administração oral, eram apenas na
ordem dos nanomolares no plasma, e no tecido hepático, não era detectável. Na
maioria dos estudos in vitro, as concentrações detectadas para a obtenção dos
O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 30
Miléna Batista 2010
efeitos biológicos da curcumina, eram na ordem dos 5-50 μM. Embora as
concentrações séricas da curcumina sejam consideravelmente baixas, os estudos
em modelos com animais reportam que a administração oral da curcumina pode
exercer actividades biológicas no local de absorção. É importante destacar que a
curcumina deve persistir nos tecidos-alvo para exibir os seus efeitos protectores
contra o cancro.
Os isotiocianatos, os metabolitos biologicamente activos dos
glucosinolatos, encontram-se abundantemente nos vegetais crucíferos como os
brócolos, agriões e couves (couve-flor, couves de Bruxelas). Dados
epidemiológicos obtidos a partir de modelos com animais evidenciam que os
isotiocianatos poderão prevenir ou atrasar a progressão do cancro do pulmão, do
pâncreas, da bexiga, da próstata, dos ovários, da pele, do estômago e do cólon.
De entre os isotiocianatos, o sulforafano (produto da hidrólise da glucorafanina) e
o fenetil-isotiocianato (“Phenethyl isothiocyanate” - PEITC; produto da hidrólise da
gluconasturtina) são os indutores mais eficazes das enzimas de defesa celulares
e destoxificadoras (como a GST, NQO1, “gamma-glutamylcysteine synthetase” (-
GCS) – sintétase da - Glutamil cisteína, HO1 e outras). Tal como explicado
anteriormente, estas enzimas antioxidantes/destoxificadoras da fase II são
“genes-alvo” do factor de transcrição Nrf2 via ARE. Os isotiocianatos também
modulam as actividades de outros factores de transcrição nucleares decisivos tal
como o factor nuclear-kB (NF-kB) e o activador da proteína 1 (AP-1), os quais
estão envolvidos na apoptose e nos processos de proliferação, assim como de
transformação de células malignas. Dados oriundos de estudos farmacocinéticos
pré-clínicos em modelos com ratos revelaram que as concentrações séricas de
sulforafano eram suficientemente elevadas para exercerem um efeito protector
O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 31
Miléna Batista 2010
contra o cancro. Resultados semelhantes foram obtidos em estudos com
indivíduos.(14)
6. Efeitos sinérgicos dos fitoquímicos
Recentemente têm surgido evidências de que, combinações específicas de
fitoquímicos, podem ser de longe mais protectoras contra o cancro do que os
compostos isolados. Numerosos estudos têm vindo a salientar o efeito
quimiopreventivo de misturas de compostos fenólicos(11) provenientes do chá
verde ou de outras fontes alimentares. Foi descrito que a epicatequina aumentou
a indução da apoptose pela EGCG e inibiu a libertação do TNF-α. Os resultados
deste estudo indicam que, em resultado dos efeitos sinérgicos entre os
compostos fenólicos do chá verde, o chá é uma mistura mais eficiente para a
prevenção do cancro do que a suplementação de EGCG. Curiosamente,
observou-se que a catalase bloqueou o efeito sinérgico da epicatequina e da
EGCG, sugerindo que a produção de peróxido de hidrogénio e das ROS estão
envolvidas no mecanismo de sinergia. Os potenciais efeitos sinérgicos entre os
compostos fenólicos e outros fitoquímicos também foram investigados.
Estudos sobre o efeito da combinação de isotiocianatos e indóis
(fitoquímicos presentes nos vegetais crucíferos), demonstraram que os efeitos
sinérgicos podem depender das condições experimentais e das concentrações. A
combinação de outros dois fitoquímicos das crucíferas, o indol-3-carbinol e o
crambe, foi estudada em ratos, tendo sido observado que o grupo experimental
submetido a uma dose elevada ficou protegido contra a toxicidade induzida pela
aflatoxina B1, mostrando efeitos sinérgicos, enquanto que no grupo submetido a
uma baixa dose não foram observados efeitos. Também têm sido registados
efeitos sinérgicos de alimentos e de outras misturas complexas. Em recentes
O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 32
Miléna Batista 2010
estudos com animais, nos quais se avaliou o efeito da ingestão de vegetais na
modulação da expressão de genes, foi descoberto que a maioria dos genes que
foram expressos de forma distinta antes e depois da ingestão dos vegetais,
representaram alterações na expressão que poderiam ser interpretadas como um
efeito preventivo contra o cancro. Além disso, os resultados destes estudos
indicaram que, o efeito de quatro vegetais isolados nas alterações da expressão
de genes no cólon e pulmão de ratos, diferiu do efeito da mistura dos quatro
vegetais. Adicionalmente, a mistura dos vegetais apresentou capacidade de
modular genes que não foram significativamente modulados por um dos
específicos vegetais presentes na mistura. (31) Portanto, a associação de várias
moléculas (como naturalmente acontece nos alimentos) poderá ser mais eficaz na
prevenção do cancro do que compostos isolados. Estes aspectos originaram o
desenvolvimento da “quimioprevenção combinada” no sentido de que, baixas
doses de agentes quimiopreventivos, diferindo no modo de acção, podem
aumentar a eficácia e reduzir a toxicidade, gerando um efeito sinérgico.
