O papel e a visao de ciência no debate criacionismo x evolucionismo

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    O Papel e a Visão de Ciência no Debate Criacionismo xEvolucionismo

    HALLER E.S. SCHÜNEMANN1 

    A relação entre Ciência e Religião mais presente na mídia é o conflito entre

    criacionistas e evolucionistas. A apresentação do tema normalmente contrapõe de um

    lado os fundamentalistas cristãos defensores do Criacionismo e de outro lado os ateus,

    normalmente cientistas envolvidos em divulgação científica. A exploração de um

    conflito “natural” entre a Ciência e Religião tem rendido bastante atenção do grande

    público ao tema, mas representa uma visão bastante tendenciosa e limitada sobre aquestão. Nesse texto, pretendemos demonstrar que o debate normalmente chamado

    Criacionismo x Evolucionismo  não está a rigor, no âmbito da Ciência, em sentido

    estrito, mas sim no campo das ideologias, que necessitam do fator Ciência para se

    legitimar perante a sociedade. Em especial, desejamos demonstrar como o ateísmo

    militante, tem se apropriado da Teoria da Evolução Biológica elaborada por Darwin na

    construção do conflito entre Ciência e Religião.

    Assim, nesse texto, propomos primeiro uma discussão sobre a temática Ciência eReligião. Em segundo lugar, discutiremos a importância da Ciência, na sociedade atual

    e o uso da Ciência pelo ateísmo militante. Por fim, pretendemos discutir as implicações

    desse debate para a Ciência.

    Relação entre Ciência e Religião

    Barbour (2000) propõe a existência de quatro modos de interação entre Ciência e

    Religião. São eles: Conflito, Independência, Diálogo e Integração. O modelo deConflito representa a idéia de que a Ciência e Religião são conhecimentos antagônicos.

    De um lado, teríamos os religiosos que veriam na Ciência um conhecimento perigoso

    que precisa ser combatido e de outro os cientistas que vem na Religião, nada mais que

    um conjunto de crenças errôneas, que não podem ser sustentadas, uma vez que a única

    forma de encontrar a verdade seria através da Ciência. Esse modo é talvez o mais

    popularizado como já vimos, embora, se analisarmos bem, veremos que o debate

    1 Doutor em Ciências Sociais e Religião /UMESP e Professor de Historia e Filosofia da Ciência/UNASP

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    Criacionismo X Evolucionismo está centrado em praticamente um único tema: a

    questão das origens do Universo e da Vida em todas as suas formas.

    O modelo da Independência pressupõe que Ciência e Religião são duas áreas de

    conhecimento totalmente distintas, considerando tanto seus métodos, quanto o seu

    conteúdo, eles tratam de assuntos distintos. É possível uma boa convivência entre as

    duas áreas, desde que cada uma permaneça em seu domínio. Assim, a Ciência lida com

    o real e a Religião com valores e crenças.

    O modelo de Diálogo difere pouco do anterior. A diferença principal é que nesse existe

    a proposta de aproximação. Mesmo reconhecendo que são domínios distintos, é possível

    estabelecer propostas de relação e aproximação. Podemos afirmar, que a aceitação de

    que membros religiosos participem de Comitê de Ética em Pesquisa aponta na direção

    de um diálogo. Nessa visão, a Religião, justamente por lidar com valores é solicitada a

    participar e dialogar com as buscas da Ciência.

    Por fim, no modelo de Integração, a idéia é que a Ciência e Religião se complementam

     justamente por que sendo distintas precisam uma da outra na compreensão da verdade.

    Nesse modelo as descobertas e teorias científicas devem ser incorporadas a Religião,

    bem como essa pode oferecer “insight” para o desenvolvimento da Ciência.

    Embora, bem consagrado o modelo proposto por Barbour, apresenta limitações. Ruse

    (2010) aponta que não é tão fácil classificar algumas relações, pois há diferença, da

    posição entre um olhar interno dos proponentes de um tema e aqueles que olham de

    fora. Essa posição é o que julgamos encontrar na relação entre o debate Criacionismo x

    Evolucionismo. Como já demonstramos em um artigo anterior (Schünemann, 2008) os

    criacionistas consideram que estão fazendo uma integração entre Ciência e Religião e

    não causando um conflito.

