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1 O PENSAMENTO POLITICO EM PERSPECTIVA HISTÓRICA Fernando Pedrão

O pensamento politico em perspectiva historica

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O PENSAMENTO POLITICO EM PERSPECTIVA HISTÓRICA

Fernando Pedrão

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Sumário

Introdução

1. A abordagem histórica

1.1. Escopo e método

1.2. Teoria política em perspectiva histórica 1.2.1. Encaminhamentos 1.2.2. Teoria como polêmica 1.2.3. Teoria como superação de dogmas 1.3. A historicidade da teoria 2. Vida política e teoria 2.1. Aproximações 2.1.1. O antigo e o moderno 2.1.2. A vida política

2.2. O pensamento clássico 2.3. Expansão Macedônica e Helenismo 2.4. Em Roma como os romanos 2.5. Bizâncio

3. A formação da modernidade 3.1. A configuração do moderno 3.2. O intervalo medieval 3.2.1. A superação da lógica formal e a ciência 3.2.2. A montagem da política colonial

3.3. O Estado e o poder político na Renascença 3.3.1. Maquiavel e a prática política do poder 3.4. As políticas coloniais 3.4.1. Colonialismo e colonização

3.4.2. O colonialismo português 3.4.3. O colonialismo espanhol 3.4.4. O colonialismo dos países-do-Mar-do-Norte 3.4.5. O colonialismo do imperialismo do século XIX 3.4.6. O Colonialismo no século XX 3.4. O pensamento do século XVII 3.5. O século XVIII: o fim do absolutismo 3.6. Capitalismo e imperialismo no século XIX 3.6.1. A perspectiva do centro 3.6.2. A perspectiva da periferia 3.7. O século XX: desenvolvimento, subdesenvolvimento. 3.8. Os Estados Unidos da América do Norte 4. Pensadores formadores da modernidade 4.1. Aproximações conceituais

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4.2. Kant e a revolução de efeitos retardados 4.3. Adam Smith e a revolução burguesa 4.4. Hegel e a consciência histórica 4.5. Ricardo e a política da economia nacional 4.6. Marx e a critica da sociedade burguesa

5. Desdobramentos políticos da modernidade

5.1. Interesses, ideologia e hegemonia 5.2. A teoria política do imperialismo 5.3. O fascismo 5.4. O socialismo precursor 5.5. A mobilização anti-marxista 5.6. As teorias políticas do socialismo pós Marx 5.7. A visão burguesa e as reduções temáticas

6. O pensamento político na America Latina moderna 6.1. Pós-colonialismo e autonomização 6.2. Níveis de consciência e de alienação 6.3. Necessidade e efetividade

7. A vida política ativa 7.1. O jogo de alienação e afirmação 7.2. Os processos críticos do Estado

7.3. A nova internacionalização das elites 7.4. Mobilidade social e emergência de novos grupos 7.5. A referencia externa 7.6. Ideologias, partidos políticos e movimentos sociais 7.6.1. O debate sobre ideologia

7.7. As práticas do Estado burguês 7.7.1. O Estado burguês periférico 7.7.2. Estilos de política 7.7.3. Políticas publicas 7.7.4. Paternalismo, clientelismo e competitividade 7.7.5. Autoritarismo dependente e sociedade democratizada 7.7.6. A questão da democratização do Estado 7.7.7. A política revolucionaria e o Estado revolucionário 7.7.8. Crise ideológica e privatização do Estado burguês 7.7.9. Estado nacional, as regiões e as localidades 8. Nossa questão do Estado

