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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE COMUNICACcedilAtildeO E EXPRESSAtildeO
POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM ESTUDOS DA TRADUCcedilAtildeO
O PEDRO ULTERIOR UMA DISCUSSAtildeO AXIOLOacuteGICA A PARTIR DA TRADUCcedilAtildeO DO APOacuteCRIFO
Atos de Pedro
ELIAS SANTOS DO PARAIZO JUNIOR
Orientaccedilatildeo
Dra ANDREacuteIA GUERINI
Co-orientaccedilatildeo
Dra TEREZA VIRGIacuteNIA RIBEIRO BARBOSA
FLORIANOacutePOLIS BELO HORIZONTE
MMXIV
ELIAS SANTOS DO PARAIZO JUNIOR
Orientaccedilatildeo
Dra ANDREacuteIA GUERINI
Co-orientaccedilatildeo
Dra TEREZA VIRGIacuteNIA RIBEIRO BARBOSA
O PEDRO ULTERIOR UMA DISCUSSAtildeO AXIOLOacuteGICA A PARTIR DA TRADUCcedilAtildeO DO APOacuteCRIFO
Atos de Pedro
Tese apresentada ao Programa de Poacutes-
Graduaccedilatildeo em Estudos da Traduccedilatildeo
da Universidade Federal de Santa
Catarina como requisito para obtenccedilatildeo
do grau de Doutor em Estudos da
Traduccedilatildeo
FLORIANOacutePOLIS BELO HORIZONTE 2014
Ficha de identificaccedilatildeo da obra elaborada pelo autor atraveacutes do Programa de
Geraccedilatildeo Automaacutetica da Biblioteca Universitaacuteria da UFSC
Paraizo Jr Elias
O PEDRO ULTERIOR UMA DISCUSSAtildeO AXIOLOacuteGICA A PARTIR DA
TRADUCcedilAtildeO DO APOacuteCRIFO ATOS DE PEDRO [tese] Elias Santos do Paraizo
Jr orientadora Andreacuteia Guerini co-orientadora Tereza Virgiacutenia
Ribeiro Barbosa Florianoacutepolis SC Belo Horizonte MG -- 2014
642 f il 148 X 21 cm
Tese (Doutorado) ndash Universidade Federal de Santa Catarina
Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo Centro de Comunicaccedilatildeo e Expressatildeo
Universidade Federal de Santa Catarina Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo em
Estudos da Traduccedilatildeo (Aacuterea de concentraccedilatildeo Teoria criacutetica e histoacuteria
da traduccedilatildeo)
Inclui bibliografias e Iacutendices
1 Estudos da Traduccedilatildeo 2 Literatura Gnoacutestica 3 Apoacutecrifos
(Novo Testamento) 4 Pedro Apoacutestolo Santo 5 Traduccedilatildeo Atos
de Pedro I Guerini Andreacuteia II Riberio Barbosa Tereza Virgiacutenia
III Universidade Federal de Santa Catarina Programa de Poacutes-
Graduaccedilatildeo em Estudos da Traduccedilatildeo IV Tiacutetulo
BANCA EXAMINADORA
ELIAS SANTOS DO PARAIZO JUNIOR
O PEDRO ULTERIOR UMA DISCUSSAtildeO AXIOLOacuteGICA A PARTIR DA TRADUCcedilAtildeO DO APOacuteCRIFO
Atos de Pedro
Esta tese foi julgada adequada para a obtenccedilatildeo do grau de DOUTOR EM
ESTUDOS DA TRADUCcedilAtildeO e aprovada na sua forma final pelo Programa de
Poacutes-Graduaccedilatildeo em Estudos da Traduccedilatildeo Florianoacutepolis 16 de junho de 2014
_________________________________________________
Profa Dra Andreacuteia Guerini UFSC ndash PGET
ORIENTADORA e COORDENADORA DA PGET
_________________________________________________
Profa Dra Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa UFMG - POSLIT
CO-ORIENTADORA
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________
Prof Dra Carolina Pizzolo Torquato UFSC
_________________________________________________
Prof Dra Juliane Steil UFPel
_________________________________________________
Prof Dra Karine Simoni UFSC - PGET
_________________________________________________
Prof Dra Marcelo Bueno de Paula UEMS
_________________________________________________
Prof Dra Walter Carlos Costa UFSC - PGET
COORDENADORA da PGET Prof Dra Andreacuteia Guerini UFSC
DEDICATOacuteRIA
Lectori quod dico paullulum est asta ac
pellege Hanc operam dedicare pulcrissimaelig
feminaelig cupio etque uxori mihi est Nomen
parentes nominarunt Alexandram Domun
seruauit et gnatos duos peperit nomina
eorum Samuhel etque Isaac uocamus
Tribus quibus amo Quanta res
AGRADECIMENTOS
A Deus pelo estro e pelas forccedilas
Agrave minha orientadora ndash Profa Dra Andreacuteia Guerini que foi
aleacutem do apoio atenccedilatildeo paciecircncia tempo dispensado e
materiais que gentilmente forneceu tornou-se minha
conselheira Soube domesticar minha infindaacutevel ansiedade
Agrave Profa Dra Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa co-
orientadora pelo apoio compreensatildeo paciecircncia e tempo
dispensado nesta leitura e pelos conselhos de grande
sabedoria que generosamente me deu ao longo deste tempo
Aos Profs(as) Drs(as) - Walter Carlos Costa Marieacute-Hegraveleacutene
Chaterine Torres Mauri Furlan Maria Luacutecia Vasconcelos
Rafael Carmolinga Joseacute Lambert Claacuteudio Aquati Maria de
Faacutetima Souza e Silva Socircnia Queiroz
Aos Profs Drs da UFPR ndash Astor Paulo Soethe e Pedro
Ipiranga Junior
As bibliotecaacuterias Liria Alemmar Cleusi Nara e Monique
que me ajudaram a disponibilizar obras que jamais teria
acesso sem sua ajuda
EPIacuteTETO
The disciple
When Narcissus died the pool of his pleasure changed from a cup of
sweet waters into a cup of salt tears and the Oreads came weeping
through the woodland that they might sing to the pool and give it
comfort
And when they saw that the pool had changed from a cup of sweet
waters into a cup of salt tears they loosened the green tresses of
their hair and cried to the pool and said We do not wonder that
you should mourn in this manner for Narcissus so beautiful was
he
But was Narcissus beautiful said the pool
Who should know that better than you answered the Oreads Us
did he ever pass by but you he sought for and would lie on your
banks and look down at you and in the mirror of your waters he
would mirror his own beauty
And the pool answered But I loved Narcissus because as he lay on
my banks and looked down at me in the mirror of his eyes I saw
ever my own beauty mirrored
(Oscar Wilde ldquoThe disciplerdquo ndash ms 1890 Chelsea England)
ABREVIACcedilOtildeES Abreviaturas convencionais
[] lacuna ou omissatildeo em citaccedilotildees
[ ] texto (se incluiacutedo nas chaves) eacute reconstruiacutedo natildeo em desejaacutevel grau de
confiabilidade oferecido como uma conjectura editorial baseado no
contexto eou outras evidecircncias
(ponto sob uma letra) a letra aparente mas claramente natildeo decifraacutevel
com alguma incerteza sobre a sua identidade
( ) texto adicionado pelo tradutor (deve-se subentender-se)
[[ ]] letra excluiacuteda pelo escriba do manuscrito (ou corretor tardio)
texto presente no manuscrito mas sua presenccedila parece ser devido a um
erro do escriba ou em adiccedilatildeo de escritor antigo mas posterior
Diacutegitos no texto paacuteginas paraacutegrafos ou capiacutetulos de um manuscrito
= igual
lt gt texto inexistente no papiro reconstruiacutedo por editor moderno para
correccedilatildeo ortograacutefica etc
adicionado por um escriba
` acute letras escritas acima da linha por um escriba
dagger morte (personagens histoacutericos pessoas)
dagger dagger (duas adagas) coacutedice mutilado com leituras nem sempre identificaacuteveis
K texto com comentaacuterios
l 2211 lecionaacuterios
exl 2211 ex lectionaris ndash surgido por influecircncia de um lecionaacuterio
manuscrito muito importante sempre considerado na anaacutelise criacutetica
P87 papiros
m texto bizantino ou majoritaacuterio
() sic (variante textual curiosa sem aparente sentido)
p) variante de texto influenciada por passagem paralela
____vid Pai a Igreja testemunha a leitura em questatildeo (eg Ambrvid)
a XA unciais
de acordo com o hebraico do AT (cf trade)
para iniacutecio de uma periacutecope (unidade textual miacutenima para contextualizar)
ƒ12 famiacutelia de textos
trade Texto Massoreacutetico
rarr direccedilatildeo da trad ou influecircncia entre duas liacutenguas
harr produccedilatildeo simultacircnea em duas liacutenguas ou muacutetua influecircncia
Oslash lacuna de espaccedilo em branco de uma letra em manuscrito uncial
(+ -) manuscritos que acrescem ou subtraem variantes
κτλ κατά τὰ λοιπά (= e assim em diante)
Abreviaturas remissivas
a ano
aC antes de Cristo (colocado apoacutes o nuacutemero)
AD Anum Dominum (no ano do Senhor depois do nuacutemero)
a ano desconhecido
ablat caso ablativo lat
acus caso acusativo gr lat
ad temp ad tempora (citado de memoacuteria)
alm alia manu (de outra matildeo)
xiv
anon anocircnimo
apud citado por (citaccedilatildeo de segunda matildeo)
aram aramaico
arm armecircnio
artc artigo citado
bis duas vezes
ca circa (cerca de mais ou menos em)
cap caps capiacutetulo (s)
cf confer (compare com a ideia de contraste conteacutem motes relevantes agrave
leitura)
col coluna vertical de livro ou perioacutedico
com comentaacuterio
cop copta
dat caso dativo grlat
eg exempli gratia (por exemplo)
ed eds editor (es)
ep eps epiacutestola (s)
et etiacuteope
et alii e outros (obras com vaacuterios autores)
exerr ex erratum surgido de um erro
exlat surgido devido agrave leitura latina
f feminino (gecircnero)
frg (frgg) fragmentum ndash fragmenta fragmento (s)
gen caso genitivo grlat
gr grego
heb hebraico
hic aqui
hom homilia
huc para caacute
ie id est (isto eacute)
ibid ibidem no mesmo lugar (mesma obra)
id idem o mesmo (mesmo autor)
illeg illegibilis (ilegiacutevel)
imper imperativo
in toop in tota operis (no conjunto da obra)
in em (capiacutetulos em obras coletivas)
incert incertus (inseguro)
intr introduccedilatildeo
it do mesmo modo assim
lat latim (claacutessico)
loc cit locum citatum (local citado)
m masculino (gecircnero)
ms manuscrito
mut mutilatus (deteriorado)
n neutro (gecircnero)
nihil nada
nom caso nominativo grlat
nt nota
obel obelus (sigla para acreacutescimos)
om omittit -tunt (omite-m)
opcit opus citatum (obra citada)
orig texto original (ou supostamente original)
sd obra sem indicaccedilatildeo de data
sn sine nomine (obra sem indicaccedilatildeo de editora)
ss seguintes (paacuteginas volumes fasciacuteculos)
syr siriacuteaco
p (pp) paacutegina (s)
par textos paralelos nos Evangelhos sinoacuteticos
passim por aiacute (citaccedilatildeo natildeo localizada ou fracionada uma multiplicidade de fonte
em maior nuacutemero ad tempora)
pl plural (nuacutemero)
xv
qal sistema verbal baacutesico heb (de raiz ternaacuteria) de onde decorrem os
tempos proveacutem קלל (ser leve)
t tomo (pode ou natildeo corresponder a vol impresso)
vol volume impresso
[1900] data provaacutevel da obra
[ca1900] circa (data aproximada de uma obra)
[1900 ou 1901] datas provaacuteveis da obra
[190-] deacutecada provaacutevel
[1900] natildeo mencionada expressamente mas obtida por outros elementos
1900-1910 obra com vaacuterios volumes e intervalo de publicaccedilatildeo Perioacutedico de
publicaccedilatildeo encerrada
Abreviaturas dos textos apoacutecrifos AT
ApBar(Sir) Apocalipse siriacuteaco de Baruc (= 3 Baruc)
ApMo Apocalipse de Moiseacutes
As Aser
AscIs Ascensatildeo de Isaiacuteas
AscMo Ascensatildeo de Moiseacutes
Ben Benjamim
Datilde Datilde
Eno(esl) Enoque eslavo ( = 2 Eno)
Eno(et) Enoque etiacuteope ( = 1 Eno)
Eno(gr) Fragmentos gregos de Enoque
Eno(hb) Enoque hebraico ( = 3 Eno)
Gad Gade
Issa Issacar
Jos Joseacute
Jub Livro dos Jubileus o Pequeno Gecircnesis
Jud Judaacute
Lev Levi
Naf Naftali
OdSal Odes de Salomatildeo
OrSib Oraacuteculos Sibilianos
Rub Rubem
Sim Simeatildeo
Test Testamento
TestAb Testamento de Abraatildeo
TestAd Testamento de Adatildeo
TestJoacute Testamento de Joacute
TestJos Testamento de Joseacute
TestSal Testamento de Salomatildeo
TestSim Testamento de Simeatildeo
TestXIIPat Testamento dos Doze Patriarcas
ViAdEv Vida de Adatildeo e Eva
Zeb Zebulom
Abreviaturas dos textos apoacutecrifos NT
ActPeAnd Atos de Pedro e Andreacute
ApPe Apocalipse de Pedro
ApPl Apocalipse de Paulo
AtsAnd Atos de Andreacute
AtsAnd gr Atos de Andreacute (em grego)
AtsAndMt Atos de Andreacute e Matias
AtsAp Atos apoacutecrifos (coleccedilatildeo dos Cinco Grandes Atos)
AtsArq Atos de Arquelatildeo
xvi
AtsFi Atos de Filipe
AtsJo Atos de Joatildeo
AtsJoPr Atos de Joatildeo e Proacutecoro
AtsNeAq Atos de Nereu e Aquiles
AtsPe Atos de Pedro
AtsPe12Ap Atos de Pedro e os Doze Apoacutestolos
AtsPePl Atos de Pedro e Paulo
AtsPi Atos de Pilatos
AtsPl Atos de Paulo
AtsPlTc Atos de Paulo e Tecla
AtsTo Atos de Tomeacute
AtsXaPoRe Atos de Xantipe Polixena e Rebeca
EvBar Evangelho de Bartolomeu
EvEb Evangelho dos Ebionitas
EvEger Evangelho de Egerton
EvHb Evangelho dos Hebreus
EvPe Evangelho de Pedro
EvPsMt Evangelho de Ps- Mateus
MartPe Martiacuterio de Pedro
MartPePl Martiacuterio de Pedro e Paulo
MartPl Martiacuterio de Paulo
ProtEv Proto Evangelho de Tiago
Tratados gnoacutesticos
Alo Aloacutegenes
ApocJo Livro Secreto de Joatildeo (Apoacutecrifo de Joatildeo)
ApPe Apocalipse de Pedro
ApPl Apocalipse de Paulo
ApTg Apocalipse de Tiago
Ascl Asclepio
CaPeFl Carta de Pedro a Felipe
DialSal Diaacutelogo do Salvador
EnAut Ensino Autorizado
EugB Eugosto o Bem-aventurado
EvEg Evangelho dos Egiacutepcios
EvFl Evangelho de Filipe
EvTom Evangelho de Tomeacute
EvV Evangelho da Verdade
ExpVal Exposiccedilatildeo Valentiniana
HipA Hipoacutestase dos Arcontes
IntCon Interpretaccedilatildeo do Conhecimento
Mar Marsanes
Nor Norea
OgM Sobre a Origem do Mundo
ParSm Paraacutefrase de Sem
PB-8502 Papyrus Berolinensis 8502
PensGP Pensamento de Nosso Grande Poder
PensTr Pensamento Triformo (Enoacuteia Trimorfa)
Poim Poimandres
PSof Pistis Sofia
SabJC Sabedoria de Jesus Cristo
Tr Trueno
TrGrSt Segundo Tratado do Grande Set
xvii
Abreviaturas dos textos gerais importantes e obras cristatildes primitivas
1-2 Apol JUSTINUS Flavius Apologia Prima Apologia Seconda
1-2 Clem 1ordf e 2ordf Carta de CLEMENS de Roma
AA PRIEUR Jean-Marc Acta Andrea
AAA R A LIPSIUS ndash M BONNET Acta Apostolorvm Apocrypha I (1891)
ndash II (1898) reimpr (1972)
Adv Haeligr IRINAEligUS de Lyon Adversus Haeligreses
Apocryp Apocrypha Revue internationalle decircs Litteacuteratures apocryphes
AT Antigo Testamento
AV Actus Vercellenses o Atos de Pedro em latim (parcial)
BAC Biblioteca de Autores Cristianos
BHO Biblioteca Hagiograacutefica Oriental
BJ Biacuteblia de Jerusaleacutem
BL Latin Library
CCels ORIGENES Contra Celsum
CANT GEERARD (M) Clavis apocryphorum Novi Testamenti (Corpvs
Christianorvm) Turnhout 1992
CCCA VERMASEREN (M J) Corpus Cultus Cybelӕ Attidisque (CCCA)
(EPRO 50) 7 vol Leyde 1977-1989
CCG Cahiers du Centre Gustave Glotz Paris
CCSA Corpvs Christianorvm Seacuterie Apocryphorum Brepols 1989
CCSG Corpvs Christianorvm Seacuterie Graeligca
CCSL Corpvs Christianorvm Seacuterie Latina
Comp HERMAS Pastor Comparaccedilotildees
Corp Herm Corpvs Hermeticvum
Crum W E CRUM A Copit Dictionary
CSCO Corpvs Scriptorvm Christianorvm Orientalivm
CSEL Corpvs Scriptorvm Ecclesiasticorvm Latinorvm
DH H DENZINGER Enchiridion symbolorum definitionum et
declarationum de rebus fidei et morum
Dial JUSTINUS Augustus Flavius Diaacutelogo com Trifatildeo
Did Didaquecirc
DPAC Dizionario Patristico e di Antichitagrave Cristiane
Efe INAacuteCIO de Antioquia Aos efeacutesios
Ep Barn Epiacutestola de Barnabeacute
Esm INAacuteCIO de Antioquia Aos esmirnienses
Exc Teod TEODOTO Extractos o Excerpta
FRLANT Forschungen zer Religion und Literatur des Alten und Neuen Testament
GNT Greek New Testament ndash Fourth Revised Edition
HE EUSEBIUS de Cesareia Histoacuteria Eclesiaacutestica
HomPs-Clem Homilias Pseudo-Clementinas
H-S E HENNECKE ndash W SCHNEEMELCHER Neutestamentliche
apokryphen II (reimp 1971)
LXX Septuaginta Ralphrsquos
Mag INAacuteCIO de Antioquia Aos magneacutesios
MartPol Martiacuterio de Satildeo Policarpo
NDITNT Novo Dicionaacuterio Internacional de Teologia do Novo Testamento
NHC Nag Hammadi Coacutedices
NT Novo Testamento
NTA New Testament Apocrypha (Hennecke Schneemelcher amp Wilson)
NTI O Novo Testamento Interpretado Versiacuteculo por Versiacuteculo CHAMPLIN
(RN)
Paed CLEMENS de Alexandria Pedagogo
Panar EPIPHANIUS de Salamina Panarion o Remeacutedio (Contra Heresias)
POx Papiros Oxyrhynchus
PG Patrologia Grega Patrologiae Cursus completus J-P MIGNE
PH Pgr de Hamburgo ndash AtsPl
Philad INAacuteCIO de Antioquia Aos filadelfos
PL Patrologia Latina Patrologiae Cursus completus J-P MIGNE
Pol INAacuteCIO de Antioquia Carta a Policarpo
xviii
RE The Realencyclopaumldie der Classischen Altertumswissenschaft ou
PaulyndashWissowa ou PW
Refut HIPOacuteLITO de Roma Refutaccedilotildees
RHE Revue drsquoHistoire Eccleacutesiastique
Scorp TERTULLIANUS Scorpiace
Strom CLEMENTE de Alexandria Stromata
SVF Stoicorum Veterum Fragmenta
ThWNT Theologisches Woumlterbuch zum Neuen Testament
TM Texto Massoreacutetico
Tral INAacuteCIO de Antioquia Aos tralianos
TU Text und Untersuchungen zur Geschichte der altchristlichen Literatur
Vulg Vulgata
Vis HERMAS Pastor Visotildees
WTT BHS Hebrew Old Testament (4th ed)
ZKG Zeitschrift fuumlr Kirchengeschichte
Abreviaturas Biacuteblicas
Ag Ageu
Am Amoacutes
Ap Apocalipse
At Atos
Bar Baruc
Cl Colossenses
12Cor 12Coriacutentios
Cr Crocircnicas
Ct Cacircnticos
Dn Daniel
Dt Deuteronocircmio
Ec Eclesiastes
Eclo Eclesiaacutestico
Ed Esdras
Ef Efeacutesios
Et Ester
Ex Ecircxodo
Ez Ezequiel
Fm Filemom
Fp Filipenses
Gl Gaacutelatas
Gn Gecircnesis
Hb Hebreus
Hc Habacuque
Is Isaiacuteas
Jd Judas
Jdt Judite
Jl Joel
Jn Jonas
Joacute Joacute
Jo Joatildeo (Evangelho)
123Jo 123Joatildeo (Cartas)
Jr Jeremias
Js Josueacute
Jz Juiacutezes
Lc Lucas
Lm Lamentaccedilotildees
Lv Leviacutetico
12Mac 12Macabeus
Mc Marcos
Ml Malaquias
Mq Miqueias
Mt Mateus
Na Naum
Ne Neemias
Nm Nuacutemeros
Ob Obadias
Os Oseias
12Pe 12Pedro
Pv Proveacuterbios
Rm Romanos
Rs 12Reis
Rt Rute
Sab Sabedoria
Sf Sofonias
Sl Salmos
Sm Samuel
Tg Tiago
Tm Timoacuteteo
Tob Tobias
12Ts 12Tessalonicenses
Tt Tito
Zc Zacarias
xix
SUMAacuteRIO
pp
Dedicatoacuteria vii
Agradecimento ix
Epiacuteteto xi
Abreviaccedilotildees xiii
Convencionais xiii
Remissivas xiii
Dos textos apoacutecrifos do AT xv
Dos textos apoacutecrifos do NT xv
Dos Tratados Gnoacutesticos xvi
Dos textos gerais importantes e obras cristatildes primitivas xvii
Biacuteblicas xviii
Resumo xxi
Abstract xxiii
Iacutendice de Ilustraccedilotildees xxv
INTRODUCcedilAtildeO 29
CAPIacuteTULO I 53
LITERATURA DOS ATOS ASPECTOS TEOacuteRICOS
I Reorganizaccedilatildeo das memoacuterias ndash antonomaacutesias de Pedro a partir fontes
lsquoextracanocircnicasrsquo ndash problemas e tendecircncias 63
II Conceito operatoacuterio e criteacuterio de anaacutelise de ldquoapoacutecrifordquo e ldquoheresiardquo ndash
significaccedilatildeo histoacuterica para gecircnese literaacuteria cristatilde 67
III A transmissatildeo e recepccedilatildeo de AtsPe na Antiguidade 77
IV Revisatildeo datal e autoral de AtsPe no referencial do lsquogecircnero Πράξειςrsquo 83
V Romance grego versus modelo lucano a questatildeo de gecircnero 113
VI A titulatura do gecircnero Πράξεις ou Περίοδοι ndash estrutura narrativa 120
CAPIacuteTULO II 127
TRADUCcedilAtildeO E RELIGIAtildeO DEMANDAS TEOacuteRICAS
I intentio auctoris intentio operis e intentio lectoris ndash decorrecircncias
da tradiccedilatildeo oral 129
II A distacircncia temporal de uma liacutengua claacutessica ndash constitutivos
literaacuterios pela siacutentese de liacutenguas e tradiccedilotildees 142
III Perspectivas diacrocircnicas A liacutengua grega ateacute o helenismo ndash a
xx
Tradutologia cristatilde ateacute o advento da lsquoequivalecircncia dinacircmicarsquo 151
IV Intercorrecircncias de meacutetodo O lsquomovimento hermenecircuticorsquo e a
alteridade ndash estrangeirizaccedilatildeorsquo versus lsquoetnocentrismorsquo 163
V A Teoria da Relevacircncia e a tradutologia de escritos apoacutecrifo-cristatildeos 175
VI Acomodaccedilotildees entre lsquofidelidadersquo versus lsquotransparecircnciarsquo 194
CAPIacuteTULO III 201
ESTRATIGRAFIA TEXTUAL E DAS LINGUAGENS ndash COPTO-GRECO-LATINA
I A estratificaccedilatildeo textual e das linguagens ndash noccedilatildeo abrangente
do problema 203
II Texto sensiacutevel e os criteacuterios de anaacutelise de historicidade ou
ldquonatildeo-historicidaderdquo 209
III Problematizaccedilatildeo das questotildees de linguagem 219
IV A liacutengua original dos diversos fragmentos de AtsPe 220
V Anaacutelise das formas subgecircneros e a intentio operis 222
VI Aparato criacutetico AtsPe textos versotildees e local de composiccedilatildeo 227
CAPIacuteTULO IV 249
TRADUCcedilAtildeO DE ATOS DE PEDRO NOTAS E APARATO CRIacuteTICO
I Acta Petri Apostoli ndash notas da ediccedilatildeo e aparato criacutetico 251
II Pressupostos praacuteticos da traduccedilatildeo 254
III Traduccedilatildeo comentada e anotada do
(i) Papyrus Berolinensis 8502 ndash Ato de Pedro (copta) 259
(ii) Codex Buchardi ndash frgg A filha do jardineiro (latim) 295
(iii) ms Cambrai 254 ndash frgg Bruyne Natildeo se deve chorar em
demasia pelos mortos (latim) 301
(iv) Codex Vercellenses CLVIII ndash ms Actus Vercellenses O Ato
de Pedro com Simatildeo (latim) 305
(v) ms A Monte Atos Vatopedi 79 ndash ms P Satildeo Joatildeo Patmos 48
O Martiacuterio de Pedro (grego) 501
CONCLUSAtildeO 551
ANEX0S 573
Glossaacuterio 573
Iconografia 1 583
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 595
Iconografia 2 639
xxi
RESUMO
Esta tese tem por objetivo apresentar a traduccedilatildeo anotada e
comentada do livro ldquoapoacutecrifordquo ndash Atos de Pedro obra que nos restou
fragmentada nas liacutenguas copta latim e grego Para realizar tal intento
procurou-se enfocar diferentes aspectos do conceito de traduccedilatildeo para
textos sagrados assim como as suas implicaccedilotildees exegeacuteticas e tradutoacuterias
Serviram de guia para esta tese os pressupostos teoacutericos de Friedrich
Daniel Ernst Schleiermacher Eugene Albert Nida Antoine Berman
Lawrence Venuti e Ernst-August Gutt A traduccedilatildeo eacute oferecida em dupla
coluna primeiramente os textos fragmentaacuterios copto-greco-latino
comparados os fac-siacutemiles dos manuscritos com as ediccedilotildees criacuteticas de
Leacuteon Vouaux (1922) Carl Schmidt (1903) Donatien de Bruyne (1908)
com respectivos aparatos criacuteticos na segunda coluna a traduccedilatildeo em
portuguecircs acompanhada de comentaacuterios Esta tese tambeacutem analisa
questotildees como eg traduccedilatildeo e exegese biacuteblica traduccedilatildeo de escritos
apoacutecrifos do ambiente cristatildeo primitivo e literatura cristatilde na Antiguidade
e dentre estes com proeminecircncia ao valor do elemento lsquognosesrsquo na leitura
e consequente traduccedilatildeo desses textos advindos do cristianismo nascente
No labor tradutoacuterio deu-se preferecircncia ao alcance do contexto histoacuterico
assentado agrave luz da criacutetica ndash foi usado o meacutetodo exegeacutetico histoacuterico-criacutetico
Palavras-Chave
1 Literatura Gnoacutestica 2 Apoacutecrifos (Novo Testamento) 3 Pedro
Apoacutestolo Santo 4 Traduccedilatildeo Atos de Pedro
xxii
23
ABSTRACT
This thesis has as proposal the annotated translation with
commentary of the lsquoapocryphalrsquo text ndash Acts of Peter a work left to us in fragmented language Coptic Latin and Greek To accomplish this
purpose we sought to focus on different aspects of the concepts of
translation of sacred texts as well as their exegetical and translational
implications This served as a guide for this thesis the theoretical
assumptions of Schleiermacher (F) Nida (E) Berman (A) Venuti (A) and Gutt (E-A) The translation presented in this dual column firstly the
fragmentary texts Coptic-Greek-Latin compared the facsimiles of manuscripts to the critical editions of Vouaux (L 1922) Schmidt (C
1903) Bruyne (D 1908) with their critical apparatus in the second
column the Portuguese translation accompanied by comments However this thesis also examines issues such as for example biblical translation
and exegesis translation of apocryphal texts environment arising from
the early Christian and Christian literature in Antiquity and one of these
with prominence to the value of the element gnosis in reading and
consequently translation of these texts from early Christianity In translational work gave preference to the scope of historical context
along by the light of criticism - we used the historical-critical Exegetical
method
Keywords
1 Gnostic Literature 2 Apocrypha (New Testament) 3 Peter
the Apostle Saint 4 Translation Acts of Peter
24
IacuteNDICE DE ILUSTRACcedilOtildeES
FIGURA 1 11
Fac-siacutemile do manuscrito original em papel do poema The disciple De
Oscar Wilde 1890 Chelsea England Em domiacutenio puacuteblico
FIGURA 2 29
Afresco Crocifissione di San Pietro (visatildeo pela esquerda) Por Filippino
Lippi na Capella Brancacci Basilica di Santa Maria del Carmine 1481-
1482 Firenze Italia Em domiacutenio puacuteblico
FIGURA 3 53
Estaacutetua de Satildeo Pedro em maacutermore Na Placo Sancta Petro autor
desconhecido 1461 Roma Italia Em domiacutenio puacuteblico
FIGURA 4 126
Afresco Pesac di Pietro dettaglio (restaurato) Por Tommaso di Ser
Giovanni di Simone ou Masaccio ca 1425 Em La Cappella Brancacci
a Santa Maria del Carmine Em domiacutenio puacuteblico
FIGURA 5 127
Pintura Simon Petrus (Crucificaccedilatildeo de) Por Michelangelo Merisi da
Caravaggio pintura a oacuteleo sobre tela Cerasi Chapel Santa Maria del
Popola 1600-1601 Roma Italia Em domiacutenio puacuteblico
FIGURA 6 149
Graacutefico A origem multifacetada dos textos cristatildeos na Palestina do seacutec
I (demonstraccedilatildeo da interligaccedilatildeo do aramaico hebraico grego e latim)
Imagem do autor
FIGURA 7 201
Pintura Saint Peter as Pope Por Peter Paul Rubens em oacuteleo sobre
madeira 1610-1612 Mostra o santo como um papa usando o pallium e
com as chaves do paraiacuteso Museu Nacional del Prado Madrid Espantildea
Em domiacutenio puacuteblico
FIGURA 8 248
Afresco Masaccio sinopia (ou sinoper) del pentimento di San Pietro
Por Tommaso di Ser Giovanni di Simone ou Masaccio ca1425 na
Capella Brancacci Basilica di Santa Maria del Carmine Firenze Italia
Em pigmento escuro marrom-avermelhada natural da terra Em
domiacutenio puacuteblico
xxvi
FIGURA 9 249
Pintura que mostra Satildeo Pedro Autor anocircnimo pintura encaacuteustica
seacuteculo VI iacutecone do Ιερά Μονή Θεοβαδίστου Όρους Σινά ndash Monasteacuterio
de Santa Catarina no Monte Sinai ndash sul Egito Em domiacutenio puacuteblico
FIGURA 10 259
Afresco com a inscriccedilatildeo PETRENELLA MART (acima) um dos mais
antigos da cristandade autor anocircnimo ca 390-395 no abside da Basiacutelica
do Papa Siriacutecio na Via Adreatina ou Domitilla Roma Itaacutelia Em
domiacutenio puacuteblico
FIGURA 11 259
Quadro Seppellimento e gloria di Santa Petronilla Museu Capitolini
1621-1622 por Giovanni Francesco Barbieri (Guercino) em oacuteleo sobre
tela Em domiacutenio puacuteblico
FIGURA 12 294
Imagem em pergaminho Negaccedilatildeo de Pedro Miniatura grega do
Щепкина 1977 [303] Chludov Salteacuterio (Salmo 38) Autor anocircnimo
Roma Italia seacuteculo IX digitalizada do Shchepkina 1977 Em domiacutenio
puacuteblico
FIGURA 13 295
Mosaico de Santa Petronila Com veacuteu cruz e becircnccedilatildeo gesto mostrado
ca seacuteculo XII Palermo Italia Autor desconhecido Em domiacutenio
puacuteblico
FIGURA 14 300
Imagem gravada em catabumba Satildeo Pedro e Satildeo Paulo Autor
anocircnimo Roma Italia seacutecIV digitalizada de revista
FIGURA 15 301
Afresco pintura detalhe restaurado Satildeo Pedro Cura os Doentes com a
sua Sombra Por Tommaso di Ser Giovanni di Simone ou Masaccio na
Capella Brancacci Basilica di Santa Maria del Carmine Firenze Italia
1425-1427 Em domiacutenio puacuteblico
FIGURA 16 304
Imagem do Codex Egberti foacutelio 90r ms Iluminado ndash Pesca Milagrosa
dos disciacutepulos e a revelaccedilatildeo de Cristo no Mar da Galileia Pintada por
um monge anocircnimo seacuteculo X no codex escrito por Egbert Arcebispo
de Trier 977-993 do scriptorium do Mosteiro de Reichenau (ilha de)
Suiacuteccedila Digitalizada Em domiacutenio puacuteblico
FIGURA 17 305
Escultura Pedro como um pescador Portal da Igreja de San Pedro
Figueres Espanha Esculpido por Gordito 1869 Em domiacutenio puacuteblico
xxvii
FIGURA 18 500
Cena de um iconostasis no estilo Constantinopla A Transfiguraccedilatildeo de
Cristo Meados do seacuteculo XII Tamanho 415 x 159 centiacutemetros
Mosteiro de Santa Catarina Sinai Egito Autor desconhecido
Digitalizada Em domiacutenio puacuteblico
FIGURA 19 501
Afresco pintura detalhe restaurado Satildeo Pedro Cura os Doentes com a
sua Sombra Por Masaccio na Capella Brancacci Basilica di Santa
Maria del Carmine Firenze Italia 1425-1427) Em domiacutenio puacuteblico
FIGURA 20 550
Afresco detalhe Simatildeo o Mago e Crucificaccedilatildeo de Satildeo Pedro Por
Filippino Lippi na Capella Brancacci Basilica di Santa Maria del
Carmine 1425-1427 Firenze Italia Em domiacutenio puacuteblico
FIGURA 21 550
Afresco Disputa com Simatildeo o Mago e Crucificaccedilatildeo de Satildeo Pedro
(visatildeo central parede agrave direita) Por Filippino Lippi na Capella
Brancacci Basilica di Santa Maria del Carmine 1425-1427 Firenze
Italia Em domiacutenio puacuteblico
FIGURA 22 551
Pintura que mostra Satildeo Pedro na prisatildeo Por Sebastiatildeo Ricci 1734
Italia O Apoacutestolo eacute consolado por um anjo que o socorre na prisatildeo
libertando-o Em domiacutenio puacuteblico
FIGURA 23 573
Tela Satildeo Pedro na prisatildeo Por Rembrandt van Rijn tela a oacuteleo 59 X
478 cm pintada 1631 No museu de Israel Jerusaleacutem Israel
FIGURA 24 583
Mosaico de Satildeo Pedro Igreja de Satildeo Salvador em Chora (Museu de
Chora ou Kariye Muumlzesi) Istanbul Turquia Considerado um dos mais
belos exemplos de uma igreja bizantina 1315-1321 (restaurado 1948)
FIGURA 25 584
Tela de Albrecht Duumlrer Os Quatro Apoacutestolos Data 1526 Oacuteleo e
tempera sobre madeira Dimensotildees 204 times 74 cm (x 2) Alte
Pinakothek (Antiga Pinacoteca) um dos mais importantes museus
Muumlnchens Alemanha
FIGURA 26 585
ASAM (irmatildeos Egid Quirid e Cosmas Damian) Estaacutetua do Apoacutestolo
Pedro com duas chaves Hall de entrada Barroco alematildeo do sul tardio
Igreja Asamkirche (nome oficial St-Johann-Nepomuk-Kirche) 1733-
1746 Muumlnchens Alemanha
xxviii
FIGURA 27 639
Moisaico paleocristatildeo autor desconhecido do final so seacutec IV detalhe
Jesus no trono ensina seus apoacutestolos (Traditio Legis) Pedro agrave direita
Pertencia originalmente a um mausoleacuteu imperial romano antigo que
posteriormente tornou-se a Cappella SantAquilino da Basilica di San
Lorenzo Milatildeo Itaacutelia Em domiacutenio puacuteblico
FIGURA 28 640
Por Michelangelo di Lodovico Buonarroti Simoni Afresco
Crucificaccedilatildeo de Satildeo Pedro Data entre 1546-1550 Em domiacutenio puacuteblico
FIGURA 29 641
Por Cimabue Afresco na igreja superior de San Francesco (Assis) Cena
Cenas da vida de Pedro e Paulo detalhe Crucificaccedilatildeo de Satildeo Pedro
Data ca1280-1283 Em domiacutenio puacuteblico
xxix
INTRODUCcedilAtildeO
Afresco Crocifissione di San Pietro (visatildeo pela esquerda) Pintado por Filippino Lippi na Capella Brancacci Basilica di Santa Maria
del Carmine 1481-1482 Firenze Itaacutelia) wwwhttpwwwwgahuframes-ehtmlhtmlllippiflippinobrancacccruc_pethtml
xxx
INTRODUCcedilAtildeO
O intento primeiro desta pesquisa foi o de oferecer ao leitor
lusoacutefono uma traduccedilatildeo anotada e comentada do ldquoapoacutecrifordquo gnoacutestico-
cristatildeo Atos de Pedro obra de grande circulaccedilatildeo na Antiguidade com
pretensotildees canocircnicas e a noacutes legada em uma heterogeneidade
fragmentaacuteria de material manuscrito e manus-criacutetico1 copto-greco-latina
Assim sendo para embasar esta lida tornou-se imperioso sopesar
algumas teorias que atendessem aspectos teoacutericos da traduccedilatildeo
particularmente aspectos que estatildeo dedicados aos motes dos assim
chamados lsquotextos sensiacuteveisrsquo hoje reconhecidos nos textos sagrados
advindos do ambiente dos cristianismos nascentes A saber de
Schleiermacher Nida Berman Venuti e Gutt
Nas questotildees exegeacuteticas e por consequecircncia tradutoacuterias deste
escrito cristatildeo-palestinense privilegiou-se o valor de se abarcar um
contexto histoacuterico mais dilatado qual seja o sitz im leben conceito de
1 O proacuteprio material criacutetico e comentaacuterios eacute manuaacuterio ao menos
centenaacuterio e em liacutenguas distintas Isto demandou um razoaacutevel volume de notas
por isso o sistema numeacuterico de citaccedilatildeo em estilo europeu mostrou-se mais
apropriado para que se tenha ceacutelere o domiacutenio informaccedilotildees mdashmdash Usos especiais
no sistema de notas (i) a primeira citaccedilatildeo de um autorobra contaraacute com todos os
dados essenciais (ii) extensos links subtiacutetulos natildeo essenciais data de acesso e
demais minudecircncias uide Referecircncias Bibliograacuteficas (iii) nas subsequentes
citaccedilotildees de um mesmo autorobra abreviaccedilotildees latinas conforme o caso (iv)
quando a abreviatura cf aparece aqui enfatiza lsquoconferirrsquo (contraste) que pode
conter informaccedilatildeo semelhante de ecircnfase diferente ou ainda argumentos
relevantes agrave leitura (evitado o uso como uide ou conforme) (v) a desambiguaccedilatildeo
de obras de mesmo autor-ano se daraacute pela adiccedilatildeo de letras sobrescritas no ano da
obra a de autores com sobrenome semelhante pela adiccedilatildeo da inicial do primeiro
nome (vi) particularmente nas citaccedilotildees indiretas cujo conceito ou ideia se
estende por toda a obra ou se obteacutem da leitura integral desta se daraacute apenas a
menccedilatildeo da obra (vii) numeraccedilotildees (semelhantes a esta) intratexto significam
encadeamento ou sequecircncia argumentativa separada por larga porccedilatildeo de texto
(viii) sistema de ecircnfase por itaacutelicos (ix) devido agrave temaacutetica (filologia liacutenguas
claacutessicas longo aparato criacutetico κτλ) e materiais usados aparece uma gama de
abreviaturas internacionais com o fim de ldquolimparrdquo o texto (uide iacutendice) (x) nomes
de autores antigos gregos seratildeo traduzidos em nota na primeira vez quando
ocorrem no texto
32
cunho teutocircnico comumente aplicado a este arqueacutetipo escritural Seraacute
delineado ao longo da tese e estaraacute assentado agrave luz da criacutetica resultando
assim no emprego do meacutetodo exegeacutetico histoacuterico-criacutetico
Ao considerar-se a histoacuteria da traduccedilatildeo ndash a biacuteblica em especiacutefico
esta nos legou um rastro de reflexotildees encetando com as traduccedilotildees do
Antigo Testamento os תרגום (= targumins)2 particularmente o Onkelos
(sobre a תורה) e o Yonatan ben Uziel (sobre os נביאים ambos hebrarraram) que talvez sejam as primeiras traduccedilotildees criacuteticas de que tenhamos
conhecimento Emolduradas por estudos posteriores quando aventam
segundo Lanzetti as categorias de ldquofidelidaderdquo e ldquorecepccedilatildeordquo de obras
traduzidas3
Igualmente a Septuaginta ndash LXX feita em Alexandria sob
encomenda do rei egiacutepcio-macedocircnio Πτολεμαῖος B ὁ Φιλάδελφος4
(hebrarrgr)5 e suas discussotildees frente a Ἑξαπλά (= Hexapla) de Ὠριγένης
2 O targumim (heb תרגום) formas parafraseadas explicaccedilotildees e
expansotildees das escrituras judaicas que um rabino daria na linguagem comum dos
ouvintes que durante a eacutepoca em que isto era comum mas natildeo exclusivamente
em aramaico Tal praacutetica tornou-se necessaacuteria ao final seacutec I antes da era cristatilde
quando a linguagem comum estava em transiccedilatildeo e hebraico foi utilizado para
pouco mais do que a escolaridade e adoraccedilatildeo Tornava-se necessaacuterio dar
explicaccedilotildees e paraacutefrases na liacutengua comum apoacutes a escritura hebraica lida O
substantivo targum eacute derivado da raiz semiacutetica quadriliteral raiz תרגם e o termo
targummanu refere-se a ldquotradutorrdquo 3 LANZETTI Rafael Anais do VIII Congresso Nacional de Linguiacutestica
e Filologia Rio de Janeiro 23-27082004 (on-line) lt
httpwwwfilologiaorgbrviiicnlfanaiscaderno03-14html gt Acessado em
04122012 4 Ptolomaios II Philadelfus (309-dagger246 aC) 5 A lenda conta que a terra escureceu-se por trecircs dias por causa da
traduccedilatildeo da Torah rarrgr e que teria sido feita por seis saacutebios de cada tribo ao
todo setenta e dois uma encomenda da biblioteca de Alexandria Segundo
BRIGTH John Histoacuteria de Israel Satildeo Paulo Paulus 2003 pp491-7 teria sido
acabada ainda durante o reinado de Ptolomeu II ndash 281-246 aC cf a Carta de
Aristeas um documento eivado de dados mitoloacutegicos e fictiacutecios Note-se poreacutem
que na atualidade tem-se posto duacutevidas sobre a dataccedilatildeo e autoria da LXX pois
natildeo haacute registro na literatura judaica (relativamente bem documentada) de saacutebios
agrave eacutepoca com este preparo tradutoacuterio hebharrgr nem de tal empreitada que seria
certamente notabilizada e nem que houve algum deslocamento para Alexandria
de tantos eruditos Aleacutem disso as dez tribos do Reino do Norte jaacute se encontravam
perdidas desde o terceiro quartel do seacutec VIII aC diante de Teglatfalasar III cf
id ibid p328 it como temos na atualidade Aqueles que defendem a lendaacuteria
traduccedilatildeo utilizam-se basicamente da Ἑξαπλά (= Hexapla) de Ὠριγένης (Origenes
33
(Origenes Adamantius do seacutec III dC) foi um outro marco Seguido das
traduccedilotildees do proseacutelito judeu 6עקילס הגר (Ἀκύλας hebrarrgr em 125 dC7)
do copto Teodosius I (de Alexandria seacutec VI hebrarrgr) de Ἐβιωνίτης
Σύμμαχος8 (seacutec II hebrarrgr) das versotildees antigas da Vetus Itala (ou
Latina) et aliӕ Outro periacuteodo em relevo eacute o da Vulgata editio versio et
lectio9 (hebrarrlat) por Eusebius Sophronius Hieronymus apologista
iliacuterio cleacuterigo mas sobretudo ceacutelebre como tradutor biacuteblico de quem o
Papa Bento XVI disse em Audiecircncia geral em 07 de novembro de 2007
A preparaccedilatildeo literaacuteria e a ampla erudiccedilatildeo
permitiram que Hieronymus fizesse a revisatildeo de
muitos textos biacuteblicos um precioso trabalho para a
Igreja latina e para a cultura ocidental Com base
nos textos originais em grego e em hebraico e
graccedilas ao confronto com versotildees anteriores ele
realizou a revisatildeo dos quatro Evangelhos em liacutengua
latina depois o Salteacuterio e grande parte do Antigo
Testamento () Eacute interessante ressaltar os criteacuterios
aos quais o grande biblista se ateve na sua obra de
Adamantius) do seacutec III dC poreacutem a quinta coluna destinada ao original LXX
conteacutem apoacutecrifos que sabemos hoje sequer haviam ainda sido escritos 6 Aacutequila de Sinope Ponto (50-55-dagger135) 7 Doravante como este estudo estaacute ambientado quase que integralmente
depois de Cristo dispensaremos o uso sistemaacutetico de dC ndash usaremos apenas aC 8 Symmachus o ebionita (viveu fins seacutec II) tradutor do hebrarrgr cujo
texto ocupa a col depois de Aacutequila e antes da LXX na Ἑξαπλά de Ὠριγένης
Segundo METZGER Bruce Manning Theories of Translation Process art 24
de Translating the Bible An Ongoing Task ndash in Bibliotheca Sacra 150 Dallas
outdez 1993 pp140-50 a traduccedilatildeo biacuteblica hebrarrgr de Symmachus seguiu uma
ldquoteoria e meacutetodo () em contraposiccedilatildeo agrave Aacutequilardquo Isto porque ldquoseu objetivo era
fazer uma traduccedilatildeo em um grego elegante A julgar a partir dos fragmentos
dispersos que permanecem de sua traduccedilatildeo Symmachus tendia a ser perifraacutestico
em representar o original hebraico Ele preferiu construccedilotildees gregas idiomaacuteticas
em contraste com as outras versotildees em que as construccedilotildees hebraicos eram
preservadas Assim ele geralmente convertia em um particiacutepio grego o primeiro
de dois verbos finitos relacionados com uma coacutepula Ele fez uso abundante de
uma ampla gama de partiacuteculas gregas para trazer distinccedilotildees sutis de
relacionamento que o hebraico natildeo pode expressar adequadamente Em mais de
uma passagem Symmachus tinha uma tendecircncia para suavizar expressotildees
antropomoacuterficas do texto hebraicordquo No entanto seu objetivo era o de preservar
o significado do texto atraveacutes uma traduccedilatildeo mais literal que a LXX 9 Ediccedilatildeo traduccedilatildeo e leitura de divulgaccedilatildeo popular
34
tradutor Revela-o ele mesmo quando afirma
respeitar ateacute a ordem das palavras das Sagradas
Escrituras porque nelas diz ldquoateacute a ordem das
palavras eacute um misteacuteriordquo10
No entanto Hieronymus como tradutor de Marcus Tullius Cicero
vivenciara antes um dos preceitos levantado por Cicero ndash o do inteacuterprete
uerbum pro uerbo mantendo-as adnumerare (numericamente
equivalentes) na obra cicereana Libellus de optimo genere oratorum de
46 aC E que mais tarde em 18 aC na Epistola ad Pisones11 de Ars Poetica ou como a conhecemos Ars Poetica de Quintus Horatius
Flaccus se perpassaria tal princiacutepio com o fim relativizar a questatildeo da
fidelidade Esta seraacute a principal demanda teoacuterica da traduccedilatildeo no
transcurso dos uacuteltimos dois mil anos segundo Mounin12 ldquofidelidade agraves
palavras de um texto ou ao pensamento contido nelerdquo
Durante a Renascenccedila no entanto eacute que temos disseminados os
princiacutepios fundantes da tradutologia moderna Estes esforccedilos estatildeo
associados com trabalhos como os de Leonardus Brunus Aretinus
Martin Luther Ioannes Lodovicus Vives Sebastiano Fausto da Longiano
Eacutetienne Dolet e George Chapman13 De Martin Luther destaca-se a partir
de suas Tischreden uma ldquoteorizaccedilatildeordquo tradutoacuteria associada a uma ldquodiretriz
hermenecircutica teoloacutegicardquo ao estilo popular comunicativo e marcadamente
humanista no uso filoloacutegico de originais como temos em Sendbrief vom
10 PAPA BENTO XVI citando HIERONYMUS Eusebius Sophronius
Ep LVII 5 ndash (Para Pammachius) ndash De optima genere interpretandi [trad
anom] (on-line) lt httpwwwvaticanva
holy_fatherbenedict_xviaudiences2007documentshf_ben-
xvi_aud_20071107_pohtml gt Acessado em 25102012 mdashmdash As citaccedilotildees
provecircm de uma variedade de liacutenguas nas quais o material de pesquisa encontra-
se disponiacutevel As traduccedilotildees destas quando natildeo identificados os tradutores (caso
de terceiros) foram realizadas por este pesquisador 11 Trata-se de personagens romanas ndash Lucius Calpurnius Piso (senador e
cocircnsul) e seus dois filhos ndash que nos permitem identificar melhor a dataccedilatildeo do
poema e seu objetivo 12 MOUNIN Georges Teoria e storia della traduzione Torino 1965
Einaudi p63 13 FURLAN Mauri A teoria de traduccedilatildeo de Lutero ndash in Annete
Endruschat Axel Schoumlnberger (orgs) Uumlbersetzung und Uumlbersetzen aus dem und
ins Portugiesische Frankfurt am Main Domus Editoria Europӕa 2004 pp11-
21
35
Dolmetschen (1530) e Summarien uumlber die Psalmen und Ursache des
Dolmetschens (1531)14
Portanto ao se perceber a riqueza de aspectos que envolvem a
tradutologia de textos advindos de contextos antigos e sagrados e para
alcanccedilar ao desiacutegnio aludido no paraacutegrafo inicial introdutoacuterio mostrou-
se cada vez mais tangiacutevel a imprescindiacutevel necessidade de instruir-nos
com os meacutetodos claacutessicos das teorias da traduccedilatildeo Assim outro dentre os
objetivos anaacutelogos da presente tese eacute analisar aspectos basilares e
norteadores da praacutetica tradutoacuteria de escritos provindos do ambiente
cristatildeo dos primeiros seacuteculos particularmente para o portuguecircs brasileiro
Questotildees aparentemente sem grande relevacircncia em uma conjuntura
secular satildeo tomadas de ldquogrande valor sociolinguiacutestico no contexto
biacuteblicordquo e que pesem especialmente as alusivas agrave ldquocanonicidade
credibilidade nos textos diferenccedilas dialetais niacuteveis de linguagem graus
de literalidade arranjo formalrdquo e outras como material suplementar de
notas introduccedilotildees prefaacutecios κτλ15
Eacute necessaacuterio portanto discernir o favorecimento histoacuterico da
longa tradiccedilatildeo de tradutores de textos cristatildeos com sua ecircnfase na praacutexis e o seu significado para o tradutor de textos da Antiguidade cristatilde na
atualidade bem como do que carece ao seu lavor Estaremos assim
estudando as suas teorias e praacuteticas Tambeacutem o caraacuteter vital da sua
traduccedilatildeo a natureza da motivaccedilatildeo a necessidade da experiecircncia com
aspectos da teologia cristatilde os atributos que devem caracterizaacute-lo e
especialmente sua competecircncia tradutoacuteria Este eacute o retrato do tradutor de
textos sagrados cristatildeos uma efiacutegie redesenhada pela histoacuteria a partir do
seacuteculo XVI durante a Alta Renascenccedila que se torna exemplo para os
seacuteculos seguintes
A partir de um grupo de pesquisas (i) pesquisa lsquoRetratos da Leitura
no Brasilrsquo16 do Instituto Proacute-Livro em conjunto com Observatoacuterio do
14 FURLAN 2004 opcit p11-12 15 NIDA Eugene Albert Bible Translation ndash in Mona Baker (ed)
Routlegde Encyclopedia London New York Routledge 2001 pp24-5 16 Dimensionamento amostral nacional secular (natildeo religioso) com a
margem de erro maacutexima estimada 14 pp e metodologia legitimamente aceita
A Biacuteblia eacute apontada vaacuterias vezes nos resultados i) eacute o gecircnero mais lido (acima
de livros didaacuteticos romance livros religiosos contos literatura infantil histoacuteria
de quadrinhos κτλ) ii) em 2007 com 570 milhotildees de leitores (45 da base de
leitores) em 2001 com 411 (42) 1ordm lugar em lsquoGecircneros que costumam lerrsquo
lsquoLivro mais marcantersquo lsquoO uacuteltimo livro que leu ou estaacute lendorsquo κτλ Escopo da
pesquisa medir intensidade forma motivaccedilatildeo e condiccedilatildeo de leitura da populaccedilatildeo
36
Livro e da Leitura IBOPE Inteligecircncia ABRELIVROS CBL amp SNEL
(Brasiacutelia 29 de marccedilo de 2012) que objetiva um amplo diagnoacutestico
nacional do comportamento de leitura do brasileiro que norteia decisotildees
do mercado editorial (ii) lsquoPesquisa internacional sobre leitura da Biacuteblia
na perspectiva ecumecircnicarsquo (Vaticano novembro de 2007 - julho de
2008)17 (iii) pesquisas do CEBI ndash Centro Ecumecircnico de Estudos
Biacuteblicos CERIS ndash Centro de Estatiacutestica Religiosa e Investigaccedilotildees
Sociais et aliӕ pode-se afirmar que milhotildees de leitores ou ouvintes
diariamente entram em contato com um texto sagrado18 atraveacutes da leitura
direta destes textos traduzidos pela audiccedilatildeo de sermotildees e palestras ou
atraveacutes de comentaacuterios e devocionais Poreacutem para este amplo puacuteblico nos
deparamos com um nuacutemero ainda insuficiente de teoacutericos que estudam
com cuidado a traduccedilatildeo recepccedilatildeo e comunicaccedilatildeo19 destes escritos
cristatildeos o que entre outros motivos jaacute justifica a empreitada
brasileira Metodologia resultados e outros ndash in Proacute Livro (on-line) lt
prolivroorgbriplpublier40dadosanexos2834_10pdf gt acessado em
19122012 17 DIOTALLEVI Luca (org) La ricerca dei dati JFK-Eurisko JFK-
Eurisko amp Ecclesia Vaticano Departamento de Sociologia ndash Universitagrave Roma
TRE 2008 Apresentada pelo presidente do Pontifiacutecio Conselho para a Promoccedilatildeo
da Unidade dos Cristatildeos Cardeal Walter Kasper e o secretaacuterio-geral das
Sociedades Biacuteblicas Rev Archibald Miller Milloy apontam que no periacuteodo da
pesquisa os niacuteveis mais baixos de leitura biacuteblica dos paiacuteses cristatildeos pesquisados
encontram-se na Franccedila e Espanha (20) e o mais alto nos EUA (75) Outros
dados na Europa ao contraacuterio das Filipinas e EUA as homilias natildeo satildeo
apreciadas Nos EUA Alemanha e Itaacutelia a televisatildeo eacute o meio de comunicaccedilatildeo
religiosa preferido 18 As pesquisas (i) e (ii) isoladas jaacute nos permitem vislumbrar milhotildees de
leitores diaacuterios da Biacuteblia Mas temos leitores do Bhagavad-Gita Tanakh Tri-
Pitakas Riq veda Amnaya Alcoratildeo Sunnah ou Hadith Livro de Moacutermon
Talmude Livro dos Espiacuteritos Livro dos Meacutediuns Kojiki Zend Avesta Guru
Granth Sahib Mahabharata Nihon Shoki Evangelho segundo o Espiritismo
Espiacuterito de Profecia et alii 19 O termo aqui seraacute empregado na perspectiva lsquosocialrsquo ou seja
ldquocomunicaccedilatildeo socialrdquo conforme art MASON Ian Communicativefuncional
approaches ndash in Mona Baker (ed) Routlegde Encyclopedia London New
York Routledge 2001 pp30-1 Este artigo perpassa os trabalhos de cf
LASSWELL-1945 e NORD-1991 onde a noccedilatildeo comunicaccedilatildeo e alteridade
concebem a aspiraccedilatildeo de partilha de uma extensa gama de sentidos
particularmente os extralinguais (culturais psicoloacutegicos antropoloacutegicos
sociolinguiacutesticos soacutecio-histoacutericos κτλ) Segundo HYLMES-1971 o conceito de
ldquocommunicative competencerdquo contrapotildee ldquocapacidade e manifestaccedilatildeordquo da
37
A complexidade da traduccedilatildeo da literatura cristatilde antiga aponta os
para os consequentes desafios (i) embora pareccedila oacutebvio as publicaccedilotildees
religiosas eg as Biacuteblias Ave Maria20 e a versatildeo da New Internacional Version21 demonstram a necessidade de se evitar uma superficialidade
ingecircnua no trato com tais textos (ii) de natildeo escamotear as conjunturas
histoacuterico-literaacuterias que surpreendem pelo rebrote destas eg versotildees
biacuteblicas parafraseadas BNL NTLH22 (iii) de distinguir e lidar com a
resistecircncia dos fundamentalismos jaacute sedimentados (iv) e de entender que
a interpretaccedilatildeo desta literatura e as questotildees da sua traduccedilatildeo lsquooscilam
historicamente de um lado para o outrorsquo A despeito do problema desta
complexidade acima referida eacute instigante estarmos abertos a novos
olhares acerca das demandas tradutoacuterias do material textual do periacuteodo
subapostoacutelico no contexto do cristianismo nascente (deuterocanocircnicos
apoacutecrifos apoacutecrifo-gnoacutesticos judaico-cristatildeos κτλ)
Por fim o aacutepice na busca por traduccedilotildees da corpora23 dos textos
apoacutecrifos gnoacutestico-cristatildeos deu-se de forma enviesada com a
controversa obra de vendagem magistral24 ndash The Da Vince Code Brown
mundo afora sacudiu a feacute de milhotildees com a abordagem de temas como
prelados irmandades movimentos religiosos diversos alguns abduzidos
da historicidade fruto de labor tradutoacuterio silencioso a partir das trecircs
ldquolinguagem e da liacutenguardquo conforme a dicotomia formal chonskyana-1965 de
ldquocompetence performancerdquo Neste mesmo sentido uide STEINER George
Depois de Babel Curitiba UFPR 2005 pp77-9 a compreensatildeo resultado
efetivo da comunicaccedilatildeo eacute vista como traduccedilatildeo (ambos meios de acesso social) 20 A mais comercializada e popular versatildeo entre catoacutelicos brasileiros uma
re-traduccedilatildeo a partir do francecircs 21 Mais conhecida como NIV ou NVI a mais vendida entre protestantes no
Brasil tatildeo alterada de ediccedilatildeo a ediccedilatildeo por questotildees comerciais que atualmente
eacute amplamente reconhecida como ldquofamiacutelia NVIrdquo 22 Respectivamente Biacuteblia na Linguagem de Hoje Nova Traduccedilatildeo na
Linguagem de Hoje 23 O uso de corpus (nom sg) eacute mais usual para se referir a um coletivo de
textos (pt) devido ao latim vulgar Poreacutem preferimos aqui uso da expressatildeo
latina corpora (n pl) que expressa com mais riqueza o sentido deste coletivo (tatildeo
diverso) natildeo soacute por uma questatildeo lexicograacutefica mas de estiliacutestica 24 Com mais de 80 milhotildees de exemplares este romance paradoxalmente
histoacuterico-ficcional jaacute despontava como sucesso mas natildeo se tinha noccedilatildeo da
extensatildeo colossal que esta teoria conspiratoacuteria despertou junto ao grande puacuteblico
com o lanccedilamento da versatildeo fiacutelmica
38
deacutecadas anteriores tambeacutem de outros mais contemporacircneos25 Nesse
ressurgir do interesse pelos ldquoapoacutecrifosrdquo Brown reinventa na literatura26 a
possibilidade de que no cristianismo nascente27 teria encetado uma
conspiraccedilatildeo para dissimular o ldquoepisoacutediordquo que Jesus se casara com Maria
de Magdala28 personagem que traz retratada por Da Vinci na Uacuteltima
Ceia
Um aspecto eacute de particular interesse agrave discussatildeo de Atos de Pedro
a tessitura desta trama subjaz em certa medida estruturada no achado
tambeacutem na dilataccedilatildeo do espectro de uso dos escritos apoacutecrifo-gnoacutesticos29
de Nag Hammadi 194530 cuja afirmativa estaacute no personagem Teabing
ldquo80 evangelhos foram estudados para compor o Novo Testamento e no
entanto apenas alguns foram escolhidos ndash Mateus Marcos Lucas e
Joatildeordquo31 Esta tessitura faz um construir sobre recuperando questotildees no
ponto em que ocorre a tecircnue linha divisoacuteria entre a histoacuteria (descriccedilatildeo dos
historiadores) e a ficccedilatildeo (imaginaccedilatildeo fantasia do autor)32
25 eg Opus Dei Iluminatti Priorado de Siatildeo Templaacuterios Maccedilonaria
κτλ 26 Ilustram a anterioridade deste gecircnero literaacuterio de tecircnue linha divisoacuteria
entre histoacuteria e ficccedilatildeo A Reliacutequia de Eccedila de Queiroz (1887) O Evangelho
Segundo Jesus Cristo de Joseacute Saramago (1981) e The Escaped Cock (reintitulado
posteriormente para The Man Who Died) de David Hebert Lawrence (1929) 27 Ainda nem catoacutelico nem ortodoxo e nem protestante 28 HASKINS Susan Mariacutea Magdalena mito y metaacutefora Barcelona
Herder 1993 p35 este nome teria vindo do heb El-Mejdel ou migdal e do aram
magdala significando torre Centro comercial da eacutepoca do Segundo Templo
Rota internacional onde pessoas de religiotildees e costumes distintos se encontravam
no mercado localidade que se destacava na produccedilatildeo do peixe salgado tecido
tingido e agropecuaacuteria e onde coexistiam pacificamente as culturas judaica e
helecircnica Foi arruinada em razatildeo da ignomiacutenia e do comportamento devasso de
seus habitantes em 75 o que poderia de certa forma ter contribuiacutedo para mudar
o nome e a reputaccedilatildeo de Maria de Magdala 29 Igual ao que temos em AtsPe mdashmdash Definiremos mais adiante o uso
incorreto mas sedimentado desta expressatildeo 30 De onde tambeacutem provecircm frgg de AtsPe texto rechaccedilado tatildeo veemente
quanto foi a sua circularidade e a pretensatildeo canocircnica do autor maiores detalhes
uide nt-66 infra mdashmdash Brown utiliza-se de simbologias eventos e personagens
extraiacutedos dos textos apoacutecrifos gnoacutestico-cristatildeos 31 BROWN Dan O Coacutedigo da Vinci Satildeo Paulo Sextante 2003 p220 32 Eacute fato tambeacutem que a obra de BOCK Darrell L BOCK Heiko
Breaking The Da Vinci Code Answers to the Questions Everybodys Asking
Nashville Nelson Books 2004A-B in toop atrelada a outras tantas contestaccedilotildees
39
Mas faz-se imperioso abordar os reptos mais seacuterios levantados
com este romance daquilo Ehrman33 definiu hoje comumente aceitos
como ldquoescrituras perdidasrdquo e ldquocristianismos perdidosrdquo Natildeo poucos
scholars avalizam que o cacircnon34 de livros do NT deu-se de modo bastante
como de Martin Lunn Erwin W Lutzer Dan Burstein Carl E Olson amp Sandra
Miesel Steve Kellmeyer tenham refutado-a com notaacutevel facilidade agrave
classificaccedilatildeo de romance ficcional mdashmdashmdash Representam uma modesta amostra
da inexoraacutevel reaccedilatildeo religiosa LUNN Martin Da Vinci Code Decoded The
Truth Behind the New York Times 1 Bestseller New York Disinformation
Company 2004 LUTZER Erwin W The Da Vinci Deception Illinois Tyndale
House Publishers 2004 BURSTEIN Dan Secrets of the Code ndash The
unauthorized Guide to the Mysteries behind the Da Vinci Code New York CDS
Books amp LLC 2004 OLSON Carl E amp MIESEL Sandra The Da Vinci Hoax
San Francisco Ignatius 2004 KELLMEYER Steve Fact and Fiction in the
Da Vinci Code Peoria Bridegroom Press 2004 33 EHRMAN Bart D Site oficial (on-line) lt
httpwwwbartdehrmancombiographyhtm gt acessado em 03022010
Professor-chefe do Departamento de Religiatildeo da Universidade da Carolina do
Norte USA foi protestante mas atualmente considera-se agnoacutestico porque
considera a Biacuteblia adulterada ldquouma vez que natildeo temos acesso aos manuscritos
originaisrdquo Paradoxalmente ocupa posiccedilatildeo no topo da lista de scholars para
estudos do NT Presenccedila constante em programas de TV e raacutedio uma autoridade
internacional nos estudos sobre o cristianismo e vida de Jesus Sua pesquisa eacute
constantemente usada pelas redes NBC CNN History Channel entre outras 34 Por si soacute a questatildeo do cacircnon eacute bastante emblemaacutetica eg na eacutepoca de
Jesus do AT havia trecircs cacircnones (i) o dos fariseus eleito Escritura Sagrada
posteriormente no Conciacutelio judaico de Jacircmnia 90 sendo atual cacircnon judaico de
onde adveacutem o trade (usado pelas Biacuteblias protestantes) (ii) o dos saduceus
extremamente curto (Torah e mais alguns livros) e (iii) a LXX ndash m (trad
gr em 270 aC) que continha outros livros totalizando 53 livros e alguns
acreacutescimos em livros jaacute existentes era o mais usado na eacutepoca de Jesus pois das
aproximadamente 350 citaccedilotildees do AT no NT mais de 300 vecircm da LXX Os
cacircnones cristatildeos satildeo ainda mais muito variados hoje (i) o catoacutelico para o AT
tem 46 livros e 27 para o NT (diferente da LXX para o AT) Hieronymus uma
voz destoante foi para Beleacutem estudar hebraico com os rabinos e defendeu o
cacircnon de Jacircmnia (39 para o AT) mas assim mesmo traduziu os deuterocanocircnicos
(ii) os anglicanos foram os primeiros a adotar o cacircnon judaico para o AT apoacutes a
morte do Rei Tiago ndash a versatildeo antiga da King James version mantinha os 46 livros
para o AT hoje 39 e 27 (iii) o protestante luterano tem 39 no AT e 27 no
NT (e manteacutem os 7 deuterocanocircnicos em apecircndice como leitura edificante natildeo
satildeo sagrados ou inspirados) (iv) o protestante contemporacircneo exclui este
apecircndice (v) os cacircnones ortodoxos satildeo muito diversificados uns dos outros
e normalmente manteacutem os 53 livros da LXX no AT e 27 no NT (vi) as Igrejas
40
arbitraacuterio e a formaccedilatildeo de uma ὀρθοδοξία35 (ὀρθός + δόξα + ια = opiniatildeo
reta expressando qualidade) natildeo se deu unicamente pelo seu meacuterito
Ortodoxas Natildeo-Calcedocianas ndash rejeitam o Conciacutelio da Calcedocircnia sobre a
dualidade de naturezas de Cristo eg a Igreja Ortodoxa Etiacuteope que manteacutem aleacutem
do cacircnon catoacutelico 3 e 4 Mac o acreacutescimo aos Salmos ndash Sl 151 1Ed o Livro de
Enoque o Livro dos Jubileus (estes dois uacuteltimos sequer compotildeem a LXX) no NT
tambeacutem eacute diferente onde constam como canocircnicos AtsPl I Clemens e o Pastor
de HERMAS (gr Ποιμήν του Ερμά heb רועה הרמס ou chamado simplesmente
de O Pastor) (vii) outras Igrejas Ortodoxas que adotam a orientaccedilatildeo dos
Conciacutelios Ortodoxos de Jassy (Romecircnia 1642) e Jerusaleacutem (1672) aleacutem do
catoacutelico recebem como canocircnicos o acreacutescimo Sl 151 1Ed e a Oraccedilatildeo de
Manasseacutes (viii) a Igreja Ortodoxa Siacuteria acrescenta a estes o Pastor de
Hermas (ix) as Epiacutestolas Catoacutelicas Menores (canocircnicas) de II Pe Jd Tg II
e III Jo mais o Ap (de Joatildeo) foram bastante contestadas na Antiguidade e a Biacuteblia
Ortodoxa Siriacuteaca ndash Peshita os exclui (x) nem o Quarto Evangelho (de
Joatildeo) escapou agrave criacutetica e aparece pela primeira vez em alguma lista do cacircnon
apenas ca 170 (xi) de outro lado o Pastor de Hermas Epiacutestola(s) de
Policarpo Ep(s) de Inaacutecio Ep(s) de Clemens tiveram grande aceitaccedilatildeo e
circulaccedilatildeo nas antigas listas canocircnicas do NT os melhores coacutedices para atual
criacutetica textual biacuteblica ndash Codex Alexandrinus Sinaiticus e Vaticanus ndash
testemunham isso (xii) os cristatildeos da Igreja Copta (norte Aacutefrica) conhecem
as palavras de Jesus atraveacutes do ldquopseudoepiacutegrafordquo Ev de Tomeacute ndash λόγια (=
coletacircnea ditos de Jesus) (xiii) Igrejas como a Ortodoxa Armecircnia Ortodoxa
Russa Ortodoxa Grega κτλ tecircm ainda hoje cacircnones diferentes destes anteriores
ou atribuem niacuteveis de inspiraccedilatildeo diferenciados (xiv) Martin Luther chamou
a Ep de Tiago (canocircnica) de ldquoepiacutestola de palhardquo devido a sua vontade de subtraiacute-
la do cacircnon natildeo ocultou sua intenccedilatildeo tambeacutem reacendeu o debate sobre os
ἀντιλεγόμενα (escritos ldquodisputadosrdquo que haacute algueacutem proeminente ldquocontraacuterio a
elardquo) nos Pais da Igreja que levou que se chama de Antilogoumenas de Lutero
(xv) John Calvin afirmou nas Institvtio Christianaelig religionis (maior obra
teoloacutegica protestante ateacute a atualidade) que o Apocalipse (de Joatildeo canocircnico) ldquomais
atrapalhava do que ajudava com sua presenccedila no canocircnrdquo (xvi) Os Ev(s) dos
Hebreus e dos Ebionitas (natildeo canocircnicos) ainda circulam em algumas listas de
cacircnon Cada parte insiste na visatildeo de harmonia mas essas divergecircncias
representam uma visatildeo mais objetiva da questatildeo canocircnica ainda hoje Isto sem
adentrar na desarmonia intra dos textos aceitos comumente como canocircnicos eg
os quatro Evangelhos (xvii) Ainda no seacutec VIII na lista de ἀντιλεγόμενα
do Patriarca Niceacuteforo I de Constantinopla figura o Apocalipse ou Revelaccedilatildeo
Epiacutetome ad tempora 35 Expressatildeo especializada que no sentido atual ocorre a primeira vez com
o Imperador Teodoacutesio 381 Apesar de tal expressatildeo cristalizada entre noacutes o
Dictionnaire Grec-Franccedilais A Bailly sequer faz menccedilatildeo Igualmente o Lexicon
Liddel amp Scott que natildeo possui um verbete proacuteprio para o termo (apenas uma
menccedilatildeo marginal) O conceituado internacionalmente DPAC (it) ndash
41
todavia pela perspicaacutecia poliacutetica de um lado vitorioso A despeito deste
tema Layton afirma que
Uma das principais linhas divisoacuterias no vasto
terreno da histoacuteria cristatilde antiga eacute a ascensatildeo ao
trono do imperador proacute-cristatildeo Constantino
Magno em 306 dC A partir daiacute o cristianismo
comeccedilou a ser adotado mais e mais abertamente
como a religiatildeo do governo imperial romano Com
isso a ideacuteia (sic) e a realidade de uma Igreja uacutenica
unificada e ortodoxa foram aos poucos se
estabelecendo Mas nos trecircs seacuteculos antes de
Constantino eacute mais difiacutecil encontrar algo
semelhante a uma Igreja principal ou a uma
tradiccedilatildeo central em vez de uma corrente principal
encontram-se vaacuterios afluentes36
O que percebe-se eacute que nunca houve uma era tatildeo bem servida de
recursos como este derradeiro meio seacuteculo decorrido surpreendentes
achados arqueoloacutegicos (Qumran Nag Hammadi et alii) avanccedilos da
Ecdoacutetica a Linguiacutestica aflora neste seacuteculo para oferecer seu contributo a
conexidade e disponibilizaccedilatildeo de pesquisas digital-virtualmente avanccedilo
nos estudos filoloacutegicos descobertas de substacircncias para o trato com
pseudoepiacutegrafos κτλ Sem qualquer pretensatildeo na demanda teoloacutegica eacute
presumiacutevel que estejamos agora em melhor ponto de vista por dispormos
de outros evangelhos atos e epiacutestolas alguns fonte dos proacuteprios
gnoacutesticos e que nos permitem melhor juiacutezo no que acreditavam ou o que
foi axioloacutegico no(s) cristianismo(s) primitivo(s)
BERARDINO Angelo Di (org) Dizionario Patristico e di Antichitagrave Cristiane
(it) Rome Instituto Patristico Augustinianum 1988 e DPAC (pt) Satildeo Paulo
Petroacutepolis Paulus Vozes 2002 p1054 indica o uso especializado deste termo
aos tempos subapostoacutelicos das cartas pastorais (1Tm 13 63) o que natildeo
corresponde pois os termos empregados laacute satildeo outros ἑτεροσδιδασκεῖν (13) e
ἑτεροσδιδασκεῖ (63) que aplicadas ao rigor exegeacutetico natildeo restariam sequer
conotativos No aparato criacutetico NGT (Greek New Testament ndash 4ordf Rev Ed) mais
atual texto criacutetico do NT natildeo temos manuscritos discordantes das palavras gr
supra nem K ou P ou qualquer Pai da Igrejavid ateacute 381 resta a hipoacutetese
hermenecircutico-teoloacutegica evidente 36 LAYTON Bentley As escrituras gnoacutesticas Satildeo Paulo Loyola 2002
pXVII
42
Natildeo eacute Brown o uacutenico exemplar deste reabrolhar dos apoacutecrifos Haacute
uma gama de textos e suas versotildees fiacutelmicas que satildeo dignos de menccedilatildeo37
A cada dia novas abordagens voltadas agraves pedras angulares do
cristianismo tecircm sido difundidas por material de leitura faacutecil e em
especiais de televisatildeo sobre Maria de Magdala o Coacutedigo da Vinci e muito
mais por scholars bem articulados como King38 Pagels39 e Ehrman40
Neste ponto avulta-se a relevacircncia dos Estudos da Traduccedilatildeo para
o trato com textos sagrados ndash tatildeo privados e sensiacuteveis suas demandas
tradutoacuterias ndash natildeo soacute quantitativas mas igualmente qualitativas e a
consequente lide hermenecircutica envolvida nesse processo o que justifica
e legitima o labor desta tese Por este caminho nesta tese se pretendeu
deliberar por pressupostos das teorias de traduccedilatildeo que norteiem um plano
tradutoacuterio para textos do ambiente cristatildeo dos seacuteculos I-II Com o uso de
teoacutericos em diaacutelogo supra mencionados e diacronicamente se tentou
evitar o sobressair de algum destes com tal superioridade que marque ou
acastele a traduccedilatildeo dos AtsPe41
Apartada a antiga acusaccedilatildeo de que alguma traduccedilatildeo que pretenda
ser bela deve ser arrolada entre as belles infidegraveles a acepccedilatildeo do termo
lsquotraduccedilatildeorsquo aqui avanccedila a partir do modelo benjaminiano de ldquoformardquo ndash ldquoA
traduccedilatildeo eacute uma forma Concebecirc-la como tal implica regressar ao
37 eg a milionaacuteria trilogia de filmes dos irmatildeos Wachowski ndash Matrix
Matrix Reloaded e Matrix Revolutions que lucraram aleacutem de um bilhatildeo de doacutelares
e fascinaram com muitos oscars outros como Minory Report de Spielberg O
Troco de J Woo os claacutessicos da seacuterie Blade Ranner de R Scott o Stigmata de
R Wainwrigtht cuja temaacutetica eacute um diaacutelogo extraiacutedo do Ev de Tomeacute com
desdobramentos nas questotildees sobre liberdade e a austeridade hieraacuterquica vaticana
e a prodigiosa ficccedilatildeo de Philip K Dick site oficial (on-line) lt
httpwwwphilipkdickcom gt acessado em 19102010 todos estes tambeacutem
captaram esta demanda Para abreviar a vastiacutessima lista ainda cito os best-sellers
e filmes The Bible Code Bible Code II The Countdown e Bible Code III Saving
the World de Michael Drosnin 38 Karen King ndash Universidade de Harvard 39 Elaine Pagels ndash Universidade de Princeton 40 Bart D Ehrman ndash Universidade da Carolina do Norte 41 eg outras escrituras sagradas para as quais cabem os mesmos cuidados
teoacutericos o Bhagavad-Gita do hinduiacutesmo Biacuteblia Hebraica do judaiacutesmo (heb תנך
transl Tanakh Torah Profetas e Escritos) o Tri-Pitakas do budismo o NT do
cristianismo e o Alcoratildeo dos muccedilulmanos Haacute uma extensa gama de textos
sagrados (outros chamados ldquoapoacutecrifosrdquo diferenccedilas entre os cacircnones κτλ) que se
tem notiacutecia no entanto estes satildeo mais conhecidos e tambeacutem pela maior parte da
populaccedilatildeo mundial
43
originalrdquo42 Assim sendo se ldquoreconceitua a tarefa do tradutor trans-pocircr
trans-formar Entenda-se formar noutra liacutengua re-formar na liacutengua da
traduccedilatildeo a arte do originalrdquo43 Quando encerra seu ensaio Walter
Benjamin define traduccedilatildeo de textos sagrados
Natildeo existe no entanto nenhum texto aleacutem do
sagrado no qual o sentido deixe de ser o separar das
aacuteguas entre as torrentes da liacutengua e as torrentes da
revelaccedilatildeo No momento em que o texto
imediatamente sem sentido intermediaacuterio
pertence na sua literalidade agrave verdadeira liacutengua agrave
verdade ou agrave doutrina aiacute ele eacute pura e simplesmente
traduziacutevel E natildeo por sua vontade mas por vontade
das liacutenguas Eacute exigida em relaccedilatildeo a ele uma
confianccedila ilimitada da traduccedilatildeo de tal modo que
sem tensatildeo liacutengua e revelaccedilatildeo tecircm aqui de se
reunir sob a forma de versatildeo inter-linear (sic)
como no outro caso literalidade e liberdade Pois
todos os grandes escritos contecircm num certo grau ndash
os sagrados poreacutem no mais alto grau ndash entre as
linhas a sua traduccedilatildeo virtual A versatildeo inter-linear
(sic) do texto sagrado eacute a imagem originaacuteria ou
ideal de qualquer traduccedilatildeo44
Atraveacutes de Benjamin percebemos que a traduccedilatildeo sacra eacute
ldquodesassossegadardquo tal como a proacutepria literatura sagrada o eacute Sendo por
vezes paradoxal em certos aspectos o que nos leva a natildeo nos valermos
tatildeo somente de esquemas prontos e ajustados para atingir nossos fins
tradutoacuterios Por outro lado tem sido faacutecil ficar apreensivo com as
disputas ou ateacute com a falta de meacutetodo Tem-se ansiado pelo ldquoteorrdquo e
ldquoacepccedilatildeordquo poreacutem deslembrados de que natildeo existe ingresso direto ao
conteuacutedo e agrave significaccedilatildeo agrave parte de algum dos possiacuteveis meacutetodos
legiacutetimos de traduccedilatildeo Para demonstrar daremos ao longo desta tese
42 BENJAMIN Walter A Tarefa do Tradutor (Die Aufgabe des
Uumlbersetzers Gesammelte Schriften 1921 IV1 pp9-21) Lisboa 1999 p13
(on-line) lt httpwwwc-e-morgwp-contentuploadsa-tarefa-do-tradutorpdf gt
acessado em 13092012 Aqui por ldquoformardquo entenda-se como regresso a forma
mais iacutentima do original que conteacutem sua traduzibilidade 43 FURLAN Mauri Linguagem e traduccedilatildeo em Walter Benjamin ndash in
Anais do XI Encontro Nacional da Anpoll Joatildeo Pessoa 1996 pp551-6 44 BENJAMIN opcit p13 Ensaio que tanto furor acendeu nos teoacutericos
da Teoria da Recepccedilatildeo
44
exemplares exegeacuteticos que fazem aproximaccedilotildees ao texto com suposiccedilotildees
acomodaccedilotildees e ferramentas de anaacutelise que levam a eleger uma ou outra
categoria do escrito e arranjar realccedilar e interpretar tais aspectos como
arqueacutetipos significativos Portanto natildeo deve-se passar raacutepido agrave praacutetica
sem uma cuidadosa ponderaccedilatildeo As teorias nos lanccedilam luz supina sobre
os assuntos sobre o meacutetodo e as implicaccedilotildees da nossa praacutetica tradutoacuteria
cuja discussatildeo se daraacute no Capiacutetulo II
Nesta mesma direccedilatildeo quando Borges discute a questatildeo da
obscuridade do enigma e da transposiccedilatildeo linguiacutestica num artigo acerca
das traduccedilotildees de Homero ldquosem destacar nenhuma delas como lsquosuperiorrsquo
as demaisrdquo acaba por definir a traduccedilatildeo feita a partir de uma liacutengua
claacutessica como ldquoNenhum problema eacute tatildeo consubstancial com as letras
[claacutessicas] e com seu modesto misteacuterio com o que propotildee uma
traduccedilatildeordquo45
Somente com visatildeo equilibrada e a consciecircncia ajustada do uso do
meacutetodo enquanto verdadeiro e diligentemente justaposto ao texto antigo
teremos condiccedilotildees (i) de perceber porque alguns exegetas biacuteblicos tecircm
tanto discordado em suas conclusotildees (ii) de proporcionar relato
contemporacircneo seguro e afianccedilaacutevel (iii) e prover arguiccedilatildeo apologeacutetica
que resguarde nossos proacuteprios meacutetodos e procedimentos
Entre as justificativas que abonaram a concretizaccedilatildeo da traduccedilatildeo
de AtsPe destacou-se necessidade de dar-se primazia ao meacutetodo
histoacuterico-criacutetico cuja escolha implicou na necessidade de tentar re-criar46
45 BORGES Jorge Luis As versotildees homeacutericas ndash in Discussatildeo Satildeo
Paulo Difel 1985 p71 46 Para justificar este ldquore-criarrdquo temos de EAGLETON Terry Teoria da
Literatura Uma introduccedilatildeo Satildeo Paulo Martins Fontes 2006 pp18-9 quando
trata de obras literaacuterias que atravessaram seacuteculos menciona que ldquoPode
acontecer eacute claro que ainda conservemos muito das preocupaccedilotildees inerentes agrave
proacutepria obra mas pode ocorrer tambeacutem que natildeo estejamos valorizando
exatamente a lsquomesmarsquo obra embora nos pareccedila O lsquonossorsquo Homero natildeo eacute igual
ao Homero da Idade Meacutedia nem o lsquonossorsquo Shakespeare eacute igual ao dos
contemporacircneos desse autor Diferentes periacuteodos histoacutericos construiacuteram um
Homero e um Shakespeare lsquodiferentesrsquo encontrando em seus textos elementos a
serem valorizados ou desvalorizados embora natildeo necessariamente os mesmos
Todas as obras literaacuterias em outras palavras satildeo lsquoreescritasrsquo mesmo que
inconscientemente pelas sociedades que as leem (sic) na verdade natildeo haacute
releitura de uma obra que natildeo seja tambeacutem uma lsquoreescriturarsquo Nenhuma obra e
nenhuma avaliaccedilatildeo atual dela pode ser simplesmente estendida a novos grupos
de pessoas sem que nesse processo sofra modificaccedilotildees talvez quase
imperceptiacuteveisrdquo
45
o legado da Antiguidade quanto foi possiacutevel dentro do acircmbito e da
extensatildeo propostas pela pesquisa (i) as praacuteticas e haacutebitos sociais (ii)
argumentaccedilotildees e raciociacutenios desenvolvidos no texto a partir de normas e
regras decodificadas atraveacutes de textos paralelos (iii) e tambeacutem aspectos
intelectivos e morais da eacutepoca Isto como forma de provocar a
recomposiccedilatildeo de algumas das representaccedilotildees do orbis do cotidiano do(s)
cristianismo(s) nascentes da poliacutetica e praxis do Impeacuterio Romano no
periacuteodo subapostoacutelico Dispensou-se sempre maior atenccedilatildeo aos entretons
de cunho cronoloacutegico e terminoloacutegico colocando em interface
informaccedilotildees de muacuteltiplas fontes tendo o cuidado da criacutetica histoacuterica
apropriada da criacutetica textual e literaacuteria e finalmente sempre justificando
as opccedilotildees escolhidas Nem se desprezou a riquiacutessima iconografia
autocircnoma que importam fontes e mediam rastros de reflexatildeo da
Antiguidade as quais julgamos uacuteteis a esta pesquisa estatildeo ocupando as
paacuteginas intercapitulares e lacunas em branco
Elegeu-se insistimos neste norte o meacutetodo histoacuterico-criacutetico
usado em averiguas diacrocircnicas47 em detrimento aos meacutetodos
fundamentalista48 e o estruturalista49 Sendo lsquocriacuteticorsquo deve emitir uma
seacuterie ponderaccedilotildees acerca das fontes do seu objeto de estudo Neste
particular abandona-se a hermenecircutica alegoacuterica medieval na busca de
um sentido literal que tambeacutem mira na relativizaccedilatildeo de postulados
dogmaacuteticos da tradiccedilatildeo Eacute uma metodologia por essecircncia racional50 e
insistentemente inquisitiva Eacute tambeacutem lsquohistoacutericarsquo porque labuta com
fontes histoacutericas que remontam seacuteculos ou ateacute milecircnios cujos estaacutegios
formativo-transmissivos restam contaminados pelo processo tradiccedilatildeo oral
e da evoluccedilatildeo do texto que nos legou criando eras ou siacutetios distintos de
compreensatildeo do mesmo Analisando portanto a substancialidade das
47 Visada sob o prisma da gecircnese e gradativa evoluccedilatildeo de dado escrito
conjecturando elucidar a acepccedilatildeo mais original quanto possiacutevel dentro dos
diversos estaacutegios transmissivos 48 Sua hermenecircutica sobreveacutem de um ponto de vista literal e histoacuterico
Mostra-se contraacuterio a anaacutelises criacuteticas por pressupor certos dogmas (eg
canonicidade) e aponta constantemente em direccedilatildeo a inerracircncia de textos
comunidades e autores 49 Eacute a interpretaccedilatildeo que desconsidera a transmissibilidade de textos ou