    O tema da relação entre Ciência e Religião precisa ser entendido como um tema

    filosófico contemporâneo, pois como Harrison (2007) afirma o conceito de religião foifixado somente no século XVII e Ciência no século XIX. Os caminhos de separação

    são recentes e estão intimamente relacionados ao discurso do Iluminismo Europeu

    (Harrison, 2007). O Iluminismo Europeu poderia ser pensando dentro do conceito de

    Habermas, como sendo um “projeto” que buscou construir as bases de uma nova ordem

    social fundamentada na racionalidade (Habermas, 2000). Dentro desse projeto racional,

    a Religião, em especial, pelo poder das instituições religiosas na política e na sociedade,

    foi vista como um grande mal a ser combatido. É importante, relembrar que embora

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    exista uma crítica a postulados religiosos, como pode ser observada em Candido, sátira

    escrita por Voltaire, o Iluminismo não era necessariamente um movimento ateu.

    Essa nova fundamentação para sociedade, na realidade se inicia já no fim do século XV

    com o Renascimento. Aos poucos essa filosofia racional se transforma em um “novo”

    conhecimento – a Ciência. Esse conhecimento não está relacionado necessariamente há

    uma visão de combater o conhecimento religioso. Por exemplo, Bacon (1988) propõe

    em sua obra o Novo Organum, uma chave para combater pressupostos filosóficos, mas

    via em seu novo método, uma forma de descobrir as “obras da Criação”. Mesmo como

    demonstra Harrison (2007), Lindenberg (2010) a crença religiosa não impediu

    importante descoberta do funcionamento da natureza e até foi a motivação para muitos

    pesquisadores. Esse dado está sendo posto apenas para destacarmos que aquilo que é

    hoje visto como a origem da Ciência não estava marcada por uma contraposição ao

    religioso, como de uma forma simplista é apresentado hoje.

    O Papel da Ciência na Sociedade Moderna

    É importante, contudo destacar que o avanço da Ciência possibilitou o desenvolvimento

    de inúmeras novas técnicas e máquinas. Estas foram interpretadas como benefícios

    trazidos pela Ciência. A Ciência passa a exercer um papel assim, cada vez mais central,

    no desenvolvimento econômico da sociedade capitalista. As descobertas da Física e da

    Química vão sendo percebidos pelo capitalismo como trazendo a possibilidade de novos

    negócios, em função da possibilidade de “transformar ciência em tecnologia vendável”.

    Assim, uma das razões pela qual observamos um aumento significativo do valor da

    Ciência na nossa sociedade, é pela forte associação que é feita das invenções modernas,

    como telefones, automóveis, computadores, que incorporam conceitos científicos na

    produção desses produtos.

    Há pelo menos outros dois elementos importantes ainda para entendermos a valorizaçãoda Ciência na sociedade atual. Recorremos primeiramente a Weber (1982). Ele

    descreve a respeito do fortalecimento da burocracia como forma legítima de poder na

    sociedade moderna. A burocracia, existente tanto no Estado como nas grandes

    corporações, tem uma necessidade constante de aumentar o controle dos processos para

    assegurar os seus objetivos de dominação. Não só as tecnologias de informação são

    importantes nesse sentido, como a busca de um controle racional e eficaz dos processos.

    Embora, a palavra burocracia, esteja atrelada no senso comum a papelada, essa visãoobscurece o verdadeiro sentido da burocracia que é o controle. O método científico

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     justamente a partir de sua racionalidade passa a ser visto como um elemento importante

    para estas instâncias burocráticas no desenvolvimento de seus controles. Não é sem

    razão, que encontramos na burocracia conceitos como “Administração Científica” ou

    “Pesquisa de Mercados”. Considerando que a educação escolar tem sido vista como

    fundamental dentro desse projeto de modernização da sociedade, a Ciência passa a

    integrar os currículos de forma a assegurar a incorporação da racionalidade e as novas

    descrições a respeito do mundo natural. Assim, no surgimento da ordem social

    moderna, a metodologia científica justamente centralizada na racionalidade oferece um

    tipo de conhecimento compatível com a burocracia emergente. Por tanto, no exercício

    moderno do poder legítimo, no qual a burocracia se torna cada vez mais totalizante, o

    conhecimento científico mais do que qualquer outro permitirá a concretização das novas

    relações de poder. O poder do Estado moderno passará cada vez mais a contar com os

    saberes produzidos em nome da Ciência para legitimar suas ações.

