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artigo do pcb em magé
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Trabalhadores à tribuna:
memória operária e atuação dos vereadores comunistas em Magé
Felipe Augusto dos Santos Ribeiro *1
Resumo: O período compreendido entre 1947 e 1964 foi uma época bastante rica em
experiências para os trabalhadores têxteis do município de Magé-RJ, tida por eles como um
tempo áureo, de muitas conquistas para a categoria, sobretudo via participação político-
sindical. Esse contexto coincidiu, justamente, com a ascensão do Partido Comunista do Brasil
(PCB) no município, tendo vários de seus militantes sido eleitos como diretores sindicais e
vereadores. Ao promoverem um elevado nível de organização e mobilização dos
trabalhadores locais, os comunistas conseguiram eleger, mesmo na clandestinidade, por meio
de outras legendas, um total de onze vereadores em Magé, grande parte deles operários
têxteis. Portanto, o presente trabalho tem por objetivo analisar a atuação dos vereadores
comunistas eleitos no período e suas implicações na memória dos tecelões mageenses.
Palavras-chave: Memória Operária; Partido Comunista do Brasil; História Política.
Abstract: The period between 1947 and 1964 was a time very rich in experience for the
textile workers of the municipality of Magé, state of Rio de Janeiro, regarded by them as a
golden time of many achievements for the category, especially via political and trade union
participation. This context has coincided precisely with the rise of the Partido Comunista do
Brasil (PCB) in the city, and several of its militants were elected as directors the union and
councilors. By promoting a high level of organization and mobilization of local workers, the
communists managed to elect, even clandestinely, through others political party, a total eleven
aldermen in Magé, most of them textile workers. Therefore, this study aims to analyze the
performance of the communist aldermen elected in the period and its implications in memory
the mageenses weavers.
Keywords: working memory; Partido Comunista do Brasil; Political History.
* Professor-tutor no Ensino a Distância da PUC-RJ, pesquisador auxiliar do Museu do Corpo de Fuzileiros Navais e Mestre em História Social pela FFP/UERJ. Autor da dissertação “Operários à tribuna: vereadores
comunistas e trabalhadores têxteis de Magé (1951-1964)”.
2
“O vereador comunista tem a função de manter o partido vivo, senão deixa de ter
representatividade na sociedade. Nossas candidaturas eram a manutenção da
esquerda dentro do processo político brasileiro. Nossos vereadores na câmara
fiscalizavam o prefeito e colaboravam com as leis que mais interessavam aos
trabalhadores (...)”. (JOSÉ RODRIGUES, 2006).
Desde as primeiras manifestações operárias que se tem notícia no município de Magé,
é possível perceber a influência dos comunistas, ainda que indiretamente. Antes mesmo da
década de 1940, eles já despontavam como protagonistas nas formas de organização e lutas da
classe trabalhadora mageense, sobretudo a têxtil.
Nessa trajetória, a chamada “Greve do Pano”, de 1918, foi motivada pelo sucesso da
Revolução Russa ocorrida no ano anterior; a Aliança Operária, apesar da proeminência
anarquista, passou paulatinamente a receber orientação comunista; e na própria fundação dos
sindicatos, ainda que sob forte repressão do período do Estado Novo, os militantes comunistas
participaram. Portanto, todos esses eventos podem ser considerados como um “início de luta”
dos trabalhadores mageenses por melhores condições de vida, marcando decisivamente seu
processo de acumulação política.
Em 1940, após sucessivos casos de malária em Magé, foi nomeado o Dr. Irun
Sant’Anna para combater a doença no município. Filiado ao Partido Comunista do Brasil
(PCB) desde a juventude, o médico surpreendeu-se ao encontrar as cinco fábricas de
tecidos que funcionavam na região e seu considerável contingente operário.2 Desde então,
passou a mesclar atividades médicas e políticas, tendo notabilizado-se tanto no combate à
doença, quanto na mobilização de operários ligados ao PCB, inclusive elegendo vários
deles vereadores na Câmara Municipal.