seja sincrocircnica O foco daacute-se nos atuais inteacuterpretes nas ldquoestruturas de
linguagemrdquo a manifesta e a profunda na pragmaacutetica na semacircntica e na
linguiacutestica-sintaacutetica 50 Na acepccedilatildeo do Iluminismo e posterior
46
categorias histoacutericas que motivaram essas fontes em seu vario espectro
evolutivo
Outra decorrecircncia metodoloacutegica preliminar optou-se nesta
pesquisa por desenvolver siacutenteses concisas em determinados aspectos
da praacutetica tradutoacuteria noccedilotildees literaacuterias questotildees histoacutericas e teoloacutegicas
κτλ em textos sagrados no contexto do(s) cristianismo(s) nascentes51
Nesta temaacutetica existe uma ampla gama de conhecimentos e abordagens
psicoloacutegicas religiosas miacutesticas esteacuteticas pessoais e ateacute coletivas Natildeo
haacute como abordaacute-las todas alguns aspectos mais perifeacutericos
permaneceram intocados Sob este ponto de vista metodoloacutegico elegeu-
se formular proposiccedilotildees sucintas em diversos aspectos o que nos ajudou
a envolver um nuacutemero maior de questotildees que exigem a nossa atenccedilatildeo
assim como evitar o impulso de dar respostas definitivas que se limitam
sempre a um determinado ponto de vista Os documentos usados para esta
(re)construccedilatildeo mental do passado foram submetidos a pontos de vista
diacutespares no sentido de produzir uma multiplicidade de olhares ndash ateacute
paradoxais agraves vezes As proacuteprias fontes numinosas (textuais
iconograacuteficas literaacuterias κτλ) satildeo contraditoacuterias Natildeo poucas vezes datildeo-
51 A Biacuteblia provocou um ciacuterculo literaacuterio ao seu entorno fato que eacute
reconhecido hoje por ser o uacutenico livro declarado Patrimocircnio da Humanidade o
mais vendido no mundo Aleacutem de o mais lido certamente tambeacutem o mais citado
e estudado em trabalhos cientiacuteficos e ensaiacutesticos Traduzido completamente ou
em porccedilotildees para mais de 2287 liacutenguas e dialetos diferentes talvez por isso o
identifiquemos apenas como ldquoo Livrordquo ou precisamente o coletivo n pl gr ldquoos
Livrosrdquo ndash τά βίβλια que pelo latim vulgar restou-nos chamado pelo sg ndash a Biacuteblia
Judeus e cristatildeos o tecircm como sagrado por crerem que tenha sido revelado por
Deus e ateacute ateus e increacutedulos leem estes escritos alguns com mais de 3000 anos
com admiraccedilatildeo e respeito Muito da grande literatura claacutessica mundial tem sua
construccedilatildeo imageacutetica nestes textos Aqui no Brasil eacute comum mesmo em casas de
descrentes ver-se a Biacuteblia aberta num atril em algum lugar de destaque na sala
principal da casa numa forma de trato especial como se outros livros carecessem
disso Sem falar dos nomes biacuteblicos dados a maioria das crianccedilas mundo a fora
das ediccedilotildees cinza colocadas nas mesinhas de cabeceira dos hoteacuteis presiacutedios
organizaccedilotildees militares κτλ O texto biacuteblico conteacutem todos os gecircneros literaacuterios
poesia narraccedilotildees histoacutericas contos hinos proveacuterbios profecias oraccedilotildees κτλ
com o melhor dos ingredientes da grande literatura mundial violecircncia erotismo
intriga humor denuacutencia misteacuterio curiosidades κτλ Acrescido ainda das
especulaccedilotildees no suposto ldquocoacutedigo secreto matemaacutetico do texto hebraicordquo que
segundo alguns tecircm tentado demonstrar com ajuda de poderosos computadores
apontaria para a previsatildeo de eventos futuros Mentes brilhantes deram os
melhores anos das suas vidas nesta mesma busca eg Isaac Newton Miquegravel de
Nostradama Leonardo da Vinci κτλ
47
nos vaacuterias representaccedilotildees mas que foram mantidas cativas aos
pressupostos epistemoloacutegicos anunciados aqui E com o apropriado
cruzamento de informes interdisciplinares provindos da histoacuteria das
religiotildees (especialmente a histoacuteria do cristianismo) da linguiacutestica
antropologia psicologia literatura arqueologia e ateacute numismaacutetica (nos
casos de menccedilatildeo a valores) Isto posto para que de alguma forma o
(re)construir se decirc o mais sustentaacutevel possiacutevel ndash dentro da delimitaccedilatildeo e
limitaccedilatildeo da pesquisa ndash do discurso ideoloacutegico incocircmodo que AtsPe suscitou na Antiguidade (e tambeacutem na atualidade)
Por opccedilatildeo metodoloacutegica foi trabalhado com exaustatildeo o modelo
canocircnico seu sitz im leben sua cultura vivencial histoacuteria forma estilo
sintaxe e outras variaacuteveis sutis que podem implicar numa traduccedilatildeo Os
AtsAp particularmente o AtsPe que foram denominados de ldquoapoacutecrifosrdquo
pelo seu conteuacutedo forma e pela disputa da paternidade apostoacutelica
invariavelmente devem ser remetidos ao cotejo com os modelos
canocircnicos Qualquer escrito eacute depositaacuterio de alguma tradiccedilatildeo literaacuteria ou
textual e a exempla em maior ou menor grau de originalidade ndash Atos de Pedro natildeo eacute exceccedilatildeo
Aleacutem disso esta tese estaacute dividida em quatro capiacutetulos
tematicamente sequenciais de modo que no Capiacutetulo IV se possa
acompanhar com certo grau de naturalidade a traduccedilatildeo de AtsPe Pelo
fato de ter sido legado da Antiguidade e fragmentado em trecircs idiomas o
desafio da distacircncia temporal eacute potencializado pelas demandas
multilinguiacutesticas pluriculturais κτλ que eleva a complexidade para a
visatildeo contiacutegua do texto na sua leitura
Os Capiacutetulos I II e III preacutevios pretendem aplainar esta leitura que
estaacute composta de uma larga passagem em porccedilatildeo em copta Sahiacutedico mais
duas porccedilotildees latinas menores e outra bastante vasta em latim ldquobaacuterbarordquo
aleacutem de uma quinta e extensa porccedilatildeo em grego κοινή liacutengua original
conforme aqui professado Estas quatro primeiras traduccedilotildees de um
original grego perdido cujo procedimento tradutoacuterio aqui caminhou de
contiacutenuo na tentativa de reconstruccedilatildeo do texto na Antiguidade Um
nuacutemero substancial de notas de aparato criacutetico e comentaacuterios evidencia
este esforccedilo
Estes capiacutetulos precedentes agrave traduccedilatildeo particularmente o Capiacutetulo
I formam um introito agrave traduccedilatildeo do AtsPe Neste apresentamos uma
(re)visatildeo da riqueza criacutetica que revolve a obra como problemas e
tendecircncias relativas agrave gecircnese da literatura cristatilde definiccedilatildeo de conceitos
operatoacuterios e criteacuterios de anaacutelise transmissatildeo e recepccedilatildeo do texto na ainda
na Antiguidade revisatildeo datal identidade autoral questotildees de gecircnero
48
literaacuterio e estrutura narrativa aleacutem de algumas generalidades necessaacuterias
ao iniacutecio deste estudo
O Capiacutetulo II conteacutem um exame aleacutem dos estudos mais recentes
apontamentos que mesmo sendo seculares constituem uma valiosa fonte
argumentativa agrave ensaiacutestica sobre Pedro na atualidade Portanto propotildee-
se um ensaio interpretativo da obra de Pedro a partir da tricotomia das
perspectivas de leitura tal como situadas por Eco52 quais sejam intentio auctoris intentio operis e intentio lectoris (i) auctoris uma coletacircnea
das referecircncias biograacuteficas de Pedro provindas da Antiguidade Embora
esteja bastante sedimentado na criacutetica literaacuteria o caraacuteter imanente desta
obra um resgate dos testemunhos biograacuteficos sobre apoacutestolo que
abalizaram a recepccedilatildeo dos AtsPe seraacute vital ateacute mesmo para podermos
propor algumas reavaliaccedilotildees (ii) operis tem lugar uma releitura dessa
riqueza biograacutefica tradicional visando uma interpretaccedilatildeo da obra natildeo
apenas atraveacutes de testemunhos histoacutericos mas principalmente atraveacutes do
conteuacutedo e forma expressa pela proacutepria obra (iii) derradeiramente
lectoris um cenaacuterio da recepccedilatildeo de Pedro nas literaturas de expressatildeo
lusoacutefona que constitui da anaacutelise das citaccedilotildees de Pedro em portuguecircs
Este capiacutetulo tambeacutem estaacute dedicado agraves questotildees tradutoacuterias entre elas as
decorrecircncias advindas de um texto legado via tradiccedilatildeo oral constitutivos
literaacuterios resultantes de uma siacutentese de liacutenguas no ambiente
minorasiaacutetico-palestiniano a distacircncia temporal de uma liacutengua claacutessica e
as acepccedilotildees de lsquoEquivalecircncia Dinacircmicarsquo lsquomovimento hermenecircuticorsquo
lsquoalteridadersquo lsquoestrangeirizaccedilatildeorsquo lsquoetnocentrismorsquo lsquofidelidadersquo e
lsquotransparecircnciarsquo Por fim suscitando discussotildees entre a Teoria da
Pragmaacutetica e a tradutologia de textos apoacutecrifo-cristatildeos
O Capiacutetulo III nos fornece uma noccedilatildeo abrangente da questatildeo da
estratigrafia textual e das linguagens copto-greco-latina bem como a
inter-relaccedilatildeo entre o escrito sensiacutevel e os criteacuterios de anaacutelise de
historicidade e ldquonatildeo-historidaderdquo Tambeacutem expotildee a problematizaccedilatildeo das
demandas de linguagem igualmente a questatildeo da liacutengua original dos
diversos fragmentos Finaliza com a anaacutelise das formas subgecircneros e a
intentio operis e mais detidamente no aparato criacutetico de AtsPe versotildees
textos e local de composiccedilatildeo
Outras demandas metodoloacutegicas praacuteticas desta pesquisa
(i) Identificar o tipo de linguagem e recorte de liacutengua empregado
nos manuscritos (ediccedilotildees criacuteticas em cotejo com fac-siacutemiles)
52 ECO Umberto Os Limites da Interpretaccedilatildeo Lisboa Difel 1992
pp29-31
49
particularmente para a tentativa de lsquore-construccedilatildeorsquo do grego κοινή
(liacutengua original) cujos rastros estatildeo presentes nas largas porccedilotildees legadas
atraveacutes de traduccedilotildees53 notoacuterio pressuposto de qualquer traduccedilatildeo se
revela tarefa bastante complexa ao se tratar dos escritos apoacutecrifos
gnoacutestico-cristatildeos e tem espaccedilo no Capiacutetulo III que expande esta
discussatildeo Entre os toacutepicos estatildeo a noccedilatildeo abrangente da estratificaccedilatildeo
textual e das linguagens os criteacuterios de anaacutelise como lsquohistoricidadersquo e
lsquonatildeo-historicidadersquo a problematizaccedilatildeo das traduccedilotildees da Antiguidade com
a liacutengua original da obra anaacutelise das formas subgecircneros aparato criacutetico
textos e versotildees bem como o possiacutevel local de composiccedilatildeo Embora tenha
havido um preparo preacutevio e amadurecido nas liacutenguas e culturas grega
latina e hebraica (algum do aramaico) a detida revisatildeo do leacutexico
especializado do gnosticismo e constante aprimoramento da liacutengua copta
continuaram sendo desafios imediatos durante o interregno da pesquisa
que foram supridos com o estudo individual mediante consulta a
especialistas
(ii) A metodologia passou pela elaboraccedilatildeo dos procedimentos
teacutecnicos da traduccedilatildeo agrave luz das teorizaccedilotildees nas manifestaccedilotildees tradutoacuterias
de Schleiermacher Nida Berman Venuti e Gutt Tal esforccedilo certamente
aliviou a tensatildeo entre traduccedilatildeo livre e literal e cuja eleiccedilatildeo da
metodologia ldquopassaria a ser informada pela teoria das funccedilotildees da
linguagem pelo tipo de texto e pela finalidade da traduccedilatildeordquo54 Eacute um
programa de traduccedilatildeo ou seja uma interpretatio tanto na sua acepccedilatildeo
tradutoacuteria quanto na hermenecircutica fruto da exegese do documento
original e da revisatildeo criacutetica da tradiccedilatildeo de Pedro em liacutengua portuguesa A
traduccedilatildeo eacute uma procura search55 Sob esse prisma toda traduccedilatildeo requer
um programa mesmo que natildeo explicitamente declarado a fim de garantir
sua coerecircncia interna e atendendo ao requerimento das afinidades de
desvelar a construccedilatildeo de sua pretensa paridade
53 Os termos principais natildeo satildeo apenas escorregadios eles estatildeo muito
claramente marcados por uma dupla acusaccedilatildeo moral e pragmaacutetica o que pode
tornar muito forccediloso o uso neutro onde haacute de se obedecer ao ldquomovimento
hermenecircuticordquo o ato de extraccedilatildeo e transferecircncia apropriadora do significado em
seus estaacutegios cf STEINER 2005 opcit pp317ss 54 BARBOSA Heloisa Gonccedilalves Procedimentos Teacutecnicos da Traduccedilatildeo
ndash Uma nova proposta Campinas Pontes 1990 p111 55 ldquoTranslation is a search for an equivalent not for a substitute It
requires stylistic if not psychological congenialityrdquo cf BRODSKY Joseph
Quase uma elegia Rio de Janeiro Sete Letras 1996 p140
50
(iii) Houve um labor na tentativa de identificaccedilatildeo das organizaccedilotildees
como fontes de dados e pessoas que desenvolvem trabalhos coordenados
e estruturados em torno dos textos apoacutecrifos Outra vez para a pesquisa
em curso fez-se uso aleacutem dos materiais especializados de um rol de obras
de referecircncia thesaurus guias enciclopeacutedicos da literatura patriacutestica
Note-se que para contextualizaccedilatildeo e traduccedilatildeo de AtsPe fez necessaacuterio
alcanccedilar a literatura cinzenta56 tendo em vista agrave formaccedilatildeo de um
aceitaacutevel banco de dados Gestatildeo junto agraves bibliotecas para o acesso aos
documentos foi o componente mais difiacutecil pois se tratam de livros e
materiais bastante antigos muitos ldquosemipublicadosrdquo e natildeo facilmente
encontrados Sem a assistecircncia de pessoas especializadas seria quase
impossiacutevel
Ainda o Capiacutetulo I mencionaraacute mais detidamente o quanto os
textos dos AtsAp representam de alguma forma uma injusticcedila histoacuterico-
literaacuterio-teoloacutegica considerando a total carecircncia de traduccedilotildees e pesquisas
lusoacutefonas Juntamente para melhor ilustrar a rica iconografia cuja
tradiccedilatildeo procede de tais textos exemplificarei com algumas poucas
imagens colocadas nas divisotildees dos capiacutetulos Haacute um riquiacutessimo acervo
neste sentido Do ponto de vista iconograacutefico cristatildeo da Antiguidade
Pedro o apoacutestolo eacute sem duacutevida o personagem mais representado ndash natildeo
seria adequado abrir matildeo destas pistas Para aleacutem das descriccedilotildees
numeacutericas das vezes que aparece retratado informaccedilotildees estatiacutesticas
certamente uacuteteis a descriccedilatildeo fisionocircmica daraacute caracteriacutesticas que o
distinguiratildeo nos seacuteculos posteriores como ldquocabelos crespos testa larga
barba curtardquo57 e que se povoaratildeo o repertoacuterio figurativo de cunho cristatildeo
Entre os motes estabeleceu-se realizar uma traduccedilatildeo e comentaacuterio
criacutetico do Atos de Pedro de acordo com o seguinte enquadramento (i)
traduccedilatildeo dupla coluna biliacutengue (gr cop eou lat rarr pt) (ii) ediccedilotildees
criacuteticas traduccedilotildees que existem pesquisas em curso κτλ (iii) a questatildeo
da unidade de Atos de Pedro (iv) ideaacuterio teoloacutegico (v) caraacuteter de AtsPe
(vi) tipologia dos personagens (vii) o problema das fontes primaacuterias
(utilizaccedilatildeo da Biacuteblia romance grego outras fontes e intertextualidades)
(viii) questatildeo da liacutengua original (como sabemos se eacute traduccedilatildeo ou
original) (ix) o escopo deste texto (x) lugar possiacutevel da composiccedilatildeo
56 Traduccedilatildeo literal de grey literature usado para designar documentos natildeo
convencionais e semipublicados bastante utilizada nesta aacuterea dos estudos cristatildeos
antigos Designa documentos que tecircm pouca probabilidade de serem adquiridos
atraveacutes dos canais usuais de publicaccedilatildeo Contrapotildee o que caracteriza os
documentos convencionais ou formais ou seja a literatura branca 57 DPAC-pt opcit p1127
51
(xi) valor histoacuterico (xii) legenda posterior e (xiii) a ligaccedilatildeo com outros
textos de Pedro Ps-Clemens κτλ E ao final uma singela indaga Que
Pedro surge destes escritos Seria o Pedro do relato canocircnico58 Dito de
outra forma buscar delinear a figura do protagonista dessa obra traccedilando
paralelos contrastes pontos convergentes e divergentes com as vaacuterias
imagens de Pedro segundo as outras fontes documentais cristatildes Esta obra
ldquoapoacutecrifardquo ndash Atos de Pedro eacute aqui antes entendida na forma mais antiga59
do que em reelaboraccedilotildees posteriores60 e estaacute composta por fragmentos
todos em ediccedilatildeo criacutetica Seratildeo utilizadas como ponto de partida as
ediccedilotildees criacuteticas de Vouaux61 Schmidt62 e Bruyne63 em cotejo com os fac-
siacutemiles e outros com textos afins como Atos de Pedro e os Doze
Apoacutestolos em grego da Biblioteca Nag Hammadi
Recorreu-se sempre que foi possiacutevel agraves fontes primaacuterias inclusive
fac-siacutemiles em grego latim copta (hebraico e aramaico em alguma
ocasiatildeo) para o melhor aprofundamento da questatildeo Em textos como
AtsPe cuja criacutetica textual natildeo estaacute suficientemente assentada pode
significar grande ajuda na interpretatio o cuidado comparativo das
ediccedilotildees e traduccedilotildees em cotejo com elementos textuais mais antigos
58 Seraacute usado tambeacutem algumas intertextualidades e menccedilotildees de um largo
frg O Evangelho de Pedro editado por BURIANT Urbain Fragments du livre
drsquoEnoch et Paris 1892 pp137-42 de algumas citaccedilotildees da Pregaccedilatildeo de Pedro
editado por SCHNEEMELCHER Wilhelm Citaccedilotildees da Verkuumlndigung von Peter
(editada) ndash in Neutestamentliche Apokryphen Tuumlbingen Mohr-Siebeck 1987
pp61-3 e um Apocalipse do mesmo apoacutestolo em JAMES Montague Rhode Rh
The apocryphal New Testament Oxford Claredon Press 1924 pp505ss
revisada em 1997 por ELLIOT J K Apocalypse of Peter (1924) ndash in The
Apocryphal New Testament Oxford Claredon Press 1997 59 Esta recensatildeo primitiva foi utilizada nos escritos do Ps-Clemens no
iniacutecio do seacutec III a forma definitiva estaacute contida nos Atos de Pedro latino de
Vercelli seacutec IV 60 PINtildeERO Antonio Hechos apoacutecrifos de los apoacutestoleshellip ndash in BAC
Madrid Trotta 2004 p486ss 61 VOUAUX Leacuteon Les Actes de Pierre Introduction Textes Traduction
et commentaries Paris Librairie Letouzey et Aneacute 1922 pp1-483 62 SCHMIDT Carl Reinhard Die alten Petrusakten im Zusammenhang
der apokryphen Apostelliteratur nebst einem neuentdeckten Fragment
untersucht ndash in TU 91 Leipzig Hinrichs 1903 Tambeacutem ndash in TU 241
Leipzig Hinrichs 1923 63 BRUYNE Donatien de Nouveaux fragments des Actes de Pierre de
Paul de Jean dAndreacute et de lApocalypse dElie ndash in Revue Beacuteneacutedictine tXXV
1908 pp149-60
52
Tambeacutem outro esforccedilo se dirige a evitar a lsquoimaginaccedilatildeo criativarsquo na
leitura de uma eacutepoca liacutengua e lugar tatildeo particulares bem como a
transposiccedilatildeo de modelos interpretativos anacrocircnicos e aplicaccedilotildees que
atendem a outras eacutepocas
Evitou-se passar muito proacuteximo de variantes-dogmas que ao se
apropriarem de certos resultados da pesquisa laboram como inibentes do
juiacutezo loacutegico-histoacuterico Neste mesmo propoacutesito houve um empenho ao de
distanciar-se da demanda teoloacutegico-religiosa sempre que possiacutevel64
No iniacutecio desta tese segue uma lista de abreviaturas por categorias
Nas paacuteginas finais por fim um Glossaacuterio preparado para o leitor
aprofundar-se na natureza desta literatura
64 Isto porque o comprometimento empenhado nesta tese seraacute o de evitar
uma superficialidade ingecircnua (tiacutepica da dogmaacutetica religiosa diversa) Assim
visto para natildeo escamotear determinadas circunstacircncias literaacuterio-teoloacutegicas que
espantam pelo seu frequente rebrote Tambeacutem de distinguir a obstinaccedilatildeo de certos
fundamentalismos religiosos jaacute sedimentados e de igualmente entender que a
hermenecircutica desta literatura lsquosensiacutevelrsquo e das questotildees da sua proacutepria traduccedilatildeo
lsquooscila de um lado para o outrorsquo Mesmo assim eacute instigante estar aberto a uma
nova perspectiva acerca das questotildees da traduccedilatildeo de textos produzidos no periacuteodo
subapostoacutelico no contexto dos cristianismos nascentes (deuterocanocircnicos
apoacutecrifos apoacutecrifo-gnoacutesticos judaico-cristatildeos κτλ)
53
CAPIacuteTULO I ENQUADRAMENTO TEOacuteRICO DA LITERATURA DOS ATOS
Estaacutetua de Satildeo Pedro Na Placo Sancta Petro autor desconhecido 1461 Roma Italia Em maacutermore Fotografo Eigenes Werk
httpdewikipediaorgwindexphptitle=DateiPetrus_on_Piazza_San_Pietrojpgampfiletimestamp=20080620213430
54
ppp ppp
55
CAPIacuteTULO I
ENQUADRAMENTO TEOacuteRICO DA LITERATURA DOS ATOS
Todo ponto de vista eacute apenas a vista de um ponto
(Leonardo Boff 2008)
A literatura cristatilde desde os tempos apostoacutelicos apresentou-se
miscigenada com filosofias e sistemas de ideias do ambiente
sociocultural Entre elas a gnose65 ndash ou bem melhor as gnoses A
produccedilatildeo literaacuteria das comunidades joaninas e paulinas (de Colossas eg) retratam esse embate entre feacute e cultura E se natildeo fora um monge egiacutepcio
anocircnimo na Antiguidade que no seacuteculo IV por pouco livrou do fogo e
escondeu seus livros em jarros natildeo teria sido possiacutevel o grande achado
de 1945 ndash a biblioteca gnoacutestica (natildeo totalmente)66 em Nag Hammadi
Alto Egito67 Esta coleccedilatildeo de veneraacutevel antiguidade nos permite hoje
65 Para LAYTON opcit p8 o gnosticismo foi uma corrente de
pensamento que influenciou o cristianismo emergente (120 a 240 dC) e se
estendeu ateacute o seacutec III em vaacuterias ramificaccedilotildees na Palestina Aacutesia Menor Egito
Siacuteria Araacutebia Peacutersia e Roma Valentino um teoacutelogo do seacutec II tornou-se notoacuterio
na influecircncia dos gnoacutesticos e divulgaccedilatildeo do pensamento gnoacutestico em suas obras
Nos anos 381 quando o imperador Teodoacutesio I reconheceu oficialmente um uacutenico
ramo do cristianismo como ortodoxia catoacutelica os gnoacutesticos e outros tantos grupos
considerados ldquohereacuteticosrdquo foram perseguidos aniquilados e sua literatura banida 66 Temos um trecho de Platatildeo ndash A Repuacuteblica (588A-589B) outro de
Sentenccedilas de Sextus (XIII da filosofia) e de Ensinamentos de Silvano (cf DPAC
eacute VII3 (sic) correto eacute VII4) exemplar da literatura sapiencial cristatilde Haacute uma
grande probabilidade de ter vindo do ambiente monaacutestico pamociano DPAC-pt
opcit pp972-3 et alii 67 As areias quentes e extremamente secas tecircm se mostrado mais uma
vez um local privilegiado de preservaccedilatildeo de importante quantidade de
documentos antigos para a era moderna Nos arredores de Nag Hammadi ficava
o mosteiro de Satildeo Pacocircmio de onde provavelmente veio a urna de argila que
foi enterrada num antigo cemiteacuterio romano desativado no penhasco de Djebel
El-Tarif Com Constantino em 325 comeccedila a ordem aos bispos para
exterminaccedilatildeo de todos estes textos O bispo Atanaacutesio (de Alexandria) a
intensifica em 367 Certamente sem saberem o tesouro que tinham nas matildeos para
a reconstruccedilatildeo histoacuterica do cristianismo os monges das margens do Nilo fizeram
a opccedilatildeo por natildeo queimaacute-los Discute-se a dataccedilatildeo mas alguns destes codices tecircm
ppp ppp
56
demarcar melhor o cristianismo68 reinterpretado por esse modo particular
de ver Deus os homens e o κόσμος Moraldi concatena esta demanda
Depois da descoberta da literatura apoacutecrifa alguns
estudiosos apresentaram a hipoacutetese segundo a qual
uma parte da literatura apoacutecrifa do Novo
Testamento seria superior aos livros canocircnicos e
os evangelhos apoacutecrifos mais antigos seriam
inspiradores dos evangelhos canocircnicos Uma
reaccedilatildeo talvez excessivamente violenta contra essa
posiccedilatildeo teve ao menos em parte o efeito de
desprezar toda a literatura apoacutecrifa Hoje se verifica
a volta de uma posiccedilatildeo mais equilibrada69
Nenhum estudante dessa literatura ignora a existecircncia do apoacutecrifo
Evangelho de Tomeacute70 valioso testemunho sobre a transmissatildeo das
palavras de Jesus fora dos relatos evangeacutelicocanocircnicos E natildeo obstante
transpostos cinquenta anos do descobrimento da mais importante
biblioteca de textos gnoacutesticos de onde deriva este evangelho ainda natildeo
existe traduccedilatildeo completa da coleccedilatildeo para o portuguecircs71 Dos 52 livros
datas entre 50-180 anterior a Εἰρηναῖος (Irinaeligus de Lyon) com alguma
seguranccedila na afirmaccedilatildeo cf DPAC-pt ibid 68 Abdicaremos do termo pl defendido no exordium desta tese para natildeo
ser recursivo em excesso jaacute que o termo cristianismo eacute sedimentado em pt mas
em momento algum fecharemos os olhos para a ideia de cristianismo =
cristianismos em it o usaremos apenas quando quisermos dar ecircnfase agrave ideia 69 MORALDI Luigi Evangelhos Apoacutecrifos Satildeo Paulo Paulus 2008
pp30-1 70 Deste Evangelho de Tomeacute ateacute pouco tempo tiacutenhamos notiacutecias somente
atraveacutes dos Pais da Igreja Quando ocorreu a descoberta de Nag Hammadi
encontrou-se uma versatildeo cop de boa qualidade Apresenta uma coletacircnea de 114
ditos ndash λόγια sem uma riacutegida estrutura textual em forma de resposta a comentaacuterios
e perguntas de disciacutepulos A cada dia a criacutetica textual vem atribuindo valor a este
texto e a sua independecircncia frente aos outros Evangelhos chamados canocircnicos
No texto ldquomaior que Joatildeordquo vecirc-se a intertextualidade e a bem aceita teoria da
antecedecircncia do Evangelho de Tomeacute (46) como fonte para o Evangelho das
Sentenccedilas Q (Quelle ndash natildeo chegou ateacute noacutes) segura fonte dos Evangelhos
canocircnicos de Lucas e Mateus (Lc 728 = Mt 1111) 71 A traduccedilatildeo de Bentley LAYTON para o portuguecircs trata-se de uma re-
traduccedilatildeo do inglecircs sem os textos originais em dupla coluna o que impossibilita
qualquer anaacutelise mais criacutetica Tal re-traduccedilatildeo eacute um comentaacuterio informativo e
57
dispomos apenas de capiacutetulos ou partes inseridas em outras obras com
fim ilustrativo72 Esta coleccedilatildeo e outros textos gnoacutesticos73 natildeo tiveram a
mesma sorte que os manuscritos de Qumran ultimamente jaacute bem
conhecidos do grande puacuteblico lusoacutefono Jaacute natildeo se faz imperioso relevar o
subsiacutedio que os manuscritos do mar Morto representam para o
entendimento do mundo judaico na eacutepoca do advento da era cristatilde74 Tal
mote eacute apontado a niacutevel mundial por Kuntzmann R75 Dubois J-D76
Altaner B e Stuiber A77 Drobner H R78 somente para aludir alguns
poucos experts
introdutoacuterio como afirma o autor ldquoTodas as traduccedilotildees foram feitas por mim
[para inglecircs] ()rdquo 72 A traduccedilatildeo portuguesa da Nag Hammadi Library in English por E J
BRILL passou por profundas e sucessivas revisotildees em inglecircs
(1977rarr1984rarr1988) Em pt (1996) saiu como retraduccedilatildeo a partir do inglecircs e
natildeo do copta A Biblioteca Nag Hammadi eacute recebida com bastante restriccedilatildeo tanto
na versatildeo inglesa quanto mais na portuguesa Trata-se de um livro informativo
de caraacuteter mais comercial 73 Com Nag Hammadi surgiu uma suacutebita abundacircncia de manuscritos que
reacenderam estudos e traduccedilotildees de outros textos gnoacutesticos e especialmente para
o francecircs alematildeo italiano e inglecircs ndash muitas natildeo concluiacutedas inteiramente Nos
EUA a grande equipe de S M ROBISSON publicou alguns vols na coleccedilatildeo
Nag Hammadi Studies Na Alemanha sob a direccedilatildeo de H M Schenke Berlim
foram publicados diversos trabalhos no jornal Theologische Literaturzeitung Na
Universidade de Laval de Quebec Canadaacute a equipe francoacutefona de J-
EMEacuteNARD de Estraburgo e atualmente sob a direccedilatildeo de P-H Poirier
Quebec jaacute publicou 15 quinze vols de textos e comentaacuterios na coleccedilatildeo
Bibliothegraveque Copte de Nag Hammadi pela Peeters Lovaina Por fim M
TARDIEU na 5ordf Seccedilatildeo da Escola Praacutetica de Estudos Superiores de Paris lanccedilou
a coleccedilatildeo Sources Gnostiques et Manicheacuteennes cujo primeiro volume publicou
o Codex de Berlin 74 THEISSEN Gerd Sociologia da Cristandade Primitiva Satildeo Leopoldo
Sinodal 1987 p127 75 KUNTZMANN Raymond Nag Hammadi ndash O Evangelho de Tomeacute
Satildeo Paulo Paulus 2005 p10 da Faculdade de Teologia Catoacutelica da
Universidade de Estrasburgo 76 loc cit DUBOIS J-D do Instituto Protestante de Teologia de Paris 77 ALTANER Berthold Da referencial obra alematilde Patrologia Vida
Obras e Doutrina dos Padres da Igreja Satildeo Paulo Paulinas 19882004
pp108ss 78 DROBNER Hubertus R Manual de Patrologia Petroacutepolis Vozes
2003 pp110ss da Faculdade Teoloacutegica de Paderborn e Institutum Patristicum
Augustinianum de Roma
58
Os roacuteis gnoacutesticos na sua teia mais ampla ndash Nag Hammadi et alii
revelaram um conjunto de manuscritos de importacircncia literaacuterio-histoacuterica
anaacuteloga aos de Qumran para a histoacuteria dos seacuteculos primos da literatura
cristatilde Deste modo eacute preciso tratar dos textos com olhos de historiador da
Igreja antiga da filosofia e da sociologia da religiatildeo da Antiguidade
tardia do que com meacutetodos dos exegetas da Biacuteblia Isto por que esta
literatura nos permite desvendar a heterogeneidade e aumenta a reflexatildeo
sobre nascente cristianismo
Outra demanda trata da ocorrecircncia de uma seacuterie literaacuteria em torno
de Pedro o apoacutestolo que ocupa posiccedilatildeo proeminente nos Evangelhos e
na comunidade primitiva A insuficiecircncia de notiacutecias acerca dele na
segunda parte do Atos canocircnico deve ter sido a mola propulsora para o
ideaacuterio de diferentes escritos a volta da sua figura79 Pode-se perceber
existia uma autecircntica ldquoseacuterie literaacuteria petrinardquo que conjeturamos bem mais
ampla do que aquela a noacutes legada Jaacute a partir do ano 100 aparecem textos
que tinham a pretensatildeo de completar a narraccedilatildeo da doutrina accedilotildees e
vicissitudes do apoacutestolo
A traduccedilatildeo do apoacutecrifo-gnoacutestico Atos de Pedro para o portuguecircs e
sua anaacutelise literaacuteria resta no final numa inquiriccedilatildeo de como eacute visto Pedro
o apoacutestolo Por outro a questatildeo relevante e peculiar Pedro mirado a
partir de fontes gnoacutesticas contribuiraacute diretamente para a pesquisa
cientiacutefica na aacuterea A pergunta que ficou para parte final e conclusiva eacute
que Pedro surge destes textos Eacute o Pedro canocircnico Teria um pesquisador
lusoacutefono condiccedilotildees de elaborar tais questotildees sem traduccedilotildees ou ficaria in
ӕternum refeacutem dos comentaacuterios Ademais a inclinaccedilatildeo por uma
hermenecircutica esoteacuterica e elitista da Biacuteblia e de outros livros sagrados
continua atual Por isso o resultado final poderaacute se constituir em mais um
dos instrumentos criacuteticos a serviccedilo de todos aqueles que tecircm de se
defrontar com a literatura das gnoses modernas
Ao mesmo tempo entre os movimentos que a Igreja dos seacuteculos
II-III teve que enfrentar o mais poderoso e ameaccedilador ndash por causa do
deslumbre da sua pregaccedilatildeo ndash se autodenominava γνῶσις (gnose =
conhecimento de modo profundo) e se apresentava em muacuteltiplos sistemas
(docetas encratistas et alii80) muito dessemelhantes entre si em seus
detalhes Tratava-se fundamentalmente de uma economia da salvaccedilatildeo que
cresceu lado a lado dentro do cristianismo e agrupava subsiacutedios mais
79 At 1ss Gal 118 80 Setianos barbeloiacutetas barbelognoacutesticos borboritas ofianos ou ofitas
codianos fibionitas nicolaiacutetas estratioacuteticos secundianos gnoacutesticos arcocircnticos et
alii
59
antigos Seu interesse principal era explicar o mal no mundo a situaccedilatildeo
do homem nele e a possibilidade de sua salvaccedilatildeo Natildeo se objetiva nesta
tese delinear os caracteres essenciais dos numerosos e ramificados
sistemas gnoacutesticos (seria um estudo agrave parte) mas assinalar que hoje ainda
torna-se difiacutecil uma pesquisa mais aprofundada por causa da carecircncia de
fontes em portuguecircs conforme Layton
A doutrina cristatilde ortodoxa do mundo antigo ndash e
portanto da Igreja moderna ndash era em parte
concebida como sendo o que as escrituras gnoacutesticas
NAtildeO eram Por essa razatildeo o conhecimento da
escritura gnoacutestica eacute indispensaacutevel para quem quer
que deseje compreender as raiacutezes histoacutericas da
teologia e da feacute cristatilde Mais ainda o mito gnoacutestico
se desenvolveu em iacutentimo diaacutelogo ndash embora
frequumlentemente (sic) hostil ndash com o ensino judaico
da sinagoga de liacutengua grega Assim as escrituras
gnoacutesticas natildeo podem deixar de aumentar embora
obliquamente nosso conhecimento dos alicerces
do judaiacutesmo claacutessico (grifo do autor)81
Considerando que os apoacutecrifos gnoacutesticos foram o evento propulsor
para a demarcaccedilatildeo dos escritos sagrados do cristianismo e que a gnose
representava uma ameaccedila existencial agrave Igreja antiga compreende-se que
esta impedisse quase inteiramente a transmissatildeo da literatura gnoacutestica82
de tal modo que ateacute meados do seacuteculo XX se conhecia pouco mais do que
aquilo que noticiam os escritos antagocircnicos dos Pais da Igreja Εἰρηναῖος
(Irinӕus de Lyon ca130-dagger202) Ἱππόλυτος (Hyppolitus de Roma170-
dagger235) Titus Flavius Clemens (de Alexandria ca150-dagger215) Quintus
Septimus Florens Tertullianus (de Roma ou de Cartago ca155-daggerca212)
Epiphanius (de Salamina 315-dagger403)83 et alii ndash propensos a falsificar
81 LAYTON opcit pXI 82 A literatura gnoacutestica nunca foi organizada na forma de cacircnone como os
de origem cristatilde ou os de origem judaica (veterotestamentaacuterios) cf LAYTON
ibid 83 Erudito bispo de Constacircncia Chipre faleceu num naufraacutegio em 12 de
abril de 403 Tinha reputaccedilatildeo de firme defensor da ortodoxia cf DPAC-pt p478
Nasceu na Palestina e falava hebreu latim egiacutepcio antigo grego antigo e siriacuteaco
a quem Hieronymus conferiu o tiacutetulo de Pentaglossis Sua obra maior foi
Πανάριον (= Bauacute de Remeacutedios) mais conhecida como Adversus Haeligreses
(= Contra Heresias) A obra Περί μέτρων καί στάθμοων (1ordf parte trata do Cacircnon
na 2ordf sobre medidas e geografia da Palestina parece inacabada) tornou-se
60
consciente ou inconscientemente os dados por causa da sua disposiccedilatildeo
antagocircnica84 Ao enfocar as pesquisas sobre o NT em que os movimentos
gnoacutesticos podem ajudar a compreender os textos neotestamentaacuterios Se a
gnose eacute comprovada histoacuterica e literariamente sobretudo no que se refere
ao periacuteodo que vai dos seacuteculos II-IV o que ela tem a ver com a
interpretaccedilatildeo do NT Como produzir estudos significativos em portuguecircs
se ainda natildeo haacute traduccedilotildees de importantes textos Altaner e Stuiber
asseveram que
No decurso do seacutec II a literatura gnoacutestica
ultrapassou largamente a literatura eclesiaacutestica
[= canocircnica] em extensatildeo e forma Todavia com
exceccedilatildeo de apoacutecrifos neotestamentaacuterios e alguns
outros fragmentos quase todos os escritos
gnoacutesticos se haviam perdido ateacute a recuperaccedilatildeo de
parte notaacutevel deles graccedilas agraves descobertas de
tradiccedilotildees coptas85
O simples arrazoar sobre a gnose e o NT em si mesmo jaacute propotildee
um problema de que gnose estamos falando Eacute importante suspeitarmos
dos anacronismos86 sem ficar imaginando que os sistemas do seacuteculo II
famosa onde trata dos 80 remeacutedios para os que satildeo picados pela serpente da
heresia baseado na interpretaccedilatildeo alegoacuterica de Ct 68-9
lsquohMhersquo ~yViicircvi WTT8
`rP)smi yaeicirc tAmszligl[]w ~yvi_ggtlyPi( ~ynIszligmovW tAkecirclM txicirca WTT9
ayhiTHORN hricircB HMecircail lsquoayhi txicirca ytiecircMt ytiaumlnAy lsquoayhi hWaUumlr HT_dgtlAyl s `hWl)lhygtw) ~yviTHORNggtlypi(W tAkiumllm hWrecircVaygtw) lsquotAnb
8 BJ Sessenta satildeo as rainhas e oitenta as
concubinas e as virgens sem nuacutemero
9 BJ Mas uma eacute a minha pomba a minha
imaculada a uacutenica de sua matildee e a mais
querida daquela que a deu agrave luz vendo-
a as filhas lhe chamaratildeo bem-
aventurada as rainhas e as concubinas a
louvaratildeo
Compocircs tambeacutem muitas Homilias Eacute importante fonte dos Ev(s) judaicos como
o Ev dos Hebreus Ev dos Ebionitas κτλ Viajou e interviu em muitas regiotildees
teve muitas polecircmicas com Ὠριγένης (= Origenes Adamantius) Ἰωάννης ὁ
Χρυσόστομος (= Joatildeo Crisoacutestomo) κτλ Sua fama e importacircncia como
heresioacutelogo permaneceu indiscutida pela Idade Meacutedia ateacute o Renascimento 84 A maioria destas obras que chega ateacute noacutes ou eacute cristatilde ou cristianizada
LAYTON opcit pXI 85 ALTANER STUIBER opcit p108 86 Se pegarmos o quadro cronoloacutegico do NT cf BIacuteBLIA DE
JERUSALEacuteM (ed nova rev) 1985 pp2345-8 a maior parte dos textos
61
hoje em dia bem conhecidos jaacute existiam desde o seacuteculo I sob esta forma
na eacutepoca em que os Evangelhos foram redigidos ou as comunidades
paulinas liam a primeira coleccedilatildeo das epiacutestolas Os exegetas habitualmente
desviam-se deste impasse nas pesquisas hoje um tanto superado Em
poucas palavras basta remontar no tempo para deparar-se com as raiacutezes
da gnose (bem difundida) do seacuteculo II recaindo em ambientes
contemporacircneos das primeiras comunidades cristatildes de que falam as
epiacutestolas de Paulo ou os Atos canocircnicos Chegou-se a falar de
ldquoprotognoserdquo uma espeacutecie de gnose preacute-cristatilde87
Quando se descobriu Nag Hammadi com coacutedices alguns muito
bem conservados e outros completos ndash datando do seacuteculo IV
principalmente greco-gnoacutesticos em traduccedilatildeo copta iniciou-se uma
pesquisa de grande porte O trabalho prosperou com ediccedilotildees criacuteticas
traduccedilotildees e avaliaccedilatildeo cientiacutefica dos textos mas o processo natildeo estaacute
concluiacutedo88 Em liacutengua portuguesa tal trabalho eacute bastante incipiente Estes
escritos tiveram um significado iacutempar por ser a mais profunda e a primeira
vez que se teve acesso ao gnosticismo baseado em suas proacuteprias fontes
e entre outras coisas por confirmarem a confiabilidade de Εἰρηναῖος
(= Irinӕus de Lyon)89 e de alguns frgg gr dos mesmos textos mais
antigos Tambeacutem autenticaram textos latinos como Actus Vercellenses (parte latina de AtsPe)90
Tais descobertas trouxeram agrave luz obras gnoacutesticas tanto cristatildes
como natildeo-cristatildes e em ambos os casos devemos supor influecircncias
reciacuteprocas escritos pagatildeos foram cristianizados e escritos cristatildeos foram
paganizados ou repaganizados Haacute uma contestaccedilatildeo em curso acerca da
neotestamentaacuterios eacute datada habitualmente da segunda metade do seacutec I Mesmo
discutindo-se uma ou outra das datas propostas para escritos do NT hoje jaacute natildeo
se pode datar os textos em meados do seacutec II ou pior datam-se em fins do seacutec
II eg eacutepoca do florescente desenvolvimento das escolas valentinianas 87 Segundo o panorama bastante conservador de YAMAUCHI Edwin M
Pre-Christian Gnosticism London Tyndale Press 1973 88 ldquoAs encadernaccedilotildees desses coacutedices constituem acontecimento histoacuterico
incontestaacutevelrdquo KUNTZMANN opcit pp13ss elas representam as mais
antigas e conhecidas encadernaccedilotildees da histoacuteria do livro que contecircm frgg de
papiros dos anos 341 a 348 (cartonagem do Codice VII) conforme BARNS John
Wintour Baldwin BROWNE Gerald M SHELTON John Christian (eds) Nag
Hammadi Codices Greek and Coptic Papyri from Cartonnage of the Covers
Leiden Brill 1981 p16 89 Em gr Εἰρηναῖος (= paciacutefico) tambeacutem conhecido como Irinaeligus de
Lyon em lat 90 PINtildeERO 2004 opcit p487
62
autenticidade e historicidade Existe quem acastele os apoacutecrifos e haacute
quem elege afianccedilar que eles nada acrescentam aos textos canocircnicos A
questatildeo eacute em que esses textos podem nos ajudar a compreender a
literatura do cristianismo nascente Eles tecircm algo de novo a nos dizer do
ponto de vista interpretativo sobre pessoas eg Pedro Agregam valor
histoacuterias apoacutecrifas de pessoas notaacuteveis como Pedro Estas seratildeo questotildees
a serem respondidas mais precisamente pela traduccedilatildeo e anaacutelise literaacuteria
mais adiante No entanto uma pesquisa preacutevia apontou pistas para validar
tais iniciativas
Os apoacutecrifos do NT muitos dos quais preciosidades que natildeo
adentraram no cacircnon podem e precisam ser apreciados do mesmo modo
como fala alternativa de grupos hoje catalogados ldquohereacuteticosrdquo (= que
apenas pensam de modo diferente) Se neles natildeo haacute ldquoverdades
incondicionaisrdquo ou mesmo que eles arguam desinstalem o juiacutezo
sedimentado vale agrave pena desvelaacute-los e lecirc-los com atitude ecumecircnica e
criacutetica A traduccedilatildeo destes textos fragmentados que formam o Atos de
Pedro para o portuguecircs pretende contribuir com outras pesquisas de
estudiosos que natildeo tenham acesso agrave leitura das liacutenguas originais91
Jesus Pedro Madalena e os apoacutestolos observados sob a oacutetica dos
textos gnoacutesticos auferem um novo aspecto natildeo menos relevante que
aquele que eacute objeto da feacute da ortodoxia cristatilde92 eg a relaccedilatildeo homem-
mulher tatildeo debatida em nossos dias encontra luzes no Evangelho de
Maria Madalena93 onde baliza uma admiraacutevel releitura da relaccedilatildeo dos
gecircneros
Enfim o longo processo canocircnico-gestacional do NT daacute-se iniacutecio
marcado pela dialeacutetica da oral e do escrito e formalmente ocorre com a
Epistola XXXIX escrita em 367 por ocasiatildeo da Festa da Paacutescoa por
Ἀθανάσιος Α´ Ἀλεξανδρείας que enumera os 27 livros do NT tal qual o
91 Estes(a) corpora dos Atos de Pedro satildeo formados de frgg e mss em
grego latim e copta todos com fortes elementos da cultura judaica o que torna
desejaacutevel o conhecimento tambeacutem da liacutengua e cultura hebraica Para estes mss
provenientes do grego copta e latim estaacute adiante proposta uma traduccedilatildeo e
anaacutelise literaacuteria 92 Uma boa siacutentese do significado do gnosticismo e sua relaccedilatildeo com o
cristianismo encontra-se -in MIRANDA Hermiacutenio Correia O evangelho
gnoacutestico de Tomeacute Niteroacutei Publicaccedilotildees Lachacirctre 2001 pp13-45 93 Codex Akhmin (tambeacutem nos Berolinensis8502 Rylands463 e
Oxyrhynchus-L3525) por Carl Rheinhardt Cairo 1896 Texto que tocaremos
adiante porque Pedro disputa lideranccedila com Maria Madalena no acircmbito dos
apoacutecrifos e que vai ser uma das caracteriacutesticas a ser delineada em Pedro
63
temos Poreacutem a decisatildeo peremptoacuteria aconteceria somente em 1546 em
Trento na Contrarreforma Natildeo se pode deixar de levar em conta o
influxo do conceito kerygmaacutetico (de κήρυγμα = ldquoanuacutencio proclamaccedilatildeordquo
particularmente ldquoproclamar como um emissaacuterio) neste vasto caminho
que natildeo ocorreu sem rupturas e sem considerar a corpora literaacuteria
extracanocircnica Como jaacute mencionado qualquer texto eacute depositaacuterio de
determinada tradiccedilatildeo textual-literaacuteria e em outra via igualmente a
exempla em maior ou menor grau de originalidade ndash Atos de Pedro natildeo
se excetua a isto Aqui reside sua relevacircncia O mais antigo dos
evangelhos canocircnicos eg compila narrativas de paixatildeo ditos
paraacutebolas narrativas de milagres e apotegmas que circulam
autonomamente na Antiguidade Neste sentido Martin Luther percebeu e
resgatou de forma contundente a linguagem dos ldquocristianismos
primitivosrdquo ao asseverar a incorreccedilatildeo de que ldquose compute quatro
evangelistas e quatro evangelhosrdquo porquanto existe apenas um
evangelho94 Os escritos dos seacuteculos I-III extracanocircnicos interagem ou
encontram ressonacircncia ou com a memoacuteria sapiencial judaica ou com a
heranccedila dos cristianismos primitivos na busca do significado das
palavras das obras e das pessoas a eles ligadas
I Reorganizaccedilatildeo das memoacuterias ndash antonomaacutesias de Pedro a partir fontes lsquoextracanocircnicasrsquo ndash problemas e tendecircncias
Antes de fundamentar Pedro sob a perspectiva da literatura
gnoacutestica eacute importante salientar que ele foi um liacuteder do coleacutegio apostoacutelico
de irrefragaacutevel importacircncia no cristianismo nascente Os textos canocircnicos
nos legaram algumas informaccedilotildees sobre o perfil desse apoacutestolo As duas
Cartas atribuiacutedas a Pedro95 natildeo o mencionam no texto somente lhe
94 LUTHER Martin D Martin Luthers Werke kritische
Gesammtausgabe Weimarer Ausgabe Toronto Hermann Boumlhlaus Nachfolger
1891 vol12 p259 coincidentemente no Prefaacutecio a 1a Epiacutestola de Pedro onde
diz ldquoEvangelho outra coisa natildeo eacute do que uma pregaccedilatildeo ou grito acerca da graccedila
() E natildeo eacute exatamente o que estaacute em livros e escrito com letras mas muito mais
uma pregaccedilatildeo oral () Os escritos eram um recurso mimeacutetico ldquopara apoiar a viva
voxrdquo 95 A lsquopseudoepigrafiarsquo teria sido um fenocircmeno bastante recorrente na
Antiguidade Os textos cristatildeos tambeacutem participam deste ambiente cultural onde
ao atribuiacute-los a um personagem famoso lhes conferia maior autoridade eg 1ordf
64
atribuem a autoria os Evangelhos a epiacutestola paulina Aos Gaacutelatas96 e Atos
dos Apoacutestolos97 fazem menccedilatildeo Poreacutem em contrapartida temos uma
ampla literatura apoacutecrifa ao reveacutes desta que propotildee uma nova visatildeo das
histoacuterias e acontecimentos sobre a vida em cujos ombros e matildeos pesam a
responsabilidade de ser a ldquopedrardquo e ter as ldquochavesrdquo98 segundo boa parte
da tradiccedilatildeo retentiva Destacam-se Evangelho de Pedro Atos de Pedro
Epiacutestola de Pedro Atos de Pedro e os Doze Apoacutestolos frg A filha de
Pedro Evangelho da infacircncia segundo Satildeo Pedro Apocalipse de Pedro
Epiacutestola de Pedro a Filipe A pregaccedilatildeo de Pedro frg O primado de
Pedro99 Ainda no elenco destes escritos devemos acrescentar os
apoacutecrifos atribuiacutedos ao Pseudo-Clemente Kerygma Petrou Praxeis
Petrou Periodoi Petrou e as Homilias Clementinas100 Outros apoacutecrifos
mencionam Pedro O Evangelho de Tomeacute Evangelho de Bartolomeu
Evangelho de Maria Madalena Evangelho dos Hebreus Pistis Sophia
Livro de Joatildeo arcebispo de Tessalocircnica Tracircnsito de Maria Livro de Satildeo
Joatildeo evangelista (o teoacutelogo) Apoacutecrifo de Tiago e et alii
Ep de Pedro eacute destinada curiosamente aos cristatildeos da Aacutesia menor 1Pe 11(BJ)
ldquoPedro apoacutestolo de Jesus Cristo aos estrangeiros dispersos no Ponto Galaacutecia
Capadoacutecia Aacutesia e Bitiacutenia ()rdquo regiatildeo cuja coordenaccedilatildeo era paulina e de onde
natildeo ocorrem notiacutecias de contatos entre Pedro e estes Ademais natildeo parece muito
provaacutevel que Pedro um pescador galileu campesino iletrado que possivelmente
falava soacute aramaico apoacutes a ressurreiccedilatildeo de Jesus tenha retornado aos bancos
escolares para rapidamente surpreender com o grego elegante e refinado destas
duas Epiacutestolas aleacutem do elevado conhecimento biacuteblico (AT) ali demonstrado Natildeo
eacute impossiacutevel mas improvaacutevel vai concluir ERHMAN Bart 2003 2006 e 2009
in toop Mais embaraccedilosa eacute a evidente pseudoepigrafia da 2ordf Ep de Pedro (i)
quando lida anacronicamente com a temaacutetica da παρουσία (= trata da aparente
demora do retorno do Cristo) nenhum outro texto faz referecircncia a isto antes do
seacutec III (1 e 2Ts abordam a temaacutetica por outra perspectiva) eacute um problema que
afetaria apenas as geraccedilotildees futuras dos primeiros cristatildeos (ii) quando trata as
Epiacutestolas paulinas como Escrituras (texto sagrado concepccedilatildeo do seacutec IIIIV)
quando as dele (ou atribuiacutedas a ele) estariam circulando junto com as paulinas
(iii) ainda faz uma menccedilatildeo em 2Pe 32 (BJ) ldquopara que vos lembreis das palavras
que primeiramente foram ditas () mediante os vossos apoacutestolosrdquo como a
presumir que o verdadeiro autor da carta natildeo era um apoacutestolo id ibid 96 Escassas cinco referecircncias 97 Somente na primeira metade 98 Mt 1618 99 DPAC-it opcit p1125 100 id opcit p306
65
A representaccedilatildeo de Pedro apontada nos textos canocircnicos eacute o
seguinte primaz do coleacutegio apostoacutelico101 disciacutepulo de Jesus
privilegiado102 homem de extrema feacute na missatildeo libertadora do
Messias103 agraves vezes de pouca feacute medroso104 impulsivo chamado de
Satanaacutes por Jesus105 pecador106 incapaz de manter-se em oraccedilatildeo aquele
que defendeu mas tambeacutem traiu Jesus107 Testemunhou a ressurreiccedilatildeo
pregou com coragem a Boa-nova curou ressuscitou batizou teve visotildees
foi perseguido e preso108 evangelista109 discutiu acaloradamente ideias e
o mando com Paulo110 A escola joanina foi a uacutenica que guardou a
memoacuteria de Pedro ldquoTu eacutes Simatildeo o filho de Joatildeo chamar-te-aacutes lsquoΚηφᾶςrsquo
(= Kephas) ()rdquo111 e interpretaccedilatildeo que se sedimentou eacute a de que Pedro eacute
a lsquopedrarsquo a fundaccedilatildeo a pedra de esquina da Igreja Essa interpretaccedilatildeo eacute
possiacutevel Todavia a literatura apoacutecrifa conspira enviesadamente por
eg uma reflexatildeo semacircntica alternativa do significado de lsquoΚηφᾶςrsquo como
se vecirc ao longo no trato com estes textos apoacutecrifos
O substantivo Amecircyvi (= Simatildeo) que o grego da LXX coloca Σεμιῶν
(= Simeatildeo) eacute um diminuto do hebraico laesectWmv (= Samuel significando
Deus ouviu) Aquela pessoa a quem fosse dado um nome que carregasse
tal sentido teofoacuterico contendo especialmente o [mTHORNv (Shemah = verbo qal-
imper-sg-masc de lsquoouvirrsquo)112 como ocorre eg no nome Simatildeo para
este indiviacuteduo se apregoava a aspiraccedilatildeo judaica de ser um seguidor da
Torah na feacute professada de ldquoEscuta ([mTHORNv = Shemah) oacute Israel ()
101 At 115-16 At 51-11 Lc 2232 102 Mc 92 Jo 2115-18 Mc 537 Mt 1618-19 a quem Jesus devota
atenccedilatildeo especial e diferenciada do restante do coleacutegio apostoacutelico (junto com
Tiago e Joatildeo) uide episoacutedios da Transfiguraccedilatildeo Getsecircmani et alii em texto
paulino Gl 29 ldquoTiago Cefas e Joatildeo que eram considerados como as colunas
()rdquo 103 Mc 830 Mt 1422-33 Jo 1810 Lc 515 104 Jo 810 Lc 510 Mt 1422-33 105 Mc 833 106 Lc 740-47 Lc 58 107 Mt 2669-75 Lc 2261 Mt 1426-31 Jo 1810 108 cf At 540-42 e 121-17 109 Esteve na Judeia Samaria Galileia Cesareia Antioquia Corinto Ponto
(Turquia) Galiacutecia Capadoacutecia Aacutesia Bitiacutenia e Roma 110 Gl 211-14 111 Jo 142 112 FARIA Jacir de Freitas Releitura do Shemaacute Israel nos Evangelhos e
Atos dos Apoacutestolos Petroacutepolis Vozes 2002A pp52-65
66
Portanto amaraacutes o Senhor teu Deus com todo o teu coraccedilatildeo () com toda
as tuas possesrdquo113 O Shemah era e eacute a concepccedilatildeo de vida de todo judeu
um significado especial Com efeito o que Jesus estaria querendo
articular ao mudar o nome de Simatildeo lsquoPedrorsquo para apodo lsquoΚηφᾶςrsquo
conforme habituou-se versar no sentido aramrarrgr de lsquopedrarsquo) Jesus
mantinha em manifesta distinccedilatildeo Pedro114 e assim uniu-o ao seu
nascimento pois este substantivo aram apyKe nos remete agrave manjedoura
uma vez que pelos Evangelhos canocircnicos e apoacutecrifos Jesus nasceu numa
lsquogrutarsquo colocado em uma ldquomanjedourardquo traduzido aramharrgr por φάτνη
(= phaacutetne)115 e cujo significado primeiro eacute ldquocavidade aberta em uma
superfiacutecie de um terreno vertical ou inclinadordquo116 destinado para estaacutebulo
de animais Estas cavas ndash apyKe chamadas de κηφᾶς eram feitas por
operaacuterios ao retirarem blocos de pedra das rochas para utilizaacute-los nas
edificaccedilotildees Daiacute o significado de κηφᾶς ser tambeacutem gruta escavada na rocha Analogamente a liacutengua heb117 faz uso da letra כ )kaf( para dizer
lsquopalmarsquo ou lsquocavidade da matildeorsquo Os pobres moravam nessas cavernas ou
grutas ndash as κηφᾶς numerosas nos lugares desertos Os termos apyKe ((transliterado aramharrgr κηφᾶς) e φάτνη assumem sentidos correlatos
Ainda Κηφᾶς traduz o substantivo gr πέτρος = pedra dureza resultando
em Πέτρος (= Pedro)118 Pode restar curioso mas devido ao contato
semacircntico entre os termos natildeo seria muito exagero traduzir o texto
inicial segundo Faria quando Jesus diz a Pedro ldquoTu eacutes lsquocaverna
escavada na rocharsquo e sob (debaixo) dessa lsquocaverna onde vivem os
pobresrsquo aiacute edificarei a minha igrejardquo119
113 cf Dt 64-9 Lembrando que os nomes dados pelas famiacutelias de cultura
judaicas ateacute a atualidade trazem a aspiraccedilatildeo familiar do proacuteprio indiviacuteduo e
remetem as caracteriacutesticas dele caso natildeo forem condizentes com o nome este
teraacute que ser mudado 114 E mais dois apoacutestolos Tiago e Joatildeo uide nt92 115 Ou como ocorre sem aspiraccedilatildeo em alguns mss do koineacute ndash πάτνη 116 (i) ndash in FARIA 2002A opcit p53 ainda pode significar ldquopor
analogiardquo (ii) teto viga telhado nebulosa na Constelaccedilatildeo de Cacircncer ndash in
BAILLY Anatole Dictionnaire Grec Franccedilais (Le grand Bailly) ed rev
Librarie Hachette 2000 p2057 117 A letra כ )kaf( tambeacutem eacute usada no aram 118 Jo 142b ldquoE olhando Jesus para ele disse Tu eacutes Simatildeo filho de Jonas
tu seraacutes chamado Cefas (que quer dizer Pedro)rdquo 119 Mt 1618 trad de FARIA 2002A opcit p30
67
Quer se queira ou natildeo a partir das tantas sutilezas semacircnticas
descobertas nos textos apoacutecrifos de Pedro120 haacute de se convir que ldquoo
sentido semacircntico do substantivo lsquoΚηφᾶςrsquo muda completamente a
tradiccedilatildeo da interpretaccedilatildeo do ldquoTu eacutes Pedro e sobre essa Pedra edificarei a
minha Igrejardquo Em outras palavras o nascimento de Jesus possivelmente
em Beleacutem eacute que serviu para depositar os embasamentos da futura
comunidade cristatilde que posteriormente chamar-se-ia Igreja Em tese
Jesus nasce para libertar os pobres121 Isto demonstra alteraccedilotildees de pontos
de vista com a mescla entre κοινή hebraico e aramaico e aponta para o
cuidado ao se manusear textos produzidos no contexto judaico-cristatildeo
II Conceito operatoacuterio e criteacuterio de anaacutelise de ldquoapoacutecrifordquo e ldquoheresiardquo ndash significaccedilatildeo histoacuterica para gecircnese literaacuteria cristatilde
O (re)acostamento sistemaacutetico dos corpora em causa nos remete
a obsecrar alguns conceitos operatoacuterios e criteacuterios de anaacutelise que
passaremos a mencionar
Desde o ano 381 a ortodoxia cristatilde chama de ἀπόκρυφοι (apoacutecrifos
= ocultos) todos os demais escritos que sob o pretexto de seu tiacutetulo
substacircncia ou forma tecircm alguma vinculaccedilatildeo com o NT e do mesmo modo
reclamam autoridade apostoacutelica mas natildeo pertencem ao κανών (cacircnon =
medida) Ela aplicou com o uso desta terminologia um conceito do
gnosticismo adotado pelas religiotildees misteacutericas esoteacutericas da
Antiguidade que dele faziam uso para seus escritos sagrados Conforme
Drobner ldquoOs gnoacutesticos consideravam-nos tatildeo elevados que apenas os
iniciados membros plenos das comunidades gnoacutesticas tinham direito ao
conhecimento deles e para todos os demais eram conservados ocultos
(ἀπόκρυφος)rdquo122 De um ponto de vista praacutetico apoacutecrifo natildeo se constitui
essencialmente em ldquohereacuteticordquo Zilles afirma que ldquo() entre os romanos
120 ndash in O Primado de Pedro Atos de Pedro Atos de Pedro e os Doze
Apoacutestolos κτλ 121 Algumas destas ideias estatildeo dispersas em FARIA Jacir Pedro natildeo eacute
pedra ndash in Jornal de Opiniatildeo Belo Horizonte set 2002B pp7ss Outras
descritas em SOUZA Rocircmulo Candido de Palavra Paraacutebola ndash Uma aventura
no mundo da linguagem Aparecida Santuaacuterio 1990 pp236-49 122 DROBNER opcit p22
68
neste sentido os Sibilinos e o Ius Pontificum (= direito dos pontiacutefices)
eram apoacutecrifosrdquo123
Haacute uma verdadeira contaminaccedilatildeo nos melhores codices124 que nos
chegaram entre apoacutecrifos e canocircnicos que demonstra essa linha divisoacuteria
muito tecircnue Este fato chama a atenccedilatildeo por ser muito pouco explorado
pelos pesquisadores confessionais Nossas melhores ediccedilotildees ecdoacuteticas
para Septuaginta e NT (eg BJ NGT 4ordf ed Nestle Aland κτλ) na
atualidade utilizam-se atribuindo grande valor cladiacutestico125 ao Codex A
(Alexandrinus Categoria III ndash Evangelhos I ndash restante do NT e AT em
unciais iniacutecio do seacuteculo V Alexandria)126 ao Codex א (Sinaiticus
Categoria I por inteiro iniacutecio do seacuteculo IV descoberto no Sinai em
1844)127 e ao Codex B (Vaticanus Categoria I por inteiro o mais antigo
123 ZILLES Urbano (trad) Evangelhos Apoacutecrifos 3ordf ed Porto Alegre
EDIPUCRS 2004 p10 124 Codex Sinaiticus ndash א (cat I 330-360 NT et alii) Codex Vaticanus
Grӕcus 1209 ndash B (cat I 325-350 Mt ndash Hb 913 et alii) e Codex Alexandrinus ndash
A (cat III Evs ca 400 cat I no AT e restante NT menos Evs) 125 gr κλάδος (= ramo) termo importado agrave Criacutetica Textual do meacutetodo
hennigiano que classifica hieraacuterquica e graficamente as espeacutecies ou no caso
aqui mss em forma de aacutervore genealoacutegica e evolutiva 126 Escrito em grego uncial dupla coluna colunas com 46-52 linhas e
linhas de 20-25 letras Linhas iniciais de cada livro em destaque (vermelho) cada
seccedilatildeo com uma letra grande na margem cf ALAN 1995 pp107-9 Fonte
completa da LXX e NT Inclui III e IV Macabeus Sl 151 quatorze Odes a Ep a
Marcellinus (Atanaacutesio) um resumo dos Salmos (Eusebius) a I Clemens e uma
homilia mais tarde chamada de epiacutestola de II Clemens Conteacutem outros textos
como as Seccedilotildees Amonianas Cacircnones Eusebianos taacutebulas κτλ cf METZGER
Bruce Manning Manuscripts of the Greek Bible An Introduction to Greek
Palaeography New York-Oxford Oxford Press 1991 pp86ss Aproxima-se do
P66 Tem anotaccedilotildees curiosas e um desenho em Lc conforme WILLIANS Brek
(ed) CODEX A ndash ALEXANDRINUS ndash Fac-simile London British Museum
1915 rev 2007 (on-line) in toop lt
httpwwwcsntmorgManuscriptsManuscriptViewPageaspxid=203 gt
acessado em 23042011 127 cf LAKE Kirsopp Codex Sinaiticus Petropolitanus The New
Testament the Epistle of Barnabas and the Shepherd of Hermas Oxford
Clarendon Press 1911 pp23ss Contecircm os acreacutescimos para o NT do Pastor de
Hermas e Ep de Barnabeacute e a omissatildeo de muitas passagens canocircnicas ndash eg em
Mt 1247 1602b 1721 1811 2314 em Mc 716 944 e 46 1126 1528
169-20 que trata da apariccedilatildeo de Jesus ressurreto a muitas pessoas em Lc 1736
em Jo 54 a pericope adulterӕ 753-811 que trata da mulher apanhada em
adulteacuterio e salva do apedrejamento 1615 205 e 6b 2125 em At 837 1534
69
codex completo 325)128 Satildeo os melhores exemplares os mais completos
e os mais antigos com porccedilotildees representativas do texto geral que nos
chegaram Os trecircs com o acreacutescimo de apoacutecrifos no AT e NT o terceiro
com a subtraccedilatildeo de textos hoje canocircnicos (deuterocanocircnicos no NT)
Grande parte dos apoacutecrifos conteacutem alicerces seguros da teologia e
da piedade eclesial mas natildeo adentrou no cacircnon sob a criacutetica que eg
estatildeo contaminados de lendas e narrativas abstrusas de milagres falta agrave
autoria apostoacutelica e em geral natildeo oferecerem a igual confiabilidade dos
canocircnicos O panorama dos seacuteculos I-II conforme Layton eacute que
Os primeiros cristatildeos viviam em meio urbano e agraves
vezes economicamente confortaacutevel um nuacutemero
proporcionalmente grande deles podia ler e
escrever de modo que pequenas coletacircneas de
escritos cristatildeos foram rapidamente se acumulando
num lugar ou noutro e era nesses escritos que
247 2819 em Rm 1624 e mais uma longa lista de omissotildees exclusotildees e
interpolaccedilotildees Eacute um texto uncial do seacutec IV (330-360) eacute considerado hoje o
melhor ms para as ediccedilotildees criacuteticas e para tanto leva no nome a primeira letra do
alfabeto heb Descoberto acidentalmente em um quarto de um monge num
monasteacuterio no sopeacute do monte Sinai por um arqueoacutelogo que persistiu 15 anos na
sua busca ndash Constantin Von Tischendorf em 1859 Para o AT usa a LXX mas
apenas metade do texto sobreviveu Os apoacutecrifos sobreviventes da LXX satildeo 1
Esdras Oraccedilatildeo de Manasses 3 e 4 Macabeus Livro da Sabedoria Odes e
variantes em porccedilotildees como caps 13 e 14 em Dn mais 324-90 ou ainda Ester
caps 11-16 cf TISCHENDORF Constantin Von Bibliorum Codex Sinaiticus
petrolitanus Leipzig Giesecke amp Devrient 1862 in toop Some-se ainda que a
proacutepria traduccedilatildeo da LXX na Antiguidade varia da traduccedilatildeo literal ateacute paraacutefrase
conteacutem alguns absurdos interpretativos particularmente nos textos poeacuteticos 128 Exclui 1-4 Macabeus a Oraccedilatildeo de Manasseacutes e Hb9-14 em diante
Conteacutem umlaut (aprox 750) ponto como dieacuterese trema que desperta a atenccedilatildeo
pois marca inconsistecircncias ou incertezas textuais Texto muito proacuteximo do P66
P75 UNCIAL 0162 ndash cf EWERT David From Ancient Tablets to Modern
Translations A General Introduction to the Bible Grand Rapids Zondervan
1983 pp87ss Entretanto eg para o NT apresenta a omissatildeo da adulterӕ
pericope (acerca de uma mulher que eacute livre do apedrejamento por Jesus Jo 753-
811) que natildeo aparece no Vaticanus (nem no Sinaticus P66 P75) embora todos
reconheccedilam a existecircncia de uma leitura alternativa marcando com obel (us) ou
melhor obeli no pl Outras relevantes passagens natildeo aparecem ou satildeo marcadas
de suspeiccedilatildeo Lc 22-43-44 ndash A agonia do Senhor no Getsecircmani Mt 69-13 ndash final
lituacutergico do Pai Nosso Mc 16-9-20 ndash Cristo apoacutes a ressurreiccedilatildeo aparece a
pessoas 1Jo 57-8 ndash Comma Johanneum et alii
70
muitas vezes se expressavam as inspiraccedilotildees de
inteacuterpretes e liacutederes da religiatildeo Essas obras
serviam para muitas finalidades diferentes e por
isso foram escritas sob vaacuterias formas literaacuterias
apropriadas agraves funccedilotildees no seio das Igrejas em que
eram usadas
A vasta quantidade dessa primeira ldquoescriturardquo
cristatilde (em sentido geral) dos seacuteculos I II e III ainda
sobrevive hoje embora agraves vezes de forma
fragmentaacuteria ndash natildeo soacute os 27 livros do Novo
Testamento mas tambeacutem muitos outros livros
epiacutestolas livros sapienciais apocalipses biografias
e diaacuterios de viagens relatos da paixatildeo de Jesus129
Note-se que quando certo grupo ou seita de cristatildeos antigos decidia
reconhecer a presenccedila de uma autoridade inspirada em certo texto ou
coleccedilatildeo de escritos a palavra lsquoescriturarsquo passaria a identificar o status
deste escrito elevando-o a paridade com outras obras assim reconhecidas
(como as judaicas veterotestamentaacuterias) ou ultrapassando130 Agraves vezes os
alguns escritos131 tinham a finalidade de desdizer parcialmente escrituras
aceitas eg na fala do escritor gnoacutestico do O Apoacutecrifo de Joatildeo ldquoE entatildeo
eu disse lsquoSenhor o que significa ela se moveu para laacute e para caacutersquo Mas
ele sorriu e disse lsquoNatildeo pense que eacute como Moiseacutes disse lsquosobre as aacuteguasrsquo
()rdquo132 Natildeo devemos nos admirar que nos seacuteculos I-III haja somente
alguma organizaccedilatildeo pouco articulada e nenhuma identidade central
Muito natural era a aceitaccedilatildeo e rejeiccedilatildeo de uma mesma obra por grupos
distintos A quase absoluta falta de uniformidade aponta para a existecircncia
de uma notaacutevel diversidade na religiatildeo cristatilde Layton assegura que
Embora seja historicamente correto falar do
cristianismo primitivo como uma religiatildeo ele
tambeacutem pode ser descrito como uma rede
complexa de partidos grupos seitas ou
129 LAYTON opcit pXVIII 130 eg poderia ser a paulina Epiacutestola paulina de Filemom que discorre
sobre um escravo fujatildeo que mais adiante entraria entre os canocircnicos 131 Alguns textos poderiam dentro desta diversidade servir a finalidade de
desdizer as lsquoEscriturasrsquo aceitas outros no entanto poderiam procurar entreter e
edificar tatildeo somente atraveacutes do gecircnero noveliacutestico cf seraacute mostrado mais adiante 132 Tambeacutem chamado O Livro Secreto de Joatildeo 2222ss ndash in ROBINSON
James McConkey A Biblioteca de Nag Hammadi Satildeo Paulo Madras 2006
p105
71
denominaccedilotildees Ateacute certo ponto a diversidade da
escritura resultava das diferenccedilas acidentais dos
meios culturais sociais e linguumliacutesticos (sic) ndash entre
digamos as formas usuais de expressatildeo religiosa
na Mesopotacircmia e as da cidade de Roma
Decorria tambeacutem da coexistecircncia de opiniotildees e
tradiccedilotildees teoloacutegicas essencialmente diferentes a
respeito da importacircncia de Jesus algumas das quais
parecem ser tatildeo velhas quanto o proacuteprio
cristianismo ndash tradiccedilotildees sobre Jesus como operador
de milagres sabedoria encarnada revelador
Mestre de Israel profeta emanaccedilatildeo de outro
mundo etc Isso refletia ainda as diferentes
filosofias e sistemas simboacutelicos sobre os quais os
autores poderiam basear seu pensamento religioso
(platonismo apocaliacuteptica judaica etc)133
Por fim canocircnicos e apoacutecrifos ndash ambos tecircm relaccedilatildeo em maior ou
menor grau de interligaccedilatildeo quanto a seu gecircnero com a literatura cristatilde
ainda que se discuta esta classificaccedilatildeo134 Esta eacute uma reflexatildeo inexauriacutevel
sobre hipoacuteteses e soluccedilotildees que abrangem o tema numa elaboraccedilatildeo
constante e ininterrupta de proposiccedilotildees e conclusotildees135
Outro problema consiste na expressatildeo ldquoheresiardquo Que do olhar da
ὀρθοδοξία desenvolvida empoacutes numa αἵρεσις (= escolha) subjaz uma
verdade de feacute acolhida tatildeo somente de modo seletivo sua parcialidade ou
ateacute exageraccedilatildeo total A heresia pode ocorrer de maneira progressiva quer
dizer no desenvolvimento de novos θεολογούμεναι (= discursos sobre os
divindades)136 ou de maneira regressiva no apego intransigente a
declaraccedilotildees antigas que evoluiacuteram em meio ao tempo Por sua
perspectiva diacrocircnica a ldquoheresiardquo passa a existir incontestavelmente
133 LAYTON opcit ppXVII-XIX 134 loc cit 2003 pp22ss 135 Ademais a lista oficial dos livros canocircnicos soacute foi definida no Conciacutelio
de Trento em 8 de abril de 1546 ndash Decretum de libris sacris e de traditionibus
recipiendis (DH p1501) seis meses apoacutes a morte de Lutero que foi o estopim
para esta demarcaccedilatildeo Embora no seacutec IV possamos falar de um cacircnon mais ou
menos aceito Antes poreacutem jaacute haviam sido propostos os cacircnones de Μαρκίων
Σινώπης (= Marciatildeo de Sinope) em 150 dC e de Muratoriano em 200 dC de
forma bastante isolada 136 Na pass segundo LIDELL Henry G amp SCOTT Roberto A Greek-
English Lexicon ndash with revised supplement Oxford Claredon amp Oxford Press
1996 p790
72
como a ὀρθοδοξία (= ortodoxia) ou seja no afinco por fundamentar mais
precisa e completamente possiacutevel o depoacutesito da feacute transmitido com o
objetivo de compreender melhor a feacute De acordo com Drobner
() o que diferencia a heresia da ortodoxia em
uacuteltima anaacutelise eacute o reconhecimento de que na
heresia alguns princiacutepios de feacute inabdicaacuteveis [da
ortodoxia] satildeo ameaccedilados ou explicitamente
rejeitados ou suas consequumlecircncias (sic) levam a
isso137
Poreacutem outra questatildeo se interpotildee soacute no decorrer dos proacuteprios
confrontos eacute que se desenvolveram tanto os juiacutezos criacuteticos para divisar
heresia e ortodoxia Bem como a clara consciecircncia da instacircncia
competente para julgar ndash em uacuteltima anaacutelise pode-se dizer de um ponto de
vista esclarecido ndash que eacute a regula fidei qual seja o depoacutesito da feacute
fundamentado na Escritura Sagrada transmitido pela Tradiccedilatildeo da Igreja
interpretado e provado autecircntico pela autoridade do clero da Igreja
O tema que se segue sobre o qual esta tese discorreraacute
introdutoriamente eacute acerca dos Atos considerados os mais antigos e
relevantes ndash os Atos de Pedro de Andreacute de Joatildeo de Tomeacute e de Paulo ndash
tambeacutem denominados os Cinco Grandes Atos E notadamente o mais
importante para este trabalho ndash o Atos de Pedro que ao lado do Atos
lucano tornaram-se modelo para o gecircnero literaacuterio Πράξεις (= accedilotildees
atos) Uma sucessatildeo de obras deste gecircnero adviraacute como consequecircncia ndash
Atos de Tadeu de Felipe de Bartolomeu de Matias de Pilatos de Nereu
e Aquiles et alii que scholars mencionam se apoiar em modelos
anteriores138 Moreschini ao introduzir o seu capiacutetulo sobre estes AtsAp
diz
Tradiccedilotildees pessoais concernentes a apoacutestolos e
missionaacuterios isolados (Pedro Paulo Filipe)
circulavam nas comunidades cristatildes jaacute durante a
vida deles e foram em seguida usadas por Lucas
para a redaccedilatildeo dos Atos dos Apoacutestolos () e por
uma estrutura bipartida em que uma parte ancorada
no Grupo dos Doze em Jerusaleacutem (caps 1-12) era
seguida por outra cujo protagonista era Paulo (13-
28) () os Atos natildeo queriam descrever o conjunto
137 DROBNER opcit p110 138 PINtildeERO CERRO opcit p3
73
das suas atividades (falta em particular o seu
martiacuterio conhecido por Lucas) mas a difusatildeo da
palavra de Deus ateacute o centro do Impeacuterio139
Tais obras ndash particularmente os AtsAp ndash abrolham quando jaacute
haviam expirado os apoacutestolos e outras αὐτόπται (= testemunhas oculares)
dos λόγοι (= ditos) de Jesus Seus autores natildeo querem que o registro da
lembranccedila daqueles tambeacutem se vaacute de todo das comunidades cristatildes de
maneira muito especial as narraccedilotildees dos martiacuterios (elemento peculiar dos
AtsAp) Eacute tambeacutem tempo do surgimento da literatura hagiograacutefica que se
convencionou chamar de ldquoActa Passiones ou Martyria e Legendaeligrdquo140 E
assim sendo tais relatos agora adquirem forma escrita num periacuteodo
importante em que se estabeleciam a consciecircncia e a memoacuteria dos
seguidores de Jesus e dos maacutertires E este aspecto embrionaacuterio pode-se
notar nas ilusotildees manias e preocupaccedilotildees das comunidades cristatildes que se
articulavam entre ldquoexpectativa da παρουσία [= presenccedila atualidade no
NT como advento de Cristo]rdquo141 e medo entre a esperanccedila do retorno de
Jesus Cristo que se chocava com aspereza daqueles tempos provocando
algo de suspeito ldquoO otimismo da economia142 cristatilde da salvaccedilatildeo chocava-
se com as atitudes rigoristas do momento que punham nos coraccedilotildees
cristatildeos uma centelha de desconfianccedilardquo143 Moreschini sobre os AtsAp
destaca
Entre o iniacutecio e o fim situavam-se episoacutedios
diversos unidos em geral pelo motivo da viagem
mais ou menos acentuado o que faz com que
139 MORESCHINI Claudio NORELLI Enrico Histoacuteria da Literatura
Cristatilde Antiga Grega e Latina I ndash De Paulo agrave Era Contantiniana Satildeo Paulo Ed
Loyola 1996 p222 Deste Atos dos Apoacutestolos interpretado pelo Cacircnon Muratori
como sendo dos Doze Apoacutestolos surgem obras com o mesmo modelo ndash περίοδοι
ndash mas individuais de cada apoacutestolo e que terminam em Roma e com o martiacuterio
(exceccedilatildeo AtsJo) 140 Conforme ALTANER STUIBER opcit p99 DROBNER opcit
p99 Respectivamente satildeo o protocolo ou processo conduzido pela autoridade
romana normalmente o prococircnsul da regiatildeo e anotado por escrivatildees imperiais
No segundo o relato eacute dos cristatildeos e versa agraves vezes teologicamente sobre os
uacuteltimos dias do maacutertir E no terceiro as ldquolendasrdquo mantecircm um nuacutecleo histoacuterico
mas eivado de fantasias piedosas milagres κτλ 141 DPAC-it opcit p1095 142 uide glossarium 143 PINtildeERO 2004 opcit p4
74
alguns Atos se aproximem mais do gecircnero das
lsquopraxeisrsquo (exatamente ldquoatosrdquo) com base na
sucessatildeo das accedilotildees do heroacutei (assim os lsquoAtos de
Pedrorsquo em que uma viagem entre Jerusaleacutem e
Roma servia soacute para relacionar a atividade do
apoacutestolo nas duas cidades) outros do gecircnero
lsquoperiodoirsquo onde os deslocamentos do heroacutei
desempenham uma funccedilatildeo determinante (assim os
de Paulo e de Andreacute)144
Natildeo haacute como afianccedilar com alguma garantia que o(s) autor(es)
destes AtsAp pretendia(m) somente transmitir um legado dos apoacutestolos
Ou teria se amparado em personagens conhecidos da tradiccedilatildeo cristatilde para
difundir ideias particulares Prevalece uma amalgamaccedilatildeo de ambas De
qualquer forma ganharam forma escrita no seacuteculo II (senatildeo todos ao
menos alguns ou suas versotildees proto) enquanto a ὀρθοδοξία natildeo estava
totalmente depurada (uide mencionado antes) nem todas as demandas
teoloacutegicas de maneira satisfatoacuteria delimitadas Pelo que se percebe resta
legiacutetima a pretensatildeo de autoridade anaacuteloga a corpora canocircnica da qual
os AtsAp estatildeo imbuiacutedos da letra e do espiacuterito A ambientaccedilatildeo para os
AtsAp era apropriada a terminologia inevitaacutevel
Natildeo se tem notiacutecia de uma traduccedilatildeo em liacutengua portuguesa destes
textos a partir de originais resultando numa injusticcedila e lacuna histoacuterico-
literaacuteria e em cujos textos repousam a base de muitas tradiccedilotildees que satildeo
riquezas comuns agrave nossa cultura e memoacuteria o que por si somente justifica
este lavor A tradiccedilatildeo habitualmente aceita reza que Pedro foi crucificado
de cabeccedila para baixo fato ilustrado na catedral de Satildeo Pedro Em Roma
ao lado da Via Appia perto da saiacuteda da cidade temos uma capela que
comemora a frase famosiacutessima ndash Quo vadis145 extraiacuteda do martiacuterio do
apoacutestolo nos AtsPe traduzido ao final Ou o lugar onde Paulo foi
decapitado e do ferimento respingou leite nos carrascos (santuaacuterio Le Tre
Fontane na Via Ostiense) Em Eacutefeso na Turquia se conservam os restos
do apoacutestolo Joatildeo nas ruiacutenas de uma pequena igreja tambeacutem em Eacutefeso no
pequeno santuaacuterio Panaya Kapulu estaria a casa onde a Virgem Maria
teria vivido com o disciacutepulo amado detalhes descritos nos Atos Paulo o
144 MORESCHINI opcit p223 145 Inspirou pelo menos 8 filmes deu nome a programas certificaccedilotildees e ateacute
automoacutevel Em 1895 o cardeal polonecircs Henryk Sienkiewicz publica o importante
romance histoacuterico Quo vadis Powieść z czasoacutew Nerona (traduccedilatildeo para mais de