Bibliografia Introdução

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Uma apresentação critica do pensamento teórico em Política tornou-se imperativa para estabelecer a relação entre a vida social e o pensamento teórico na perspectiva de nações não hegemônicas. Nesse movimento, a critica histórica é necessária para relativizar a importancia do formalismo teórico, situando-o como aparato de uma classe social e de um momento de seu desenvolvimento. Ao reconhecer a pluralidade de experiências no campo da política e desde a antiguidade, revelam-se pueris as tentativas de dar foros de universalidade às experiências de alguns poucos países poderosos. Trata-se de reconduzir a ciência política a sua condição de ciência social historicamente ancorada. Esta opção tem diversas conseqüências em método e em programa de trabalho que se pretende esboçar. O reconhecimento da complexidade dos processos sociais em seus modos locais e em sua internacionalidade, tal como eles se apresentam desde os movimentos pelo desenvolvimento econômico, pela superação do colonialismo e pela extensão dos direitos humanos, revela exigências aos estudos sociais para sua legitimidade e pertinência. Um passo necessário nesse sentido consiste em desmontar aparelhos intelectuais de controle ideológico que tornaram as ciencias sociais dependentes de modos de pensamento funcionais ao sistema internacional de poder desenvolvido com a globalização capitalista. A busca de um rumo efetivamente independente torna-se um imperativo histórico que se coloca alem da rejeição inevitável ao entorpecimento do poder criativo da ciência formalista. A substituição de critica conceitual por modelos explicativos, a aceitação dogmática de premissas de racionalidade formal, são entraves a que se perceba a historicidade dos processos sociais. No entanto processo social algum surge do nada. O anterior está contido transformado no posterior. Configura-se, portanto, um pleito por uma abordagem histórica do mundo da política. Os estudos de política, combinando seu componente conceitual com o registro da práxis encontram-se diante de uma bifurcação entre uma adesão passiva aos preceitos do pensamento representativo do poder e a oportunidade de exercer um esforço de autonomia que, de um modo ou de outro, resulta em uma postura critica. A construção de uma postura crítica se dá por meio de um desafio de conceitos consagrados com dados empíricos diferentes daqueles que informaram a teoria no passado. A postura crítica será inevitável sempre e quando a realidade histórica seja efetivamente percebida e venha a constituir a base empírica com que se trabalha. Como a sociedade do capital em expansão sempre afirmou tácita ou explicitamente sistemas sociais constituídos de desigualdade torna-se falacioso um pensar político que confunde igualdade formal com igualdade real. O consequente problema de renovação/liberação da teoria política não se limita a país algum em particular, senão corresponde à problemática da política nos processos do subdesenvolvimento e da dominação moderna. A academia brasileira em sua maioria tem seguido a concordância burguesa com um liberalismo conservador que esquiva as criticas ao positivismo ou simplesmente deriva no fluxo de um pensamento impregnado das opções do poder euro-norte-americano. Não se trata de concordar ou discordar desse fluxo central senão de estabelecer uma afirmação colateral independente, representativa da América não saxônica. Sob a pressão contínua de uma apropriação da vida política por um sistema de poder fundado na aliança do grande capital com os meios de comunicação, o pensamento político passa por um estigma de perda de identidade ideológica e perda de capacidade critica. A teoria política codificada pela academia é um arcabouço positivo que admite como válidas referencias a exercícios formais cuja consistência material nunca foi