“Meio da Serra e Pau Grande deram votações tão esmagadoras ao Partido
Comunista na primeira eleição pós-guerra que a região era apelidada pelos
reacionários como o Moscouzinho de Magé enquanto pelo mesmo motivo, Santo
Aleixo e Andorinhas eram Stalingrado”. (SANT’ANNA, 1997: 155). 3
2 Em 1940, o município de Magé mantinha cinco estabelecimentos têxteis em funcionamento: as fábricas Santo Aleixo, Andorinhas, Pau Grande, Mageense e Cometa, cada uma com cerca de 450 operários; e sua população girava em torno de 23 mil habitantes. 3 O cognome “Moscouzinho” é bastante recorrente em matérias jornalísticas e em entrevistas de antigos operários de Santo Aleixo. O autor, no entanto, refere-se ao cognome mencionado numa alusão aos bairros operários de Pau Grande e Meio da Serra.
3
O próprio Dr. Irun afirmou ter encontrado “vários comunistas não organizados”
quando chegou a Magé, entre eles Germano Narciso, oriundo do movimento anarquista; José
Pereira Leal Neto, comunista atuante na década de 1930; José Muniz de Mello, que seria
eleito vereador em 1947; a família Câmara e o operário Feliciano Costa em Pau Grande; além
de José Rodrigues, José de Aquino Santana, Edna Nunes e tantos outros.
“(...) Em Magé já havia vários comunistas não organizados. (...) Quando cheguei
lá, eu encontrei o pessoal fazendo greve por melhoria das condições de trabalho e
salariais. Na época, me passaram uma figura mitológica chamada Agenor Araújo,
que eu nunca vi, não o conheci. Parecia que já estava morto, atuado anterior a
mim. Ele tinha tanto prestígio que diziam que ele batia na caixa do tear dele e a
fábrica parava toda. E aí um perguntava: ‘Por que, Agenor?’. [Ele respondia]
‘Não! Vamos parar por causa disso, tá um absurdo...’. Depois que ele explicava.
Tal prestígio dele era dessa maneira. Eu acho que não havia ainda sindicato, ou
estava demasiadamente policiado. Era ele quem comandava as greves. Isso foi o
que ficou pra mim na História”. (IRUN SANT’ANNA, 2006).
Além da figura marcante do tecelão Agenor Araújo, homenageado inclusive como
patrono de uma das células do PCB em Magé no período de legalidade, outros operários
também eram lembrados de forma recorrente, alguns deles oriundos da Aliança Operária.
Nesse sentido, verificamos que durante a primeira metade da década de 1940 foi
constituindo-se no município uma autêntica geração de operários, bastante politizada e forjada
a partir das reuniões clandestinas promovidas por Irun Sant’Anna. Como assistente do PCB
em Magé, era ele quem transmitia a linha política do partido, quem esclarecia dúvidas teóricas
e opinava sobre as tarefas momentâneas. Outrossim, nota-se que o médico comunista
instigava ao máximo a participação dos operários, levando-os inclusive a cargos dentro do
partido.
“(...) Das fileiras do Partido saíram inúmeros dirigentes sindicais e políticos
operários. Parece-nos melhores do que seriam. Pelo menos não fizeram mais tarde
o que fizeram de início. Por exemplo, um companheiro operário perguntou-nos nos
primórdios da organização partidária o seguinte: Se o imperialismo existia, onde
estava o imperador? E nós, pacientemente, tivemos que explicar que o imperialismo
era a palavra que Lenine tinha ido buscar no economês para caracterizar aquela
fase do capitalismo e que ela, a palavra, nada tinha a ver com a realeza imperial.
(...) Na minha opinião, os camaradas ficaram mais educados e politicamente mais
firmes”. (IRUN SANT’ANNA, 2006).
A força dessa geração deixou marcas significativas na história do movimento operário
mageense. Reunindo indivíduos com histórias de vida bem distintas, porém coletivamente
ligadas, essa geração de operários também apresentou contribuições de gerações anteriores. A
partir desses quadros de referência, aliado ao novo aprendizado via PCB, foram formuladas
4
orientações e avaliações que fundamentaram sua prática política, definida a partir dessa
vivência comum de experiências históricas específicas (PESSANHA, 1991: 70).