50 liacutenguas 1a ed ingl QUO VADIS A Tale of the time of Nero) com o qual ganha
o Nobel de Literatura de 1905
75
apoacutestolo eacute iconograficamente estereotipado nos interiores das igrejas
mundo afora como ldquocalvo pequeno de estatura pernas tortas
mageacuterrimo sobrancelhas espessas nariz rebitado agraves vezes com cara de
homem outras com rosto de anjordquo tais contornos corporais do Apoacutestolo
das Gentes satildeo fruto referente direto do autor anocircnimo de AtsPlTc no
seacuteculo II146 Ou as comunidades cristatildes da Iacutendia resultado da obra
evangelizadora de Tomeacute cuja ordem teria recebido do Senhor para pregar
naquelas terras cf Atos de Tomeacute147 Ou ainda as aclamaccedilotildees da tradiccedilatildeo
lituacutergica das festas feitas ao apoacutestolo Andreacute que teria morrido
crucificado Maximilla Christo amabilis o qual tulit corpus Apostoli cum
aromatibus sepeliuit ()148 Estes satildeo apenas alguns poucos extratos da
nossa tradiccedilatildeo cultural-histoacuterico-teoloacutegica que estatildeo ancorados nestes
textos tatildeo desprezados dos Atos Natildeo seria probo atribuir tudo a estes
textos mesmo porque eles derivam provavelmente de fontes mais antigas
ldquoporeacutem a consagraccedilatildeo decisiva destas e de outras tradiccedilotildees deve-se
buscar no acircmbito dos Atos Apoacutecrifos dos Apoacutestolosrdquo149 Toda esta
tradiccedilatildeo repousa sob os textos do AtsAp cujo seu valor claacutestico eacute seguro
O lsquoseacuteculo aacuteureorsquo dos gnosticismos do embate universalizado dos
preceitos e da feacute cristatilde com referentes pagatildeos eacute o seacuteculo II Os cristatildeos
tecircm que enfrentar primeiramente seu entorno judeu apoacutes o helenista
Afinam sua dialeacutetica para dar respostas agrave filosofia grega momento que
surge a lsquoSegunda Sofiacutesticarsquo150 Passados os seacuteculos do classicismo a
liacutengua grega ainda era o veiacuteculo condutor da nova cultura configurada no
146 ERBETTA Mario Atti e legende ndash in Gli Apocrifi del Nuovo
Testamento II Torino Editrice Marietti 19661981 p259 tambeacutem DPAC-pt
opcit p1113 147 A ida ateacute a Iacutendia eacute a temaacutetica da primeira parte deste AtsTo o uacutenico
texto de uso maniqueu que nos restou integral Outras lendas medievais alm tecircm
aqui sua origem tais como O parto do Rei Gundofar o Rei Gaspar o Opus
relataraacute o batismo dos reis magos tema tambeacutem da Crocircnica monaacutestica siriacuteaca de
Zouqnicircn do seacutec VIII Mais tarde na Idade Meacutedia alta a lenda de Tomeacute e os reis
magos resultaraacute na do Preste Joatildeo cf DPAC-pt opcit p1373 148 CCSA Acta Andrea p569 Traduz-se ldquoMaximila a quem Cristo
amava tomou o corpo do Apoacutestolo e o sepultou untado de perfumesrdquo 149 PINtildeERO CERRO 2004 opcit p4 150 PINtildeERO CERRO 2004 opcit p5 nt2 que destaca que o novo
florescimento da retoacuterica grega surgido nos tempos do imperador Publius Aelius
Traianus Hadrianus (= Adriano 117-138) e cujo movimento eacute contemporacircneo
aos AtsPe
76
fenocircmeno religioso judaico-cristatildeo151 A versatildeo usada pelos escritos do
NT eacute LXX e natildeo o trade da Biacuteblia hebraica152 dando aos cristatildeos helenistas
uma forma particular de expressar no seu idioma e demonstra a ruptura153
com judaiacutesmo154 Surgem apologistas como Flavius Augustus Justinus (o
Maacutertir 100-dagger165) Tatianus (Taciano o Siacuterio ou o Assiacuterio ca 120-
daggerca180) Theophilus (Teoacutefilo de Antioquia - dagger183) Ἀθηναγόρας ὁ
Ἀθηναῖος (Atenaacutegoras de Atenas ca 133-dagger190) et alii155 que iratildeo dar
151 Se observarmos o Cacircnon de Muratori o Codex Claromontanus et alii
cf DPAC-pt pp249ss percebe-se a visatildeo claudicante desta questatildeo Este
testemunho eacute contemporacircneo dos AtsAp especialmente de AtsPe Nestes
cacircnones temos inclusatildeo dos apoacutecrifos Pastor de HERMAS (gr Ποιμήν τοῦ
Ερμά) o Ap de Pedro e os AtsPl excluindo outros que mais tarde seriam
canocircnicos 152 Das aproximadas 350 citaccedilotildees no NT do AT mais de 300 quando
analisadas suas claacuteusulas se reportam a LXX 153 Eacute reconhecido que esta afirmaccedilatildeo tem scholars defensores de posiccedilotildees
contraacuterias Contudo desde a chegada dos estudos mais recentes do NT
(supraconfessionais) de Neil ELLIOT Gerd THEISSEN J Christian BEKKER
A LINDEMANN F W BEARE C H DODD E KAumlSEMANN et alii tem-se
observado estudos como ldquoDesjudaizaccedilatildeo de Paulordquo ndash cf ELLIOT Neil
Libertando Paulo ndash A justiccedila de Deus e a poliacutetica do Apoacutestolo Satildeo Paulo Paulus
19941997 pp93-100 ou cf BECKER e FREDRIKSEN From Jesus to Christ
p119 apud ELLIOT ibid p333 ldquoApoacutestolo que perdeu a sua ancoragem no
judaiacutesmordquo ou ainda ldquotranspocircs o significado do Messias lsquodo plano histoacuterico ao
plano coacutesmicorsquo () minimiza os aspectos poliacuteticos do movimento messiacircnico ao
apresentar sua mensagem em termos jaacute significativos para o seu auditoacuterio
gentiordquo (pp158-9 166) 154 Em At 25ss percebemos nos Ἰερουσαλὴν κατοικοῦντες Ἰουδαῖοι uma
forte lideranccedila que predominara nos tempos dos escritos do NT sobretudo no
interregno subapostoacutelico do seacutec I ao II e sobre a facccedilatildeo judaico-cristatilde Estes satildeo
judeus residentes em Jerusaleacutem helenistas um puacuteblico jaacute ldquoglobalizadordquo e
helenizado de cujo grupo adveacutem o principal apoacutestolo escritor do NT e
doutrinador ndash Saulo de Tarso Siacuteria (= Paulo) principal helenista dos
cristianismos nascentes e outra da lideranccedila ndash Nicolau de Antioquia Siacuteria do
primeiro coleacutegio diaconal A ldquoglobalizaccedilatildeordquo dos cristianismos com a
consequente ruptura com sistema fechado judaico-cristatildeo (circuncisatildeo preceitos
guarda dos Saacutebados dos anos sabaacuteticos concepccedilatildeo de propriedade da terra de
Escritura κτλ) eacute resultado do envio dos Ἰερουσαλὴν κατοικοῦντες Ἰουδαῖοι das
lideranccedilas entre os helenistas e percebida pelo caraacuteter internacional e
evangelizador do Atos lucano tambeacutem do advento Paulo da sua formaccedilatildeo e na
consequente doutrina estoica finalmente da γνῶσις e do dualismo que resultaraacute
na revelaccedilatildeo cristatilde 155 ALTANER STUIBER opcit pp69-79
77
resposta como a Marcus Cornelius Fronto (= Frontatildeo de Cirta 100-dagger170)
preceptor do Cӕsar Marcus Aurelius156 Ou a Λουκιανὸς Σαμοσατεύς157
(= Lucianus Samosatensis de Samoacutesata ca 125-dagger181) escritor satiacuterico
pagatildeo do seacuteculo II que escarnece dos cristatildeos por causa da sua
fraternidade e desprezo pela morte Tambeacutem ao filoacutesofo platocircnico do
seacuteculo II ndash Κέλσος (= Celsus) em Ἀληθής Λόγος a qual conhecemos a
maior parte pela refutaccedilatildeo de Ὠριγένης (= Oriacutegenes) ndash Contra Celsum158
O Cacircnon de Muratori permite uma vista panoracircmica deste conflito
existente159 A questatildeo eacute tratada por Drobner sobre o surgimento da
lsquoapologeacutetica cristatildersquo
A apologia cristatilde primitiva exerceu portanto
essencialmente trecircs tarefas
1 defender o cristianismo contra ataques de
argumentos ou de accedilotildees demonstrando que eram
injustificados ou careciam de forccedila persuasiva
2 desmascarar falsas ideias sobre o
cristianismo descrevendo o comportamento real
dos cristatildeos e
3 fundamentar racionalmente e justificar a feacute
cristatilde demonstrando a inferioridade das
convicccedilotildees de feacute dos adversaacuterios Esta uacuteltima tarefa
era muitas vezes acompanhada de zelo missionaacuterio
para converter o adversaacuterio ao cristianismo160
156 Renomado orador (e jurista) reconhecido somente inferior agrave Cicero O
imperador Titus Aurelius - Antoninus Pius ciente da sua notaacutevel reputaccedilatildeo
escolheu-o para a tutoria de Marcus Aurelius e Lucius Verus seus filhos 157 A saacutetira em forma de epiacutestola De morte pelegrini pp11-6 cf DODDS
Eric Robertson R Pagan and Christian in a Age of Anxiety Cambridge
Cambridge Press 1965 pp59-63 120ss 170 158 ALTANER STUIBER opcit p70 159 METZGER Bruce Manning The Canon of the New Testament Its
Origin Development and significance Oxford Claredon Press 1987 in toop
Fornece um panorama da questatildeo na sua obra 160 DROBNER 2003 p78
78
III A transmissatildeo e recepccedilatildeo de AtsPe na Antiguidade
Maas define que a atual ldquocriacutetica textual se propotildee a produzir um
texto para fechar as possibilidades na direccedilatildeo de um originalrdquo ou seja
constitutio textus161 Filoacutelogos codio-paleoacutegrafos satildeo os que laboram
para rastrear e reconstruir material textual que sirva de base para o estudo
das obras originais da Antiguidade No caso de AtsAp particularmente
AtsPe tais escritos tiveram uma histoacuteria de muitas idas e vindas e por
consequecircncia foram modificados corrigidos suprimidos e interpolados
pelos amanuensis162 Tradiccedilotildees163 e recensotildees bastante diversas e
dispersas satildeo estudadas para tentar reconstituir linhas baacutesicas Quando
Metzger destaca o atual estaacutegio da criacutetica textual deste tipo de documento
cristatildeo reconhece que a ldquolegalidade geral de seus princiacutepios criacuteticos e
meacutetodos eacute largamente reconhecida pelos scholars da atualidaderdquo164 O
texto de AtsPe utilizado descrito melhor no Capiacutetulo III daraacute ciecircncia de
todas as variantes textuais greco-latino-coptas que recorrem aos diversos
aparatos criacuteticos Ao que parece eacute uma versatildeo estaacutevel mas sem ainda o
devido esgotamento da criacutetica textual Diz Pintildeero
A realidade mais marcante na histoacuteria dos Atos
Apoacutecrifos eacute a sua preservaccedilatildeo muitas vezes
fragmentada e incompleta o que eacute de particular
importacircncia no momento de obtenccedilatildeo de
conclusotildees gerais165
Em linhas gerais o AtsPe tem uma primeira fase que se daacute em
Jerusaleacutem natural epicentro da evangelizaccedilatildeo onde Pedro passa cerca de
doze anos166 por ordens do Senhor167 A outra parte daacute-se em Roma Em
161 MAAS Paul Textual criticism Oxford Oxford University Press 1958
p1 uide glossarium 162 cf METZGER Bruce Manning The Text of the New Testament Its
Transmission Corruption and Restoration 3a ed Oxford Oxford Press 1992
p136 mdashmdash amanuensis do lat ab manus (copista escrevente) 163 O termo aqui aparece na perspectiva da criacutetica textual uide glossarium 164 METZGER 1992 ibid 165 PINtildeERO 2004 opcit p12 166 VOUAUX 1922 opcit p4 167 AtsPe AV V em remissatildeo agrave At 81318
79
Samaria acontece o primeiro embate com Simatildeo o Mago168 Eacute bastante
loacutegico que esta primeira parte abarque os episoacutedios dA Filha de Pedro169
e dA Filha do Jardineiro Haacute uma conexatildeo histoacuterica loacutegica entre esta
primeira parte da obra e a final onde se descreve Pedro e Paulo com
Simatildeo o Mago em Samaria170 o que justificaria a presenccedila do Apoacutestolo
das Gentes em Actus Vercellenses I-III Mas a obra resta fragmentada e
em liacutenguas diferentes Um pequeno caos171
As polecircmicas natildeo satildeo poucas neste campo Para alguns
pesquisadores172 a origem eacute gnoacutestica Isto se deriva da sua proacutepria
ideologia da obra e pelas acusaccedilotildees dos Pais da Igreja173 Para outros
somente o AtsPe seria gnoacutestico174 e todos os demais teriam tomado o
modelo (ideologia material literaacuterio biacuteblico κτλ) do Πράξεις Ἀποστόλων
lucano resultado da Grande Igreja que emergia deste mistifoacuterio de crenccedilas
populares Para Schmidt Blumenthal Harnack et alii os veacuteteros AtsAp
(os Cinco Grandes Atos) de procedecircncia καθολικής receberam algum
retoque de matildeos gnoacutesticas para dar-lhes autoridade apostoacutelica e avalizar
a expansatildeo de suas doutrinas175 O tema natildeo estaacute esgotado nem a
controveacutersia encerrada ao que tudo indica depende da expansatildeo do
conhecimento sobre as γνῶσις e sua extensatildeo nos seacuteculo I-III
Podemos poreacutem afirmar a biblioteca gnoacutestica de Nag Hammadi
de onde recuperamos AtsPe12Ap (Atos de Pedro e os Doze Apoacutestolos)176
assinala a ocorrecircncia de Atos com ideologia e origem gnoacutestica O AtsTo
168 AtsPe (AV V e XXIII) referindo-se agrave At 818ss Os Atos lucano colocam
Joatildeo e Pedro como uma resistecircncia agraves pretensotildees de Simatildeo o mago 169 VOUAUX 1922 opcit p2 que menciona a existecircncia deste frg copta
citando Augustinus de Hipona Contra Adimantum manichaeligum XVII 5 ndash in
Migme (ed) PL 1841 opcit tXLII col161 natildeo menciona na questatildeo da
unidade 170 Teria nascido em um lugarejo chamado Gitatildeo na Samaria Depois foi
morar em Roma cf a tradiccedilatildeo Deste mais tarde Valentim emprestaria suas
ideias 171 cf VOUAUX 1922 opcit pp4-12 172 Seguindo a tradiccedilatildeo de LIPSIUS 173 LIPSIUS Ricardus Adelbertus Die Apokryphen Apostelgeschichten
und Apostellegenden Ein Beitrag zur altchristlichen Literaturgeschichte
Leipzig Hinrichs 1892 tI pp4ss 174 SCHMIDT Carl Reinhard Die alten Petrusakten ndash in TU 241
Leipzig Hinrichs 1923 pp1ss 175 PINtildeERO 2004 opcit p16 176 ROBINSON James M 2006 opcit pp248-54
80
conteacutem diversas aproximaccedilotildees com o Evangelho de Tomeacute de Nag
Hammadi177 Os estudos mais eficazes eg Kaestli178 tecircm avaliado um a
um e natildeo o bloco destes textos porque ao que parece satildeo mais uma
compilaccedilatildeo de dados do que uma elaboraccedilatildeo sistemaacutetica cujas
interpolaccedilotildees provocaram uma iacutendole muito diversa179 Entre os mesmos
AtsAp percebe-se orientaccedilotildees doutrinaacuterias divergentes180 A ligaccedilatildeo entre
determinados frgg e a conjuntura temaacutetico-textual dos AtsAp eacute bastante
precaacuteria em alguns dos casos Por esta configuraccedilatildeo estas obras bem
provavelmente pretendessem entreter e edificar atraveacutes de um gecircnero
noveliacutestico181 ndash natildeo estava em jogo nem a ortodoxia nem a historicidade
e por isso utilizaram-se das modas literaacuterias ficcionais da sua eacutepoca
(seacuteculos II-III) tambeacutem porque as fronteiras entre ὀρθοδοξία e αἵρεσις
natildeo estavam definidas Uma coisa eacute digna de nota se certa ou natildeo
permanece a discussatildeo E os Pais da Igreja e autores eclesiaacutesticos datildeo
conta de um caraacuteter heterodoxo dos AtsAp182 (embora eles mesmos sejam
produto de um processo seletivo) Na sua Ἐκκλησιαστική Ἱστορία183 o
exegeta historiador ndash Εὐσέβιος ὁ Καισάρειος (= Eusebius Pamphili ou
177 id ibid pp114-6 tambeacutem PINtildeERO 2004 opcit p16 178 KAESTLI Jean-Daniel Lrsquoutilisation des Actes apocryphes des apocirctres
dans le manicheacuteisme ndash in Gnosis and Gnosticism Martin Krause (ed) Nag
Hammadi Studies 8 Leiden Brill 1977 pp107-16 id trabalhos de 1981 1983
e 2008 179 cf KAESTLI Les principales orientations de la recherche sur les Actes
ndash in BOVON F et alii Les Actes Apocryphes des Apocirctres Christianisme et
monde paiumlen Genegraveve 1981 pp49-67 180 Haacute casos que apontam para partes distintas de uma mesma obra 181 eg (para se ter alguma ligaccedilatildeo contemporacircnea) alguns destes AtsAp
seriam como a obra Eles eram muitos cavalos de Luiz Ruffato (muito
fragmentaacuterio e com conexotildees bem tecircnues ou inexistentes na temaacutetica interna) 182 Augustinus de Hipona na sua obra contra o maniqueu Fausto afirma que
ldquoos maniqueus leem escrituras apoacutecrifas compostas debaixo do nome dos
apoacutestolosrdquo conforme Diversarum hӕreseon liber ndashin CSEL - Corpvs Scriptorvm
Ecclesiasticorvm Latinorvm XXXVIII pp47-8 Tambeacutem o Papa Leatildeo I diz que
tais escrituras estatildeo ldquocheias de erro que devem ser proibidas eliminadas e
jogadas ao fogordquo cf Carta 15 ndash in Migme (ed) PL 1841 opcit tLIV
col688 183 EUSEBIUS PHAMPHILI Ἐκκλησιαστική Ἱστορία liv III cap XXV
ndash As Divinas Escrituras que satildeo aceitas e aquelas que natildeo satildeo cf American
Society of Church History ndash in Boletim December1888 Impresso vol I New
York Societyrsquos paper 1889 pp251ss
81
da Cesareia Mariacutetima 263-dagger339)184 soacute inclui AtsPl como autecircntico (= natildeo
canocircnico danificado) o que implica que AtsPe et his similia deveriam ser
classificados ao niacutevel de invenccedilatildeo de ldquoheregesrdquo185 na sua famosa distinccedilatildeo
ndash λογούμενα ἀντιλεγόμενα e νόθα186 Epiphanius (de Salamina) na sua
obra Περὶ τῶν ψευδεπιγράφων τῶν παρὰ αἱρετικοῖς187 diz que eram lidos
e usados pelos ldquoheregesrdquo
De outro lado satildeo inuacutemeros os testimonia usados por obras
reconhecidas pela Igreja Temos eg um Salteacuterio Maniqueu188
descoberto no Egito em 1930 com grande possibilidade de ter origem
siriacuteaca traduzido para o grego e depois para o copta Datado de fins do
seacuteculo III num dos hinos aos peregrinos ndash Salmo da Paciecircncia189
menciona informaccedilotildees do AtsPe como que Pedro teria morrido de cabeccedila
para baixo190 e muitos outros detalhes que atestam o uso dos demais
AtsAp Aurelius Augustinus (de Hipona 354-dagger430) irrefutaacutevel para a
Igreja cita AtsJo sem qualquer receio em suas obras eg no Tractatus
124 in Iohannis Euangelium191 Δίδυμος ὁ Τυφλός (= Dydimus Caecus
de Alexandria 310-dagger398) cita-os em seu Commentarii in Zacchariam192
Ἱππόλυτος (= Hypollitos de Roma 170-dagger235) buscaraacute nos AtsPl
argumentaccedilatildeo para a atitude do profeta Daniel com os leotildees quando o
184 Para dataccedilatildeo estaacute cf ALTANER DPAC e DROBNER opcit nesta
ordem 185 Εἰρηναῖος (= IRINAEligUS de Lyon) Adversus Hӕreses XLVIII1
tambeacutem em XLV2 LXI1 LXIII2 ndash in Migme (ed) PG 1857 opcit tVII 186 Aceitos discutidos e ilegiacutetimos 187 Acerca dos pseudoepiacutegrafos em uso pelos hereges Segundo o texto
grego de JUNOD-KAESTLI 1997 p697 cuja epiacutegrafe diz que ldquonatildeo satildeo escritos
pelos apoacutestolos e sim pelos democircniosrdquo 188 GIANOTTO Claudio Risonanze scritturistiche nel Salterio Manicheo
ndash in Bulletin de la Societeacute Archeacuteologique Copte 35 Cairo 1996 pp59-73 189 ALLBERRY Charles R (ed) Manichaean Manuscripts in the Chester
Beatty Collection Vol II part II A Manichean Psalm Book Stuttgart W
Kohlammer 1938 190 AtsPe AV XXXVIIss Mart gr VIIIss 191 cf RHE 11 pp225-256 cf art de FLAMION Joseph Les Actes
Apocryphes de Pierre ndash in Revue drsquohistoire eccleacutesiastique RHE XI Paris
Bruxelles Louvain Bureau du Recueil 1910 pp5-28 225-256 447-470 675-
692 acerca de lattitude drsquoAugustin no uso dos AtsAp 192 DPAC-pt opcit p406
82
mesmo animal teria lambido os peacutes de Paulo193 Ὠριγένης (= Origenes
Adamantius ou de Cesareia 185-dagger253) cita-os ao se referir ao episoacutedio
do ldquoQuo vadisrdquo194 Ἐφραίμ ὁ Σῦρος195 (= Efreacutem o Siacuterio 303-dagger373)
comenta cartas de Paulo com os coriacutentios conteuacutedo de AtsPl juntamente
com as canocircnicas paulinas a esta comunidade196
Em siacutentese podemos afirmar que o que temos satildeo textos
heterodoxos e se vistos pelo olhar temporalmente posterior da ortodoxia
soberbamente atribuiacutedos ao gnosticismo amplo ndash multifacetariamente
gnoacutestico-cristatildeo e ao proacuteprio encratismo
O ponto de partida eacute o da discussatildeo precedente Na eacutepoca que os
AtsAp tiveram sua representaccedilatildeo graacutefica natildeo havia os embargos
conceituais da ὀρθοδοξία e αἵρεσις completamente definidos nem a
regula fidei encontrava-se estabelecida ou melhor tiacutenhamos vaacuterias ndash
regulaelig fiderum uma inclusive para os AtsAp As γνώσεις foram uma das
muitas formas de ser e pensar que hodiernamente satildeo chamados
ldquoheregesrdquo Tomavam suas opiniotildees dos escritos hoje ditos ldquocanocircnicosrdquo ndash
uma lista em aberto na eacutepoca da religiatildeo persa do judaiacutesmo e da filosofia
e miacutestica grega Natildeo estariacuteamos vendo no poacutes-modernismo do presente
seacuteculo estresido (ao seu ciclo) algo no mesmo afatilde de perscrutar as relaccedilotildees
humanas com a divindade
Paulo aleacutem da forte doutrina moral estoica197 deixa diversos
indiacutecios de contato pessoal e das igrejas sob seus cuidados com o
gnosticismo eg quando alude agrave γνῶσις (= conhecimento) ἐπίγνωσις
(= plenitude de conhecimento) oposiccedilatildeo σάρξ versus πνεῦμα198 um
mundo tenebroso e repleto de principados e potestades aleacutem de outros ndash
calotildees plaacutesticos gnoacutesticos
193 Ἱππόλυτος (= HIPOacuteLITO de Roma) Sobre Daniel III 29 ndash in ed criacutet
gr NAUTIN Pierre Lettres et eacutecrivains chreacutetiens des IIe et IIIe siegravecles Paris
Cerfs 1961 pp170-207 194 ORIGENES Commentairii in Joannes XXII 12 ndash in CSCO 1953
p145ss de onde se reconhecem as palavras textuais de P gr Hamburgo dos
AtsPl (PH7) 195 Em siriacuteaco ܐܦܪܝܡ ܣܘܪܝܝܐ (transl MorMar Afrecircm Sucircryāyacirc) 196 VOUAUX 1913 opcit caps XX e XXXIV 197 PESCE Mauro As duas fases da pregaccedilatildeo de Paulo Satildeo Paulo
Loyola 1996 pp112 172-84 204-7 198 Rm 722-25 1Cor 1550-51 (BJ) O bem eacute do espiacuterito versus o mal da
carne excomungando todo o erotismo κτλ com a maldiccedilatildeo eterna
83
25 da qual [ἐκκλέσια = comunidade] eu estou feito
ministro segundo a dispensaccedilatildeo de Deus que me
foi concedida para convosco para cumprir a
palavra de Deus 26 o misteacuterio que esteve oculto desde todos os
seacuteculos e em todas as geraccedilotildees e que agora foi
manifesto aos seus santos 27 aos quais Deus quis fazer conhecer quais satildeo as
riquezas da gloacuteria deste misteacuterio entre os gentios
que eacute Cristo em voacutes esperanccedila da gloacuteria199
11 Revesti-vos de toda a armadura de Deus para
que possais estar firmes contra as astutas ciladas do
diabo 12 porque natildeo temos que lutar contra carne e
sangue mas sim contra os principados contra as
potestades contra os priacutencipes das trevas deste
seacuteculo contra as hostes espirituais da maldade nos
lugares celestiais200
IV Revisatildeo datal e autoral dos AtsPe no referencial do lsquogecircnero Πράξειςrsquo
Mesmo que mantenhamos o enfoco stricto sensu para o
estabelecimento de uma ldquoestratigrafiardquo201 de AtsPe ndash conforme
terminologia crossaniana que objetiva a localizaccedilatildeo do estrato (camada)
onde estaacute este texto tendo em vista o apropriado reconhecimento dos seus
pressupostos necessaacuterios fontes textuais da tradiccedilatildeo oral
intertextualidades aspectos linguiacutesticos teoloacutegicos e histoacutericos ndash
ferramentas para uma correta compreensatildeo de AtsPe e sua traduccedilatildeo
Ainda assim Jean-Daniel Kaestli e Eric Junod que se dedicaram a este
tema concluiacuteram descrevendo-a como um grande ldquoquebra cabeccedilasrdquo A
199 Cl 125-27 112-15 (BJ itaacutelicos nossos) 200 Ef 611-12 (BJ grifo nosso) 201 Termo aqui entendido no sentido proposto por CROSSAN John
Dominic O Jesus Histoacuterico ndash A vida de um camponecircs judeu do Mediterracircneo
Rio de Janeiro Imago 1994 pp26-8 como veremos mais detalhadamente no
cap III
84
menccedilatildeo mais objetiva e antiga que nos foi legada para a reconstruccedilatildeo da
camada ou estrato datal de AtsPe adveacutem dos demais AtsAp revisitando a
obra De Baptismo et de Pœnitentia Adnotationes de Quintus Septimus
Florens Tertullianus (de Roma ou de Cartago ca155-dagger ca212)
Agora sim no caso daqueles que leem os escritos
que levam falsamente o nome de Paulo que
reivindiquem o exemplo de Tecla para defender a
capacidade das mulheres em ensinar e batizar
devem saber que o presbiacutetero da Aacutesia que compocircs
este[s] escrito[s] como que se quisera ligar algo da
sua parte ao prestiacutegio de Paulo abandonou seu
cargo depois que estava convicto e confesso de
fazer este[s textos] por amor agrave Paulo202
Crossan iraacute iniciar a dataccedilatildeo dos corpora Πράξεις ao enquadrar o
Atos lucano no quarto estrato ou geraccedilatildeo de material textual cristatildeo
subapostoacutelico compreendido no periacuteodo entre 120-150 e ldquoconcebido
como continuaccedilatildeo do Evangelho de Lucas com o qual formaria uma obra
em dois volumes () escrito depois do seu predecessor (Lc)rdquo203
202 TERTULLIANUS De Baptismo et de Pœnitentia Adnotationes
XVII5 (on-line) lt httpwwwthelatinlibrarycom
tertulliantertullianbaptismoshtml gt acessado em 15052010 uide tambeacutem
THELWALL Sydney (trad) Ante-Nicene Fathers volIII Ethical On Baptism
New York 1926 pp5-6 203 CROSSAN 1994 opcit pp465-86 aponta as camadas de textos (i)
Primeiro Estrato (30-60) 1Ts Gl 1Cor Rm Ev Tomeacute I (proto) Ev Egerton
P2325 POxyrh1224 Ev Hebreus Fonte Q Coleccedilatildeo de Milagres Relato do
Apocalipse e Ev da Cruz (ii) no Segundo Estrato (60-80) estariam Ev dos
egiacutepcios Ev Marcos secreto POxyrh840 Ev Tomeacute II Coleccedilatildeo dos diaacutelogos Livro
dos Sinais e Cl (iii) Terceiro Estrato (80-120) Mt Lc Ap I Ep Clemens
Ep Barnabeacute Διδαχή I Pastor de Hermas Tg Ev Jo I (proto) Cartas de Inaacutecio
1Pd Ep de Policarpo aos Filipenses part I e 1Jo (iv) Quarto Estrato (120-
150) Ev Jo II Atos dos Apoacutestolos (lucano) Apoacutecrifo de Tiago 1Tm 2Tm 2Pd
Ep de Policarpo aos Filipenses part II II Ep Clemens Ev Nazarenos Ev
Ebionitas Διδαχή II Ev de Pedro (iniciando-se uma verdadeira ldquoseacuterie literaacuteria
petrinardquo) et alii
85
A despeito de alguma resistecircncia de caraacuteter canocircnico por uma
corrente anterior conforme Jeremiah Jones204 Nathaniel Landers205 et
alii que tratam como espuacuteria a remissatildeo de Tertullianus agrave Acta Pauli et Theclaelig (AtsPlTe) nesta citaccedilatildeo recaem os argumentos que possibilitam
alguma relaccedilatildeo cronoloacutegica entre o AtsPl (que conteacutem o AtsPlTe et alii)206
e os demais materiais escrituriacutesticos do gecircnero Πράξεις A discussatildeo daacute-
se emblemaacutetica e acalorada jaacute no proacuteprio texto latino Ou seja em
Tertullianus lecirc-se ldquoActa Pauli quӕ perperam scripta suntrdquo ou lecirc-se ldquoActa Pauli ()rdquo207 O problema da existecircncia ou natildeo da viacutergula depende tatildeo
204 JONES Jeremiah Canon of New Testament volII Ghent 1896 p353 205 cf LARDNER Nathaniel The Credibility of Gospel History ndash Part II ndash
The Principal Facts of The New Testament volVIII London Theodore Sanders
1750 p305 206 Embora tenham chegado como obras separadas os eruditos hoje as
consideram partes de uma mesma obra tambeacutem de ldquoromance cristatildeordquo
GOODSPEED Edgar Johnson The Acts of Paul and Thecla ndash in The Biblical
World 173 London marccedilo1901 pp185-90 ou como chamamos ndash AtsPl Acta
Pauli et Theclaelig I Ep aos Coriacutentios II Ep aos Coriacutentios O Martiacuterio de S Paulo
e mais duas que restaram fragmentadas ndash A cura Hermoacutecrates e a Luta das Feras
de Eacutefeso 207 cf TERTULLIANUS (BL) opcit quod si quae Acta Pauli quӕ
perperam scripta sunt exemplum Theclӕ ad licentiam mulierum docendi
tinguendique defendant sciant in Asia presbyterum qui eam scripturam
construxit quasi titulo Pauli de suo cumulans convictum atque confessum id se
amore Pauli fecisse loco decessisse (i) Na primeira leitura natildeo fica esclarecido
que Acta Pauli sejam AtsPlTe (integrantes da obra uma AtsPl) (ii) Na segunda
leitura possiacutevel cf DAVIES Women Tertullian and the Acts of Paul ndash in Semeia
38 ndash Apocryphal Actshellip Chicago Society of Biblical Literature 1986 pp139-
43 se tratava de uma epiacutestola ldquoapoacutecrifardquo paulina cuja intenccedilatildeo eacute a anuecircncia para
a mulher poder ensinar e batizar No entanto Davies explica que as razotildees de
Tertullianus natildeo se ajustam ao contexto geral de AtsPl (obra completa) em
AtsPlTe Tecla natildeo recebe expressa autorizaccedilatildeo para realizar batismos nem trata
da notoriedade de Paulo sequer parece razoaacutevel que goze de algum respeito um
escrito feito por algueacutem que tenha sido deposto do cargo Davies conclui ldquotrata-
se de alguma carta apoacutecrifa pseudoepigrafada por Paulo descoberta esquecida
e se perdeurdquo cf id opcit p143 e desta maneira estaria desfeito a uacutenica citaccedilatildeo
direta que se tem conhecimento para aclarar a dataccedilatildeo sequencial do gecircnero Atos
e nos reduziriacuteamos agrave argumentar internamente nos proacuteprios textos em questotildees
sobre o desenvolvimento teoloacutegico ambiente geograacutefico-histoacuterico ideologia
preferecircncias literaacuterias motes linguiacutesticos κτλ Poreacutem ocorreu um fato bastante
ousado em 1989 (que depois de publicado tornou-se notoacuterio nos estudos
apoacutecrifos) preconizado pelo scholar SCHNEEMELCHER que inverte
radicalmente sua interpretaccedilatildeo da ediccedilatildeo 4ordf (1971) para a 5ordf (1989) da sua
86
somente da interpretaccedilatildeo de um filoacutelogo pois no manuscrito latino uncial
tal marcaccedilatildeo natildeo existe O texto latino pertence agrave BL que adota a segunda
posiccedilatildeo poreacutem trata-se de mera interpretaccedilatildeo e junto a esta Wilhelm
Schneemelcher Edgar Hennecke Jean-Daniel Kaestli Eric Junod et alii
fazem coro
As ressalvas satildeo tantas considerando a citaccedilatildeo de Tertullianus que
as conclusotildees acerca da cronologia do AtsPe a partir desta restam
nebulosas Haacute de se recorrer a outros recursos comparativos intratextuais
histoacutericos geograacuteficos κτλ sopesadas as partes mais confiaacuteveis dos
textos contendo um forte aparato e suporte criacutetico Ainda mais resta a
questatildeo do quanto eacute provaacutevel que alguns AtsAp tenham tido uma uacutenica
redaccedilatildeo como parece ser o caso de ApsAnd AtsJo e AtsTo208 No
interregno de uma ou outra ediccedilatildeo a noacutes legada destes textos haveria anos
de retoques por matildeos sensiacuteveis a serviccedilo de determinada ideologia
produzindo variantes por interpolaccedilotildees ou retiradas
Em defesa do testemunho de Tertullianus natildeo obstante alguma
dificuldade textual em texto latino pode-se perceber conexo com o AtsPl
As justificativas poderiam ser cf Schneemelcher Hennecke Kaestli
Junod Cerro Pintildeero et alii (i) A insistente defesa de atividades
ministeriais de mulheres teria solapado o autor de AtsPl209 o que
espelharia a poliacutetica de um lado vencedor que arguia que o proacuteprio Paulo
havia proibindo-as falar em assembleia210 (ii) No AtsPl natildeo haacute
Neutestementliche Apokryphen II Na ed de 1971 p222 ele aceitava a leitura
que omite a menccedilatildeo do Acta a favor de scripta na de 1989 p195 ele admite que
a leitura Acta Pauli modifique tambeacutem sua opiniatildeo anterior e reconhece que o
texto resulta problemaacutetico cf apud Introduccedilatildeo opcit 6ordf ed pp190ss 208 A data de composiccedilatildeo de AtsJo eacute 150 conforme KAESTLI JUNOD et
alii Poreacutem outros pesquisadores eg PLUumlMACHER Eckhard Apokryphe
Apostelakten ndash in The Realencyclopaumldie der Classischen Altertumswissenschaft
ndash RE Pauly-Wissowa ndash PW vol XIX Halbband 37 Muumlchen Pech-Petronius
1937 ou ainda cf CERRO art sobre a Cronologia relativa dos AtsAp ndash in
PINtildeERO (ed) 2004 opcit p58 esta informaccedilatildeo natildeo se adeacutequa a outro dado
histoacuterico a destruiccedilatildeo do templo de Artemis (cf menciona AtsJo XXXVII-XLII)
Fato soacute explicaacutevel se a destruiccedilatildeo do templo (pelos godos em 263) jaacute tivesse
ocorrido ou se a passagem for um destes muitos retoques interpolativos a que
estes textos foram submetidos 209 CERRO 2004 art cit pp58-60 210 1Cor 1434 ldquo() αἱ γυναῖκες ἐν ταῖς ἐκκλησσίαις σιγάτωσαν οὐ γὰρ
ἐπιτρέπεται αὐταῖς λαλεῖν ἀλλὰ ὑποτασσέσθωσαν καθῶς καὶ ὁ νόμος λέγειrdquo
(= ldquoas mulheres devem ficar caladas nas reuniotildees de adoraccedilatildeo Elas natildeo tecircm
permissatildeo para falar assim como diz a Leirdquo) Dificilmente alguma palavra
87
autorizaccedilatildeo para Tecla batizar Mas autobatiza-se211 com uma
admoestaccedilatildeo iacutenfima e logo eacute enviada para pregar com o uso do termo
διδάσκε (= ensine) 212 (iii) Consequentemente Davies213 acende a
possibilidade de terem existido passagens agora perdidas que se
defenderiam esta possibilidade para as mulheres considerada a tradiccedilatildeo
que aos poucos se recupera destes dados perdidos eg Maria de Magdala
Ainda teoriza que uma mulher seguindo tradiccedilotildees orais poderia ser a
autora de AtsPlTe (iv) Contra Davies Tertullianus ao referir-se ao
AtsPlTe certamente o foco eacute Paulo Tecla embora protagonista eacute uma
jovem que se vecirc ldquoum cordeirinho que suspira por seu pastorrdquo ndash Paulo214
(v) Contra Davies ndash que a desgraccedila do seu autor implicaria no ecircxito da
obra ndash tem peso relativo Tertullianus pretende reverter o prestiacutegio que o
escrito jaacute gozava segundo Cerro215 Davies forccedila a traduccedilatildeo ldquodestituiacutedo
do seu cargordquo em Tertullianus ndash loco decessisse eacute abandonar o cargo
consequecircncia possivelmente notoacuteria ao leitor da Antiguidade
As cardeais razotildees para preferecircncia do esboccedilo cronoloacutegico
comeccedilando pelo AtsPl se deve agrave notoriedade que obteve a obra com
muitos testimonia (uide seguir) A repercussatildeo da obra eacute produto da
notoriedade do seu protagonista da sua popularidade em franca ascensatildeo
da monopolizaccedilatildeo narrativa na segunda parte do Atos dos Apoacutestolos
lucano em Paulo (e em detrimento a Pedro) e do caraacuteter gentiacutelico e
universal do Apoacutestolo das Gentes
Rematando esta etapa em virtude da aceitaccedilatildeo nas pesquisas
recentes da citaccedilatildeo de AtsPl em Tertullianus como axioloacutegica sua dataccedilatildeo
paulina tenha provocado tanta consternaccedilatildeo como esta Conflita com 1Cor 115
Segundo ELLIOT 1994 opcit p74ss apoiando-se em estudos Antoinette Clark
WIRE e de Elizabeth Schuumlssler FIORENZA que apontam aqui uma interpolaccedilatildeo
por algueacutem da escola de Timoacuteteo Portanto o argumento de (i) seria bastante
fraacutegil 211 AtsPlTe XXXIV 212 ibid XLI Notemos que o emprego de διδάσκε verbo gr presente
(particularmente na κοινή NT) o lsquoaktionsartrsquo (aspecto accedilatildeo) eacute iterativo e
frequentativo natildeo momentacircneo ou pontual cf GOODWIN Willian Watson
Syntax of the moods and tenses of the Greek verbs Boston NY et aliӕ Gym
and Company 18971970 pp8-11 ou uide ALEXANDRE Jr Manuel
Gramaacutetica de Grego Lisboa Alcalaacute amp Soc Biacuteblica de Portugal 2003 pp264-
9 213 cf DAVIES 1986 opcit pp139-43 214 AtsPlTe XXI 215 CERRO 2004 artcit pp58-60
88
passaraacute reportar-se a De Baptismo et de Pœnitentia Adnotationes
cronologicamente bem demarcada em torno de 198-200 O AtsPl eacute
anterior a 200 composto ad quem com tempo suficiente para serem
conhecidos na Aacutefrica ainda com tempo para sua notoriedade alcanccedilar a
oitiva e a pena de Tertullianus216 Muitos outros testimonia poderiam ser
elencados eg De Principiis de Rufino Commentarii in Johanneum de
Ὠριγένης (= Oriacutegenes Adamantius) argumentos internos no Codex
Claromontanus HE de Eusebius (de Cesareia) O Banquete das Virgens e o da Castidade de Methodius (= Metoacutedio de Olimpos) Ἐφραίμ ὁ Σῦρος
(= Efreacutem o Siacuterio) quando comenta 3 Coriacutentios Epiphanius (de
Salamina) Ἰωάννης ὁ Χρυσόστομος (= Joatildeo Crisoacutestomo) Aurelius
Ambrosius (de Milatildeo) Ζήνων Βερόνας (= Zeno ou Zenatildeo de Verona)
Augustinus de Hipona Γρηγόριος Θαυματουργός (= Gregoacuterio
Nazianceno ou Taumaturgo) et alii Toacutepicos importantes ficaratildeo sem
serem tocados nesta tese
Vencida a etapa anterior para situar AtsPl discutiremos a
antecedecircncia de AtsPe e a assimilaccedilatildeo textual por AtsPl
A conexatildeo em Tertullianus resulta natildeo somente na dataccedilatildeo de
AtsPl que segue o modelo do Atos lucano datado entre 120-150217 mas
ainda vai aclarar a dataccedilatildeo de AtsPe e de todo o gecircnero Πράξεις A
argumentaccedilatildeo consiste na intertextualidade entre AtsPl e AtsPe na cena
ldquoQuo vadisrdquo que compotildee o ldquoΜαρτύριον τοῦ ἁγίου ἀποστόλου Πέτρουrdquo
refere-se agrave Parte V dos AtsPe218 Os martiacuterios satildeo marcas bastante
peculiares a este gecircnero literaacuterio e muito frequentemente resultam em
pontos de contato entre os textos Os paralelos satildeo inevitaacuteveis Em AtsPl
a cena ldquoQuo vadisrdquo parece duplicada219 Ambos os eventos
martiroloacutegicos estatildeo vinculados a Roma e temos relato de uma apariccedilatildeo
do Senhor com Pedro em AtsPe (ou com Paulo em AtsPl) As conversas
e o enredo da visatildeo tambeacutem satildeo semelhantes
O pano de fundo da cena em AtsPe eacute a atmosfera de perseguiccedilatildeo
contra os cristatildeos que se daacute em Roma Pedro intenta fugir contando com
auxiacutelio Ao sair na calada da noite camuflado em vestimentas no portal
da cidade depara-se com o Senhor na direccedilatildeo oposta entrando em Roma
Ao vecirc-lo pergunta ldquomdash Quo vadis Dominerdquo ou em cop ldquomdash Para onde
os teus passos te dirigemrdquo ou em gr ldquomdash Aonde vais Senhorrdquo O senhor 216 TERTULLIANUS eacute de Cartago (ca155-212) note-se que De Baptismo
et de Pœnitentia Adnotationes data de 198-200 217 CROSSAN 1994 opcit pp465-86 218 Μαρτύριον e tambeacutem AV XXXV 219 P gr de Hamburgo para AtsPl ndash PH 7
89
responde-lhe ldquomdash Ἐἰσέρχομαι εἰς τὴν Ῥώμην σταυρωθῆναιrdquo220 Pedro
replica ldquomdash Κύριε πάλιν σταυροῦσαιrdquo221 Pedro reflete e compreende
Apoacutes contemplar o Senhor que subia ao ceacuteu volta para dentro da cidade
feliz e louvando o Senhor pelo que havia dito ldquomdash Vou ser crucificadordquo
Isto era precisamente o que ia ocorrer a Pedro
Em AtsPl o cenaacuterio eacute a viagem por mar de Paulo a Roma Ele estaacute
dormindo no barco durante a travessia Acontece igualmente uma
apariccedilatildeo do Senhor que encontra o Apoacutestolo andando sobre o mar222
Jesus acorda Paulo que o chama de ldquorei do ceacuteurdquo O Senhor triste contagia
o apoacutestolo Logo ele diz ldquomdash Vem e entra em Roma e consola os irmatildeosrdquo
O Senhor se adianta ao barco caminhando pelas aacuteguas Ao aportarem
dirige-se a Paulo ldquomdash Πα[ῦλ]ε ἄνωθεν μέλλω σταυρ[οῦσθαι]rdquo223 Paulo
replica ldquomdash μὴ γέ[νο]ιτο κύριε ἵνα τοῦτο ἐγὼ ἴδωrdquo224
Uma frase homeomorfa aguccedila em particular a atenccedilatildeo em AtsPe
ldquomdash εἰσέχομαι εἰς τὴν Ῥώμην σταυρωθῆναιrdquo e em AtsPl ldquomdash ἄνωθεν
μέλλω σταυροῦσθαιrdquo225 A intertextualidade e a dependecircncia satildeo
evidentes em Vouaux226 e outros Mas qual dos dois ndash o AtsPe ou o AtsPl
220 AtsPe Μαρτύριον e AV XXXV ldquomdash Entro em Roma para ser
crucificadordquo O fato do Senhor dizer que morreria novamente estaacute ligada a antiga
acepccedilatildeo hagiograacutefica onde cada maacutertir que era morto para as comunidades e as
audiecircncias cristatildes nos coliseus eacute como se o Senhor fosse morto novamente
Origina-se segundo Hb 66 Gl 219 At 95 desdobrando-se em Rm 86 148
2Cor 5-15 Usaremos o texto gr porque mais adiante seraacute defendido como o
original 221 ldquomdash Senhor para ser crucificado de novordquo 222 Remissatildeo a Mt 647 passagem iminentemente petrina onde o apoacutestolo
tambeacutem vai com o Senhor andar por cima das aacuteguas 223 P gr de Hamburgo VII39 (AtsPl) ndash in VOUAUX ldquomdash Paulo de
novo vou ser crucificadordquo 224 ldquomdash Natildeo se suceda Senhor que eu veja istordquo AtsPl ndash PH VII 40 ndash in
VOUAUX 225 O uso de ἄνωθεν para ser crucificado ldquode novordquo jaacute eacute percebido em
antigos relatos martirioloacutegicos como cf PARAIZO Jr Elias S Anaacutelise Criacutetica-
Literaacuteria e Traduccedilatildeo da Carta Circular da Igreja de Esmirna Sobre o Martiacuterio
de Satildeo Policarpo a mais antiga narrativa do gecircnero ndash in Anais XXIII Sociedade
Brasileira de Estudos Claacutessicos (impr) Araraquara UNESP SBEC 2008
pp214-27 (uide tambeacutem on-line) lt
httpwwwfclarunespbrecBANCO20DE20DADOSXXIII20SECTE
XTOSARTIGOS20 PDFparaizopdf gt acessado 23092011 226 VOUAUX 1922 opcit pp427ss tambeacutem PREUSCHEN von Erwin
Tatians Diatessaron Heidelberg Winters 1926 tIV pp288-342 ndash in MIGME
90
eacute original e fonte mais antiga Pesquisadores227 se inclinam pela
originalidade do AtsPe frente ao AtsPl No rol de razotildees temos (i) O
AtsPe eacute mais simples e coerente ndash atende a brevior lectio potior228 A
perseguiccedilatildeo estaacute no encalccedilo de Pedro que pretende fugir em sigilo de
Roma O apelo do Senhor para o regresso sucede de forma plaacutestica
(ii) O apelo daacute-se pelo uso verbal gr aor ndash σταυρωθῆναι229 (iii) A
reflexatildeo interior leva-o ao vislumbre de que iraacute cumprir a crucificaccedilatildeo
aludida (iv) Apressa-se em retornar a Roma e consola os cristatildeos230
(v) O diaacutelogo faz uma remissatildeo bastante primitiva agrave conversaccedilatildeo de Jesus
com Nicodemos no Evangelhos percebida no emprego de γεννηθῇ
ἄνωθεν (Jo 33 ldquonascer de novordquo) com a reacuteplica do fariseu ldquocomo pode
o homem voltar a nascerrdquo
O relato em AtsPl eacute mais extenso completo e menos coeso e
coerente Os scholars elencam uma seacuterie de percepccedilotildees algumas bastante
sutis (i) Paulo jaacute estaacute em alto mar rumo a Roma Falta algo de coerecircncia
na recomendaccedilatildeo ldquomdash ὕπαγε καὶ εἴσελθε εἰς τὴν Ῥώμηνrdquo231 (ii) Paulo
jaacute observa o Senhor quando a relaccedilatildeo prossegue dizendo ldquomdash ὤ[φθη ἢ]
δ[η ὁ] κ[ς] περιπατῶν ἐπί τῆς θαλάσσηςrdquo232 (iii) A tristeza do Senhor
na sua recomendaccedilatildeo ldquomdash παρακά[λεσο]ν τοὺς ἀδελφούςrdquo233 remete ao
Jacques-Paul (ed) Patrologie cursus completus Series Graeca (PG) Paris
Imprimerie Catholique 1857-1866 tXVI col600 ca ou ainda LELONG
Jacques ndash in The Catholic Encyclopedia New York Robert Appleton
Company 1910 p130 ndash in MIGME Jacques-Paul (ed) Patrologie cursus
completus Series Latina (PL) Paris Imprimerie Catholique 1841-1864 tII
col1027ca et alii (pesquisadores dos anos 1900-1930) que fazem menccedilatildeo a
totalidade dos argumentos elencados a seguir cuja reproduccedilatildeo textual esta num
art de siacutentese de CERRO Calderoacuten Gonccedilalo Del Cronologiacutea de los Hechos
Apoacutecrifos de los Apoacutestoles ndash in Analecta Malacitana XV 1-2 Madrid 1992
pp85-95 (tambeacutem on-line uide Bibliografiacutea) 227 PINtildeERO 2004 opcit p61 κτλ 228 A preferecircncia eacute pela brevior lectio potior ndash leitura mais curta eacute a
preferida Notoacuteria regra e amplamente aceita cf a qual a menor variante ou
intertextualidade eacute a melhor devido agrave maior tendecircncia agrave inclusatildeo do que agrave
exclusatildeo 229 Com valor pontual ser crucificado aqui e agora 230 Μαρτύριον e tambeacutem AV XXXV 231 ldquomdash Vaacute e entre em Romardquo P gr de Hamburgo VII32 (AtsPl) ndash in
VOUAUX 232 ldquo() e apareceu o Senhor caminhando sobre o marrdquo 233 ldquomdash consola os irmatildeosrdquo
91
ambiente de tensatildeo e tristeza de AtsPe234 (iv) O uso do inf de pres
σταυροῦσθαι atestado em Ὠριγένης (= Oriacutegenes Adamatius)235 indica
aspecto iterativo e frequentativo236 que poderia bem referir-se a uma
perseguiccedilatildeo duradoura no sentido das palavras de Jesus no Atos lucano237
(v) Se esta palavra se referia ao martiacuterio prenunciado de Paulo natildeo teria
muito sentido sua reaccedilatildeo ldquomdash μὴ γέν[οι]το κύριεrdquo238 (vi) A enigmaacutetica
frase de Jesus aparece depois de uma lacuna de trecircs linhas Estaacute num
contexto referencial que natildeo a enquadra (vii) A frase essencial em AtsPe
natildeo tem o adveacuterbio ἄνωθεν O palavra πάλιν surge no diaacutelogo posterior
empregada no NT cuja ocorrecircncia estaacute na razatildeo de 101 para ἄνωθεν239
Ambas satildeo sinocircnimas Jo 37 γεννηθῆναι ἄνωθεν (= nascer de novo) O
uso pleonaacutestico daacute-se em um soacute caso de ambas juntas () πάλιν ἄνωθεν
()240 (viii) Paulo natildeo pede explicaccedilotildees Ao contraacuterio como Pedro no
texto canocircnico241 parece querer desviar o Senhor do seu propoacutesito e ele
entende (como Pedro em Mt) natildeo da sua proacutepria morte mas da morte do
Senhor
O episoacutedio exemplificativo de contato entre os textos resta que em
AtsPe eacute mais simples claro e coerente Em AtsPl haacute um acuacutemulo de cenas
sem a necessaacuteria coesatildeo de onde a frase central ndash ldquoἄνωθεν μέλλω
σταυροῦσθαιrdquo natildeo tem outra justificaccedilatildeo intratextual para a tristeza do
Senhor A natildeo ser que nas fileiras danificadas haja elementos que situem
a frase de uma maneira mais coerente Feita a tomada desta cena eacute mais
natural que a prioridade cronoloacutegica recaia sobre AtsPe do que sobre o
AtsPl
Logo concluiacutemos que se AtsPl retrocede em alguns anos para
poder ter sido conhecido legitimado copiado disseminado e ter se
notabilizado no norte da Aacutefrica a ponto de receber a citaccedilatildeo tertuliana em
De Baptismo et de Pœnitentia Adnotationes (198-200) o AtsPe pelos
234 Μαρτύριον e tambeacutem AV XXXIV-XXXVII 235 Ὠριγένης (= Origenes Adamantius) Commentairii in Joannes XXII
12 ndash in CSCO 1953 pp145ss ndash in Migme (ed) PG 1857 opcit tXVI
col600 de onde se reconhecem as palavras textuais de P gr Hamburgo dos
AtsPl (PH7) Mencionado segundo VOUAUX 1922 opcit p427 236 Para GOODWIN 1897 opcit pp743ss ainda ALEXANDRE 2003
opcit pp283ss o inf gr de presente tem o lsquoaspectorsquo ou aktionsart habitual 237 At 94ss cit por PINtildeERO 2004 opcit p62 238 ldquo() mdash que isto natildeo suceda Senhorrdquo 239 ἄνωθεν aparece 13 vezes no NT enquanto πάλιν 136 vezes 240 Gl 49 cf VOUAUX 1922 opcit p427 241 Mt 1622
92
argumentos anteriores resta como mais antigo ainda ndash entre o Atos lucano
(ca120-150) e AtsPl (ca 180-190)
Enfim na busca por uma dataccedilatildeo para AtsPe surge agrave questatildeo datal
de discussatildeo mais refinada entre o AtsPe e o AtsJo Seraacute apenas
mencionada As relaccedilotildees basilares para este trabalho jaacute estatildeo
estabelecidas no toacutepico anterior que trata dos testimonia extra scripta de
AtsPl e da relaccedilatildeo textual entre AtsPe e AtsPl O toacutepico trataria da
abundacircncia das intertextualidades paralelismos anterioridade textual
assimilaccedilatildeo textual entre AtsPe e AtsJo ndash e com os demais AtsAp ndash cuja
busca por uma dataccedilatildeo precisa tem dominado as pesquisas a partir dos
anos 1890 com Lipsius Harnack Preuschen Zahn Lelong James et alii
O tema estaacute aberto ainda Tambeacutem repousa uma suspeiccedilatildeo ldquopelos
abundantes quanto admiraacuteveisrdquo242 pontos de contatos entre os AtsAp que
haja unicidade autoral243 ou uma uacutenica matildeo revisora que tenha intervindo
com bastante profundidade nos retoques Seria possiacutevel a anaacutelise de
questotildees ambicionadas por Scheneemelcher244 terminologias cotejadas
agraves tradiccedilotildees estabelecimento dos sitz im leben para tais textos em
ambiente cristatildeo uma relaccedilatildeo de paralelismos dentre os quais a temaacutetica
da poliformia245 arrolamento de alusotildees ao siacutembolo da cruz246 e outra
lista de Jesus247 As conclusotildees preliminares em suacutemula datildeo conta que
(i) AtsPe se inspira no AtsJo (ii) AtsJo parecem mais ldquoplaacutestico e
imaginativo mais originalrdquo248 O AtsPe eacute mais abstrato moderado e
conciso dando a impressatildeo de haver sido resumido
Se tais argumentos prevalecerem temos a seguinte ordem AtsJo
depois AtsPe e mais recente o AtsPl que tem sua dataccedilatildeo assegurada por
Tertullianus segundo as pesquisas parecem nos apontar Sobre os AtsTo
242 CERRO art cit 1992 siacutentese em pp85-95 243 LIPSIUS Die Apokr Apostelleg II 1892 opcit p272 cf ZAHN
Theodor von Geschichte des ntl Kanons II Erlangen A Deichert 1880 p860
cf JAMES Montague Rhode (ed) Apocrypha Anecdota ndash in Texts amp Studies
tII fasc3 Cambridge CUP 1893 vol1 ppXXIVss 244 HENNECKE Edgar SCHNEEMELCHER Wilhelm (eds)
Neutestamentliche Apocryphen vol II Tuumlbingen 1964 p247ss tambeacutem
JUNOD Eacuteric Actes de Jean agrave Rome ndash in Eacutecrits apocryphes chreacutetiens
II (Bibliothegraveque de la Pleacuteiade 516) Pierre Geoltrain amp Jean-Daniel Kaestli (eds)
Paris Gallimard 2005 p697 245 AtsJo LXXXVIII-XCIII e AtsPe XX XXI 246 AtsJo XCVIII 247 AtsPe AV XX 248 JUNOD 2005 opcit p697
93
AtsAnd AtsAndMt AtsArq AtsPi e AtsFi haacute pesquisas relevantes mas
natildeo suficientes para mudar o panorama para AtsPe entre o modelar Atos
dos Apoacutestolos (ca120-150) e a referecircncia datal mais afianccedilada ndash AtsPl (ca
180-190) De igual forma Lipsius conclui ldquoo Atos primitivo de Pedro eacute
de cerca de 160 e parece que ele utilizou-se do Evangelho de Tomeacuterdquo249
Haacute tambeacutem importantes coincidecircncias de material entre os AtsAp
e o texto canocircnico que torna a fonte biacuteblica seu maior modelo As
citaccedilotildees textuais satildeo muitas como se desprendem das notas de rodapeacute da
traduccedilatildeo no Capiacutetulo IV bem como nomes de personagens remissotildees agrave
histoacuteria biacuteblica alusotildees claras citaccedilotildees literais formulaccedilotildees lituacutergicas
acepccedilotildees soacute explicaacuteveis para quem possui leitura da fonte canocircnica Haacute
nestes AtsAp algo em torno de duas mil passagens com um colorido
biacuteblico250
Os resultados mais relevantes da tese cf Cerro
(i) Nos AtsAp temos 71 citaccedilotildees textuais e as uacutenicas de outras
obras A intenccedilatildeo eacute senatildeo outra a de referir-se a Escritura
(canocircnica) como fonte de reconhecida autoridade
(ii) Menccedilotildees alcanccedilam a cifra de 329 algumas praticamente
citaccedilotildees textuais
(iii) Os acontecimentos ou personagens da histoacuteria biacuteblica satildeo
por baixo 139
(iv) Expressotildees tipicamente biacuteblicas chegam a 355
(v) Os conceitos e definiccedilotildees satildeo pelo menos 356
(vi) Por volta de 362 situaccedilotildees similares a outras dos relatos
biacuteblicos
(vii) O ambiente cultural e a mentalidade hebraica estariam em
117 passagens
(viii) Por fim aparecem 218 passagens com ideologia e a doutrina
professada em texto canocircnico
Eacute bastante razoaacutevel que muitos destes elementos representem a
coincidecircncia de uma eacutepoca que afeta natildeo somente os canocircnicos mas toda
a literatura de eacutepoca e o seu entorno Contudo conclui Cerro
O conjunto de citaccedilotildees realmente massivo nos
obriga a rever a conclusatildeo de alguns autores para
249 LIPSIUS 1892 opcit p97 250 CERRO Calderoacuten Gonccedilalo Del El uso de la Sagrada Escritura en los
Hechos Apoacutecrifos de los Apoacutestoles Tese de doutoramento (Filologia grega) ndash
Universidad de Maacutelaga Maacutelaga 1991-1992 Principais resultados e anaacutelises
numeacutericas estatildeo publicados ndash in EstBib 51 1993 pp207-232
94
os quais a fonte biacuteblica vem de forma frequente
espontacircnea e natural De outra forma tambeacutem as
citaccedilotildees textuais alusotildees e menccedilotildees a
acontecimentos biacuteblicos com seus personagens ndash
539 no tal ndash natildeo cabe na categoria de simples
coincidecircncias251
Especificamente em AtsPe temos trecircs inventaacuterios que
exemplificam melhor a relaccedilatildeo deste com o material canocircnico252 e
confirmam os termos de Cerro
mdashmdash Esta tabela refere-se a empreacutestimos dos acontecimentos
biacuteblicos em AtsPe
(i) Queda da raccedila humana (AtsPe AV VIII Mart XXXVIII)
(ii) Faraoacute contra Moiseacutes (Ex 5-1236 AtsPe VIII)
(iii) Deus envia seu Filho (v gr Mt 1040 par Lc 1016 Jo
316-1734 537 640 κτλ v gr AtsPe VII)
(iv) Endurecimento do coraccedilatildeo de Herodes (v gr Mt 23-8 Lc
238-12 AtsPe VIII)
(v) Um menino obra do Espiacuterito Santo (Mt 11820 AtsPe
XXIV)
(vi) Nascimento virginal de Maria (Mt 118 Lc 135 26-7
AtsPe VII)
(vii) Tentaccedilotildees de Cristo (Mt 4 1-11 par cf AtsPe XXVI)
(viii) Sermatildeo da Montanha (Mt 5-7 AtsPe X XXVIII)
(ix) Simatildeo como pedra (Mt 1618 AtsPe XXIII)
(x) Deixar tudo e seguir a Cristo (v gr Mt 42022 par 81922
par κτλ AtsPe XXVII)
(xi) Respeito ao Saacutebado (v gr Mt 121-8 Lc 1310-17 145
AtsPe I)
(xii) Paraacutebola do Bom Pastor (Jo 1011ss AtsPe X)
(xiii) Paraacutebola do gratildeo de mostarda (Mt 1331-32 par 1720
AtsPe X)
(xiv) Paraacutebola da ovelha perdida (Mt 1812-14 par AtsPe X)
(xv) O escacircndalo e a pedra de moinho ao mar (Mt 186 par
AtsPe VI)
251 id ibid 252 uide aparato criacutetico de LIPSIUS 18911972 in toop tambeacutem
CERRO opcit ainda em VOUAUX 1922 in toop ou tambeacutem em PINtildeERO
2004 opcit tambeacutem nas notas do aparato criacutetico e da traduccedilatildeo desta tese
Capiacutetulo IV
95
(xvi) A Transfiguraccedilatildeo (Mt 171-9 par AtsPe XX)
(xvii) Jesus caminha sobre as aacuteguas (Mt 1425 Mc 6 48 Jo 619
AtsPe VII)
(xviii) Medo de Pedro ao caminhar sobre as aacuteguas (Mt 1428-31
AtsPe X)
(xix) Apoacutestolos de pouca feacute (v gr Mc 1614 cf AtsPe X)
(xx) Jesus come e bebe (v gr Mat 1119 At 1041 AtsPe XX)
(xxi) Conselho de Caifaacutes (Jo 1149-50 1814 AtsPe VIII)
(xxii) Jesus promete a paz (Jo 1427 AtsPe X cf 5)
(xxiii) A traiccedilatildeo de Judas (v gr Mt 2614-16 par AtsPe VIII)
(xxiv) Cena do Getsecircmani (Mt 2636-56 par cf AtsPe XX)
(xxv) A negaccedilatildeo de Pedro (Mt 2669-75 par AtsPe VII XX e
XXVIII)
(xxvi) Suas laacutegrimas de arrependimento (ibidem) (xxvii) Judeus
matam Cristo (v gr Mt 2225 Jo 196-15 AtsPe XXXII
Mart XXXII)
(xxviii) Jesus crucificado morto e ressuscita (Mt 27-28 par Jo 19
AtsPe VII XX)
(xxix) O caminho de Emauacutes (Lc 2413-35 AtsPe XXVI)
(xxx) Curas feitas por Pedro (At 515-16 AtsPe P128 cop) (xxxi) Paulo como perseguidor (v gr At 91-2 cf AtsPe II)
(xxxii) Simatildeo o Mago ldquoa forccedila de Deusrdquo (At 810 v gr AtsPe
XXXI = Mart XXXI)
(xxxiii) Simatildeo e seu gesto simoniacuteaco (At 8 18-24 AtsPe XXIII)
(xxxiv) Paulo disputa com os judeus em Roma (At 2817ss AtsPe I)
(xxxv) Paulo prega em Roma (At 2830-31 AtsPe I)
(xxxvi) Paulo na Espanha (Rm 152428 AtsPe III)
mdashmdash O elenco a seguir menciona o uso direto de figuras e
personagens biacuteblicos em AtsPe
(i) Faraoacute (AtsPe VIII)
(ii) Moiseacutes (ibid)
(iii) Jesus (in toop)
(iv) Maria a virgem (v gr AtsPe VII)
(v) Simatildeo Pedro (in toop)
(vi) Os filhos de Zebedeu (AtsPe XX) (vii) Paulo (in toop particularmente AtsPe I a III)
(viii) Barnabeacute (AtsPe IV)
(ix) Narciso (Rm 1611 AtsPe III)
(x) Quarto (Rm 1623 AtsPe I)
96
(xi) Timoacuteteo (AtsPe IV)
(xii) Os ldquoda casa de Ceacutesarrdquo (Fl 422 AtsPe XXIII)
(xiii) Judas Iscariotes (versatildeo gr AtsPe VIII)
(xiv) Herodes (AtsPe VIII)
(xv) Caifaacutes (ibid)
(xvi) Simatildeo o Mago (in toop em particular AtsPe XVII)
(xvii) Satanaacutes (in toop de forma especial AtsPe IIVVII κτλ)
mdashmdash Uma uacuteltima lista aponta figuras biacuteblicas e livros citados
textualmente em AtsPe numa lista de preferecircncia pelos mais utilizados
Jo (14) At (14) Mt (13) Is (7) Lc (5) Sl (3) Rm (3) Gn (2) Jr (2) Dn
(2) 1Cor (2) Fl (2) 1Tm (2) 2Tm (2) 2Pe (2) 1 Jo (1) Ex (1) Dt (1)
1Re (1) Eclo (1) Am (1) Ez (1) Gl (1) Ef (1) Cl (1) Hb (1) 1Pe (1)
et alii (25) O conhecimento e o diaacutelogo com as obras canocircnicas ou partes
delas se mostra evidente sendo que muitas delas tiveram uma evoluccedilatildeo
textual partindo de uma versatildeo proto para versotildees preparadas tais como
chegaram a noacutes
Como jaacute afirmamos repousa sobre estes AtsAp uma suspeiccedilatildeo
devido a abundacircncia tanto quanto admiraacutevel253 intratextualidade que
aponta para uma unicidade autoral254 Ou ainda possiacutevel que tais escritos
tenham sido retocados com bastante profundidade por uma uacutenica matildeo
revisora As coincidecircncias estatildeo presentes na temaacutetica que poderiam ser
fruto de um gecircnero literaacuterio ndash os Πράξεις Mas com facilidade tambeacutem
intuiacutedas pelas questotildees doutrinais na ideologia nos aspectos geograacuteficos
e nas preferecircncias textuais Eacute inevitaacutevel a pergunta todos os Cinco
Grandes Atos satildeo fruto da pena de um uacutenico personagem Ou teriacuteamos
autores para as obras em separado ou ateacute vaacuterios escritores ou versotildees para
cada uma destas
No campo que remete agraves aproximaccedilotildees entre os cinco textos
constatamos que todos os estudos que defendem a autoria uacutenica partem
sempre da menccedilatildeo mais objetiva feita por Φώτιος255 (Patriarca Foacutecio I o
253 CERRO 1992 tese cit pp207-232 254 cf LIPSIUS Die Apokr Apostelleg 1892 II opcit p272 Tambeacutem
em ZAHN Gechichte des ntl1880 opcit II p860 Ainda em JAMES
Apocrypha Anecd 1893 opcit I XXIVss 255 (Constantinopla 820 ndash Bordi daggerArmecircnia 06 de fevereiro de 891)
Considerado pela maioria dos estudiosos como o maior Patriarca de
Constantinopla apoacutes Joatildeo Crisoacutestomo posteriormente aclamado Satildeo Foacutecio pela
Igreja Ortodoxa Grega
97
Grande) mentor e liacuteder do Grande Cisma256 que no seacuteculo IX afirmou
serem os AtsAp ndash Cinco Grandes Atos (Pedro Andreacute Joatildeo Paulo e
Tomeacute) uma antologia de περίοδοι dos apoacutestolos cujo autor seria ldquoum talrdquo
Leucius Charinus257 O fazem numa afirmativa peremptoacuteria de que teriam
sido uma ldquouacutenica obra de περίοδοι (= viagens) dos apoacutestolosrdquo Haveriam
segundo estes pesquisadores testimonia extra scripta258 que apontam a
autoria de Leucius Charinus Leucius Charinus259 tambeacutem seria o autor
de trecircs AtsAp (AtsTo AtsAnd e AtsJo) segundo a Epiacutestola de Toribius Asturiensis aos bispos Idatius Aquӕflaviensis260 e Ceponius (de Beja) A
tradiccedilatildeo presente em Augustinus de Hipona261 ou em Evodius de Uzala
( - dagger424)262 reconhece de alguma forma o Decretvm Gelasianum ndash De
libris recipiendis et non recipiendis263 que fala dos libri omnes quos fecit
Leucius discipulus diabuli () apocryphi264 Todos os testemunhos
externos falam de Leucius Charinus poreacutem somente Φώτιος (Foacutecio I)
tardiamente mencionaraacute o nome e sobrenome Leucius Charinus como o
autor dos Cinco Grandes Atos consistindo assim no testemunho mais
256 Que resultou em 1054 em mutua excommunicationes entre o papa e o
patriarca de Constantinopla resultando na Igreja Catoacutelica Romana e na Igreja
Ortodoxa 257 Φώτιος (Foacutecio I) Bibliotheca cod 114 ndash in Migme (ed) PG 1857
opcit tCIII col389 Λευκίου Χαρίνου αἱ τῶν ἀποστόλων Περίοδοι tambeacutem
em HENRY Reneacute (ed) Photius Bibliothegraveque volII Contendo Φώτιος (Foacutecio
I) Bibliotheca II Paris 1960 pp84-86 258 Ψ-Μελίτων Σάρδεων (= Ps-Melitatildeo de Sardes) Paixatildeo de Joatildeo refere-
se agrave Leucius Charinus quando menciona os AtsJo AtsAnd e AtsTo 259 ndash in Migme (ed) PL 1841 opcit tLIV col694 260 Bispo de Chaves (379-dagger468) na sua obra Chronicon tambeacutem uide
SEECK Otto Notitia Urbis Constantinopli ndash in PW-RE 9 Berlin 1876 pp40-
3 261 Hipponensis episcopi De actis cum Felice manichaio II 6 9 ndash in
Migme (ed) PL 1841 opcit tXLII col539 262 De fide contra manichaeo V ndash in Migme (ed) PL 1841 opcit
tXLII col1141 263 Provavelmente entre 500-550 aparece uma coleccedilatildeo geral sobre os livros
compostos por Leucius Charinus 264 BL (on-line) lt httpwwwthelatinlibrarycomdecretumhtml gt
acessado em 28042013 ldquolivros todos compostos por Leucius Charinus o
disciacutepulo do diabo () apoacutecrifosrdquo tambeacutem ndash in HENNECKE Edgar
SCHNEEMELCHER Wilhelm (eds) Neutestamentliche Apocryphen II
Tuumlbingen 1959 p31
98
antigo265 Temos da tradiccedilatildeo de Charinus e Leucius figuras distintas cuja
ordem sempre se manteacutem protagonistas da descensus ad iacutenferos
(= descida de cristo aos infernos) de onde ressuscitam para dar o seu
testemunho266 O testemunho de Ὠριγένης (= Oriacutegenes Adamantius) foi
reconhecido por Eusebius Pamphili267 quando daacute notiacutecia de que paiacuteses
teriam sido jurisdicionadas designadamente por um determinado apoacutestolo
visando a evangelizaccedilatildeo cuja partilha coincide diretamente com Tomeacute
Andreacute Joatildeo Pedro e Paulo268 O Salteacuterio Maniqueu parece abonar isto
tambeacutem ndash no Salmo da Paciecircncia onde satildeo oferecidos exemplos
concretos dos apoacutestolos Pedro Andreacute Joatildeo Tomeacute Paulo e Tiago269
Um segundo grupo de estudos vislumbra aquilo que nos parece
que estamos diante de uma coleccedilatildeo devido aos muitos pontos de contato
entre estas obras que pode ter surgido posteriormente devido agraves inegaacuteveis
semelhanccedilas270 Poreacutem a ideia de uma coleccedilatildeo271 acarretaria para uma
uacutenica porta de leitura e concepccedilatildeo destes textos E teriacuteamos praticamente
homologado este gecircnero literaacuterio Πράξεις como advoga Picard que
prefere a noccedilatildeo que os apoacutecrifos satildeo ldquorefrataacuterios a toda ideia de
corpusrdquo272
Por fim no palco das diferenccedilas entre os escritos um terceiro
grupo de pesquisadores trabalha na direccedilatildeo de muacuteltiplas autorias Segue
as noccedilotildees mais gerais das pesquisas Destacam-se eg a distacircncia
abscissa de maturidade teoloacutegicas entre AtsAnd e AtsTo ou ateacute a proacutepria
exatidatildeo em pontos como ritual sacramental e hierarquia talvez pela
distacircncia geograacutefica dos seus provaacuteveis locais de origem (Alexandria do
Egito e Siacuteria) Segundo discussotildees linguiacutesticas os idiomas-fonte seriam
265 CERRO art cit 1992 pp85-95 266 AtsPi (Atos de Pilatos) II 171-8 181 27ss que conteacutem esta parte
latina apud SANTOS OTERO Aurelio de Los evangelios apoacutecrifos coleccioacuten
de textos griegos y latinoshellip Madrid BAC 1988 pp436ss 267 HE III 1 268 cf estudos de W SCHAumlFERDIEK ndash in SCHNEEMELCHER
Neutestamentliche Apokr 1989 op cit p82ss 269 A citaccedilatildeo de Tiago tambeacutem tem sido considera obscura porque
historicamente temos uma confusatildeo entre o irmatildeo do Senhor e o filho de Zebedeu 270 CERRO art cit 1992 pp85-95 271 Segundo JUNOD 1992 p18 art publicado ndash in Apocrypha 3 sob o
tiacutetulo Apocriph NT une appellation erroneacutee et une collection artificielle 272 PICARD Jean-Claude art publicado ndash in Apocrypha 1 sob o tiacutetulo
Lrsquoapocryphe agrave etroit notes historiegraphiques sur le corpus drsquoapocryphes
bibliques Turnhout 1990 Brepols p46
99
grego (AtsAnd) e siriacuteaco (AtsTo)273 Algo parecido temos entre AtsPe e
AtsJo O primeiro poderia ter vindo de Roma ou da Aacutesia Menor o
segundo do Egito (Alexandria) O AtsJo apresentam uma melhor retoacuterica
o AtsPe eacute mais doutrinaacuterio O AtsJo utilizam-se do material canocircnico pela
forma de alusotildees e terminologias o AtsPe eacute direto e expliacutecito nas citaccedilotildees
inclusive do AT O AtsPl caoacutetico pela fragmentaccedilatildeo textual cuja
narrativa percebe-se apenas pelas cidades que Paulo teria visitado este
AtsPl segundo Tertullianus274 satildeo da Aacutesia Menor e seu autor seria um
presbiacutetero com o desejo de ldquomelhorarrdquo o perfil do apoacutestolo Quanto aos
demais provaacuteveis compositores Tertullianus iraacute dizer que satildeo cristatildeos E
que eles tecircm ciecircncia e fluecircncia dentro das Escrituras Que desejam
valorizar a representaccedilatildeo dos apoacutestolos e vivem na Grande Igreja
(ortodoxia mais ampla) cuja moral e dogmaacutetica atendem os padrotildees da
eacutepoca Em suas obras retratam a literatura do momento e conhecimento
dos movimentos dentro da Igreja como gnosticismo e encratismo
sobretudo do seacuteculo II
Considerando os trecircs grupos de pesquisas antecedentes os que
creem numa unidade autoral os que defendem a ideia de coleccedilatildeo e os que
optam muacuteltiplos autores indistintamente podemos filtrar os elementos
mais objetivos de ambos os estudos Embora jaacute saibamos que o tema da
autoria seja marcado pela in absentia e imprecisatildeo dos dados o que faz
os pesquisadores comeccedilarem a discussatildeo sempre atraveacutes de Φώτιος
(Foacutecio I) menccedilatildeo muito tardia do seacuteculo IX Natildeo haacute ocorrecircncia de
qualquer menccedilatildeo a Leucius Charinus ateacute meados do seacuteculo IV nem sequer
algo sobre a sua existecircncia275 Realmente a primeira menccedilatildeo segura
encontramos nos Atos de Paulo e Tecla276 Tertullianus citaraacute em De
Baptismo et de Pœnitentia Adnotationes XVII 5 (ca198-200) apenas
afim afirmar que os AtsPl estatildeo baseados no exemplo e desprendimento
de Tecla em defender as mulheres ensinar e batizar e que eacute falsamente
273 JUNOD Eacuteric Creacuteations romanesques et traditions eccleacutesistiques dans
les Actes Apocryphes des Apocirctres ndash in Augustinianum 23 Roma Institutum
Patristicum Augustinianum 1983 p275 274 TERTULLIANUS De Baptismo et de Pœnitentia Adnotationes XVII
5ss opcit 275 Esta transmissatildeo aparentemente anocircnima tem-se constituiacutedo tambeacutem
objeto de estudo 276 VOUAUX Leacuteon Les Actes de Paul et ses lettres apocryphes
Introduction textes Paris Librairie Letouzey et Aneacute 1913 pp37ss
100
atribuiacutedo a Paulo cujo autor foi ldquoum presbiacutetero da Aacutesiardquo277 O mesmo
contorno Eusebius Pamphili (de Cesareia) alude na HE
Assim podemos distinguir estes livros ndash os
discutidos mas normalmente aceitos por
canocircnicos como a Epiacutestola de Judas Segunda
Epiacutestola de Pedro () ndash dos que se apresentam
debaixo do nome dos Apoacutestolos entre os hereges
() como os Atos de Andreacute Joatildeo e outros Nada
entre os escritores que se tecircm sucedido na Igreja e
a bem aludir nada absolutamente mencionam estes
livros278
Assim Eusebius Pamphili parece deixar claro que os AtsAp tenham
se transmitidos anonimamente (in absentia de fontes aponta igualmente
para isso) Como a cada certo tempo nos seacuteculos ulteriores teriam
ressurgido entre os fieacuteis ocorre a demanda para a qual os teoacutelogos tentam
dedicar alguma atenccedilatildeo devido seu desacordo com a ortodoxia
constituiacuteda Mais adiante Epiphanius (de Salamina)279 em ca 374-376
menciona que hereges ligados aos cerintianos280 e ebionitas281 eram
refutados (possivelmente em debates puacuteblicos) por Joatildeo e outros a ele
ligados ldquocomo Leucius e alguns maisrdquo282 Pacianus bispo de Barcelona
provavelmente em 380 afirma que ldquofriacutegios (referindo-se aos montanistas)
mentem quando consideram a origem da sua doutrina em Leucius e que
277 TERTULLIANUS De Baptismo et de Pœnitentia Adnotationes XVII
5 opcit 278 EUSEBIUS HE IIIxxv6-7 279 Πανάριον LI6-9 (= Bauacute de Remeacutedios) tambeacutem chamada Adversus
Haeligreses (= Contra Heresias) homoniacutemia da obra de Εἰρηναῖος (= Irinaeligus de
Lyon) tambeacutem Adversus Haeligreses 280 Na Epistula Apostolorum do seacutec II Cerinto e Simatildeo o Mago eram
considerados pseudos-apoacutestolos em I 12 e VII 18 Segundo uma antiga tradiccedilatildeo
Joatildeo teria fugido dos banhos em Eacutefeso quando lhe chegou a notiacutecia que o ardiloso
hereacutetico estava no edifiacutecio cf DPAC-pt opcit p285 281 Grupo judaico-cristatildeo liderado por Ebiatildeo cf TERTULLIANUS De
carne christi XIV cf Εἰρηναῖος (= IRINAEligUS de Lyon) Adversus Haeligreses I
262 282 Πανάριον LI6-9 (= Bauacute de Remeacutedios) Proculus era um montanista da
segunda geraccedilatildeo expoente literaacuterio em Roma mas suas obras se acham perdidas
Temos poreacutem muitos informes dele a partir de terceiros especialmente Eusebius
em HE 33134 Tertulianus κτλ
101
tenham recebido ensinamentos de Proculusrdquo283 Chama a atenccedilatildeo o
detalhe que nos dois uacuteltimos testemunhos como que repentinamente do
nada aparece agrave figura de um personagem de origem asiaacutetica ligado ao
autor do Quarto Evangelho mas acerca sua autoria sobre os AtsAp natildeo se
diz nenhuma palavra
A partir do seacuteculo IV os escritores latinos fazem referecircncia a
Leucius Os comentaristas reconhecem que a primeira citaccedilatildeo de fato
reportando a autoria a Leucius eacute de Augustinus de Hipona
Tens tambeacutem isto nas escrituras apoacutecrifas natildeo
admitidas certamente pelo cacircnon catoacutelico mas para
voacutes outros hatildeo de ter mais peso quando estatildeo
excluiacutedas de tal cacircnon Vou trazer a coleccedilatildeo pois
uma passagem que para mim natildeo tem autoridade
mas convence a ti Nos Atos (apoacutecrifos) que
seguindo (modelo) dos Atos dos Apoacutestolos
Leucius escreveu tem-se o seguinte ldquoCom efeito
as raras fantasias ()rdquo284
Esta passagem agostiniana eacute que teria atribuiacutedo tal autoria a
Leucius285 Mas faz-se notar que o proacuteprio Augustinus (de Hipona) cita
diversas vezes os AtsAp sem sequer se lembrar do autor286 eg
() aqueles livros ao que estes (os maniqueiacutestas)
atribuem uma grande autoridade () e que neles
estaacute escrito que o apoacutestolo Tomeacute havia pedido para
um indiviacuteduo que havia o golpeado na matildeo o
283 Epistola ad Simpronianum Novacianum I2 ndash in Migme (ed) PL
1841 opcit tXIII col1053B 284 AUGUSTINUS Contra Felicem Manichaeum Libri Duo II 6 ndash in
Migme (ed) PL 1841 opcit tXLIII ndash in CSEL XV p833 285 Provavelmente se trata dos AtsAnd JUNOD-KAESTLI 2005 pp65ss
Para outros eg SCHMIDT 1903 p50 seriam os AtsJo 286 AUGUSTINUS Contra adversarios legis et prophetarum I2039 ndash in
CSEL XXXV75 Tambeacutem De civitate Dei XXIII4 De sermoni Domini in
monte I2065 Contra Adimantum manichӕorum discipulum XVII2 Tratactus
124 in Ioannem CXXIV224ss
102
supliacutecio de uma morte atroz mas que se salvaraacute sua
alma ()287
Note-se que o mesmo Augustinus (de Hipona) quando um longo
trecho dos AtsAp eacute transcrito ndash um hino do AtsJo288 ndash na sua Epistola Ad Ceretium (237) tampouco se lembra do autor Na sua diatribe289 contra
o bispo Faustus (de Milevo hoje Mila) o chefe supremo dos
maniqueus290 ndash Contra Faustum Manichӕan ndash chega a afirmar que
desconhecia a autoria destes escritos ldquoLeem os maniqueus umas
escrituras apoacutecrifas escrita debaixo do nome dos Apoacutestolos (compostas)
por natildeo sei laacute quem urdidores de faacutebulasrdquo291
No entanto eacute do amigo e disciacutepulo de Augustinus (de Hipona) ndash
Evodius (de Uzala) que encontramos duas menccedilotildees a Leucius marcadas
com bastante precisatildeo que o identificam como o autor dos AtsAnd Mas
ainda a autoria dos demais AtsAp eacute apenas estendido a Leucius por
inferecircncia Evodius natildeo precisa isto
Tambeacutem nos Atos escritos por Leucius que eles
aceitam estaacute escrito assim ()292
Preste atenccedilatildeo tambeacutem nos Atos que Leucius
escreveu debaixo dos nomes dos Apoacutestolos quanto
ao gecircnero das coisas que podeis aprender acerca de
Maximila ()293
Pesquisadores como Schmidt pensam que Evodius tenha se
referido exclusivamente ao AtsJo e Kaestli ao AtsAnd (ainda com alguma
287 AtsTo VI6-9 Texto estaacute em PIONTEK Ferdinand Die katholische
Kirche und die haumlretischen Apostelgeschichten bis zum Ausgange des 6
Jahrbunderts Breslau 1908 pp26-27 288 AtsJo XCIV-XCVI 289 AUGUSTINUS Contra Faustum Manichӕan XXII 79 Trata-se de
um embate muito acalorado porque Faustus (de Mila) ataca severamente as
Escrituras do AT e NT 290 Ou de Mileve como chegou a ser chamada esta cidade 291 A nescio quibus sutoribus fabulorum Texto ndash in CSEL XXV p681 292 Referindo-se ao AtsTo 66-9 293 KAESTLI Lrsquoutilisation des Actes apocryphes 1977 opcit pp107-
16 mencionando o texto completo ndash in Codex Sinaiticus 536 fols125-26
Tambeacutem cf KAESTLI Jean-Daniel LrsquoHistoire des actes apocryphes des apocirctres
ndash in Apocrypha 19 Turnhout Brepols 2008 p79
103
reserva) Mas pode-se pensar que haacute uma grande possibilidade de
Evodius ter compreendido como os maniqueus294 que o autor do conjunto
dos AtsAp acolhido como escrituras por aqueles era de fato Leucius
Charinus
Tem-se no domiacutenio da Patrologia Latina ndash especialmente apoacutes de
Augustinus (de Hipona) uma contiacutenua atribuiccedilatildeo dos AtsAp a Leucius
Charinus Em um escrito do Papa Innocentius I (339-dagger427) em ca 405
que aborda de delimitaccedilotildees canocircnicas na peticcedilatildeo do bispo Exuperius (de
Toulouse - dagger410) lemos
O resto dos livros (eacute dito os natildeo mencionados
anteriormente) debaixo dos nomes de Matias
Tiago o Menor debaixo do nome de Pedro e Joatildeo
escritos por um certo Leucius o [debaixo do nome
de Andreacute (escritos por) Nexocarides e Leonidas o
Filoacutesofo]295 o debaixo do nome de Tomeacute e outros
do mesmo estilo se os tem natildeo soacute deves rechaccedilaacute-
los condenaacute-los mas se inteire da sua
existecircncia296
Desta citaccedilatildeo natildeo resta claro que Leucius tenha sido realmente o
autor dos quatros outros AtsAp mencionados senatildeo o de Pedro e Joatildeo
Curiosamente o de Paulo aparece como anocircnimo e o de Andreacute composto
por filoacutesofos sendo que um destes leva um nome relacionado diretamente
com Charinus tal como Φώτιος (= Foacutecio I) argumentaria mais adiante
294 Os maniqueus usavam os AtsAp com a ideia de autoria por Leucius
Charinus Resta patente no Salteacuterio Maniqueu conservado em copta e editado
parcialmente com trad inglesa por ALLBERRY A Manichean Psalm part II
opcit 1938 Tambeacutem nos caps de Fausto de Mila reconhecido por
AUGUSTINUS de Hipona e logo refutado em Contra Faustum E pela
afirmaccedilatildeo dos antimaniqueiacutestas FILASTRUS de Breacutecia (380) Diversarum
hӕreseon liber 88 5-7 184-7 Φώτιος (FOacuteCIO I seacutec IX) Bibliotheca coacutedice
114 (editado por Henry II pp693-695) Tudo aqui mencionado na pesquisa de
NAGEL Peter Die apokryphen Apostelakten des 2 Und 3 Jahrhunderts in der
manichaumlischen Literatur ndash in Gnosis und Neues Testament vol25 Karl-
Wolfgang Trooumleger (ed) Berlin 1973 pp149-82 295 Desde ZAHN Th os editores consideram suspeitas as palavras entre
colchetes por natildeo estarem em todos os mss Soacute aparecem na Collectio
Dionysiana e na Hispana que depende dela Um homem chamado de
Nexocarides aparece tambeacutem como Xenocarides cuja questatildeo eacute apontada por
ZAHN em Geschichte des ntl 1880 opcit II p244ss 296 PINtildeERO 2004 opcit p51
104
Em uma Epistola bastante conhecida (ca 440) de Toribius
Asturiensis (de Astorga Ducado das Astuacuterias) ad episcopis hispacircnicos
Idatius Aquӕflaviensis (de Chaves de Liacutemica 395-dagger410) et Ceponius (de
Beja) lemos
Esta heresia (a dos maniqueiacutestas) utiliza tais livros
e aceita esses mesmos dogmas e outros piores ()
Eacute claro que satildeo seus autores e especialmente seu
chefe principal Manes quem tem composto ou
infectado todos os livros apoacutecrifos especialmente
os Atos que se chamam de Andreacute e os que levam a
apelaccedilatildeo de Joatildeo que escreveu Leucius com sua
boca sacriacutelega ()297
O DECRETVM GELASIANVM298 ndash De libris recipiendis et non recipiendis299 que fala dos ldquolibri omnes quos fecit Leucius discipulus
diabuli () apocryphirdquo300 menciona uma coleccedilatildeo atribuiacuteda a Leucius O
autor desconhecido desta peccedila cita expressamente os cinco principais
AtsAp e facilmente deduz-se pelo contexto pois um pouco antes cita os
AtsAnd AtsTo AtsPe AtsFl e por esse motivo natildeo eacute de estranhar que natildeo
mencione o de Joatildeo ndash AtsJo que com grande possibilidade estaria
compreendido entre estes desta coleccedilatildeo assim mencionada
mdashmdash Itinerarium nomine Petri apostoli quod appellatur
sancti Clementis libri numero novem
apocryphum
mdashmdash Actus nomine Andreӕ apostoli apocryphi
mdashmdash Actus nomine Thomӕ apostoli apocryphi
mdashmdash Actus nomine Petri apostoli apocryphi
mdashmdash Actus nomine Philippi apostoli apocryphi
mdashmdash Evangelium nomine Mathiӕ apocryphum
mdashmdash Evangelium nomine Barnabӕ apocryphum
mdashmdash Evangelium nomine Iacobi minoris apocryphum
297 ldquo() quos sacrilegeo Leucius ore conscripitrdquo ndash in Migme (ed) PL