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verificada. A distinção entre consistência formal e material não parece ter muita importância quando se constroem modelos em política admitindo comportamentos individuais como referencias de coletivos históricos. Assim como o conservadorismo admite expectativas racionais como indicativos de consumo coletivo em política o conservadorismo admite a percepção individual como guia de comportamentos de grupos historicamente concretos. Torna-se praticamente impossível entender o ambiente critico de hoje, no começo do século XXI, sem ver a atualidade como parte de uma seqüência que começa com o Tratado de Viena de 1830 e marca a ascensão do capitalismo centrado na Europa ocidental até 1870 e até 1914, interrompido e modificado pelas duas guerras mundiais e reorganizado sobre as bases do bloco de poder liderado pelos EUA desde 1946. A crise econômica de hoje está ligada ao esgotamento do sistema político e econômico estruturado em 1946, que sofreu sucessivos abalos das revoluções tecnológicas desde a década de 1960 e passou a conviver com uma reorganização do mercado mundial com ascensão da China e estagnação da Europa. A rápida renovação tecnológica nos transportes e nas comunicações na década de 1960 foi continuada por intensa renovação nos meios de comunicação na década seguinte, traduzindo-se em uma seqüência de crises na periferia do capitalismo mundializado. Ainda com muitos aspectos a serem explicados, a crise do sistema financeiro que eclodiu no novo século é parte dessas transformações progressivas do sistema sócio-produtivo, indicando o profundo reajuste do sistema mundial marcado pela ascensão da China. As tentativas de recomposição do poder de uma Europa em que a liderança econômica da Alemanha é questionada pela agressividade da França encontram-se com um complexo tecido de interesses envolvendo seu mercado, seu suprimento de matérias primas e energéticos e sua administração de seu desemprego. Em princípio cabe considerar que uma instabilidade progressiva crescente do sistema em seu conjunto se realiza com maior instabilidade na periferia que no centro do sistema, em um desempenho que coincide com o da instabilidade dos sistemas físicos apontada Prigogine. No entanto a observação da economia mundial desde a década de 1990 mostra alterações nas relações estruturais entre as velhas nações industriais e as mais novas que indicam novas relações políticas internacionais. Esse quadro de mudança demanda uma correspondente revisa o da análise política. Uma teoria política constituida de leitura exegética ou mesmo de leitura crítica de doutrinas dos centros mundiais de poder revela-se inadequada ou imprópria para refletir o ambiente das mudanças estruturais do mundo periférico. É obscurecida por uma abordagem sobre o curto prazo mas aparece claramente em um contexto em longo prazo, em que se reconhece a simbiose entre as esferas política e econômica e com a compreensão de que os movimentos de articulação do poder mundial apóiam-se na luta pelo controle da energia, distinguindo países superavitários e deficitários nesse setor. A revisão dos fundamentos históricos do pensamento político torna-se uma tarefa que transcende os objetivos nacionais mais próximos e se coloca como parte do debate civilizacional. A dimensão civilizacional reivindicada por autores como Gunder Frank e Antonio Negri encontra-se nos trabalhos de Marcos Kaplan, Jorge Hardoy, Octavio Ianni, Celso Furtado e vários outros no contexto latino-americano e envolve um questionamento do ser social pensante e do ser social atuante. A força incoercível de movimentos de emancipação de nações e de grupos, que sustentou a visão mais ampla

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de desenvolvimento mostrou que se trata de um ser social irredutível que está inferido nas obras de autores críticos da civilização material, desde Marx a Lukács. A percepção da experiência social latino-americana em sua dimensão histórica profunda 1é uma construção que se expande simultaneamente em suas raízes e em seus desdobramentos revelando os movimentos contraditórios de afirmação e de negação de grupos. O modo como se trata a história é o mesmo como se ganha ou perde identidade. O modo como se recuperam os abandonados pela história oficial é como se desvenda a personalidade da nação. As classes abrangem grupos de permanência incerta e variada, em que, por exemplo, um de seus principais componentes que são os grandes proprietários de terras compreendem realidades distintas com diferente capacidade de se reproduzir e perdurar. O mesmo acontece com os trabalhadores, em que a concentração de capital e as revoluções tecnológicas desmontaram o operariado da Segunda Revolução Industrial e estenderam uma classe trabalhadora sujeita a incerteza de renda e desemprego crônico. Este ensaio pretende colocar-se nessa tradição. O esforço de construir uma visão política latino-americana encontra-se com os efeitos da falta de se considerar o papel da colonização, em suas formas antigas e modernas, daí resultando certos tipos de alienação que se desenvolveram historicamente junto com os movimentos de modernização. O desafio da teoria política será, necessariamente, de se sobrepor a essas pressões de modernização alienada que se torna a linguagem, aparentemente consensuada, das elites. A visão histórica em longo prazo é a que trabalha com as inter-relações entre os processos nacionais e permite ver a complexidade das regiões continentais como a América Latina. Neste esforço, como primeira medida, parte-se do reconhecimento da interação entre os processos sociais da vida política e os processos da teoria social, entendendo que esta se explica por sua relação com realidades históricas concretas, refletindo interesses de classe, portanto, com um substrato essencial de ideologia. No campo social e em perspectiva histórica não há lugar para neutralidade axiológica nem para empirismo puro. O trabalho de Emanuel Kant, de construir uma teoria do conhecimento que descarta o empirismo é o primeiro passo seguro na direção de uma ciência social histórica, em que todos processos são específicos e datados. No entanto a filosofia de Kant veio a contribuir para uma filosofia da ciência que se afirma como uma fundamentação das ciências da natureza, correspondendo a uma desqualificação da – ou das – ciências do mundo social. Para seguir as palavras do próprio Kant ele construiu a arquitetura de uma filosofia em cujo centro está uma teoria do conhecimento das ciências da natureza. A ruptura de Hegel com Kant, geralmente apresentada como abrupta, responde por um retorno a aqueles problemas de ontologia dos quais Kant quis se desvencilhar mas que são inevitáveis quando se trabalha nas fundações da teoria