Em suma, destacamos a dimensão coletiva de determinadas biografias, aliada a
importância de tradições históricas integrantes da memória social de um grupo específico, no
caso os trabalhadores de Magé ligados ao PCB. Acreditamos que as experiências herdadas da
Greve do Pano, da Aliança Operária e do próprio contexto da fundação dos sindicatos,
passaram a constituir como bases para a avaliação e tomadas de posição frente às situações
vivenciadas no presente. Nesse contexto, indubitavelmente, a postura tomada por Dr. Irun
Sant’Anna na articulação dos comunistas mageenses tornou-se decisiva, sobretudo por não
renegar essas experiências anteriores, mas legitimando-as como parte do processo de
aprendizado desses trabalhadores.
Dessa forma, a efervescência comunista foi bastante intensa e promissora em Magé
entre as décadas de 1940 e 60, tanto que, ao passo que o PCB adquiriu notoriedade na política
mageense, cresceu sobremaneira a repressão aos seus militantes e às manifestações do
partido, mesmo após a conquista de sua legalidade partidária, em 1945.
A estratégia inicial dos comunistas mageenses, assim que o partido voltou à
legalidade, pós-Segunda Guerra Mundial, era a mobilização para eleger os primeiros
representantes do PCB nas eleições federais e estaduais. Enquanto isso, nos sindicatos de
Santo Aleixo e Pau Grande, o embate por espaço político com os primeiros dirigentes
progredia com dificuldades, já que a legislação trabalhista permitia, em última instância, o
controle do Ministério do Trabalho sobre as entidades sindicais por meio dos interventores.
Porém, já durante a primeira eleição municipal pós-Estado Novo, em 1947, foi
possível ter uma noção do capital político dos comunistas em Magé. Apesar do PCB ter sido
cassado poucos meses antes da eleição, os comunistas abrigaram-se na legenda do PTB e
elegeram todos os representantes do partido na Câmara de Vereadores, além do suplente, ou
seja, todos os representantes do PTB eram comunistas e oriundos do antigo PCB, formando a
segunda maior bancada no município.
Em relação à atuação desses vereadores comunistas no parlamento, são poucas as
fontes atinentes ao período. As atas referentes ao mandato da primeira bancada comunista
mageense não se encontra na Câmara Municipal de Magé e não se sabe onde encontrá-las,
talvez devido ao complicado processo de cassação movido contra os esses vereadores.
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Na medida em que a polícia política investigava e reprimia os operários ligados ao
PCB, o presidente da Câmara de Magé, Radamés Marzullo, realizava uma consulta ao
Procurador Regional Eleitoral, Guaracy Souto Mayor, submetendo a sua apreciação o
processo eleitoral que garantiu o mandato de vereadores notoriamente comunistas, porém
eleitos pela legenda do PTB. Em anexo, enviou cópias de diversas atas da Câmara em que
esses vereadores afirmavam claramente suas posições partidárias, assumindo-se como
comunistas. Atualmente, essas atas não se encontram no arquivo do legislativo mageense.
Entretanto, através de outras fontes, registra-se que os comunistas foram expulsos da
casa legislativa de forma violenta, tendo recorrido e voltado a exercerem seus mandatos,
sendo logo cassados definitivamente.
“(...) Grande acontecimento político teve lugar em 1948, com a cassação do
mandato dos vereadores comunistas (...). Os vereadores foram expulsos do recinto
de forma violenta. Recorreram, entretanto, à Assembléia Legislativa do Estado e
tiveram ganho de causa. No dia em que retornaram pra a posse, Marzullo fez
rodear a Câmara pela polícia (...). Os comunistas traziam cerca de 20 crianças na
sua frente. Quase teve lugar um incidente sangrento, contornado com bom senso. E
os vereadores reassumiram. Estes fatos tiveram ampla repercussão em todo
município”. (SANTOS, 1988: 125).
“(...) Fui candidato a vereador em Magé, fui eleito e cassado, violentamente
cassado. (...) Por ser comuna. Todos os argumentos eram esse. O partido estava na
ilegalidade, e eu fui candidato em outras legendas. Mas eles arranjaram um jeito de
me cassar por eu ser conhecido como comunista”. (IRUN SANT’ANNA, 2004).