1841 opcit tLIV cols693ss 298 O Decreto de Gelasius I papa 299 Escrito provavelmente entre 492-496 aparece uma coleccedilatildeo geral sobre
os livros compostos por Leucius Charinus 300 LATIN LIBRARY (on-line) lt
httpwwwthelatinlibrarycomdecretumhtml gt acessado em 25032010
ldquolivros compostos por Leucius Charinus o disciacutepulo do diabo () apoacutecrifosrdquo
Tambeacutem ndash in SCHNEEMELCHER Neutestamentlichehellip 1959 I p31
105
mdashmdash Evangelium nomine Petri apostoli apocryphum
mdashmdash Evangelium nomine Thomӕ quibus Manichei utuntur apocryphum
mdashmdash Evangelia nomine Bartholomӕi apocrypha
mdashmdash Evangelia nomine Andreӕ apocrypha
mdashmdash Evangelia quӕ falsavit Lucianus apocrypha
mdashmdash Evangelia quӕ falsavit Hesychius apocrypha
mdashmdash Liber de infantia salvatoris apocryphus
mdashmdash Liber de nativitate salvatoris et de Maria vel obstetrice apocryphus
mdashmdash Liber qui appellatur Pastoris apocryphus
mdashmdashLibri omnes quos fecit Leucius disciplulus (sic) diabuli apocryphi
O Decretvm Gelasianvm natildeo se trata de documento secundaacuterio
porquanto consta em todas as patrologias e manuais de patriacutestica como
um documento que auxiliou a formaccedilatildeo o cacircnon
Trecircs pseudoepiacutegrafos voltam a mencionar Leucius Epistola ad
episcopis Chromatius et Elidorus301 (de Ps-Hieronymus) Carta aos
irmatildeos de Laodiceia (de Ψ-Μελίτων Σάρδεων Ps-Melitatildeo de Sardes) e a
Carta Prefaacutecio a paixatildeo de Satildeo Joatildeo (idem) que se situam no final do
seacuteculo V
Aconteceu que um disciacutepulo de Manes de nome
Leucius e que tambeacutem escreveu com falsas
palavras os Atos dos Apoacutestolos tem editado
tambeacutem este livro que conteacutem material natildeo de
edificaccedilatildeo mas de destruiccedilatildeo302
Concordo com o escrito de um tal Leucius que
tratou junto conosco sobre os Apoacutestolos e que
apartou-se da via da justiccedila com a mente torcida e
acircnimo temeraacuterio e escreveu em seus livros muitas
coisas dos atos do Apoacutestolos Muitas e variadas
proezas narrou destas pessoas mas a respeito da
doutrina mentiu de grande maneira afirmando que
ensinavam doutrinas estranhas e confirmando os
301 Chromatius de Aquileia (340-dagger407) Elidorus de Altino (ca340-
daggerca400) 302 Texto ndash in TISCHENDORF Euangelia Apocrypha ndash in LIPSIUS Die
Apokryphen 1976 opcit p53 Estes mesmos mss leem devido a erro Seleucus
em vez de Leucius segundo SCHMIDT Die alten Petrusakten 1903 p62
106
seus (de Leucius) nefastos argumentos (dos
Apoacutestolos) com suas palavras303
Desejo que Vossa Paternidade preste atenccedilatildeo a um
certo Leucius que escreveu os Atos dos Apoacutestolos
de Joatildeo o Evangelista de S Andreacute e de Tomeacute
apoacutestolo ()304
Poreacutem tais dados jaacute natildeo satildeo tatildeo importantes na medida em que
estas notiacutecias de Leucius satildeo digamos de segunda matildeo No entanto
abaliza para o fato de que no seacuteculo V no Ocidente havia uma tradiccedilatildeo
relativamente fixa305 sobre Leucius e que este teria sido um disciacutepulo
ligado aos maniqueiacutestas
Nos escritores orientais o testemunho de Φώτιος (= Foacutecio I) ainda
supera qualquer outro inclusive o de Ἐφραίμ ὁ Σῦρος (= Efreacutem o Siacuterio
ca 360) Eusebius Pamphili (de Cesareia ca 310) eacute a mais antiga dentre
as testimonia de maneira satisfatoacuteria garantindo que trata do conjunto dos
AtsAp mas nada disse sobre o autor e atribui estas obras aos disciacutepulos
de Bar-daiṣān306
303 Esta epiacutestola aparece no proacutelogo do livro De transitu B Mariӕ virginis
Texto ndash in Migme (ed) PG 1857 opcit tV col1231-40 304 Este autor se identifica a si mesmo como ldquoMelitatildeo bispo de Laodiceiardquo
e dirige a carta (como um prefaacutecio a Paixatildeo de S Joatildeo) a todos os bispos de todas
as igrejas catoacutelicas Texto ndash in Migme (ed) PG 1857 opcit tV cols1539ss 305 No seacutec IV Hieronymus ndash in Gal 118 ndash in Migme (ed) PL 1841
opcit tXXVI col354 Adu Iouin 126 ndash in Migme (ed) PL 1841 opcit
tXXXII col257 natildeo se lembra do autor dos AtsPe Os proacutelogos monarquianos
dos Evangelhos (seacutec IV e V) utilizam seguramente os AtsAp mas natildeo se lembram
de Leucius Charinus cf estudo de CORSSEN Peter Monarchianische Prologe
zu den vier Evangelien (TU 151) Leipzig 1986 Nem temos menccedilatildeo na Epiacutestola
do PsTito em suas trecircs citaccedilotildees ao AtsJo 306 Trata-se de um comentaacuterio epistolar entre Paulo e os coriacutentios (hoje tem
sido chamada de 3Coriacutentios compondo AtsPl) Trata-se de um texto syr
perdido mas conservado em arm Temos esta traduccedilatildeo atraveacutes dos estudos em
alematildeo de ZAHN 1880 opcit II pp597ss ou no estudo em francecircs JUNOD
KAESTLI 2008 mdashmdash Bar-daiṣān (da metroacutepole de Edessa 154-dagger222) filho de
famiacutelia rica o chamam de Filho de Daisan o rio em cujas margens estaacute Edessa
ambicionando homenagear a metroacutepole com seu nascimento Sua origem
imigrante rendeu um nome eacute um tanto confuso agraves vezes chamado de ldquoo Paacutertiordquo
(Sextus Julius Africanus) ldquoo Babilocircniordquo (Porfirius) Devido a suas atividades na
Armecircnia ndash ldquoo Armecircniordquo (Hipollytus de Roma) e Ἐφραίμ ὁ Ἀντιοχείας (= Efreacutem
de Antioquia) o chamou de ldquofiloacutesofo dos arameusrdquo
107
() os disciacutepulos de Bar-daiṣān () haviam escrito
seus Atos pretendendo assim estar debaixo da
proteccedilatildeo dos atos e milagres dos Apoacutestolos por
eles redigidos escrito debaixo do nome dos
Apoacutestolos estas ideias incriacuteveis que os Apoacutestolos
mesmos haviam aniquilado307
Outros testemunhos sobre os AtsAp existem como os de
Epiphanius308 Neste mesmo rol temos Δίδυμος ὁ Τυφλός (= Diacutedimo o
Cego)309 Ἀmicroφιλόχιος Ἰκονίου (= Anfiloacutequio de Icocircnio)310 Ἰσίδωρος ὁ
307 JUNOD KAESTLI LrsquoHistoire des actes apocryphes 2008 opcit
p44 308 Εἰρηναῖος (= IRINAEligUS de Lyon) Adversus Hӕreses XXX16
XLVII1 LXI 1 LXIII2 ndash in Migme (ed) PG 1857 opcit tVII Estas
passagens datildeo conta da existecircncia dos AtsAp ali apontadas apenas como Πράξεις
apoacutecrifos ndash AtsAnd AtsTo AtsJo usados pelos ebionitas encratistas apotatitas e
os seguidores de Ὠριγένης (= Origenes Adamantius) Sobre os apotatitas em
concreto e seus parentes os gemelitas haacute uma notiacutecia de um anocircnimo
minorasiaacutetico provavelmente do seacutec IV reconhecido por um ms do Escorial
(seacutec XIII) que faz uma ediccedilatildeo parcial segundo FICKER Gerard
Neutestamentlichen Apokryphen ndash in Edgar Hennecke (ed) Handbuch zu den
neutestamentlichen Apokryphen Leipzig 1905 pp56ss 391-423 O autor
menciona expressamente os AtsPe poreacutem sem indicar o autor 309 Comentario a Zacarias (ca 385) ed por DOUTRELEAU Louis
Didyme lrsquoAveugle sur Zacharie SC 83-85 Paris Le Cerf 1962 IV p210 onde
lemos ldquoos habitantes de Jerusaleacutem que encontraram (Joatildeo) se falam () no livro
de seus atosrdquo 310 (313-dagger398) Teoacutelogo da Igreja Copta Dirigiu uma reconhecida escola
catequeacutetica por 50 anos Escreveu em 380 um tratado sobre ldquoos pseudoepiacutegrafos
em uso entre os heregesrdquo que natildeo chegou a noacutes dos quais se leram algumas
passagens no II Conciacutelio de Niceia Com seguranccedila sabemos que Ἀmicroφιλόχιος
Ἰκονίου (= Anfiloacutequio de Icocircnio) natildeo dava o nome do autor pois do contraacuterio
natildeo se teria omitido este detalhe nas atas do Conciacutelio (bastante precisas) e o texto
assim diz ldquovamos colocar manifesto esses livros que nos presenteiam os
apoacutestatas da Igreja natildeo satildeo Atos dos Apoacutestolos mas escritos de democircniosrdquo
Texto em Anfilochii Opera Fragmenta (X 1-3) ndash in GLOTZ Gustave (ed)
Cahiers du Centre Gustave Glotz (CCG) Anuaacuterio versatildeo detalhes e notas
Geneva Paris De Boccard 1990-1991 volIII pp235ss
108
Πηλουσιώτης (= Isidoro de Peluacutesio)311 Theodorus de Mopsuestenus312
Θεοδώρητος Κύρρου (= Teodoreto de Ciro)313 Ἐφραίμ ὁ Ἀντιοχείας (=
Efreacutem de Antioquia)314 Ιωάννης (= Joatildeo de Tessalocircnica)315 Conciacutelio II
311 (360-daggerca449) Diz por volta de 440 ldquoOs Apoacutestolos tem escrito tal como
tem compreendido como Pedro o chefe do coro e tem expressado claramente
em seus atos ()rdquo Texto em Epist Lib II p99 ndash in Migme (ed) PG 1857
opcit tLXXVIII col544 312 De Mopsueacutetia Antioquia (350-dagger428) Commentarii Epistolaelig I ad
Timotheum 47 (ca seacutecV) ldquose algueacutem natildeo quer prestar a atenccedilatildeo nos livros
apoacutecrifos () os publicados debaixo do nome dos bem-aventurados apoacutestolos
pelo que se acham eles cheios do que se haacute de escrito de personagens
demoniacuteacosrdquo SWETE Henry Barclay (ed) Theodore of Mopsuestia in
epistolas B Pauli Commentarii Cambridge Cambridge Univ Press 1880-82
volII p145 313 (393-daggerca466) Hӕreticorum fabularum compendium III4 ndash in Migme
(ed) PG 1857 opcit tLXXXII col405 B ldquoUtilizam (os do seacutec IV) os Atos
falsos dos Apoacutestolos quase como outras obras natildeo autecircnticasrdquo (ca 450) 314 ( -daggerca545) era comes orientis (= funcionaacuterio de grande dignidade)
Tambeacutem chamado Efreacutem de Amida ldquoCom esta opiniatildeo estatildeo de acordo tambeacutem
os Atos de Joatildeo o disciacutepulo amado e sua vida a que natildeo poucos aduzem como
proba ()rdquo citaccedilatildeo de Φώτιος (Foacutecio I) em sua Bibliotheca coacuted 229 ndash in
HENRY (ed) opcit 1965 IV p140 Este Efreacutem foi patriarca de Antioquia
entre 527 e 545 (DPAC-pt p458) e Φώτιος (Foacutecio I) menciona quatro obras suas
que restam perdidas 315 Foi arcebispo sucessor de Euseacutebio nesta cidade num periacuteodo natildeo muito
definido entre 605-630 No seu texto Dormiccedilatildeo (gr Τελείωσις) de Maria lemos
ldquoNos os estranheis ao ouvir que os hereges deixam perder seus escritos ( por
isso jaacute eacute sabido a necessidade de reescrevecirc-los) assim sabemos que procederam
os que nos haviam precedido e os santos Padres de tempos anteriores a respeito
dos chamados ldquoViagensrdquo particulares dos santos apoacutestolos Pedro Paulo Andreacute e
Joatildeordquo Texto ndash in BONNET Maximilianus Zeitschrift fuumlr die neutestatnentliche
Wissenschaft und die Kunde des Urchristentums ndash in ZWth 1880 Leipsig
Hinrichs 1903 pp239ss reproduzido por SCHMIDT Die alten Petrusakten
1903 II pp65ss Bonnet (1842-dagger1917) foi um classicista suiacuteccedilo de origem
protestante nascido em Frankfurt
109
de Niceia316 Ψ-Νικηφόρος (= Ps-Niceacuteforo)317 e Ψ-Ἀθανάσιος
(= Ps-Atanaacutesio)318 Poreacutem todos estes natildeo nomeiam Leucius como o
autor de AtsAp ou de algum deles especificamente
Dentro dos escritores gregos abrolha Φώτιος (Foacutecio I) seacuteculo IX
e que adjudica diretamente os cinco grandes AtsAp a Leucius e nomeia
seu sobrenome ndash Leucius Charinus
Li um livro os chamados ldquoviagens dos Apoacutestolosrdquo
neles estatildeo contidos os Atos de Pedro Joatildeo Andreacute
Tomeacute Paulo E jaacute sobrescrito como o mesmo
livro indica Leucius Charinus319
Haacute uma discussatildeo em curso se este exemplar portava na frente o
nome do autor ou se Φώτιος (Foacutecio I) havia deduzido por alguma
indicaccedilatildeo textual do interior da obra320 Tal discussatildeo se deve agrave forma
316 Eacute amplamente reconhecido que neste Conciacutelio (787) se condenaram as
obras que de alguma maneira podiam favorecer os iconoclastas Os AtsJo
entraram diretamente na questatildeo por causa da criacutetica do apoacutestolo sobre o retrato
deste que Licomedes havia ordenado pintar (AtsJo XXVIII-XXIX) No Siacutenodo
foi lido os caps 27-28 93-95 e 97-98 SCHIMMELPFENG Georg ndash in Edgar
Hennecke (ed) Handbuch und den neutestamentliche Apokryphen Tuumlbinga
1924 pp492-543 imprime em gr a discussatildeo sobre os AtsJo e JUNOD-
KAESTLI Lrsquohistoire opcit 2008 pp123ss que oferece uma traduccedilatildeo
francesa Em nenhum momento se cita Leucius Charinus com autor de AtsJo nem
mesmo dos AtsAp em geral 317 Hoje se aceita que a obra atribuiacuteda a este autor natildeo tem nada a ver com
o patriarca Νικηφόρος Α´ (= Niceacuteforo I) de Constantinopla Texto ndash in Migme
(ed) PG 1857 opcit tC cols1060A-B ou ndash in ZAHN Geschichte
18801975 opcit II pp300ss Entre os Apoacutecrifos do NT cita em oitavo lugar
os escritos de Clemens Ἰγνάτιος Ἀντιοχείας (Inaacutecio de Antioquia) Policarpo
Pastor de HERMAS (gr Ποιμήν του Ερμά) mas quando trata dos Atos (aqui
usa o gr Περίοδοι = viagens) e os cita anonimamente A Esticometria fui
redigida talvez em Jerusaleacutem por volta de 750 318 Texto desta obra ndash Sinopsis ndash in Migme (ed) PG 1857 opcit
tXXVIII col432B-C eacute posterior a Esticometria de onde absorve alguns dados
Cita igualmente os Περίοδοι dos Apoacutestolos sem relaccedilatildeo com autor contudo natildeo
na categoria estritamente dos apoacutecrifos mas nos ldquodiscutidosrdquo (ἀντιλεγόμενα) 319 Φώτιος (FOacuteCIO I) Bibliotheca coacuted 114 (ed por HENRY opcit II
pp693-695) 320 A este favor argumentam na primeira hipoacutetese ZAHN Theodor von
Acta Iohannis Erlangen A Deichert 1880 ppLXVIIss tambeacutem SCHMIDT
110
como Φώτιος comentou essas suas notas de leitura sem paralelo em toda
a Bibliotheca tambeacutem chamada Μυρiοβίβλον (= que tem dez mil livros)
em relaccedilatildeo a como apontava os autores Os pesquisadores Junod e
Kaestli321 vatildeo dizer que por esta razatildeo o grande erudito bizantino natildeo
teria encontrado no livro uma indicaccedilatildeo precisa do autor (em sua capa
possivelmente) e deduzira a autoria de Leucius Charinus graccedilas a algum
tipo de prefaacutecio eg o Ψ-Μελίτων Σάρδεων (= Ps-Melitatildeo de Sardes)
na Paixatildeo de Satildeo Joatildeo
Digno de nota eacute o sobrenome que Leucius porta ndash Charinus Nesta
forma composta ao que se tem notiacutecia eacute a uacutenica ocorrecircncia em toda a
literatura grega e latina segundo Schmidt iraacute supor Deve ser resultado da
contaminaccedilatildeo com os nomes dos heroacuteis gemelos322 da versatildeo latina da
Descensus Christi ad inferos narrado em primeira pessoa e parcialmente
por este personagem323
O que eacute mais provaacutevel eacute que estes cinco grandes AtsAp ndash os AtsPe
AtsJo AtsAnd AtsTo e o AtsPl se tenham transmitido anonimamente Um
argumento aqui seria a falta de uma tradiccedilatildeo consistente de uma autoria
determinada Tambeacutem nem Εἰρηναῖος (= Irinӕus de Lyon) e nenhum
outro escritor dos seacuteculos II-III sabem coisa nenhuma de lsquoum talrsquo Leucius
disciacutepulo dos Apoacutestolos A proacutepria referecircncia de ldquoum talrdquo ou ainda ldquoum
Die alten Petrusakten 1903 p27 E pela segunda temos LIPSIUS
Apokryphen I 1896 [reimp 1976] opcit p87 321 JUNOD-KAESTLI Lrsquohistorie 2008 pp142ss 322 Gemelitas grupo gnoacutestico MartPe XXXII em gr haacute uma remissatildeo
um dos iacutentimos de Simatildeo chamado Gemelo de esposa grega que havia auferido
daquele muitas vantagens daquele mas ao vecirc-lo com a perna quebrada em
desgraccedila zombou-lhe mdash ldquoSimatildeo se a lsquoForccedila de Deusrsquo estaacute quebrada acaso
ficou cego esse mesmo Deus de quem tu eras a Forccedilardquo 323 O texto eacute um dramaacutetico diaacutelogo entre Hades e o priacutencipe acusador a
encarnaccedilatildeo do ldquomalrdquo שטן (heb Satatilde em gr Σατανάς = Satanaacutes da tradiccedilatildeo
judaico-cristatilde) aleacutem da entrada do ldquoRei da Gloacuteriardquo ocorre ambientado
espacialmente no Τάρταρος (= Taacutertaro) uide texto em TISCHENDORF
Constantin von Euangelia Apokrypha Leipzig 1851 pp389-432 reproduzido
por SANTOS OTERO Los Euangelios Apoacutecrifos Acta Pilati redaccedilatildeo lat do
Descimento de Cristo aos infernos 1988 I 16 II 1 XI mdashmdash Doutrina teoloacutegica
cristatilde que afirma que Jesus ldquodesceu ao infernordquo mencionada no Symbolum
Apostolorum (Credo Apostoacutelico) no Quicumque vult (Credo de Atanaacutesio) e
menccedilotildees no NT Os termos κατελθόντα εἰς τὰ κατώτατα (= o mais baixo) lat
descendit ad inferos (= os abaixo) O termo grego τὰ κατώτατα (= o mais baixo)
e o latino inferos (= os abaixo) remetem as profundezas da morada dos mortos e
do limbo
111
certordquo (mencionadas anteriormente) levam um possiacutevel testemunho a
condiccedilatildeo conjectura324
Parece impossiacutevel propor com exatidatildeo logo que se tentou
demonstrar de como ou quando se comeccedilou a atribuir esta paternidade
dos textos a Leucius Charinus Alguns informes vindos da tradiccedilatildeo apenas
identificaram o autor como minorasiaacutetico e ligado ao ciacuterculo de Joatildeo
Talvez tal menccedilatildeo tenha pesado na tradiccedilatildeo posterior Natildeo existe
fundamentos ou fontes que atestem de forma segura a historicidade de
Leucius Charinus como compositor de AtsJo (possivelmente o mais
antigo destes) nem de AtsPe (o segundo em anterioridade) ndash e nem que
por extensatildeo autor dos demais AtsAp
A voz uniacutessona dos adversaacuterios onde parece loacutegica a atribuiccedilatildeo a
Leucius Charinus de algum ou de todos os principais AtsAp demonstra
alguma forma de prevenccedilatildeo contra os maniqueus que tinham tais textos
em grande consideraccedilatildeo por suas inclinaccedilotildees teoloacutegicas coincidirem com
as deles325
Se tivesse sido Augustinus que atribuiu a paternidade a tais textos
natildeo se explica repetimos que convincentemente natildeo tenha citado o autor
cada uma das vezes que se tenha utilizado deles ndash ou pelo menos na
maioria A citaccedilatildeo agostiniana em Contra Faustus mais parece uma
expressividade vinda da retoacuterica porque em outras passagens ele
simplesmente ignora o nome do seu autor Parece ser razoaacutevel que devido
a qualquer razatildeo enigmaacutetica ou ateacute incoacutegnita dos maniqueus a quem tanto
Augustinus combateu (e seus sucessores Evodius et alii) atribuiacuteram a
um antigo personagem vinculado a escola joanina a paternidade destes
cinco grandes AtsAp Nas fontes natildeo haacute ao que se tem notiacutecia algo que
possa descartar essa questatildeo de que os maniqueus consideraram estes
cinco AtsAp como um cacircnon fechado com autoridade de Escritura326 Na
polecircmica dos adversaacuterios dos maniqueus resta claro a intenccedilatildeo de se
combater um corpora de textos
324 Desta forma conclui PINtildeERO 2004 opcit p56 325 Pela defesa de um dualismo mais ou menos descrito nos AtsAp pelo
rigor asceacutetico-encratista e por eles interessarem os maniqueiacutestas e o seu
fundador em preservar sua doutrina como uma continuaccedilatildeo daquela advinda dos
Apoacutestolos 326 cf NAGEL artc Die apokryphen Apostelakten1973 in toop
tambeacutem JUNOD-KAESTLI 2008 ndash in LlsquoHistorie pp73ss ainda
SCHAumlFERDIEK Herfunft und ZNW 74 1983 p263
112
Um fato final chama a atenccedilatildeo nos AtsPe citaccedilotildees biacuteblicas (todas
mencionadas na lista anterior) seguem327 a LXX e se afastam do trade A
LXX seria reconhecida hoje como sendo o texto m (majoritaacuterio ou
bizantino) Em nossa opiniatildeo isto consiste em um dado pois o autor de
AtsPe mostra que natildeo conhece o texto da Vulg328 escrita em fins do
seacuteculo IV Se considerarmos que o AV eacute em latim resta curioso que o
autor natildeo use a Vulg Mas isto natildeo soacute ajuda a estabelecer mais um
paracircmetro datal (maacuteximo) mas aponta alguma diferenccedila de AtsPe e os
demais AtsAp favorecendo o argumento da diferenccedila dos textos e da
muacuteltipla autoria Nos AtsPl (em algumas passagens verificadas) haacute uma
liberdade na citaccedilatildeo (citadas de memoacuteria) e outras partes dos demais
AtsAp parecem vir do τὸ διατεσσάρων εὐανγγέλιον329 de Tatianus (=
Taciano o Siacuterio ou o Assiacuterio ca120-dagger ca180)330 que permaneceu nas
igrejas orientais ateacute o iniacutecio do seacuteculo V Enquanto os AtsPe citam mais
os Evangelhos e Isaiacuteas (profecia de caraacuteter mais messiacircnico e
apocaliacuteptico) o AtsPl daacute preferecircncia a corpora paulina
O mais que se possa dizer sobre este tema estaraacute mais atrelado em
hipoacuteteses de caraacuteter bem geral do que atraveacutes de argumentos concretos
Os estudos mais significativos sobre a questatildeo da autoria satildeo J C
327 As claacuteusulas apontam para citaccedilotildees diretas embora estejam
entremeadas no discurso (falas oraccedilotildees κτλ) 328 Vulgata eacute abreviatura de vulgata editio aut versio aut lectio (= ediccedilatildeo
traduccedilatildeo e leitura de acircmbito popular) 329 Trata-se de uma harmonia das discrepacircncias internas dos quatro
Evangelhos 330 Escritor cristatildeo do seacutec II disciacutepulo de Flavius Justinus Augustus cuja
vida e doutrina sabe-se por de menccedilotildees de autores posteriores que o denunciam
como fundador da encratismo gnoacutestico de Μαρκίων Σινώπης (ou inspirador) Sua
obra mais influente eacute o τό διὰτεσσάρων εὐανγγέλιον (= Atraveacutes dos tesouros do
Evangelho) uma paraacutefrase biacuteblica ou ldquoharmoniardquo dos quatro evangelhos que se
tornou o texto padratildeo nas igrejas de liacutengua syr ateacute o seacutec V quando deu lugar aos
quatro evangelhos em separado na versatildeo ܦܫܝܛܬܐ (pšicircṭtacirc Peshita = simples
comum ou ao vulgo) CROSS Frank Leslie (ed) The Oxford Dictionary of the
Christian Church 3th ed New York Oxford University Press 2005 verbetes
Diatessaron e Peshitta
113
Thilo331 Th Zahn332 A Lipsius333 e C Schmidt334 Eacute manifesto que natildeo
sejam pesquisas tatildeo contemporacircneas As mais recentes satildeo K
Schaumlferdiek335 e Junod-Kaestli mas que assim mesmo representam
siacutenteses dos trabalhos precedentes baseados numa nova anaacutelise das
fontes
V Romance grego versus modelo lucano a questatildeo de gecircnero
Os escritores literatos e religiosos do final do seacuteculo II e comeccedilo
do seacuteculo III (eacutepoca dos AtsAp) devido aos influxos da Segunda Sofiacutestica
criam moldes proacuteprios na noveliacutestica da eacutepoca336 Um grupo de estudos
suscitou uma relaccedilatildeo dos AtsAp (incluso o AtsPe) inteiramente ligada ao
iniacutecio do romance grego cf as teorias de Ernst von Dobschuumltz J Flamion
R Reitzenstein e R Soumlder337 Mais recentemente surgem pesquisas que
datildeo relevantes matizaccedilotildees mostram a questatildeo aberta ainda diante da
inegaacutevel presenccedila do modelo biacuteblico lucano e das menccedilotildees aos textos
331 THILO Johann Karl Colliguntur et commentariis illustrantur
fragmenta actuum S Ioannis a Leucius Charinus conscriptorum I ndash in
Universitatis Literariae Friaericiannae Halis consociatae programma paschale
14 f Halle 1847 332 ZAHN Acta Iohannis 1880 opcit LXss id Geschichte des ntl
1880 opcit II pp856ss 333 LIPSIUS Apokryphen Apostelakten I pp44ss 334 SCHMIDT Die alten Petrusakten 1903 335 SCHAumlFERDIEK Knut Herkunft ndash in Neutestamentliche
Apokryphen de SCHNEEMELCHER vol I Tuumlbingen 1987 pp130ss 336 Conforme a Revista Augustinianum XXIII fasc12 Incontro di
studiosi dellrsquoantichitagrave cristiana Gli Apocrifi cristiani e cristianizzati Roma
1983 pp37-43 Reporta um encontro de estudiosos no Institutum Patristicum
Augustinianum de Roma cujas comunicaccedilotildees constam deste volume Os escritos
reportam aspectos novos da investigaccedilatildeo dos AtsAp com destaque para a Virgiacutenia
BURRUS que aprofunda o valor que poderia ter atitudes encratistas das heroiacutenas
nos AtsAp 337 Em 1932 publica um trabalho no centro desta discussatildeo romance
heleniacutestico versus modelo biacuteblico lucano ndash SOumlDER Rosa Die apokryphen
Apostelgeschichten und die romannhafte Literatur der Antike Stuttgart
Kohlhammer 1932
114
canocircnicos cf as teorias de J Kaestli E Pluumlmacher W Schneemelcher e
V Burrus338
Desta visada de duplo ponto de vista que se procede a anaacutelise da
questatildeo do gecircnero literaacuterio dos Atos sobretudo em sua correspondecircncia
com o gecircnero romanesco na Antiguidade O AtsPe se encaixa dentro de
um gecircnero noveliacutestico cristatildeo peculiar pois tambeacutem pretende entreter
encenar e edificar tudo simultaneamente Estatildeo presentes
(i) o motivo da viagem
(ii) o elemento aretoloacutegico (acentuaccedilatildeo de ἀρεταί = virtudes
maravilhosas e δυνάμεις = poderes dos heroacuteis e protagonistas)
(iii) o elemento teratoloacutegico (representaccedilatildeo do mundo encantado
com o qual os apoacutestolos entram em contato ndash canibais animais
que falam κτλ)
(iv) o elemento tendencioso sobretudo nas pregaccedilotildees e
(v) o elemento eroacutetico que estaacute presente natildeo soacute nos motivos
propriamente amorosos mas tambeacutem nos traccedilos asceacutetico-
encratitas Tambeacutem satildeo influenciados pela segunda parte da
obra de Lucas e natildeo constituem uma simples continuaccedilatildeo dos
Atos canocircnicos O autor reuacutene uma seacuterie de tradiccedilotildees orais onde
tenta ampliar e dar corpo para seus leitores naquilo que pode
ser importante na vida de Pedro
Burrus no artigo jaacute aludido tem defendido a tese de que estes
contos populares atuavam com κάταρσις339 (= wish fulfillment) e assim
poderiam expressar emoccedilotildees reprimidas e escapar de uma triste realidade
por meio da fantasia340
Todo o escrito haacute de ser de um ldquotipordquo situa-se numa tradiccedilatildeo
formal e a exemplifica Natildeo eacute menos verdadeiro para os textos cristatildeos da
Antiguidade do que o eacute na eacutepoca presente Dispomos de textos pioneiros
e inovadores que procuram fazer algo nunca antes feito ndash estamos no
ldquoseacuteculo da originalidaderdquo Mas mesmo assim as inovaccedilotildees alargaram as
338 Esta questatildeo seria a principal problematizaccedilatildeo na tese de doutoramento
de CERRO opcit 1991-1992 em Maacutelaga 339 lt c a t a r s i s gt eacute explicada primeiramente por Ἀριστοτέλης
(Aristoacuteteles 384-dagger322 aC) na sua tese sobre arte dramaacutetica ndash ποιητική [τέχνη]
onde conforme ele as emoccedilotildees do inteacuterprete seriam liberadas numa construccedilatildeo
fictiacutecia em espetaacuteculos poeacutetico-traacutegicos longos com tramas bem articuladas
enredos instigantes entre heroacuteis versus vilotildees versando sobre mitologia e
realidade cuja ideia central era expor expor uma liccedilatildeo moral eacutetica ou de vida 340 BURRUS Chastity as autonomy Women in the stories of the
Apocryphal Acts ndash in Semeia 38 New York 1986 p108
115
fronteiras da tradiccedilatildeo nunca tendo se libertado definitivamente desta eg
o Ulisses James Joyce ainda eacute identificado como o romance e o nouveau
roman fr apesar das asperezas de algumas comparaccedilotildees ainda natildeo pode
ser dissecado sem as luzes do que o romance tradicional nos legou como
aspectos desta forma Certamente este eacute um dos mais relevantes temas de
pesquisa sobre o AtsPe Tal questatildeo suscita outras e as divergecircncias se
acentuam bastante
Um panorama baacutesico desta questatildeo pode ser assim resumido
(i) Um primeiro grupo de scholars teraacute a seguinte premissa baacutesica
os AtsAp satildeo romances heleniacutesticos de cunho cristatildeo (importaccedilatildeo de
gecircnero)341 Trabalhos com grande destaque nesta questatildeo cabem a R
Reitzenstein342 Poreacutem F Pfister343 eacute que iraacute abarcar numa pesquisa
diacrocircnica o estudo dos Hinos homeacutericos a praacutetica de Ξενοφῶν
(= Xenofonte) e as teses de Ἰσοκράτης (= Isoacutecrates) e concluir que a
historiografia destes textos se funda em aretologias bem antigas cujos
elementos satildeo atos viagens e doutrina O capiacutetulo 4 ndash O Estatuto do
Narrador de Brandatildeo344 traz uma abordagem completa e bastante
suficiente do como nasceram estas formulaccedilotildees antigas do romance
grego
Cinco elementos fundamentais da literatura noveliacutestica na
Antiguidade as ἀρεταί (= virtudes ou δυνάμεις gerais) o teratoloacutegico o
tendencioso ou propagandiacutestico o motivo da viagem e o eroacutetico
(caracteriacutesticas presentes no AtsAp) satildeo apontados em todas as teorias (F
341 DOBSCHUumlTZ Ernst von Der Roman in der altchrisclichen Literatur
ndash in von Julius Rodenberg (ed) Deutsche Rundschau 3 111 Berlin Gebruumlder
Paetel Verlag apr1902 pp87-106 foi o primeiro a roccedilar neste tema (1902)
segundo PINtildeERO 2004 opcit p36 Defendia que tais obras eram compostas
segundo criteacuterios do romance heleniacutestico Posteriormente ROHDE ancoraraacute
fortemente suas pesquisas nas conclusotildees iniciais de DOBSCHUumlTZ 342 REITZENSTEIN Richard Hellenistische Wundererzaumlblungem
Leipzig Hinrichs 1906 343 PFISTER Friedrich Der Reliquienkult im Altertum Gieszligen A
Toumlpelmann 1912 II pp450-7 tambeacutem ndash in HENNECKE Neutestamentliche
Apokryphen Tuumlbingen 1924 pp163-69 344 BRANDAtildeO Jacynto Lins Narrativa e Mimese no Romance Grego o
narrador o narrado e a narraccedilatildeo num gecircnero poacutes-antigo Tese para Professor
Titular de Liacutengua e Literatura Grega da FL-UFMG Belo Horizonte 1996
pp66ss
116
Flamion F Pfister E Dobschuumltz R Reitzenstein et alii) que ligam os
AtsAp e tecircm sua siacutentese nos trabalhos de R Soumlder345
(ii) Uma aproximaccedilatildeo que poderia ser notada com o romance
heleniacutestico seria o lsquomotivo da viagemrsquo Mas eacute mais uma coincidecircncia
Porque nem a motivaccedilatildeo nem a realizaccedilatildeo nem o aacutepice do episoacutedio nada
tecircm haver entre si As peregrinaccedilotildees dos enamorados eg Dafnis e Cloeacute
(de Longo)346 ou o Luacutecio ou o asno (de Luciano) soacute se assemelham no
movimento Que sejam viagens por mar cf Soumlder eacute bastante oacutebvio pelo
lugar geograacutefico que ambientam ambas as obras347 As peripeacutecias satildeo
normais nas viagens da Antiguidade eg Jonas348 ou Paulo de Tarso349
ou outros apoacutestolos missionaacuterios dotados de poderes sobre-humanos
Neste contexto o homem cheio de sabedoria viaja mais com a finalidade
de apreender do que de ensinar Nos AtsAp as viagens satildeo vistas como
ordenanccedila do Senhor ldquoIde por todo mundo e pregai o Evangelho a toda
criaturardquo350 Tais motivos e praacutetica de viagem documentada fartamente
nos Evangelhos e Atos canocircnicos satildeo aceitos por Soumlder351 Haacute uma
tradiccedilatildeo bastante corrente nos seacuteculos I-III de lsquoreparticcedilatildeorsquo de terras para
a evangelizaccedilatildeo Certamente estas viagens missionaacuterias satildeo bem distintas
daquelas em busca do amor perdido
(iii) O mote aretoloacutegico tambeacutem tem expressatildeo diferente nos
AtsAp No romance grego a busca do heroacutei eacute encomiaacutestica Nos AtsAp os
protagonistas professam uma natureza de vida de perfeiccedilatildeo porque
deveriam ser ldquoperfeitos assim como eacute perfeito o Vosso Pai que estaacute nos
ceacuteusrdquo352 Os apoacutestolos mostrados nos AtsAp satildeo θεῖοι ἄνδρες como Pedro
em AtsPe353 cuja virtude estaacute manifesta na conduta nas expressotildees nos
poderes e representando a voz de Deus no mundo Os poderes e δυνάμεις
(na κοινή do ΝΤ = poderes aplicados milagres)354 nos AtsAp simbolizam
a presenccedila ativa e eficaz da divindade ao contraacuterio do que encontramos
em Vita Apollonii Tyanei que traz um sentido bem diferente inclusive o
345 cf SOumlDER Die apokryphen Apostelgeschichten opcit 1932 346 BRANDAtildeO 1996 opcit p18 347 id ibid p6 348 Jon 14ss 349 At 2714ss 350 Mc 1615 Mt 2819 Lc 2447 At 18 351 SOumlDER 1932 opcit p50 352 Mt 548 353 AV V XLI 354 A concepccedilatildeo era de que os apoacutestolos cf os canocircnicos herdariam o que
creram ndash Mc 1617-18
117
ateniense Φλάβιος Φιλόστρατος355 tentar desmitificar seus milagres com
uma racionalidade humana e conjectural ndash ldquoa verdade natildeo tem
necessidade de milagres nem de magiardquo356 e se distancia deste aacuteurea de
milagres e mysterium quando diz que mesmo Apolo em Delfos revelara
a verdade sem a necessidade de manifestaccedilotildees portentosas
(iiii) O elemento teratoloacutegico nestes Atos tardios tem paradigmas
abundantes nos canocircnicos mas apenas poucos exemplos satildeo colhidos por
Soumlder A coleccedilatildeo de τέρατα eacute riquiacutessima a serpente do Eacuteden que fala (Gn
3) os leotildees no fosso com Daniel (Dn 616ss) uma mula falante de Balaatildeo
(Nm 2222-33) em Sodoma e Gomorra chovia fogo e enxofre (Gn 1915-
29) as pragas do Egito (Ex 7ss) passagem a peacute enxuto pelo Mar Morto
(ex 1415ss) uma coluna guia Israel de nuvem e fogo (Ex 1321 1419-
24) passagem a peacute enxuto pelo Jordatildeo (Js 3) batalhas de Josueacute com a
cumplicidade do sol e da lua (Js 1012ss) Haacute muitos outros Os
encantadores egiacutepcios de faraoacute natildeo puderam reproduzir a praga dos
piolhos de Moiseacutes porque ldquoisto eacute o (inexplicaacutevel) dedo de Deusrdquo (Ex
818-19) Assim de modo semelhante antes de deitar abaixo a famosa
Artemis os Efeacutesios creram segundo AtsJo que ldquoEἶς θεός Ἰωάννου
()rdquo357 Os apoacutestolos foram acusados da praacutetica de magia algo bastante
comum na Antiguidade e praticada com todos os inimigos Enfim este
poder apostoacutelico eacute exercido num mundo de criaturas estranhas democircnios
magos animais que falam κτλ
(iiv) O elemento tendencioso estaacute presente pela clara intenccedilatildeo
propagandiacutestica dos AtsAp cuja finalidade eacute proselitismo Depreende-se
do gecircnero escolhido cf Soumlder e alude a uma estreita ligaccedilatildeo com a
literatura ficcional da Antiguidade Mas o que temos aqui parece uma
aproximaccedilatildeo maior com as pretensotildees canocircnicas Isto posto porque
qualquer relato biograacutefico apostolar suas viagens vicissitudes pregaccedilatildeo
milagres e finalmente o proacuteprio martiacuterio tem sentido claro dentro da sua
missatildeo Quando se encontravam em vida andaram com Jesus Note-se
que depressa as excursotildees paulinas (exemplar claacutessico lucano) culminam
no testemunho da cruz e por isso todos sofrem violentas reaccedilotildees dos
personagens ao seu entorno358
355 Tambeacutem conhecido como Lucius Flavius Philostratus (170-daggerca249) 356 Vita Apollonii Tyanei IV45 Quando tenta explicar o caso de uma
jovem defunta (cf mencionada em AtsPe) que natildeo foi ressuscitada Um saacutebio
observou que sai um vapor do rosto dela e concluiu que natildeo estava
definitivamente morta 357 = um soacute Deus o de Joatildeo AtsJo XXXVIII XLII 358 Condiz diretamente com o modelo de Atos lucano
118
(iv) Por fim o aspecto eroacutetico como elemento estruturante do
AtsAp que aparece invertido Temos algumas cenas de amor Poreacutem a
pregaccedilatildeo eacute da castidade (= eroacutetico ao inverso) e quando alcanccedila homens
importantes surge o conflito e com o martiacuterio dos apoacutestolos responsaacuteveis
(Andreacute Pedro Paulo Tomeacute) O amor no romance grego eacute marcado com
fortes cores nos AtsAp recebe qualificativos demasiadamente negativos
substituiacutedo por um afeto lsquoespiritualrsquo Exemplos muito clarificantes deste
aspecto estatildeo em AtsPe nos episoacutedios dA Filha de Pedro e dA Filha do Jardineiro em AtsPl a jovem Tecla jaacute mencionada seraacute a cordeirinha
que suspira pelo seu pastor o Apoacutestolo Enfim Soumlder359 comentaraacute este
aspecto a partir da histoacuteria de Joseacute (Gn 3725-36)
(ii) Para segundo grupo de pesquisadores de Harnack a Schmidt360
afirmam que o modelo destes textos estaacute simplesmente no Atos canocircnico
donde retiram o tiacutetulo Πράξεις a sua temaacutetica e estrutura
(iii) E uma terceira corrente destaca a originalidade destes AtsAp e
que este gecircnero literaacuterio natildeo introduz qualquer elemento dos textos da
Antiguidade (pagatilde vista pelo cristianismo) Seria uma recriaccedilatildeo
(semi)original fruto de diversificadas e distantes influecircncias segundo a
tese de Kaestli361 Poreacutem a maioria das investigaccedilotildees em curso aponta
para a ligaccedilatildeo com o romance grego
A investigaccedilatildeo contemporacircnea parece ainda encontrar espaccedilo para
este cotejo de AtsAp com a noveliacutestica antiga ldquopotencializado[a]
provavelmente pela dificuldade de se dar uma definiccedilatildeo exata do romance
antigordquo362 Esta questatildeo resta emblemaacutetica conforme Brandatildeo remata sua
tese
O romance eacute como que o coroamento dos gecircneros
na Greacutecia ndash epopeacuteia (sic) drama historiografia e
diaacutelogo ndash em que o narrador o narrado e a narrativa
produzem uma alquimia de elementos tomados da
tradiccedilatildeo a qual se dissolve e se coagula natildeo em
formas fixas mas em formas abertas e
359 SOumlDER opcit p148 360 HARNACK Adolf von Die Entstehung des Neuen Testaments
Leipzig 1914 Tambeacutem SCHMIDT Die alten Petrusakten 1923 opcit
pp150-60 361 KAESTLI Les principales orientations de la recherche sur les Actes
ndash in BOVON Les Actes Apocryphes Genegraveve 1981 pp49-67 362 PAO David W The Genre of the Acts of Andrew ndash in Apocrypha 6
Paris Brepols 1995 p198
119
transformacionais do mesmo modo que o mundo
se reinventa po(i)eticamente a partir dos elementos
mais simples aacutegua ar terra e fogo363
Outras discussotildees aleacutem da autoria dos AtsAp podem nos conduzir
ao ambiente soacutecio econocircmico destes textos Menciono os trabalhos muito
produtivos da Semeia 38 eg a pesquisadora V Burrus que se interessa
pelas menccedilotildees relativas agrave castidade presente especialmente em AtsPe
onde ldquovislumbra um indiacutecio de um movimento feminista de emancipaccedilatildeo
frente ao excessivo protagonismo dos varotildees seus maridosrdquo364 A
proeminecircncia do feminino parece cada vez mais se avanccedilar a patamares
mais elevados com o achado e traduccedilatildeo de antigos apoacutecrifos segundo
aventado na Introduccedilatildeo
Com a mesma orientaccedilatildeo Stoops aborda o tema Patronagem em
Atos de Pedro em que patrotildees ou protegidos (seus clientes) poderiam
estar refletidos em determinadas passagens dos AtsPe no acircmbito das suas
relaccedilotildees sociais como no caso de Marcelo e seus criados E no mesmo
niacutevel em que ocorrem socialmente satildeo as relaccedilotildees da comunidade cristatilde
e Cristo ldquoo uacutenico patratildeo dos crentesrdquo365 A mesma questatildeo defende
Misset-van de Weg acerca das relaccedilotildees da Trifena com Tecla366
Um fato eacute que a corpora dos AtsAp e particularmente o AtsPe e o
AtsPl tem servido de base ou confirmado algumas tradiccedilotildees na histoacuteria
da Igreja Podemos a partir deste informe aferir seu valor histoacuterico como
expoentes da teologia popular e do pensamento das bases cristatildes nos
tempos nos seacuteculos II-III Jaacute mencionado muitas das veneraacuteveis tradiccedilotildees
da Igreja se fundamentam nestes AtsAp O que se discute eacute o valor
histoacuterico de cada um e este certamente eacute um campo bastante amplo cuja
pesquisa ainda tem muito a contribuir para elucidaccedilatildeo As περίοδοι (=
viagens) apostoacutelicas em grande nuacutemero acontecimentos marcantes e os
martiacuterios satildeo motivos de cultos e festas nas cidades que satildeo mencionadas
nestes textos haacute fartas observaccedilotildees e comentaacuterios nas notas de rodapeacute da
363 BRANDAtildeO Narrativa e mimese 1996 opcit pp224-25 364 cf o destaque no cap2 de A Social-Historical Interpretation of the
Chastity Stories BURRUS Chastity as autonomy Womenhellip 1986 opcit
pp107-16 365 STOOPS Jr Robert F Patronage in the Acts of Peter Semeia 38
Oxford 1986 pp91-100 366 MISSET-VAN DE WEG Magda A wealthy woman named Tryphaena
patroness of Thecla of Iconium ndash in J N Bremmer The apocryphal Acts of de
Paul und Thecla Kampen Kok Pharos 1996 pp16-35
120
traduccedilatildeo Os proacuteprios heroacuteis dos AtsAp seu ministeacuterio e o teor da sua
pregaccedilatildeo ofereceriam dados que podem servir de base ao estudo para
certas atitudes das comunidades cristatildes ao seu tempo Poderiacuteamos pensar
eg as tendecircncias encratistas ou gnoacutesticas que podem apontar uma
situaccedilatildeo histoacuterica367 Da mesma maneira pode-se dizer sobre as praacuteticas
sacramentais muito precisas do batismo e da eucaristia que satildeo
encontradas em AtsTo
Os textos nos mostram a vida comum as festas as viagens e as
estradas a questatildeo da aplicaccedilatildeo da justiccedila os espetaacuteculos a atitude hostil
que enfrentavam os pregadores cristatildeos a praacutetica da solidariedade cristatilde
para com a comunidade geral e sensibilidade social Tais ideias se
conformam com a Weltanschauung der Zeit368 Haacute estudos relevantes
nesta direccedilatildeo mas natildeo eacute meu objetivo delinear a vida e a religiatildeo dos
primeiros cristatildeos nem a nova religiatildeo e seu ambiente social O objetivo
aqui eacute demonstrar que os AtsAp particularmente o AtsPe satildeo
fundamentos de teorias sobre o ambiente sociocultural dos seacuteculos II-II
Apenas menciono os trabalhos John E Stambaugh e David L Balch369
Wayne A Meeks370 Gerd Theissen371 e J Comby e P Lemonon372
Natildeo devemos achar que os AtsPe ndash ou mais amplamente os AtsAp
figuram como uma mina de ouro de dados sobre a eacutepoca de sua
367 Para BOVON Franccedilois et alii p156 no art La vie des Apocirctres
Tradicions bibliques et narrations apocryphes La vie des Apocirctres Tradicions
bibliques et narrations apocryphes Genegraveve Faculteacute de Theacuteologie de lUniversiteacute
de Genegraveve 1981 segundo o qual eg os cristatildeos do seacutec II eram tatildeo riacutegidos ateacute
do ponto de vista do encratismo Da histoacuteria dos dogmas e doutrinas na patriacutestica
do seacutec II (nas regiotildees especialmente de ApsPe e AtsPl) temos interminaacuteveis
discussotildees em questotildees como eg o adulteacuterio seria um pecado para o qual cabe
perdatildeo ou natildeo 368 Calco linguiacutestico alematildeo adotado pelas demais liacutenguas e o uso
disseminado na epistemologia alematilde eacutetica filosofia e teologia para expressar a
ideia de uma visatildeo de mundo em uma dada eacutepoca 369 STAMBAUGH John Evan BALCH David L que fizeram uma
pesquisa na questatildeo O Novo Testamento em seu ambiente social Satildeo Paulo
Paulus 1996 370 Estudou Os primeiros cristatildeos urbanos 1992 Depois produziu uma
obra sobre As origens da moralidade cristatilde ndash Os dois primeiros seacuteculos 1997 371 Pesquisador alematildeo que tem um trabalho relevante hoje em pt A
Religiatildeo dos Primeiros Cristatildeos ndash Uma teoria do cristianismo primitivo 2009 372 Pesquisa em francecircs com traduccedilatildeo para o portuguecircs Vida e Religiotildees
No Impeacuterio Romano ndash No tempo das primeiras comunidades cristatildes 1985 E
Roma em face a Jerusaleacutem ndash visatildeo de autores gregos e latinos 1982
121
composiccedilatildeo mas em cada caso particular devemos nos ater agrave criacutetica e agrave
comprovaccedilatildeo e sobre estas deveraacute prevalecer a manifestaccedilatildeo de outras
fontes conforme seraacute apresentado nas notas do aparato criacutetico e de
traduccedilatildeo
VI A titulatura do gecircnero Πράξεις ou Περίοδοι ndash Estrutura narrativa
A admiraccedilatildeo suscitada em outras eacutepocas pelas teorias de
Reitzenstein et alii que relacionavam os AtsAp com o romance grego
tecircm recebido nos trabalhos mais recentes novos matizes Nem Kaestli ou
V Burrus consideram o tema aclarado Se natildeo se pode defender a
dependecircncia direta dos AtsAp somente do romance da Antiguidade tatildeo
pouco resulta convincente a teoria de uma simples imitaccedilatildeo dos Atos de
Lucas Pintildeero articula
No entanto do nosso ponto de vista estaacute no
ambiente e especificamente nos Atos de Lucas o
modelo literaacuterio que devemos buscar embora
distante dos Atos Apoacutecrifos
Como outras obras cristatildes da eacutepoca os Atos
Apoacutecrifos fazem uso abundante dos textos biacuteblicos
que podem escapar aos olhos do leitor leigo ou
apressado No entanto desse uso pode-se deduzir
conclusotildees altamente interessantes para o
conhecimento e estudos destas obras Alguns
autores de cuja pena surge espontaneamente
palavras conceitos alusotildees expressotildees e eventos
atraveacutes das Escrituras devem estar fortemente
condicionados pela ideologia por si mesma bem
como por seus esquemas literaacuterios373
A manifesta afinidade de AtsPe com o material canocircnico jaacute foi
mencionada e natildeo tem havido contestaccedilotildees As diferenccedilas satildeo de grau ou
niacutevel desta reaccedilatildeo O proacuteprio conceito operador de apoacutecrifo jaacute estabelece
esta analogia que buscamos demonstrar e de forma distendida temos
correlatos em todos os gecircneros entre canocircnicos e apoacutecrifos ndash evangelhos
373 PINtildeERO 2004 opcit p69
122
epiacutestolas atos apocalipses κτλ Da contribuiccedilatildeo de Kaestli nos estudos
do Incontro di studiosi dellrsquoantichitagrave cristiana lemos que
Todo texto apoacutecrifo tem alguma relaccedilatildeo com a
Biacuteblia se conecta com um personagem uma
realidade um tema que figura nos textos canocircnicos
do Antigo e Novo Testamento374
Ao tratar de situar os apoacutecrifos no seu sitz im leben G Jossa aponta
condiccedilotildees que guardem alguma relaccedilatildeo com os escritos
neotestamentaacuterios e reivindiquem uma origem apostoacutelica375
Schneemelcher busca uma definiccedilatildeo para apoacutecrifo do NT satildeo escritos
que natildeo foram aceitos no cacircnon mas pretendem ser valorizados como
livros sagrados e refletem de algum modo os gecircneros literaacuterios do NT376
De qualquer forma a abundacircncia de citaccedilotildees estaacute presente em qualidade
e em quantidade
Tanto se eacute original como se natildeo a tradiccedilatildeo jaacute vista tem
demonstrado que estas obras satildeo um produto relacionado ao Πράξεις
Ἀποστόλων lucano E eacute uma realidade que as obras AtsAp estejam
debaixo da denominaccedilatildeo de Atos (apoacutecrifos) dos Apoacutestolos O mesmo
Schneemelcher377 ao analisar as conexotildees dos apoacutecrifos de forma
geneacuterica nas suas relaccedilotildees com os canocircnicos refere-se expressamente a
sua ligaccedilatildeo com este tiacutetulo sendo este mais vaacutelido para todos os Atos
canocircnicos e apoacutecrifos Mas foi Schmidt que nos legou uma afirmaccedilatildeo de
maior profundidade ldquoNatildeo soacute o tiacutetulo de lsquoAtosrsquo (Πράξεις) se tem tomado
ali (ao Atos lucano) mas tambeacutem a composiccedilatildeo inteira a mentalidade
()rdquo378
Eacute verdade que de acordo com o que Erbetta explica na introduccedilatildeo
do seu volume II ndash acerca dos apoacutecrifos a titulatura Πράξεις vem situar
374 KAESTLI Jean-Daniel Le rocircle des textes bibliques dans la genegravese et
le deacuteveloppement des leacutegendes apocryphes le cas du sort final de lrsquoapotrecirc Jean
ndash in Studia ephemeridis Augustinianum 23 Rome Col Agustinianum Press
1983 p 319-36 375 JOSSA Giorgio Gli Apocrifi del Nuovo Testamento Tipologia origine
e primi sviluppi 1983 ndash in Augustinianum 23 Roma Institutum Patristicum
Augustinianum 1983 pp74-5 376 HENNECKE SCHNEEMELCHER Neutestamentliche Apocryphen
1959 vol I p49 377 HENNECKE SCHNEEMELCHER 1964 vol II p75 378 SCHMIDT Die alten Petrusakten 1923 p154
123
as obras dentro de um contexto mais amplo do gecircnero literaacuterio antigo que
trata das faccedilanhas dos heroacuteis Contudo mesmo admitindo que o AtsPe
tenha semelhanccedila com estas obras Erbetta assinala profundas diferenccedilas
e os muacuteltiplos aspectos originais dos AtsPe O AtsPe eacute peculiar pela sua
aproximaccedilatildeo com o modelo canocircnico inclusive pelo uso quase exclusivo
da LXX Evangelhos e Isaiacuteas Erbetta para sustentar esta matizaccedilatildeo efetua
uma comparaccedilatildeo detalhada dos Atos (de forma geral) com obras da
Antiguidade Remonta a Homero e aos νόστοι (= viagens volta em
Homero o regresso dos heroacuteis) transpondo as doutrinas de Ἰσοκράτεης
(= Isoacutecrates) sobre a histoacuteria de tal modo os numerosos Atos que
apareceram na eacutepoca heleniacutestica e sem esquecer-se das obra de Ξενοφῶν
(= Xenofonte)379
Para estes relatos antigos tambeacutem estavam em uso a denominaccedilatildeo
Περίοδοι Trata-se de uma denominaccedilatildeo mais descritiva do que de um
tiacutetulo Ainda Φώτιος (= Foacutecio I) como citou no coacuted 114 de sua
Μυρiοβίβλον ou Bibliotheca quando fala expressamente da coleccedilatildeo dos
chamados Περίοδοι Ἀποστόλων e entre os que estatildeo mencionados os
Πράξεις de Pedro Joatildeo Andreacute Tomeacute e Paulo no qual nos quer dizer o
patriarca erudito que o conjunto levava o nome geneacuterico de Περίοδοι e
as obras da coleccedilatildeo ndash Πράξεις
Sem negarmos a existecircncia de um gecircnero literaacuterio antigo de
semelhantes caracteriacutesticas temos que reconhecer com Schmidt380 que o
tiacutetulo mesmo de Atos deve ter sido tomado do livro homocircnimo de Lucas
Por conseguinte devido a seacuterias e relevantes diferenccedilas com o livro
lucano parece evidenciar alguma intenccedilatildeo de seus autores editores ou
compiladores ao escrever uma obra similar agrave de Lucas
Esta obra AtsPe coincide com a de Lucas pelas viagens
missionaacuterias discursos milagres cenas batismo-eucariacutesticas e processos
juriacutedicos em tribunais As viagens missionaacuterias satildeo uma constante nos
AtsAp sobretudo em AtsPe e consideradas como ordenanccedilas dadas pelo
Senhor381 eg Pedro diz ldquoDeus me tem enviadordquo com ordem para viajar
para Roma382 Este mandato eacute precedido como jaacute dissemos por uma
379 ERBETTA Atti e legende II 1970 opcit pp4ss 380 SCHMIDT Die alten Petrusakten 1903 opcit pp154ss 381 AtsTo 1 AtsAnd Mart Pius 1 Esta missatildeo de ir ateacute aos ldquoconfins da
terrardquo viajando pregando e operando milagres estaacute ligada a pratica cristoloacutegica
ldquoque περιῆγεν (percorria) toda a Galileia () ensinando pregando () curando
toda a enfermidade e doenccedilardquo Mt 423 935 382 AtsPe AV V
124
possiacutevel cena de particcedilatildeo de territoacuterios para a evangelizaccedilatildeo tal como
consta em AtsTo e AtsAnd383
Os discursos nos AtsPe assemelham-se e muito com as homilias
no Atos lucano de Pedro e Paulo Alguns tecircm como tema a histoacuteria da
salvaccedilatildeo como o de Pedro384 e a 3ordf Epiacutestola aos Coriacutentios385 que
representa o primeiro discurso de Paulo na Itaacutelia (ambos apoacutecrifos) e que
recordam diretamente as preleccedilotildees de Estevatildeo Pedro e Paulo386 no Atos lucano soacute que com menor densidade teoloacutegica
Nesta altercaccedilatildeo acerca do gecircnero e a adjacecircncia com o modelo
lucano emergem questotildees abertas proeminentes que seratildeo tratadas mais
adiante nos pressupostos tradutoacuterios eg finalidade da obra problemaacutetica
interna e externa histoacuteria redacional articulaccedilatildeo sintaacutetica anaacutelise
morfossintaacutetica anaacutelise das formas e foacutermulas criacutetica das tradiccedilotildees
exame da composiccedilatildeo AtsPe como uma obra tendenciosa AtsPe como
uma obra mal-informada387
O espiacuterito e temor dos milagres tecircm a finalidade de demonstrar que
Deus avaliza e sela seus enviados assim como no Atos de Lucas
ldquoMostre-nos outro milagre (signum) para que creiamos que tu eacutes servo
do Deus vivordquo suplicam os fieacuteis em AtsPe388 Os apoacutestolos ressuscitam
mortos datildeo vista aos cegos curam enfermos natildeo pelo poder pessoal mas
pelo de Jesus como quando Pedro e Joatildeo estavam na Porta Formosa389
Um dos milagres o da ressurreiccedilatildeo de Paacutetroclo copeiro do imperador
parece sensivelmente uma coacutepia de Eutico390 ambos os jovens estavam
dormindo na pregaccedilatildeo de Paulo caem de um piso alto e satildeo ressuscitados
pelo apoacutestolo Quando M Blumenthal fala das formas literaacuterias nos AtsAp
reconhece nelas ldquouma forma baacutesica que eacute provavelmente a do NTrdquo391 e
menciona os elementos destas ressurreiccedilotildees Ele analisa eg a
ressurreiccedilatildeo do criado de prefeito em AtsPe392 cujos elementos
383 AtsTo 1 AtsAnd - Mart Prius I-II 384 AtsPe AV VII 385 AtsPl PH VIII 386 At 2-4 At 7 e At 13 respectivamente 387 Algumas destas questotildees em HARNACK Adolf von Die
Apotelgeschichte Leipzig Hinrichs 1908 388 AtsPe AV II 389 AtsPe AV XXVIII e At 312-16 390 cf AtsPl Mart I At 209-11 391 BLUMENTHAL Martin Formen und Motive in den Apocryphen
Apostelgeschichten ndash in TU 481 Leipzig Hinrichs 1933 pp88ss 392 AtsPe AV XXVI
125
estruturais satildeo similares a de outro milagre narrado em Mt 918-26 et his
similia (= sinoacuteticos) logo o milagre do jovem Paacutetroclo por Paulo393 seria
paralelo da narrativa de At 202-12 Blumenthal analisa tambeacutem sobre
toda a sorte de milagres dos AtsAp curas libertaccedilotildees do caacutercere
prodiacutegios da natureza apariccedilotildees vozes do ceacuteu castigos sobrenaturais
κτλ cujos detalhes natildeo soacute aparecem no NT em geral mais precisamente
no Atos canocircnico394
Acerca das cenas batismais e eucariacutesticas satildeo comuns tanto ao Atos
canocircnicos como aos apoacutecrifos Somente um exemplar nos AtsPe395
Rufina copia o costume que Paulo tinha de celebrar e repartir a eucaristia
Mas Rufina o faz sem o devido preparo e recebe consequente castigo
costume atestado tambeacutem em AtsPl396 (normalmente depois dos ritos
batismais)
Situada teoricamente a literatura dos Atos passa-se agrave abordagem
dos pressupostos teoacutericos que nortearam a traduccedilatildeo de AtsPe
393 AtsPl Mart I 394 Como modelo de cura estaacute naquela realizada por Pedro e Joatildeo a um
paraliacutetico de nascenccedila que pedia esmola junto a Porta Formosa ndash At 31-11 A
libertaccedilatildeo de Pedro vale como modelo de libertaccedilatildeo de caacutercere ndash At 121-11 O
poder dos Apoacutestolos sobre a natureza aparece na milagrosa salvaccedilatildeo da
tempestade prevista e anunciada por Paulo ndash At 2721ss assim como a cura de
Paulo da mordida mortal da viacutebora ndash At 283-6 Apariccedilotildees tambeacutem satildeo numerosas
no Atos de Lucas a Estevatildeo em 755ss a Paulo em 93-7 a Pedro em 10-15 a
Ananias em 910 a Corneacutelio em 103-6 novamente a Pedro em 1010-15
Vozes do ceacuteu em Atos para Paulo em 94 para Pedro em 1013ss e em 117ss
Sobre castigos divinos temos um casal que tenta enganar os Apoacutestolos Ananias
e Safira em At 51-11 395 AtsPe AV II 396 AtsPl PH IVss
126
Afresco Pesac di Pietro dettaglio (restaurato) Por Tommaso di Ser Giovanni di Simone ou Masaccio ca 1425 Em La Cappella
Brancacci a Santa Maria del Carmine ndash in AAVV (autori vari) Cappelle del Rinascimento a Firenze Firenze Editrice Giusti
1998 Em domiacutenio puacuteblico
127
Pintura Simon Petrus (Cruficaccedilatildeo de)por Michelangelo Merisi da Caravaggio 1600-1601 pintura a oacuteleo sobre tela Cerasi Chapel
Santa Maria del Popola Roma Italia httpwwwibiblioorgwmpaintauthcaravaggiost-peterj
3ordf
CAPIacuteTULO II TRADUCcedilAtildeO E RELIGIAtildeO ndash
PRESSUPOSTOS TEOacuteRICOS
128
ppp ppp
129
CAPIacuteTULO II
TRADUCcedilAtildeO E RELIGIAtildeO ndash PRESSUPOSTOS TEOacuteRICOS
() a conclamada ldquofidelidaderdquo das traduccedilotildees natildeo
eacute um criteacuterio que leva agrave uacutenica traduccedilatildeo aceitaacutevel
() A fidelidade eacute antes a tendecircncia a acreditar
que a traduccedilatildeo eacute sempre possiacutevel se o texto fonte
foi interpretado com apaixonada cumplicidade eacute
o empenho em identificar aquilo que para noacutes eacute
o sentido profundo do texto e eacute a capacidade de
negociar a cada instante a soluccedilatildeo que nos
parece mais justardquo () porque se consultarem
qualquer dicionaacuterio veratildeo que entre os sinocircnimos
de fidelidade natildeo estaacute a palavra exatidatildeo Laacute
estatildeo antes lealdade honestidade respeito
piedade
(Umberto Eco 2007)397
I intentio auctoris intentio operis e intentio lectoris ndash decorrecircncias da tradiccedilatildeo oral
Durante o ano acadecircmico na Universidade de Harvard
anualmente um artista escritor ou teoacuterico humanista eacute convocado para
proferir uma sucessatildeo de seis conferecircncias398 Em 1993 foi escolhido
Umberto Eco Suas palestras ndash Six walks in the fictional woods
discutiram o que eacute texto ficcional O quanto se distancia do texto
histoacuterico399 E o quanto aspectos de leitura expandem nossa percepccedilatildeo
397 ECO Umberto Quase a mesma coisa experiecircncias de traduccedilatildeo Satildeo
Paulo Record 2007 apud resenha GUERINI Andreacuteia 2008 (on-line) lt
httpwwwperiodicosufscbrindexphptraducaoarticle viewFile82387593
gt acessado em 11122012 398 ECO Umberto Seis passeios pelos bosques da ficccedilatildeoSatildeo Paulo
Companhia das Letras 2006 p7 Eacute uma seacuterie de seis conferecircncias ndash Charles
Eliot Norton Lectures Anualmente um erudito de grande conhecimento
humaniacutestico eacute convocado para proferi-las com livre-arbiacutetrio temaacutetico 399 Neste seis discursos Umberto Eco aliando sua vigorosa experiecircncia
acadecircmica ao seu labor romancista suscita mais uma vez a controversa questatildeo
ppp ppp
130
natildeo soacute do mundo ficcional mas tambeacutem da proacutepria realidade O assunto
que literalmente vai de Αἴσωπος (= Esopo) agrave Ian Fleming passa
necessariamente pela a intenccedilatildeo do autor a intenccedilatildeo da obra e a intenccedilatildeo
do leitor
Com uma mobilidade de pensamento o professor de Bolonha entra
na mateacuteria acerca dos primoacuterdios da narrativa para discutir as operaccedilotildees
baacutesicas desempenhadas pelos autores textos e leitores tese corrente em
trabalhos antecedentes cujo aprimoramento do conceito eacute posto nestas
conferecircncias Essa triacuteade ndash intentio auctoris intentio operis e intentio lectoris sugerida por Eco vai inspirar as discussotildees atraveacutes deste
Capiacutetulo II
Eco faz coro ao seu contemporacircneo Italo Calvino que situa o ato
de leitura no centro das atenccedilotildees Sua primeira exposiccedilatildeo eacute uma menccedilatildeo
agraves palestras de Italo que tambeacutem foi convidado para pronunciar suas seis
conferecircncias oito anos antes400 ldquoeu o evoco natildeo apenas como amigo mas
tambeacutem como o autor de Se um viajante numa noite de inverno porque
seu romance diz respeito agrave presenccedila do leitor na histoacuteria e em larga
medida minhas conferecircncias versaratildeo sobre o temardquo401 O leitor passa de
coadjuvante para personagem principal segundo o proacuteprio Italo
menciona
A leitura de um claacutessico deve oferecer-nos alguma
surpresa em relaccedilatildeo agrave imagem que dele tiacutenhamos
Por isso nunca seraacute demais recomendar a leitura
direta dos textos originais evitando o mais possiacutevel
bibliografia criacutetica comentaacuterio interpretaccedilotildees A
escola e a universidade deveriam servir para fazer
entender que nenhum livro que fala de outro livro
do que seria realidade (histoacuterica) daquilo que seria imaginaccedilatildeo ou fantasia autoral
(ficccedilatildeo) onde encontra um raro ponto na incubaccedilatildeo de um pensamento original
dentro de arqueacutetipos coerentes de dimensionar o mundo literaacuterio Sabemos que a
dicotomia verdade-ficccedilatildeo no campo da histoacuteria resta um tanto superada eg
Hayden White que destaca que o passado tem existecircncia na forma que eacute descrito
pelos historiadores do que decorre ser a proacutepria lsquohistoacuteriarsquo uma criaccedilatildeo literaacuteria 400 ECO 2006 opcit p7 lamenta ldquoporeacutem soacute teve tempo de escrever
cinco antes de nos deixarrdquo 401 id ibid
131
diz mais sobre o livro em questatildeo mas fazem de
tudo para que se acredite o contraacuterio402
O complexo ato de leitura de escritos literaacuterios ndash
notadamente os advindos da Antiguidade onde autor leitor e
obra estatildeo apartados espacial e temporalmente e sua
consequente traduccedilatildeo representam um provoco para a
linguiacutestica que acarreta em decorrecircncias sobrepostas A
abordagem ndash religiatildeo e traduccedilatildeo ndash finalizaraacute este Capiacutetulo II
Assim Jouve atenta
Na medida em que cortada de seu contexto a obra
eacute raramente lida como seu autor queria natildeo eacute
loacutegico desistir de ressaltar qualquer intenccedilatildeo
primeira e ver apenas no texto o que se quer ver403
Uma resposta possiacutevel eacute a do teoacuterico alematildeo H R
Jauss que no anseio de natildeo romper com o
objetivismo da histoacuteria literaacuteria propotildee levar em
conta a primeira leitura da obra A uacutenica maneira
de integrar o estudo da recepccedilatildeo agrave histoacuteria literaacuteria
com efeito eacute destacar a leitura dominante na eacutepoca
em que o texto foi escrito lsquoA anaacutelise da
experiecircncia literaacuteria do leitor escaparaacute do
psicologismo que a ameaccedila se para descrever a
recepccedilatildeo da obra e o efeito produzido por essa ele
reconstituir o horizonte de expectativa de seu
primeiro puacuteblicorsquo404
Contudo em que medida o ato de leitura e o movimento
hermenecircutico do tradutor podem sobrecarregar com decorrecircncias
adicionais o subsequente processo tradutoacuterio de escritos sensiacuteveis
originaacuterios das liacutenguas claacutessicas da Antiguidade
Conforme menccedilatildeo da nota introdutoacuteria no Capiacutetulo I a traduccedilatildeo
de AtsPe comentada e anotada estaacute apresentada a partir de ediccedilotildees
criacuteticas revisadas dos diversos fragmentos em cotejo com os fac-siacutemiles
402 CALVINO Italo Por que ler os claacutessicos Satildeo Paulo Companhia das
Letras 2005 p12 403 JOUVE Vicent A leitura Satildeo Paulo UNESP 2002 p25 404 id ibid p27 citando Jauss 1978 p49
132
e comentaacuterios mais antigos Foi mantida a uniformidade nas palavras
mais importantes dos vaacuterios fragmentos gr-lat-cop colocados em
diaacutelogo constante Assim sendo o leitor poderaacute cotejar fraseologia nos
distintos andamentos dos textos inclusive partindo do pressuposto que na
Antiguidade teria sido uma obra una segundo estudos jaacute elencados
Evitou-se ao maacuteximo admissiacutevel o calatildeo claacutessico teoloacutegico ou a mera
transcriccedilatildeo dos termos copto-greco-latinos nesta traduccedilatildeo Estes AtsPe
foram escritos antes do tempo de Constantino conforme buscou-se
demonstrar anteriormente Ou ainda mais bem antes do estabelecimento
da ortodoxia com profundas implicaccedilotildees deste evento jaacute mencionadas
Desta forma o sitz im leben405 (e o primeiro puacuteblico) eacute um
protocristianismo de matizes judaico-cristatildes406 cujo mote eacute remontar a
era formativa dos cristianismos ndash seacuteculos II-III sem as luzes dos
acontecimentos ortodoxos posteriores
Estariacuteamos discutindo no domiacutenio da intentio operis e intentio
auctoris ou como Eco aborda quando trata o enredo da Odisseia os
momentos diversos da voz de Homero e as transformaccedilotildees nestes
muacuteltiplos ldquotemposrdquo em contraste com a discussatildeo dos formalistas russos
sobre os termos fabula e сюжет (= sjuzet)407 normalmente reconhecidos
por histoacuteria e enredo408
Natildeo haveraacute suficiente compreensatildeo de um texto produzido neste
ambiente soacutecio-comunitaacuterio recidivo se natildeo entendermos o que
significou (i) o profetismo antigo e o messianismo poacutes-revolta dos
macabeus (ii) as relaccedilotildees imperiais com a poliacutetica domeacutestica do(s)
Herodes(s) (iii) as seitas judaicas do antigo judaiacutesmo e que
coparticiparam dos cristianismos nascentes em um ou noutro aspecto
405 Expressatildeo dos exegetas alematildees ndash sitz (= lugar assento) im leben (= na
vida) para dizer sobre o lsquocontexto vitalrsquo ou lsquolugar vivencialrsquo (alguns traduzem por
lsquosituaccedilatildeo geratrizrsquo) visa delinear o lugar a ocasiatildeo e os contornos soacutecio-
comunitaacuterios e supra-individuais de quando uma obra foi escrita usada em outras
liacutenguas 406 Estas igrejas mais antigas natildeo eram um cristianismo como o temos mas
um rebento do judaiacutesmo 407 Tambeacutem syuzhet sjuzhet sujet sjužet ou Suzet 408 Remete a ECO Umberto Lector em fabula Satildeo Paulo Perspectiva
1986 pp85-6 onde ldquoFaacutebula eacute o esquema fundamental da narraccedilatildeo a loacutegica das
accedilotildees e a sintaxe das personagens o curso dos eventos ordenado temporalmente
[] O enredo pelo contraacuterio eacute a histoacuteria como de fato eacute contada conforme
aparece na superfiacutecie com suas deslocaccedilotildees temporais saltos para frente e para
traacutes [] descriccedilotildees digressotildees reflexotildees parenteacuteticasrdquo (trad Attilio Cancian)
133
praacutetico ou formativo como os saduceus classe culta dotada de um
conservadorismo simplificador mais aberta ao helenismo (iv) os
essecircnios409 (= piedosos) fonte da piedade e santidade cristatildes escribas por
excelecircncia recolhidos no deserto e em pequenas comunidades
Combatiam a helenizaccedilatildeo da Palestina e deles adveacutem Qumran Eacute o grupo
que mais coparticipou na formaccedilatildeo dos cristianismos mas que
curiosamente mesmo sendo a maioria numeacuterica judaica daqueles dias
ainda assim os Evangelhos e Cartas canocircnicas optam por um inquietante
e sepulcral silecircncio410 de qualquer menccedilatildeo nominal agrave seita ou de algum
representante ou da sua doutrina neopitagoacuterica ou qualquer aspecto da
vida deles (v) zelotes ativistas poliacuteticos contra o domiacutenio de Roma
guerrilheiros adeptos do messianismo (vi) fariseus existem desde
exiacutelio babilocircnico (587 aC) e em maior amplitude empoacutes o advento da
libertaccedilatildeo por Ciro (539 aC) Foram influenciados pelos imaginaacuterios do
zoroastrianismo e dos aramaico-persas Importaram seus ideaacuterios tal qual
se pode hoje distingui-los nos dogmas e doutrinas cristatildes Eram acessiacuteveis
agrave helenizaccedilatildeo praticavam a missatildeo de converter os gentios e detinham a
linguagem legal e juriacutedica judaica411 (vii) a ldquoglobalizaccedilatildeordquo advinda do
envio dos Ἰερουσαλὴν κατοικοῦντες Ἰουδαῖοι412 e de lideranccedilas entre os
helenistas (viii) o advento de Paulo sua formaccedilatildeo e a consequente
doutrina estoica (ix) a γνῶσις e o dualismo que resultaraacute na revelaccedilatildeo
cristatilde
Bultmann insiste em marcar que o sitz im leben natildeo deveria ter a
acepccedilatildeo de um evento histoacuterico ou recorte deste mas como ldquouma situaccedilatildeo
ou maneira de comportamento tiacutepicos dentro da vida de uma
comunidaderdquo413 Ou como ainda Juumlrgen destaca o sitz im leben como
recorrecircncia
409 cf FLAVIUS JOSEPHUS Titus Guerra dos Judeus - Livro I e Livro II
Curitiba Jurua 2002 410 Os estudos no meacutetodo histoacuterico-criacutetico vecircm chamando a atenccedilatildeo muito
recentemente sobre este intrigante silecircncio canocircnico 411 Democircnios e anjos Escatologia e apocalipcismo Existecircncia post-
mortem baseado na lei das recompensas do mal ou do bem 412 At 25 (= Judeus residentes em Jerusaleacutem) helenistas um puacuteblico jaacute
internacionalizado De onde adveacutem Saulo de Tarso Siacuteria (= Paulo) principal
helenista dos cristianismos nascentes e outra da lideranccedila ndash Nicolau de Antioquia
Siacuteria do primeiro coleacutegio diaconal 413 BULTMANN Rudolf Karl Die Geschichte der synoptischen Tradition
Goumlttigen Vandenhoeck amp Ruprecht 1995 p4
134
O ldquolugar vivencialrdquo eacute uma realidade suprapessoal
Todas as pessoas estatildeo acostumadas a existir
dentro de papeacuteis (sic) sociais diversos isto
determina que tambeacutem suas manifestaccedilotildees orais ou
por escrito ligadas a estes papeacuteis (sic) seratildeo
forccedilosamente distintas O produtor do comercial de
televisatildeo p ex servir-se-aacute necessariamente de
outros gecircneros de conversaccedilatildeo caso participe de
uma roda de conversa na sua comunidade O objeto
da pergunta pelo lugar vivencial natildeo eacute a pessoa
que fala como indiviacuteduo e sim a situaccedilatildeo que
caracteriza a fala e a escuta E o que
lamentavelmente eacute esquecido com frequecircncia (sic)
eacute o seguinte esta situaccedilatildeo de fala e escuta soacute
representa um ldquolugar vivencialrdquo na medida em que
eacute institucionalizada e por isso mesmo
fundamentalmente repetitiva sendo a funccedilatildeo de
cada gecircnero precisamente a de possibilitar a
repetitividade () Em razatildeo deste fato uma
situaccedilatildeo uacutenica na qual Jesus porventura tenha
pronunciado uma paraacutebola ou realizado uma cura
ainda natildeo representa um ldquolugar vivencialrdquo
Diferente se daacute com o ensino atraveacutes do qual
professores cristatildeos procuram aplicar a paraacutebola agrave
situaccedilatildeo de suas comunidades ou com a preacutedica
missionaacuteria na qual um missionaacuterio procurava
anunciar o poder de Jesus atraveacutes de um milagre
nestes casos sim podemos falar de ldquolugares
vivenciaisrdquo414
Entretanto excetuando-se alguma obscuridade intencional os
escritos gnoacutesticos e os gnoacutestico-cristatildeos foram coerentes na Antiguidade
natildeo haacute porque com alguma iniciaccedilatildeo preacutevia ao tema natildeo seja coerente
na atualidade
Poreacutem em que medida haveria decorrecircncias tradutoacuterias entre um
lapso de tempo distinguido essencialmente por uma tradiccedilatildeo oral na
Antiguidade e a traduccedilatildeo de um texto provindo do mesmo sitz im leben
eg AtsPe A resposta embora seja manifesta eacute perpassada de sutilezas
414 (itaacutelicos do autor) JUumlRGEN Roloff Neues Testament Verlag
Neukirchener 1999 pp22ss Traduccedilatildeo de WEGNER Uwe Exegese do Novo
Testamento ndash Manual de Metodologia Satildeo Leopoldo Satildeo Paulo Sinodal
Paulus 1998 p172
135
A composiccedilatildeo e redaccedilatildeo dos textos do cristianismo primitivo ndash das
anotaccedilotildees de disciacutepulos ateacute uma redaccedilatildeo final415 ndash podem ter tido um
processo interno difiacutecil de estabelecer Acrescente-se a isto a conhecida
controveacutersia de que tal corpora posterior retratou em grego (liacutengua muito
distinta) somente partir dos anos 70 os λόγια (= ditos) ensinos paraacutebolas
e relatos de histoacuterias milagres viagens κτλ que teriam receacutem saiacutedo ndash
ldquoquentinhasrdquo ndash da boca de Jesus e seus seguidores mais proacuteximos na
dialetal liacutengua aramaica416 ca de 20-30 A densidade cultural do grego
teria jaacute na Antiguidade suscitado dificuldades por esta teoria O dialeto
Aramaico Galileu417 eacute por conseguinte aquele oriundo da regiatildeo de
nascimento criaccedilatildeo da maior parte da vida de Jesus e de seu apostolado
a sua liacutengua nativa Pouco conhecido na literatura rabiacutenica excetuando-
se alguns documentos pessoais e alguma menccedilatildeo no Targuacutemico Galileu
Sempre que os textos cristatildeos mencionam uma palavra natildeo traduzida ou
criam uma entrada lexical418 fazem uso do antigo Aramaico Judeia-
Jerusaleacutem o que reforccedila a ideia de que os ditos e relatos cristatildeos
primitivos foram transmitidos neste dialeto419
415 Pode-se mencionar ainda muitas outras decorrecircncias eg alteraccedilotildees
involuntaacuterias alteraccedilotildees intencionais transmissibilidade dos textos atividade
redacional com repeticcedilotildees interpolaccedilotildees supressotildees adaptaccedilatildeo teoloacutegica
substituiccedilatildeo de termos com fim confessional dos escritos uso de fontes perdidas
uso do material narrativo versus material discursivo na Antiguidade elementos
linguiacutesticos e sintaacuteticos vaacutelidos apenas para as liacutenguas originais formas e
aplicaccedilotildees especiacuteficas na Antiguidade (paradigmas milagres relatos de paixatildeo
ditos profeacuteticos apocalipcismos ditos legais regras comunitaacuterias ditos iniciados
com lsquoeursquo paradoxo paraacutebolas metaacuteforas alegoria doxologias homologias κτλ)
e outras 416 Uma liacutengua de teor popular mais evidente em lugarejos menores
atribuiacuteda a Aram filho de Sem Natildeo haacute registros dos arameus anterior ao seacutec XII
aC Tem-se falado em pelo menos 7 dialetos correntes no seacutec I Do hebraico haacute
pouca evidecircncia de uso neste periacuteodo ateacute porque as palavras natildeo traduzidas nos
Evangelhos satildeo de origem aramaica O hebraico restava na תנך (= Tanakh) e num
restrito ciacuterculo culto 417 OLD ARAMAIC (on-line) lt
httpcal1cnhucedusearchingbasic_concordancehtml gt acessado em
11032012 418 uide Mc 1436 Lc 1038 Jo 1913 At 119 933 Gl 46 κτλ 419 Mel Gibson com o filme A Paixatildeo de Cristo (2004) utilizou-se de falas
aramaicas deste dialeto reconstruiacutedo em parte a partir do aramaico biacuteblico de
Esdras e Daniel (com um vocaacutelico lsquoorsquo auxiliado pelo jesuiacuteta William Fulco
136
Outra questatildeo que ajuda a perceber o ambiente linguiacutestico da
Palestina no seacuteculo I eacute o fato de que esta regiatildeo haacute muito jaacute era corredor
de exportaccedilatildeo e circulaccedilatildeo intensa de pessoas poliacuteticos e administradores
dos impeacuterios da Antiguidade Egiacutepcio Babilocircnico Persa Grego
Romano κτλ Fato que poderia ter tornado esta regiatildeo poliglota420 A
triacuteplice inscriccedilatildeo grndashlatndashheb na cruz do Galileu um campesino do
Mediterracircneo revolucionaacuterio companheiro dos paacuterias da sociedade local
suburbana do Impeacuterio Romano ilustra esta atividade e a necessidade
multilingual No templo o serviccedilo lituacutergico era em hebraico421 nas
sinagogas repousam muitas duacutevidas O aramaico eacute a liacutengua popular e de
caraacuteter mais iacutentimo familiar e mais proeminente nos vilarejos
interioranos422 O grego era a liacutengua internacional vernacular na Palestina
do seacuteculo I E o latim a liacutengua protocolar e juriacutedica do Impeacuterio Romano
Os proacuteprios textos cristatildeos natildeo escondem esta fase de oralidade
preacute-escrita o Evangelho lucano no seu prefaacutecio a menciona Tal menccedilatildeo
Paulo tambeacutem faz diversas vezes423 aludindo ao teor das boas novas
cristatildes de forma ampla conforme 1ordf Epiacutestola aos Coriacutentios
420 LEWIS Paul M (ed) Ethnologue ndash Languages of the World LEWIS
Paul M (ed) Ethnologue ndash Languages of the World 16a ed Dallas SIL
International 2009 (on-line) lt httpwwwethnologuecom gt acessado em
17042010 421 Uma narrativa mencionada em Lc 416-30 eacute particularmente intrigante
Nele diz-se que ldquoJesus levantou-se e leu o rolo da leirdquo Se a liacutengua hebraica
morreu como liacutengua vernacular (para tornar-se liacutengua claacutessica de alta erudiccedilatildeo
rabiacutenica) desde o exiacutelio babilocircnico (seacutecs VI-VII aC) ao ponto do Talmude e
porccedilotildees extensas de Daniel e Esdras terem sido escritas em aramaico aleacutem do
sabido uso amplo dos Targumins (trad da Tanakh hebrarraram) nos seacutecs VI-IV
aC e da prevalecircncia absoluta da LXX (hebrarrgr) teria Jesus lido em hebraico
na Sinagoga Se a maioria das pesquisas tem apontado a atividade de Jesus entre
os miseraacuteveis do seu tempo invisiacuteveis agrave arqueologia e possivelmente analfabetos
como poderia tal leitura ter ocorrido Seria algo do tipo antes da reforma lituacutergica
onde a proclamaccedilatildeo do Evangelho era em latim (decorado) e a homilia em
portuguecircs Ou o uso da LXX estava permeando o judaiacutesmo 422 eg similar ao uso do guarani no Paraguai onde na rua comeacutercio
aulas igreja κτλ usa-se o espanhol mas para o momento iacutentimo da famiacutelia
(normalmente mais interiorana) faz-se uso do guarani fenocircmeno igual ocorre na
maioria das comunidades indiacutegenas 423 Um conjunto de informes anaacutelogos a propoacutesito da preservaccedilatildeo oral
daquelas narrativas se encontra em Paulo Rm 13 834 94-5 153 Gl 31 e 16
44 1Cor 113 e 23 22 1Cor 6710-11 112 e 23-25 1Ts 51-6
137
Tendo pois muitos empreendido pocircr em ordem a