    O último aspecto que consideramos fundamental a apresentação para entendermos o

    papel da Ciência na sociedade moderna está baseado na análise de Giddens a respeito de

    Modernidade. Giddens (1991) considera a existência de múltiplas especialidades uma

    das principais características da contemporaneidade. Embora, ele coloca que essa

    especialização gere um conhecimento fragmentado e de difícil integração, ela também é

    geradora de um domínio aprofundado em cada especialidade. Isso confere aos

    especialistas um alto grau de confiança social. Na realidade, o que chamamos de

    Ciência é, de fato, um grande conjunto de especialidades, que tem em comum, o uso de

    uma metodologia racional. Nesse sentido, a Ciência, como um conjunto de

    especialidades, por assim dizer, receber o prestígio de cada uma dessas especialidades.

    Ao analisarmos as explicações dadas entre diferentes áreas da Ciência, podemos

    detectar divergências a respeito de muitos assuntos. Apenas a título de exemplo, se

    verificamos as explicações sobre comportamento criminoso a partir de “geneticistas” e“sociologistas” perceberemos que existem divergências sobre a existência ou não de

    uma “natureza criminosa”. Mesmo diante, dessas divergências, o uso da racionalidade

    como elemento constituinte desses saberes confere uma unidade e um prestígio comum.

    Diante do que apresentamos anteriormente, queremos destacar justamente que na

    sociedade atual, o saber chamado científico, possui várias fontes de legitimação, que o

    tornam o saber oficial para decidir, em especial, os comportamentos gerais da

    sociedade. Desta forma, é compreensível que as mais diversas áreas de conhecimento,que pretendam obter um status de confiabilidade na sociedade, almejem ser

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    reconhecidas como científicas. Diversas ideológicas políticas inclusive buscaram o

    adjetivo de “científico” para tornar mais legítima na sociedade moderna as suas

    propostas.

    Consideramos, que esse breve quadro descrito anteriormente nos possibilidade entender

    o por quê existe um conflito entre “Criacionistas” e “Evolucionistas” em relação ao uso

    da Ciência em seu debate. Justificar a posição filosófica a partir do uso da Ciência é

    uma forma de tentar legitimar e alcançar mais prestígios na sociedade. Como já

    analisamos em um artigo a posição dos Criacionistas sobre o uso da Ciência, desejamos,

    nessa comunicação focar a posição dos Evolucionistas no uso da Ciência. Apenas a

    título de recordação, desejamos destacar que aqui estaremos tratando apenas dos

    “evolucionistas ateus”, que compõe a parte mais militante na construção de uma ideia

    da existência de um conflito entre Ciência e Religião.

    Ateísmo

    O ateísmo é um movimento filosófico bastante antigo, pelo menos no Ocidente.

    Encontramos já entre os antigos gregos, a proposta dos atomistas, que viam na Natureza

    o fim último e capaz de se autoexplicar sem nenhuma referência aos deuses ou a um

    Deus supremo. As principais correntes filosóficas gregas que dominam na Antiguidade

    o epicurismo e o estoicismo não poderiam ser considerar ateístas. Embora, o epicurismo

    negasse a importância dos deuses. Evidentemente, depois que a Igreja Católica se

    tornou o poder absoluto no Ocidente, ideias ateístas ficaram sem espaço de veiculação.

    Os debates filosóficos medievais sobre as provas da existência divina nos sugerem que

    havia dúvidas e questões, que eram articuladas de forma discreta, mas que levava a

    necessidade de produzir argumentos de combate às dúvidas.

    É somente com o Renascimento e a Reforma Protestante, que aos poucos, a Filosofia

    vai se afastando do pensamento oficial do cristianismo. Assim, as ideias sobre Deus e areligião vão sendo questionadas e reelaboradas. Um desses questionamentos é o deísmo,

    que marca boa parte do pensamento dos iluministas e distância Deus da vida cotidiana.

    Somente, a partir do século XIX, começamos a encontrar filósofos que se declaram

    ateus. Um dos primeiros foram Schopenhauer. Contudo, em pouco tempo vários

    filósofos começam a defender uma visão ateísta de mundo, bem como aos poucos essa

    posição vai se tornando mais comum na Ciência. Mesmo, que o ateísmo tenha avançado

    nos ciclos mais escolarizados das sociedades ocidentais, mesmo na maior parte dospaíses europeus, o ateísmo é reivindicado por minorias. É possível observar em

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    sociedade como a brasileira, ainda uma visão muito crítica e suspeita em relação aos

    ateus.