1 Dimensão histórica profunda entendida como aquela que reconhece uma dimensão espaço-temporal anterior à dos processos vigentes, neste caso absorvendo inter-relações das civilizações americanas bem como de influencias indiretas vindas por meio da Europa. De outro modo não seria possível perceber os fundamentos de autoritarismo e religiosidade das camadas populares latino-americanas nem as combinações culturais e as heranças tecnológicas chegadas da civilização árabe-ibérica trazidas por portugueses e espanhóis. Essa profundidade histórica adiante tornar-se-á necessária para recompor o verdadeiro tecido de civilizações americanas repetidamente negado pelos colonizadores, tanto católicos como protestantes. Os recentes progressos alcançados no conhecimento da America foram suficientes para indicar a imensa ignorância que ainda paira sobre este continente.

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social. A teoria social da ciência não pode ser apenas uma derivada de uma ciência da natureza, tal como sairia da visão cartesiana, mas seria um proposta própria como se deduziria das inquietações de Pascal, ou do que emanaria desse retorno de Hegel aos pré- socráticos 2. Ao reconhecer a originalidade do campo social a elaboração de uma teoria política depende de uma teoria social do conhecimento, cujo aparecimento produz uma separação entre a teoria do conhecimento que veio se desenvolvendo desde Kant para sustentar as ciências da natureza e uma teoria genuína do mundo social, que terá que ser, necessariamente uma ontologia. Caminhando em busca de uma fundamentação radical da filosofia, Kant terminou por fornecer o arsenal básico para o que veio a ser a epistemologia da chamada filosofia da ciência. Em vez de que a filosofia da coisa seja um passo no caminho da filosofia da consciência ela se separa do fundamento no processo de conhecer para tomar o conhecimento como coisa, objetividade plena. A preeminência da ontologia sobre uma epistemologia destituída de sujeito pensante é o ponto focal da filosofia de Nicolai Hartmann retomado por Lukács desde seu trabalho sobre a ontologia de Hegel. Essa centralidade da ontologia, reivindicada por Lukács como caminho para descobrir a socialidade do ser ou o ser social como fundamento necessário da vida social, se separa definitivamente da versão de epistemologia que constrói as ciências da natureza a partir de procedimentos descritivos. A teoria social da ciência afirma-se mediante o reconhecimento das especificidades do mundo social em seu desenvolvimento histórico. A vida social implica na formação de uma memória que passa por processos de enriquecimento e de perdas mas que constitui a ligação entre um determinado passado e um possível futuro. as determinações do cotidiano presente provêm de um passado que é apropriado por diferentes grupos sociais dentro do qual se identificam as condições presentes de participação no sistema de relacionamentos do presente. A pessoa é um ser social cuja identidade se forma mediante vida em sociedade. Esse é o fundamento da reivindicação de uma teoria do saber socialmente constituido antes que uma teoria do conhecimento formalmente estruturada. Por isso, as experiências das diversas civilizações constituem um patrimônio cujo acesso é essencial para que se possa ver criticamente o presente. Como diz Hegel, não há processos genéricos, são todos específicos e a especificidade é dada pela história. A vida política é uma síntese de interesses socialmente organizados e o estudo da teoria política envolve uma visão conjunta de processos econômicos, institucionais e culturais em perspectiva histórica. O moderno contracena com o antigo e com o contemporâneo e este contém, subsumidos, elementos de antiguidade e de modernidade. Não se compreende uma teoria política constituída apenas do pensamento de teóricos do tema separado das realidades em que se apoiaram. A teoria política é uma teoria do agir social historicamente determinado englobando relações de conflitos de interesses e movimentos em torno da institucionalidade e da internacionalidade da vida social 3. Em um estudo de teoria política elaborado no Brasil é inevitável considerar as