narraccedilatildeo dos fatos que entre noacutes se cumpriram
segundo nos transmitiram os mesmos que as
presenciaram desde o princiacutepio e foram ministros
da palavra pareceu bem tambeacutem a mim escrever 424
Tambeacutem vos notifico irmatildeos o Evangelho que jaacute
vos tenho anunciado o qual tambeacutem recebestes e
no qual tambeacutem permaneceis Pelo qual tambeacutem
sois salvos se o retiverdes tal como vo-lo tenho
anunciado Porque primeiramente entreguei o que
tambeacutem recebi425
Desta etapa os exegetas e tradutores muito pouco tem falado
Devido agrave carecircncia de informes para determinar de modo mais preciso
estas ocorrecircncias Tornou-se aacuterea das suposiccedilotildees arriscadas dos
ldquoestudiosos de plantatildeordquo426 Eacute bastante complexa a reconstruccedilatildeo daquilo
que teria genuinamente sucedido cuja mediatizaccedilatildeo deu-se pelo campo
da oralidade entre o nascimento de Jesus e os anos 50 (precaacuteria atividade
redacional) ou melhor 70 Temos o diaacutelogo com as Antiguidades Cristatildes
de Titus Flavius Josephus (bastante confiaacutevel mas insuficiente) e uma
ponte mais antiga com Qumran esta pressuposto cogente427 para a
traduccedilatildeo de AtsPe ndash texto como demonstramos ser do seacuteculo II
424 Lc 11-2 425 1Cor 15 1-3 426 Na atualidade scholars ligados ao meacutetodo histoacuterico-criacutetico vecircm
alertando para a falta de estudos mais consistentes nestas primeiras deacutecadas dos
cristianismos nascentes cf CROSSAN 1994 opcit Tambeacutem uide id Four
other Gospels Shadows on The Contours of Canon Minneapolis Winston Press
Seabury Books 1985 id The Cross That Spoke The Origins of the Passion
Narrative San Francisco Harper amp Row 1988 427 Trata-se de uma relevante escola judaico-teoloacutegica cuja descoberta
1947 vem surpreendendo o meio acadecircmico dos estudos cristatildeo-judaicos como
chave hermenecircutica para a traduccedilatildeo compreensatildeo de textos do NT e apoacutecrifos ndash
caso de AtsPe eventos histoacutericos e com desdobramentos na proacutepria cultura
mundial ou transnacional Informes advindos das escavaccedilotildees e de historiadores
claacutessicos ndash eg Titus Flavius Josephus פילון האלכסנדרוני (= heb Pilon
harsquoAlexandroni) Gaius Plinius Secundus (= Pliacutenio o Velho) datildeo conta de uma
comunidade jaacute povoada em 700 aC Entretanto enquanto seita essecircnia por volta
de 200 aC eacute que obteve boa estrutura e aparelhamento institucional
Reconstruiacuteda depois do terremoto de 31 aC foi destruiacuteda sem piedade pelos
romanos na invasatildeo de Nero Pouco se sabia sobre ateacute o advento Qumran de 1947
138
Hoje poreacutem determinados aspectos e ditos de personagens como Jesus Paulo e
Joatildeo Batista somente podem ser compreendidos agrave luz dos escritos de Qumran
que no geral circularam de forma sistemaacutetica por volta de 100 aC ou 170 anos
nos textos cristatildeos (i) Um exemplar desta vasta coleccedilatildeo pode ficar sem sentido
ad ӕternum se excluiacutessemos Qumran da sua hermenecircutica eacute Mt 543 ldquoOuvistes
que foi dito Amaraacutes ao teu proacuteximo e odiaraacutes o teu inimigordquo A primeira parte
da afirmaccedilatildeo vem da Torah ndash Lv 1918 A segunda sequer existe no AT mas
adveacutem de um coacutedigo legal e de eacutetica da comunidade de Qumran achado em 1947
ndash Regra da Comunidade ndash ldquoamar os filhos da luz e odiar os filhos das trevasrdquo ou
seja os gentios que rendeu o oacutedio de certos romanos (especialmente das legiotildees
de Nero) que acusaram os essecircnios ldquode detestar a raccedila humana lsquoodium generis
mundirsquo cf CHAMPLIN Russell Norman O Novo Testamento Interpretado
vol I Satildeo Paulo Candeia 1998 p317 (ii) Quem for a Qumran na hoje jaacute na
recepccedilatildeo assiste um curta-metragem que noticia que um personagem passou por
aquela comunidade mas restou banido por natildeo inadaptaccedilatildeo - Joatildeo Batista de
quem traccedilos costumes e a radicalidade da sua pregaccedilatildeo parecem natildeo negar a
origem (iii) cf EISENMAN Robert H WISE Michael Manoscritti segreti
di Qumran Edizione italiana a cura di Elio Jucci Piemme Asti 1994 que aborda
estes textos de Qumran colocando Tiago ldquoo irmatildeo do Senhorrdquo (cf At 1217 1513
Gl 119 et alii) no cargo mais elevado de lsquoMestre da Justiccedilarsquo desta comunidade
e que derivaria no embate entre a corrente de Tiago irmatildeo do Senhor e a do
Apoacutestolo das Gentes Aponta que teriacuteamos um outro ldquoJesusrdquo e um outro
ldquoEvangelhordquo se a corrente de Tiago tivesse vencido na ortodoxia (iv) Tambeacutem
em 1991 Eisenman (id ibid) causa grande polecircmica com divulgaccedilatildeo incomum e
precoce ao arrepio do comitecirc do ms 4Q285 (parcialmente corrompido) que trata
da pena capital aplicada a um Messias que segundo ele seria Jesus motivo da
natildeo exposiccedilatildeo puacuteblica deste mss Eacute uma passagem acerca de um certo que
ldquoMessias foi assassinadordquo ou que ldquoassassinourdquo Este escrito potencializa a
polecircmica pelas multiacuteplices traduccedilotildees cabiacuteveis ldquoE esses assassinaram [pass] (ou
assassinaratildeo) [fut] o priacutencipe da comunidade o reben[to de Davi]rdquo ou ainda ldquoO
priacutencipe da comunidade o mataraacute [fut] (ou o matou) [pass]rdquo ou tambeacutem ldquoO
priacutencipe da comunidade o rebento de Davi o mataraacute (ou ldquomataraacute o iacutempio)rdquo
(v) o paralelismo de vocaacutebulos juriacutedicos e de celebraccedilatildeo de Qumran contrastado
escritos do NT resta inegaacutevel Calotildees teoloacutegicos como ldquoos muitosrdquo ou ainda
ldquomaioriardquo de At 1512 2Cor 25-6 e nas narrativas eucariacutesticas de Mt 2627-28
Mc 1423-24 Lc 2220 Termos inexistentes na literatura rabiacutenica contemporacircnea
ao NT associam-no imediatamente a Qumran ldquoa sorte dos santosrdquo ldquojusticcedila de
Deusrdquo ldquoo Senhor do ceacuteu e da terrardquo ldquopobres em espiacuteritordquo ldquoIgrejardquo como
ldquoAssembleia de Deusrdquo ldquoele seraacute chamado Filho de Deusrdquo (Lc 135-37) ldquoobras
da leirdquo o contorno de Melquisedeque tal como retratado em Hb o mote de Paulo
acerca da ldquojustificaccedilatildeo pela feacuterdquo (cf Gl 216 Rm 321-24 et alii) ldquoo misteacuterio da
iniquidaderdquo (2Ts 27) κτλ (vi) cf VANDERKAM James C Manoscritti del
Mar Morto Il dibattito recente oltre le polemiche Cittagrave Nuova Roma 1997 (agrave
eacutepoca da publicaccedilatildeo era membro direto do grupo responsaacutevel pela traduccedilatildeo e
139
As pesquisas comeccedilam a delinear melhor o caminho a partir do
comeccedilo do fim da oralidade com o surgimento dos λόγια (= ditos) e as
versotildees proto (= embrionaacuterias) dos evangelhos428 e outras pequenas
retenccedilotildees preacute-escritas fruto de anotaccedilotildees acidentais e corriqueiras de
disciacutepulos e observadores e que hoje restam perdidas Estas satildeo
intermediaacuterias entre a tradiccedilatildeo oral e a tradiccedilatildeo escrita sinoacutetica
igualmente entre a oralidade e a corpora paulina E das quais o Evangelho
lucano daacute conta cf a iacutendole textual de Mc e Lc com a menccedilatildeo de
ocorrecircncias concretas
A criacutetica textual (= ecdoacutetica)429 tambeacutem tem possibilitado perceber
que toda esta corpora cristatilde (incluso os sinoacuteticos) natildeo foi produzida a um
soacute focirclego Estas fases de oralidade de escrita pragmaacutetica e de composiccedilatildeo
redacional reelaboram as anotaccedilotildees intermediaacuterias que datildeo origem as
primeiras versotildees dos principais textos cristatildeos Tambeacutem deposita
detalhes astutos para a traduccedilatildeo acompanhados do aviso de que natildeo se
pode traduzir os textos cristatildeos como unitaacuterios nem as expressotildees com
acepccedilotildees univalentes Talvez um erro crucial de muitos tradutores e
exegetas cristatildeos eacute o de natildeo abandonar a ideia da Biacuteblia como um texto
uacutenico fazendo parecer que a integridade autenticidade autoral e
comprometimento historiograacutefico do texto estatildeo depositados linearmente
na tradiccedilatildeo oral nas variantes das versotildees proto ateacute a escrita redacional
definitiva
publicaccedilatildeo dos mss) temos o curioso episoacutedio de John Allegro um inglecircs ateiacutesta
que participou como um dos pesquisadores de Qumran Afastou-se da pesquisa
com graves revelaccedilotildees contra a lideranccedila dizendo que estariam sendo escondidos
mss da Gruta 4 cujo teor poderia prejudicar o Cristianismo e que cf Allegro
existia uma forte oposiccedilatildeo do Vaticano para natildeo viessem a puacuteblico Allegro
afirma que nestes mss as origens do Cristianismo eram atribuiacutedas agraves decorrecircncias
do uso de um alucinoacutegeno ou como defende Baacuterbara A Thiering para quem
Joatildeo Batista como um lsquoMestre da Justiccedilarsquo 428 (i) Um possiacutevel Proto Ev de Tomeacute em Jerusaleacutem com a influecircncia de
Tiago e cuja comunidade que a compocircs migrou posteriormente para Edessa Siacuteria
cf DAVIES apud CROSSAN John Dominic Four other Gospels Shadows on
The Contours of Canon Minneapolis Winston Press Seabury Books 1985
p465 (ii) O frg do Ev de Egerton um uacutenico registro com linhas 87 danificadas
cf a tese doutoramento em Claremont Graduate School de DANIELS Jon B The
Egerton Gospel Its Place in Early Christianity Ann Arbor University
Microfilms Internacional 1989 pp12-16 429 A escola mais aceita na atualidade seguem os estudos literaacuterios para o
ATNT de WERNER Udo METZGER Bruce Manning BERGER Klaus et
alii
140
Dentro desta problemaacutetica nota-se que os quatro Evangelhos
canocircnicos (Mt Mc Lc e Jo nesta sequecircncia) tecircm o seu testimunium mais
fidedigno e antigo (por ambos juiacutezos criacuteticos) tatildeo-soacute em Εἰρηναῖος (=
Irinӕus) bispo de Lyon Gaacutelia (ca 190) Originaacuterio da Aacutesia Menor na
mocidade foi ouvinte do bispo Πολύκαρπος (= Policarpo430 de Esmirna)
da corrente joanina escritor da Carta das Igrejas de Viena e Lyon431 Seus
subsiacutedios satildeo fiaacuteveis basicamente porque provecircm diretamente das suas
proacuteprias obras sendo que ateacute Eusebius Pamphili (de Cesareia) ndash HE as
recolhe de laacute inuacutemeros fragmentos em siriacuteaco e em grego432 demonstram
que ele era um autor muito lido
No entanto antes disso dispomos de tiacutetulos em P e alguns frgg
das versotildees proto intracanocircnicas Outro bispo Παπίας Ἱεραπόλεως ou ὁ
Ἱεραπολίτης (Papias de Hieraacutepolis Friacutegia ca 130-dagger140) companheiro
de Πολύκαρπος (= Policarpo de Esmirna) e disciacutepulo de Joatildeo o apoacutestolo
escreveu a Explicaccedilatildeo das Sentenccedilas do Senhor da qual restaram 13 frgg
mas conservada por Εἰρηναῖος e Eusebius433 Papias soacute menciona Mt-Mc
apesar de estar haacute algumas deacutecadas do apostolado original o que poderia
tornaacute-lo uma fonte bastante confiaacutevel Contudo seus informes
apresentam subsiacutedios obscuros e um tanto dessemelhantes Refere-se na
sua obra ao Evangelho de Mateus como uma espeacutecie de λόγια (= ditos)434
430 Traduccedilatildeo nossa registrada nos Anais da XXII Semana de Estudos
Claacutessicos ndash Cultura Claacutessica inter-relaccedilotildees e permanecircncia ndash Sociedade Brasileira
de Estudos Claacutessicos SBEC Anaacutelise Criacutetica-Literaacuteria e Traduccedilatildeo da lsquoCarta
Circular da Igreja de Esmirna Sobre o Martiacuterio de Satildeo Policarporsquo a mais antiga
narrativa do gecircnero 2008 opcit pp214-27 Uma versatildeo foi apresentada
atraveacutes de uma mesa redonda no I Simpoacutesio Antigos e Modernos ndash UFPR
Encruzilhadas entre histoacuteria e literatura 04122007 e retrabalhada
posteriormente 431 Traduccedilatildeo grrarrpt Anaacutelise Criacutetico-Literaacuteria e Traduccedilatildeo da lsquoCarta
das Igrejas de Viena e Liatildeorsquo ndash Entre as mais Antigas Atas de Maacutertires Relato
de ca 50 martiacuterios nestas cidades Esta carta em gr sob forma de circular foi
enviada da Gaacutelia agraves igrejas da Aacutesia e Friacutegia sobre a perseguiccedilatildeo ocorrida em
Lyon (177) estaacute conservada da HE de Eusebius Constitui admiraacutevel documento
do espiacuterito dos antigos maacutertires transcende em importacircncia razatildeo pela qual se
procura demonstrar que nenhum estudo da Igreja pode ser completo sem a
discussatildeo das Atas dos primeiros maacutertires Apresentado no II Simpoacutesio de
Antigos e Modernos ndash UFPR 07112008 publicada nos anais (on-line) 432 DPCA-pt 2002 p716 433 id ibid p1087 434 CROSSAN 1994 opcit pp465-69 Com similitude ao Proto Ev de
Tomeacute Ev das Sentenccedilas Q κτλ
141
em aram diferentemente do que temos uma narrativa ao estilo judaico
com muitos elementos da midrash e com indiacutecios de uma produccedilatildeo
biliacutengual e simultacircnea de matildeo dupla grharraram particularmente devido
ao uso da sintaxe hebraica (hebrarraram) assimilada no aram da Judeia
ndash παράταξις semiacutetica
No tocante ao Evangelho de Marcos tal o conhecemos apresenta-
se como uma narrativa de bom niacutevel de estruturaccedilatildeo textual sem lapsos
temporais inconsistecircncias no texto ou outro tipo de conflito interno Mas
Papias descreve-o como sendo do assistente-inteacuterprete de Pedro
(apoacutestolo) durante suas pregaccedilotildees em Roma e que suas notas foram
produzidas ldquode forma desarranjadardquo435 Natildeo parece loacutegico que um
colaborador tatildeo proacuteximo se refira ao seu mestre com esta precariedade O
que percebemos eacute que Marcos cria ateacute alguma resistecircncia a figura de
Pedro e ao coleacutegio apostolar Pedro no texto canocircnico de Marcos eacute
descrito como um ldquovacilanterdquo436 como quem nega e os apoacutestolos como
ldquocovardesrdquo437 Tal texto sequer faz qualquer menccedilatildeo a famosa cena
plaacutestica em que Cristo promete as ldquochaves do ceacuteurdquo438 Eacute bem provaacutevel
que o final longo seja uma interpolaccedilatildeo439 Deste modo o informe de
Papias nos resta um tanto inconsistente (hipoacutetese precaacuteria) ou Mt e Mc
estavam em fase de redaccedilatildeo intermediaacuteria bastante diferente do que os
temos hoje
De qualquer forma o que pacifica pelo menos parcialmente esta
demanda eacute a abundacircncia de αὐτόπται (= testemunhas oculares) e que
tendo convivido por muito tempo com a comunicaccedilatildeo e difusatildeo dos λόγοι
(= discursos) narrativas de milagres paraacutebolas regras comunitaacuterias
homologias doxologias κτλ puderam mesmo que parcialmente
acompanhar tal processo histoacuterico-transmissivo oferecendo atestaccedilatildeo
muacuteltipla A comunidade anocircnima conquanto molde tais memoacuterias natildeo
as concebe e assim o ato de transmitir estaacute mais ligado aos indiviacuteduos
diretamente alcanccedilados pelos eventos palavras ou accedilotildees desta tradiccedilatildeo o
que tambeacutem favorece a constacircncia deste processo
435 DPCA-pt 2002 p1087 436 Mc 1466ss 832ss 1437 e outros 437 Mc 440 438 Mt 1619 439 Mc 169-20
142
II A distacircncia temporal de uma liacutengua claacutessica ndash Constitutivos literaacuterios pela siacutentese de liacutenguas e tradiccedilotildees
A linguiacutestica contemporacircnea daacute conta de que as liacutenguas evoluem e
se modificam440 Poreacutem quando laboramos tradutoriamente numa
distacircncia temporal maior que alguns seacuteculos441 no caso de traduccedilotildees
claacutessicas e biacuteblicas percebe-se uma tendecircncia de precarizar e elastecer
esta perspectiva diacrocircnica da liacutengua inclusive ateacute no proacuteprio uso dos
materiais leacutexicos thessaurus e gramaacuteticas (vitais ao resultado
tradutoacuterio)442
440 ldquo() natildeo haacute liacutengua que permaneccedila uniforme Todas as liacutenguas mudam
Esta eacute uma das poucas verdades indiscutiacuteveis em relaccedilatildeo agraves liacutenguas sobre a qual
natildeo pode haver nenhuma duacutevidardquo (itaacutelicos do autor) POSSENTI Siacuterio Por que
(natildeo) ensinar gramaacutetica na escola 7ordf reimpr Campinas Mercado das Letras
1997 p38 mdashmdash uide obviamente as velocidades natildeo satildeo iguais apartada
alguma discussatildeo estruturalista e antropoloacutegica para uma anaacutelise imanente sem
comparaccedilatildeo umas com as outras mdashmdash eg a liacutengua francesa tem sido um
exemplar raro de liacutengua romacircnica com alguma resistecircncia a variaccedilatildeo diacrocircnica
de registro linguiacutestico ndash morfoloacutegico semacircntico lexical κτλ visto aqui pelo
conceito da linguiacutestica de variaccedilatildeo histoacuterica que compara dois estados de liacutengua
onde a liacutengua francesa tematiza uma ldquolutardquo contra (i) a fragmentaccedilatildeo do corpo
linguiacutestico (preocupaccedilatildeo com a ldquopureza da liacutenguardquo o orgulho de ter a mesma
gramaacutetica por longo tempo κτλ) (ii) quanto estigmatizaccedilatildeo de formas
vernaculares faladas (preocupaccedilatildeo com a ldquoqualidade da liacutenguardquo) cuja sua forma
atual reflete muito a ideologia da Revoluccedilatildeo Francesa (aspiraccedilatildeo de unidade da I
Repuacuteblica) desencorajando outros dialetos (ou patois) com instruccedilatildeo puacuteblica
obrigatoacuteria responsaacutevel pela uniformizaccedilatildeo da forma escrita uso preeminente na
diplomacia assuntos internacionais e como liacutengua franca das classes dirigentes e
educadas da Europa Enfim nota-se que uma variante restrita a um grupo inicial
e menor se expande mais lentamente comparada a outras liacutenguas (eg
anglicizaccedilatildeo) para um grupo socioeconocircmico mais expressivo Ou seja a forma
mais antiga resiste um pouco mais natildeo apenas nas geraccedilotildees mais velhas mas nas
gramaacuteticas normativas na menor quantidade comparativa (com outras liacutenguas)
de novas variantes que surgem mesmo diastraacuteticas e que sofrem maior
resistecircncia para se consagrarem no uso da modalidade escrita ou de significado
Mas eacute um exemplar muito peculiar 441 Modernos tradutores das liacutenguas claacutessicas tecircm aguccedilado o olhar para este
problema 442 Ainda eacute corriqueiro traduzir-se de Homero a Eusebius (caso do gr) com
o mesmo Lidell Scott Bailly Montanaro Chantraine Freire Goodwin κτλ
143
Sabemos da atraccedilatildeo inevitaacutevel pelos grandes claacutessicos da
lexicografia greco-latina e dos manuais de gramaacuteticas que satildeo de elevado
valor e jamais devem faltar a uma traduccedilatildeo No entanto materiais
direcionados e especiacuteficos por autor vecircm ocupando seu lugar na traduccedilatildeo
de textos do ambiente cristatildeo do seacuteculos I-III particularmente por uma
atiacutepica siacutentese de liacutenguas culturas mitos e tradiccedilotildees segundo teoria a ser
exposta infra Apesar de que atualmente estejam se tornando acessiacuteveis
ainda funcionavam como uma espeacutecie de ldquoapoacutecrifosrdquo443 Conquanto tal
mote pareccedila inequiacutevoco ao mundo dos tradutores modernos e de obras
mais recentes faz-se necessaacuterio ilustrar o que pode significar como
desafio tradutoacuterio eg num intervalo de quinhentos anos de uma liacutengua
dinacircmica por isso nos servimos de um exemplar em liacutengua nativa Trata-
se do mais primitivo documento escrito em pt no Brasil haacute quinhentos e
quatorze anos O repto consiste numa leitura inteligiacutevel de poucas linhas
sem a consulta na nota de traduccedilatildeo da Carta de Pero Vaz de Caminha de
01 de maio de 1500 ao El Reigrave de Portugal D Manuel em ortografia
original444 sem consulta a traduccedilatildeo445 No projeto tradutoacuterio de AtsPe foi
443 Pode-se mencionar eg (gr) The Patristic Greek Lexicon de Lampe
(1961) A Grammar of Septuagint Greek de Conybeare (reed 2004) Gramaacutetica
de Grego de M Alexandre Jr A Greek-English Lexicon of the New Testament
and Other Early Christian Literature de Bauer Estudos do vocabulaacuterio do Novo
Testamento de Metzger Pinto κτλ 444 ldquoSnotilder posto que o capitam moor desta vossa frota e asy os outros
capitaatildees screpuam a vossa alteza a noua do acha mento desta vossa terra noua
que se ora neesta naue gaccedilom achou nom leixarey tambem de dar disso minha
comta a vossa alteza asy como eu milhor poder ajmda que pera o bem contar e
falar o saiba pior que todos fazer pero tome vossa alteza minha jnoramccedilia por
boa comtade a qual bem ccedilerto crea que por afremosentar nem afear aja aquy de
poer ma is ca aquilo que vy e me pareccedileo da marinha jem e simgraduras do
caminho notilde darey aquy cotilde ta a vossa alteza porque o nom saberey fazer e os
pilotos deuem teer ese cuidado e por tamto Snotilder do que ey de falar comeccedilo e
diguordquo Copiada seguindo a mesma marcaccedilatildeo de linhas e paraacutegrafos do original
que existe no Arquivo Nacional da Torre do Tombo ndash Portugal gav8 maccedil2 n8
cf Biblioteca Nacional de Portugal (on-line) lt
httppurlptindexgeralPTindexhtml gt e lt
httpuploadwikimediaorgwikipediacommons111Carta-caminhapng gt
acessado em 05022011 445 Traduccedilatildeo literal ptantrarrptbr NUPILL ndash Nuacutecleo de Pesquisas em
Informaacutetica Literatura e Linguiacutestica LCC Publicaccedilotildees Eletrocircnicas 2010 p1
ldquoSenhor posto que o Capitatildeo-mor desta Vossa frota e assim os outros capitatildees
escrevam a Vossa Alteza a notiacutecia do achamento desta Vossa terra nova que se
agora nesta navegaccedilatildeo achou natildeo deixarei de tambeacutem dar disso minha conta a
144
assumida a precauccedilatildeo de guiar-nos tanto quanto foi possiacutevel por este
norte usando materiais e referenciais do mesmo gecircnero na dataccedilatildeo que
procuramos defender anteriormente
Outra demanda que se tem ouvido de discentes de grego latim e
hebraico eacute o quanto sofre de influecircncia semiacutetica (hebrarrgrharraram) a
liacutengua do NT Assim se referem porque normalmente pensam no texto
hebraico do AT ndash ou pensam ldquopensarrdquo nas categorias hebraicas
exclusivamente para o AT Esta influecircncia se existiu conforme
ambicionamos evidenciar tem caraacuteter constitucional no procedimento
tradutoacuterio de AtsPe pois deriva do nuacutecleo desta atmosfera
multilinguiacutestico-cultural Do mesmo modo alvitramos ilustrar este
aspecto com o escopo despertar a vigilacircncia na traduccedilatildeo de escritos
advindos de uma conjuntura tanto multifacetaacuteria quanto complexa A
provocaccedilatildeo eacute usar o texto da Genealogia446 de Jesus citada no Evangelho da comunidade mateana
1 Livro da geraccedilatildeo de Jesus Cristo Filho de Davi
Filho de Abraatildeo 2 Abraatildeo gerou a Isaque e Isaque gerou a Jacoacute e
Jacoacute gerou a Judaacute e a seus irmatildeos 3 e Judaacute gerou de Tamar a Perez e a Zeraacute e Perez
gerou a Esrom e Esrom gerou a Aratildeo 4 Aratildeo gerou a Aminadabe e Aminadabe gerou a
Naassom e Naassom gerou a Salmom 5 e Salmom gerou de Raabe a Boaz e Boaz gerou
de Rute a Obede e Obede gerou a Jesseacute 6 Jesseacute gerou ao rei Davi e o rei Davi gerou a
Salomatildeo da que foi mulher de Urias
Vossa Alteza assim como eu melhor puder ainda que ndash para o bem contar e falar
ndash o saiba pior que todos fazer Todavia tome Vossa Alteza minha ignoracircncia por
boa vontade a qual bem certo creia que para aformosentar nem afear aqui natildeo
haacute de pocircr mais do que aquilo que vi e me pareceu Da marinhagem e das
singraduras do caminho natildeo darei aqui conta a Vossa Alteza ndash porque o natildeo
saberei fazer ndash e os pilotos devem ter este cuidado E portanto Senhor do que
hei de falar comeccedilo E digo quecircrdquo 446 cf Lv 2510 os judeus guardavam suas genealogias com zelo porque a
cada 50 anos as terras retornavam aos seus donos originais Pessoas sem
genealogia comprovada eram tidos como forasteiros sem direito agrave posse Eram
feitas de forma suficientemente seacuteria ateacute quando Nero (70) destruiu e templo e
queimou ldquoos livros das genealogiasrdquo conforme STAMBAUGH BALCH 1996
opcit p101
145
7 Salomatildeo gerou a Roboatildeo e Roboatildeo gerou a
Abias e Abias gerou a Asa 8 e Asa gerou a Josafaacute e Josafaacute gerou a Joratildeo e
Joratildeo gerou a Uzias 9 e Uzias gerou a Jotatildeo e Jotatildeo gerou a Acaz e
Acaz gerou a Ezequias 10 Ezequias gerou a Manasses e Manasses gerou a
Amom e Amom gerou a Josias 11 e Josias gerou a Jeconias e a seus irmatildeos na
deportaccedilatildeo para a Babilocircnia 12 E depois da deportaccedilatildeo para a Babilocircnia
Jeconias gerou a Salatiel e Salatiel gerou a
Zorobabel 13 e Zorobabel gerou a Abiuacutede e Abiuacutede gerou a
Eliaquim e Eliaquim gerou a Azor 14 e Azor gerou a Sadoque e Sadoque gerou a
Aquim e Aquim gerou a Eliuacutede 15 e Eliuacutede gerou a Eleazar e Eleazar gerou a Matatilde
e Matatilde gerou a Jacoacute 16 e Jacoacute gerou a Joseacute marido de Maria da qual
nasceu JESUS que se chama o Cristo 17 De sorte que todas as geraccedilotildees desde Abraatildeo ateacute
Davi satildeo catorze geraccedilotildees e desde Davi ateacute a
deportaccedilatildeo para a Babilocircnia catorze geraccedilotildees e
desde a deportaccedilatildeo para a Babilocircnia ateacute Cristo
catorze geraccedilotildees447
A traduccedilatildeo desta periacutecope comparada a Lucas eacute diferente Aleacutem de
diferenccedilas com outros textos eg 1Cr 311-12 (LXX) fala que ldquoJoratildeo de
que foi filho Acaziasrdquo enquanto Mt fala 18 ldquoJoratildeo gerou a Uziasrdquo ou
que Mt 117 menciona que ldquodesde a deportaccedilatildeo para a Babilocircnia ateacute
Cristo catorze geraccedilotildeesrdquo no entanto bastaria contar e temos treze nomes
ndash seriam treze ou quatorze geraccedilotildees A menccedilatildeo incomum de quatro
mulheres (uma prostituta outra estrangeira uma mulher com a psique
afetada devido a um estrupo e outra aduacuteltera famosa sequer nominada)
chama bastante agrave atenccedilatildeo ndash na linhagem consanguiacutenea de reis patriarcas
profetas sacerdotes e do proacuteprio Messias Normalmente os exegetas tecircm
447 De acordo com Mt 11-17 (BJ grifo nosso) que difere completamente
da Genealogia de Jesus no Ev de Lucas 323-38
146
fornecido um nuacutemero significativo de soluccedilotildees eg a possibilidade da
genealogia lucana ser materna e a mateana paterna
Mas soluccedilatildeo resta simples As geraccedilotildees dividem-se de Abraatildeo ateacute
Davi contam-se catorze (14) geraccedilotildees do rei Davi ateacute o advento do exiacutelio
babilocircnico mais catorze (+14) geraccedilotildees e do exiacutelio babilocircnico ateacute Jesus
mais catorze (+14) geraccedilotildees O somatoacuterio todas as geraccedilotildees (=42) Ora o
epiacuteteto mencionado no iniacutecio do texto em 11 ndash ldquoFilho de Davirdquo diz do
seu messianismo consubstancia esta posiccedilatildeo de בן דוד ndash Ben-David da
sua heranccedila sacerdotal e ao ldquotrono de Davirdquo A outra antonomaacutesia ndash
ldquoFilho de Abraatildeordquo fala da sua raccedila judaica
No hebraico as letras tambeacutem satildeo utilizadas como nuacutemeros o
mesmo sucede no grego latim ou tantas liacutenguas antigas Disto decorre o
estudo loacutegico do talmude judaico com mishnah448 e a guemara449 Isto
porque דוד (= David) eacute a exata soma de D+V+D ou seja 4+6+4=14 um
triacuteplice בן דוד ndash ldquoFilho de Davirdquo utilizando-se da sabedoria judaica da
mishnah e guemara construiu-se uma midrash como um ensino
catequeacutetico Mt tem cinco sermotildees (o novo Moiseacutes da nova lei) para uma
ligaccedilatildeo direta com os cinco livros da Torah (lei antiga) e com os cinco
rolos da Liturgia judaica para as festas judaicas de Peshah Purim Sucot
Quedajer e Pentecostes κτλ
Afora estas questotildees resta nesta periacutecope do Evangelho mateano
um exemplar curioso e relevante para os estudos que acostam traduccedilatildeo e
tradiccedilatildeo biacuteblica em escritos provindos desta regiatildeo e eacutepoca como eacute AtsPe
Tatildeo mais faacutecil e inteligiacutevel seria para o leitor se o tradutor de
textos deste ambiente cristatildeo multifacetaacuterio se despojasse da sua
ideologia e dogmaacutetica teoloacutegica para dizer com simplicidade apenas o que
os textos querem dizer No entanto no arqueacutetipo referido houve a gecircnese
de uma tradiccedilatildeo de tradutores desta periacutecope que elegeram absoluta
ausecircncia de coerecircncia histoacuterica textual e ateacute numeacuterica (eg afirmando
ldquoquatorze geraccedilotildeesrdquo para apenas treze nomes mencionados) usando uma
opccedilatildeo tradutoacuteria ldquoad verbumrdquo450 a admitir a presenccedila de um midrash no
Evangelho de Mateus e que o judaiacutesmo desabrolha no Evangelho Os
eacute a (estudar = המש derivativo = repetir repeticcedilatildeo do verbo) המשנ 448
principal obra abaixo da Torah produzida a partir da sabedoria milenar oral do
judeus 449 A guemara deriva-se do aram גמרא ndash gamar (= estudar uma tradiccedilatildeo)
eacute uma a parte que interpreta a mishnah com anaacutelises loacutegicas feita por rabinos 450 Termo de traduccedilatildeo cunhado por Hieronymus seacutec IV que diz que as
Escrituras Sagradas ldquoencerram misteacuterio na ordem das palavrasrdquo e se traduz
palavra-a-palavra sem a preocupaccedilatildeo primeira com o sentido
147
caminhos satildeo muitos mas as intenccedilotildees permanecem as mesmas que
digam as traduccedilotildees do Cacircntico dos Cacircnticos ldquode Salomatildeordquo cuja criaccedilatildeo
resta usurpada de uma mulher pelo patriarcalismo religioso ndash bastariam
os primeiros e os derradeiros versos cf trade ou
Vocaacutebulos semiacuteticos hebndasharam sobejam no gr κοινή
multifacetaacuterio de AtsPe451 Μεσσίας ῥαββονί ἀμήν μαμωνᾶς
ἀλληλούϊα Κηφᾶς Μαρίαν Ἀββᾶ σατανᾶς Ἰωσήφ Γαβριήλ κτλ Sem
contar os inuacutemeros vocaacutebulos gr com notaacutevel alteraccedilatildeo semacircntica
quando no ambiente multifacetaacuterio semiacutetico eg σάρξ (no gr claacutessico-
κοινή carne rarr no ambiente multifacetaacuterio de AtsPe natureza humana
corrompida) θάλασσα (mar de aacutegua salgada rarr lago respectivamente)
e desta forma ἀνάθεμα (inscriccedilatildeo comemorativa oferenda volitiva rarr
objeto de maldiccedilatildeo) καί (e tambeacutem rarr aparece as vezes com ideia de
retorno) δαιμονίον (poder divino divindaderarranjo rebelado democircnio)
ῥῆμα (dito palavra rarr obra acontecimento fato empresa) εἴδωλον
(imagem simulacro rarr falso deus) ἀδελφός (irmatildeo consanguiacuteneo rarr todo o pertencente agrave estirpe humana compatriota da mesma tribo
parente proacuteximo correligionaacuterio) ἐρωτάω (interrogar rarr pedir) Ἕλλην
(grego originaacuterio da Heacutelade rarr gentio cristatildeo natildeo judeu cristatildeo de
origem pagatilde) κοινός (comum rarr imundo impuro) e assim em diante
somente para ilustrar Haacute uma extensa lista frases gr cuja acepccedilatildeo sofre
alteraccedilatildeo importante ἄρτους κλάν εἴς τινας (dar de comer) ποιεῖν κράτος
(demonstrar poder) ποιεῖν ἔλεος (exercitar a caridade praticar atos de
misericoacuterdia) οἱ ποιηταὶ τοῦ νόμου (indiviacuteduos que observam a lei) ἄρτον φαγεῖν (comer) ἐκ κοιλίας μητρός (desde o nascimento) somente
para exemplificar algumas
Cabe tambeacutem mencionar uma grande quantidade de elementos
semiacuteticos hebndasharam na sintaxe do texto de AtsPe resultado tambeacutem
deste particular ambiente plurissociolinguiacutestico
Dito do ambiente linguiacutestico multifacetaacuterio e de arraigada tradiccedilatildeo
de traduccedilatildeo biacuteblica que na atualidade lida com censuras podemos
ensartar os estudos acerca da traduccedilatildeo e o estado de liacutengua usado em
451 Esta lista de exemplares resulta do estudo comparativo nos verbetes gr
mencionados em Lidell Scott Bailly Montanaro Chantraine Freire Goodwin
opcit(s) ainda The Patristic Greek Lexicon de Lampe (1961) A Grammar of
Septuagint Greek de Conybeare (reed 2004) Gramaacutetica de Grego de M
Alexandre Jr A Greek-English Lexicon of the New Testament and Other Early
Christian Literature de Bauer Estudos do vocabulaacuterio do Novo Testamento de
Metzger Pinto
148
AtsPe alcanccedilando outros escritos do ambiente cristatildeo Tal apreciaccedilatildeo
criacutetica daacute-se no seguinte formato
(i) de anaacutelise linguiacutestica (gr vernacular gr literaacuterio e um gr
com forte carga semiacutetica presentes na maioria dos textos
cristatildeos judaico-cristatildeos ou nos gnoacutestico-cristatildeos)
(ii) a diferenciaccedilatildeo de sintaxe e estilo
(iii) um vocabulaacuterio compartilhado com LXX e reinterpretado
a partir do gr vernacular e do aram O esquema abaixo
ilustraraacute esta questatildeo multifacetaacuteria da liacutengua nos textos
cristatildeos dos seacuteculos I-III com mais clareza Trata-se de
uma releitura a partir dos informes anteriores do esquema
de Wallace452 mas cuja proposta eacute diversa e bastante
simplificada e natildeo alcanccedila elementos essenciais como a
ldquoheacutelicerdquo central nem os subsiacutedios inferentes importantes
nem ainda a superposiccedilatildeo maacutexima em muacuteltiplas camadas
das liacutenguas culturas mitos e tradiccedilotildees (centro do
triangulo e da heacutelice) lugar vivencial sociolinguiacutestico
onde se situa precisamente o AtsPe e para onde mira esta
representaccedilatildeo conforme agora intenta-se demonstrar
452 Representa graficamente o cruzamento de
todas as influecircncias multifacetaacuterias sobre a liacutengua do
NT e dos apoacutecrifos Esta ilustraccedilatildeo eacute um
desenvolvimento um construir sobre a partir do
graacutefico baacutesico feito com outra concepccedilatildeo por cf
WALLACE Daniel B EDWARDS Grant A
Workbook for New Testament Syntax Companion to
Basics of New Testament Syntax and Greek Grammar
Beyond the Basics Grand Rapids Zondervan 2007
pp222ss Este natildeo considerou a importacircncia do
aramaico (renunciou como irrelevante) a influecircncia
persa poacutes-exiacutelio do latim protocolar do Impeacuterio a
existecircncia de diferentes aramaicos e apontou o leacutexico
do NT como oriundo do gr vernacular
149
Graacutefico ndash
A origem
multifacetada
dos textos
cristatildeos
Palestina do
seacutec I
Entre outras questotildees relevantes mencionamos que liacutengua
hebraica da historiografia da tradiccedilatildeo deuteronomista aparta-se dos
registros da tradiccedilatildeo sacerdotal (dois estados de liacutengua) As divergecircncias
entre a liacutengua grega κοινή do ΝΤ e a eacutepoca claacutessica natildeo se limitam agravequelas
morfoloacutegicas ou semacircnticas segundo mencionado nos paraacutegrafos
anteriores mas satildeo mais intensas eg substitui ἵνα onde se usaria ὁτί
(class) que neste ambiente multifacetaacuterio sob forte influecircncia semiacutetica
amalgama a acepccedilatildeo de consequecircncia com finalidade derivando em uma
leitura predestinacionista em certas periacutecopes cristatildes Ou nas diferenccedilas
dos artigos nas trecircs liacutenguas grndashlatndashpt no gr a abundacircncia de artigos
nem sempre pode ser traduzida (gera noccedilatildeo proximidade) por outro lado
menccedilotildees via latim da Vulg que ignora completamente o artigo definido
(incompatiacutevel iacutendole do pt que natildeo recebe bem a indefiniccedilatildeo) muitas
vezes descamba no pensamento essencialista (realidades palpaacuteveis e
concretas parecem abstratas ou geneacutericas) O status constructus do estilo
heb e sua influecircncia junto com o uso sintaacutetico do caso genitivo gr (ambos
com uso pleonaacutestico) aleacutem abrir-se para uma contingente hermenecircutica
gera dificuldades de traduccedilatildeo em pt (onde a terceira pessoa obsta o uso
κοινή literaacuterio
Leacutexico
Background semiacutetico hebraico
κοινή vernacular
Estilo
Sintaxe
LITERATURA
CRISTAgrave
Sabedoria persa poacutes-exiacutelio 586-539 aC
Aramaico Palestino e Imperial
Aramaico Galileu
Tradiccedilatildeo da Oralidade
Latim protocolar
Hebraico Rabiacutenico
150
de pronome obliacutequo ou possessivo) Tambeacutem textos dos gecircneros eulogia
homologia foacutermulas profeacuteticas e sapienciais ou ainda escritos lituacutergicos
onde a sintaxe adquire contornos especiais (estilo biacuteblico eacute muito retoacuterico)
e a prosoacutedia (que coparticipa do sentido) satildeo grandes desafios ao tradutor
de escritos provindos deste ambiente
Por fim dados curiosos e de difiacutecil traduccedilatildeo resultam deste
ambiente multifacetaacuterio e plurilingual onde sempre eacute possiacutevel identificar
um determinado escrito jazendo ldquopor baixo de outro textordquo Haacute um labutar
constante com fontes histoacutericas que remontam seacuteculos ou ateacute milecircnios
nas quais suas fases formativo-transmissivas restam contaminadas pelo
processo tradiccedilatildeo oral e pela evoluccedilatildeo do texto via liacutengua diversa da
original criando eras ou siacutetios dessemelhantes de compreensatildeo do
mesmo Expressotildees encontradas em portuguecircs nem sempre adveacutem da
liacutengua original algumas passam por duas ou mais evoluccedilotildees semacircnticas
em liacutenguas diversas da original muitas vezes com difiacutecil explicaccedilatildeo do
processo evolutivo Nem mesmo termos claacutessicos e expressotildees
estruturantes do sentido do texto escapam a este aspecto como eg (i) o termo mar Vermelho de Ex 1522 2331 Sl 10622 κτλ que vem da
LXX gr em heb Ws-~Y significa ldquomar de juncos de um certo tipo de algas
que nasce no Nilordquo mas na LXX hebrarrgr nos legou traduzido como
ῥυθρὰ θάλασσα que em gr eacute ldquomar Vermelhordquo daiacute chega a Vulg lat como
mare Rubrum e por conseguinte nas liacutenguas modernas e em todas as
Biacuteblias em pt O que podemos ver de concreto eacute que esta expressatildeo natildeo
indica cor mas uma alga uma planta que nasce no rio Nilo Egito (ii)
a palavra que nos chega por Tabernaacuteculo encontrada em Ex 2613 279
Sl 151 et aliӕ que eacute de origem latina Em heb KecircvM significa ldquomorada
lugar de residecircncia larrdquo em gr σκηνῆ ldquotenda choccedilardquo e na Vulg lat
tabernaculum que distintamente remete a grandiosidade como a do
Templo de Jerusaleacutem Termo bem distante da sua origem modesta
agropastoril (iii) Ou ainda o termo profeta de origem gr aparece no
texto mais antigo o heb como aybin segundo Ex 71 2Rs 192 Jr 501
significando ldquoanunciador porta-voz o que traz uma mensagemrdquo na LXX
em gr foi traduzido como προφήτης do πρό+φημί exprimindo a ideia de
ldquointeacuterprete dos deuses o que explica ou manifesta oraacuteculos anuncia ou
prediz desiacutegnios divinosrdquo e a mesma conotaccedilatildeo gr aparece na Vulg lat
como propheta e que nos chega nas traduccedilotildees em pt como supostamente algueacutem que prediz o futuro advinha acontecimentos por inspiraccedilatildeo divina
e oraacuteculos
Na traduccedilatildeo lusoacutefona aqui proposta regatamos ao maacuteximo
possiacutevel as expressotildees na direccedilatildeo da liacutengua defendida como original de
151
AtsPe bem como seu recorte datal sem passar pela roupagem das
traduccedilotildees quando soacute estas nos restaram E devemos portanto estarmos
atentos a substancialidade das categorias histoacutericas que motivaram essas
fontes em seu vario espectro evolutivo usando como fonte outros escritos
e citaccedilotildees paralelas
III Perspectivas diacrocircnicas A liacutengua grega ateacute o helenismo ndash a tradutologia cristatilde ateacute o advento da lsquoequivalecircncia dinacircmicarsquo
Agrave liacutengua grega se daraacute lugar de destaque em detrimento ao latim e
ao copta por ser a liacutengua original de AtsPe conforme procura-se defender
infra
Observando o graacutefico anterior o intercruzamento destas muacuteltiplas
influecircncias na representaccedilatildeo supra estaacute distinguido com a mudanccedila de
cor que resulta da superposiccedilatildeo dos ciacuterculos A sintaxe eacute
predominantemente grega (a partir do seacuteculo II do latim) com relativa
influecircncia da parataxe semiacutetica O estilo com alguma predominacircncia do
hebraico E o leacutexico constitui-se do vocabulaacuterio grego mas muito
reinterpretado pela perspectiva das liacutenguas locais dos dialetos aramaicos
das culturas persa e judaica κτλ Os textos cristatildeos gnoacutestico-cristatildeos e
judaico-cristatildeos situam-se no centro da heacutelice resultante da superposiccedilatildeo
dos trecircs ciacuterculos453 ou em alguma das aletas (transvariaccedilotildees circundantes
ao centro) No nuacutecleo central da figura em forma de ldquoheacutelice de barcordquo (de
aletas laranja-roxo-verde) tem-se ilustrado a incidecircncia simultacircnea do
aramharrgrharrheb Algumas vezes tais textos poderatildeo aparecer
deslocados do centro mas sempre dentro de alguma das superposiccedilotildees de
dois ciacuterculos ndash ou verde (aramharrgr podendo ter alguma influecircncia do
latim) ou laranja (hebharraram) ou ainda roxo (grharrheb)
A liacutengua grega diacronicamente remonta agrave liacutengua hipoteacutetico-
dedutiva indo-europeia com consequecircncias loacutegicas de axiomas
evidentes mas resta indemonstraacutevel porque natildeo chegou ateacute noacutes Podemos
facilmente relacionar suas genealogias eg tryas ndash tres ndash τρεῖς (sansndash
latndashgr respectivamente) Neste diagrama o sacircnscrito natildeo eacute a lsquoliacutengua
formadorarsquo do latndashgr mas algo como sua ldquoirmatilde mais velhardquo Eacute praticamente consenso entre os linguistas que tribos indo-europeias por
453 Na aacuterea mais central do esquema (triacircngulo e heacutelice cor marrom)
152
volta 3000 aC teriam vagueado pela Ἑλλας454 E pelas distacircncias
disputas geopoliacuteticas e dificuldades naturais de locomoccedilatildeo teriam surgido
determinados isolamentos e consequentemente os dialetos gregos e a
formaccedilatildeo de cidades-estados A liacutengua grega tem por volta 1300 aC sua
fase Linear B455 posteriormente o periacuteodo arcaico com a era dialetal Os
principais satildeo quatro aeoacutelico456 restado na poeacutetica eg Σαπφώ (= Safo)
doacuterico457 remanescente tambeacutem pela poeacutetica eg Πίνδαρος (= Piacutendaro)
e Θεόκριτος (= Teoacutecrito) seus melhores representantes jocircnico458
(representado magistralmente por Ὅμηρος (= Homero) Ἡσίοδος (=
Hesiacuteodo) Ἡρόδοτος (= Heroacutedoto) Ἱπποκράτης (= Hipoacutecrates) e por
fim o aacutetico459 eg de Πλάτων (= Platatildeo) Ξενοφῶν (= Xenofonte)
Αἰσχίνης (= Eacutesquines) Σοφοκλῆς (= Soacutefocles) Ἀριστοφάνης (=
Aristoacutefanes) Εὐριπίδης (= Euriacutepedes) Μένανδρος (= Menandro) et alii
que influenciado pelo jocircnico eacute o dialeto do ldquoseacuteculo de ourordquo de Atenas
O jargatildeo grego claacutessico para ἡ Ἑλληνική γλῶσσα embora se referisse
aos quatro dialetos principais eacute comumente associado ao aacutetico460 devido
454 lsquoGreacuteciarsquo foi a alcunha dada pelos romanos aos primeiros helenos
Grӕci (old germ Graici) conteacutem sufixo latino -icus e o nome Γρακοί aparecem
a primeira vez em Aristoacuteteles por empreacutestimo do latim SMYTH Hebert Weir
(ed) A Greek Grammar New York Boston Univ de Harvard American Books
Co 1920 p1 455 Periacuteodo chamado de Preacute-homeacuterico (gr micecircnico ca 1450) com uma
escrita primitiva silaacutebica forma mais antiga forma atestada do gr composta de
89 sinais silaacutebicos com valor foneacutetico e acima de 100 sinais ideograacuteficos com
valor semacircntico (objetos mercadorias κτλ) Os seacutecs posteriores satildeo chamados
de ldquoidade das trevas gregardquo por natildeo oferecer qualquer evidecircncia do uso da escrita
VENTRIS Michael CHADWICK John Documents in Mycenaean Greek 2nd
ed Cambridge 1973 pp42-8 456 Falado na Aeoacutelia Lebos Thessaacutelia Beoacutecia (talvez Beotiacutenia onde
haveria muitos elementos do dialeto) O dialeto mais antigo e que mais se
aproxima do grego primitivo FREIRE Antonio Gramaacutetica Grega Satildeo Paulo
Martins Fontes 1997 p247 457 Falado no Peloponeso (exceto Arcaacutedia) no Egeu (Creta Tera Rodes
Caacuteria Siacutecilia Doacuterida) na Itaacutelia Meridional ou Grande Peacutersia FREIRE 1997
opcit p248 tambeacutem SMYTH 1920 opcit p2 458 Falado na Jocircnia na maioria das ilhas do Egeu e algumas poucas aacutereas
da Siciacutelia 459 Representa um estado de liacutengua entre seacutecs V-IV aC Predominou na
formaccedilatildeo do κοινή heleniacutestico 460 cf MEILLET Antonie Aperccedilu drsquoune historie de la langue grecque
Paris Klinckksieck 1965 p119 Tambeacutem ALEXANDRE Jr 2003 opcit p24
153
agrave grande quantidade de trabalhos literaacuterios provindos deste O aacutetico
sempre foi considerado como referecircncia de refinamento precisatildeo e
beleza e o seacuteculo V aC muito produtiacutevel na literatura filosofia e artes
constituindo uma fase da liacutengua
O grego κοινή em uso no NT e apoacutecrifos incluso AtsPe inaugura
um periacuteodo de liacutengua que se estende de 330 aC a 330 dC461 No periacuteodo
heleniacutestico assim chamado ocorre agrave fusatildeo dialetal e propagaccedilatildeo da
liacutengua e cultura pelo mundo conquistado por Alexandre o Grande Logo
em seguida ca 270 aC eacute feita a traduccedilatildeo hebharrgr do AT a Traduccedilatildeo dos Setenta ndash Septuaginta (LXX) A idade de ouro do aacutetico morreu
juntamente com Aristoacuteteles em 322 aC Os dialetos se unificaram nos
campos de batalhas numa espeacutecie de Babel ao contraacuterio e tornou-se
liacutengua franca no Impeacuterio Para estudos lexicais semacircnticos pragmaacuteticos
κτλ com o fim tradutoacuterio de AtsPe em liacutengua grega κοινή o estado de
liacutengua do periacuteodo heleniacutestico seraacute o nosso alvo
Mas na Palestina resistiu um ambiente especial como jaacute
mencionamos quando discorremos sobre aramaico Alguns no passado
fervorosos defensores do grego costumavam ignorar quase
completamente o aramaico Mas especialistas como Meier Crossan
Kaestli et alii hoje natildeo creem assim principalmente porque Jesus
permanece ainda invisiacutevel agrave arqueologia462 e o mais importante grupo
judaico para o cristianismo ndash os essecircnios sequer haacute qualquer menccedilatildeo
destes nos Evangelhos Eacute possiacutevel que a forte ecircnfase no grego se deva
(i) agrave composiccedilatildeo bem mais tardia dos Evangelhos (ao contraacuterio do que
teriam sido as perspectivas anteriores) (ii) a Paulo (um helenista) como
personagem e escritor central do NT (iii) a completa aniquilaccedilatildeo dos
essecircnios por Nero Tudo o que sabemos eacute que as tradiccedilotildees judaico-
palestinenses satildeo muito fortes e que a importacircncia de povos locais (eg essecircnios) da liacutengua local e da tradiccedilatildeo milenar cultivada com rigor pelas
geraccedilotildees permanece um forte elemento para leitura compreensatildeo e
traduccedilatildeo dos escritos cristatildeos do seacuteculo I-II
461 ALEXANDRE Jr 2003 opcit p23 462 Teria vivido entre os paacuterias da sociedade local talvez mais na Galileia
seguindo a tradiccedilatildeo sinoacutetica ao contraacuterio do Ev de Joatildeo que apresenta um Cristo
em Jerusaleacutem (mais cosmopolita) Teria falado mais aramaico que possivelmente
grego Alguns que acreditam que nem teria falado grego nem saberia ler segundo
recentes pesquisas sobre o lsquoJesus Histoacuterico cf CROSSAN 1994 opcit tambeacutem
MEIER John Paul Um Judeu Marginal repensando o Jesus Histoacuterico vol2
liv1 Rio de Janeiro Imago 1996 et alii
154
No cocircmputo mais geral nosso desiacutegnio seraacute alcanccedilar elementos
das trecircs liacutenguas-fonte mescladas no ambiente dos cristianismos primevos
ndash grharraramharrheb que formam a liacutengua original de AtsPe conforme defenderemos infra ou seja o centro da ldquoheacutelicerdquo e ldquotriacircngulordquo segundo
diagrama proposto supra O lat protocolar do impeacuterio haacute de ter seu lugar
particularmente no relato de martiacuterio tambeacutem como liacutengua-alvo da
traduccedilatildeo latina de AV e dos dois frgg latinos menores (II e III) de AtsPe
O cop sahiacutedico seraacute compreendido como liacutengua-alvo de AtsPe ndash parte I
e sempre agrave luz da liacutengua grega
Portanto propotildee-se a este ponto ter em vista uma perspectiva
diacrocircnica do tema para uma ajustada abrangecircncia e compreensatildeo do uso
histoacuterico de princiacutepios tradutoacuterios e teorias eleitas para documentos
sacros do cristianismo Seria de grande riqueza observar tradutores
literaacuterios em trabalhos seculares eg Livius Andronicus que traduziu a
Odisseia para o lat em 240 aC Tambeacutem Quintus Ennius Quintus
Nӕvius Cordus Sutorius Macro e especialmente Gaius Valerius Catullus
e Marcus Tullius Cicero tradutores do grrarrlat Tambeacutem נדרוניפילון האלכס
(= heb Pilon harsquoAlexandroni) et alii Mas elegemos prontamente a busca
da concepccedilatildeo dos procedimentos que abrangem a traduccedilatildeo de AtsPe por
isso priorizaremos comentar tradutores e teoacutericos que tenham esta
relaccedilatildeo Eacute bem verdade que desde o tempo que os teoacutelogos acolhem
artificialmente como da fundaccedilatildeo da comunidade cristatilde ndash o
Pentecostes463 as missivas evangelicais tem sido apregoados aos falantes
de multiacuteplices liacutenguas e dialetos de ldquotodas as naccedilotildees que estatildeo debaixo do
ceacuteurdquo464
Natildeo poucas deacutecadas apoacutes os λόγοι (= discursos) de Jesus
originalmente verbalizados em aram (mais provaacutevel cf tentamos
demonstrar supra) ou ainda talvez em gr (parcialmente) tinham sido
traduzidos completamente para o gr ndash liacutengua franca do Mediterracircneo e
publicados em versotildees proto de registro domeacutestico valendo-se
majoritariamente a LXX para leacutexico e citaccedilotildees Os cristatildeos natildeo foram os
primeiros a traduzir Traduccedilotildees hebrarraram e hebrarrgr satildeo bem
anteriores conforme enunciado acima Mas foi na era cristatilde e desde o
seu iniacutecio que o princiacutepio foi confessadamente assumido que as
Escrituras Sagradas ndash mesmo as palavras verbalizadas por Jesus e por
Deus ndash poderiam e deveriam ter traduccedilotildees vernaculares465 A esperanccedila cristatilde inicial era de uma sociedade aperfeiccediloada organizada em ldquouma 463 At 25ss 464 id ibid Tambeacutem Mc 1310 Lc 2447 465 Mt 2819ss
155
grande multidatildeo a qual ningueacutem podia contar de todas as naccedilotildees e
tribos e povos e liacutenguas ()rdquo466
A intensa atividade de inteacuterpretes e de traduccedilatildeo prontamente foi
vista na direccedilatildeo de tornar esta aspiraccedilatildeo uma realidade Logo no seacuteculo
II os diversos escritos e documentos cristatildeos estavam sendo francamente
traduzidos para outras liacutenguas importantes da eacutepoca lat-syr-cop Desde
entatildeo a traduccedilatildeo vernacular tem sido alvo de um comprometimento
ininterrupto da comunidade cristatilde Se assim natildeo fora os frgg I II e II em
copndashlat do AtsPe tambeacutem a larga porccedilatildeo latina do AV (parte IV)
restariam perdidos para sempre
Estatisticamente em stricto sensu na traduccedilatildeo biacuteblica vernacular
a Idade Meacutedia apresentou um ritmo modesto (35 para ca 1500 idiomas)
Preacute-e-poacutes Reforma desencadeou-se uma onda de novos trabalhos No
seacuteculo XIX evolveu-se para 68 liacutenguas e no seacuteculo XX para 522 Em
dados de 2012 haacute 3293 idiomas (dos ca 6800 existentes) com traduccedilotildees
(518 liacutenguas tecircm traduccedilotildees integrais 1275 do NT 1500 dialetos com
largas porccedilotildees) cf UBS Noss e SBB467 Contudo o Ethnologue468 noticia
que ainda permanecem bem mais de 2000 liacutenguas sem nenhuma traduccedilatildeo
Do Summer Institute of Linguistics469 sabemos da cogente demanda em
ca de 3500 liacutenguas (209 milhotildees de falantes) e outros 1500 dialetos (130
milhotildees de pessoas)
O cristianismo nunca sopesou como suficiente traduzir tatildeo
somente para a elite acadecircmica de uma naccedilatildeo No seacuteculo II eg
indiviacuteduos com educaccedilatildeo formal no Egito teriam entendido escritos em
original gr κοινή heleniacutestica No entanto no afatilde de comunicar-se com
pessoas comuns os textos foram traduzidos para os vaacuterios dialetos de sua
466 Ap 79ss 467 UNITED BIBLE SOCIETIES 2002a 2002b 2002c tambeacutem NOSS
Philip A UBS Translation Program in 2000 Revisiting the UBS Translation
Program From lsquothe unfinished taskrsquo to lsquothe cutting edge of the Kingdom of Godrsquo
2001 (on-line) lt http wwwbiblesocietyorgtransrep2000htm gt acessado
em 21102011 tambeacutem SOCIEDADE BIacuteBLICA DO BRASIL ainda
WYCLIFFE BIBLE TRANSLATORS The worldwide status of Bible translation
(2012) (on-line) Orlando 2012 et alii 468 GRIMES Barbara F (ed) Ethnologue Languages of the World 12th
ed Dallas SIL 2000 (on-line) lt http wwwethnologuecomwebasp gt
acessado em 30122013 Relaciona 6912 idiomas vivos catalogados em 2005 469 Tambeacutem conhecido como SIL International Caacutelculos noticiados em jul-
2001 ndash in LEWIS opcit (on-line) uide Wycliffe Bible Translators opcit
2012 (on-line)
156
liacutengua local ndash copta Estas traduccedilotildees tiveram que adaptar470 o alfabeto
cop sahiacutedico anteriormente pouco usual a fim de utilizaacute-lo E a igreja
copta ainda subsiste O Ato de Pedro (parte I do AtsPe) natildeo fora a
traduccedilatildeo cop teria se perdido para sempre Da mesma forma agecircncias471
antes de traduzir muitas vezes ainda hoje tecircm que desenvolver
abecedaacuterios para liacutenguas minoritaacuterias natildeo escritas cuja mensagem jamais
poderia alcanccedilar os muitos grupos que natildeo se instruiacuteram na liacutengua
nacional ou natildeo receberam instruccedilatildeo formal nela
Mesmo no iniacutecio da era cristatilde intuiu-se que a ldquoboa traduccedilatildeo
biacuteblicardquo natildeo precisava ser necessariamente literal Hieronymus o tradutor
da versatildeo latina definitiva ndash a Vulgata editio versio et lectio
desbravadora de um caminho equacircnime entre literalismo versus livre-
arbiacutetrio desmesurado nota que ldquoo sentido deve ter prioridade sobre a
formardquo472 No Renascimento Martin Luther baliza seus desiacutegnios
praacuteticos
Como expressar a Palavra de Deus tal qual
codificada na Biacuteblia na liacutengua do povo comum que
natildeo tem acesso a leitura do grego latim e hebraico
() [isto] significa traduzir ldquolivrementerdquo () Nada
obstante quando ldquoverdadesrdquo teoloacutegicas essenciais
estivessem envolvidas Lutero sacrificaria este
princiacutepio de inteligibilidade para retroceder por
razotildees doutrinais a traduccedilatildeo para palavra-a-
palavra473
470 uide nt(s) do aparato criacutetico da Parte I da traduccedilatildeo de AtsPe ndash o Ato de
Pedro e o grande nuacutemero de transliteraccedilotildees e dependecircncia do gr presentes no
cop 471 A exemplo da MBS SIL International UBS Wycliffe Bible
Translators SBB et alii 472 NIDA Eugene Albert Bible translation ndash in Mona Baker (ed)
Kirsten Malmkjaeligr (assist ed) Routledge Encyclopedia of Translation Studies
London Routledge 1998 p23 Ainda uide PAPA BENTO XVI citando
HIERONYMUS Epistula LVII 5 ndash Para Pammachius sobre o melhor meacutetodo
de traduzir (on-line) 395 sect 5 Tambeacutem uide tambeacutem ROBINSON Douglas
Free translation ndash in Mona Baker (ed) Routledge Encyclopedia of Translation
Studies London Routledge 1998A pp88-9 uide tambeacutem id Literal translation
ndash in Mona Baker (ed) Routledge Encyclopedia London Routledge 1998B
pp125-7 473 KITTEL Harald POLTERMANN Andreas German tradition ndash in
Mona Baker (ed) Routledge Encyclopedia of Translation Studies London
157
As grandes traduccedilotildees da eacutepoca preacute-e-poacutes Reforma Editio Regia
versotildees Valdenses dos irmatildeos Boa Ventura e Abraatildeo Elzevir
Statenvertaling King James Version Versatildeo Autorizada κτλ usaram um
enfoque anaacutelogo Mas as igrejas ocidentais tornaram-se gradativamente
absorvidas com as tecircnues distinccedilotildees dogmaacuteticas e a sua vez dependentes
e determinadas pela traduccedilatildeo literal E a traduccedilatildeo biacuteblica onde foi feita
passou a ser subjugada pelo literalismo ou ldquocorrespondecircncia formalrdquo
Em meados seacuteculo XX a tradiccedilatildeo de Hieronymus de traduccedilatildeo ad sensu foi redescoberta ganha forccedila eacute expandida474 e surgem trabalhos
pioneiros Na deacutecada de 60 Nida475 e Taber476 lanccedilam as bases teoacutericas
de um novo conceito de traduzir ndash ldquoequivalecircncia dinacircmicardquo com pronta
aquiescecircncia da comunidade de tradutores Beekman e Callow477
Larson478 Barnwell479 e Jan de Waard480 devido as similitudes teoacutericas
Este adstrito itineraacuterio teoacuterico aqui alvitrado ambiciona ao fim
esquematizar um arcabouccedilo teoacuterico que sustente a traduccedilatildeo de AtsPe um
escrito que circulou na Antiguidade com suas pretensotildees canocircnicas e que
por estas mesmas razotildees nos remete a este percurso Assim sendo eacute
Routledge 1998 p 421 tambeacutem NIDA Eugene Albert Toward a science of
translating with special reference to principles and procedures involved in Bible
translating Leiden E J Brill 1964 p14-5 ainda uide LUTHER Martin Ein
sendbrief vom dolmetschen 1530 (on-line) lt
httpwwwgermansbcedusendbriefhtml gt acessado em 15042012 474 Uma traduccedilatildeo pioneira neste sentido foi o NT de J B Phillips em
1959 Seguido pela Versatildeo Inglesa de hoje chamando-se NT de Boa Nova em
1966 escrito para o homem moderno E em 1976 a ed completa da Biacuteblia ambos
publicados pela American Bible Society Haacute outros exemplares 475 NIDA 1964 opcit 476 NIDA Eugene Albert TABER Charles R The theory and practice of
translation Leiden Brill 1982 477 BEEKMAN John CALLOW John Translating the Word of God
Grand Rapids Zondervan 1974 478 LARSON Mildred L Meaning-based Translation Lanham University
Press of America 1984 479 BARNWELL Katharine Bible Translation An Introductory Course in
Translation Principles Dallas SIL 19751986 id Teachers Manual to
Accompany Bible Translation An lntroductory Course in Translation Principles
Dallas SIL 1987 480 WAARD Jan de NIDA Eugene Albert From One Language to
Another Functional Equivalence in Bible Translating Nashville Thomas
Nelson 1986
158
inevitaacutevel que natildeo se perpasse pelos estudos de Nida apesar da ciecircncia
ampla acerca dos constrangimentos existentes entre este e os Estudos da
Traduccedilatildeo mais notadamente aqui no Brasil Eacute ao mesmo tempo um
esforccedilo de modulaccedilatildeo desta questatildeo e sua retenccedilatildeo como porta de acesso
teoacuterica plataforma sobre a qual se lanccedila os subsiacutedios teoacutericos de Gutt e
os advindos da Teoria da Pragmaacutetica (abordados infra) sem a qual natildeo
poderiam ser perfeitamente alcanccedilados Portanto quando Nida e Taber
cunharam o termo ldquothe closest natural equivalentrdquo (= equivalente natural mais proacuteximo)481 para definir a traduccedilatildeo da mensagem em uma liacutengua-
fonte primeiramente pelo sentido depois pelo estilo Desta forma a
ldquomelhorrdquo traduccedilatildeo natildeo seria um equivalente direto mas aspectos culturais
deveriam ser sopesados Assim uma expressatildeo como δαιμονιακός (=
possesso endemoniado) no domiacutenio do texto biacuteblico poderia ser
enfermo mental a se supor uma interpretaccedilatildeo cultural que tome a seacuterio a
cosmovisatildeo vigente nos tempos biacuteblicos
A ldquoequivalecircncia dinacircmica ganhou o seu dia ()rdquo482 notabilizou
Donald Carson em 1985 Era cedo para comemorar Alguns tradutores
notadamente em ambientes religiosos mais reacionaacuterios
ultraconservadores mantiveram intensa oposiccedilatildeo a esta abordagem
inovadora Os proacuteprios Nida e Waard se datildeo conta disso e a fim de
impedir mal-entendidos mais tarde certos de que seria melhor a mudanccedila
terminoloacutegica substituem equivalecircncia dinacircmica pela terminologia
ldquoequivalecircncia funcionalrdquo Confessadamente poreacutem disseram que ldquoa
substituiccedilatildeo de equivalecircncia funcional natildeo teve a intuito de insinuar nada
de essencialmente diverso da equivalecircncia dinacircmica (na proposiccedilatildeo
original)rdquo483 A mesma abordagem geral tambeacutem eacute conhecida como
ldquotraduccedilatildeo idiomaacuteticardquo ou traduccedilatildeo baseada no sentido484
Apesar de crescentes criacuteticas desde os anos 90 este pressuposto
tradutoacuterio persiste como embasamento para a maior parte dos trabalhos
recentes de maneira especial em liacutenguas menos conhecidas (eg
481 NIDA TABER 1982 opcit p12 482 CARSON Donald Arthur The limits of dynamic equivalence in Bible
translation ndash in Notes on Translation 121 Dallas 1985 pp1-15 (especialmente
a p1) 483 (ecircnfase do autor) WAARD NIDA 1986 opcit pp736 484 BEEKMAN CALLOW opcit p20 nt3 tambeacutem cf LARSON
opcit p15-8
159
indiacutegenas tribais africanas minorias do leste asiaacutetico κτλ)485 O alicerce
de equivalecircncia dinacircmica reside na convicccedilatildeo de que uma traduccedilatildeo deve
ser comunicativa486 Nida e Taber principiam a discussatildeo pela premissa
de que ldquoo que tem que se determinar eacute a resposta do receptor agrave mensagem
traduzida () exatidatildeo deve ser determinada pelo grau em que o leitor
comum para o qual se destina a traduccedilatildeo provavelmente compreendecirc-la-
aacute corretamenterdquo487 Os autoacutegrafos (e seus autores) ambicionavam
comunicar certa mensagem para suas audiecircncias Posto que se pretenda
uma traduccedilatildeo segundo este approach entatildeo significa comunicar a
ldquomesma mensagemrdquo para um puacuteblico-alvo contemporacircneo em um
idioma-receptor e num contexto cultural distinto
A ldquocomunicaccedilatildeo da mensagemrdquo deteacutem a anteposiccedilatildeo sobre a
similaridade formal da traduccedilatildeo com o texto-fonte Consideraccedilotildees de
natureza estiliacutestica natildeo satildeo ignoradas mas satildeo secundaacuterias Barnwell
aludiu em seu curso introdutoacuterio utilizado na traduccedilatildeo de escritos
advindos do ambiente do ambiente subapostoacutelico que o ldquomeacutetodo de
equivalecircncia dinacircmicardquo pode ser vislumbrado sob os trecircs ldquo() qualidades
essenciais precisatildeo clareza e naturalidaderdquo488 que de acordo com este
uma boa traduccedilatildeo ainda deve ser
(i) Precisa489 o tradutor deve ecoar o
significado expresso na mensagem original
exatamente quanto possiacutevel para liacutengua em que ele
estaacute traduzindo
(ii) Transparente490 a traduccedilatildeo deve ser clara e
compreensiacutevel O tradutor tem como objetivo
485 POMPA Cristina Religiatildeo como Traduccedilatildeo missionaacuterios Tupi e
Tapuia no Brasil colonial Tese de doutoramento Bauru Satildeo Paulo EDUSC-
ANPOCS 2002 pp35ss 486 O termo aqui seraacute empregado na perspectiva lsquosocialrsquo ou seja
ldquocomunicaccedilatildeo socialrdquo cf art MASON opcit ndash in Routlegde Encyclopedia
Mona Baker (ed) 2001 pp30-1 uide tambeacutem nt18 supra 487 NIDA TABER 1982 opcit p1 488 BARNWELL 1987 opcit pp40-1 489 O termo ldquoprecisatildeordquo (orig ldquoaccuraterdquo) natildeo se daacute por uma definiccedilatildeo em
termos das atuais caracteriacutesticas formais dos Estudos da Traduccedilatildeo Sugere apenas
algo tatildeo preciso como a re-expressatildeo do sentido que natildeo pode ser dissociada da
ldquoclarezardquo 490 Tambeacutem este termo (orig ldquoclearrdquo) eacute usado aqui natildeo no sentido teacutecnico
dos criteacuterios de fidelidade e transparecircncia tal qual temos na atualidade nos
160
comunicar a mensagem de uma forma que as
pessoas possam facilmente compreender
(iii) Natural uma traduccedilatildeo natildeo deve soar
ldquoestranhardquo Ela natildeo deve soar como uma traduccedilatildeo
de todo mas como algueacutem que fala de forma
natural todos os dias491
Trabalhos mais atuais492 propotildeem uma quarta qualidade essencial
ndash a ldquopercepccedilatildeo da autenticidaderdquo ou a aceitabilidade ao puacuteblico-alvo A
qualidade de (iii) ldquonaturalidaderdquo tem sido talvez a mais controversa das
trecircs Mas esta eacute de basilar importacircncia ao desenvolvimento teoacuterico da
equivalecircncia dinacircmica como destacam Nida e Taber ldquotraduccedilatildeo consiste
em reportar na liacutengua-receptora o equivalente natural mais proacuteximo da
mensagem no idioma original primeiro em termos de significado e em
segundo lugar em termos de estilordquo493 No entanto a naturalidade tem
seus abordes fixados pela necessidade de precisatildeo o que eg exclui
acomodaccedilatildeo histoacuterica E assim temos que
A melhor traduccedilatildeo natildeo soa como uma traduccedilatildeo
Muito naturalmente natildeo pode e natildeo deve fazer o
som da Biacuteblia como se tivesse acontecido numa
cidade proacutexima haacute dez anos o que para o contexto
histoacuterico das Escrituras eacute importante () Em outras
palavras uma boa traduccedilatildeo da Biacuteblia natildeo deve ser
uma ldquotraduccedilatildeo culturalrdquo Pelo contraacuterio eacute uma
ldquotraduccedilatildeo linguiacutesticardquo No entanto isso natildeo
significa que ela deve exibir em suas formas
gramaticais e estiliacutesticas qualquer traccedilo de
constrangimento ou estranheza494
Entatildeo avaliar a questatildeo supra o puacuteblico-alvo espera que uma
traduccedilatildeo claramente compreendida Poreacutem Barnwell quando menciona
Estudos da Traduccedilatildeo mas apenas como ldquoniacutetidordquo ou ldquoclarordquo de forma mais
geneacuterica 491 BARNWELL 1987 opcit p41 492 cf ANDERSEN T David Perceived authenticity The fourth criterion
of good translation Notes on Translation 12 (3) Dallas SIL 1998 pp1-13
tambeacutem cf LARSEN Iver A The fourth criterion of a Good Translation ndash in
Notes on Translation 15 (1) Dallas SIL 2001 pp40-53 493 NIDA TABER 1982 opcit p12 494 id opcit pp12-3
161
suas trecircs qualidades essenciais a uma traduccedilatildeo tem em mente grupos
minoritaacuterios com pouca ou nenhuma educaccedilatildeo formal e espera que
ldquoestejamos traduzindo natildeo somente para o douto mas tambeacutem para as
(pessoas) comuns gente menos instruiacuteda () natildeo soacute para os cristatildeos ()
para todos os tipos de pessoas na comunidaderdquo495 Mas ainda segundo
ela mesmo para as poucas pessoas bem-educadas a estrangeirizaccedilatildeo de
um texto se isto se abrolha em uma traduccedilatildeo natildeo seraacute apreciada mas
recebida como confusa e obscura
Eacute reconhecido que em liacutenguas com uma longa tradiccedilatildeo literaacuteria e
um contiacuteguo de leitores educados haacute um lugar para traduccedilotildees de
correspondecircncia formal lado-a-lado com as de equivalecircncia dinacircmica
Nida admite que ldquotodas essas variedades de traduccedilatildeo e adaptaccedilotildeesrdquo
incluindo a traduccedilatildeo literal que ldquotecircm certa legitimidade para puacuteblicos
especiacuteficos e circunstacircncias especiaisrdquo496 Poreacutem tais traduccedilotildees de
correspondecircncia formal que jaacute existem carecem de revisatildeo Entretanto
provavelmente natildeo haacute liacutenguas produtivas na atualidade em que cada
falante tenha o niacutevel de ensino necessaacuterio para poder ler uma traduccedilatildeo de
correspondecircncia formal com total compreensatildeo Assim pode considerar-
se haacute sempre a necessidade de traduccedilotildees de equivalecircncia dinacircmica que
seratildeo pelo menos um pouco melhor compreendidas embora natildeo
comuniquem a integralidade da mensagem para todos os leitores
Outra razatildeo pela qual o puacuteblico contemporacircneo e tradutores
especialmente de liacutenguas menos conhecidas natildeo esperarem versotildees
cristatildes que soem estranho envolve o legado do colonialismo Esforccedilos
missionaacuterios do seacuteculo XIX e mais recentes tecircm sido em geral e
justamente criticados por suas estreitas ligaccedilotildees com o expansionismo
colonialista ocidental que busca impor formas culturais e religiosas muito
mais do que apresentar a mensagem central cristatilde
Houve no entanto algumas exceccedilotildees significativas ainda no
seacuteculo XIX Taylor tradutor cristatildeo e missionaacuterio vestia-se como chinecircs
e deixou os escritoacuterios missionaacuterios de Xangai para embrenhar-se o
interior da China497 Desde uacuteltima metade de deacutecada o colonialismo tem
se apresentado como um mote relevante Missionaacuterios cristatildeos tecircm
buscado com sucesso variaacutevel dissociar-se dos superados meacutetodos
catequizadores paternalistas e procurado tornar-se visiacutevel a si proacuteprios
495 BARNWELL 1987 opcit p43 496 WAARD NIDA 1986 opcit p42 497 Segundo art de STEER Roger Pushing Inward ndashin Christian
History volXV nt 4 52a ed Downers Grove Fall 1996 pp10-5 Tambeacutem (on-
line)
162
como agrave serviccedilo dos povos indiacutegenas Haacute um esforccedilo em apresentar a
missiva original e traduzi-la dentro das expectativas culturais dos povos
o quanto possiacutevel Muitas vezes embora nem sempre esta abordagem de
domesticaccedilatildeo tem boa recepccedilatildeo nas povoaccedilotildees indiacutegenas498 Gutt
(conforme veremos infra) traz agrave baila que ao avesso dos exemplares
citados499 temos circunstacircncias de alguma comunidade jaacute usando uma
traduccedilatildeo correspondecircncia formal em um idioma nacional e esperam
uma nova traduccedilatildeo na sua liacutengua materna (minoritaacuteria) venha igualar-se
Estes indiviacuteduos biliacutengues raramente satildeo tiacutepicos de sua comunidade No
entanto como os povos indiacutegenas natildeo podem geralmente distinguir
adequadamente a ldquoestranhezardquo do antigo Oriente Proacuteximo daquela da
Europa moderna e ou do leste asiaacutetico eles ficam propensos a associar
uma traduccedilatildeo de estrangeirizaccedilatildeo (demonstrado infra) com o
colonialismo e rejeitaacute-la
A equivalecircncia dinacircmica sempre teve seus criacuteticos500 a maioria
vozes provenientes de ambientes conservadores Tambeacutem traduccedilotildees
especiacuteficas tecircm sido criticadas com inventaacuterios de supostos erros
exegeacuteticos e teoloacutegicos Talvez a ldquofalhardquo real encontrada seja que a
traduccedilatildeo eacute diferente daquela tradicionalmente aceita (eg para o pt
teriacuteamos as eds Revista e Corrigida da SBB a Corrigida Fiel da SBT a
Ave Maria κτλ) Note-se que ateacute a minoria bem-educada no Ocidente
tem-se confrontado com desafio de interpretaccedilatildeo textual das traduccedilotildees
literais em particular as de linguagem em desuso Nada obstante criacuteticos
teoloacutegicos como John Piper Augustus Nicodemus tradutores da
Wycliffe Confederaccedilatildeo dos Bispos Catoacutelicos dos USA et alii tecircm
cautelosamente acolhido os princiacutepios gerais da equivalecircncia dinacircmica
de Nida enquanto por outro lado advertem contra descomedimentos que
alguns jaacute tecircm proposto ou praticado501 Na atualidade coexistem traduccedilotildees
biacuteblicas e apoacutecrifas com predominacircncia do uso da equivalecircncia formal
outras com uso moderado de equivalecircncia dinacircmica outras com uso
498 cf POMPA 2002 opcit particularmente os caps 134 e 5 499 GUTT Ernest-August Translation and Relevance Cognition and
Context 2a ed Manchester St Jerome 2000A pp182-4 193-4 500 uide FITTON Paul Reasons why evangelicals should not use the New
International Version of the Bible 1998 (on-line) lt http wwwianpaisleyorg
article asp ArtKey=niv gt acessado em 20062012 tambeacutem MARLOWE
Christopher Against the theory of dynamic equivalence 2004 (on-line)
lt httpwwwbible-researchercom dynamic-equivalencehtml gt Acessado em
28062012 501 CARSON 1985 opcit pp1-15
163
extensivo de equivalecircncia dinacircmica ou parafraseadas ou ambos e ainda
algumas com uso extensivo de paraacutefrase
IV Intercorrecircncias de meacutetodo O lsquomovimento hermenecircuticorsquo e a alteridade ndash lsquoestrangeirizaccedilatildeorsquo versus lsquoetnocentrismorsquo
Mesmo os enunciados mais literais e exatos portam uma extensatildeo
hermenecircutica o que remete agrave ideia da compreensatildeo como ativamente
interpretativa Exige deciframento O meacutetodo interpretativo adveacutem dos
romacircnticos alematildees George Steiner mais tarde cunha a sinoniacutemia
movimento hermenecircutico para titular seu capiacutetulo 5 de After Babel502 E
assim define-a
A generosidade radical do tradutor (ldquoAceito
antecipadamente que deve haver algo laacuterdquo) e sua
confianccedila no ldquooutrordquo (na alteridade ainda natildeo
experimentada e natildeo mapeada do enunciado)
concentram num grau filosoficamente dramaacutetico
a propensatildeo humana para ver o mundo como
simboacutelico como constituiacutedo de relaccedilotildees nas quais
ldquoistordquo pode significar ldquoaquilordquo e na verdade deve
ser capaz de fazecirc-lo se eacute para haver significados e
estruturas503
Um projeto tradutoacuterio na atualidade de textos canocircnicos ou
apoacutecrifos deve propor-se a levar consigo como pontos inafianccedilaacuteveis
meacutetodos precisos de anaacutelise traduccedilatildeo e interpretaccedilatildeo Nos seacuteculos
antecedentes tal rigor natildeo parecia necessaacuterio enquanto estes escritos
tendiam a dar sustento dogmaacutetico aos diversos grupos religiosos cristatildeos
judaico-cristatildeos κτλ Um exemplar claacutessico deste uso eacute a salvaguarda da
candidez doutrinaacuteria da Igreja Catoacutelica medieval que balizava aos
devotos uma apropriaccedilatildeo interpretativa ldquocorretardquo da corpora cristatilde Nesta
regra somente sacerdotes exegetas e hermeneutas biacuteblicos poderiam
aplicar-se aos afazeres da traduccedilatildeo documental religiosa Nenhum
502 ROBINSON Douglas Hermeneutic motion ndash in Mona Baker (ed)
Routledge Encyclopedia of Translation Studies London amp New York
Routledge 2001 p97 503 STEINER 2005 opcit pp317-8
164
espanto quando os que conspiravam por reformar a Igreja tenham-se
utilizado tatildeo precisamente da ldquoarma da traduccedilatildeordquo desagregando valor ao
magisteacuterio e a regula fidei A gravidade deste feito resultou na coerccedilatildeo
desapiedada de traduccedilotildees e tradutores ldquonatildeo autorizadosrdquo504 Poreacutem a
partir do Renascimento e da consequente Reforma Protestante e mais
tarde do proacuteprio Iluminismo suscitaram-se importantes mudanccedilas sociais
e de expansatildeo do meacutetodo cientiacutefico505 resultando cada vez mais num
texto sagrado liberto das justaposiccedilotildees e estreita vizinhanccedila com as
categorias dogmaacutetico-doutrinais e eclesioloacutegicas
Note-se preliminarmente do ponto de vista do status teoloacutegico
dos textos que haacute religiotildees em que (i) haacute lugar exclusivamente para
um soacute idioma sacro (eg islamismo) (ii) tem-se uma liacutengua principal
sagrada mas servem-se acessoriamente de traduccedilotildees com variados graus
de inspiraccedilatildeo (eg judaiacutesmo) (iii) suas escrituras sagradas originais
podem ser vaacutelidas e substitutivamente traduzidas em liacutengua diversa (eg
cristianismo budismo) A dificuldade da lida com tais textos sensiacuteveis
reside no fato de que neles subjaz a manifestaccedilatildeo divina A antiguidade
conferiu o status quo ante de venerabilidade A comunidade de feacute em
torno destes escritos conferiu o status miacutetico O abismo linguiacutestico de
seacuteculos entrepostos distancia o discurso antigo do contemporacircneo Delisle
faz referecircncia ao fato de que ldquoseacuteculos de veneraccedilatildeo os revestiram de um
rico verniz de sentido Seu uso lituacutergico encoraja a reverecircncia e
desestimula alteraccedilotildeesrdquo506 Ainda a tudo podemos acrescentar textos
lituacutergicos homologias hinaacuterios doxologias devocionais e comentaacuterios
biografias de pessoas santas e um incontaacutevel conjunto de documentos
integrantes
504 uide infra nt665 deste p181 com informaccedilotildees detalhadas de como