    Ainda podemos afirmar que o fortalecimento de movimentos fundamentalistas

    religiosos nos últimos anos tem desencadeado uma nova onda de ateísmo militante.

    Entre os principais expoentes desse ateísmo militante temos Richard Dawkins, Daniel

    Dennett, Sam Harris e Cristopher Hitchens. Uma parte desses autores ataca a religião

    diretamente, enquanto outra parte utiliza o conhecimento científico no combate a

    religião. Nesse texto selecionamos dentro da nossa proposta apenas os autores que

    buscam na Ciência os argumentos contra a Religião.

    A Ciência contra a Religião – A visão ateísta

    A Teoria da Evolução Biológica proposta por Darwin indiscutivelmente gerou um forte

    impacto na religião cristã como um todo. Embora, vários pesquisadores cristãos, como

    Asa Gray, viram a possibilidade de conciliar a teoria da evolução biológica com a ideia

    de uma direção no processo evolutivo, de um modo geral o impacto foi no sentido de

    uma polarização (Rachels, 1990). Considerando que o século XIX como já

    apresentamos caracterizou-se por uma expansão do pensamento ateísta no mundo

    ocidental, a teoria da evolução biológica proposta por Darwin pareceu oferecer uma

    resposta científica para o ateísmo.

    Essa ideia pode ser bem observada no pensamento de Daniel Dennett (2000). Em sua

    obra  A Perigosa Ideia de Darwin, fica bem claro que ele associa a teoria biológica da

    Evolução como uma explicação totalmente completa para eliminar o sobrenatural. Mais

    do que isso, ele ainda considera que tal explicação científica, elimina qualquer

    possibilidade de o sobrenatural exista. Ele defender que a Teoria da Evolução Biológica

    por Darwin é tão perfeita, que ela elimina qualquer possibilidade de alguém inteligente

    possa só aceita-la parcialmente, ou associá-la a uma explicação religiosa. Dentro de suaargumentação, uma vez que a Ciência é completamente suficiente para explicar tudo

    através do naturalismo, a religião não pode ser considerada seriamente.

    Ao tratar do tema religião, ele considera todo o assunto como mera superstição infantil.

    Ele chega associar a crença em Deus, a acreditar em papai Noel. Embora, ele reconheça

    que existam cientistas que aceitem a evolução e que sejam religiosos, ele demonstra

    ampla hostilidade a esse grupo, pois como já afirmarmos em sua argumentação, a

    metodologia científica é a única resposta totalmente válida. É possível perceber que eledefende vigorosamente, que uma vez a Ciência sendo capaz de explicar a origem da

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    vida e do universo, a partir de modelos materialistas, é uma consequência óbvia por que

    o sobrenatural não existe. É interessante inclusive, que ele seleciona de um modo geral,

    os piores comportamentos religiosos, como se fossem únicos e exclusivos. Voltando a

    questão puramente da Ciência e materialismo, ele associa que considerando que a

    metodologia científica é materialista, toda realidade também está determinada por esse

    nível.

    O mais conhecido cientista atual conhecido por associar Ciência e ateísmo é Richard

    Dawkins. Em sua obra O Relojoeiro Cego, Dawkins(2001) se propõe a demonstrar

    como a Teoria da Evolução Biológica proposta por Darwin explica perfeitamente a

    diversidade da natureza, tendo como objetivo explicito em seu título refutar a

    argumentação da existência de Deus, em função do desígnio existente na natureza.

    Richard Dawkins (2007) acentua o foco do uso da Ciência contra a Religião em seu

    livro  Deus um Delirio. Ao tratar da evolução biológica ele afirma que: “Ela destrói a

    ilusão do design dentro do domínio da biologia e nos incita a desconfiar de qualquer

    hipótese de design também na física e na cosmologia.” (Dawkins, 2007, p.161).

    Em sua obra O Gene Egoísta  Dawkins (2008) considera qualquer questão sobre o

    significado da vida só pode ser entendi tendo em vista que a teoria da evolução

    biológica proposta por Darwin traz a resposta definitiva. Inclusive considera que a

    Filosofia e as Ciências Sociais que não forem baseadas na teoria da evolução biológica

    não podem ser levadas a sério, quando apresentam qualquer estudo a respeito do ser

    humano.