2 Ver meu ensaio Por uma teoria social da ciência (2012).

3 Nesta colocação há uma referência implícita à obra de Jurgen Habermas que será objeto de atenção neste estudo, principalmente em um contraponto entre algumas de suas obras anteriores, como Conhecimento e interesse (1968) em que predominava sua raiz na Escola de Frankfurt e outras mais recentes, como Direito e democracia (1994) focalizada em problemas de facticidade que o aproximam dos últimos trabalhos de Heidegger..

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peculiaridades históricas da formação do país em sua tripla relação com o mundo europeu dos colonizadores, com a África e com a América Latina. À invasão européia junta-se uma articulação forçada com o mundo indígena e uma posterior incorporação coercitiva de nações africanas. As subseqüentes relações com o mundo americano e com o africano seguiram caminhos divergentes em que a relação conduzida com a África e as relações com os demais países latino-americanos, que foram prejudicadas por rivalidades dirigidas por grupos de poder, só mudaram de modo significativo com os efeitos dos golpes de Estado das décadas de 1950 a 1980. A fragilidade das relações com as nações vizinhas foi sempre um argumento que favoreceu o colonialismo em suas diversas expressões. A condição da formação colonial estabelece vínculos dúplices com o mundo europeu, desde a subordinação inicial ao confronto pela independência e à ambivalência dos relacionamentos entre nações independentes em que os europeus ainda pressupõem algum tipo de predominância que não é reconhecido do outro lado. É uma leitura difícil porque trata de uma teoria elaborada na Europa que, inclusive, passa ao largo da atual potencia hegemônica norte-americana e desconhece as determinações da vida política em outras partes do mundo. O modo como se define um corpo temático dessa teoria indica seu subsolo ideológico: uma teoria geral do Estado que se fundamenta em princípios jurídicos ou uma teoria histórica da política que vê o Estado como processo. Enquanto fazemos o levantamento das teorias elaboradas naquela parte do mundo temos que nos perguntar quais são os problemas genuínos que trazemos a esse debate e quais serão os temas a serem tratados para refletir a problemática da vida política deste lado do mundo. A vida política se desenvolve em diversas dimensões interativas, desde seu principio central na política nacional à política internacional e aos diversos desdobramentos internos da vida política em cada país. Em sua origem o privado e o público se desprendem ( HABERMAS, 1978) mas interagem no interior de espaços nacionais que se formam e em sua dilatação em espaços internacionais. Tensões entre centralismo e descentralização aparecem de diversos modos, desde países como a Espanha, em que o sistema multi-regional se afirma pressionando o poder central até países como a Argentina em que o unitarismo prevaleceu sobre um federalismo poderoso e resistente. Em seu conjunto a vida política se caracteriza por pluralidade, simultaneidade e interdependência entre processos de diferentes âmbitos e que envolvem nações e grupos menores. Assim como as migrações são movimentos países são, também e mais radicalmente, movimentos entre nações, que se realizam localmente, envolvendo números variáveis de pessoas, alterando as somas nacionais gerais. A hipótese de trabalhar uma teoria política que ignora essas tensões significa apenas que se projeta uma teoria do Estado como teoria da sociedade separando o problema geral de poder dos problemas de afirmação interna do Estado. O aumento de importância das organizações internacionais, tanto de empresas como de entidades não lucrativas, mostra a futilidade dessa ortodoxia. Mais ainda, quando se descobrem os laços entre essas entidades e grupos de poder dos países ricos. A teoria da política representa sempre os pontos de vista, a percepção que se tem dos processos políticos desde as nações mais poderosas ou desde as menos poderosas, com olhar de colonizador ou de colonizado. O olhar do colonizador é sempre o da simplificação enquanto o do colonizado favorece sempre a restituição da pluralidade. É oportuno lembrar que as teorias europeias do aparecimento da Revolução Industrial jamais se referem ao fato que ela realmente