A repressão aos comunistas não se restringiu àqueles com mandato eletivo na Câmara.
Em Magé, além dos vereadores cassados, diversos operários ligados ao PCB foram
perseguidos.
“Fui preso, tirado de dentro da fábrica, 6:30 da manhã, na época do Eurico Gaspar
Dutra, em 48, quando cassaram o Partido, me tiraram de dentro da fábrica, me
levaram para a delegacia e aí o ‘pau comeu’. Depois me botaram dentro de um
carro... me jogaram no mato e me bateram muito, depois me levaram pra Niterói, eu
fiquei lá três dias... eles batiam mesmo pra valer, não sei como é que agüentei tudo
isso!”. (PAULO LOPES, 2005).
De fato, esse período de repressão imprimiu marcas indeléveis na memória tanto dos
militantes do PCB mageense quanto dos trabalhadores têxteis locais, sobretudo após a
cassação dos vereadores comunistas na Câmara. Prova disso é que, desde então, eles passaram
a atuar de forma mais cautelosa, sem autodenominarem-se “comunistas”, pois foi essa a
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justificativa para a cassação dos mandatos: o fato daqueles vereadores assumirem-se como
tais, inclusive mediante reiterados discursos em plenário. Embora o objetivo fosse “eleger
comunistas conhecidos em todas as eleições”, os militantes do PCB em Magé passaram a
adotar um discurso mais agregador, evitando esbarrar na forte ideologia anticomunista da
época.
Apesar da cassação dos vereadores comunistas e da forte repressão empreendida pela
polícia política aos militantes do Partido Comunista do Brasil (PCB) em Magé, a legenda
manteve uma intensa atuação no município, reorganizando-se na clandestinidade e
mobilizando permanentemente os trabalhadores locais em torno de suas propostas. Vale
ressaltar que, de 1947 até 1964, o comunistas conseguiram eleger diversos vereadores na
Câmara de Magé, através da legenda de outros partidos, em todos os pleitos municipais. Ao
todo, foi contabilizado um total de onze vereadores comunistas empossados no período, em
sua grande maioria de operários têxteis.4
Uma das principais e mais eficazes estratégias dos comunistas mageenses era a
formação de comissões de operários. Elas configuraram como a base de mobilização do
partido e eram sempre fomentadas a partir da constatação de algum problema sentido pelos
trabalhadores do município, seja de âmbito mais específico ou abrangente, englobando desde
melhorias em seus locais de trabalho até o debate de grandes questões da agenda política
nacional.
De fato, essa prática não era nenhuma novidade na trajetória do movimento operário
em Magé, tendo sido utilizada por diversos grupos de trabalhadores locais, das mais variadas
influências. Entretanto, os comunistas fizeram dela uma constante, lançando mão dessa
estratégia de forma recorrente.
Nesse contexto, uma das campanhas de maior adesão operária em Magé foi a do
Abono de Natal. Lançando mão de um artifício que lembrava à época da Aliança Operária, os
comunistas trataram de organizar comissões de operários, uma para cada fábrica de tecidos,
4 Em 1947, foram eleitos o médico Irun Sant’Anna, o comerciante e ex-operário têxtil José Muniz de Melo (licenciado durante o mandato), os tecelões Feliciano Costa e Agenor dos Santos, e o ex-operário da Fábrica de Pólvora Argemiro da Cruz Araújo (suplente empossado durante o mandato). Em 1950, elegeram-se o eletricitário José Aquino de Santana, o tecelão Petronilho Alves (diplomado e empossado somente no final do mandato) e a tecelã Ilza Gouvea (suplente empossada no início do mandato). Em 1954, foi eleito o líder camponês e ex-operário têxtil Manoel Ferreira de Lima. Em 1958 e 1962, foram eleitos e reeleitos os operários Astério dos Santos e Darcy Câmara.
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que negociavam diretamente com os gerentes das empresas reivindicando um subsídio em
dinheiro, além do salário convencional, para o período de festas natalinas. Essa campanha
tornou-se bastante notória entre os trabalhadores mageenses.