imprimatur prevalece ateacute aos dias de hoje como censura preacutevia autorizaccedilatildeo para
impressatildeo com fins de pureza doutrinal e aceitabilidade dogmaacutetica 505 O termo lsquocientiacuteficorsquo aqui estaacute usado na acepccedilatildeo mais ampla de um
determinado estudo realizado sistematicamente cujo mote eacute a verificaccedilatildeo e
elucidaccedilatildeo inteligiacutevel de uma questatildeo ou assunto Para textos do ambiente
judaico-palestinense-cristatildeo natildeo apenas abarca aspectos cientiacuteficos naturais
sociais e psicoloacutegicos mas dentro das humanidades alcanccedila os estudos
linguiacutesticos literaacuterios historiograacuteficos tudo isto envolto pelo exerciacutecio filosoacutefico
que circunda meacutetodos cientiacuteficos legiacutetimo-operantes (na maioria autocircnomos) e
resultados e ainda a relaccedilatildeo destes com outras formas de conhecimento 506 DELISLE Jean WOODSWORTH Judith Os Tradutores na histoacuteria
Satildeo Paulo Aacutetica 1998
165
BakhtinndashVolochinov afirmam que ldquoa palavra revela-se no
momento de sua expressatildeo como o produto da interaccedilatildeo das forccedilas
sociaisrdquo507 ndash naturalmente poderia acrescentar-se outras demandas e
relaccedilotildees culturais miacuteticas religiosas κτλ Trata-se do fruto constitutivo
dos entes operantes extralinguiacutesticos e que ao mesmo tempo opera sobre
e por eles Eacute produto do meio e atua sobre ele ndash a dissociaccedilatildeo do binocircmio
realidade-liacutengua da percepccedilatildeo soacutecio-histoacuterica conduz a um vaacutecuo eteacutereo
de coisa nenhuma A liacutengua natildeo consente a averiguaccedilatildeo livre do seu sitz im leben abstraiacuteda das suas categorias de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo
Todavia quando distendemos as expectativas aleacutem de agenciar os
sentidos e manter a seriedade das escolhas a traduccedilatildeo empenha-se por
trocas interculturais contextualizaccedilatildeo adequaccedilatildeo de termos e expressotildees
agrave realidade do leitor da liacutengua-de-chegada Tal tarefa transcende a mera
proficiecircncia de liacutengua para um conhecimento de mundo tradiccedilatildeo cultura
mitos et alii na intermediaccedilatildeo da luta entre vocaacutebulos que carregam
traccedilos linguiacutesticos peculiares categorias miacuteticas simbolismo tradiccedilatildeo e
valores sociais Ou ainda como Steiner glosa
Traduzir palavra por palavra buscar um ldquoinglecircs
gregordquo (expressatildeo de Browning) eacute levar o processo
de intermediaccedilatildeo a um extremo de violecircncia teoacuterica
e teacutecnica na esperanccedila de alcanccedilar uma fusatildeo
(partiacuteculas colidindo e se fundindo umas com as
outras ao serem lanccediladas para fora de suas
respectivas oacuterbitas) Os riscos formais e
psicoloacutegicos satildeo consideraacuteveis Trabalhando sua
proacutepria liacutengua e a do texto-fonte o literalista se
expotildee agrave vertigem Ele pode na assustadora imagem
de Benjamin encontrar a liacutengua tatildeo desarticulada
de suas juntas e tatildeo renegada que seus portotildees
acabaratildeo por se fechar violentamente atraacutes de si
prendendo-o num completo estranhamento ou
silecircncio508
Na investigaccedilatildeo do mote primevo faz-se cogente reportar-se
historicamente a 24 de junho de 1813 quando pressuposiccedilotildees teoacutericas do
507 BAKHTIN Mikhail Mikhailovitch VOLOCHINOV Valentin
Nikolaevič Marxismo e Filosofia da Linguagem Satildeo Paulo Hucitec 2006 p66 508 STEINER 2005 opcit p336
166
mesmo modo insurgem da fundante reflexatildeo de Schleiermacher509 no seu
discurso criacutetico-legiacutetimo daquele dia Na Real Academia de Ciecircncias em
Berlim era sobrepujada a dicotomia simplista advinda da Antiguidade
sobre o que eacute a traduccedilatildeo Sua fala Uumlber die verschiedenen Methoden des
Uumlbersetzen510 extrato de seus estudos hermenecircuticos caracteriza
dolmetschen (= interpretaccedilatildeo) distinguindo de uumlbersetzung (= traduccedilatildeo) ndash
esta uma concretizaccedilatildeo artiacutestico-criadora do gecircnio humano muito aqueacutem
de ser uma atividade meramente automatizada ou simples exerciacutecio da
teacutecnica praacutetica Uumlbersetzung eacute arte opera no domiacutenio do elevado ao
avesso de dolmetschen que labora na esfera do trivial eg o uso
509 (Breslau 21111768 ndash daggerBerlim 12021834) Friedrich Daniel Ernst
Schleiermacher alematildeo teoacutelogo e cleacuterigo protestante a partir de 1796
Fortemente influenciado pelas ideias de Karl Wilhelm Friedrich Schlegel (1772-
1829) conviveram na mesma casa por algum tempo e haacute publicaccedilotildees conjuntas
na revista Athenaeum ocasiatildeo que tambeacutem divulgou os Reden uumlber die Religion
(= Discursos sobre a Religiatildeo) Die Monologen (= Os Monoacutelogos) et alii
Schleiermacher daacute iniacutecio a sua traduccedilatildeo de Platatildeo em 1805 na atualidade
reputada como a mais perfeita traduccedilatildeo deste claacutessico em alem e em 1828
publica o derradeiro volXV desta coleccedilatildeo Autor tambeacutem de muitas obras de
religiatildeo Sofreu influecircncia direta do tambeacutem pastor Johann Gottfried von Herder
(1744-1803) assistente das aulas de Kant amigo de Haman e do jovem Goethe
Em 1804 sob forte pressatildeo de Napoleatildeo sobre toda a Europa a Universidade de
Halle da qual Schleiermacher era catedraacutetico no departamento de teologia eacute
forccedilada a fechar as portas E em 1810 tendo reassumido funccedilotildees paroquiais em
Berlim participa da concepccedilatildeo da Humboldt-Universitaumlt zu Berlin da qual foi
professor de teologia decano e reitor FOSTER Michael Friedrich Daniel Ernst
Schleiermacher ndashin STANFORD ENCYCLOPEDIA OF PHILOSOPHY
2002 (on-line) lt www httpplatostanfordedu entriesschleiermacher gt
acessado em 21122012 WIKIPEDIA DIE FREIE ENZYKLOPAumlDIE
Friedrich Schleiermacher atualiz 2012 (on-line) lt
httpdewikipediaorgwikiFriedrich_Schleiermacher gt acessado em
21122012 510 SCHLEIERMACHER Friedrich Daniel Ernst Uumlber die verschiedenen
Methoden des Uumlbersetzen Coletacircnea de obras de Friedrich Schleiermacher
parte 3 Sobre a Filosofia volII Berlim 1938 pp207-45 ndash in HEIDERMANN
Werner (org) Claacutessicos da Teoria da Traduccedilatildeo vol I Sobre os Diferentes
Meacutetodos de Traduccedilatildeo Florianoacutepolis 2001 USFC Nuacutecleo de Traduccedilatildeo p27
Esta traduccedilatildeo seraacute utilizada em todas citaccedilotildees ss destes textos compreendido nas
pp26-87 supra mencionada Trata-se de uma leitura de estilo exuberante e
peculiar daquilo que se produzia na Alemanha romacircntica no espiacuterito da eacutepoca em
iniacutecios do seacutec XIX onde uma gama grande temas aparece abordada em conjunto
num uacutenico debate cujas afirmaccedilotildees conceptualmente distanciam-se da visatildeo
hodierna de que necessariamente soacute podem ser propaladas por especialistas
167
convencional pragmaacutetico falado-escrito com fins de mera intermediaccedilatildeo
entre liacutenguas como ocorre nos negoacutecios Ao se referir der eigentliche
Uumlbersetzer (= o verdadeiro tradutor) Schleiermacher vai alccedilaacute-lo
O inteacuterprete exerce sua profissatildeo no campo dos
negoacutecios o verdadeiro tradutor primordialmente
no campo da ciecircncia e da arte511
Dessa forma o tradutor de artigos de jornal e de
simples relatos de viagem se associa
primeiramente ao inteacuterprete () Em contrapartida
quanto mais a maneira proacutepria do autor de ver e
relacionar for dominante na apresentaccedilatildeo () tanto
mais seu trabalho entra no acircmbito mais elevado da
arte e entatildeo o tradutor tambeacutem precisa trazer
outras forccedilas e habilidades ao seu trabalho e ter
conhecimento do seu autor e de sua liacutengua de modo
diferente que o inteacuterprete512
Embora desfavoreccedila o inteacuterprete em relaccedilotildees negociais juriacutedicas
tradutores de artigos de jornal relatos de viagem κτλ o que na atualidade
se mostra um tanto diacutespar frente ao refinamento e arguacutecias conferidas aos
negoacutecios e a imprensa moderna onde mostra-se insuficiente o uso da
traduccedilatildeo meramente maquiacutenica Schleiermacher afirmar que
Quanto menos elas mesmas [as traduccedilotildees]
puderem ser consideradas especiais sob uma
generalidade bem conhecida tanto mais
conhecimentos cientiacuteficos e cuidado a redaccedilatildeo
exige e tanto mais conhecimentos cientiacuteficos do
assunto e da liacutengua o tradutor precisaraacute para o seu
trabalho513
Dessa mesma forma tambeacutem raramente pode
haver uma duacutevida que natildeo possa ser solucionada
sobre quais expressotildees de uma liacutengua
correspondem agraves de outra Por isso a transposiccedilatildeo
nesse campo eacute um processo quase soacute mecacircnico que
com um parco conhecimento de ambas as liacutenguas
511 SCHLEIERMACHER ndash in HEIDERMANN 2001 opcit p29 512 id opcit p31 513 id ibid
168
cada um pode realizar e se nela for evitado o erro
evidente haacute pouca diferenccedila entre o melhor e o
pior514
E portanto defende que em escritos onde traduccedilatildeo propriamente
dita se aplique natildeo haacute uma relaccedilatildeo de equivalecircncia entre percepccedilotildees
sentimentos acepccedilotildees de leitor original e leitor da liacutengua-receptora O
binocircmio homem-liacutengua tem dupla via (i) o pensamento do indiviacuteduo eacute
circunscrito pela a liacutengua que fala (ii) mas nada obstante o homem livre
interveacutem na liacutengua agrave sua proacutepria maneira abrolhando novos arranjos que
se perpetuam
Assim sendo este mesmo binocircmio simultaneamente assume o
papel triacuteplice de ente criado sujeito criador ou ateacute de re-criador pois
Schleiermacher afirma que ldquoagraves vezes os nossos proacuteprios discursos devem
ser traduzidos depois de um certo tempo se quisermos que continuem
sendo nossosrdquo515 (destaca a dimensatildeo temporal) A alocuccedilatildeo na sua
acepccedilatildeo mais elevada e liberta depreca sua concepccedilatildeo (i) de uma forma
atraveacutes do espiacuterito da liacutengua de cujos subsiacutedios eacute composta enquanto
discurso unido e determinado por este mesmo espiacuterito que se alastra com
vivacidade por sobre que o enuncia (ii) a alocuccedilatildeo demanda ser
concebida pela alma daquele que realiza o ato da sua enunciaccedilatildeo fruto
perceptiacutevel desta maneira tatildeo-somente pelo seu proacuteprio ente Deste
modo Schleiermacher lanccedila sua proposiccedilatildeo
Mas na produccedilatildeo literaacuteria e cientiacutefica se elas
deveratildeo se transplantadas de uma liacutengua para outra
surgem dois aspectos atraveacutes dos quais a situaccedilatildeo eacute
mudada completamente () [falando do primeiro
aspecto que eacute a equivalecircncia palavra-a-palavra
entre duas liacutenguas] E de cada traduccedilatildeo poder-se-ia
dizer que com exceccedilatildeo do efeito do tom e da
entonaccedilatildeo atraveacutes dela o leitor estrangeiro eacute
colocado na mesma relaccedilatildeo com o autor e sua obra
que o leitor do paiacutes de origem da mesma Poreacutem
ocorre justo o contraacuterio com todas as liacutenguas que
natildeo tecircm um grau de parentesco proacuteximo que soacute
podem ser vista como dialetos diferentes e quanto
mais elas se distanciam na origem e no tempo tanto
mais nenhuma palavra corresponde exatamente a
514 id opcit p33 515 SCHLEIERMACHER ndash in HEIDERMANN 2001 opcit pp27-8
169
uma outra na outra liacutengua Nenhuma forma
morfoloacutegica de uma reuacutene exatamente a mesma
multiplicidade de relaccedilotildees que qualquer uma na
outra () Eacute bem diferente naquele campo que
pertence agrave arte e agrave ciecircncia e em tudo onde domina
mais o pensamento que forma uma unidade com o
discurso e natildeo o objeto cuja palavra estaacute ali
somente como seu signo arbitraacuterio talvez poreacutem
fortemente determinada como signo da palavra
Quatildeo infinitamente difiacutecil e complicada pois a
coisa se torna aqui E quanto conhecimento exato
e quanto domiacutenio de ambas as liacutenguas isso
requer516
No entanto quando ele aborda o segundo fato que se relaciona com
este imediatamente anterior arrazoa que ldquocada pessoa eacute dominadardquo cf
Schleiermacher ldquopela liacutengua que fala ela e todo seu pensamento satildeo um
produto delardquo517 sendo impraticaacutevel raciocinar com clareza naquilo que
esteja aleacutem dos encostes da liacutengua e que ldquo() soacute se entende o discurso
como accedilatildeo do enunciador quando ao mesmo tempo percebe onde e de
que modo a forccedila da liacutengua o dominou para onde na sua conduccedilatildeo os
raios do pensamento se direcionam onde e como em suas formas a
fantasia vagueante foi preservadardquo518 Na sua concepccedilatildeo ldquosoacute se entende
discurso como um produto da liacutengua e como expressatildeo de seu espiacuterito ()
que somente um heleno poderia pensar e falar dessa forma (em gr)rdquo e
que ldquoassim soacute se manifesta sua posse viva da riqueza linguumliacutestica (sic) soacute
uma grande percepccedilatildeo de medida e de eufonia soacute o seu talento para criar
e pensarrdquo519 Sua recomendaccedilatildeo a reflexatildeo eacute decisiva
Se neste campo a compreensatildeo na mesma liacutengua jaacute
eacute difiacutecil e implica um correto e profundo mergulho
no espiacuterito da liacutengua e na particularidade do autor
quanto mais natildeo seraacute uma arte elevada quando
produccedilotildees de uma liacutengua estranha e distante
estiverem em jogo Quem pois sinceramente tiver
se apoderado da arte de compreender atraveacutes do
mais zeloso empenho na liacutengua atraveacutes do
conhecimento preciso de toda a vida histoacuterica do
516 id opcit pp33-5 517 id ibid 518 SCHLEIERMACHER ndash in HEIDERMANN 2001 opcit p37 519 id opcit pp37-9
170
povo e atraveacutes da apresentaccedilatildeo mais viva possiacutevel
de algumas obras e seus autores esse e
sinceramente soacute esse pode desejar transmitir
tambeacutem a seus compatriotas e contemporacircneos a
igual compreensatildeo das principais obras de arte e
ciecircncia Mas as duacutevidas tecircm de se multiplicar
quando ele se propotildee a tarefa quando quiser
determinar melhor seus fins e calcular seus
meios520
E conclui suscitando uma duacutevida deve o tradutor juntar dois entes
tatildeo afastados ndash ldquoo compatriota que desconhece a liacutengua do autor e o
proacuteprio autor para uma relaccedilatildeo tatildeo direta como a de um autor e seu leitor
originalrdquo Isto posto para que ldquoseus leitores entendam eles precisam
captar o espiacuterito da liacutengua proacutepria do autor precisam poder olhar a forma
de pensar e sentir particular do autorrdquo521
A respeito desse ensaio ininterruptamente dualiacutestico com
expressotildees extremas cheio de zelo absoluto do mister da traduccedilatildeo
periacuteodos longos que emulam a sintaxe gr μὲν δὲ (= de um lado
por outro ) temos a deferecircncia de Berman522
ldquo() trata-se sem duacutevida do uacutenico estudo dessa
eacutepoca na Alemanha que constitui uma abordagem
sistemaacutetica e metoacutedica da traduccedilatildeo
Metoacutedica pois natildeo se trata apenas para
Schleiermacher de analisar mas de deduzir a
partir de definiccedilotildees os meacutetodos possiacuteveis de
traduccedilatildeo
Sistemaacutetica Schleiermacher procura delimitar a
extensatildeo do ato de traduzir no campo total da
compreensatildeo delimitaccedilatildeo que se opera pela
exclusatildeo progressiva do que natildeo eacute esse ato e por
sua situaccedilatildeo articulada nesse campo Uma vez feita
essa delimitaccedilatildeo torna-se entatildeo possiacutevel proceder
a um exame (ele proacuteprio sistemaacutetico) das traduccedilotildees
520 id opcit p39 521 id ibid 522 Antonine Berman (1942-dagger1991) francecircs historiador e tradutor segue a
linha teoacuterica de F Schleiermacher de quem traduziu a conferecircncia Des diffeacuterentes
meacutethodes du traduire Seuil Points 1999 e de Walter Benjamin o artigo La tacircche
du traducteur ndash in Walter Benjamin Œuvres I (1923) Gallimard Folio Essais
2000
171
existentes e de criar uma metodologia da traduccedilatildeo
aplicada aos diferentes gecircneros em Rede [nt12
Essa sistemaacutetica permanece no estado
programaacutetico] Satildeo esses os passos que seguem sua
Hermenecircuticardquo523
Tem-se admitido as teorias de Schleiermacher no domiacutenio de
meros refluxos de ideais socionacionalistas alematildees resultante do
acalorado debate em curso na cultura fragmentada e no sentimento
nacional do povo teutocircnico daqueles tempos Ou seja tal como ocorrera
na Reforma no mesmo berccedilo geograacutefico as pressuposiccedilotildees para a
transladaccedilatildeo trans-interlingual seria uma das ldquoarmasrdquo de uma idealizaccedilatildeo
outra vez de emancipaccedilatildeo quebra do estigma de inferioridade junto aos
franceses e independecircncia poliacutetico-cultural Embora aceitaacutevel o mais
admissiacutevel eacute que consista de fato em um subproduto do intenso debate
generalista de ideias que marcou a teoria e literatura nesta eacutepoca dos
expoentes romacircnticos524 Este mote eacute alccedilado por N Elias em Uumlber den
Prozeszlig der Zivilisation525 no momento que alude a Mauvillon escritor
francoacutefono do seacuteculo XVIII no qual pretende apoiar seu cotejo do meacutetodo
etnocecircntrico de traduzir versus os ideais franceses de costume-tradiccedilatildeo
com meacutetodo estrangeirizador versus os ideais de civilizaccedilatildeo germacircnicos
ldquo() igualmente quanto quase a totalidade dos poetas admiraacuteveis526
foram traduzidos para a maior parte dos idiomas europeus enquanto
poetas de vocecircs [alematildees] satildeo no geral eles proacuteprios tatildeo-somente
tradutoresrdquo527 As pressuposiccedilotildees encetadas com Schleiermacher
abalizam que a obra tradutoacuteria fecunda e intensa dos alematildees natildeo se
tratava de inaptidatildeo imaginativa e criadora de obras originais nem
denotava alguma dependecircncia cultural Mas antes a atividade tradutoacuteria
523 BERMAN Antoine A prova do estrangeiro Cultura e traduccedilatildeo na
Alemanha romacircntica Bauru EDUSC 2002 p259 (itaacutelicos no autor) 524 Para citar alguns Johann Gottfried Herder (1744-dagger1803) August
Wilhelm von Schlegel (1772-dagger1829) Friedrich Wilhelm Christian Carl
Ferdinand von Humboldt (1767-dagger1835) Johann Wolfgang von Goethe (1749-
dagger1832) Johann Christian Friedrich Houmllderlin (1770 -dagger1843) Friedrich Leopold
Baratildeo de Hardenberg igualmente chamado de Novalis (1772-dagger1801) Gotthold
Ephraim Lessing (1729-dagger1781) Haacute muitos outros na muacutesica filosofia teologia
artes plaacutesticas κτλ 525 = Sobre o Processo Civilizatoacuterio 526 Referindo-se a Tasso Milton Pope Racine Moliegravere Boileau et alii 527 ELIAS Norbert Uumlber den Prozeszlig der Zivilisation Frankfurt
Suhrkamp 1976 p12
172
particularmente no domiacutenio da ldquociecircncia e arterdquo constituiria na ldquoarmardquo (cf
supra) para rematar categoricamente os resquiacutecios deste viacutenculo
De outra forma as traduccedilotildees de documentos cristatildeos cujo escopo
de alguns estudiosos eacute frutificaacute-las com o fim uacuteltimo de serem apenas
academicamente aceitaacuteveis convivem em tensatildeo com aquelas que
pretendem tatildeo simplesmente alcanccedilar uma audiecircncia comunicando uma
mensagem A questatildeo-chave eacute reconhecer que diferentes puacuteblicos satildeo os
mais adequados por tipos de traduccedilotildees Uma publicaccedilatildeo para
adolescentes eg natildeo seraacute apropriada para o uso em alto grau acadecircmico
(e vice-versa) Infelizmente esta demanda eacute muitas vezes obscurecida
pelas estrateacutegias de mercado e accedilotildees de marketing Aleacutem disso os
estudiosos frequentemente julgam os meacutetodos de traduccedilatildeo da Biacuteblia de
acordo com os criteacuterios que eles usam para a traduccedilatildeo literaacuteria sem
reconhecer claramente que a maioria dos leitores de escritos cristatildeos natildeo
os lecirc como literatura antes como escritos de autoridade religiosa e como
guia de conduta para a vida
No seu discurso Sobre os diferentes meacutetodos de traduccedilatildeo528
Schleiermacher afirma ldquo() a meu ver soacute existem apenas dois [meacutetodos
de traduccedilatildeo] Ou o tradutor deixa o autor em paz [lsquotanto quanto
possiacutevelrsquo529] e leva o leitor ateacute ele ou ele deixa o leitor em paz [lsquotanto
quanto possiacutevelrsquo] e leva o autor ateacute elerdquo Passagem explorada pelos
opositores da equivalecircncia dinacircmica Todavia Schleiermacher elege e
abona sua opccedilatildeo
Traduzir conforme o primeiro ponto de vista [cf
supra] eacute uma questatildeo de necessidade para um povo
do qual soacute uma pequena parte pode adquirir um
conhecimento suficiente de liacutenguas estrangeiras
mas uma parte maior tem um sentido para
apreciaccedilatildeo de obras estrangeiras () As liacutenguas
estrangeiras poderiam ser tatildeo expandidas quanto
possiacutevel e o acesso a suas obras mais nobres
poderia ser livre para cada capacitado e mesmo
assim continuaria um empreendimento curioso
que soacute reuniria um nuacutemero de ouvintes tanto maior
e tanto mais interessados se algueacutem prometesse
528 SCHLEIERMACHER ndash in HEIDERMANN 2001 opcit p43 529 cf VENUTI Lawrence Strategies of translation ndash in Mona Baker
(ed) Kirsten Malmkjaeligr (assist ed) Routledge Encyclopedia of Translation
Studies London Routledge 1998B p242 que acresce as expressotildees intratexto
numa re-elaboraccedilatildeo da citaccedilatildeo claacutessica
173
apresentar-nos uma obra de Ciacutecero ou de Platatildeo
como se estes homens mesmo a tivessem escrito
agora e diretamente em alematildeo E se algueacutem nos
conseguisse realizar isso natildeo somente na proacutepria
liacutengua materna mas ainda numa outra estrangeira
esse evidentemente seria para noacutes o maior mestre
na difiacutecil e quase impossiacutevel arte de dissolver os
espiacuteritos das liacutenguas uns nos outros530
Schleiermacher preferiu a primeira estrateacutegia ndash a estrangeirizaccedilatildeo
em detrimento da segunda ndash agrave domesticaccedilatildeo Segundo Fawcett ele
ldquoimaginava leitores tatildeo em sintonia com a diversidade cultural que iriam
desenvolver um ouvido para traduccedilotildees de diferentes idiomasrdquo531 Mas ao
avesso desta audiecircncia imaginaacuteria os puacuteblicos reais para a maior parte
das traduccedilotildees cristatildes de maneira especial em liacutenguas minoritaacuterias532 a
maioria natildeo tem este coeficiente de sofisticaccedilatildeo e por isso satildeo natildeo
poucas vezes confundidos por estrangeirismos em suas traduccedilotildees Notas
explicativas marginais e de rodapeacute apecircndices temaacuteticos mapas da eacutepoca
linhas do tempo glossaacuterios κτλ podem ser de grande valia em
determinadas situaccedilotildees Haacute outros casos em que estes expedientes podem
potencializar a confusatildeo principalmente com puacuteblicos receacutem-
alfabetizados geralmente adultos
Natildeo poucos estudiosos tem professado adotar na atualidade
parcial ou integralmente o legado retentivo de Schleiermacher Dos
quais Robinson vai argumentar que
() esses teoacutericos posteriores tipicamente
dualizam a traduccedilatildeo e atribuem abertamente
acusaccedilotildees morais para as duas escolhas ou vocecirc
530 SCHLEIERMACHER ndash in HEIDERMANN 2001 opcit p79-81 531 FAWCETT Peter Ideology and translation ndash in Mona Baker (ed)
Routledge Encyclopedia of Translation Studies London Routledge 1998 p111 532 Terminologia proposta pela sociolinguiacutestica para englobar ldquotoda e
qualquer liacutengua falada por uma minoria num estado nacionalrdquo cf GUENEL Julie
LACOCHE Brigitte ROCHEFEUILLE Marine et alii Dictionnaire de
Sociolinguistique New York Paris Garland PUF 1981 verbete cit Onde
pelo ponto de vista poliacutetico trecircs satildeo as possibilidades (i) liacutengua oficial (eg o
gaeacutelico irlandecircs minoritaacuterio em relaccedilatildeo ao inglecircs) (ii) liacutengua usada
regionalmente onde goza de maior aceitaccedilatildeo (eg o francecircs de Quebec no
Canadaacute o friacutesio da Friacutesia na Holanda) (iii) liacutengua pouco usada ateacute mesmo na
regiatildeo em que eacute nativa (eg o occitano ou provenccedilal na Provenccedila Franccedila liacutenguas
tribais africanas liacutenguas indiacutegenas)
174
domestica o [liacutengua-fonte] texto covardemente o
assimila () ou vocecirc estrangeiriza ele () e assim
heroicamente resiste agraves intensas pressotildees produto
do capitalismo533
Sob este mesmo prisma Venuti sopesou a equivalecircncia dinacircmica
Identificou-a com domesticaccedilatildeo que ele desvale e por fim rejeita-a como delineia Wilt534 Sua abordagem dualista o impediu de apreciar
como a equivalecircncia dinacircmica que segundo Nida encontra um meio-
caminho vaacutelido rejeitando domesticaccedilatildeo de ldquofundo culturalrdquo
incentivando a domesticaccedilatildeo de ldquoestruturas linguiacutesticasrdquo Refinamentos
mais recentes do conceito de equivalecircncia dinacircmica podem dar conta de
uma clarificaccedilatildeo desta distinccedilatildeo Deste modo
() uma tentativa de se evitar a excessiva
domesticaccedilatildeo das Escrituras como ocorre por
exemplo no uso inadequado de substitutos
culturais ou teoloacutegicos e ao mesmo tempo de se
manter a cautela para natildeo em demasiado
estrangeirizar o texto de modo a afastar os leitores
ou perpetuar estereoacutetipos sobre linguagem
biacuteblica535
Por ldquoexcessivamente estrangeirizar o textordquo Wilt refere-se agrave
preservaccedilatildeo das estruturas linguiacutesticas da liacutengua-fonte De outro lado
eg Nida e Waard explicitamente distinguem traduccedilotildees com base na
equivalecircncia funcional (que podem ser entendida como a domesticaccedilatildeo
linguiacutestica) a partir de ldquoreinterpretaccedilotildees culturaisrdquo536 (que envolvem
domesticaccedilatildeo cultural)537 Beekman e Callow jaacute haviam ponderado sobre
este tipo de reinterpretaccedilatildeo cultural reputando-a como ldquoimprecisardquo por
causa da carecircncia de fidelidade nas referecircncias histoacutericas538 Hesselgrave
retoma as discussotildees fecundas de Charles H Kraft na abordagem do tema
533 ROBINSON Douglas 1998B ndash in Mona Baker opcit p127 534 WILT Timothy Review of Lawrence Venutirsquos lsquoThe Translators
Invisibility A History of Translationrsquo [1995] ndash in The Bible Translator 49 (1)
1998 pp149 151-2 535 id ibid p152 536 WAARD NIDA 1986 opcit p41 537 JORDAN Clarence 1968-1973 que a utiliza em sua Cotton Patch
Version do NT 4 vols Chicago Association Press 1968 1969 1970 e 1973 538 BEEKMAN CALLOW 1974 opcit p35
175
da ldquotransculturaccedilatildeordquo quando o distingue de traduccedilatildeo539 Adaptaccedilatildeo
contextual como primeiramente descrito por Gutt infra pode ser
considerada como um terceiro tipo distinto de domesticaccedilatildeo
V A Teoria da Relevacircncia e a tradutologia de escritos apoacutecrifo-cristatildeos
Detalhes de reformulaccedilatildeo teoacuterica satildeo sempre cogentes em qualquer
ciecircncia tatildeo igualmente o eacute quando se aparelha a linha teoacuterica que estearaacute
a traduccedilatildeo de AtsPe Com o desenvolvimento da linguiacutestica partiu de
Sperber e Wilson ndash Relevance Communication and Cognition540 ndash a
Teoria da Relevacircncia oriunda da Pragmaacutetica que relaciona o encontro
falante-ouvinte em uma reelaboraccedilatildeo da ldquoteoria das implicaturasrdquo de
Grice541 Trata-se de outra relevante criacutetica agrave equivalecircncia funcional (ou
na nomenclatura antiga equivalecircncia dinacircmica)542 O arcabouccedilo teoacuterico
trata o contexto como uma instacircncia mental ndash um conjunto de
informaccedilotildees agrave disposiccedilatildeo (conscientes) e potencialmente disponiacuteveis
(das quais venha se conscientizar) a certa pessoa em cada ocorrecircncia de
comunicaccedilatildeo O ponto de vista mental de contexto traz mudanccedilas
relevantes ao caraacuteter inferencial da comunicaccedilatildeo e processos humanos
usando pressupostos de Grice543 De acordo com Sperber e Wilson544 a
demanda do contexto eacute genuiacutena e seacuteria ndash o leitor ou ouvinte estabelecem
uma conjectura sobre o sentido do discurso (escrito ou falado)
combinando contexto sociocultural ndash sitz im leben significado expliacutecito
539 cf HESSELGRAVE David J ROMMEN Edward Contextualization
meanings methods and models 2a ed Grand Rapids 2000 p59 540 SPERBER Dan WILSON Deirdre Relevance Communication and
Cognition 2ordf ed Oxford Blackwell 1995 in toop 541 GRICE Hebert Paul The causal theory of perception Proceedings of
the Aristotelian Society ndash in Supplementary 35 Oxford Blackwell 1961
pp121-52 Reimpresso partes ndash in GRICE Hebert Paul Studies in the Way of
Words Cambridge Harvard University Press 1989 pp224-47 542 CAMPOS Jorge RAUEN Faacutebio Joseacute (orgs) Toacutepicos em Teoria da
Relevacircncia Porto Alegre EdiPUCRS 2008 Tambeacutem uide texto original que foi
sendo retrabalhado ao longo dos anos 1986 1987 1995 1998 e 2002 SPERBER
WILSON 1995 opcit 543 GUTT 2000A opcit a partir do cap 2ss 544 SPERBER WILSON 1995 ibid
176
(denotativo) e significaccedilatildeo impliacutecita (conotativa) Citando Sperber Rauen
afirma que ldquoidentificar o significado do falante equivale a identificar esse
estado mental complexordquo545 fronteira rariacutessimas vezes percebida
Poderiacuteamos resumir um somatoacuterio de natureza enciclopeacutedica que
abrange diversos domiacutenios da cogniccedilatildeo humana que juntas conformam
as circunscriccedilotildees socioculturais de um discurso de partida546
Assim sendo diversas satildeo as implicaccedilotildees para tomadas de decisatildeo
na traduccedilatildeo e tem sido alvo de constante estudo dentro da comunidade
de tradutores de textos cristatildeos e apoacutecrifos como nos propomos com
AtsPe547
Cada termo tem em si mesmo a essecircncia de signi-ficar ndash anaacutelogo
ao signum facere ndash sendo assim um movimento performativo e
transformador da linguagem Disto decorre que o significado dentro do
seu embasamento formal e epistemoloacutegico se dissocia da palavra amplia
seu intento que na mais perfeita das hipoacuteteses eacute instaacutevel e pressupotildee uma
ldquocompreensatildeo analisaacutevelrdquo dos processos pelos quais os significados se
emanam de palavras satildeo a elas inerentes e inseparaacuteveis ou ainda
transcendem-nas548 A teoria da relevacircncia revolve-se em uma questatildeo
capital o modelo de coacutedigo de comunicaccedilatildeo subjacente ao arqueacutetipo de
lsquofonte-mensagem-receptorrsquo da traduccedilatildeo ndash importante na foacutermula
esboccedilada cf Nida da equivalecircncia funcional (anteriormente
dinacircmica)549 que agora resta minado seriamente Ou em outras palavras
Raeun sobre a teoria de Sperber diz que
() a uma pragmaacutetica cognitiva cabe analisar como
os enunciados satildeo compreendidos isto eacute observar
545 id ibid Tambeacutem como destaca CAMPOS RAUEN opcit p28 546 cf NORD Christiane Text analysis in translation theories
methodology and didactic application of a model for translation-oriented text
analysis Amsterdam Atlanta Rodopi 1991 id Translating as a purposeful
activity functionalist approaches explained Manchester Northampton St
Jerome Publishing 1997 Tambeacutem cf REIszlig Katharina VERMEER Hans
Introducing Translation Studies Theories and applications [1984 pp112-9] 2a
ed Madison Ave New York Routledge 2001 pp78-85 547 ALVES Faacutebio Traduccedilatildeo e conscientizaccedilatildeo por uma abordagem
psicolinguumliacutestica com enfoque processual na formaccedilatildeo de tradutores ndash in
Intercacircmbio seccedilatildeo IV 1997 [natildeo paginado] (on-line) lt
httpwww2laelpucspbr~tonyintercambio_anteriores06alvespspdf gt
Acessado em 25082012 548 STEINER 2005 opcit p298 549 NIDA 1964 opcit pp120-44
177
como fatores contextuais e propriedades
linguumliacutesticas (sic) interagem na interpretaccedilatildeo dos
enunciados Em outros termos como fatos sobre
audiecircncia tempo e lugar do enunciado combinam-
se com a estrutura fonoloacutegica sintaacutetica e semacircntica
da sentenccedila enunciada para gerar uma interpretaccedilatildeo
particular550
Por conseguinte cabe a uma pragmaacutetica cognitiva no modelo de
Sperber verificar como ocorre agrave compreensatildeo dos enunciados Tambeacutem
analisar quatildeo intensamente fatores contextuais e caracteriacutesticas
linguiacutesticas interagem na hermenecircutica dos discursos nos quais a acepccedilatildeo
manipulada pelo falante transcende o significado linguiacutestico adjudicado agrave
sentenccedila pela gramaacutetica formal Ou seja como Steiner certifica ldquotodo
discurso toda interpretaccedilatildeo do discurso funciona no plano de palavra-a-
palavra e sentenccedila-a-sentenccedila Natildeo haacute qualquer acesso privilegiado agrave
totalidade subjacenterdquo551 O significado da sentenccedila eacute incompleto em si
esta ligada a estrutura linguiacutestica que o manteacutem constante em todos os
enunciados e deve ser enriquecido pelo contexto para geraccedilatildeo de alguma
proposiccedilatildeo ndash verdadeira ou falsa Podendo uma mesma sentenccedila
comunicar uma mensagem com diferentes significados a falantes
distintos552
Poreacutem estes aprimoramentos e outras novas abordagens partindo
da linguiacutestica natildeo ameaccedilaram o princiacutepio reacutegio de equivalecircncia
funcional e ateacute foi revigorado
Na uacuteltima deacutecada Ernst-August Gutt553 ao defender o fenocircmeno
da traduccedilatildeo como uma forma de comunicaccedilatildeo secundaacuteria suscitou um
dos maiores debates acerca da traduccedilatildeo de escritos advindos do contexto
multifacetaacuterio cristatildeo-judaico apoacutecrifo-cristatildeo e biacuteblico Tal disputa tem
sido polarizada entre adeptos de equivalecircncia funcional versus defensores
550 RAUEN opcit p26 ndash in CAMPOS RAUEN (eds) 2008 551 STEINER 2005 opcit p313 552 SPERBER WILSON 1995 pp70-112 553 GUTT Ernst-August Site oficial SIL (on-line) lt
httpwwwsilorgsilrostergutt_ernst-augusthtm gt acessado em 28082012
Teoacuterico contemporacircneo da traduccedilatildeo biacuteblica ligado a Wycliffe Centre Horsley
Green Professor honoraacuterio secircnior da University College London PhD em
linguiacutestica trabalha como consultor internacional das Sociedades Biacuteblicas para
pesquisas em teoria da relevacircncia traduccedilatildeo e cogniccedilatildeo mdashmdash Smith uso o termo
ldquosucesso da traduccedilatildeordquo na perspectiva comunicativa de Gutt equivale dizer uma
traduccedilatildeo que eacute reconhecida pela sua relevacircncia e comunicaccedilatildeo eficaz
178
de uma filiaccedilatildeo tradutoacuteria ancorada na teoria da relevacircncia Com sua obra
Translation and Relevance Cognition and Context 1991554 Gutt tornou-
se um dos mais incompreendidos teoacutericos da traduccedilatildeo cristatilde
contemporacircnea devido a um excessivo debate em pontos perifeacutericos da
sua abordagem Tiacutepico fruto daqueles que ousam a ferir a ldquogrande
sensibilidaderdquo da tradiccedilatildeo por assim dizer de escritos que jaacute no estado
latente tatildeo sensiacuteveis ndash a histoacuteria daacute conta com uma longa lista de
testemunhos a este respeito Tal controveacutersia centra-se em torno dos
reptos que a sua tese concebe para ratificar a legitimidade da equivalecircncia
funcional como um meacutetodo de traduccedilatildeo biacuteblica usando o arcabouccedilo
teoacuterico provisionado pela teoria da relevacircncia Quanto a sua teoria
poreacutem haacute aqueles que advogam como uma contribuiccedilatildeo significativa agrave
praacutetica e teoria da traduccedilatildeo555 O problema que Gutt tentou resolver que
suscitou fuacuteria de acordo com Smith
[foi] o fato de que natildeo existe uma teoria unificada
de traduccedilatildeo que possa fornecer uma explicaccedilatildeo
teoricamente segura e praticamente viaacutevel de
como funciona a traduccedilatildeo Um relato abrangente de
traduccedilatildeo precisaria fornecer um quadro teoacuterico
uacutenico que pode dar conta de todos os tipos de
traduccedilatildeo de forma unificada Este quadro teoacuterico
unificador deveria ser capaz de explicar as
condiccedilotildees para o sucesso da traduccedilatildeo [uide nt] em
situaccedilotildees diversas como por um lado a traduccedilatildeo
dos textos sagrados religiosos e por outro lado a
traduccedilatildeo de caixas de cereais e folhetos de viagem
Aleacutem disso ele deve fazecirc-lo de uma forma que
mantenha a coerecircncia teoacuterica interna Em algum
niacutevel apesar de suas muitas diversidades a
traduccedilatildeo deve ser compreensiacutevel como um
fenocircmeno uacutenico que eacute regido pelos mesmos
princiacutepios globais seja a traduccedilatildeo da Biacuteblia ou
traduccedilatildeo de folheto556
554 Em 2000 GUTT Ernst-August relanccedila a 2a ed complementada e
revisada deste livro Translation and Relevance Cognition and Context 2a ed
Manchester Northampton St Jerome Publishing 2000A 555 cf SMITH Kevin Gary Bible Translation and Relevance Theory The
Translation of Titus Tese de doutoramento (submetida agrave University of
Stellenbosch] Stellembosch 2000 tambeacutem et alii 556 SMITH Bible Translation and Relevance Theoryhellip 2000 p108
179
Um relato unificado da traduccedilatildeo permaneceu indescritiacutevel ateacute o
advento da teoria da relevacircncia Teorias de traduccedilatildeo anteriores como a
equivalecircncia funcional haviam falhado em duas frentes (i) natildeo
conseguiram fornecer um relato igualmente vaacutelido dos diversos tipos de
traduccedilatildeo (ii) lidaram com algumas hipoacuteteses equivocadas sobre a
natureza da comunicaccedilatildeo e consequentemente condiccedilotildees para a
comunicaccedilatildeo bem-sucedida em traduccedilatildeo Trabalhando no pressuposto de
que a traduccedilatildeo se insere no domiacutenio da comunicaccedilatildeo Gutt argumentou
que a teoria da relevacircncia conteacutem a chave para fornecer um ldquorelato
unificado da traduccedilatildeordquo557 A teoria da relevacircncia distingue entre o uso
descritivo e interpretativo da liacutengua
No uso descritivo o pensamento pertence ao
falante e (a) o falante pretende representar
fielmente a realidade No uso interpretativo o
pensamento (originalmente) pertence a algueacutem que
natildeo seja o falante e (b) o falante pretende que o seu
enunciado represente fielmente o pensamento
original Algueacutem falar descritivamente pretende
ser fiel agrave realidade algueacutem falando
interpretativamente pretende ser fiel ao significado
do falante original558
Traduccedilatildeo portanto eacute uma forma de comunicaccedilatildeo secundaacuteria A
traduccedilatildeo operando dentro das categorias de teoria da relevacircncia no
modelo de Gutt eacute a diferenciada pelo ldquouso interpretativo interlingualrdquo e
de como o anaacutelogo interlingual eacute enunciado559 Faz-se uma distinccedilatildeo clara
entre ldquoa barreira da liacutengua muito familiar () [e] a segunda barreira
marcada de diferenccedilas contextuais () a fundamental responsabilidade
do tradutor eacute o domiacutenio da primeira barreirardquo560 ndash outro repto basilar agrave
teoria da equivalecircncia funcional Traduccedilatildeo de uso interpretativo
interlingual do idioma eacute aquela em que o tradutor tenta expressar com
fidelidade o pensamento original do autor em outra liacutengua Desde que isto
seja verdadeiro a todas as formas de traduccedilatildeo a noccedilatildeo de uso
557 GUTT 2000A opcit particularmente pp105-36 558 SMITH Kevin G opcit p39 559 De acordo com GUTT 2000A opcit p105-36 (ecircnfase no orig) que eacute
uma expansatildeo da sua tese de doutoramento 1991 ndash Traduccedilatildeo e Relevacircncia
Cogniccedilatildeo e Contexto Ernst-August Gutt foi tradutor biacuteblico na Etioacutepia aplicando
a teoria da relevacircncia 560 id opcit pp108-10 (itaacutelicos no orig)
180
interpretativo provecirc o denominador comum que permite Gutt apresentar
um ldquorelato unificado da traduccedilatildeordquo561 do qual decorrem-se implicaccedilotildees
para o seu desenvolvimento
(i) permite-se excluir um tipo de traduccedilatildeo que causou problemas
baacutesicos para o desenvolvimento de um relato abrangente ou seja a
traduccedilatildeo-encoberta562 ldquouma traduccedilatildeo que desfruta ou desfrutou do status
de um ST [texto-de-origem] na cultura alvordquo563 Quando se trata de
traduzir propagandas folhetos de viagens manuais do fabricante κτλ o
que importa eacute natildeo se a traduccedilatildeo com precisatildeo expressa o significado do
texto-fonte mas se a traduccedilatildeo transmite com eficiecircncia a informaccedilatildeo
necessaacuteria Se tal traduccedilatildeo corresponde de perto ao texto-de-origem eacute
irrelevante O texto-fonte essencialmente funciona como um guia para a
produccedilatildeo de um ldquotexto originalrdquo da liacutengua-alvo Em termos da teoria da
relevacircncia traduccedilotildees encobertas satildeo instacircncias do uso descritivo da
linguagem porque os tradutores natildeo estatildeo necessariamente tentando
representar fielmente o significado do texto-fonte mas reproduzir um
ldquotexto-originalrdquo de acordo com Gutt ldquoo que eacute assim chamado natildeo eacute
semelhanccedila interpretativa mas precisatildeo descritiva e a adequaccedilatildeordquo564
Desde que a traduccedilatildeo correta eacute limitada para instacircncias de uso
interpretativo traduccedilatildeo encoberta natildeo eacute verdadeiramente uma forma de
traduccedilatildeo
(ii) permite Gutt distinguir duas abordagens muito diferentes ndash
traduccedilatildeo-direta e indireta (conceito que seraacute esboccedilado com minudecircncias
algumas laudas a diante) mantendo a unidade teoacuterica no seu relato
unificado da traduccedilatildeo porque em uacuteltima anaacutelise ambas as abordagens
provam ser formas de uso interpretativo Juntas essas duas abordagens
remetem a todas as instacircncias de traduccedilatildeo genuiacutena ou seja todas as
instacircncias onde o tradutor estaacute conscientemente tentando transmitir o
significado do texto-fonte
Essas duas abordagens para a traduccedilatildeo satildeo obtidas por relaccedilatildeo com
as duas formas de uso interpretativo intralingual ou seja citaccedilatildeo-direta
e indireta Como a citaccedilatildeo-direta esforccedila-se para transmitir exatamente o
que algueacutem enunciou entatildeo a traduccedilatildeo-direta esforccedila-se para transmitir
todos os pressupostos veiculados pelo texto-fonte esforccedila por uma
561 GUTT 2000A opcit p108-10 (ecircnfase no orig) 562 id opcit pp46-69 563 HOUSE Juliane EDMONDSON Willis Letrsquos Talk and Talk About It
A Pedagogic Interactional Grammar of English Muumlnchen Urban
Schwarzenberg1981 p194uide tambeacutem GUTT 2000A opcit p47 564 GUTT 2000A opcit p218
181
completa semelhanccedila interpretativa Similarmente como a citaccedilatildeo-
indireta pode contentar transportando apenas parte da mensagem original
se contenta apenas com pressupostos do texto-original pode variar de
uma reproduccedilatildeo quase exata do que foi dito originalmente a uma
aproximaccedilatildeo parafraseada do que foi dito Da mesma forma a traduccedilatildeo-
indireta estabelece-se com aspectos relevantes que variam de um alto a
um baixo grau de semelhanccedila interpretativa dependendo das expectativas
e interesses do puacuteblico alvo565
A responsabilidade do tradutor com a barreira contextual como Gutt admite eacute que tradutores possam optar por adequar o texto para
superaacute-lo ndash traduccedilatildeo-indireta Na praacutetica esta adequaccedilatildeo contextual
consiste grande parte em levar informaccedilotildees de fundo que estatildeo
impliacutecitas no original porque eacute parte do contexto cognitivo do puacuteblico
original e se este conhecimento de fundo natildeo eacute prontamente reconhecido
pelos leitores-alvo torna-se imprescindiacutevel explicitaacute-los em uma
traduccedilatildeo
Uma vez que seu objetivo eacute fornecer um relato unificado da
traduccedilatildeo Gutt natildeo faz uma tentativa em profundidade para explicitar os
detalhes das abordagens de como a traduccedilatildeo-direta e indireta iriam
funcionar na praacutetica Sua principal preocupaccedilatildeo eacute mostrar que haacute unidade
teoacuterica subjacente agrave diversidade de abordagens natildeo para explicar ou
promover qualquer abordagem especiacutefica Na verdade Gutt realmente
natildeo pensou promover novas abordagens para a traduccedilatildeo como um todo
Sua preocupaccedilatildeo central eacute examinar o fenocircmeno da traduccedilatildeo tal qual
praticada na uacuteltima deacutecada e primeiramente encontrar um princiacutepio
unificador que sustente toda traduccedilatildeo e entatildeo estabelecer condiccedilotildees para
a traduccedilatildeo de sucesso Quanto agrave polecircmica sobre os procedimentos de
traduccedilatildeo Gutt apenas menciona
Esse problema de conflitos de expectativas se
mostra com particular clareza no caso da traduccedilatildeo
da Biacuteblia porque aqui a necessidade de comunicar
o mais claramente possiacutevel eacute igualmente forte
como a necessidade de dar ao puacuteblico da liacutengua-
receptora o acesso para o autecircntico sentido do
original Como as diferenccedilas no ambiente
cognitivo entre o idioma de origem e as audiecircncias
565 GUTT 2000A opcit especialmente cap 2 e 3
182
da liacutengua-receptora satildeo geralmente grandes estes
dois objetivos satildeo obrigados a entrar em conflito566
Em seu pensamento traduccedilatildeo-direta e indireta natildeo satildeo duas novas
abordagens a serem aplicadas mas duas grandes categorias que agrave luz dos
meacutetodos de traduccedilatildeo podem ser analisadas para a eficaacutecia comunicativa
Tradutores que buscam a semelhanccedila interpretativa completa ndash traduccedilatildeo-
direta ou que se contentam com semelhanccedila interpretativa em aspectos
relevantes ndash traduccedilatildeo-indireta Seu objetivo de traduccedilatildeo definido em
termos do niacutevel desejado de semelhanccedila interpretativa determina as
condiccedilotildees para o sucesso comunicativo e portanto a escolha dos meacutetodos
de traduccedilatildeo Os princiacutepios da comunicaccedilatildeo eficaz combinados com o
objetivo de traduccedilatildeo determinam as condiccedilotildees de sucesso A
contribuiccedilatildeo da teoria da relevacircncia eacute apresentar os princiacutepios da
comunicaccedilatildeo que ajudam a prever a eficaacutecia comunicativa
Para Gutt a adaptaccedilatildeo contextual embora admissiacutevel em uma
traduccedilatildeo compromete a sua autenticidade mas se esta reivindica
autenticidade ela deve ser uma ldquotraduccedilatildeo-diretardquo na qual a adaptaccedilatildeo
contextual natildeo eacute adequada567 Ou em outros termos como Steiner sugere
() a traduccedilatildeo eacute um imperativo teleoloacutegico uma
teimosa busca para fora de todas as frestas de todas
as comportas de todas as superfiacutecies transluacutecidas
atraveacutes das quais as correntes desjuntadas do falar
humano perseguem seu retorno previsto a um soacute
mar () Esse eacute o ldquoreino mais definitivo da
linguagemrdquo o esboccedilo mais ativo daquela perda o
discurso mais integral que por assim dizer espera
entre as linhas do texto e atraacutes delas Soacute a traduccedilatildeo
tem acesso a esse reino Ateacute que se desfaccedila Babel
tal acesso soacute pode ser parcial Essa eacute a razatildeo diz
Benjamin de por que ldquoa questatildeo da traduzibilidade
de certos trabalhos permaneceria em aberto mesmo
que fossem intraduziacuteveis para o ser humanordquo
Ainda assim a tentativa tem que ser feita e levada
adiante ldquoToda traduccedilatildeordquo proclamou Franz
Rosenzwig ao anunciar sua planejada traduccedilatildeo do
Velho Testamento para o alematildeo ldquoeacute um ato
566 id opcit p186ss 567 GUTT 2000A opcit pp228-31
183
messiacircnico que traz a redenccedilatildeo para mais
pertordquo568
Entatildeo se o objetivo da traduccedilatildeo eacute a completa semelhanccedila
interpretativa a teoria de relevacircncia estabelece as condiccedilotildees baacutesicas para
o sucesso comunicativo uma linguiacutestica outra contextual
Assim a traduccedilatildeo deve reter todas as pistas-comunicativas do
original As propriedades linguiacutesticas do texto-fonte funcionavam como
pistas-comunicativas de que os leitores originais poderiam inferir do
autor o significado pretendido Seu valor reside natildeo em sua forma
intriacutenseca mas na sua funccedilatildeo comunicativa Devido agraves diferenccedilas
estruturais entre liacutenguas natildeo eacute possiacutevel reproduzir as propriedades
linguiacutesticas de uma liacutengua em outra tanto mais quanto for a distacircncia
temporal de seacuteculos ou milecircnios No entanto muitas vezes eacute possiacutevel
identificando as pistas-comunicativas do texto-fonte formular os
equivalentes de idioma-meta que prestam a mesma funccedilatildeo comunicativa
Esta abordagem eacute de modo inerente similar da equivalecircncia funcional
que tambeacutem trata os componentes linguiacutesticos do texto-de-origem de uma
perspectiva funcional Tais pistas-comunicativas na traduccedilatildeo de AtsPe
estatildeo prioritariamente incorporadas ao texto-de-chegada e sendo
impraticaacutevel secundariamente via notas explicativas Note-se que a
ecircnfase da teoria de relevacircncia consiste em manter o esforccedilo de
processamento para um significado miacutenimo ou seja as pistas
comunicativas reformuladas devem ser naturais para o idioma-meta Esta
consideraccedilatildeo eacute em grande parte esquecida pela criacutetica da abordagem
teoacuterica da relevacircncia para traduccedilatildeo muitos dos quais imaginam que
traduccedilatildeo-direta exija algum tipo de correspondecircncia palavra-a-palavra o
que conduz inevitavelmente a uma frase de sintaxe truncada traduccedilatildeo de
difiacutecil compreensatildeo A abordagem de traduccedilatildeo-direta alocando
autenticidade segundo Gutt antes da clareza comunicativa leva a uma
seacuteria dificuldade teoacuterico-praacutetica A reivindicaccedilatildeo central da teoria da
relevacircncia eacute que a comunicaccedilatildeo humana estaacute baseada em um princiacutepio
simples de relevacircncia E assim Gutt resume ldquopara ser coerente com o
princiacutepio da relevacircncia um enunciado deve alcanccedilar efeitos contextuais
adequados e colocar o ouvinte sem nenhum esforccedilo injustificaacutevel na sua consecuccedilatildeordquo569
Aleacutem disso a traduccedilatildeo deve pressupor que o puacuteblico-receptor
ldquointerpretaraacute [ela] no contexto previsto (pelo autor original) para o
568 STEINER 2005 opcit p267 569 GUTT 2000A p35 uide tambeacutem pp31-2 (itaacutelicos pelo autor)
184
puacuteblico originalrdquo570 Uma implicaccedilatildeo fundamental da teoria da
relevacircncia eacute que ldquohaacute uma interdependecircncia causal entre estiacutemulo
contexto e interpretaccedilatildeordquo571 Um estiacutemulo somente funciona como uma
pista para o significado em um contexto Uma mudanccedila de contexto pode
ndash e muitas vezes faz ndash alterar completamente o significado de uma
declaraccedilatildeo
Schleiermacher recomendou a estrateacutegia de estrangeirizaccedilatildeo na
qual Gutt integra sua abordagem Alega que elas compartilham ldquoa
exigecircncia de que os leitores da traduccedilatildeo devem se familiarizar com o
contexto histoacuterico e cultural do originalrdquo e conclui que ldquoSchleiermacher
natildeo ressaltou que isto pode significar um trabalho consideraacutevel por parte
do puacuteblico da linguagem-receptorardquo572
Quando as diferenccedilas entre o contexto do idioma-fonte e o contexto de liacutengua-receptora satildeo grandes alguns dos pressupostos do texto-fonte
comunicado aos seus leitores originais se tornam incomunicaacuteveis no
contexto-receptor A equivalecircncia funcional tenta fazer uma ponte sobre
o abismo contextual explicando algumas das implicaccedilotildees contextuais que
natildeo satildeo claras para os leitores modernos mas esta teacutecnica eacute apenas
parcialmente bem sucedida Esta adequaccedilatildeo pode incluir alguma
assistecircncia explicativa acerca dos conceitos teoloacutegicos evoluccedilotildees
semacircnticas paraacutebolas e outras dificuldades Essa adequaccedilatildeo jaacute era
explicitamente admitida na equivalecircncia dinacircmica573 mas precisa ser
distinguida da adaptaccedilatildeo cultural ou ldquotraduccedilatildeo culturalrdquo (eg de
referecircncias histoacutericas) que eacute notoriamente descartada na equivalecircncia
dinacircmica uma vez que modifica o significado e atenta contra o princiacutepio
da precisatildeo574
No contexto da traduccedilatildeo de textos provindos deste ambiente
linguiacutestico multifacetaacuterio como AtsPe geralmente ldquoas diferenccedilas
contextuais satildeo grandes exigindo a prestaccedilatildeo de informaccedilotildees detalhadas
sobre a configuraccedilatildeo sociocultural e histoacuterica em que o original foi
570 WINCKLER W K Van der MERWE C H J Trainig tomorrowrsquos
Bible translators some theoretical pointers ndash in JNSL 19 P A Kruger et alii
(eds) Stellenbosch University of Stellenbosch 1993 pp41-58 especialmente
p54 571 GUTT 2000A opcit p169 572 id opcit pp174-5 nt4 573 cf NIDA TABER 1982 p109-12 uide tambeacutem BEEKMAN
CALLOW 1974 pp45-8 574 id ibid p13 uide tambeacutem id ibid pp35-6
185
escritordquo575 Mas o puacuteblico-alvo tem de aceitar essas medidas adicionais
Se eles precisarem estudar para assimilar essa ldquoampla informaccedilatildeordquo antes
de comeccedilar a ler e entender corretamente o texto eacute provaacutevel que eles
vejam isso como ldquoesforccedilo injustificaacutevelrdquo e assim como teoria da
relevacircncia ensina eles vatildeo perceber a traduccedilatildeo como natildeo relevante e natildeo
vatildeo lecirc-la Segundo Steiner Goethe teria deixado em aberto muitas destas
demandas quando controverteu a traduccedilatildeo da Biacuteblia de Lutero frente ao
modelo tradutoacuterio empregado576 Para uma conjuntura ao avesso desta
Gutt adverte ldquotraduccedilotildees que se mostrem incompatiacuteveis com o princiacutepio
de relevacircncia para os receptores correm um grande risco de
permanecerem natildeo lidasrdquo577
Na traduccedilatildeo como se sabe algum significado eacute sempre perdido
devido agraves diferenccedilas estruturais entre liacutenguas muito mais ocorreraacute numa
liacutengua tatildeo distante como no caso gr-lat-cop de AtsPe Se a traduccedilatildeo
pressupotildee que o puacuteblico-receptor iraacute interpretaacute-lo usando suposiccedilotildees
contextuais diferentes dos leitores-originais mais perda ocorre devido agrave
diferenccedila contextual entre as audiecircncias Segue-se que qualquer traduccedilatildeo
que se esforccedila para atingir o mais alto niacutevel possiacutevel de semelhanccedila
interpretativa seu texto-fonte deve assentar-se no mesmo contexto do
original Assim o tradutor deve decidir por uma de duas estrateacutegias ou
ldquoo tradutor quer fazer a traduccedilatildeo clara para o receptorrdquo que resulta numa
traduccedilatildeo-indireta ou ldquoo tradutor visa autenticidaderdquo e produz uma
ldquotraduccedilatildeo-diretardquo 578 Acerca da semelhanccedila interpretativa Gutt aclara
Uma propriedade essencial dos modelos
proposicionais eacute que eles tecircm propriedades loacutegicas
em virtude dessas propriedades loacutegicas podem se
contrariar em si mesmas implicar-se mutuamente
ou constituir outras muacutetuas relaccedilotildees loacutegicas Uma
vez que todas as formas proposicionais tecircm
propriedades loacutegicas duas formas proposicionais
podem ter algumas propriedades loacutegicas em
comum Conseguintemente podemos expor que as
representaccedilotildees mentais cujas formas
proposicionais partilhem de alguns predicados
575 GUTT 2000A opcit p231 576 STEINER 2005 opcit pp280ss 577 GUTT Ernest-August Relevance Theory A Guide to Successful
Communication in Translation Dallas New York SIL United Bible Societies
1992 p68 578 cf GUTT 2000A opcit pp187-9
186
loacutegicos assemelham-se em virtude dessas
propriedades loacutegicas partilhadas por ambas Esta
similaridade entre as formas proposicionais eacute
denominada de semelhanccedila interpretativa579
Portanto uma traduccedilatildeo-direta deve criar a impressatildeo de ler a
linguagem do receptor no contexto de origem O idioma deve ser natural
para a linguagem do receptor mas as inferecircncias que a audiecircncia-original
teria tido extraiacutedo do sitz im leben (= seu lugar vivencial) ao inveacutes de
pistas linguiacutesticas natildeo podem ser explicadas na traduccedilatildeo Isto deve
aplicar-se igualmente a um enunciado do que seja uma traduccedilatildeo ldquo() se
as traduccedilotildees natildeo satildeo percebidas como relevantes pelos receptores elas
natildeo seratildeo utilizadasrdquo580 Ele tambeacutem oferece um arqueacutetipo de uma
traduccedilatildeo-direta autecircntica e ideal sem adaptaccedilatildeo contextual E afirma
que por causa das barreiras contextuais para a comunicaccedilatildeo natildeo
superadas dentro do texto a traduccedilatildeo seraacute inicialmente natildeo entendida nem
percebida como relevante Por fim Gutt conclui que
() o posicionamento da traduccedilatildeo pode exigir
medidas adicionais que se encontram fora mas satildeo
complementares ao esforccedilo de traduccedilatildeo em si
mesma e que satildeo projetados para ajustar contexto
do puacuteblico-alvo se necessaacuterio581
Se o objetivo da traduccedilatildeo eacute inferior agrave semelhanccedila interpretativa
completa ndash traduccedilatildeo indireta alteraram-se as condiccedilotildees para o sucesso
Assim como a citaccedilatildeo indireta natildeo tenta expressar todos os pensamentos
do falante citado mas somente aqueles que satildeo considerados relevantes
para o puacuteblico-alvo assim a traduccedilatildeo indireta visa transmitir apenas
esses pressupostos do texto-fonte que satildeo considerados relevantes para o
puacuteblico de chegada Uma vez que jaacute natildeo eacute essencial para capturar todas
as nuances de significado a exigecircncia de que o puacuteblico-receptor
interprete a traduccedilatildeo usando as suposiccedilotildees contextuais previstas para o
puacuteblico-original torna-se obsoleta porque os pontos relevantes
geralmente podem ser transportados ao contexto-receptor talvez por
579 GUTT Ernest-August Urgent call for academic reorientation ndash in
Notes on Sociolinguistics 5 vol 2 Dallas SIL 2000B pp36-7 (itaacutelicos no
orig) 580 GOERLING Fritz Relevance and transculturation ndash in Notes on
Translation 10 vol 3 Dallas SIL1996 p53 581 GUTT 2000A opcit pp231ss (ecircnfase pelo autor)
187
reformular algumas frases para explicitar suas implicaccedilotildees contextuais O
que eacute essencial para uma traduccedilatildeo-indireta eacute maximizar a relevacircncia ou
seja para comunicar espontaneamente maacuteximos efeitos contextuais com
miacutenimo esforccedilo de processamento ie melhor feito quando permite que
o puacuteblico-receptor interprete usando as suposiccedilotildees contextuais do
contexto da liacutengua-receptora
Muita confusatildeo tem surgido com a alegaccedilatildeo de que uma traduccedilatildeo-indireta soacute precisa assemelhar-se a sua origem em aspectos relevantes
Criacuteticos tendem a deduzir esta declaraccedilatildeo que tradutores satildeo livres de
alterar o conteuacutedo da fonte Nada poderia estar mais longe da verdade A
proacutepria noccedilatildeo de semelhanccedila interpretativa sugere que o texto traduzido
estaacute sendo apresentado como uma representaccedilatildeo fiel do conteuacutedo do
texto-fonte entatildeo
() duas condiccedilotildees satildeo necessaacuterias para a
semelhanccedila interpretativa ocorrer Em primeiro
lugar uma declaraccedilatildeo deve ser apresentada como
se assemelhando a outra Em segundo lugar o
conteuacutedo da segunda declaraccedilatildeo deve ser um
subconjunto vaacutelido grande ou pequeno dos
pressupostos transmitidos pelo primeiro Natildeo haacute
necessidade que se transmita todos os pressupostos
originais mas aqueles que se transmite devem ser
fiel ao significado do original582
Uma traduccedilatildeo-indireta eacute uma representaccedilatildeo precisa embora
incompleta do conteuacutedo do texto-fonte na liacutengua-receptora Embora natildeo
haja esforccedilo em transmitir todos os pressupostos do texto-fonte esses
pressupostos que se quer transmitir devem ser derivados do texto-origem
O teoacuterico Wendland observando que ldquoa relativamente literal RSV
[= ARA em pt]583 promoveu como lsquoum caso de traduccedilatildeo-diretarsquo ()rdquo
o que evidencia que natildeo atingiu conceito de Gutt de traduccedilatildeo direta tendo
582 SMITH 2000 opcit p48 583 RSV - Revised Sandart Version traduccedilatildeo da Biacuteblia seacutec XIX revisatildeo
da King James Version de linguagem de chegada moderadamente literal
(predominacircncia da equivalecircncia formal) comparada a heranccedila excessivamente
literal da KJV Caso semelhante eacute da ARA ndash Almeida Revista e Atualizada eacute uma
versatildeo equivalente em pt
188
equivalente a correspondecircncia formal584Trabalho de Gutt tem sido
amplamente incompreendido mesmo por alguns dos principais tradutores
e teoacutericos de traduccedilatildeo A oposiccedilatildeo hipercriacutetica veio de devotos de
equivalecircncia funcional que percebem o trabalho de Gutt como uma
tentativa de sabotar a equivalecircncia funcional ldquouma elaboraccedilatildeo
teoricamente baseada no esforccedilo para justificarrdquo um retorno agrave
equivalecircncia formal585 Esta percepccedilatildeo trai um princiacutepio amplamente
mal-entendido dos argumentos e objetivos de Gutt
O equiacutevoco ocorre em dois pontos principais
(i) A impressatildeo que o objetivo principal de Gutt eacute minar a
equivalecircncia funcional e promover a equivalecircncia formal baseada em
uma profunda incompreensatildeo do seu objetivo cf mencionado acima
objetivo de Gutt foi fornecer um relato unificado de como funciona o fenocircmeno da traduccedilatildeo Tratando a traduccedilatildeo como comunicaccedilatildeo
secundaacuteria buscou explicar como esta funciona e estabelecer condiccedilotildees
para uma comunicaccedilatildeo eficaz em traduccedilatildeo A teoria da relevacircncia mina
a equivalecircncia funcional porque aquela expotildee como falsa a suposiccedilatildeo de
que a maacutexima semelhanccedila interpretativa pode ser alcanccedilada enquanto
pressupotildee o contexto-receptor Assim sendo a teoria de relevacircncia
tambeacutem mina a equivalecircncia formal porque o princiacutepio da relevacircncia
salienta a importacircncia de minimizar o esforccedilo de processamento A
escrita truncada da liacutengua-receptora que resulta da tentativa de
correspondecircncia formal drasticamente aumenta o esforccedilo de
processamento fazendo com que a traduccedilatildeo comunique-se mal com o seu
puacuteblico receptor Se o objetivo de Gutt pretendia promover um retorno agrave
equivalecircncia formal ele natildeo poderia ter se apropriado de uma estrutura
teoacuterica menos adequada para tal tentativa do que a teoria da relevacircncia
(ii) Muitos dos criacuteticos de Gutt erroneamente igualam traduccedilatildeo-
direta com equivalecircncia formal Uma vez que Gutt fala sobre manter as
propriedades linguiacutesticas ndash atraveacutes de pistas comunicativas ndash e pressupotildee
o contexto original sendo que eacute faacutecil compreender como alguns criacuteticos
cheguem a esta conclusatildeo No entanto uma leitura atenta da Traduccedilatildeo e relevacircncia cogniccedilatildeo e contexto ndash e eacute verdade que o argumento do livro
eacute tatildeo complexo quanto requerer uma anaacutelise cuidadosa ndash revela que a
traduccedilatildeo-direta eacute completamente diferente da equivalecircncia formal tanto
na teoria como na praacutetica
584 WENDLAND Ernst R On the relevance of lsquoRelevance Theoryrsquo for
Bible translation ndash in The Bible Translator 47 vol 1 Dallas SIL 1996 pp130-
1 585 id ibid p86
189
Note-se que Gutt admite de modo pleno a necessidade de superar
a barreira do idioma pela adaptaccedilatildeo de formas linguiacutesticas e insiste que
ele natildeo estaacute advogando o retorno agrave traduccedilatildeo de ldquocorrespondecircncia literalrdquo
ou ldquoformalrdquo586 Poreacutem sua analogia entre traduccedilatildeo-direta e citaccedilatildeo-
direta cuja essencial caracteriacutestica eacute a correspondecircncia formal de um
enunciado original provou ser um tanto confusa
Gutt define traduccedilatildeo-direta dizendo que ldquoum texto de liacutengua-
receptora eacute uma traduccedilatildeo direta de um enunciado de um idioma-origem
se e somente se ele pretende assemelhar-se interpretativamente o original por completo no contexto previsto pelo originalrdquo587 Para ele a
definiccedilatildeo de qualidade da traduccedilatildeo-direta eacute que ldquoele clama pela
inalcanccedilaacutevel semelhanccedila interpretativa do original por completordquo588 Em
termos praacuteticos ela se esforccedila para a completa semelhanccedila interpretativa
Desde que a teoria da relevacircncia exclui a possibilidade da completa semelhanccedila interpretativa atraveacutes das aberturas contextuais este desejo
de completa semelhanccedila restringe traduccedilatildeo-direta a presumir o contexto
original Assim a presunccedilatildeo do contexto original eacute mais uma
consequecircncia da parte principal da definiccedilatildeo do que a parte central dessa
definiccedilatildeo
Segue-se da definiccedilatildeo de Gutt que qualquer tradutor cuja intenccedilatildeo
informativa eacute transmitir para os leitores de liacutengua-receptora todos os
pressupostos o original transmitido a seus leitores estaacute tentando produzir
uma traduccedilatildeo-direta Por esta definiccedilatildeo quase cada tradutor praticante
da Biacuteblia ou leitor de textos cristatildeos antigos tenta produzir uma traduccedilatildeo-
direta Gutt considera funcionalmente equivalentes traduccedilotildees da Biacuteblia
como tentativas de produzir traduccedilotildees-diretas No entanto satildeo tentativas
inadequadas porque qualquer tentativa de obter a completa semelhanccedila
interpretativa deve pressupor o contexto original
Segundo Steiner o ofiacutecio da traduccedilatildeo eacute fazer manifesto ldquoo
lsquosentidorsquo impliacutecito as extensotildees denotativas conotativas ilativas
intencionais associativas de significaccedilatildeo que estatildeo impliacutecitas no original
()rdquo589 pois uma audiecircncia nativa teria delas uma percepccedilatildeo instantacircnea
Mesmo que uma parte do puacuteblico-alvo possa ser persuadida (eg no
contexto de uma comunidade eclesiaacutestica) para aceitar as medidas
adicionais a comunicaccedilatildeo eacute provaacutevel que natildeo ocorra pois de acordo com
586 GUTT 2000A opcit pp52-3 587 id ibid p171 (ecircnfase nossa) 588 id ibid 589 STEINER 2005 opcit p297
190
Farrell e Hoyle ldquoa teoria da relevacircncia prevecirc que a audiecircncia iraacute entender
mal uma passagem onde esta parece mais relevante para eles ao fazecirc-
lordquo590 Informaccedilotildees sobre uma cultura diferente podem ser aprendidas
bem mas tatildeo logo os alunos retornam agrave sua vida cotidiana o
conhecimento da sua proacutepria cultura se torna mais facilmente acessiacutevel
do que a informaccedilatildeo aprendida Entatildeo quando ler ou ouvir um texto
traduzido que possa ser entendido de forma diferente em sua proacutepria
cultura do que na cultura erudita eles iratildeo preferir a compreensatildeo de sua
proacutepria cultura porque exige menos esforccedilo de processamento e ndash por
isso eacute mais relevante Infelizmente esta natildeo eacute a forma que o texto (=
autor) pretendeu a ser lido Wendland argumenta que de forma
semelhante agraves notas de rodapeacute os mesmos princiacutepios se aplicam para
ldquomedidas externasrdquo591
Em Traduccedilatildeo e Relevacircncia Cogniccedilatildeo e Contexto percebe-se em
Gutt o cuidado de evitar explicitamente escolher entre traduccedilatildeo-direta e
traduccedilatildeo-indireta Mas em outras situaccedilotildees como em ensaios destinados
a colegas tradutores da Biacuteblia e deste modo em um contexto em que ele
pode apelar para compartilhados pressupostos teoloacutegicos ele deixa claro
sua preferecircncia pela traduccedilatildeo-direta Ele escreve que a ldquotraduccedilatildeo estaacute
vinculada ao seu compromisso de manter o conteuacutedo da Escritura original
inalteradardquo592 e sobre a inserccedilatildeo de informaccedilotildees de fundo para a
adaptaccedilatildeo contextual diz ldquoa nossa reverecircncia a integridade dos textos
biacuteblicos e a preocupaccedilatildeo com a autenticidade das traduccedilotildees da Biacuteblia nos
obrigam a abandonar esta praacutetica o mais raacutepido possiacutevel e resolver os
problemas atraveacutes de outros meios mais aceitaacuteveisrdquo593 Segundo Gutt em
um texto endereccedilado a tradutores e leitores biacuteblicos evidencia a primazia
geral pela traduccedilatildeo-direta especialmente na parte final No entanto
surpreendentemente nas conclusotildees ele parece se retratar concluindo
com uma frase duacutebia ldquoa traduccedilatildeo mais livre e mais rigorosa serve a dois
puacuteblicos diferentesrdquo594
A traduccedilatildeo-direta difere da equivalecircncia formal em muitos
aspectos praacuteticos (i) e o mais importante ndash traduccedilatildeo-direta exige
590 FARRELL Tim HOYLE Richard Translating implicit information in
the Light of Saussurean relevance and cognitive theories ndash in Notes on
Translation 9 vol1 Dallas SIL 1995 p25 591 WENDLAND 1996 opcit ppl32-3 592 GUTT Ernest-August From translation to effective communication ndash
in Notes on Translation 2 vol1 Dallas SIL 1988 p36 593 GUTT 2000B opcit p52 594 GUTT 1992 opcit p75
191
naturalidade de expressatildeo enquanto a equivalecircncia formal natildeo pode
evitar o constrangimento da expressatildeo Para ser eficaz que uma pista-
comunicativa deve ser em linguagem natural seja no idioma-origem ou
na liacutengua-receptora Expressotildees antinaturais comprometem a
comunicaccedilatildeo eficaz na traduccedilatildeo (ii) embora ambos os meacutetodos
demandem que o puacuteblico-receptor tenha algum conhecimento sobre o
contexto de origem a fim de interpretar a traduccedilatildeo corretamente eles
diferem no tipo de conhecimento que eles exigem Traduccedilatildeo-direta
requer apenas a compreensatildeo do contexto sociocultural mas a
equivalecircncia formal aleacutem disso exige conhecimento da estrutura do
idioma-fonte
A traduccedilatildeo-direta elimina a necessidade para o puacuteblico-receptor
de saber a estrutura do idioma-fonte utilizando expressotildees de linguagem
natural do receptor Finalmente traduccedilatildeo-direta requer ao tradutor
interpretar o texto antes dele poder traduzi-lo Considerando que a
equivalecircncia formal tenta eliminar a necessidade de interpretaccedilatildeo daacute-se
a traduccedilatildeo em um processo mecacircnico e maquiacutenico de correspondentes de
palavras e estruturas gramaticais da liacutengua-fonte com os equivalentes de
idioma-receptor Por outro lado identificaccedilatildeo e reformulaccedilatildeo de pistas-
comunicativas eacute um processo interpretativo
Talvez a criacutetica mais comum a Gutt tenha sido natildeo abastecer os
tradutores com qualquer coisa de valor praacutetico afirmando que ldquose eles
[tradutores] querem ajuda direta com suas preocupaccedilotildees quotidianas natildeo
devem esperar para encontraacute-lo aquirdquo595 Ele atribui essa avaliaccedilatildeo a
tendecircncia desses tradutores a pensar em termos de ldquoum relato de
contribuiccedilatildeo-produccedilatildeo da traduccedilatildeordquo596 Ele explica a abordagem da
seguinte forma dizendo que
() seu mais central axioma parece ser que a
traduccedilatildeo eacute melhor estudada por comparaccedilotildees
sistemaacuteticas da observaacutevel entrada e saiacuteda do
processo de traduccedilatildeo lsquoentradarsquo sendo o texto
original lsquosaiacutedarsquo sendo o traduzido ou texto de
destino597
595 MALMKJAEligR Kirsten Review Translation and relevance cognition
and context By E-A Gutt ndash in Mind and Language 7 vol 3 Oxford Blackwell
1992 p306 596 GUTT 2000A opcit p205 597 id ibid p204
192
Estudos de traduccedilatildeo que utilizam essa abordagem proveem aos
seus leitores com ldquoum corpo de comparaccedilotildees descritivasrdquo da qual eles
oferecem generalizaccedilotildees sobre como lidar com diferentes tipos de
problemas de traduccedilatildeo Portanto os tradutores aperfeiccediloam-se
acostumados a ter orientaccedilotildees concretas para a manipulaccedilatildeo de vaacuterias
decisotildees de traduccedilatildeo Desde que Gutt natildeo oferece nenhuma das tais
generalizaccedilotildees supotildeem naturalmente que sua contribuiccedilatildeo eacute puramente
filosoacutefica
No entanto mostrando que a traduccedilatildeo eacute uma forma de
comunicaccedilatildeo secundaacuteria que pode ser computada dentro do domiacutenio da
teoria da comunicaccedilatildeo ele tem capacitado tradutores para prever as
condiccedilotildees para uma comunicaccedilatildeo eficaz em traduccedilatildeo Este eacute o seu maior
contributo praacutetico Ao inveacutes de fornecer a tradutores uma coleccedilatildeo de
princiacutepios especiacuteficos de traduccedilatildeo Gutt tem posto as bases de uma
abordagem ldquoorientada para competecircnciardquo em traduccedilatildeo598 As hierarquias
descritivo-classificatoacuterias que a teoria da equivalecircncia funcional emprega
satildeo valiosas mas em si natildeo satildeo suficientes para capacitar tradutores a
tomarem as decisotildees corretas de traduccedilatildeo Se a traduccedilatildeo cai dentro do
domiacutenio da comunicaccedilatildeo a teoria da relevacircncia fornece a orientaccedilatildeo de
que os tradutores precisam para fazer boas escolhas Tradutores que
entendem as leis de comunicaccedilatildeo eficaz o trabalho iraacute se comunicar mais
eficazmente com o puacuteblico-receptor Este mesmo mote de determinada
forma eacute reconhecido por Steiner
Nem tudo pode ser traduzido A teologia e a gnose
colocam um limite superior Haacute misteacuterios que
podem apenas ser transcritos traduzi-los ou
parafraseaacute-los seria um sacrileacutegio ou radicalmente
errocircneo Em tais casos o melhor eacute preservar o
incompreensiacutevel () Natildeo haacute dois falantes que
signifiquem a mesma coisa quando usam os
mesmos termos ou se fazem natildeo haacute qualquer
maneira concebiacutevel de demonstrar a homologia
perfeita Nenhum ato de comunicaccedilatildeo completo e
verificaacutevel eacute portanto possiacutevel Todo discurso eacute
fundamentalmente monaacutedico e idioletal Isso era jaacute
um paradoxo surrado bem antes de Schleiermacher
ter investigado o significado do significado em seu
Hermeneutik () Como poderiacuteamos estar
envolvidos com nossa atividade se o objeto natildeo
598 GUTT 2000A opcit p21-2 205-6
193
fosse inerentemente alcanccedilaacutevel perguntam Satildeo
Jerocircnimo e Lutero com a impaciecircncia do artesatildeo
irritado pelo zoar da teoria A traduccedilatildeo eacute
ldquoimpossiacutevelrdquo admite Ortega y Gasset em seu texto
Miseria y esplendor de la traduccioacuten Mas tambeacutem
o eacute toda a concordacircncia absoluta entre pensamento
e fala De algum modo o ldquoimpossiacutevelrdquo eacute superado
a cada momento nos assuntos humanos599
Todavia se capacitar tradutores para tomar decisotildees corretas eacute a
principal contribuiccedilatildeo do Gutt seu avanccedilo na traduccedilatildeo da informaccedilatildeo
impliacutecita especialmente a linguagem figurativa eacute uma grande