    Discussão

    Não temos intenção aqui de julgar os argumentos propostos em termos científicos.

    Contudo, podemos observar que a argumentação proposta é que o ateísmo teria uma

    base científica para sua crença. Ou seja, se eu tenho meu conhecimento baseado naCiência necessariamente tenho de ser ateu.

    Nesse sentido, podemos afirmar que esses autores propõe uma total igualdade entre

    materialismo metodológico e metafísico. Peter Berger (1985) apresenta um importante

    aspecto de orientação aos estudos das ciências sociais. Ele sustenta o conceito de

    materialismo metodológico, que significa que a Ciência trabalha com uma metodologia

    limitada ao universo material e observável. Esse instrumental é necessário mesmo

    quando vamos estudar o fenômeno religioso nas ciências sociais. Nesse sentido, eleestá procurando destacar que o valor e o alcance da Ciência são dados por sua postura

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    metodológica, mas isso não é o mesmo que determinar a inexistência de uma realidade

    supranatural.

    Essa necessidade de separar um materialismo metodológico de um ateísmo filosófico,

    também é destacado por Ruse (2010). Ele ainda ressalta que mesmo Darwin, tão citado

    pelos ateus militantes, como tendo trazido a grande prova que encerra qualquer

    possibilidade de crença religosa, não defendia que sua teoria eliminava qualquer sentido

    da religião, ou que todos para aceitar sua teoria teriam de se converter ao ateísmo.

    Consideramos importante destacar que embora esses autores ateus tenham total direito

    de expressar suas convicções filosóficas, o uso da Ciência, por uma parte deles, é feita

    com o mesmo objetivo que vários grupos fundamentalistas religiosos tentam utilizar e

    desenvolver suas próprias pesquisas científicas para validar suas convicções religiosas

    pela Ciência.

    Paradoxalmente, podemos perceber que os ateus militantes adotam uma visão de

    Ciência dentro de uma visão claramente positivista, negando o próprio avanço da

    filosofia da Ciência, que procura entendê-la como um produto histórico e, também,

    marcado por interesses e limitações teóricas dos pesquisadores (Fourez, 1995). Ao

    brevemente tratarmos desse tema, desejamos ajudar a destacar que a polarização

    construída pela temática Criacionismo x Evolucionsimo, se mantém, por um uso

    indevido da Ciência. Tanto fundamentalistas religiosos, como ateus militantes, estão

    ainda imersos em uma concepção de Ciência que confere a ela uma poder “total” de

    legitimar suas crenças. Evidentemente, os criacionistas possuem uma crença religiosa,

    enquanto os ateus possuem uma posição filosófica. Nem a Religião, nem a Filosofia são

    conhecimentos inúteis ou equivocados por que não estão fundamentados na Ciência. A

    necessidade dos fundamentalistas religiosos demonstrar que suas crenças religiosas são

    totalmente compatíveis com a “verdadeira ciência” nos parece semelhante, a ação dos

    ateus militantes, que consideram que a “verdadeira ciência” só pode levar ao ateísmo.De alguma forma, o conflito entre Ciência e Religião está na falta de uma melhor

    apreciação da Ciência.

    A própria compreensão das limitações sócio-históricas do saber científico, nos pode

    ajudar a entender e se opor a que a Ciência seja usada indevidamente. O valor da

    Ciência está fundamentado justamente em sua flexibilidade e capacidade de alterar seus

    paradigmas quando necessários e permitir que várias ações e mudanças possam ser

    feitas para melhoria da qualidade de vida do ser humano. Não temos dúvidas que oconhecimento científico tem uma relação complexa com a religião. Primeiramente, por

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    que assim, como a Ciência é um conjunto de especialidades, a Religião também

    apresenta credos e práticas tão diferentes que muitas vezes é até difícil determinar o que

    são religiões ou não. Por tanto, consideramos que esse tipo de imagem de um conflito

    entre criacionistas x evolucionsitas, que é real, ser colocado sempre como a “típica”

    relação entre Ciência e Religião, acaba sendo algo vazio de sentido, e que não deveria

    ser incorporado pelos ciclos acadêmicos, uma vez que as relações são diferenciadas

    entre os campos da Ciência e as diversas crenças religiosas.

    Referências Bibliográficas:

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