“Nos anos 40, houve muita greve, surgindo inclusive um movimento dominante pelo
Abono de Natal. Fazia-se muita greve nas proximidades do Natal para se conseguir
o abono. Todo o ano aquilo se repetia e não se conseguia nada. Até que o Aarão
Steinbruch se elege deputado federal, pega o Abono de Natal e chama de décimo
terceiro, virou o décimo terceiro que está aí. Mas Magé, Santo Aleixo,
principalmente, e Pau Grande, todo ano parava por causa do Abono de Natal, que
já era uma reivindicação em Santo Aleixo há bastante tempo, desde os anos 40
(...)”. (IRUN SANT’ANNA, 2006).
“Naquele tempo ninguém sonhava com o 13º, e o Sindicato resolveu pedir Abono de
Natal; nós percorremos todas as fábricas, não ganhamos, mas já foi uma luta”.
(PAULO LOPES, 2005. grifo nosso).
Interessante observar como que a Campanha pelo Abono de Natal tornou-se recorrente
nos depoimentos dos antigos operários de Magé, sempre citada em um sentido de
continuidade, como início de uma luta que só seria levada a termo com a aprovação da Lei da
Gratificação de Natal, popularmente conhecida como Décimo Terceiro Salário, instituída em
1962, de autoria do então deputado federal Aarão Steinbruch, nome também sempre lembrado
pelos operários. No caso do depoimento do ex-operário Paulo Lopes, percebe-se a valorização
do Sindicato como porta-voz das conquistas, ainda que nesse período seus dirigentes não
tenham participado das comissões. Nesse caso, utiliza-se o termo “sindicato” de forma ampla,
não se referindo necessariamente a entidade em si.
Alcançando resultados eleitorais significativos, os comunistas se voltaram para a
disputa por capital político nos sindicatos têxteis mageenses, ao passo que também se
preocupava com a mobilização do operariado para a eleição de novos vereadores. Dessa
forma, deram início a uma estratégia bastante eficaz na conquista de maior reconhecimento
entre os trabalhadores e na demonstração da força de suas idéias.
Por meio de campanhas, comícios, passeatas e comissões de fábrica, os comunistas de
Magé conseguiram manter vivo o PCB, apesar da ilegalidade do partido. Além disso,
observamos que, a partir das reuniões clandestinas promovidas pelo médico Irun Sant’Anna
junto aos operários, surgiu uma geração de trabalhadores mageenses muito ligada ao partido,
que nas décadas seguintes conseguiu eleger diversos comunistas na Câmara Municipal de
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Magé, em todos os pleitos e por diversas legendas emprestadas, como também consolidar a
hegemonia comunista nos sindicatos têxteis do município.
Durante a pesquisa, observamos que muitos desses operários já militavam junto aos
comunistas e anarquistas, desde a Greve do Pano, passando pela Aliança Operária, até o
advento da Aliança Nacional Libertadora (ANL). Recorrendo à obra do sociólogo Pierre
Bourdieu, podemos afirmar que todas essas experiências operárias mageenses configuraram,
indubitavelmente, como uma espécie de iniciação, uma preparação especial para o “habitus”
político. Adiante, porém, com a chegada do médico comunista Irun Sant’Anna, essa iniciação
intensificou-se, com suas provas e ritos de passagem, marcando definitivamente a produção
ideológica dos trabalhadores de Magé, principalmente os tecelões. Dessa forma, a força de
mobilização dos comunistas mageenses estava contida em seu discurso, reconhecido por um
numeroso e poderoso grupo de operários, que via nele expresso seus interesses.
“(...) Para garantirem esta mobilização duradoira, os partidos devem, por um lado,
elaborar e impor uma representação do mundo social capaz de obter a adesão do
maior número possível de cidadãos e, por outro lado, conquistar postos (de poder
ou não) capazes de assegurar um poder sobre os seus atributários (...)”. (BOURDIEU, 1998: 174).