contribuiccedilatildeo secundaacuteria Teoria da relevacircncia distingue dois tipos de
suposiccedilotildees que um escritor pode transmitir explicaturas e implicaturas
Explicaturas consistem em todas as informaccedilotildees codificadas
linguisticamente no texto enquanto implicaturas consistem em todos os
pressupostos que o autor propotildee aos leitores para inferir do contexto
Assim sendo ldquoo conjunto total de pressupostos transportado por um texto
consiste na soma de suas explicaturas e implicaturasrdquo600
Ao contraacuterio do modelo de coacutedigo de comunicaccedilatildeo a teoria da
relevacircncia natildeo considera linguagem figurativa uma forma estiliacutestica de
expressar um pensamento uacutenico que poderia ter sido expressado
igualmente bem em uma declaraccedilatildeo literal Em vez disto a linguagem
figurativa eacute vista como o projetar uma gama de fraca implicaturas sobre
o sujeito Eacute certo que esta forma de linguagem figurativa de visualizaccedilatildeo
tem agora caiacutedo em desuso com muitos defensores de equivalecircncia
funcional mas foi fundamental para o pensamento desses teoacutericos de
traduccedilatildeo como Eugene Nida e John Beekman
Eacute impossiacutevel reduzir-se eg ldquoSenhor eacute o meu pastor nada me
faltaraacute ()rdquo601 para um uacutenico ponto de comparaccedilatildeo entre o Senhor e
pastor como Javeacute eacute meu provedor ou Adonai eacute meu protetor ou יהוה (=
YHVH JaHWeH) eacute meu liacuteder cada uma destas implicaturas estaacute impliacutecita
na metaacutefora original Portanto natildeo eacute possiacutevel elucidar a linguagem
metafoacuterica sem sacrificar alguns dos pressupostos do texto-original
transmitido Explicaccedilatildeo da linguagem figurativa eacute aceitaacutevel em uma
traduccedilatildeo-indireta uma vez que os tradutores natildeo fazem nenhuma
pretensatildeo de reter todos os pressupostos da fonte Tambeacutem estaacute na mira
599 STEINER 2005 opcit pp272-3 600 SMITH 2000 opcit p77 601 Um canticum David Sl 221 ou 231 em outras versotildees biacuteblicas
194
da linguagem figurativa a relativizaccedilatildeo de postulados dogmaacuteticos da
tradiccedilatildeo tradutoacuteria biacuteblica quando eg traduz-se para jovens cada vez
mais urbanizados das ldquoGeraccedilotildees Y e Zrdquo602 essas metaacuteforas agropastoris
fazem realmente pouco sentido Eacute possiacutevel que cheguemos ao ponto de
em certos casos traduzir a metaacutefora supra por ldquoO Senhor eacute o meu
provedor de banda larga em 4G e o sinal nunca cairaacuterdquo e isto estaacute ligado
ao fato de natildeo simplesmente renunciar-se metaacuteforas antigas mas destacar
axiologicamente os ldquopastos verdejantesrdquo no Crescente Feacutertil de 3200 anos
atraacutes E realmente faria mais sentido Em uma traduccedilatildeo-direta no
entanto tradutores procurar manter a linguagem figurativa Uma vez que
a maioria das figuras de linguagem depende da familiaridade com o
contexto original para o seu impacto a presunccedilatildeo de que o puacuteblico
receptor iraacute interpretar a traduccedilatildeo com o contexto original em mente
protege a traduccedilatildeo contra o perigo de um colapso da comunicaccedilatildeo
Provendo o leitor da traduccedilatildeo de AtsPe com as informaccedilotildees
contextuais que os leitores-originais teriam usado para interpretar a figura
de linguagem pode-se reduzir substancialmente o esforccedilo de
processamento requerido nesta leitura
VI Acomodaccedilotildees entre lsquofidelidadersquo versus lsquotransparecircnciarsquo
As primeiras implicaccedilotildees sobre o ofiacutecio do tradutor adveacutem do
conhecido verbo latino traduco ou transduco603 ndash ldquotransportar
conduzir levar de um lugar para o outrordquo dentro de uma perspectiva
etimoloacutegica Radoacute604 chama a atenccedilatildeo para um aspecto ldquotranspositivordquo
que as traduccedilotildees implicam onde a liacutengua-fonte e liacutengua-meta seriam os
espaccedilos o texto algo a ser levado de um lugar para o outro Entretanto
pode-se ter um componente inerte que se transplanta605 de um local a
outro (eg pequena muda com um pouco de terra agrave volta) ou de outra
602 Conceito socioloacutegico geraccedilatildeo do milecircnio ou geraccedilatildeo da internet que
vivenciou os grandes avanccedilos tecnoloacutegicos e eacute aacutevida por inovaccedilotildees 603 Infinitivo traducere CRETELA Joseacute ULHOtildeA CINTRA Geraldo de
Dicionaacuterio Latino-Portuguecircs Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional 1953
p1265 604 RADOacute Gyoumlrg Les noms du traducteur et les vicissitudes drsquoum
neacuteologisme ndash in Babel XXIV 3-4 1978 pp190-4 605 Vem de transfero (supino translatum) A traductio (= traduccedilatildeo) vem
de traduco
195
forma um ser vivente animado e implexo o qual conduz estruturas ativas
que nele presidem eg o texto nas relaccedilotildees interlinguais intricadas de
acordo com a episteme aqui confessada As duas possibilidades
etmoloacutegicas devem-se as expressotildees latinas respectivamente
transfero606 ndash transferir coisas inanimadas e traduco ndash transferir ou
conduzir seres animados607 Note-se traduzir e tradutor procedem de
traduco608 Traductio eacute outra vez um despejo metafoacuterico Uma geraccedilatildeo
de tradutores de textos cristatildeos e exegetas que tecircm recomendado
rasamente tal cuidado no lsquotransladorsquo para natildeo arrancar o texto do se lugar
vivencial ou berccedilo natural609 Ou haveria algo de mais profundo
conforme Gutt alvitrou
Nada tatildeo inocente na concepccedilatildeo de traduccedilatildeo dentro de
pressupostos formais e epistemoloacutegicos que a hermenecircutica de um
escrito da Antiguidade derivado do ambiente linguiacutestico multifacetaacuterio
cristatildeo e sua correlativa transformaccedilatildeo em um homeomorfo reproduz a
mesma mensagem em outra liacutengua Em outros termos
() de Ciacutecero e Satildeo Jerocircnimo ateacute hoje o debate
sobre a extensatildeo e a qualidade da fidelidade
reprodutiva a ser alcanccedilada pelo tradutor tem sido
filosoficamente ingecircnuo ou fictiacutecio Postula uma
polaridade semacircntica de ldquopalavrardquo e ldquosentidordquo e
depois argumenta sobre o uso oacutetimo do ldquoespaccedilo
intermeacutediordquo Este esquema grosseiro reflete sem
duacutevida os modos como tratamos da linguagem
verbal Ele corresponde agravequele movimento duplo
de referecircncia (ldquobuscarrdquo) e de reafirmaccedilatildeo
606 CRETELA ULHOtildeA CINTRA 1953 opcit p1269 607 O latim (fero e duco) respectivamente agrave semelhanccedila da liacutengua grega
estabelece uma distinccedilatildeo entre transportar uma coisa inaminada e um ser animado
(humano animal) ndash em gr φέρω (transportar coisas inanimadas) e ἄγω
(transportar ou conduzir seres vivos) Tal dualidade ocorre tambeacutem em outras
liacutenguas eg russo ndash pereklad (transporte de objeto inerte) perevod (conduccedilatildeo
de seres vivos de onde vem traduzir na atualidade) pereklad natildeo estaacute em russo
atualmente mas em outros idiomas eg polonecircs ndash przeklad e eslavo ndash preklad cf
TORRES Esteban Teoriacutea de La Traduccioacuten Literaria Madrid Siacutentesis 1994
pp9-10 608 Este artigo aponta ainda que o supino latino do transferre (transportar
um objeto inerte) eacute translatum de onde vem lsquotransladorsquo e lsquotransladarrsquo 609 cf WERNER 1998 opcit p222
196
expansiva que impulsiona boa parte do discurso
normal610
Ou desta forma como a existir uma analogia consistente um-a-um
ndash μετάφρασις (oposto de παράφρασις) que para decriptografaacute-la bastaria
um livro de coacutedigos (dicionaacuterio) Ou como rotineiramente entende-se
qualquer um que possa falar uma segunda liacutengua faraacute uma boa traduccedilatildeo
Ou aquilo que em regra tem-se aceito as melhores traduccedilotildees adveacutem de
pessoas que estatildeo a traduzir agrave sua proacutepria liacutengua Ou ainda que seja visto
com estranheza que algueacutem que aprendeu uma segunda liacutengua tenha total
fluidez (biliacutengue versus pluricultural)
Huet611 leu um trabalho denso de 600 laudas ndash Interpretatio
lingvarvm sev de ratione conuertendi amp explica[n]di autores tam sacros
quam prophanos612 uma abordagem humanista mediana acerca de
traduccedilatildeo por Laurence Humphrey (Philo Alexandrinus) impresso na
Basileӕ 1559 que classifica traduccedilatildeo em em literalismo (que chama de
pueriliʃ e ʃupertitioʃa) adaptaccedilatildeo livre e a via media a qual define
610 STEINER 2005 opcit p298 611 Pierre-Daniel Huet (1630-dagger1721) escreveu De interpretatione como
marco de que a teoria da traduccedilatildeo francesa natildeo foi acidental refletia um periacuteodo
de centralidade linguiacutestica apoacutes a desinteraccedilatildeo da latinidade europeia ldquofenocircmeno
que inspirou a busca de um meacutetodo consensual de traduccedilatildeordquo STEINER 2005
opcit pp283-4 612 HUMPHREY Laurence Philo (Alexandrinus) (on-line) Interpretatio
lingvarvm sev de ratione conuertendi amp explica[n]di autores tam sacros quam
prophanos [A traduccedilatildeo entre liacutenguas ou por melhor dizer o meacutetodo das trocas
amp os autores tanto sacros quanto profanos explicam] vols I-III Basileӕ
Frobenius et Episcupus 1559 Tambeacutem ndash in booksgoogle (on-line) Este texto
FURLAN Mauri chama Da Arte de Traduzir de Lawrence Humphrey 2012
(on-line) e define-o como ldquoO maior tratado sobre traduccedilatildeo confirmado por
inuacutemeros estudiosos como o mais importante produzido no Renascimento
Interpretatio Linguarum () obra composta em trecircs livros encontra-se ateacute o
presente sem qualquer traduccedilatildeo publicada em qualquer liacutengua Tal situaccedilatildeo
explica-se em parte pelo volumoso texto cuja uacutenica ediccedilatildeo data do seacuteculo XVI
(primoacuterdios da prensa) e sua traduccedilatildeo requer precedentemente uma exaustiva
ediccedilatildeo criacutetica () O trabalho de ediccedilatildeo e traduccedilatildeo de um texto como o de
Interpretatio Linguarum exige um profundo domiacutenio na aacuterea da Filologia
Claacutessica e um tempo excessivamente maior do que a traduccedilatildeo de obras
contemporacircneas e dada a escassez de estudiosos da aacuterea estes projetos satildeo
normalmente conduzidos por uma uacutenica pessoa () que abarca as trecircs liacutenguas
claacutessicas da Antiguidade grego latim e hebraico ()rdquo
197
via media dicamuʃ () quӕ utiuʃque particepʃ eʃt
simplicatiʃ sed eruditӕ elegantiӕ sed fideliʃ quӕ
nec ita exaggerata eʃt ut modum tranʃeat nec ita
depreʃʃa ut ʃit sordida ʃed frugaliʃ ӕquabiliʃ
temperata nec sordeʃ amanʃ nec luxuriam613
A abordagem de Huet diz que ldquoharmonia estiliacutestica eacute muito
proacutexima do ideal de arguacutecia de Humphreyrdquo ou seja ldquotraduza Aristoacuteteles
em periacuteodos ciceronianos e vocecirc faraacute uma caricatura se vocecirc imitar o
paacutessaro intruso que natildeo se limitando a colocar seus ovos no ninho de
outrem joga no chatildeo os ovos legiacutetimos vocecirc natildeo vai mais traduzir vocecirc
vai interpolarrdquo614 o que atesta a sua leitura de Humphrey Seu princiacutepio
constitucional tambeacutem fala da via media mas fundamentalmente natildeo haacute
nada de novo o tradutor justo ldquonativum postremo Auctoris characterum quoad eius fieri postet adumbrat idque unum studet ut nulla eum
detractione imminutum nullo additamento auctum sed integrum suique omne ex parte simillimum perquam fideliter exhibeatrdquo ou como Steiner
traduz [o tradutor justo] ldquocopia a essecircncia inata de seu autor ateacute o limite
em que isso eacute possiacutevel Sua uacutenica preocupaccedilatildeo eacute apresentar fielmente o
todo do seu autor nada tirando e nada acrescentandordquo615 E assim
deprecou a questatildeo hoje pacificada seria a traduccedilatildeo uma arte (concepccedilatildeo
schleiermacheriana) ou uma habilidade que pode ser ensinada
universalmente
Desde dos Targumins LXX ou da Epopeia de Gilgamesh616 a
transparecircncia e a fidelidade satildeo duas perspectivas que durante milecircnios
foram respeitadas como modelos da traduccedilatildeo de maneira especial da
traduccedilatildeo literaacuteria apesar de que com frequecircncia ambos modelos se
encontrem em conflito No seacuteculo XVII referiu-se as belles infidegraveles
sugerindo que as traduccedilotildees podem ser belas ou fieacuteis mas natildeo as duas
simultaneamente Mas Schleiermacher Humboldt e Herder no seacuteculo
613 (= Digamos via meacutedia () daquela que eacute sempre partiacutecipe da
simplicidade mas tambeacutem da erudiccedilatildeo da elegacircncia mas tambeacutem fiel que natildeo
eacute nem exagerada de tal sorte que vaacute aleacutem da temperanccedila nem tatildeo depreciada que
seja soacuterdida mas aquela que eacute moderada do mesmo teor misturada com
proporccedilatildeo que nem ama a excessiva parcimocircnia nem a extravagacircncia nem a
desonestidade mas ataviada com magnificecircncia) 614 STEINER 2005 opcit p286 tambeacutem nt31 do tradutor 615 id ibid 616 Poema sumeacuterio 4500 aC grafado em cuneiforme e acaacutedio sobre
preservado sob placas de argila que supocircs-se tenham sido lidos por escritores
veterotestamentaacuterios e ateacute Homero
198
XIX trabalharatildeo esta tensatildeo (haacute outros) e a teoria da traduccedilatildeo passa para
debates mais originais epistemoloacutegicos e melhor aparelhados
filologicamente A imagem do ofiacutecio da traduccedilatildeo simples e subjacente eacute
em passo acelerado abandonada para traacutes
A transparecircncia um conceito contemporacircneo corresponde na
medida em que uma traduccedilatildeo sugere aos olhos de um leitor de uma
liacutengua-alvo ter sido originalmente escrita em sua proacutepria liacutengua segundo
a fluidez nas normas gramaticais e sintaxes da liacutengua do leitor O criteacuterio
utilizado para julgar a transparecircncia de uma traduccedilatildeo eacute modesto uma
traduccedilatildeo natildeo idiomaacutetico-etnocentrista soa mal e no caso de uma traduccedilatildeo
literal frequentemente nos deparamos com resultados desta que natildeo
fazem sentido617 Apesar de tudo em contextos bem particulares o
tradutor opta de maneira consciente fazendo uso da traduccedilatildeo-literal Os
tradutores de textos histoacutericos e religiosos frequentemente tratam de
preservar ao maacuteximo o significado e o espiacuterito do texto-fonte
distendendo deliberadamente o alcance da idioma-fonte Analogamente
os tradutores literaacuterios tem-se utilizado de vocaacutebulos da liacutengua-original
para dar mais autenticidade agrave traduccedilatildeo
Consequentemente a fidelidade corresponde ao grau no qual uma
traduccedilatildeo que pretenda reportar o mais precisamente o mesmo
significado e forma que tem o texto-fonte sem extrair nem sobrepor
qualquer informaccedilatildeo contextual e linguiacutestica sem intensificar nem
abrandar cada parte do significado e sem distorcecirc-lo de forma alguma
(visatildeo estruturalista) Todavia sabemos que as circunspeccedilotildees de que nos
valemos para aquilatar a fidelidade de uma traduccedilatildeo satildeo mais bem mais
complexas variam conforme a hermenecircutica idiossincraacutetica perspectivas
de leitura a literalidade do texto-fonte o tipo funccedilatildeo e voz do texto
predicados e valor literaacuterios contexto social ou histoacuterico e assim
ininterruptamente
Nas uacuteltimas deacutecadas destacados teoacutericos passaram a defender uma
traduccedilatildeo natildeo-transparente e identificaram-se com o teoacuterico francecircs
Berman e suas onze ndash haacute quem diga doze ou ateacute mesmo treze tendecircncias
deformadoras inerentes agrave multiplicidade das traduccedilotildees de prosa Berman
expotildee o que talvez seja o maior drama do tradutor no dilema ldquoser fiel
617 Para ilustrar o conhecido conto popular Till Eulenspiegel estaacute grafado
em alematildeo regular ndash hochdeutsch conteacutem muitos jogos de palavras que soacute produz
enquanto lido no baixo alematildeo Ou ainda como no cinema nacional (nordestino)
onde haacute uma enorme dificuldade de traduccedilatildeo dos trocadilhos regionais e
personagens da cultura nordestina para outros idiomas e culturas o que tem
impedido maior visibilidade do cinema nacional brasileiro
199
ou trair o originalrdquo Em outras palavras servir agrave obra do autor estrangeiro
ou servir agrave proacutepria liacutengua618 Tambeacutem Venuti619 defende o uso
privilegiado de estrateacutegias estrangeirizadoras de traduccedilatildeo em lugar de
outras domeacutesticas620
Muitas das teorias de traduccedilatildeo natildeo-transparentes tecircm a sua origem
em conceitos do Romantismo alematildeo das quais a principal influecircncia em
posteriores teorias de estrangeirizaccedilatildeo provecircm do teoacutelogo e filoacutesofo
Schleiermacher que como vimos de maneira especialmente latente
discute questotildees que transcendem a simples discussatildeo entre os meacutetodos
de traduccedilatildeo que vatildeo em direccedilatildeo ao leitor (criteacuterio principal eacute a
transparecircncia) e os meacutetodos que vatildeo em direccedilatildeo ao autor (juiacutezo criacutetico
fundamental eacute a fidelidade) Eacute provaacutevel que Schleiermacher tenha se
afiliado de forma efetiva o quanto possiacutevel ao segundo destes
meacutetodos621 numa anteposiccedilatildeo duplamente motivada natildeo soacute como uma
aspiraccedilatildeo de aceitar o estrangeiro mas tambeacutem por um anseio
nacionalista versus domiacutenio cultural francecircs e promover
concomitantemente a literatura teutocircnica Poreacutem como dissemos supra
o mais aceitaacutevel eacute que isto seja de fato em um subproduto do intenso
disputa generalista de ideias que distinguiu a teoria e literatura nesta
eacutepoca dos expoentes romacircnticos
Na atualidade quando traduzimos no Ocidente nos impomos os
ajuizamentos de fidelidade e transparecircncia Mas nem sempre foi assim
Existiram periacuteodos no que muitos tradutores excediam os encostes da
traduccedilatildeo derivando para adaptaccedilotildees e alternando os meacutetodos A mesma
questatildeo ndash transparecircncia versus fidelidade sem o mesmo refinamento
conceptual em outra terminologia aparece na sua forma primeva em
Nida onde a correspondecircncia formal eacute desprezada frente agrave equivalecircncia
funcional (terminologia reelaborada)
O maior contributo destes teoacutericos ndash Schleiermacher Nida
Berman Gutt e Venuti consiste cada qual agrave sua eacutepoca na sucessiva e
ininterrupta incubaccedilatildeo e reelaboraccedilatildeo da acepccedilatildeo de fidelidade na
perspectiva da traduccedilatildeo Por assim dizer na dimensatildeo maacutexima do
618 BERMAN 2002 opcit p15 619 Lawrence Venuti (1953 - ) historiador da traduccedilatildeo na University of
Philadelphia usa os conceitos de Berman para escrever o contexto da genealogia
da traduccedilatildeo anglo-americana onde reelabora o conceito de ldquoestrangeirizaccedilatildeordquo 620 VENUTI Lawrence Escacircndalos da Traduccedilatildeo por uma eacutetica da
diferenccedila Bauru EDUSC 2002 pp220-34 621 SCHLEIERMACHER 1813 ndash in HEIDERMANN 2001 opcit
p31-5
200
pensamento poacutes-estruturalista na era da intercorrecircncias linguiacutesticas
especialmente as sobrevindas da Pragmaacutetica onde o escrito torna-se um
conjunto de significado (acepccedilatildeo saussureana) que abrolha como novo
repto daquilo que seja traduccedilatildeo E ministra a tradutores os instrumentos
teoacutericos de valor que os licenciam levar agrave cabo seu ofiacutecio Nesta via a
traduccedilatildeo proposta de AtsPe acolhe este arcabouccedilo teoacuterico entendendo
que a traduccedilatildeo natildeo reside na sua forma intriacutenseca mas na sua funccedilatildeo
comunicativa conforme a episteme aqui professada Este contributo
lanccedila epifanicamente luz sobre os temas questotildees de meacutetodo e outras
implicaccedilotildees tradutoacuterias Mas o excesso de claridade pode em certo
modo laborar contra uma visatildeo niacutetida na medida em que se apropria de
alguma teoria isoladamente como dogma e nela depositamos uma
confianccedila exacerbada Esta traduccedilatildeo eacute uma procura search622 sob esse
prisma qualquer traduccedilatildeo requer um programa a fim de garantir sua
coerecircncia interna e atendendo ao requerimento das afinidades de
desvelar a construccedilatildeo de sua pretensa paridade
Enfim se a traduccedilatildeo for vista por noacutes nesta acepccedilatildeo mais
estendida verdadeiramente natildeo podemos abstraiacute-la do proacuteprio homem
Disse Guimaratildees Rosa ldquotraduzir eacute conviverrdquo623 e toda tarefa humana estaacute
sujeita em maior ou menor grau a esse labor ainda que acomodem-se
ideias que natildeo acolhamos Eacute o mover da linguagem inter-e-intra liacutenguas
ldquodigam o que quiserem sobre a inadequaccedilatildeo da traduccedilatildeo ela permanece
sendo uma das ocupaccedilotildees mais importantes e vaacutelidas na totalidade dos
afazeres do mundordquo624 porque ela pelos seacuteculos dos seacuteculos natildeo
translada apenas obras ou enunciados fixos mas antes eacute o conducente
do imaginaacuterio humano de como vecirc-se o mundo e de se posiciona diante
dele
O texto jaacute natildeo eacute mais assente Tornou-se cada vez mais instaacutevel
Traduzir sub specie artis passa a ser um processo entrelaccedilado e intricado
de mudanccedilas e transformaccedilatildeo
622 ldquoTranslation is a search for an equivalent not for a substitute It
requires stylistic if not psychological congenialityrdquo cf BRODSKY 1996 opcit
p140 623 Frase de Guimaratildees Rosa em Muumlchen 1962 apud MEYER-CLASON
Curt Convivecircncias ndash in Madraga no 9 Rio de Janeiro UERJ out1997 p15 624 Citaccedilatildeo de GOETHE apud MORGAN Bayard Quincy A critical
bibliography of works on translation ndash in Reuben A Brower (org) On
translation New York Oxford 1966 p276
201
Pintura Saint Peter as Pope por autor Peter Paul Rubens em oacuteleo sobre madeira 1610-1612 Mostra o santo como um papa usando o
pallium e com as chaves do paraiacuteso Imagem em domiacutenio puacuteblico Depositada no Museu Nacional del Prado Madrid Espantildea
httpswwwmuseodelpradoesenthe-collectiononline-galleryon-line-galleryobrasaint-peterno_cache=1
CAPIacuteTULO III ESTRATIGRAFIA TEXTUAL E DAS LINGUAGENS
COPTO-GRECO-LATINA
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CAPIacuteTULO III
ESTRATIGRAFIA TEXTUAL E DAS LINGUAGENS
COPTO-GRECO-LATINA
Nihil este in intellectu quod non fuerit prius in sensu625
(Tomaacutes de Aquino ca1299)
I A estratificaccedilatildeo textual e das linguagens ndash noccedilatildeo abrangente do problema
Senatildeo podemos afirmar categoricamente tambeacutem natildeo parece
razoaacutevel negar que estamos em melhor ponto de vista para contemplar a
literatura dos primeiros seacuteculos do cristianismo Hoje dispomos de outros
evangelhos atos epiacutestolas apocalipses liturgia anosiacutessimas
correspondecircncias pessoais doutrinaacuterias e epistolares algumas agora
fonte direta dos proacuteprios gnoacutesticos e os assim chamados outros
cristianismos Albinson reporta 2002 ndash ano particular para os escritos
apoacutecrifos advindos do ambiente cristatildeo multifacetaacuterio
Toda histoacuteria eacute contada pelos vencedores Isto eacute
verdade tambeacutem para a histoacuteria de Jesus de Nazareacute
e seus ensinamentos relatada nos quatro
Evangelhos do Novo Testamento O cacircnone biacuteblico
ndash o conjunto dos textos considerados ldquoinspiradosrsquorsquo
ndash abriga os vencedores de uma batalha doutrinaacuteria
travada dentro da Igreja antiga entre os seacuteculos 2 e
5 De fora ficaram mais de 60 outros escritos que
receberam o nome de apoacutecrifos (ocultos em
grego) Sobre eles pairava a acusaccedilatildeo de deturpar
a doutrina original de Jesus misturando-a com
episoacutedios fantasiosos e ideacuteias (sic) tiradas das
seitas miacutesticas dos primeiros seacutecs do
cristianismo O imaginaacuterio cristatildeo poreacutem
625 Natildeo se trata da discussatildeo filosoacutefica acerca do empirismo Apenas aponta
que para traduzir textos religiosos exige-se algo da vivecircncia do tradutor com o
tema e com o texto ldquoNada haacute no intelecto que natildeo tenha estado antes nos
sentidosrdquo Quaestiones disputatӕ de veritate II 319
ppp
204
recebeu-os de braccedilos abertos Se hoje os catoacutelicos
sabem os nomes dos reis magos que adoraram
Jesus e crecircem (sic) que o corpo de Nossa Senhora
subiu aos ceacuteus apoacutes sua morte ndash fato que a Igreja
considera como Dogma desde 1950 ndash eacute porque por
vias indiretas os apoacutecrifos contornaram as
proibiccedilotildees626
Nesta via para Crossan627 a anaacutelise do conjunto documental
cristatildeo-judaico apoacutecrifo-cristatildeo apoacutecrifo-judaico ou ateacute antagocircnico no
acircmbito da historiografia da anaacutelise literaacuteria da visatildeo de corpora e dos
estudos da linguagem ndash soacute torna o Jesus histoacuterico mais evidente Crossan
626 ALBINSON Ian (ed) A outra face do Cristianismo ndash Livros cristatildeos
que ficaram fora da Biacuteblia trazem versotildees controversas sobre a vida de Jesus ndash
in Galileu 137 Rio de Janeiro Globo dez2002 pp16-24 Um indicador de
interesse eacute os perioacutedicos populares de grande circulaccedilatildeo resenhas de obras
especializadas κτλ mdashmdash O ano 2002 foi um reabrolhar da discussatildeo sobre
historicidade de aspectos do cristianismo e da validade dos apoacutecrifos eg no
Brasil (i) Reportagem da Galileu art cit inspirado em John Dominic
CROSSAN et alii A outra face do Cristianismo ndash Livros cristatildeos que ficaram
fora da Biacuteblia trazem versotildees controversas sobre a vida de Jesus inclui uma
entrevista com Jacyr de Freitas FARIA frei franciscano prof de exegese ndash ISTA
favoraacutevel aos evangelhos apoacutecrifos do NT considerando-os ldquopreciosidades
mantidas em segredo pelas igrejasrdquo (ii) revista Veja ed Abril de 25122002
tiragem de 1 milhatildeo de coacutepias previsatildeo de leitores ca 4 milhotildees) ocupa 20 pp da
ed com os temas O que Ele tem a dizer a vocecirc hoje Faces de Jesus O que se
sabe a respeito da figura histoacuterica de Jesus A ciecircncia agrave procura de Cristo
Mestre invisiacutevel A mensagem de Cristo influencia a cultura do planeta e as
outras religiotildees Por que a religiatildeo sobrevive numa eacutepoca marcada pelo
ceticismo (iii) revista Super Interessante ed Abril no 183 dez2002 tiragem
aprox 600 mil previsatildeo de leitores ca 3 milhotildees com os temas A verdadeira
histoacuteria de Jesus Um novo olhar sobre Jesus ndash Cristo eacute um dos maiores misteacuterios
da humanidade pp40-9 627 CROSSAN John Dominic desenvolveu seus estudos na Irlanda e nos
EUA obtendo o tiacutetulo de Doctor of Divinity na Universidade de Maynooth
Irlanda 1959 Fez suas pesquisas de Poacutes-Doutoramento no Instituto Pontifiacutecio
Biacuteblico Roma 1959-1961 e na Escola Biacuteblica de Jerusaleacutem 1965-1967 Eacute
atualmente professor emeacuterito no Departamento de Estudos Religiosos DePaul
University Nos uacuteltimos 35 anos escreveu 21 livros sobre paleocristianismo
Certamente compotildee uma estrita lista de scholars acatados em todo o mundo
inclusive em ciacuterculos conservadores A trilogia dos textos O Nascimento do
Cristianismo O Jesus Histoacuterico e A vida de um camponecircs judeu tornaram-se
best-sellers hoje traduzidos em mais onze liacutenguas incluindo o chinecircs e o japonecircs
205
diz que este objeto de estudo ldquoestaacute virando uma piada acadecircmica sem
graccedilardquo628 uma vez que
Sempre houve historiadores argumentando que
ela[e] era inviaacutevel devido a problemas histoacutericos
Sempre houve teoacutelogos argumentando que ela[e]
natildeo devia ser levada[o] adiante devido a objeccedilotildees
de ordem teoloacutegica E sempre houve estudiosos que
utilizavam o primeiro argumento quando na
verdade a sua preocupaccedilatildeo era com o segundo629
Estas uacuteltimas deacutecadas certamente marcam um novo tempo na
poliacutetica mundial nas mudanccedilas das lideranccedilas econocircmicas mundiais no
papel da mulher na sociedade na preservaccedilatildeo do meio ambiente na
globalizaccedilatildeo e socializaccedilatildeo dos meios diversos e do conhecimento na
mudanccedila da consciecircncia aacuterabe fortemente atrelada agrave religiatildeo Dentro dos
campos de pesquisas que alcanccedilam cristianismos primevos ao reveacutes da
forte corrente conservadora o que se ressalta nesta deacutecada eacute uma questatildeo
prosaica e de caraacuteter positivo Haacute uma cifra ascendente de pesquisadores
com grande reputaccedilatildeo produzindo esboccedilos embora diacutespares sobre os
contornos dos principais personagens dos cristianismos nascentes como
a fala de posse de Daniel J Harrington presidente da Catholical Biblical
Association Universidade de Georgetown em 06 de agosto de 1986
(publicado em 1987) Na ediccedilatildeo adaptada e ampliada do mesmo ano ele
destaca
() uma breve driccedilatildeo das sete imagens diferentes
de Jesus criadas por vaacuterios estudiosos nos uacuteltimos
anos As diferenccedilas dizem respeito aos diversos
ambientes judaicos que servem de pano de fundo
para as suas concepccedilotildees do Jesus histoacuterico () Eacute
impossiacutevel evitar a desconfianccedila de que a pesquisa
do Jesus histoacuterico eacute um campo em que se pode
fazer teologia e chamaacute-la de histoacuteria ou entatildeo fazer
autobiografia e chamaacute-la de biografia sem correr
grandes riscos630
628 CROSSAN 1994 opcit p26 629 id ibid 630 id ibid pp26-7 mdashmdash O que se pode ver eacute o Jesus enquanto
revolucionaacuterio poliacutetico de Samuel George Frederick Brandon (1967) como mago
206
A dificuldade com a multiacuteplice teia de conclusotildees diacutespares acerca
do paleocristianismo nos constrange a revisar a questatildeo da teoria e
meacutetodo O estaacutegio atual da metodologia aplicada agrave pesquisa exegeacutetica
deste iniacutecio do seacuteculo XXI se equipara na melhor das hipoacuteteses ao
mesmo estaacutegio em que se encontrava a metodologia arqueoloacutegica no final
do seacuteculo XIX afirma Crossan
Se um arqueoacutelogo resolve escavar um terreno mais
ou menos a seu bel-prazer pega o que lhe parece
mais precioso e raro e volta correndo para casa
para entregaacute-lo a um museu imperial o que temos
natildeo eacute uma pesquisa arqueoloacutegica mas uma
pilhagem cultural Sem uma estratigrafia cientiacutefica
isto eacute sem a localizaccedilatildeo exata de cada item na sua
proacutepria camada cronoloacutegica pode-se tirar
praticamente qualquer conclusatildeo a partir de
qualquer objeto Mas se a arqueologia hoje em dia
jaacute descobriu a importacircncia absoluta da estratigrafia
a pesquisa do Jesus histoacuterico [mais amplamente
dos cristianismos nascentes] ainda perde tempo
com uma espeacutecie de pilhagem textual com
investigaccedilotildees a respeito da tradiccedilatildeo de Jesus que
natildeo partem de uma estratigrafia geral nem
explicam porque se daacute mais atenccedilatildeo a um
determinado item em detrimento dos outros Fica-
se entatildeo com a impressatildeo de que o pesquisador jaacute
sabe os resultados de sua busca antes dela
comeccedilar631
O que se interpotildee para que a pesquisa em obras do
paleocristianismo possa ter validade neste seacuteculo XXI eacute que
obrigatoriamente teraacute que romper com essa impressatildeo de profundo
por Morton Smith (1978) enquanto figura carismaacutetica da Galileia por Geza
Vermes (1981-84) como um rabino da Galileia por Bruce Chilton (1984) como
um hillelita ou protofariseu por Harvey Falk (1985) e enquanto um profeta
escatoloacutegico segundo Ed Parish Sanders (1985) Nem todos estes trabalhos satildeo
igualmente convincentes mas demonstram a profundidade da questatildeo Mesmo
mantendo o consenso da ambientaccedilatildeo judaica cada exegeta corre o risco de dar
uma face diferente a Jesus Os trabalhos natildeo se limitam a estes citados Temos
Borg (1984) e Horsley (1987) entre outros bem qualificados que contecircm
elementos e insights que seriam mantidos em siacutenteses futuras 631 CROSSAN 1994 opcit p27
207
subjetivismo na questatildeo teoria e meacutetodo tanto para os desdobramentos
na demanda antropoloacutegica632 como na histoacuterica633 e tambeacutem na literaacuteria
Os triacuteplices expedientes devem se empreendidos por completo e na
mesma intensidade igualitaacuteria e interativamente para uma siacutentese eficaz
Poreacutem no niacutevel literaacuterio ou textual Por que haveria de ter algum
problema perguntaria algueacutem Natildeo estamos acostumados com
bibliotecas repletas de comentaacuterios e ediccedilotildees Os ldquosinoacuteticosrdquo Mateusndash
MarcosndashLucas (relatos da Galileia provinciana) e Joatildeo (informes da
Jerusaleacutem cosmopolita) natildeo seriam suficiente biografia sobre este
campesino do Mediterracircneo do seacuteculo I Natildeo foram estas obras
compostas num periacuteodo de 75 anos depois da sua morte por indiviacuteduos
ligados direta ou indiretamente a ele Natildeo seria isto equivalente ou ateacute
mais do que temos de Tiberius Claudius Nero Caeligsar imperador romano
que foi seu contemporacircneo cuja vida foi escrita por Veleius Paterculus
Cornelius Tacitus Suetonius Tranquilus e Dion Cassius sendo que soacute o
primeiro teve contato com ele (outros de 75 a 200 anos depois da sua
morte)634 Qual eacute entatildeo o problema literaacuterio da tradiccedilatildeo textual canocircnica
acerca de Jesus Pedro ou qualquer outro seu disciacutepulo
No fundo eacute exatamente esse testemunho quaacutedruplo (simplificando
a questatildeo atendo-se soacute a estes ignorando outros documentos heterodoxos)
ndash que constitui o nosso problema literaacuterio Se lidos verticalmente (do
iniacutecio ao fim) a sensaccedilatildeo eacute de harmonia e unidade Se lido
horizontalmente (quaacutedrupla coluna) a sensaccedilatildeo eacute outra ndash a de
desconformidade como caracteriacutestica capital nos quatro textos Isto jaacute era
percebido do seacuteculo II por pagatildeos como Κέλσος (= Celsus) e pelos
defensores do cristianismo ndash eg Flavius Augustus Justinus (= o Maacutertir)
Tatianus (= Taciano o Siacuterio) e Μαρκίων Σινώπης (= Marciatildeo de Siacutenope)
que tinham plena consciecircncia das divergecircncias Duas soluccedilotildees foram
levantadas a de Μαρκίων Σινώπης que recomendava a banimento todos
os Evangelhos com exceccedilatildeo a um ou fazer uma colagem de modo a
compor um uacutenico extrato narrativo recurso que com bastante
632 id ibid No niacutevel da antropologia teriacuteamos que discutir eg estudos
como o de Ioan Lewis sobre religiotildees extaacuteticas (1971) artigos de Peter Worsley
sobre sistemas medicinais (1982) as refeiccedilotildees de Jesus passariam pelos estudos
de Petar Farb e George Armelagos sobre o ato de comer (1980) 633 No niacutevel do histoacuterico textos como o de John Hull sobre magia
heleniacutestica e tradiccedilatildeo sinoacutetica (1980) e os estudos de Dennis Smith sobre
aspectos histoacutericos acerca de obrigaccedilotildees sociais no contexto das refeiccedilotildees
comunitaacuterias (1980) 634 CROSSAN 1994 opcit p29
208
probabilidade precedia a Justinus mas que este adotou juntamente com
o seu pupilo Tatianus ndash τό διὰ τεσσάρων εὐαγγέλιον635
Atraveacutes dos seacuteculos XIX e XX Crossan636 aponta esboccedilos
comparativos dos Evangelhos que lograram ecircxito em suscitar teses
irrefutaacuteveis e assim os resume a sua mais reconhecida obra ndash The
historical Jesus (i) Existem diversos Evangelhos afora o NT (ii)
Os quatro Evangelhos canocircnicos natildeo satildeo uma coletacircnea completa nem
uma eleiccedilatildeo casual dos escritos disponiacuteveis na eacutepoca mas uma seleccedilatildeo
deliberada num processo em que diferentes evangelhos foram abdicados
natildeo soacute pelo teor mas ateacute mesmo pela forma (iii) A retenccedilatildeo e a
preparaccedilatildeo do material histoacuterico estatildeo presentes nos canocircnicos e nos
extracanocircnicos (iv) As desconexotildees entre as vaacuterias narrativas e
variantes natildeo eacute tatildeo somente lapso de memoacuteria nem diferenccedila de realce
mas o que temos satildeo hermenecircuticas teoloacutegicas conscientes a respeito de
Jesus e dos personagens que o cercaram (v) Um clariacutessimo exemplo de
iv ocorre quando Mt e Lc utilizam-se de material escrituriacutestico de Mc
como fonte do que Jesus disse ou fez agrave estes que o rodearam e apresentam
uma assustadora destreza ao omitir adicionar modificar emendar e ateacute
criar certas passagens dentro das suas proacuteprias narrativas
Uma das consequecircncias mais inevitaacuteveis certamente recai sobre o
acertado nome dado a este gecircnero que natildeo eacute por definiccedilatildeo scrito sensu
nem biografia nem narrativas histoacutericas da Antiguidade mas o que mais
tarde realccedilaraacute o conceito incorporado ndash εὐαγγέλιον qual seja as Boas
Novas (εὐ = o bom que estaacute sujeito a interpretaccedilatildeo ou o juiacutezo de uma
comunidade ἀγγέλιον (ou ndashα no plural = as novas) que noticiam a
pluralidade Encontramos na seccedilatildeo III3915 da Ἐκκλησιαστική
Ἱστορία637 quando Eusebius Pamphili (de Cesareia) cita Παπίας
Ἱεραπόλεως638 em 140
Isto o lsquopresbiacuteterorsquo costuma dizer ldquoMarcos que
realmente se tornou o primeiro inteacuterprete de Pedro
escreveu com exatidatildeo tanto quanto podia
635 Atraveacutes do Tesouro do Evangelho ou Diatessaron eacute uma harmonia dos
quatros Evangelhos canocircnicos texto que permaneceu nas igrejas orientais ateacute o
seacutec V e cuja composiccedilatildeo original natildeo chegou ateacute noacutes mas dispomos de
comentaacuterios eg Ἐφραίμ ὁ Σῦρος (= Efreacutem o Siacuterio) aleacutem das trad armecircnia
latina aacuterabe persa georgiano κτλ segundo DROBNER opcit p90 636 CROSSAN 2004 opcit in toop 637 HE eacute de 336 638 Ou ὁ Ἱεραπολίτης (= Papias bispo de Hieraacutepolis)
209
relembrar sobre as coisas feitas ou ditas pelo
Senhor embora natildeo em ordemrdquo Pois ele nem
ouvira ao Senhor nem fora seu seguidor pessoal
mas em periacuteodo posterior conforme eu disse
passara a seguir Pedro que costumava adaptar os
ensinamentos agraves necessidades do momento mas
natildeo como se estivesse traccedilando uma narrativa
corrente dos oraacuteculos do Senhor de tal forma que
Marcos natildeo incorreu em equiacutevoco ao escrever
certas questotildees conforme podia lembrar-se delas
Pois tinha apenas um objetivo em mira a saber natildeo
deixar de fora coisa alguma das coisas que ouvira e
natildeo incluir entre elas qualquer declaraccedilatildeo falsa639
Portanto estabelece-se uma noccedilatildeo abrangente do problema que
envolve a tatildeo imperiosa estratificaccedilatildeo dos escritos antigos e dos reptos no
trato com linguagens decorridas deste ambiente multifacetaacuterio dos
cristianismos dos seacuteculos iniciais Natildeo haveraacute devido escoacutelio do que
significou do que a obra quis dizer ao leitor-alvo ndash intentio operis ou de
como se deu a recepccedilatildeo de AtsPe junto ao primeiro puacuteblico - intentio lectoris senatildeo houver uma diligecircncia profiacutecua para situar
cronologicamente este escrito
II Texto sensiacutevel e os criteacuterios de anaacutelise de historicidade ou ldquonatildeo-historicidaderdquo
Um exemplar constroacutei um estereoacutetipo que evidencia as bordas da
tecircnue linha divisoacuteria dos chamados textos sensiacuteveis e o quanto podem secirc-
lo imanentemente aqueles nesta categoria circunscritos
Textos religiosos e sagrados discursos poliacuteticos
textos legislativos manifestos pode-se dizer que
Simms 1997 (Em Translating sensitive texts
linguistic aspects) a sensibilidade de um texto natildeo
estaacute nele mas na forma como eacute lido ldquoA introduccedilatildeo
no acircnus eacute muito facilitada pela aplicaccedilatildeo de
gelatina lubrificanterdquo (idem p 4) Objetaacutevel para
jovens de boas famiacutelias Talvez Natildeo objetaacutevel
639 CHAMPLIN vol I opcit p657 (itaacutelico nosso)
210
contudo quando encontrado em um texto de
medicina640
Mas natildeo se trata tatildeo-somente de uma demanda de leitura Nos
textos religiosos tal aspecto eacute muitas vezes potencializado pela exigecircncia
da questatildeo da historicidade ou lsquonatildeo-historicidadersquo Qual a ponderaccedilatildeo
que tem levado experts afirmar que um axioma ou um evento que conste
nos Evangelhos ou em algum apoacutecrifo validamente foi proferido ou
materializado por um personagem histoacuterico Tais deliberaccedilotildees sobre
historicidade ou natildeo-historicidade podem parecer discricionaacuterias ou
simples lsquoapostas no escurorsquo Mas a segunda metade do uacuteltimo seacuteculo tem
proporcionado um refinamento dando maior objetividade nos juiacutezos
criacuteticos desta investigaccedilatildeo No conjunto de livros ndash Um Judeu Marginal641 (ainda em andamento) o historiador americano John Paul
Meier introduz a temaacutetica e enumera as principais ferramentas dessa
busca
A mais importante destas eacute conhecida como o ldquocriteacuterio da
contradiccedilatildeordquo642 que trata basicamente de episoacutedios e ditos
potencialmente embaraccedilosos para esses seacuteculos I-III dos cristianismos Eacute
um princiacutepio de dialeacutetico faacutecil a capacidade criadora dos escritores 640 CONGRESSO INTERNACIONAL DE TRADUCcedilAtildeO Nas Trilhas da
Traduccedilatildeo Site oficial UFOP ndash 2009 (on-line) lt
httpwwwnastrilhasdatraducaoufopbrtraducaodetextossensiveishtml gt
acessado em 27022011 641 MEIER John Paul Um Judeu Marginal repensando o Jesus Histoacuterico
vol2 liv1 Rio de Janeiro Imago 1996 Teoacutelogo ex-professor da caacutetedra de NT
Dep de Estudos Biacuteblicos ndash Univ Catoacutelica da Ameacuterica do Norte (desde 1984)
Professor de NT na Univ de Notre Dame USA Doutorou-se em Escrituras
Sagradas (1976) Instituto Biacuteblico de Roma com louvor maacuteximo e recebeu a
comenda papal de ouro Antes condecorado em 1968 quando completou o Curso
de Teologia Univ Gregoriana Roma Ex-presidente (1990-1991) da Catholical
Biblical Association Escreveu consideraacuteveis obras e artigos sempre preferindo o
meacutetodo histoacuterico-criacutetico Foi o ed chefe do Catholical Biblical Quarterly O
notaacutevel produto da sua pena Um Judeu Marginal (4 vols) natildeo eacute um
empreendimento pessoal mas faz parte da biblioteca de referecircncia ndash Anchor Bible
Reference Library e consequentemente Meier natildeo pocircde ficar circunscrito a
mostrar apenas suas cocircmodas posiccedilotildees deixando passar ao largo vozes
contestatoacuterias e antagocircnicas e por isso eacute uma mostra bastante extensa e
representativa do tema 642 MEIER 1996 opcit vol2 liv1 Ele ainda menciona outros como
ldquocriteacuterio da descontinuidaderdquo ldquocriteacuterio da muacuteltipla confirmaccedilatildeo de fontesrdquo
ldquocriteacuterio da coerecircnciardquo e o ldquocriteacuterio da cruzrdquo Seria impossiacutevel abarcaacute-los aqui
211
cristatildeos ao documentarem a tradiccedilatildeo oral sobre os personagens biacuteblicos
dificilmente dar-se-iam agrave lide de arquitetar historietas que pudessem
confundir ou embaraccedilar acerca do seu Mestre ressurreto ou dos
personagens que mais de perto o rodearam Meier vai argumentar que a
composiccedilatildeo dos Evangelhos (e dos principais textos e dos gecircneros
cristatildeos) natildeo foi um lsquovale-tudorsquo tendo em vista a coexistecircncia com uma
tradiccedilatildeo de oralidade muito viva naquele meio643 e originaacuteria das
αὐτόπται (= testimonia oculares) primeiro grupo de cristatildeos enquanto o
NT estava sendo escrito ldquoOs escritores cristatildeos natildeo se sentiam agrave vontade
para com facilidade varrer os acontecimentos constrangedores para
debaixo do tapeterdquo644 O livre-arbiacutetrio maacuteximo encontrava seu limite
segundo Meier na praacutetica de uma hermenecircutica teoloacutegica o mais
admissiacutevel possiacutevel a estas ocorrecircncias que potencialmente pudessem
disseminar desconfianccedila acerca do papel de Jesus (como Cristo Messias)
e sobre o prelado apostolar
Na cena batismal Jesus o que ocorre a Joatildeo o Batista eacute
paradigmaacutetica para o emprego do ldquocriteacuterio do constrangimentordquo tambeacutem
do quanto os escritos padeceram reinterpretaccedilotildees teoloacutegicas sucessivas
para contornar a questatildeo O que demonstra que para uma adequada leitura
e interpretaccedilatildeo pressupostos baacutesicos de uma adequada traduccedilatildeo eacute
necessaacuterio realocar o escrito primeiramente na devida camada ou estrato
de acordo com a episteme aqui professada Acerca disto Voigt diz
O batismo de Jesus por Joatildeo eacute um desses casos ()
ldquoSe o batismo de Joatildeo eacute para o arrependimento [dos
pecados] porque Jesus precisaria ser batizado
Como Jesus o Messias poderia ser batizado por
algueacutem teoricamente inferior a elerdquo diz o
pesquisador () a tradiccedilatildeo cristatilde resolve isso por
meio do ldquotestemunhordquo de Joatildeo ndash afirmaccedilotildees do
profeta de que ele teria vindo apenas para
proclamar a chegada de Jesus e de que na verdade
ele natildeo seria digno de batizaacute-lo645
643 id ibid Particularmente o cap Indiacutecios e Provas da Tradiccedilatildeo oral e
suas implicaccedilotildees tradutoacuterias 644 MEIER John Paul A Marginal Jew Rethinking the Historical Jesus
vol I The Roots of the Problem and the Person 1ordf ed New York Doubleday
1991 p237 645 VOIGT Emilio Entrevista em 22062008 ao G1Globocom (on-line)
lt httpwwwgazetadopovo combrmundoconteudophtmlid=779091 gt
212
Este episoacutedio pelo amplo conhecimento puacuteblico certamente
ilustraraacute melhor para percebermos que a ldquosensaccedilatildeo de harmoniardquo que
muitos evocam nas suas leituras de um dado Evangelho rapidamente vai
para o outro extremo quando lemos o mesmo episoacutedio em quaacutedrupla
coluna ou melhor em muitas outras mais Para visualizar melhor
propomos alguns textos relativos a este batismo segundo Ribeiro646
sugere na sua pesquisa embora ele mesmo tenha se restringido apenas ao
acircmbito dos canocircnicos Incluiacutemos tambeacutem os apoacutecrifos e as respectivas
dataccedilotildees apontadas pelos estudiosos para atender a uma proposta de
estratificaccedilatildeo proposta de Crossan A siacutentese de Ribeiro eacute no Evangelho
de Marcos eg Joatildeo o Batista com facilidade batiza Jesus sem que haja
diaacutelogo ou qualquer afirmaccedilatildeo para destacar a posiccedilatildeo submissatildeo do
profeta a Cristo No Evangelho mateano o texto jaacute vem com uma
declaraccedilatildeo expliacutecita colocada na voz de Joatildeo Batista de que ldquoJesus eacute que
deveria batizaacute-lordquo647 e natildeo o oposto O Evangelho lucano mais tardio
ainda mencionaraacute curiosamente em primeiro lugar a prisatildeo do Batista
para soacute entatildeo empoacutes discorrer sobre o batismo de Jesus e sem dar notiacutecia
do nome do batizador O Quarto Evangelho eacute o mais radical na medida
em que nem alude em momento algum o batismo de Jesus E conclui
Ribeiro
Eacute interessante como conforme a compreensatildeo dos
primeiros cristatildeos sobre Jesus vai evoluindo e ele
passa a ser encarado cada vez mais como divino a
necessidade de tornar clara a superioridade de Joatildeo
em relaccedilatildeo a Jesus aumenta [sic eacute o contraacuterio] Em
Marcos que eacute o Evangelho mais antigo isso ainda
natildeo eacute um problema tatildeo grande648
acessado 04012011 na ocasiatildeo da descoberta pelo arqueoacutelogo britacircnico Shimon
Gibson de uma caverna do seacutec I nas cercanias montanhosas de Jerusaleacutem onde
Joatildeo o Batista teria iniciado seus batismos para purificaccedilatildeo de pecados Doutor
em NT e coordenador de ensino agrave distacircncia da Escola Superior de Teologia de
Satildeo LeopoldoRS 646 RIBEIRO Luiz Fernando Entrevista convidado como especialista a
falar para em 22062008 ao G1Globocom (on-line) ibid Prof da poacutes-
graduaccedilatildeo em histoacuteria do cristianismo antigo da Universidade de Brasiacutelia (UnB)
que concluiu seu doutoramento na Universidade de Toronto 647 cf Mt 314 648 RIBEIRO ibid
213
Para darmos sequecircncia a boa ideia proposta anteriormente vamos
expor esta passagem mais rigorosamente em contato outros textos
apoacutecrifos que mencionam o episoacutedio do batismo de Jesus e estabelecer
aquilo que Crossan chamou de ldquoestratificaccedilatildeordquo Trata-se de camadas de
textos por dataccedilatildeo numa antologia expandida atraveacutes dos canocircnicos e
apoacutecrifos com o recurso das dataccedilotildees fornecidas pelos scholars O que
perceberemos eacute uma condiccedilatildeo de controle e administraccedilatildeo do que se
poderia chamar de ldquoprejuiacutezos teoloacutegicosrdquo Percebe-se abaixo que a
tradiccedilatildeo natildeo acolhe com naturalidade o episoacutedio de Joatildeo batizar Jesus A
sensaccedilatildeo seria de algo como Jesus um pecador e ldquoo Batistardquo um superior
E quando o Senhor saiu da aacutegua649 aconteceu que
toda a fonte do Espiacuterito Santo desceu sobre ele e
disse Meu filho em todos os profetas eu esperava
por ti para que pudesse descansar sobre ti Tu eacutes
meu descanso eacutes o meu primogecircnito que reinaraacute
para sempre Evangelho dos Hebreus650 (dataccedilatildeo
de ca50) cap2651
O Proto Evangelho de Marcos652 (dataccedilatildeo ca 70 Mc Secreto
(proto) ca79 Mc conhecido) oferece sem dificuldades a narrativa do
649 Caraacuteter nitidamente mitoloacutegico comum na Antiguidade que deve ter
neutralizado esta questatildeo de inferioridade e superioridade 650 O Ev Heb ndash in KOESTER Helmut Introduction to the New
Testament volII Foundations and Facets Philadelphia Fortress Press 1982
pp223-4 Originaacuterio do Egito datado de 50 Dele natildeo restou frgg Conhecido
somente por 7 citaccedilotildees da patriacutestica e por sua independecircncia dos Ev canocircnicos 651 HENNECKE SCHNEEMELCHER 1959 opcit pp1162-4 Tambeacutem
CAMERON Ronald D The Other Gospels Non-canonical Gospel Texts
Philadelphia Fortress Press 1982 p84-5 ldquoos relatos da vida anterior de Jesus
a sua chegada o batismo e a tentaccedilatildeo () satildeo narrativas mitoloacutegicas reduzidas
Eles pressupotildeem o mito da descida da Sabedoria Divina que teria tomado a forma
definitiva de um representante da raccedila humana para trazer a revelaccedilatildeo e redenccedilatildeo
para toda a humanidade Este mito era muito comum no mundo greco-romano e
estaacute por traacutes de muitas das formulaccedilotildees que os primeiros fieacuteis fizeram a respeito
de Jesusrdquo 652 O Ev Secreto de Marcos(a) versatildeo proto do Ev de Marcos continha
algumas narrativas que natildeo restaram na versatildeo final e teria sua composiccedilatildeo no
iniacutecio dos anos 70 segundo SMITH Morton The Secret Gospel The Discovery
and Interpretation of the Secret Gospel According to Mark New York Harper amp
Row 1973A tambeacutem id Clement of Alexandria and Secret Mark The Score at
the End of the First Decade Cambridge Harvard University Press 1973B Estas
214
batismo ndash Mc 19 (BJ) ldquoNessa ocasiatildeo Jesus veio de Nazareacute uma
pequena cidade da regiatildeo da Galileia e foi batizado por Joatildeo Batista no
rio Jordatildeordquo E em seguida a epifania ndash 110-11 ldquoNo momento em que
estava saindo da aacutegua Jesus viu o ceacuteu se abrir e o Espiacuterito de Deus descer
como uma pomba sobre ele E do ceacuteu veio uma voz que disse ndash Tu eacutes o
meu Filho querido e me daacutes muita alegriardquo Os dois elementos
apresentam vaacuterios problemas e soluccedilotildees a partir de textos derivativos do
Evangelho de Marcos onde alguns optam por apagar ou negar o batismo
ou entatildeo ofuscaacute-lo dando mais ecircnfase a epifania Notem-se a seguir a
progressatildeo e o esforccedilo apologeacutetico das comunidades e dos escritores
cristatildeos posteriores
No Evangelho lucano653 (dataccedilatildeo redaccedilatildeo final ca 89-90) tendo
como fonte o Evangelho das Sentenccedilas Q1Q2Q3654 (a pregaccedilatildeo de Joatildeo
eacute mais interessante que os rituais batismais dataccedilatildeo ca 50) o Evangelho de Marcos e o Evangelho da Cruz655 (dataccedilatildeo ca 50) a narrativa do
narrativas de pronto receberam interpretaccedilatildeo gnoacutestica libertina (eroacutetica) ndash
protocarpocracianos conforme CROSSAN 2004 opcit p468 menciona
tambeacutem Paulo os teria encontrado tambeacutem em Corinto mdashmdash A versatildeo seguinte
do Ev de Marcos eliminou estas passagens mas restaram indiacutecios ao longo do
texto KOESTER 1982 opcit CROSSAN 1985 opcit id 2004 opcit
p468 usando possivelmente a menor reescrita possiacutevel e no final dos anos 70
(78-79) 653 O Ev de Lucas talvez tenha sido escrito antes de 90 poreacutem
seguramente antes de Jo 1-20 que se baseia neste para os relatos da paixatildeo e
ressurreiccedilatildeo Tem como fontes o Ev Das Sentenccedilas Q e o Ev de Marcos para
relatos anteriores a paixatildeo e no Evde Marcos e no Ev da Cruz para os relatos da
paixatildeo e ressurreiccedilatildeo cf CROSSAN John Dominic The Cross That Spoke The
Origins of the Passion Narrative San Francisco Harper amp Row 1988
especialmente pp50-88 654 O Ev das Sentenccedilas Q eacute uma coletacircnea de λόγοι dos anos 50 mais
elaborada que o Ev de Tomeacute Local de composiccedilatildeo provaacutevel eacute Tiberiacuteades
Galileia Natildeo haacute relatos acerca da paixatildeo e ressurreiccedilatildeo tem a mesma temaacutetica
dos Ev de Tomeacute e Ev dos Hebreus no mito acerca da Sabedoria cf
KLOPPENBORG John S The Formation of Q Trajectories Ancient Wisdom
Collections Studies in Antiquity and Christianity Philadelphia Fortress Press
1987 id Q Parallels Synopsis Critical Notes and Concordance Sonoma
Polebridge Press 1988 No Ev das Sentenccedilas Q haacute 3 estaacutegios cronoloacutegicos um
sapiencial ndash 1Q um segundo apocaliacuteptico ndash 2Q e o uacuteltimo uma espeacutecie de
introduccedilatildeo posterior ndash 3Q Kloppenborg iraacute destacar extensamente nas suas obras
que eacute citado sempre nestas ldquotrecircs rubricasrdquo 655 O Ev da Cruz restou inserido no Evde Pedro Composto ateacute os anos
50 possivelmente em Seacuteforis Galileia Trata da crucificaccedilatildeo e deposiccedilatildeo ndash 11-
215
batismo ocorre ndash note curiosamente depois da prisatildeo de Joatildeo o Batista
cf Lc 319-20 nem se menciona o batizador mal faz referecircncia ao batismo
e sai numa ldquoarrancadardquo sintaacutetica segundo Kloppenborg656 em direccedilatildeo agrave
oraccedilatildeo e agrave epifania ndash Lc 321-22 (BJ)
Depois do batismo de todo aquele povo Jesus
tambeacutem foi batizado E quando Jesus estava
orando o ceacuteu se abriu e o Espiacuterito Santo desceu na
forma de uma pomba sobre ele E do ceacuteu veio uma
voz que disse ndash Tu eacutes o meu Filho querido e me
daacutes muita alegria ()
O Evangelho mateano657 (dataccedilatildeo ca 90) iraacute tratar de frente a
dificuldade do constrangimento que o batismo de Jesus representa
Depois de muita insistecircncia de Jesus eacute que Joatildeo decide batizaacute-lo depois
da contundente declaraccedilatildeo colocada na voz de Joatildeo todavia por uma
necessidade divina ndash Mt 313-15 (BJ)
Naqueles dias Jesus foi da Galileacuteia (sic) ateacute o rio
Jordatildeo a fim de ser batizado por Joatildeo Batista Mas
Joatildeo tentou convencecirc-lo a mudar de ideacuteia (sic)
dizendo assim ndash Eu eacute que preciso ser batizado por
vocecirc e vocecirc estaacute querendo que eu o batize Mas
Jesus respondeu ndash Deixe que seja assim agora
pois eacute dessa maneira que faremos tudo o que Deus
quer E Joatildeo concordou
2 e 25b-622 do tuacutemulo e guardas ndash 725 e 828-934 e ressurreiccedilatildeo e confissatildeo
935-1042 e 1145-49 Dois estudos destacam o seguinte eacute a uacutenica fonte das
narrativas da paixatildeo intracanocircnicas cf CROSSAN 1985 e 1988 ambas opcit
Outra possibilidade seria segundo KOESTER Helmut Ancient Christian
Gospels The History and Development Londres SCM Press Philadelphia
Trinity Press International 1990 p220 que uma uacutenica fonte da paixatildeo teria sido
usada de forma independente pelo Evde Marcos Ev de Joatildeo e Ev de Pedro 656 KLOPPENBORG 1988 opcit p16 657 O Ev de Mateus o uacutenico do NT canocircnico a ser escrito em aramharrgr
por volta dos anos 90 provavelmente em Antioquia Siacuteria Com evidecircncia da
παράταξις semiacutetica e elementos judaicos da Midraxe Tem como fontes o Ev
Das Sentenccedilas Q e o Ev de Marcos para relatos anteriores a paixatildeo e no Evde
Marcos e no Ev da Cruz para os relatos da paixatildeo e ressurreiccedilatildeo CROSSAN
1988 opcit
216
No Evangelho dos Ebionitas658 (dataccedilatildeo ca 140) tambeacutem iraacute buscar
na necessidade divina uma forma de contornar o constrangimento soacute que
agora a suacuteplica eacute de Joatildeo pelo batismo mais enfaacutetica e feita de joelhos
ldquoJoatildeo prostrou-se aos seus peacutes e disse lsquoPeccedilo-vos Senhor que me
batizesrsquo Mas ele levantou-o e disse lsquoDeixe estar pois isso eacute preciso para
que tudo se cumprarsquordquo
O Evangelho dos Nazarenos659 (dataccedilatildeo ca 130) apresenta uma a
negaccedilatildeo que tal batismo tenha ocorrido
Eis que a matildee do Senhor e seus irmatildeos disseram a
ele o batizado pelas matildeos de Joatildeo traz o perdatildeo
para todos os pecados vamos pedir-lhe para que
nos batize Mas ele respondeu Quando foi que eu
pequei para ser batizado por ele A natildeo ser que
aquilo que eu tenha sido uma ignoracircncia [quer
dizer pecar por ignoracircncia]
O Evangelho joanino660 (versatildeo II dataccedilatildeo ca 120) que
provavelmente dependia das fontes sinoacuteticas para tradiccedilatildeo do batismo
658 O Evangelho dos Ebionitas 4 ndash in HENNECKE
SCHNEEMELCHER 1959 NTA opcit pp1157-8 tambeacutem ndash in
CAMERON opcit p105 Sete pequenas partes deste evangelho satildeo citadas por
Epiphanius (de Salamina) no final do seacutec VI O texto teria sido escrito pelos
meados do seacutec II e cf KOESTER 1982 opcit pp2202-3 e cf CAMERON
1982 opcit pp103-4 seria uma versatildeo combinada dos Ev de Mateus Ev de
Lucas e com alguma possibilidade tambeacutem do Ev de Marcos 659 O Ev dos Nazarenos 2 NTA opcit pp1146-7 tambeacutem CAMERON
opcit p99 Eacute um conjunto de 23 recortes de uma extensa trad do Ev de Mateus
do gr rarr aramou rarrsyr Temos conhecimento atraveacutes de citaccedilotildees dos Pais da
Igreja e de notas marginais existentes numa recensatildeo (famiacutelia) de 36 manuscritos
feitos a partir do Ev de Siatildeo por volta de 500 A trad era de meados do seacutec II
KOESTER 1982 opcit pp2201-2 tambeacutem CAMERON opcit pp97-8 660 O Ev de Joatildeo teve uma primeira versatildeo no inicio do seacutec II em resposta
ao crescimento e aceitaccedilatildeo dos sinoacuteticos Trata-se de uma combinaccedilatildeo do Ev dos
Sinais (de Joatildeo) com as tradiccedilotildees sinoacuteticas da paixatildeo e ressurreiccedilatildeo Segundo
CROSSAN 1988 opcit haacute uma dependecircncia um tanto criativa do Ev da Cruz
(e dos sinoacuteticos para as narrativas de paixatildeo e ressurreiccedilatildeo) Chegou ateacute noacutes um
frgg deste Evangelho do ano de 125 Uma segunda versatildeo incluiria Jo 21 mostra
a ascendecircncia dos sinoacuteticos e tambeacutem de Pedro Eacute bastante cogitado que
passagens como Jo 11-18 (proacutelogo) 651b-58 (convite ao patildeo e vinho
eucariacutestico) caps 15 16 e 17 (acerca da videira e os ramos missatildeo do
παράκλητος palavras de despedida e a oraccedilatildeo pela unidade dos cristatildeos ndash
217
Desvia-se de qualquer menccedilatildeo ao batizado de Jesus (em Joatildeo perdido para
sempre) e prefere dar ecircnfase ao testemunho de Joatildeo (referindo-se ao
Batista) a seu respeito de Jesus No Quarto Evangelho (de Joatildeo o
Evangelista) Joatildeo (o Batista) natildeo recebe nenhuma vez o codinome de ldquoo
Batistardquo ndash Jo 132-34 (BJ)
E Joatildeo testificou dizendo Eu vi o Espiacuterito descer
do ceacuteu como uma pomba e repousar sobre ele E
eu natildeo o conhecia mas o que me mandou a batizar
com aacutegua esse me disse Sobre aquele que vires
descer o Espiacuterito e sobre ele repousar esse eacute o que
batiza com o Espiacuterito Santo E eu vi e tenho
testificado que este eacute o Filho de Deus
Outras duas citaccedilotildees a partir de Ἰγνάτιος Ἀντιοχείας (Inaacutecio de
Antioquia) tambeacutem conhecido pelo nome grego de Θεοφόρος (Teoacuteforo
= ldquoportador de Deusrdquo bispo de Antioquia Siacuteria) escritas por volta de 100
quando ele passou por Esmirna e Trocircade sendo conduzido atraveacutes da Aacutesia
Menor em direccedilatildeo a Roma para passar pelo martiacuterio Apresentam
explicaccedilotildees diferentes das anteriores para o batismo de Jesus ldquoO nosso
Senhor () realmente eacute da famiacutelia de Davi pela carne eacute Filho de Deus
pela vontade e o poder de Deus de fato nasceu de uma virgem e foi
batizado por Joatildeo para que toda a virtude se cumprisse atraveacutes dele
()rdquo661 Como natildeo haacute evidecircncia que Ἰγνάτιος Ἀντιοχείας (Inaacutecio de
Antioquia) tenha lido o Evangelho da comunidade mateana a palavra
ldquovirtuderdquo662 aplicada a Joatildeo presume a leitura e a dependecircncia de uma
fonte comum A explicaccedilatildeo eacute mais mitoloacutegica uma ligaccedilatildeo entre o
batizado e a paixatildeo o batismo purifica a aacutegua como o seu enterro
purificaria a terra ldquoPois o nosso Deus Jesus Cristo foi carregado no uacutetero
por Maria de acordo com os desiacutegnios de Deus era semente de Davi e
do Espiacuterito Santo Ele nasceu e foi batizado para que purificasse a aacutegua
atraveacutes de seu sofrimentordquo663 O caraacuteter mais mitoloacutegico desta derradeira
chamada sarcedotal (impropriamente) e as passagens do ldquoDisciacutepulo Amadordquo
pertenccedilam ainda a versotildees mais recentes 661 Ἰγνάτιος Ἀντιοχείας (Inaacutecio de Antioquia) ad Smyrnӕos I1
KOESTER Helmut Synoptische Uumlberlieferung bei den Apostolichen Vaumltern ndash
in TU 65 Berlin Akademie 1957 p59 662 Mt 314-15 2132 663 Ἰγνάτιος Ἀντιοχείας (Inaacutecio de Antioquia) ad Ephesios XVIII2 ndash in
SCHOEDEL Willian Ignatius of Antioch A Commentary on the Letters of
218
citaccedilatildeo ldquoestaacute mais proacutexima do mundo teoloacutegico de Inaacuteciordquo ndash o seu
batismo purificaria a aacutegua e o seu enterro a terra
Neste momento jaacute podemos intuir acerca dos textos produzidos no
cristianismo nascente que (i) que o batizador foi Joatildeo e o batismo
ocorreu de fato devido ao constrangimento664 que o evento produziu
Poreacutem a hermenecircutica da significaccedilatildeo deste batismo ainda eacute um caminho
cuja maioria dos passos estaacute por ser dada (ii) que natildeo haacute uma correta
leitura interpretaccedilatildeo e tambeacutem traduccedilatildeo sem a devida implantaccedilatildeo das
camadas dos textos (estratigrafia) (iii) que as questotildees teoloacutegicas
potencializam as dificuldades de traduccedilatildeo para aleacutem das dificuldades
textuais linguiacutesticas ou histoacutericas
Ignatius of Antioch ndash Hermeneia A Critical and historical Commentary on the
Bible Philadelphia Fortress Press 1985 pp8 e 222 664 Pelo mesmo criteacuterio de anaacutelise poderiacuteamos trabalhar muitas outras
questotildees como (i) Jesus nasceu em Beleacutem ou Nazareacute Ou seja temos um Jesus
de Beleacutem ou um Jesus de Nazareacute Assim fariacuteamos uso de outras fontes como
Antiguidades Cristatildes de Flaacutevio Josefo para eventos naturais (eg cometas) as
atas e documentos imperiais para alguma informaccedilatildeo de recenseamentos κτλ
Outros fatos constrangedores (ii) os parentes de Jesus e habitantes de Nazareacute o
rejeitam como profeta Por quecirc (iii) a traiccedilatildeo de Judas Iscariotes e citaccedilotildees de
Jesus de que ldquosomente o Pairdquo sabia a era do fim dos tempos (desconfianccedila sobre
a onisciecircncia do Profeta galileu) (iv) teme a aproximaccedilatildeo da morte e pregado
na cruz pergunta por que Deus o abandonou Para MEIER 1996 e 1998 opcit
o registro de tantas circunstacircncias potencialmente desencorajadoras sobre Jesus
demonstra a pouca liberdade dos escritores cristatildeos para conduzir suas narrativas
ao bel-prazer Tal conservadorismo alarga de alguma forma a fiabilidade do
arcabouccedilo baacutesico dos fatos narrados em tais textos A lista seria extensa e poderia
ser acrescentadas questotildees como (v) Maria Madalena foi a prostituta-
arrependida-redimida que todos conhecemos Certamente natildeo Mas qual teria
sido a reelaboraccedilatildeo teoloacutegica que daria fundo a isto Seria a lideranccedila feminina
crescente em cristatildeos (vi) Paulo o apoacutestolo dos gentios que morre em Roma
cidade do episcopado de Pedro sem a menccedilatildeo de alguma visita cordial deste
Seria apenas uma desgastante disputa de lideranccedila Assim muitas destas
questotildees alcanccedilam os personagens mais importantes deste ambiente que
circunscreve os primeiros cristatildeos
219
III Problematizaccedilatildeo das questotildees de linguagem
Um resumo da questatildeo nos levaraacute a indagaccedilotildees baacutesicas infra e
talvez a muitas outras O quanto haacute de influecircncia semiacutetica na liacutengua grega
do AtsPe Seraacute que o grego do NT eacute a matriz linguiacutestica ndash estilo sintaxe
e leacutexico ndash para AtsPe O quanto o κοινή de AtsPe e do NT se aproximam
ou se afastam do grego claacutessico ou melhor ainda do κοινή literaacuterio e
disto dependeraacute a validaccedilatildeo do uso ou natildeo de determinadas gramaacuteticas
depositaacuterios lexicograacuteficos κτλ Quanto o grego de AtsPe teria sido
afetado por outras influecircncias que natildeo a linguagem do NT E que dizer
do latim baacuterbaro do AV Contaminado por outras fontes ou mais fiel ao
original grego de AtsPe O tradutor latino do AV e autor grego de AtsPe
satildeo a mesma pessoa (produccedilatildeo em dupla coluna) A traduccedilatildeo latina foi
ao mesmo tempo e eacutepoca patrocinada pela mesma cultura e religiatildeo do
texto grego Se o puacuteblico destinataacuterio original com alguma seguranccedila
podemos afirmar natildeo era o mesmo entatildeo quais seriam as razotildees da
produccedilatildeo de uma traduccedilatildeo latina dos AtsPe Como estabelecer uma
relaccedilatildeo miacutenima de harmonia entre os textos copto-latino e o texto grego
Eacute bem possiacutevel que muitas destas questotildees natildeo seratildeo aqui
obtemperadas mas eacute pertinente que saibamos sua existecircncia As
traduccedilotildees consultadas mais detidamente ou menos no processo de
reconhecimento do terreno em algum momento da pesquisa (VOUAUX
para fr Paris 1922 MASTER para ing Oxford 1924 reed 1975
ERBETTA para it Turim 1969 PINtildeERO para esp Madrid 2004 e
MORALDI para it Turin 1975 FICKER ndash in HENNECKE para al
Tuumlbingen 1924 e por fim MICHAELIS para al Bremen 1975) todas
unanimemente chamaram a atenccedilatildeo por serem textos produzidos por
religiosos (maioria) ou na ambientaccedilatildeo de instituiccedilotildees da Igreja ou ainda
com os respectivos nihil obstat e o imprimatur665 da Igreja onde a
665 Trata-se de uma antiga autorizaccedilatildeo dada pela Igreja Catoacutelica Romana
para publicaccedilotildees livros e folhetos por catoacutelicos sobre feacute moral teologia liturgia
livros de oraccedilatildeo ediccedilotildees da Sagrada Escritura κτλ ndash ldquoagrave igreja dada a autoridade
de ensino por Cristo e como a canal para a plenitude da Verdade na terra tem a
obrigaccedilatildeo de preservar a sua ovelha de desvios da verdade e para garantir-lhe a
lsquopossibilidade objetiva de professar a verdadeira feacute sem errorsquo ()rdquo (Catecismo
no 890 e Direito Canocircnico Titulo IV Os Meios Sociais de Comunicaccedilatildeo
paraacutegrafos 822-832) O selo imprimatur (= deixe-o ser impresso) eacute dado pelo
bispo feita uma revisatildeo e eacute o anuacutencio formal de que o texto pode ser lido por
catoacutelicos Antes passa por um censor da diocese que avaliza o escrito com o selo
nihil obstat (= natildeo haacute nenhuma objeccedilatildeo) Ainda quando o catoacutelico que
220
preocupaccedilatildeo recaiu na detida anaacutelise das intricadas questotildees teoloacutegicas e
suas implicaccedilotildees questotildees histoacutericas e de valor canocircnico uma vez que
esta obra ndash AtsPe pretendeu circular como texto canocircnico aceito por
algumas comunidades e em alguns periacuteodos cf jaacute mencionado Pouco ou
quase nada foi dito acerca das questotildees linguiacutesticas dos pressupostos da
traduccedilatildeo de cunho religioso das extensas questotildees tradutoacuterias do texto
por ter-nos restado fragmentado em liacutenguas distintas (grego latim copta)
talvez eacutepocas autor e tradutor(es) diferentes κτλ
Bem sabemos que isso natildeo eacute novidade alguma nos textos
religiosos As ldquotraduccedilotildeesrdquo do Cacircntico dos Cacircnticos de Salomatildeo ndash que natildeo
eacute de Salomatildeo nem tem este tiacutetulo666 mas antes um poema de amor
candente composto por uma mulher (basta ler os primeiros e uacuteltimos
versos cf trade ou ) de quem o patriarcalismo por seacuteculos tecircm tentado
usurpar-lhe a autoria ilustra bem a ateacute que ponto a questatildeo pode se
distender e de como se manifestam-se sensiacuteveis os escritos advindos do
contexto cristatildeo-palestinense antigo
IV A liacutengua original dos diversos fragmentos de AtsPe
Para concatenar mais perfeitamente a arguiccedilatildeo neste Capiacutetulo III
faz-se necessaacuterio a raacutepida menccedilatildeo de que como seraacute demonstrado infra
uma parte expressiva do que nos eacute legado do AtsPe estaacute conservado em
latim (AV maior parte da obra mais dois pequenos mss) de grego
pretendente a publicaccedilatildeo for membro de alguma Ordem deveraacute primeiramente
obter o imprimi potest (= que pode ser impresso) dado pelo Superior da Ordem
O imprimatur natildeo expressa opiniatildeo oficial da Igreja nem do bispo nem tem valor
eg de uma Enciacuteclica 666 Esta pequena obra poeacutetica sobre o amor eroacutetico na juventude de 117
versos embaraccedilosa traduccedilatildeo e interpretaccedilatildeo quase sempre alegoacuterica O
moralismo da religiatildeo cristatilde inescrupuloso de contiacutenuo tentou distorcer este
cacircntico que tem o tiacutetulo heb למה ר לש šir ha-ššicircricircm rsquoašer) שיר השירים אש
lišlomoh) com valor superlativo O mais belo dos cacircnticos dedicado a Salomatildeo
talvez devido a voluacutepia deste Um dos Cinco Megillot Megila heb חמש מגילות
hamesh megillot ou chomeish megillocirc) juntadas agrave Biacuteblia Hebraica ndash תנך (=
transl Tanakh) pela tradiccedilatildeo javista no seacutec IV aC devido a expressotildees
aramaicas poacutes-exiacutelicas lido nos casamentos e na festa judaica Pechar Ficou
conhecida com Cacircnticos de Salomatildeo Cacircntico dos Cacircnticos de Salomatildeo ou
simplesmente Cacircnticos ndash forma abreviada da Vulgata canticum canticorum A
LXX a chamou abreviadamente de Āisma derivativo do gr ᾌσμα ᾀσμάτων
221
contamos com o POx e os mss do Μαρτύριον τοῦ ἁγίου ἀποστόλου
Πέτρου aleacutem de o ms copta menor Uma visada do texto nas trecircs liacutenguas
nos permite perceber que o grego eacute o modelo ndash e portanto anterior ao
latim O copta Sahiacutedico compatiacutevel com seacuteculo V nos permite apartaacute-lo
de imediato da discussatildeo que resta em lat versus gr No texto latino667
entre outros erros percebe-se que o tradutor natildeo traduz bem algumas
frases talvez por natildeo compreendecirc-las claramente (aponta para um autor
grego diferente do tradutor latino) ou corta e divide periacuteodos grandes do
grego cf Rostalski e Harteacutes Hernandez que pesquisaram a anterioridade
de uma ou outra liacutengua o grego sempre estaacute por traacutes do latim (que eacute uma
traduccedilatildeo)
Alguns exemplos668
mdashmdash I3-4 intueri sermonibus larr
ἀτενίζειν τοῖς λόγοις
mdashmdash I13 factus est (+ fetus sonus κτλ) larr
ἐγένετο
mdashmdash II5 non tamquam digna larr
οὐχ ὡς ἄξια
mdashmdash IV28 in quibus faciebat larr ἐν οἶς ἐποίει
mdashmdash VI28 mysteriorum communis larr
τῶν μυστηρίων κοινωνός
mdashmdash VI58 mihi lapidem molarem suspendi larr
μύλον ὀνικόν μοι κρεμασθῆναι
mdashmdash X7 ne in animo inducas delictorum meorum larr
μή ἐνθυμήθης τῶν ἁμαρτιῶν μου
mdashmdash XII10 contra faciem tuam larr
ἐνώπιον σοῦ
mdashmdash XXVIII18 fac filium tuum (huc) adferri larr
ποίει τὸν υἱόν σου προσενεχθῆναι
Para evitar molestosas anotaccedilotildees criacuteticas uma vez que os aparatos
criacuteticos existentes satildeo discordantes algumas vezes outras vezes bastante
667 O latim do AV eacute baacuterbaro 668 Exemplos reconhecidos por ROSTALSKI Friedrich Sprachliches zu
den apokryphen Apostel-Geschichten I Teil Wissenschaft Belaige zum
Jahresberichte des Gysmnasiums Myslowistz O-S Myslowitz 1909-10
especialmente pp10-18 tambeacutem ss Aqui somente algumas menccedilotildees Tambeacutem
em ARTEacuteS HERNAacuteNDEZ J A Estudios sobre la lengua de los Hechos
apoacutecrifos de Pedro y Pablo Murcia Universidad de Murcia 1999 Estudios
sobre la legua part II pp99ss
222
extensos para o Codice de Vercelli lembramos apenas que os muitos erros
do texto latino baacuterbaro satildeo devido a pronuacutencia do momento (i) Troca-
se lsquoillersquo corrigido para lsquoillaeligrsquo lsquoaeligrsquo por lsquoeirsquo eg lsquoaliirsquo corrigido cf Lipsius
Vouaux et alii para lsquoaliaeligrsquo lsquopilearsquo por lsquopiliarsquo κτλ (ii) lsquom finalrsquo que se
suprime sem nenhum rigor eg lsquooperamrsquo por lsquooperarsquo cf corrige Lipsius
Vouaux et alii em AV XVI1 ou ainda lsquomulier Eubola honestarsquo corrigido
para lsquomulierem Eubolam honestamrsquo AV XVII1 κτλ (iii) h inicial sem
pronunciar-se suprime-se κτλ
Isto prova que as leituras de latim soacute se entendem por uma maacute
traduccedilatildeo do grego Ainda em XXIV10 obsetrix669 (leia-se obstetrix) soacute
se explica porque o tradutor latino leu μαῖά τις em vez do correto que seria
μία τις Em XXX18 ignis eius eacute resultado de se ter lido τὸ πῦρ αὐτης em
vez de τὸ παρ᾿ αὐτής670 Os exemplos satildeo numerosos muito evidentes e
dispensam uma extensa argumentaccedilatildeo Portanto liacutengua original de AtsPe eacute sem muitas duacutevidas o grego
V Anaacutelise das formas subgecircneros e a intentio operis
A questatildeo que remete a intencionalidade de AtsPe deve estar
atrelada fortemente agrave demanda dos gecircneros671 e subgecircneros literaacuterios672
Se o tradutor deve entender a comunicaccedilatildeo do autor para repassaacute-la ao
puacuteblico da linguagem meta logo deve estar atento ao processo pelo qual
se daacute a comunicaccedilatildeo Toda a comunicaccedilatildeo pressupotildee um intuito na sua
forma e gecircnero notoacuterio pressuposto ndash natildeo haacute comunicaccedilatildeo sem
intencionalidade Ou seja traduzir um texto da Antiguidade como AtsPe
669 Talvez devido ao latim tardio 670 AV II sed mittatur ignis eius in eam traduzido a partir de τὸ πῦρ αὐτῆς
GUDERMANN ndash in ad loca nt aparato criacutetico LIPSIUS Aa opcit t I p79
671 Os mais importantes satildeo evangelhos atos de apoacutestolos epiacutestolas e
apocalipses 672 Haacute uma extensa lista que restaria num estudo a parte poreacutem os
principais satildeo paradigmas diaacutelogos didaacuteticos apotegmas biograacuteficos paraacutebolas
narrativas de milagres regras comunitaacuterias narrativas de paixatildeo relatos de
martiacuterio ditos profeacuteticos ditos sapienciais metaacutefora cataacutelogos de viacutecios e
virtudes sentenccedilas de direito sagrado ditos com ἤλθον paradoxos tradiccedilatildeo
paraneacutetica homologias tradiccedilatildeo lituacutergica ditos introduzidos com Ἀμήν
eulogias doxologias hinos κτλ