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resultou da exploração direta da Índia e da indireta do Brasil. Também que a chamada provisão de matérias primas para a Europa na realidade foi a captação de trabalho explorado na America e na Ásia. O requisito da pluralidade é o modo de representar a complexidade que subjaz nas relações de classe e penetra nas estruturas políticas do Estado. A pluralidade progride junto com a formação de classes sociais e com o aparecimento de frações de classe, tanto do lado do capital como do lado do trabalho. O reconhecimento que há grandes números de pessoas que permanecem em condições de renda precária sem perspectivas de melhora significa que o Estado se relaciona com uma sociedade civil feita com rupturas, com segmentos dominados que não são significativos para a reprodução do capital dos setores capitalizados. A crítica do Estado torna-se um tema obrigatório, considerando-se as diversas formas que ele assume e suas características operativas. Diante da variedade de condições em que se organiza e opera abre-se uma questão relativa à validade de uma teoria geral do Estado como se fosse possível reduzi-lo a uma forma ideal ou da necessidade de uma teoria dos Estados, nacionais e multinacionais. Socialmente, a vida política reflete a desigualdade social específica, com diferentes participações das classes dominante e dominada e dos diversos grupos sociais organizados em processos que se desenvolvem ao longo de uma sucessão de substituições de sistemas de poder. Torna-se impraticável desenvolver uma teoria política que não compreenda a análise do Estado e dos grupos de poder nele representados. A dessacralização do poder estende-se à do Estado cuja impregnação por interesses privados torna-se um traço essencial da sociedade capitalista burguesa. Igualmente é imprescindível registrar a movimentação da vida política desigualmente organizada que aparece sob a denominação geral de movimentos sociais. A teoria política trata com o mundo da realidade, o que faz com que ela seja, essencialmente um trabalho de história que se divide entre a história dos processos sociais em sua essência política e do pensamento desses processos, dentro e fora dos governos. Nessa qualidade deve trabalhar com o fundamento ideológico e com os meios materiais e culturais do agir social em suas dimensões internacional, nacional e nas diversas escalas regionais e locais. Numa visão histórica o alicerce ideológico da vida política parece indiscutível, mas a ideologia tal como a historicidade são categorias fundantes que têm que ser convalidadas repetidamente quando o mundo atual se encontra diante de sua própria historicidade. Nesta perspectiva torna-se completamente inadequado pensar que a teoria política se construa apenas com pensadores modernos, ou que Hobbes tenha sido o pai da concepção de Estado menos ainda que seja aceitável reduzir a análise política a modelos comportamentais. O viver a política ou a vida política constituem o casulo em que se forma a consciência com sua capacidade de rejeitar e de reconstruir. Assim como os problemas fundamentais da Política foram visualizados na antiguidade são objeto de diferentes olhares na época moderna e tornam-se uma referência central na progressão de um pensamento social que repele o colonialismo. Com esta compreensão, este estudo apóia-se em quatro princípios que são os de: [a] ver a produção de teoria como parte da vida política cuja reflexividade denota condições da vida social, [b] analisar as contribuições de pensadores como parte de movimentos sociais em política e não como personalidades isoladas; [c] rever criticamente as contribuições européias e norte-americanas na formação do pensamento teórico,