Assim, destacamos que a estratégia que permeou o PCB mageense durante as décadas
de 1940 e 60 foi a de mobilizar os trabalhadores locais em duas frentes bem definidas: na
busca por maior capital político nos sindicatos, por meio das comissões de fábrica
(sustentáculo de seu crescimento político), com o objetivo de alcançar a direção dessas
entidades; e elegendo comunistas em cargos legislativos, operários principalmente,
“transformando a luta eleitoral em uma verdadeira batalha de classes”. (Apud CARONE,
1982: 83).
Ao pesquisar suas atuações parlamentares, logicamente, verificamos que esses onze
vereadores comunistas mageenses mantinham certas distinções e singularidades entre si. Na
legislatura de 1951-1954, por exemplo, a atuação dos comunistas restringiu-se
demasiadamente à institucionalização do discurso do partido e das suas principais bandeiras
de luta, em detrimento das questões locais, inclusive aquelas que afligiam o operariado.
Interessante notar que, nesse mesmo período, ao passo que a militância comunista atuava
intensamente na solução dos problemas vividos pelos trabalhadores do município, seus
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parlamentares normalmente faziam uso da tribuna da Câmara para discursar sobre questões
nacionais e internacionais.
A partir da eleição do vereador Manoel Ferreira de Lima, em 1954, porém, a atuação
parlamentar dos comunistas passou a priorizar discussões mais voltadas ao cotidiano dos
trabalhadores mageenses, têxteis e rurais. Essa característica acentuou-se sobremaneira nas
legislaturas de 1959-1962 e 1963-1964, quando os comunistas já tinham conquistado um
significativo capital político no município. Inclusive, a destacada atuação política dos
vereadores Astério dos Santos e Darcy Câmara revelou-se como um elemento de forte
unidade entre os trabalhadores mageenses, até mesmo aqueles alheios à ideologia comunista.
Desse modo, tanto a ascensão dos comunistas em Magé quanto a atuação desses
vereadores na Câmara promoveram uma personificação bastante curiosa na memória operária
em Magé. Analisando os diversos depoimentos colhidos, associados a conversas informais
realizadas com ex-operários têxteis durante a pesquisa, percebemos que muitos deles, mesmo
reconhecendo a participação dos militantes do PCB em conquistas da categoria e realçando
inclusive o cognome “Moscouzinho” com certo orgulho, evitavam denominá-los como
comunistas. Isso demonstra o caráter conflitivo dessa memória, pois ainda que Magé tenha
sido considerada por vários entrevistados como uma “pequena Moscou” (referente a capital
da antiga URSS, “comunista”), a alcunha homônima, em alguns casos, não era correspondida
aos militantes. No caso do líder sindical Astério dos Santos, que adquiriu boa reputação para
além dos militantes comunistas, essa observação torna-se ainda mais evidente: “Eu não
achava ele errado não, mas os donos das fábricas achavam que ele era comunista”. (NELLY
GUALANDI, 2005).
Há casos, inclusive, de antigos militantes que refletem esses conflitos de memória:
“Nunca, eu nem meu marido, dissemos que somos comunistas. Nós somos socialistas, a gente
pensa no social, na igualdade, na justiça. Mas naquele tempo a gente vivia com aquele povo
todo né, então diziam que a gente era comunista”. (LÚCIA DE SOUZA, 2007).
Nesse sentido, o comunismo e o sindicalismo promovido por comunistas compõem
duas trajetórias unidas, embora distintas. Quando analisamos a atuação do vereador Astério
dos Santos, por exemplo, verificamos certos descompassos nos depoimentos de antigos
militantes do PCB acerca de sua liderança sindical. Desse modo, se o comunismo e o
sindicalismo comunista apresentaram distinções, não obstante, podemos afirmar que o
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comunismo e a atuação parlamentar desempenhada pelos comunistas em Magé também
mantinham suas singularidades, apesar do vínculo inquestionável.
Curiosamente, para os antigos trabalhadores têxteis mageenses, o termo
“Moscouzinho” faz recordar o operariado do município de Magé aguerrido, onde sindicatos e
vereadores reivindicavam em prol da categoria e obtinham conquistas; enquanto que a
denominação “comunista” lembra algo errado, ilegal, não autorizado ou clandestino, reflexo
inconteste da difusão de uma ideologia anticomunista no período estudado. Essa dimensão
cultural emerge a partir da apropriação/valorização simbólica dos moradores em relação ao
seu espaço vivido, constituindo-se em diversas identidades. Por isso, enfatizamos um aspecto
normalmente pouco observado nos estudos sobre o tema: que o operariado não se constitui de
forma homogênea. Divisão e unidade agem simultaneamente, uma sem excluir a outra.