Discussão e Conclusões
O tema desta monografia é com certeza uma área de estudo complexa e
sinuosa, porém motivadora e aliciante. A pesquisa realizada permitiu-me indagar
diversos ramos da ciência, concretamente, Biologia celular, Genética, Patologia,
Bioquímica, Toxicologia, Fisiologia, etc. Reafirmei a minha convicção de que
conseguir atingir novas etapas no conhecimento é gratificante.
Neste trabalho foram apresentados apenas alguns dos mecanismos
biológicos geralmente mais observados em determinados fitoquímicos. Contudo,
esses exemplos ilustram o enorme potencial destes compostos na modulação do
processo carcinogénico.
O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 33
Miléna Batista 2010
Da mesma forma que muitos estudos demonstram claramente que os
fitoquímicos são altamente eficazes a impedir o desenvolvimento do cancro em
cada fase da carcinogénese, também se constata que estes agentes são
protectores para as células ditas “normais”. O exacto mecanismo do efeito
diferencial entre células “normais” e “anormais” que os fitoquímicos evidenciam,
não está completamente esclarecido, mas pensa-se ser o resultado da
capacidade destes compostos de induzir ou suprimir de forma diferenciada certos
eventos celulares, assim como de regular através da transcrição, a actividade de
vários genes de defesa.
O conhecimento dos mecanismos moleculares subjacentes aos efeitos
sinérgicos dos fitoquímicos ainda é limitado, mas parece que muitos fitoquímicos
agem sinergicamente, o que poderá explicar a razão pela qual alguns alimentos
mostram efeitos preventivos contra o cancro que não são explicados com base
nos compostos bioactivos individuais.
Paradoxalmente, a preparação quimiopreventiva mais eficaz é a
alimentação. As várias centenas de compostos presentes nos alimentos diferem
na estrutura molecular, na estabilidade, na solubilidade, no metabolismo e na
absorção. Eles são submetidos a actividades sinérgicas e/ou competitivas que
não podem ser simplesmente reproduzidas num fármaco.
Embora os modelos de culturas celulares in vitro e de animais têm
demonstrado a eficácia quimiopreventiva de numerosos fitoquímicos, o efeito
protector desses agentes no risco de cancro nos seres humanos ainda não está
estabelecido de forma conclusiva. Estas inconsistências parecem reflectir a
natureza complexa dos alimentos e dos sistemas biológicos (i. e., os seres
humanos).
O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 34
Miléna Batista 2010
Do mesmo modo que os efeitos benéficos destes agentes estão muito bem
estudados, os possíveis efeitos tóxicos estão a ser destrinçados a passos largos.
Desta forma, uma predição bem sucedida das consequências do consumo destes
fitoquímicos por parte do ser humano só irá ser possível depois de se traçarem
doses apropriadas e de se atenderem às questões da segurança. Portanto,
deparam-se muitas pedras no caminho que têm de ser transpostas antes do uso
bem sucedido dos putativos agentes quimiopreventivos no ser humano. Contudo,
entender os mecanismos de acção dos fitoquímicos será um auxílio para esse
esforço, uma vez que a maior parte desses compostos são uma parte integral da
nossa alimentação. Em termos de saúde pública, a erradicação do cancro nos
países ocidentais representa uma das missões científicas do novo milénio.
Uma pequena história da medicina:
Eu tenho uma otalgia…
2000 A.C. – Toma, come esta raiz.
1000 D.C. – Essa raiz é paganismo. Toma, diz esta reza.
1850 D.C. – Essa reza é superstição. Toma, bebe esta poção.
1940 D.C. – Esta poção é banha da cobra. Toma, engole este comprimido.
1985 D.C. – Esse comprimido é ineficaz. Toma, ingere este antibiótico.
2000 D.C. – Esse antibiótico é artificial. Toma, come esta raiz.
Traduzido a partir de (1)
O papel dos Fitoquímicos na quimioprevenção do cancro 35
Miléna Batista 2010
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Índice de Anexos
Anexo 1 – Principais classes de fitoquímicos nos alimentos ................................ 39
Anexo 2 – Subclasses de terpenóides ................................................................. 42
Anexo 3 - Via de sinalização do factor de transcrição Nrf2 .................................. 44
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Anexo 1 – Principais classes de fitoquímicos nos
alimentos
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Anexo 2 – Subclasses de terpenóides
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Subclasses de terpenóides provenientes de unidades precursoras isoprénicas
Nº de unidades
isoprénicas C5
Nº de átomos de carbono
da cadeia principal Nome da subclasse
2 10 Monoterpenos
3 15 Sesquiterpenos
4 20 Diterpenos
5 25 Sesterpenos
6 30 Triterpenos
8 40 Tetraterpenos
n n Polisoprenos
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Anexo 3 - Via de sinalização do factor de transcrição Nrf2
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