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tratando como processo civilizacional, com uma crítica histórica do processo e resgatando a perspectiva latino-americana e brasileira 4; [d] elaborar sobre uma leitura latino-americana própria examinando as determinações da política como parte de uma ciência social emancipada. Torna-se necessário revisar criticamente as correntes europeias e norte-americanas de pensamento, distinguindo sua generalidade e sua expressão de processos locais. A deshistorização da teoria é um traço distintivo do positivismo e de suas derivações pragmatistas e funcionalistas que reduz a teoria a uma mecânica de constatação de relações de poder. Uma teoria política historicamente datada constitui um testemunho da reflexividade que permite tratar a atividade política como síntese de ideologia. O estudo da vida política, das práticas e das teorias, torna-se um modo de reconduzir os abandonos e os efeitos das pretensões de superioridade das nações colonizadoras. Não é uma tarefa fácil, dentre outras razões, porque a sobrevivência das nações que foram colonialistas faz com que elas reincidam em práticas e ideologias de estofo colonialista e ainda vêm o mundo como um campo passivo para o exercício de seus interesses. As noções de pluralidade e de complexidade andam juntas nessa leitura de um mundo social em continua transformação. O reconhecimento da pluralidade de experiências e modos de perceber os processos do poder constitui uma referencia inicial necessária que nos conduz a esforço de atualizar o pensamento teórico frente às principais mudanças do mundo da política. Nesse sentido é imperativo atualizar a análise social da política frente à globalização com suas diversas implicações. Trata-se de verificar o papel das mega-empresas, nacionais ou multinacionais que interagem com governos endereçados a operar em função dos interesses do grande capital. Um contexto de consultas e um sistema de órgãos internacionais, desde as Nações Unidas à OTAN o Banco Mundial e o FMI, feitos para representar um acordo de supremacia de algumas nações, derivando regras e acordos que se traduzem em restrições à soberania das nações. Essa rede de instituições articuladas com as nações mais poderosas cria uma teia de referências de políticas econômicas, ambientais e mesmo de direitos humanos que se convertem em pretextos para intervir naqueles casos em que os interesses internacionais se encontram em perigo. A teoria política terá que considerar a combinação das influências dos fatores internos e dos externos e trabalhar com as interações entre eles, para refletir a progressão das condições de complexidade com que os sistemas políticos nacionais têm operado. Por exemplo, não se pode avaliar o significado da obra de Maquiavel, de Hobbes ou de Lenin fora de seu contexto sócio-histórico e segundo eles se situam em um encadeamento de idéias e representam continuidade ou ruptura com outros pensadores. Neste trabalho consideram-se esses três planos da análise do processo político, ao longo dos grandes movimentos de organização social e de renovação de tecnologia. A leitura da teoria se desenvolve em contraste com a dos processos de poder, portanto, atribuindo diferentes significados a propostas de democratização no século XIX ou no século XX. Além disso, para um estudo de Política que se realiza no contexto latino-americano é preciso introduzir uma ressalva no relativo à relação entre Estado e Sociedade Civil para registrar os fundamentos patrimoniais do Estado, que em diversos países continuou a ser

4 Autores como Gonzalez Casanova, Wanderley Guilherme, Octavio Ianni, Francisco Wefford, Gerard Pierre Charles, e vários outros serão considerados, assim como autores historicamente significativos como o Padre Vieira, José Marti e Andrés Bello.