Valorizamos aqui justamente o caráter multiforme da vida dos trabalhadores, bastante
vulnerável às incertezas, provocando variadas formas de associação e construindo diversas
identidades específicas, ainda que essas identidades rivais pudessem vir a fundir-se ou
combinar-se (BATALHA, 2004: 15). E não é a toa que a atuação desses vereadores é
respeitada até hoje por antigos tecelões, comunistas ou não, e até por aqueles que, na época,
eram seus adversários políticos.
Na realidade, todos esses comunistas eleitos em Magé, independente de sua atuação
profissional, buscaram dar voz e vez aos operários do município, lutando por melhores
condições de vida e trabalho e forjando um discurso vigoroso em prol dos seus interesses
mais prementes. Das comissões de fábrica, passeatas e comícios, surgiram trabalhadores
porta-vozes de seus pares, que por uma relação profícua de identificação tornaram-se homens
políticos, portadores das esperanças de muitos operários têxteis. Esse capital político,
portanto, transfigurava-se em poder simbólico, fortalecendo a crença de que esses
parlamentares comunistas representavam na Câmara todos os trabalhadores mageenses, como
autênticos “operários à tribuna”.
Entrevistas:
IRUN SANT’ANNA, médico e ex-líder comunista, concedida ao autor, em 06 de abril de
2006.
11
IRUN SANT’ANNA, concedida à UNE em 14 de outubro de 2004, para o projeto Memória
da Movimento Estudantil. Acessado em: <http://www.mme.org.br/main.asp?Team=%7B3EB
BBABF%2D203C%2D4E3E%2DB99F%2DE8B0CF00E072%7D>. Acessado em 29 de
janeiro de 2009.
JOSÉ RODRIGUES, ex-operário e líder comunista, concedida ao autor, em 04 de agosto de
2006.
LÚCIA DE SOUZA, ex-operária e militante comunista, concedida a Juçara da Silva Barbosa
de Mello, em 10 de outubro de 2007.
NELLY GUALANDI DE MELO, ex-operária, concedida a Juçara Mello, em 15 de janeiro de
2005.
PAULO LOPES, ex-operário e militante comunista, concedida à Juçara da Silva Barbosa de
Mello, em 2005.
Referências Bibliográficas:
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Campinas, SP: UNICAMP, 2004.
BOURDIEU, Pierre. A representação política: elementos para uma teoria do campo político.
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CARONE, Edgar. O PCB (1922-1943). Coleção Corpo e Alma do Brasil. São Paulo: Difel,
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FORTES, Alexandre. Nós do Quarto Distrito: a classe trabalhadora porto-alegrense e a Era
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GOMES, Angela de Castro [org.]. Escrita de si, escrita da História. Rio de Janeiro: FGV,
2004.
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aspectos do cotidiano operário na construção de uma cultura fabril. São Gonçalo, RJ:
Dissertação de Mestrado em História Social da FFP/UERJ, 2008.
PESSANHA, Elina G. da Fonte; MOREL, Regina Lúcia de Moraes. Gerações operárias:
rupturas e continuidades na experiência de metalúrgicos do Rio de Janeiro. Revista Brasileira
de Ciências Sociais. Rio de Janeiro: out/1991. a.6. n.17.
12
RIBEIRO, Felipe Augusto dos Santos. Operário à tribuna: vereadores comunistas e
trabalhadores têxteis de Magé (1951-1964). São Gonçalo, RJ: Dissertação de Mestrado em
História Social da FFP/UERJ, 2009.
SANT’ANNA, Irun. Brasil: País sem Futuro?. Rio de Janeiro: Imprimatur, 1997.
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TAVARES, Rodrigo Rodrigues. A “Moscouzinha” Brasileira: cenários e personagens do
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