223
carece um sensus linguӕ nas vaacuterias liacutenguas quantas estejam abarcadas
pelo processo tradutoacuterio (i) liacutengua original ndash gr (ii) liacutenguas das
traduccedilotildees envolvidas como copndashlat (iii) liacutenguas que participam
fornecendo modelos de gecircnero estilo sintaxe leacutexico especializado
background elementos de cultura κτλ como heb ndash aram Para Lohfink
o domiacutenio deste processo eacute necessaacuterio para se ldquodescobrir a finalidade e a
intenccedilatildeo da linguagem de um textordquo673
Wilhelm Egger estuda a intencionalidade do texto como parte
integrante do processo comunicativo que estaacute determinado pelas
funccedilotildees674 (i) expressiva emocional mostrar sentimentos675 (ii)
diretiva conotativa apelo ao leitor676 (iii) referencial daacute informaccedilatildeo
ou expotildee algum tema677 (iv) poeacutetica destacar a forma linguiacutestica678
(v) de contato estar proacuteximo aos leitores679 seguindo a lista de ldquoatos
linguiacutesticosrdquo de Juumlrgen Habermas A intencionalidade expliacutecita eacute
facilmente percebida nas formas discursivas como as cartas Textos que
natildeo possuem apelo direto ao seu puacuteblico alvo tem a intencionalidade
impliacutecita cuja percepccedilatildeo eacute mais complexa porque em tese acolhe vaacuterias
perspectivas Em tais conjunturas Egger sugere
Em algumas narrativas () o autor se dirige ao
leitor atraveacutes dos protagonistas (pex Jo 11425s)
Outras vezes a histoacuteria descreve a soluccedilatildeo de um
problema e o leitor pode aprender como
comportar-se para conseguir os mesmos
resultados Certos episoacutedios propotildeem diferentes
comportamentos e papeacuteis (sic) que podem servir
673 LOHFINK Gehard Agora entendo a Biacuteblia Satildeo Paulo Paulinas 1978
p135 Mas tambeacutem uide pp36-8 135-45 165-70 onde menciona
respectivamente texto - gecircnero literaacuterio ndash intencionalidade eg Mt 2324 ndash
oraacuteculo profeacutetico ndash provocaccedilatildeo Mc 430 ndash vaticiacutenio ndash prediccedilatildeo Mc 426ss ndash
comparaccedilatildeo (iniciando com dativo) ndash instruccedilatildeo At 23 26-27 ndash carta ndash comunicar
1Cor 153-5 ndash pregaccedilatildeo ndash anuacutencio κτλ 674 EGGER Wilhelm Metodologia no Novo Testamento introduccedilatildeo aos
meacutetodos linguiacutesticos e histoacuterico-criacuteticos Satildeo Paulo Loyola 1994 pp137ss 675 eg 2Cor 11 Fp 32 676 eg foacutermulas como ldquorogo-vosrdquo ldquoexorto-vosrdquo ldquoordenordquo ou outros
imperativos cf Rm 121 16-17 Gl 412 1Tm 21 613 Rm 129 1Cor 71017
e Gl 61 677 Rm 1-3 6-7 Gl 3-4 678 1Cor 13 Rm 831-39 679 Rm 110-13 1522-24 Gl 420
224
como proposta ao leitor Determinada narrativa
propotildee ao leitor vaacuterias possibilidades de opccedilatildeo
Enfim frequumlentemente (sic) o relato (por analogia
ao drama) induz o leitor a identificar-se
inconscientemente com um ou mais personagens o
que envolve natildeo soacute a mente mas tambeacutem o
sentimento de quem lecirc A funccedilatildeo dinacircmica das
narrativas consiste portanto em convidar o leitor a
refletir sobre o proacuteprio comportamento a conhecer
alternativas a repartir alegrias e dores e a agir680
Outro aspecto eacute a intencionalidade geneacuterica ndash comum aos demais
escritos do mesmo gecircnero e peculiar ndash perceptiacutevel a partir de um
elemento singular de um determinado texto Os AtsPe pelo caraacuteter
mesclado reuacutenem subsiacutedios de textos narrativos mas tambeacutem dos
discursivos Segundo Egger para capturar a intenccedilatildeo especiacutefica de um
texto procede das seguintes perguntas
Para textos narrativos
- Com que pessoas do texto simpatiza o texto
mesmo
- Em que medida o texto explicita a que leitor se
dirige
- Que possibilidades de soluccedilatildeo propotildee o texto
acerca de determinados problemas da comunidade
(ou do leitor)
- Com que pessoas simpatiza (ou se identifica) o
leitor
Para textos discursivos
- Quais satildeo os dados expliacutecitos do texto acerca da
finalidade do falarescrever
- Que instruccedilotildees diretas e indiretas para o
pensamento e a accedilatildeo dos leitores aparecem no
texto
- Em que medida emergem problemas nas relaccedilotildees
entre autor e o leitor
- Que valores propotildee o texto ao leitor681
Determinadas partes do AtsPe levam em conta um arqueacutetipo
narrativo que consequentemente nos permite natildeo inferir ou aguardar do
680 EGGER 1994 opcit p137 681 id ibid p138
225
texto informaccedilotildees que ele natildeo intenta dar e retirar aquelas que por ele satildeo
oferecidas Para ilustrar poderiacuteamos perguntar de onde vieram as tantas
pessoas na cena eucariacutestica de Ato de Pedro em cop 14015-17 e 141 1-
6 O que teria levado Rufina a desejar a Eucaristia das matildeos de Paulo em
AV II ou o que faziam os presentes naquele lugar ou como tiveram acesso
a ceia ou ainda de que modo se deu a paralisia de Rufina Nos textos
acima de AtsPe temos a presenccedila dos subgecircneros do paradigma e
apotegma aplicados com fim de ressaltar um dito de Jesus ou uma cena
evangeacutelica inicial sem focalizar as minudecircncias que lhe deram origem
Sendo assim as buscas por detalhes em uma periacutecope deste subgecircnero
escritural raramente lograraacute reacuteplicas aceitaacuteveis
A percepccedilatildeo do subgecircnero auxilia na investigaccedilatildeo e traduccedilatildeo de
certa periacutecope textual eg temos o caso do subgecircnero paraacutebola
seguidamente interpretadas como se fossem alegorias Ao contraacuterio
paraacutebolas normalmente satildeo constituiacutedas de um nuacutecleo central que
proporciona uma comparaccedilatildeo682 Nas alegorias cada detalhes por si soacute
tem uma significaccedilatildeo independente As hipeacuterboles tambeacutem satildeo um
exemplar que deliberadamente extrapolam a locuccedilatildeo como forma de
estampar melhor a mensagem aos leitores A identificaccedilatildeo de hipeacuterboles
poderaacute evitar que traduzamos literalmente uma frase como ldquose tua matildeo
direita te faz tropeccedilar corta-a e lanccedila-a de tirdquo683 A este respeito Lohfink
adverte
() na histoacuteria da igreja surgiram um sem nuacutemero
de confusotildees e sofrimentos sem conta somente
porque natildeo se levou na devida consideraccedilatildeo a
intenccedilatildeo fundamental de determinados gecircneros
literaacuterios e de determinadas formas () Certos
textos eucariacutesticos que queriam transmitir uma
mensagem foram tomados como relatos Certos
textos do Novo Testamento cujo escopo era
exortar foram tomados como leis E certos textos
eclesiaacutesticos que expressavam uma profissatildeo de
feacute foram tomados como informaccedilatildeo684
O reconhecimento primeiro do gecircnero e subgecircnero de uma
periacutecope nos permite vislumbrar a circunstacircncia comunitaacuteria ndash sitz im
leben na qual o texto ganhou seus matizes tambeacutem fomenta o aprofundar
682 WEGNER 1998 opcit p177 683 Mt 613 684 LOHFINK 1978 opcit pp37ss
226
dos estudos das dificuldades e conjunturas que esses grupos protocristatildeos
ldquotiveram para construir e defender o espaccedilo para a vivecircncia desta nova feacute
lanccedilando progressivamente novas luzes sobre o surgimento e a difusatildeo do
cristianismo primitivordquo685 Este reconhecimento de gecircnero e subgecircnero
aleacutem de evidentemente subsidiar a apreciaccedilatildeo do conteuacutedo por
conseguinte alcanccedila a traduccedilatildeo propriamente dita Porquanto muitas
vezes como ocorreu na traduccedilatildeo de AtsPe os melhores paralelos para
uma periacutecope puderam ser encontrados em escritos pertencente ao mesmo
gecircnero ou subgecircnero eg exorcismos seguidos de curas dA Filha do
Jardineiro (lat) ou no Ato de Pedro (cop) cujas expressotildees e foacutermulas
ganham vivacidade quando colocadas em contato com o subgecircnero dos
exorcismos nos Evangelhos686 cenas batismais e eucariacutesticas eulogias
doxologias κτλ
Ainda vaacuterias outras discussotildees encontram-se em curso conforme
mencionamos supra quanto ao exame formal deste escritos cujo gecircnero
Πράξεις ou Περίοδοι ou mesmo o romance grego acolhem em uma ou
outra medida AtsPe por sua vez enredado em multiacuteplices subgecircneros do
ambiente cultural multifacetaacuterio Por um lado Bultmann manifestou
ceticismo em questotildees de historicidade cujo argumento repousa no fato
que o ambiente judaico ou greco-romano apresenta narrativas muito
semelhantes aos textos do ambiente cristatildeo o que pode sugerir que
ldquocaracteriacutesticas formais idecircnticas () tivesse[m] sido adotado[as] da
literatura circundanterdquo687 Poreacutem a afinidade formal natildeo atesta por si soacute
a vinculaccedilatildeo de conteuacutedo nem analogia pode ser enleada com genealogia
Ainda Dibelius a partir da perspectiva literaacuteria distingue um
ldquoenriquecimentordquo dos gecircneros dito rarr paradigma puro rarr paradigma
menos puro rarr novela rarr por fim o mito ou seja escritos breves se
compuseram em narrativas mais extensas688 Hoje poreacutem tal afirmativa
685 WEGNER ibid p178 686 Mc 914ss 724ss 51ss 687 Estudos de FASCHER Erich Die formgeschichtliche Methode ndashin
eine Darstellung und Kritik ndashin zugleich ein Beitrag zur Geschichte des
synoptischen Problems Giessen Toumlpelmann 1924 Tambeacutem SCHICK E
Formgechichte und Synoptikerexegese ndashin eine kritische Untersuchung uumlber die
Moumlglichkeit und die renzen der formgeschichtlichen Methode Muumlnster
Aschendorffsche Verlsgbuchhandlung 1940 Ainda GUumlTTGEMANNS Erhardt
Offene Fragen zur Formgeschichte des Euangekiums Muumlnchen Cristian Kaiser
1970 Arts cit resumindo as conclusotildees ndash in WEGNER 1998 opcit p178 688 DIBELIUS Martin Die Formgeschichte des Euangeliums Tuumlbingen
JCB Mohr 19191971 pp68 101 247
227
resta um tanto temeraacuteria porque o estaacutegio atual das pesquisas da ecdoacutetica
aponta para coexistecircncia muacutetua destes subgecircneros
VI Aparato criacutetico AtsPe textos versotildees e local de composiccedilatildeo
O texto de AtsPe eacute aqui antes entendido na configuraccedilatildeo mais
antiga689 do que em reelaboraccedilotildees posteriores690 e estaacute composta por
fragmentos todos em ediccedilatildeo criacutetica ainda natildeo completamente assentada
e colocados em cotejo com fac-siacutemiles e comentaacuterios mais antigos As
ediccedilotildees criacuteticas que seratildeo o ponto de partida satildeo as de Vouaux691
Schmidt692 e Bruyne693 em diaacutelogo com textos mais recentes assim como
Atos de Pedro e os Doze Apoacutestolos em grego da Biblioteca Nag
Hammadi Evangelho de Pedro Atos (canocircnico) AtsPl AtsPlTe AtsJo e
diversos outros escritos Como demonstrado supra o AtsPe satildeo
conhecidos desde muito antigamente Eacute opiniatildeo quase comum hoje que
os materiais contidos nos mss I-V constituam partes diversas de uma obra
originalmente em gr que natildeo chegou ateacute noacutes que teria sido chamada
Πράξεις Πέτρου ἀποστόλου Foi-nos legada em cinco partes
(i) Um frg que conteacutem a narrativa de um incidente amoroso entre
um jovem rico Ptolomeu e a filha do apoacutestolo Descoberto e publicado
por Schmidt na sua editio princeps ndash Die alten Petrusaktem im
Zuszammenhang der apokryphen Apostellitteratur ndash nebst einem 689 Esta recensatildeo primitiva foi utilizada nos escritos do Ps-Clemente no
iniacutecio do seacutec III a forma definitiva estaacute contida nos Atos de Pedro latino de
Vercelli ndash AV seacutec IV 690 PINtildeERO 2004 opcit p486 691 VOUAUX 1922 opcit pp1-483 Leacuteon Vouaux (1870-dagger1914) era um
sacerdote catoacutelico de Nancy na juventude um estudante que produziu valiosos
estudos sobre fungos e insetos ateacute que foi convencido a trabalhar na literatura
cristatilde primitiva Disto resultou em suas duas ediccedilotildees dos ApsAp o AtsPl em 1912
e o AtsPe concluiu em 1914 mas foi publicado em 1922 postumamente pelo seu
irmatildeo mais novo que tornou-se padre e ocupou seu lugar em julho 1914 Vouaux
em agosto de 1914 foi feito refeacutem pelos alematildees e sumariamente executado por
um pelotatildeo de fuzilamento conforme detalhes mencionado no Preacuteface de Eacutemile
Amann (ed) em Strasbourg oct-1921 em VOUAUX 1922 opcit ppvii-ix 692 SCHMIDT Die alten Petrusakten im Zusammenhang Fragment
untersucht ndash in TU 91 opcit 1903 Tambeacutem ndash in TU 241 opcit 1923 693 BRUYNE Nouveaux fragments des Actes de Pierre ndash in Revue
Beacuteneacutedictine opcit tXXV 1908 pp149-60
228
neuentdeckten Fragment untersucht694 que prontamente o associou ao
grande AtsPe pelos argumentos da Esticometria do patriarca Νικηφόρος
Α´ (Niceacuteforo I de Constantinopla) 695 cf mencionado infra Hoje leva o
nome de Papyrus Berolinensis 85024 (PB-8502) cuja parte 4 nos
interessa O texto recuperado eacute bem preservado Haacute algumas dificuldades
com PB-85024 (i) uma lacuna pequena no meio do foacutelio 129 linha 32
(ii) outra lacuna que dificulta a leitura substancialmente no iniacutecio das
uacuteltimas de oito linhas do 135 (iii) uma outra no final das linhas 11-14
do 136 (iv) uma lacuna que afeta a maioria das linhas iniciais dos 139-
140 (v) um desbotamento severo no 142 com uma alteraccedilatildeo por um
escriba posterior (vi) o foacutelio com as colunas 133-134 estatildeo totalmente
perdidos O dialeto eacute copta eacute o Sahiacutedico compatiacutevel com o seacuteculo V
questotildees de estrutura literaacuteria comparada (textos aparentados) e teoloacutegica
o remetem a um original possivelmente dos seacuteculos II-III
Embora o dialeto seja Sahiacutedico temos algumas formas
subakhmiacutemicas696 atiacutepicas697 para este dialeto como (i) artigo
possessivo em segunda pessoa fem sg (1303 1312) (ii) artigo
possessivo terceira pessoa pl (14015) (iii) imperfeito (1325)
Algumas variantes satildeo destacadas por Schmidt698 como natildeo reconhecidas
do Sahiacutedico (como mau de maau na linha 13217 tambeacutem etret=y de
etretet=y em 13518) que podem ser atribuiacutedas a um ex erratum de
escriba resultante de ditado (eg 13611 13813 13917 14014) Haacute um
notaacutevel uso de pequenas marcas superlineares Tambeacutem nota-se o uso de
primeiro perfeito (subjuntivo) com um outro primeiro perfeito O tiacutetulo
encontra-se na conclusatildeo a narrativa somente (1417) Aparece em
destaque do texto por uma decoraccedilatildeo e um espaccedilamento de trecircs tinhas O
tiacutetulo Ato de Pedro talvez destaque apenas lsquoum atorsquo no texto geral de
AtsPe
694 SCHMIDT 1903 (TU 91) opcit pp3-7 695 Patriarca Niceacuteforo I de Constantinopla Calisto (757ca-dagger828) 696 Subakhmiacutemico (ou Lycopolitano) eacute um dialeto muito proacuteximo do
arcaico Akhmiacutemico ndash dialeto das proximidades de اخميم (= aacuterab Akhmim
conhecida na Antiguidade por Panoacutepolis) Floresceu nos seacutecs IV-V sem
registros posteriores e muito utilizado em traduccedilotildees provindas do gnosticismo e
do maniqueiacutesmo 697 KRAUSE Martin LABIB Pahor Gnostische und hermetiche aus
Codex II und Codex VI (von Nag Hammadi) ndash in Abh d dt Archaumlol Inst Kairo
Kopt Reihe B 2 Gluumlckstad 1971 pp36-49 63-7 698 SCHMIDT 1903 (TU 91) opcit pp7ss
229
Para Schmidt699 a narrativa eacute essencialmente ldquosobre a preservaccedilatildeo
da virgindade de um jovem cristatildeordquo Natildeo estaacute claro no entanto que o
encratismo expresso aqui eacute tatildeo extremo quanto a sua caracterizaccedilatildeo
histoacuterica ldquomelhor a morte ou um corpo quebrado que o casamento ()rdquo
Afinal de contas Pedro foi casado e ainda vivia com sua esposa Seu
encratismo consiste na defesa rigorosa do autocontrole sexual que eacute um
pouco diferente da visatildeo geral entre os cristatildeos no seacuteculo II700 No entanto
haacute duacutevida de que o silecircncio do texto acima referido bem como a falta de
conceituaccedilatildeo do significado da histoacuteria que propiciou interpretaccedilotildees em
um sentido mais extremo A diferenccedila de ecircnfase entre Ato de Pedro e os
AtsPe tal como a conhecemos em AV sugere que eles podem representar
recensotildees diferentes dos AtsAp antigos701 Desde o estudo de Schmidt
grande parte do debate geral tem-se centrado sobre a relaccedilatildeo deste texto
com o apoacutecrifo AtsPe (preservado principalmente no manuscrito latino
Actus Vercellenses) Schmidt viu o PB-8502 4 ndash Ato de Pedro como parte
de uma longa porccedilatildeo perdida de AtsPe uma posiccedilatildeo que desde entatildeo tem
alcanccedilado aceitaccedilatildeo geral
No entanto haacute um grupo menor de pesquisadores que como
Molinari afirma que os scholars tecircm sido precipitados em sua aceitaccedilatildeo
da posiccedilatildeo de Schmidt ldquocuja anaacutelise revela-se construiacuteda em suposiccedilotildees
que satildeo muito tecircnuesrdquo702 Nesta tese seguimos a teoria de Schmidt
demonstrando pontos de contato e aprofundamento com outras pesquisas
refutando Molinari nos seus dois principais argumentos a independecircncia
699 id opcit p329 700 PARROTT M Douglas BRASHLER James Nag Hammadi Codices
V 2-5 and VI with Papyrus Berolinensis 8502 ndash 1 and 4 1a ed Leiden Brill
Academic Pub 1971 pp154ss que menciona Ἰγνάτιος Ἀντιοχείας (= Inaacutecio de
Antioquia) ad Polycarpum V1-2 CLEMENS Titus Flavius (Clemens
Alexandrinus) II Clemens XXII5-6 JUSTINUS Augustus Flavius Apologia
XV Ἀθηναγόρας ὁ Ἀθηναῖος (= ATENAacuteGORAS) Embaixada (πρεσβεία)hellip dos
Cristatildeos (ou Supplicatio) XXXIII 701 VOUAUX 1922 opcit p36 702 MOLINARI Andrea Lorenzo I never Knew the Man The Coptic Act
of Peter (Papyrus Berolinensis 85024) Its Independence from the Apocryphal
Acts of Peter Genre and Legendary Origins ndash in Bibliotheque Copte de Nag
Hammadi Section Etudes vol5 Quebec-Paris Les Presses de LrsquoUniverteacute
Laval Queacutebec ndash Eacuteditions Peeters Louvain 2000 p62 Tambeacutem id Augustine
lsquoContra Adimantum Pseudo-Titusrsquo BG 85024 and the lsquoActs of Peterrsquo Attacking
Carl Schmidtrsquos Theory of an Original Unity between the lsquoAct of Peterrsquo and the
lsquoActs of Peterrsquo ndash in SBL Seminar Papers 38 Baltimore Society of Biblical
Literature 1999 pp426-47
230
do PB-8502 4 ndash Ato de Pedro do originalmente AtsPe e quando discute a
questatildeo de gecircnero e origens deste texto
(ii) Episoacutedio Filia hortulani703 ndash Filha do jardineiro ressuscitada
pelo apoacutestolo movido pelas suacuteplicas do pai Posteriormente vai ser
seduzida e desaparece Esta passagem de Augustinus natildeo trata da filha de
Pedro Mas para confrontar os maniqueus que se utilizavam do episoacutedio
da morte de Ananias e Safira704 para rejeitar as leis canocircnicas ele lembra-
os de fatos semelhantes relatados nesses escritos ao contraacuterio das histoacuterias
aceitas pela Igreja ldquo() ipsius Petri filiam paralyticam factam705
precibus ejus e hortulani filiam ad precem ipsius Petri esse mortuam
Petri ()rdquo Note-se que menciona dois episoacutedios Ou seja teria deixado
na obra conhecida por Augustinus (seacuteculo IV) outro episoacutedio semelhante
ao da filha de Pedro Parece resumir o episoacutedio (i supra) do Ato de Pedro
Embora atraveacutes Augustinus tiveacutessemos uma alusatildeo a este episoacutedio
ndash e junto com o Ato de Pedro ningueacutem jamais havia localizado qualquer
vestiacutegio ateacute 1908 quando Donatien de Bruyne706 de reconheceu um
resumo deste no Codex Burchardi (Homilia de Burchard) do seacuteculo VIII
preservado na Universidade de Wurzbourg O episoacutedio estaacute contido em
uma peccedila intitulada Epistola Titi discipuli Pauli um agrupamento de
citaccedilotildees biacuteblicas e apoacutecrifas que parece tendecircncia claramente
maniqueiacutesta depois de uma referecircncia ao episoacutedio de Rufina que ocorre
no iniacutecio do AV (parte latina do AtsPe) O latim deste texto eacute
infelizmente muito baacuterbaro Usamos aqui com as correccedilotildees propostas
pelas ediccedilotildees de Bruyne e Vouaux
(iii) Um breve frg que apresenta um comentaacuterio de Pedro ante a
morte de uma jovem filha de algueacutem conhecido Haacute criacuteticos707 que acham
que satildeo as palavras de consolo ao jardineiro (ii supra) que lamenta a
morte da filha Publicado por Bruyne em Nouveaux Fragments
703 Filha do Jardineiro esta titulaccedilatildeo natildeo existente no manuscrito mas
usamos para fins de melhor identificaccedilatildeo desta periacutecope textual 704 At 51ss 705 Em VOUAUX 1922 opcit p39 lecirc-se salvam acrescido agrave frente de
factam pela ed de Louvain apesar do silecircncio dos mss Trata-se obviamente de
um erro 706 BRUYNE Donatien de Nouveaux fragments des Actes de Pierre de
Paul de Jean dAndreacute et de lApocalypse dElie ndash in Revue Beacuteneacutedictine tXXV
1908 pp149-60 707 cf VOUAUX 1922 opcit p40
231
drsquoapocryphes du IIe siegravecle (1908)708 Foi editado a partir do ms Cambrai
254 do seacuteculo XIII
(iv) Um extenso conjunto de episoacutedios que pode ser a segunda
parte dos Atos de Pedro Narra a despedida de Paulo desde Roma para
viajar a Espanha a luta de Pedro com Simatildeo o Mago e o martiacuterio do
apoacutestolo como o famoso texto Quo vadis O original composto em liacutengua
grega todo perdido menos um breve trecho em Oxyrhynchus Papyri IV
(POxyrh849)709 (correspondente a Actus Vercellenses (AV) capXXV-
XXVI e o Martiacuterio como o tal ndash O Martiacuterio de Pedro Composta nos
seacuteculos III-IV toda esta parte conservada em latim atraveacutes de um uacutenico
testemunho ndash msCLVIII ndash possivelmente do seacuteculos VI-VIII depositado
na Biblioteca Capitular do Monasteacuterio de Vercelli copiado nos foacutelios
327-372 ao final das Recognitiones Ps-Clementinas ed Lipsius I
XXXIIIss710 O denominamos Actus Vercellenses O latim deste ms eacute
praticamente ldquobaacuterbarordquo em razatildeo da abundacircncia de erros ortograacuteficos ndash
o labor filoloacutegico e traduccedilatildeo obsecram um zelo peculiar e tatildeo igualmente
na hora de fazer uso dele Poreacutem a criacutetica tem apontado para sua
fidelidade quando se observa juntamente com a versatildeo grega ndash
Oxyrhynchus Papyri IV (POxyrh849) e O Martiacuterio de Pedro Nota-se que
apesar das diferenccedilas tiacutepicas de uma traduccedilatildeo grrarrlat haacute uma tendecircncia
de abreviar a perder-se em paraacutefrases ou expansotildees A fidelidade desta
versatildeo ndash em linhas gerais ndash pode se comprovar tambeacutem indiretamente
graccedilas a um autor posterior na Vita Abercii711 do seacuteculo IV que copiou
quase literalmente os discursos de Pedro712 destes AtsAp e os pocircs na boca
708 BRUYNE 1908 opcit p153 709 Pode ser encontrado tambeacutem na ed de GRENFELL Bernard F HUNT
Arthur S The Oxyrrhynchus Papyri (P Oxyrh-849) volVI London Luzec amp Co
1908 pp6-12 uide tambeacutem pp101-13 Corresponde aos Actus Vercellenses (AV)
caps XXV-XXVI ndash in LIPSIUS 1891 opcit 7316-17 710 LIPSIUS Ricardus Adelbertus (ed) Ed LIPSIUS Ricardus A I LIII
harr capXXX do Actus Vercellenses (AV) LII harr capXXXIII do Actus
Vercellenses (AV) XXXIIIss Actus Vercellenses (AV) Leipzig Hinrichs 1898
(XXXIIIss) pp327-72 Um resumo das questotildees da criacutetica moderna acerca deste
ms um cuidadoso elenco da particularidades linguiacutesticas κτλ 711 Ediccedilatildeo de NISSEN Theodor Die Petrusakten uns ein bardesanitischer
Dialog in der Aberkiosvita ndash in Zeitchrift fuumlr die neutestamentliche
Wissenschaft ZNW 9 Leipzig Brockhaus 1908 pp190-203 712 Dispomos de textos paralelos em Lipsius 4631-4711 AV II = Vita
Abercii 13 Lipsius 5320-29 AV VII = Vita Abercii 24 Lipsius 673-8 AV XX
= Via Abercii 15 Lipsius 6817-692 AV XXI = Via Abercii 26
232
do seu personagem Esta coacutepia nos permite reconstruir frases do texto
grego perdido
(v) O Martiacuterio de Pedro que constitui o final loacutegico para este AtsPe
(e outros AtsAp) aparece no ms de Vercelli Destacado posteriormente
para uso lituacutergico em separado onde aparece a crucifixatildeo de Pedro de
cabeccedila para baixo Conservado na versatildeo latina (AV) e em dois
manuscritos gregos (a) ms A do Monte Athos Monasteacuterio de Vatopedi 79 do seacuteculo XI713 (b) ms P Monasteacuterio de Satildeo Joatildeo de Patmos n 48
seacuteculo IX cujo escrito atende ao AV capXXXIII714
Hoje tambeacutem dispomos de outras respeitadas versotildees antigas do
Μαρτύριον τοῦ ἁγίου ἀποστόλου Πέτρου (= Martiacuterio do Santo Apoacutestolo
Pedro)
(vi) versatildeo copta bem antiga e mui fiel ao texto grego mss A e P
Chegou-nos duplamente uma que comeccedila no final capXXXIII do AV e
foi editada por Ignazio Guidi em Rendiconti della reale Academia dei
Licei715 posteriormente do proacuteprio Guidi uma versatildeo italiana ndash Gli Atti aprocrifi degli apostoli nei testi copti arabi ed etiopici716 Outra versatildeo
comeccedila na metade do capXXXVI do AV (jaacute dentro dO Martiacuterio de
Pedro) que foi publicada por Oskar Eduardovich von Lemm em
Koptische apocryphen Apostelakten717
(vii) versatildeo siriacuteaca Publicada por Paul Bedjan em Acta Martyrum
et sanctorum718 Uma traduccedilatildeo francesa embora de outro ms diferente
do utilizado por Bedjan que pode-se consultar-se em Cleacutement Franccedilois
Nau ndash La version syriaque ineacutedite des martyres de S Pierre S Paul et S
713 No iniacutecio corresponde a AV capXXX ndash in LIPSIUS I opcit pLIII 714 id opcit pLII 715 GUIDI Ignazio (sec) Atti ndash Frammenti copti nt4 ndash 16ott1887 ndash in
Rendiconti della reale Academia dei Licei tIII vol2 Roma 1887 pp23-34
Tambeacutem id ibid 432 716 GUIDI Ignazio Gli Atti aprocrifi degli apostoli nei testi copti arabi ed
etiopici ndash in Giorn della Soc Asiatica Italiana tII Roma 1888 pp29-35
Reproduzida apud LIPSIUS em italiano no seu aparato criacutetico 717 LEMM Oskar Eduardovich von Koptische apocryphen Apostelakten
ndash in Meacutelanges Asiatiques tireacutes ndash in Bulletim de lrsquoAcadegravemie Impeacuteriale des
Sciences de Saint- Peacuteterburg tII35 St Peacuteterburg 1894 = nouv ser 3 pp240-
85 (uide tambeacutem pp300-42) com o texto copta em coluna paralela e traduccedilatildeo
literal alematilde latina e inglesa 718 BEDJAN Paul (ed) Acta Martyrum e sanctorum Paris ndash Leipzig Otto
Harrassowitz 1980 volI pp19-33 [reimp Hildesheim 1968]
233
Luc drsquoapregraves um ms du Xe siegravecle719 Trata-se de um texto parafraacutestico do
seacuteculo X de valor reduzido possivelmente natildeo se derivando do gr mas
de uma versatildeo cop cujo valor para ecdoacutetica resta relativo
(viii) versatildeo armecircnia publicada por Paul Vetter ndash Die armenischen apocryphen Apostelakten I720 Em dupla coluna arm e uma retroversatildeo
para o gr mas em expressotildees peculiares sem correlatos em gr desvia-
se para o lat No geral esta versatildeo armecircnia corresponde mais ao gr do
que ao lat e apresenta importante valor agrave criacutetica textual segundo Vetter
() descansa em um texto grego cuja antiguidade eacute
superior ao do conjunto da tradiccedilatildeo () Com a
ajuda da versatildeo armecircnia podem corrigir-se algumas
passagens corrompidas da tradiccedilatildeo grega com
convincente seguranccedila721
(viv) versatildeo eslava conservada em um ms do seacuteculo XV(-XVI) da
coleccedilatildeo Vndolrsquoskiana722 retraduzido ao gr literalmente por Sokoloff
comeccedilando no quarto cap do do Martiacuterio
(vv) versatildeo etiacuteope publicada por Ernest Alfred Wallis Budge
London 1899 ndash The Contendings of the Apostle723 Haacute uma traduccedilatildeo
anterior para o inglecircs por Solomon Cӕsar Malan The conflicts of the Holy
Apostles724 datada de 1971 Haacute indiacutecios que natildeo tenha vindo do texto
grego mas do aacuterabe tendo por conseguinte pouco valor agrave ecdoacutetica
719 NAU Cleacutement Franccedilois La version syriaque inedited des martyres de
S Pierre S Paul e S Luc drsquoapregraves un ms du Xe siegravecle (BM Atos 12 p172) ndash
in Revue de lrsquoOrient Chreacutet 3 1898 pp39-57 43-50 151-6 720 VETTER Paul Die armenischen apokryphen Apostelakten I Das
Gnostische Martyriun Petri ndash in Oriens Christianus tI Wiesbaden 1901
pp16-19 217-239 721 VETTER 1901 opcit p19 722 SOKOLOFF S Coleccedilatildeo Vndolrsquoskiana n1296 foacutelios 239-49 Moscuacute
Bibl Conde Rumjaacutenzew a Reconhecida por LIPSIUS em seu aparato criacutetico
ndash in LIPSIUS I opcit pLIV 723 BUDGE Ernest Alfred Wallis The Contendings of the Apostle tI ndash
in The Ethiopic Text London British Library 1899 724 MALAN Solomon Cӕsar The conflicts of the Holy Apostles London
D Nutt 1871 pp1-10
234
(vvi) versatildeo aacuterabe variante tardia e de miacutenimo valor criacutetico
Existe uma traduccedilatildeo inglesa a cargo de Agnes Smith Lewis ndash The
mythological Acts of the Apostles725 de 1904
(vvii) Haacute tambeacutem uma versatildeo georgiana por Nikolai Yakovlevich
Marr726 baseada em mss palimpsestos georgianos do seacuteculo VII
Este aspecto fragmentaacuterio de AtsPe em diferentes liacutenguas leva a
crer que estamos diante de um escrito que gozou de grande aquiescecircncia
e prestiacutegio na Antiguidade cujo episoacutedio mais importante ndash o Martiacuterio
teve ampla circulaccedilatildeo (lugares e liacutenguas) Estas versotildees estaratildeo presentes
nas notas de rodapeacute do aparato criacutetico e comentaacuterios da traduccedilatildeo cujos
creacuteditos principalmente remetem a Lipsius depois retrabalhados e melhor
sintetizados por Vouaux ambos um marco nas pesquisas destes AtsAp
poreacutem satildeo trabalhos dos anos 1890-1920 portanto anosos e carecendo de
atualizaccedilatildeo em face a outras pesquisas parciais e mais recentes
Uma sinopse das partes se faz necessaacuterio para que se perceba a
estrutura textual preservada o encadeamento narrativo os argumentos
professados acerca da unidade da obra a eleiccedilatildeo da ordem dos frgg κτλ
(i) O frg A Filha de Pedro (Papyrus Berolinensis 85024 ndash PB-
8502) nesta 1ordf seccedilatildeo (cop) daacute-se possivelmente em Jerusaleacutem uma
assembleia de fieacuteis em torno de Pedro Um circunstante interpela-o ldquocura
os demais poreacutem tua filha natildeo eacute paraliacuteticardquo E como prova do poder de
Deus sara sua filha para em seguida fazecirc-la cair novamente enferma
Motivo deste contrassenso eacute uma questatildeo passada a pretensatildeo de um
jovem rico ndash Ptolomeu de contrair matrimocircnio com a filha do apoacutestolo
que nega se segue o rapto da filha e a paralisia desta Os criados de
Ptolomeu devolvem-na ao pai Depois ocorre o desespero de Ptolomeu
uma apariccedilatildeo celestial e a exaltaccedilatildeo da virgindade este subitamente
converte-se e tem morte imediata Parte da heranccedila do testamento de
Ptolomeu vai para a filha de Pedro e eacute vendida No final uma liccedilatildeo ldquosoacute
Deus sabe o que eacute bom para cada pessoardquo
(ii) O frg Filha de Jardineiro (frg Filia hortulani Codex
Buchardi - Homilia de Buchard Epistula Titi discipuli Pauli) esta 2ordf seccedilatildeo (lat) eacute um episoacutedio curto que ocorre com a filha de um jardineiro
A jovem morre depois de uma oraccedilatildeo de Pedro Logo em seguida eacute
725 LEWIS Agnes Smith The mythological Acts of the Apostles ndash in Horӕ
Semiticӕ 34 London Nabu Press 1904 pp175-92 210-6 726 MARR Nikolai Yakovlevich Le synaxaire geoacutergien VII Le martyre de
Tierre agrave Rome ndash in Скан Patrоlogia Orientalis tsXIX-XX Paris 1926
pp715-25
235
ressuscitada devido agraves suacuteplicas de seu pai Depois eacute seduzida por um
desconhecido e desaparece
(iii) O frg Comentaacuterio de Pedro sobre a morte de uma jovem (ms
Cambrai 254) a 3ordf seccedilatildeo (lat) eacute um breve comentaacuterio diante da morte
de uma jovem filha de algueacutem conhecido do apoacutestolo
(iv) O Actus Vercellenses (AV ndash in Recognitiones Ps-
Clementinas) na 4ordf seccedilatildeo (I-III) Paulo estaacute em Roma suas conversas e
o carcereiro persuade-o a libertar-se Ocorre uma visatildeo celeste de Paulo
indo para Espanha o lamento da comunidade e uma voz reafirmando sua
partida Temos a celebraccedilatildeo eucariacutestica Rufina uma mulher aduacuteltera
atrapalha e sofre seu castigo que causa temor na comunidade Paulo faz
uma eloquente homilia que lhe atrasa na partida Por fim Paulo parte
definitivamente e outra Eucaristia e preces Na 5ordf seccedilatildeo (IV-VI) Simatildeo
o Mago chega voando em Roma os fieacuteis tecircm duacutevidas mas ainda
apostatam Cria-se o ambiente para a chegada de Pedro em Roma quando
tem uma visatildeo de Cristo Pedro parte de Cesareia e comeccedila a viagem
Acontece a conversatildeo de Theatildeo sua chegada a Puteoli local da acolhida
de Aristatildeo Satildeo narrados fatos da apostasia dos cristatildeos em Roma e Pedro
entatildeo parte para Roma Na 6ordf seccedilatildeo (VII) Pedro chega a Roma e
encontra-se com os antigos fieacuteis O apoacutestolo faz uma preleccedilatildeo de
exortaccedilatildeo na confianccedila e misericoacuterdia de Deus Na 7ordf seccedilatildeo (VIII-XI)
ocorre a apostasia de Marcelo e Pedro vai a casa deste tambeacutem envia um
mensageiro ateacute Simatildeo o Mago ndash um catildeo falante Marcelo ldquovolta ao
primeiro amorrdquo e lhe eacute concedido o perdatildeo apostolar sinal do sucesso da
missatildeo em Roma Um jovem possuiacutedo por democircnios necessita de
exorcismo que ocorre junto com o milagre da estatueta quebrada e
recomposta Na 8ordf seccedilatildeo (XII-XV) o catildeo falante discursa diante de
Pedro e prediz o seu futuro e sua morte Ocorre mais um milagre
Marcelo expulsa Simatildeo da sua casa Pedro eacute induzido por um convite de
Simatildeo para uma disputa teoloacutegica sobre a divindade de Jesus cuja
resposta apostolar daacute-se por um receacutem-nascido falante Na 9ordf seccedilatildeo
(XVI-XVIII) Cristo numa apariccedilatildeo para Pedro promete auxiacutelio e haacute um
novo discurso de Pedro e entatildeo os fieacuteis se deparam verdadeiramente com
quem eacute Simatildeo o Mago Temos o episoacutedio com Eubula Na 10ordf seccedilatildeo
(XIX-XXII) o acontecimento da chegada de Marcelo e a afluecircncia de
fieacuteis para morada dele com Pedro laacute presente Ao entrar acontece a cura da viuacuteva cega e Pedro discursa sobre como se deve entender a Escritura
outras curas acontecem por meio de uma apariccedilatildeo celeste Marcelo tem
um sonho sobre a intensa contenda entre Pedro e Simatildeo com a derrota
deste Na 11ordf seccedilatildeo (XXII-XXIX) a primeira luta puacuteblica contra Simatildeo
236
perante um puacuteblico seleto no Foacuterum de Julio em que fala da maldade
deste A resposta de Simatildeo eacute ldquoPedro adora um homem simplesrdquo Haacute um
novo discurso sobre as profecias sobre Jesus A prova de poderes de
ambos os lados se daacute por meio de milagres Simatildeo mata um jovem com
uma palavra e Pedro ressuscita-o Uma viuacuteva suplica que Pedro faccedila o
mesmo pelo seu filho que acabou de morrer mas eacute Simatildeo o Mago quem
ressuscita o jovenzinho Depois vaacuterios jovens trazem o rapaz morto de
novo e Pedro entatildeo o ressuscita de forma definitiva A matildee de um senador
pede que Pedro ressuscite tambeacutem o filho dela Simatildeo novamente eacute quem
parece ressuscitaacute-lo e o jovem quer matar Pedro Mas Pedro faz um
discurso e ocorre a verdadeira ressurreiccedilatildeo deste rapaz Simatildeo o Mago
desaparece
(v) O Martiacuterio de Pedro que aparece no ms de Vercelli no ms A
em gr do Monte Atos monasteacuterio de Vatopedi 79 e ainda em gr no ms P monasteacuterio de Satildeo Joatildeo Patmos 48) Na 12ordf seccedilatildeo (lat XXX-XXXII
gr I-III) eacute Domingo na casa de Marcelo e temos as doaccedilotildees de dinheiro
pela matildee do senador ressuscitado deste mesmo ressurreto e de uma
conhecida prostituta da cidade laacute acontecem muitas curas Acontece agrave
segunda batalha com Simatildeo o Mago muitos truques maacutegicos inclusive
com o voo deste Pedro suplica a Deus Simatildeo tem uma queda no voo e
rompe a sua perna os disciacutepulos deste o abandonam inclusive Gemelo
Ocorre a morte e sepultamento de Simatildeo de forma melancoacutelica Na 13ordf
seccedilatildeo (lat XXXII-XL gr IV-XII) a cena final do martiacuterio de Pedro
comeccedila a ser construiacuteda com a conversatildeo das concubinas do prefeito
Agripa e da mulher de Albino um amigo de Ceacutesar haacute muita ameaccedila e
perigo por causa destas conversotildees Auxiliado por fieacuteis Pedro tenta fugir
e acontece o episoacutedio de ldquoquo vadisrdquo Pedro volta a Roma e eacute preso
Levam-no para a crucificaccedilatildeo Daacute-se a primeira homilia apostolar
exortando conservar a paz e a calma Acontece a crucificaccedilatildeo o discurso
do misteacuterio que isso representa e a morte Marcelo embalsama as reliacutequias
mortais e os enterra Nero se queixa ao prefeito porque devia torturar mais
Pedro Uma visatildeo noturna amedronta Nero que deixa os cristatildeos em paz
Temos outra obra independente natildeo mencionada entre (i) (ii) (iii)
(iv) e (v) ndash o AtsPe12Ap727 que a parte dos AtsPe unida apenas por
antonomaacutesia (tem causado certa confusatildeo) e conhecida de forma
727 O tiacutetulo apresenta uma contradiccedilatildeo com o conteuacutedo do texto que falaraacute
de ldquoOnzerdquo Apoacutestolos em IX20 O tiacutetulo eacute dado por algueacutem um tanto desatento
ou resta acrescido por algueacutem que adicionou o tiacutetulo sem a leitura cuidadosa
Embora seja comum uma referecircncia geral ao Grupo apostoacutelico no termos de ldquoos
Dozerdquo
237
fragmentaacuteria desde Antiguidade Sua histoacuteria remete a 1945 no advento
Nag Hammadi Entre os documentos coptas e hermeacuteticos havia uma larga
porccedilatildeo que leva o tiacutetulo de Atos de Pedro e os Doze Apoacutestolos datada do
seacuteculo IV e excepcionalmente bem conservada728 Trata-se do Codex VI
segundo as vaacuterias ed da Biblioteca NH Natildeo haacute ligaccedilotildees com as partes
de AtsPe elencadas de supra A primeira ediccedilatildeo desde novo fragmento
data de 1971 publicada por Krause e Labib ndash Gnostische und hermetiche
aus Codex II und Codex VI (von Nag Hammadi)729 Surgiu uma nova
ediccedilatildeo baseados em modernos criteacuterios ecdoacuteticos com a revisatildeo de
algumas colunas do codice por Wilson e Parrott ndash Nag Hamadi Codices
V 2-5 e VI730 Outro trabalho neste texto eacute de Pĩnero e Bazaacuten em Textos
gnoacutesticos731 Natildeo revela ad imaginem et similitudinem com o PBerol 85024
nem com os Actus Vercellenses nem algo em comum nos traccedilos
linguiacutesticos intertextualidade lacunas que poderia preencher AtsPe ou
sua estrutura literaacuteria Portanto resta temeraacuteria a ldquotese do fragmento
perdido do Acta Petrirdquo segundo sustenta Krause732 de modo inclusivo
Pintildeero iraacute abarcaacute-lo733 na sua traduccedilatildeo de AtsPe poreacutem natildeo entendemos
assim e natildeo adotamos esta tese Natildeo obstante haacute liames com os demais
AtsAp em questotildees temaacuteticas gerais aspecto romanesco papel
preponderante de um apoacutestolo em viagem na tormenta no naufraacutegio
κτλ enfim Pedro estaacute no nuacutecleo narrativo Mesmo assim AtsPe12Ap
pelas razotildees expostas refutamos sua participaccedilatildeo em AtsPe na sua forma
integral e primitiva
A discussatildeo importante de fato reside na unidade (i) (ii) e (iii) com
(ivv) jaacute que o O Martiacuterio de Pedro em gr representa um unidade
inquestionaacutevel com o AV em (v) Nesta questatildeo as pesquisas de dividem
728 Pequenas rasuras na parte superior das paacuteginas e pequenas lacunas em
nas cols9-12 729 KRAUSE LABIB Gnostische und hermetiche aus Codex II und Codex
VI 1971 opcit pp107-21 730 WILSON Robert McLachlan PARROTT Douglas M Nag Hamadi
Codices V 2-5 and VI Leiden Brill 1989 pp197-230 731 PINtildeERO Antonio MONSERRAT TORRENTS Joseacute GARCIacuteA
BAZAacuteN Francisco Textos gnoacutesticos ndash Euangelios hechos cartas Biblioteca de
Nag Hammadi II Madrid Trota 1999 pp221-240 732 KRAUSE 1971 opcit Tambeacutem id Die Petrusakten in Codex VI von
Nag Hammadi ndash in Essays in honour of Alesander Boumlhlig Martin Krause (ed)
Leiden Brill 1972 733 PINtildeERO 2004 opcit pp673-82
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Assim sendo temos em Ficker734 representante maior da pequena
corrente que advoga que somente o AV forma uma unidade textual
compacta e indissoluacutevel na qual haacute uma parte perdida cujo cap XVII que
deveria ser desta primeira parte concebida para preencher a lacuna no
teacutermino do Atos lucano Se houvesse existido alguma outra primeira parte
perdida735 (argumenta Schmidt et alii) para Ficker natildeo seria faacutecil
justificar o cap XVII do AV que entatildeo deveria compor essa primeira
parte tambeacutem afirma que (i) (ii) e (iii) satildeo frgg de algumas da obras
diversas do ciclo pedrino De outro lado Carl Schmidt lidera um amplo
grupo de pesquisa que defende que ao contraacuterio (i) (ii) (iii) (iv) e (v)
satildeo partes integrais de uma uacutenica obra hoje resta perdida na sua
integralidade e possivelmente nominada ndash Πράξεις Πέτρου ἀποστόλου
Filiamos-nos a esta segunda posiccedilatildeo pelos argumentos elencados infra
Primeiramente esta obra na sua forma integral circulou na
Antiguidade como um uacutenico texto grego Natildeo devemos estranhar que se
tenha conservado blocos de sua composiccedilatildeo cuja apreciaccedilatildeo e o alcance
na Antiguidade parece ter sido consideraacutevel ateacute que os chamados hoje de
ldquoheregesrdquo comeccedilaram fazer uso sistemaacutetico desta recortaacute-la e editaacute-la
para seus fins tal qual ocorreu tambeacutem com os Atos e Relatos de
Martiacuterio736
734 cf o seu comentaacuterio introdutoacuterio sobre o todo do AtsPe FICKER
Gehard Die Petrusakten Beitraumlge zu ibrem Verstaumlndnis ndash in Handbuch zu den
neutestamentlichen Apokryphen Edgar Hennecke (ed) Leipzig 1903 pp30
395-491 735 SCHMIDT Carl Reinhard 1903 e 1923 opcit id Studien zu den alten
Petrusakten II ndash in ZKG 45 pp481-513 Tambeacutem MOLINARI 1999 opcit
pp426-47 736 Partes extraiacutedas de PARAIZO Congresso de Claacutessicas ndash UNESP
opcit 2008 id Simpoacutesio ndash UFPR opcit 2008 onde registra-se que (i) surgem
a partir do seacutec II sob pressatildeo direta das perseguiccedilotildees contra cristatildeos os escritos
sobre os maacutertires que podem ser divididos em trecircs grupos Acta Passiones
Martyria e Legendae Os Acta satildeo atas (protocolos) do processo realizado
normalmente diante do prococircnsul anotadas pelos escrivatildees do tribunal e
reproduzindo ao ldquopeacute da letrardquo o interrogatoacuterio Isso natildeo exclui que mais tarde
fossem completadas ou refundidas por um relator cristatildeo pois elas se conservam
na verdade apenas na tradiccedilatildeo da Igreja Nas Passiones Martyria pelo contraacuterio
satildeo autores cristatildeos que contam ndash muitas vezes com interpretaccedilatildeo decididamente
teoloacutegica ndash os uacuteltimos dias e a morte dos maacutertires As Legendae contecircm um
nuacutecleo histoacuterico mas em volta desse nuacutecleo haacute muitos elementos da fantasia
piedosa Constituem a origem da literatura hagiograacutefica mas natildeo precisamos
falar delas aqui uma vez que surgem soacute a partir do seacutec IV (ii) As Atas dos
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maacutertires geralmente comeccedilam informando a data o nome do juiz e dos acusados
como tambeacutem a acusaccedilatildeo A elaboraccedilatildeo cristatilde do quadro revela-se nas
caracterizaccedilotildees das pessoas como ldquosantos maacutertiresrdquo ldquoimperadores iniacutequosrdquo ou
na qualificaccedilatildeo das leis como ldquoinjustasrdquo O prococircnsul abre o interrogatoacuterio
indicando a identidade dos acusados e estes agraves vezes natildeo datildeo o seu nome civil
mas apenas confessam ldquocristianus a sumrdquo como o uacutenico e verdadeiro nome de
um cristatildeo O processo natildeo discute o conteuacutedo do cristianismo mas procura
provar o pretenso crime dos cristatildeos ou exige simplesmente que se jure pelo
gecircnio de Ceacutesar e se ofereccedila um sacrifiacutecio imprecatoacuterio lt supplicatio gt por ele
em suma voltar agrave religiatildeo tradicional e racional dos romanos O prococircnsul
procura persuadir disso os reacuteus lembrando-lhes sua juventude ou sua idade
avanccedilada suas obrigaccedilotildees familiares κτλ prometendo riqueza honras e cargos
ou ameaccedilando-os com torturas e a morte Geralmente tudo isso natildeo obteacutem o
resultado esperado ao contraacuterio os maacutertires por sua vez tomam a iniciativa e
procuram dar testemunho de sua feacute cristatilde ou ameaccedilam o juiz e o puacuteblico com a
puniccedilatildeo de Deus No final ficam apenas a confissatildeo ldquocristianus a sumrdquo e a
recusa do culto pagatildeo Eacute anunciada entatildeo a pena de morte Isso acontece lt ex
tabella gt o julgamento eacute lido de uma tabela Ou seja a sentenccedila jaacute estava
preparada e estabelecida baacutesica e anteriormente (iii) Os Martyria e
Passiones reelaboram os elementos dos Acta agora poreacutem fala um autor cristatildeo
que apresenta todo o acontecimento as circunstacircncias da prisatildeo a situaccedilatildeo do
caacutercere a caracterizaccedilatildeo de pessoas a descriccedilatildeo das torturas e dos milagres que
ocorrem nessas ocasiotildees Satildeo acrescentadas reflexotildees teoloacutegicas e espirituais
cita-se a Biacuteblia e torna-se claro acima de tudo o objetivo da tradiccedilatildeo edificar os
crentes e fortalecer aqueles que tambeacutem tenham que sofrer o martiacuterio mais tarde
(iv) Aparece uma qualidade peculiar do gecircnero literaacuterio dos relatos de maacutertires
enquanto todos os outros escritos dos seacutecs II e III podem ser classificados
segundo os diferentes grupos linguiacutesticos e autores de acordo com seus viacutenculos
histoacuterico-literaacuterios os relatos de maacutertires formam uma tal unidade global de
liacutenguas e autores que devem ser tratados conjuntamente sem considerar a liacutengua
ou o autor (v) Na literatura martiroloacutegica se discute questotildees como as
nomenclaturas Ata Paixatildeo-Martiacuterio e Lenda como reelaboraccedilotildees e que tratam
da prisatildeo do processo e execuccedilatildeo tambeacutem que sociedade e religiatildeo estiveram
fundadas no mecanismo do bode expiatoacuterio e na possibilidade de sua repeticcedilatildeo
simboacutelica no rito sacrifical ateacute o advento do Cristianismo quando o mecanismo
sacrifical eacute revelado e inutilizado cf GIRARD Reneacute O Bode Expiatoacuterio e Deus
[trad Maacutercio Meruje] ndash in Joseacute M S Rosa Artur Moratildeo (eds) Textos Claacutessicos
de Filosofia Covilhatilde Lusosofia Press 2008 tambeacutem GIRARD Reneacute O bode
expiatoacuterio entre Eacutedipo e Cristo [trad Moiseacutes Sbardelotto] Artigo ndash in jornal
La Repubblica 13-mai-2013 et alii Doravante o conflito mimeacutetico em vez de
midiatizado pela coletividade eacute apresentado agrave consciecircncia onde adquire sentido
moral e asceacutetico O que diferencia o Evangelho dos mitos antigos ou do mito
como tal eacute a revelaccedilatildeo cristatilde acerca da inocecircncia da viacutetima e da culpa da
coletividade homicida Os relatos de martiacuterio registram o momento em que se daacute
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Em segundo lugar temos atraveacutes da Esticometria do patriarca
Νικηφόρος Α´737 a notiacutecia que os AtsPe primitivo tinham uma extensatildeo
de 2750 linhas (esticos738) Nos caacutelculos de Zahn hoje aceitos os AV ndash
(iv) e (v) tecircm aproximadamente 1700 esticos o que denota uma perda de
1050 esticos Seria razoaacutevel considerar os fragmentos apresentados neste
trabalho como (i) (ii) e (iii) como parte destas 1050 linhas Ou seriam
partes de outras obras desta ldquoseacuterie literaacuteria petrinardquo conforme Ficker
Em terceiro lugar Schmidt ao contraacuterio de Ficker evoca
testemunhos advindos da Antiguidade eg o AtsFi739 os AtsNeAq740
Augustinus de Hipona741 e as alusotildees dos maniqueus742 datildeo conta da
existecircncia de uma narraccedilatildeo verossimilhante com a da filha paraliacutetica de
Pedro no frg cop Ato de Pedro (i) Tambeacutem se encontra em Augustinus
(loccit) os maniqueus (ibidem) e Ps-Titus (cf infra) citaccedilotildees que
apontam a existecircncia do frg lat A Filha do Jardineiro (ii) Este acuacutemulo
de testemunhos cruzados para Schmidt ndash evidenciam ἀποδεικτικός que
os episoacutedios (i) (ii) e (iii) compuseram na Antiguidade uma unidade
textual743 com (ivv) Schmidt assinala que o autor de AtsPe desde cedo
o embate civilizacional entre a ordem sacrifical e a ordem cristatilde do qual natildeo por
acaso o cristianismo sai vitorioso na exata medida em que abdica da guerra Ateacute
o final do seacutec II cerca de 80 mil cristatildeos foram mortos e como declarara
Tertullianus ldquoo sangue dos maacutertires eacute semente de cristatildeosrdquo 737 cf ZAHN Theodor von Geschichte des ntl Kanons II Erlangen A
Deichert 1888-1892 p300 [reimp Hildesheim 1975] cf SCHNEEMELCHER
Wilhelm HENNECKE Edgar (eds) Neutestamentliche Apokryphen in
deutscher Uumlbersetzung volII Apostolisches Apokalypsen und Verwondtes 6a
ed Tuumlbingen Mohr-Siebeck 1987 pp33ss 738 Linha de um texto ou manuscrito geralmente que tem um nuacutemero
padronizado de siacutelabas pela qual o copista calculava seu preccedilo Esticometria eacute
por sua vez o meacutetodo de caacutelculo 739 LIPSIUS Ricardus Adelbertus Die Apokryphen Apostelgeschichten
und Apostellegenden tII Leipzig Hinrichs 1892 281 comentando AtsFi 142 740 Em XV Este livro mostra outros episoacutedios que encontramos no AV 741 Adimantum 175 742 Salterio Maniqueu 142 743 cf SCHMIDT Carl Reinhard 1903 e 1923 opcit id Studien zu den
alten Petrusakten I ndash in ZKG 43 p347 Os trabalhos precedentes de maneira
geral tecircm mostrado semelhanccedilas entre frg cop (i) e o AV latino (a) a situaccedilatildeo
da cena em cop C1281-2 na expressatildeo not=~mshypcabbaton ete tkuriaky para
primeiro dia da semana em lat ndash prima sabbatorum (ms V VII) em AV III
XXIX e XXX o die dominico gr μία δὲ τοῦ σαββάτου nos mss gr A e P do
Martiacuterio gr κυριακῆς οὔσης todos se encontram em muacutetua correspondecircncia
241
se deparou com passagens cronologicamente tatildeo sedimentadas na
tradiccedilatildeo que natildeo lhe permitiram qualquer outra estruturaccedilatildeo senatildeo esta
a) Permanecircncia de doze anos de Pedro em
Jerusaleacutem apoacutes a morte de Jesus
b) Disputas com Simatildeo na Palestina
c) Pregaccedilatildeo de Paulo em Roma antes da chegada
de Pedro ali e sua ida para Espanha
d) Veneraccedilatildeo de Simatildeo o Mago em Roma na eacutepoca
do imperador Claudio
e) Martiacuterio de Pedro no governo de Nero744
De acordo com Schmidt supra da rigidez de uma tradiccedilatildeo
consolidada resulta inevitavelmente que soacute poderiacuteamos ter que a
primeira parte de AtsPe perdida ndash a palestino-hierosolimita Assim os
episoacutedios da primeira parte que nos foram legados (i) Ato de Pedro (ii) Filia hortulani (iii) Natildeo se deve chorar em demasia pelos mortos as
primeiras disputas com Simatildeo (AV V) o episoacutedio de Eubula (AV XVII) e
a transladaccedilatildeo de Simatildeo o Mago da Judeia para Roma tem suas cenas
ambientadas em Jerusaleacutem Jaacute a segunda parte retratada fielmente no AV
acontece em Roma haacute uma preparaccedilatildeo e fundaccedilatildeo da comunidade em
Roma Paulo afasta-se para a Espanha a chegada de Simatildeo e as
apostasias a vinda de Pedro e as disputas por fim a destruiccedilatildeo de Simatildeo
e o martiacuterio do apoacutestolo
Cabe concluir que o tiacutetulo de Πράξεις Πέτρου ἀποστόλου (= Atos
de Pedro) ou como se pode subtrair de Eusebius745 ndash Atos de Pedro o
apoacutestolo ou ainda de um acreacutescimo no ms Vercelli de secunda manus
(na margem inferior) puto quod iste actus Petri et Pauli et Siltmogtnis
apocrifus sit746
Resta uma intrigante questatildeo porque se teria transmitido ateacute noacutes
somente a parte romana de Πράξεις Πέτρου ἀποστόλου Poderiacuteamos
(b) a cura dos enfermos no frg eacute similar a AV XXXI1 na linguagem e nas ideias
(c) certa distinccedilatildeo entre ldquoDeus Pairdquo e ldquoCristordquo eacute similar no frg e no AV (d)
idem a enfermidade da filha de Pedro e o que sofre Rufina (e) em ambas as
narrativas a visotildees cumprem papeacuteis semelhantes (f) em ambos a tendecircncia
encratista SCHMIDT 1923 opcit pp22-25 744 SCHMIDT Studien II op cit p499 745 EUSEBIUS PHAMPHILI (de Cesareia) Ἐκκλησιαστική Ἱστορία III
32 ndash in Migme (ed) PG 1857 opcit tXX 746 (= Penso que este Ato de Pedro Paulo e Simatildeo seja apoacutecrifo)
242
pensar na aniquilaccedilatildeo completa do original como sendo resultado da
perseguiccedilatildeo decidida da Igreja uma vez que foram declarados
ldquoapoacutecrifosrdquo e eram como uma arma na matildeo dos ldquoheregesrdquo Outra hipoacutetese
seria a de que um redator ou copista teria concebido esta parte romana do
AV como um mero complemento na Recognitiones Ps-Clementinas (estas
descrevem Pedro na Palestina e Siacuteria) e esta segunda parte seria um
complemento consequente com Pedro em Roma quiccedilaacute porque a atuaccedilatildeo
de Pedro na Siacuteria e Palestina natildeo coincidem com os AtsPe e decidiu-se
eliminar a primeira parte que natildeo chegou a noacutes
Neste mote relativo ao local de composiccedilatildeo da obra devido agrave falta
de dados externos os pesquisadores apresentaram uma seacuterie de hipoacuteteses
baseadas na probabilidade Tem-se desta forma que sejam lugares
possiacuteveis
(i) Na primeira vista poderia se pensar nesta cidade de Roma
com maiores possibilidades jaacute que o que se conservou tem
como centro geograacutefico esta cidade O autor conhece
detalhes da regiatildeo eg (i) a indicaccedilatildeo do lugar hospitium
Bytinorum que remonta a casa de Priscila eacute Aacutequila cuja
Ponte de Bitiacutenia que une a regiatildeo teria dado este nome (ii)
o duplo caminho por terra e fluvial que une Ostia (antiga)
e Urbe (III) (iii) menciona a Via Sacra (XXXII) com a
utilizaccedilatildeo do foacuterum Julium como local do ensino e praacutetica
da justiccedila com a exclusatildeo do comeacutercio747 (XV) (iv) o autor
expressa concepccedilotildees teoloacutegicas que parecem identificar-se
siacutembolo romano748 (iv) o mito de Simatildeo o Mago aparece
em outros autores romanos Gaius Suetonius Tranquillus
De vita Cӕsarum Nero Claudius Caeligsar 12 Δίων
Χρυσόστομος (= Dion Crisoacutestomos)749 V12ss Decimus Iunius Iuvenalis III78 Poreacutem haacute objeccedilotildees que atentam
contra esta opccedilatildeo o lapso do autor em XXXII1-2 que
afirma que a Via Sacra terminava junto ao Templo de
747 Segundo o historiador da Roma antiga (de origem grega) Ἀππιανὸς
Ἀλεξανδρεύς (= APIANO de Alexandria 90-dagger160) De Bello Civili II102 (vers
160) conhecedor consagrado das questotildees sobre comeacutercio romano poeta romano
Publius OVIDIUS NASO Publius (43 aC-dagger17 dC) Ars Amatoria I80 e
III455 748 Remissotildees ao siacutembolo romano em AV II VII XVII XX XXVIII
XXXVI 749 Ou Dion de Prusa (hoje Bursa ca 40 ndash 120) orador e historiador da
Greacutecia Antiga vivendo no periacuteodo da dominaccedilatildeo romana
243
Saturno (o correto eacute no foacuterum Julium) o autor desconhece
a sucessatildeo dos imperadores (erro inadmissiacutevel no mundo
romano) uma eucaristia celebrada a patildeo e aacutegua no seacuteculo II
em Roma parece improvaacutevel κτλ
(ii) Flamion que defendeu a probabilidade de ser Alexandria750
Por Ὠριγένης (= Origenes Adamantius)751 esta cidade eacute
conhecida como o lugar em que se firmou a tradiccedilatildeo da
crucificaccedilatildeo de Pedro de cabeccedila para baixo mas Ὠριγένης
pode tecirc-la extraiacutedo ao contraacuterio exatamente de AtsPe Dali
parte tambeacutem a tradiccedilatildeo sobre Simatildeo que chamavam
ldquonumen estaacutevelrdquo (gr ἑστώς XXXI) e que atuava com uma
companheira (πάρεδρος) Helena A forte laca filosoacutefica dos
uacuteltimos das passagens finais de AtsPe pode apontar para
uma cidade proacutespera em cultura752 As semelhante de AtsPe com os demais AtsAp distancia esta hipoacutetese como provaacutevel
(iii) A hipoacutetese que goza maior receptividade eacute defendida por
Zahn e aponta para Aacutesia Menor Mais tarde Ficker tambeacutem
a defende753 Baseia-se numa citaccedilatildeo muito curiosa e uacutenica
neste AtsPe754 que cita um hospitio Bytinorum e a
identificaccedilatildeo com o senador Marcelo que cumpre
importante papel na narrativa755 como o pretor da Bitiacutenia ndash
Marcus Granius Marcellus de quem Publius Cornelius
Tacitus fala756 Outros pesquisadores aceitam esta hipoacutetese
750 FLAMION 1910 opcit pp5ss 751 Adnotationes in Genesim 752 Recentes pesquisadores consideram um local africano como sendo o da
composiccedilatildeo do AtsPe WESTRA Liuwe H Regulae fidei and Other Credal
Formulations in the Acts of Peter ndash in The Apocryphal Acts of Peter Magic
Miracles and Gnosticism Studies on the Apocryphal Acts of the Apostles 3 Jan
N Bremmer (ed) Louvain Peeters 1998 p147 tambeacutem POUPON Geacuterard H
Origine africaine des Actus Vercellenses ndash in The Apocryphal Acts of Peter
Magic Miracles and Gnosticism Studies on the Apocryphal Acts of the Apostles
3 Jan N Bremmer (ed) Louvain Peeters 1996 pp191-9 753 FICKER 1903 opcit pp30ss 754 cap IV32 755 capsVIII1114 XV1519-22 κτλ 756 TACITUS Annalen I 74 1
244
mas com reservas James757 Vouaux758 Schmidt759
Michaelis760 Schneemelcher761 e Erbetta762
Como jaacute estaacute satisfatoriamente registrado natildeo podemos valorar
dentro da historicidade-comparativa quaisquer dados do AtsPe que natildeo
possam ser comprovados igualmente por outras fontes conforme o
ldquocriteacuterio das muacuteltiplas fontesrdquo proposto por Meier763 O raciociacutenio seria
simples se os Evangelhos canocircnicos e o Atos lucano jaacute proporcionam
elementos relativamente parcos sobre apostolado natildeo seria plausiacutevel a
priori conjeturar que detalhes com maior riqueza poderiam advir do
seacuteculo II De outro lado o que se sabe hoje eacute que a dataccedilatildeo dos textos
canocircnicos a passos largos tem caminhado deacutecadas agrave frente764 e com
alguma ansiedade muitos de noacutes recebem notiacutecias de dataccedilatildeo de
apoacutecrifos cada vez mais antigas de scholars multidisciplinares e bem
articulados conferir Crossan Koester et alii Os ldquodoze anosrdquo de
permanecircncia de Pedro em Jerusaleacutem apesar do apoio de outras fontes765
parecem falsos pois contradiz o Atos canocircnicos766 De uma lista de mais
de trinta personagens em AtsPe temos de acordo com Schmidt apenas
quatro figuram no NT Agripa Berenice Narciso e Quarto767
Outras informaccedilotildees da obra eg a custoacutedia de Pedro em Roma a
luta contra Simatildeo e o seu martiacuterio em Urbe satildeo atestados por diversos
757 JAMES Montague Rhode The Apocryphal New Testament Oxford
Claredon Press 1924 [reimpr 1975] p300 758 VOUAUX 1922 Les Actes de Pierre opcit p214 759 SCHMIDT Carl Reinhard no iniacutecio parece mais inclinado por Roma
acaba influenciado por Erbes (em FICKER Petrusakten 1903 opcit pp109-
111) mais tarde iria pensar na Aacutesia Menor como mais verossiacutemil (SCHMIDT
Goumlttingen Gelehrte Anzeiger 5 1903B p366) em resposta a resenha de A
Hilgenfeld a sua obra Petrusakten ndash in ZWTh 46 1903 pp321ss 760 MICHAELIS Wilhelm Die Apokryphen Schriften zum Neuen
Testament 3a ed Bremen 1962 p333 761 HENNECKE SCHNEEMELCHER 1959 opcit p188 762 ERBETTA Atti e legende 1966 opcit p139 763 MEIER 1996 opcit pp50-99 764 Listas de datas consideradas atualizadas e equilibradas eg Biacuteblia de
Jerusaleacutem natildeo se sustentam mais diante de um nuacutemero cada vez maior e bem
fundamentado de pesquisas recentes 765 Kerigma de Pedro CLEMENS de Alexandria Stromata VI 543 e
Pistis Sofia ndash in SCHMIDT (ed) 1903 opcit p7 766 At 84ss 767 SCHMIDT 1903B opcit p157
245
autores768 Sobre o relato esmiuccedilador da ldquocrucificaccedilatildeo de cabeccedila para
baixordquo769 que eacute o aacutepice comovente de toda a narrativa hoje presente na
histoacuteria liturgia e iconografia da Igreja sobre ele repousa alguma
suspeiccedilatildeo jaacute que natildeo haacute notiacutecia independente do AtsPe ateacute o presente
momento770 Quanto a Simatildeo o Mago ndash arqueacutetipo fundador de todas as
ldquoheresiasrdquo eacute documentado por outras fontes771 cujas caracteriacutesticas
marcantes como a pretensatildeo de ser a ldquoGrande Forccedilardquo da divindade e ter
imutabilidade aparecem em outros autores alexandrinos772 mas
contrasta-se com o perfil distinto de Εἰρηναῖος (= Irinӕus de Lyon) e
Ἱππόλυτος (= Hyppolitus de Roma)
De alguma forma natildeo haacute dificuldades para a maioria dos criacuteticos
em ver AtsPe como um representante do cristianismo mesopopular773 em
tempos dos seacuteculos II (meados) - III (iniacutecio) porque haacute a descriccedilatildeo de
uma cristandade vigorosa organizada plantada pelo mundo com
crenccedilas tendo sinais de delimitaccedilatildeo com grandes exigecircncias na pureza e
768 MONSERRAT TORRENTS Josep Los gnoacutesticos vol II Madrid
Trotta 1983 pp256-7 volII 1983 in toop menciona Titus Flavius CLEMENS
(Alexandrinus) I Clemens 5-6 Ἰγνάτιος Ἀντιοχείας (Inaacutecio de Antioquia) ad
Romanos IV3 DIONIacuteSIO de Corinto ndash in EUSEBIUS Pamphili HE II 158
EUSEBIUS Pamphili HE II 146 ndash in Migme (ed) PG 1857 opcit tXX
Εἰρηναῖος (= IRINAEligUS de Lyon) Εἰρηναῖος (= IRINAEligUS de Lyon) Adversus
Hӕreses I 231 ndash in Migme (ed) PG 1857 opcit tVII TERTULLIANUS
De Prӕscriptionibus Adversus Hӕreticos XXXVI Scorpiace 15 769 AtsPe Mart XXXVII 4 770 A menccedilatildeo feira por Ὠριγένης (= ORIGENES Adamantius) no seu
Commentarii in Genesim (supra) provavelmente deriva destes AtsPe 771 Εἰρηναῖος (= IRINAEligUS de Lyon) Adversus Hӕreses I 234 ndash in
Migme (ed) PG 1857 opcit tVII Ἱππόλυτος (= Hipoacutelito de Roma) Refut VI
19 772 AV IV e XXXI Ὠριγένης (= Origenes Adamantius) Contra Celsum
VII9 CLEMENS (Alexandrinus) II 1152 A lenda do Simatildeo o Mago eacute dupla
(i) a samaritana mitoloacutegica aparece com a figura de Helena como companheira
de Simatildeo em Εἰρηναῖος (= IRINAEligUS de Lyon) Adversus Hӕreses I11 ndash in
Migme (ed) PG 1857 opcit tVII e cujas linhas fazem menccedilatildeo JUSTINUS
Εἰρηναῖος Ἱππόλυτος (= Hyppolitus de Roma) (ii) a alexandrina que atribui o
predicado a Simatildeo de ldquoestaacutevel firmerdquo representada por CLEMENS (de
Alexandria) Ὠριγένης (= Origenes Adamantius) MONSERRAT vol II 1983
in toop 773 Seria inadequado classificar somente como popular uma vez que tem
elevado tom doutrinaacuterio em algumas seccedilotildees que impedem esta descriccedilatildeo Eacute um
produto da ldquoclasse meacutediardquo cultural e teoloacutegica dentro da grande Igreja na sua
eacutepoca
246
no ascetismo774 que de acordo com Davies a autoria adveacutem de mulheres
encratistas que queriam defender suas posiccedilotildees ultra-asceacutetica e
antissexual Mas a maacutegica e a supersticcedilatildeo que crecirc em toda sorte de
milagres para cativar os coraccedilotildees dos fieacuteis que debandam de um lado
para outro com extrema facilidade parece uma exageraccedilatildeo para a eacutepoca
e para a cosmopolita cidade de Roma
Tem havido em francecircs um avanccedilo nas pesquisas com o Corpus Christianorum ndash Series Apocryphorum da Brepols amp Publishers
(Turnhout ndash Belgium) que lanccedilou os primeiros Atos e a revista
Apocrypha destinada somente a este tema que conteacutem estudo dos scholars
da atualidade Este esforccedilo conta com a colaboraccedilatildeo da Eacutecole Pratique
des Hautes Eacutetudes (Scienses Religieuses) Universidade de Fribourg
Universidade de Genova Universidade de Neuchacirctel Confeacuterence
Universitaire de Suisse Occidentale Institute des Sources Chreacutestiennes
Union Acadeacutemique Internacionale et alii
Alguns campos de estudo dos ApsAp tecircm sido contemplados com
maior incidecircncia pelos pesquisadores No entanto os campos de estudos
satildeo muito diversificados e extensos Alguns restam em aberto e objeto de
bastante controveacutersia entre os quais mencionamos alguns (haacute outros)
(i) O descobrimento e a necessaacuteria e eterna busca para
restauraccedilatildeo dos ldquotextos originaisrdquo O trabalho filoloacutegico
com ediccedilotildees criacuteticas mais precisas um melhor estudo das
lacunas do texto original a construccedilatildeo mais ampla de todas
as recensotildees e principalmente usando o achado de Nag
Hammadi ainda eacute um desafio As ediccedilotildees criacuteticas satildeo muito
antigas e carecem de bastante revisatildeo A reuniatildeo das ediccedilotildees
criacuteticas e parte do material em fac-siacutemile jaacute sempre
representou um desafio A busca do restante deste material
antigo a correta articulaccedilatildeo com fontes mais recentes bem
como as suspeitas levantadas em pesquisas das uacuteltimas
deacutecadas poderiam ser objeto da continuaccedilatildeo deste trabalho
774 cf DAVIES Stevan L The revolt of the Widows The Social World in
the Apocryphal Acts New York Carbodale Southern Illinois Univ Press 1980
que vai afirmar que os cinco Grandes Atos do seacutecs II-III nos levam a conclusatildeo
estes livros foram escritos por mulheres encratistas e para um puacuteblico feminino
Representariam um legado literaacuterio maior na Antiguidade Davies chega a
conclusotildees de que o termo ldquoviuacutevardquo (mulher que o marido morreu) seria um termo
teacutecnico para aquelas que tinham abandonado tudo para seguir uma vida de oraccedilatildeo
e penitecircncia
247
(ii) Outro campo extenso eacute o aspecto doutrinal Embora mais
ligado agrave teologia esta aacuterea resta muito controversa A
articulaccedilatildeo dos atuais dados com a informaccedilatildeo moderna dos
muacuteltiplos ldquocristianismosrdquo seguindo Crossan Erhman et alii
que trabalham o tema mas voltados a corpora de cerca de
80 Evangelhos Idecircntico trabalho poreacutem nos AtsAp poderia
dar novas e interessantes matizaccedilotildees a este texto do AtsPe e
outros AtsAp
(iii) Os gecircneros e subgecircneros literaacuterios fornecem ainda
possibilidades de investigaccedilatildeo O que dispomos nesta aacuterea
ainda eacute uma siacutentese (das controveacutersias) aquiesce a proacutepria
Soumlder
(iv) Finalmente um campo bastante aberto eacute o uso dos textos
canocircnicos nos AtsAp e as consequecircncias que decorrem para
a correta hermenecircutica que este uso poderaacute derivar O texto
de AtsPe se ambienta nestes ldquocristianismosrdquo mas tambeacutem
pela outra via os exemplifica
248
Afresco Masaccio sinopia (ou sinoper) del pentimento di San Pietro Por Tommaso di Ser Giovanni di Simone ou Masaccio ca
1425 Em La Cappella Brancacci a Santa Maria del Carmine ndash in AAVV Cappelle del Rinascimento a Firenze Firenze Editrice
Giusti 1998 Em pigmento escuro marrom-avermelhada natural da terra cuja cor avermelhada vem de hematite extraiacuteda da
Capadoacutecia uma forma desidratada de oacutexido de ferro amplamente utilizado na antiguidade claacutessica e da Idade Meacutedia para a pintura
e durante o Renascimento foi muitas vezes utilizado para o desenho animado ou tinta-base para um afresco
249
Pintura encaacuteutica que mostra Satildeo Pedro autor anocircnimo seacutec VI iacutecone do Ιερά Μονή Θεοβαδίστου Όρους Σινά ndash Monasteacuterio de Santa
Catarina no Monte Sinai ndash sul Egito seacutec VI httpeswikipediaorgwikiMonasterio_de_Santa_Catalina_del_Monte_SinaC3AD
CAPIacuteTULO IV
TRADUCcedilAtildeO COMENTADA DE ATOS DE PEDRO
250
ppp ppp
251
CAPIacuteTULO IV
TRADUCcedilAtildeO COMENTADA DE ATOS DE PEDRO
I Acta Petri Apostoli ndash Notas da ediccedilatildeo e aparato criacutetico
Esta traduccedilatildeo de AtsPe estaacute proposta em treze seccedilotildees temaacuteticas que
nos datildeo o encadeamento narrativo o mais proximamente possiacutevel do
AtsPe primitivo conforme a episteme aqui professada e que permite uma
versatildeo restaurada do texto que circulou na Antiguidade com alguma
lacuna na parte inicial cujo material natildeo nos alcanccedilou (cf pp189-91do
Capiacutetulo III)
Os AtsPe satildeo chamados na editio princeps de Lipsius775 ndash Actus
Petri cum Simone Os capiacutetulos anteriores deram conta de explicar que se
refere a uma combinaccedilatildeo dos elementos que termina no Coacutedice de
Vercelli CVIII 1 (AV) da Biblioteca Capitular do Monasteacuterio de Vercelli
(versatildeo lat de um original gr) o uacutenico que dispomos deste AtsPe na sua
maior parte ldquoactus Petri apostoli explicuerunt cum pace et Simonis
775 Richard Adelbert Lipsius um proeminente teoacutelogo luterano liberal
produziu a prima ediccedilatildeo criacutetica De uma famiacutelia saxatilde nasceu em Gera 1830 Ateacute
sua morte em 1892 foi professor de Teologia Sistemaacutetica Estudos Patriacutesticos
κτλ em Jena e em Leipzig Produziu um trabalho monumental de valia aos
estudos atuais ndash Die Apokryphen Apostelgeschichten und Apostellegenden Ein
Beitrag zur altchristlichen Literaturgeschichte t I e II Leipzig Hinrichs 1892
A ediccedilatildeo criacutetica textual que analisa um coacutepia do ms ndash in Acta apostolorum
apocrypha (Aaa) eacute um labor pioneiro onde analisa particularmente o caraacuteter
do gnosticismo poreacutem agora eacute um tanto ultrapassado principalmente apoacutes o
advento Nag Hammadi Ele proacuteprio teve contato com o ms de Vercelli E
incentivado por Lipsius Heinrich Holtzmann e Wilhelm Studemund copiaram-
no provavelmente em 1867 e emprestaram a transcriccedilatildeo a Lipsius cuja ed natildeo
aparece publicada cf DUNELM B F S Clement of Rome A revised text I Parte
I ndash in Joseph Barber Lightfoot (ed) The Apostolic Fathers Londres New York
1890 VI nt1 Ainda Studemund pesa alguma escrupulosidade filoloacutegica devido
a maacute vontade de cooperar e por ter tido acesso a uma parte gr mas no afatilde de
comparar os textos perdeu-se Um outro convite foi estendido em 1890 mais
tarde por Bonnet
ppp ppp
252
Amenrdquo O copista interpretou ldquoepistula sancti petri cum simone magordquo776
Resta daiacute o nome pouco afortunado que natildeo faz justiccedila com o conteuacutedo
destes AtsPe Entretanto como nos chegaram os capiacutetulos anteriores ao
relato grego dO Martiacuterio de Pedro em gr somente atraveacutes da versatildeo
latina usaremos aqui a ediccedilatildeo de Vouaux (iv) que natildeo apresenta mais este
problema de titulaccedilatildeo
Ainda para os capiacutetulos finais dispomos paralelamente dos coacutedices
gregos (v) o Patmos ndash P 48 (seacutec IX) (v) O Vatopedi A 79 (seacutec X-XI)
do Monte de Atos A versatildeo eslava (S) que estaacute mencionada no aparato
criacutetico conteacutem o Martiacuterio a partir do cap IV do texto grego de P ao que
se segue com absoluta fidelidade
Antes dos AV estaacute colocado o Ato de Pedro em cop (i) e os frgg
latinos (satildeo citaccedilotildees do material de AtsPe primitivo) O primeiro frg cita
a pequena histoacuteria da Filia Hortulani (ii) que eacute a carta Epistola Titi
discipuli Pauli de Ps-Titus De dispositione sanctimonii 83-93777 (os
criacuteticos textuais retiram desta fonte para a inclusatildeo em seus textos)
Procede de um uacutenico ms chamado Codice Burchard (seacutec VIII) cuja
linguagem estaacute com muitas incorreccedilotildees O segundo frg (iii) conteacutem
palavras de Pedro sobre a atitude cristatilde ante a morte778 retirado do Codex
Cambrai 254 (seacutec XIII) Os dois frgg na disposiccedilatildeo do texto integral de
AtsPe devem anteceder o AV como foi defendido supra
As notas referentes ao aparato ocorrem em abundacircncia nos textos
criacuteticos cuja completa harmonizaccedilatildeo ainda natildeo ocorreu tambeacutem nas
traduccedilotildees e estudos afins Ao fazermos o cruzamento destas na
atualidade quando agora contamos a facilidade digital fac-siacutemile xerox
κτλ percebe-se genealogias pouco definidas ou diacutespares em alguns casos
Tais notas aparecem em introduccedilotildees prefaacutecios dentro de outras notas
κτλ que deste modo se duplicam consequentemente em vaacuterios trabalhos
posteriores dos anos 1940-1960 (dependendo das fontes usadas) sem a
correta menccedilatildeo das fontes ou com a menccedilatildeo de uma fonte que parece natildeo
ser a original Verifica-se no iacutendice bibliograacutefico ao final desta tese ser a
maioria destes trabalhos antigos datando dos anos 1890-1930 e eacute bastante
provaacutevel sem muita conexidade ou articulaccedilatildeo entre eles Isto talvez se
776 VOUAUX 1922 opcit p228 nt I (a) Tambeacutem cf LIPSIUS 1891
p103 777 DE BRUYNE Donatien Epistola Titi discipuli Pauli ndash in Codex
Burchardi (Homilia de Burchard) Publicado no art Nouveaux fragments des
Actes de Pierre de Paul de Jean dAndreacute et de lApocalypse dElie ndash in Revue
Beacuteneacutedictine tXXV Donatien Bruyne (ed) 1908 pp149-60 778 Foi editado tambeacutem por DE BRUYNE ibid p153
253
deva em parte a restriccedilatildeo agrave ampla publicaccedilatildeo pela qual os temas ndash
lsquoapoacutecrifo e lsquognosticismorsquo ndash passaram (e ainda passam) nos ambientes
religiosos local natural de trabalho em tais textos mais primeira Grande
Guerra κτλ
Usou-se aqui um sistema de creacuteditos por data de publicaccedilatildeo dos
trabalhos lsquoos quais se teve acessorsquo segundo a legenda abaixo De alguma
forma ajuda parcialmente a estabelecer alguma ordem cronoloacutegica Seraacute
mencionada a ocorrecircncia mais antiga localizada e et alii para as demais
Note-se que foram comparados os fac-siacutemiles dos manuscritos com as
ediccedilotildees criacuteticas de Leacuteon Vouaux para iv v (1922) Carl Schmidt para i
(1903) Donatien de Bruyne para ii iii (1908) Assim sendo nem todas
as notas do aparato seratildeo iguais aos textos supra Tambeacutem eacute possiacutevel que
haja injusticcedilas pelo volume e fragmentaccedilatildeo do material consultado pela
precariedade do material (antigo) ou pela precariedade do acesso (in absentia de fac-siacutemile conteuacutedo parcial proibiccedilatildeo de xerox) Muitos
autores abaixo contecircm parte do aparato criacutetico e natildeo seratildeo mencionados
nenhuma vez constam da relaccedilatildeo porque foram consultados
relacionamos apenas os mais relevantes poreacutem haacute outros trabalhos
menores que apenas constaram da Bibliografia final Mas acredita-se na
tentativa de organizar o aparato deste material parte disto ficaraacute para um
desafio futuro Algumas notas seratildeo mencionadas como apud outras mais
confusas seratildeo simplesmente eliminadas A lista das fontes do aparato
criacutetico e legenda
Ano Autor Obra Tipo de obra Partes AtsPe Legenda
1871 MALAN M The Conflicts of thehellip Traduccedilatildeo iv v Mal
1887 GUIDI I Rendiconti della reale Ac Ed Cop iv v Guid
1890 (-) SOKOLOFF S Vndolrsquoskiana Ed Eslava iv v Soko
1890 BEDJAN P Acta Martyrum et Ed Syr iv v Bedj
1891 LIPSIUS R A Actus Petri cum Sim Ed do ms i ii iii iv v Lipsi
1898 NAU F La version Syriaque ineacutedi Ed Syr iv v Nau
1899 BUGDE E Walis The Contendings Ed Etiacuteope iv v Bugd
1901 VETTER P Die Armenischen apocry Ed Arm iv v Vett
1903 FICKER G Die Petrusakten Traduccedilatildeo iv v FickA
1903 SCHMIDT C Die alten Petrusakten Ed Criacutetica (parc) i Schmi
1908 FLAMION J Les Actes Apo Pierre Estudo ii iii iv v Flam
1913 VOUAUX L Les Actes de Traduccedilatildeo ii iii iv v VouaA
1922 VOUAUX L Les Actes de Pierre Ed Criacutetica ii iii iv v VouaB
1924 FICKER G Hanbunch zu den neut Traduccedilatildeo ii iii iv v FickB
1924 JAMES M R The Apocryphal New Traduccedilatildeo i iv vi James
1925 DE BRUYNE D Epist Ps-Tito κτλ Ed Criacutetica (parc) ii iii DBruy
1930 TURNER C H The Latin acts ofhellip Aparato iv Turner
1933 BOTTOMLEY G The acts of St Pethellip Estudo ii iii iv v Bott
1959 SCHNEEMELCHER W Neut Apokr Traduccedilatildeo iv v S-H
1962 MICHAELIS W Die Apocryphen Traduccedilatildeo i ii iii iv v Mich
1969 ERBETTA M Gli Apocrifi del Nuov Traduccedilatildeo i iv v Erbe