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determinante até a metade do século XX e onde a participação política efetiva, além de restringida pela preeminência dos latifúndios, foi prejudicada pelas ondas de golpes de Estado que, com breves interrupções, assolaram o continente desde o fim da segunda guerra mundial até a década de 1980 5. Torna-se necessário construir uma conceituação latino-americana de Estado, em que o papel de mediação da modernização se cruza com a condição de espaço de luta de classes. No relativo a esses fatores externos que resultam na constituição de um sistema de poder dotado de capacidade de intervenção militar, será necessário considerar a complexidade social e institucional que se move sob a consolidação de Estados nacionais, assim como as interações entre os conflitos de interesse entre Estados nacionais e os fundamentos privados desses mesmos interesses. Em momento algum essa foi uma relação linear unidirecional. Persistem ditaduras explicitas e regimes opressores legalizados. Movimentos de base popular são objeto de manipulações internacionais, tal como agora acontece com os países islâmicos. O termo democracia não necessariamente significa situações de liberdade generalizada, mas apenas ambientes de controle social eficaz que não precisa de uso maciço de força. A relação entre Estado e classes sociais emerge como essencial no perfil da condução cotidiana dos negócios do Estado, no que eles atingem interesses consolidados dos diversos capitais e das diversas configurações dos trabalhadores. Será preciso considerar movimentos ascendentes e descendentes de grupos mais ou menos numerosos e mais ou menos organizados; e as diferenças entre países se definem como distinções entre ambientes de poder. Dessa constatação derivam os conceitos que se utiliza neste estudo de centros de irradiação de poder, espaços nacionais invioláveis, espaços nacionais protegidos e espaços nacionais abertos. Colateralmente, uso os conceitos de circuitos ascendentes de poder e de circuitos descendentes de poder. Os centros de irradiação de poder são nações poderosas e mega empresas multinacionais. Os espaços nacionais invioláveis são aquelas nações que não poderiam ser invadidas por outras. Finalmente, os espaços abertos são aquelas nações que estão expostas a agressões ou intervenções externas. Os circuitos ascendentes de poder são articulações de interesses e de atividades que aproveitam expansões de mercado e resultam em aumento de poder econômico e militar. Os circuitos descendentes de poder são movimentos de perda de poder que são ativados por contradições internas ou pela intervenção de fatores externos e que geram mecanismos de desestruturação dos sistemas políticos. Nesse contexto será necessário rever a posição do fator tempo, tanto no relativo à duração desses movimentos como na distribuição temporal dos cruzamentos e das interseções entre processos sociais. Ao entender que a vida política consiste em processos com diferentes durações e velocidades que se cruzam no plano das práticas e de seus efeitos na funcionalidade das instituições, torna-se necessário situar as formulações teóricas como partes desse processo ao qual afetam pelo modo como são absorvidas pela sociedade. Como fatores essenciais na produção social de poder distinguem-se os processos educativos em seu sentido mais amplo e a mobilização ideológica. Na análise social da atividade política a ideologia ocupa uma posição central e deve ser historicamente situada como mecanismo de afirmação de sistemas políticos. A educação é o meio pelo

5 Ver a A América Latina após 1930:Estado e política, História da América Latina, Leslie Bethell (org.) São Paulo, Edusp, 2009, pp. 25 a 30.

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qual a ideologia pode se concretizar em um agir socialmente significativo e envolve uma mobilização progressiva. No coração da teoria política, portanto, estará uma leitura critica do processo educativo cujo potencial terá que ser apreciado perante tendências atuais de desvalorização da educação e de substituição de seus objetivos de valorização social pelos de produção de mercadorias educativas. Por definição, os problemas fundamentais de emancipação terão que ser contemplados na formação de uma teoria política. Historicamente, a capacidade de irradiar poder depende de um conjunto de fatores, desde o controle de ciência e tecnologia, de comércio e poderio militar, passando pela capacidade de exercer influência no plano cultural. Na inversa, a capacidade de resistir a influencias externas e desenvolver pontos de vista próprios torna-se uma manifestação de poder que altera a composição das relações internacionais em seu conjunto. Formam-se blocos de poder que compreendem associações e controle social e de tecnologias e que derivam modos de reprodução no plano político em paralelo a modos de reprodução no plano econômico. Por isso, a aceleração das inovações de diversos tipos e da socialização do conhecimento tornou mais difícil o prolongamento de posições vantajosas apesar de que algumas nações e cidades têm exercido esse tipo de liderança no desenvolvimento do capitalismo. Portugal predominou de 1450 a 1560, a Espanha de 1571 a 1640, A Holanda de 1640 a 1690, a Inglaterra desde então até 1914. Os Estados Unidos começam sua ascensão imperialista em 1847 com o ataque ao México e ganham impulso na guerra com a Espanha em 1895, que lhes rendeu as Filipinas e com ascendência sobre a Europa desde o final da Primeira Guerra Mundial. A irradiação de influência é o principio geral que leva à formação e à sustentação de impérios, mas há uma questão relativa à concorrência entre nações que bloqueia a difusão de influência. As nações desenvolvem mecanismos de influência sobre outras e também mecanismos ou redes de proteção quando percebem a gravidade da influência de outras sobre sua identidade. Os esforços que envidam para ganhar espaço na esfera mundializada têm um correspondente em seu desempenho interno, não só em distribuição da renda como em definir um modo de progresso econômico que envolva a valorização social das pessoas e a abertura de novas possibilidades para os jovens. A participação popular na vida política na América Latina aumentou rapidamente durante o século XX, desde a Revolução Mexicana, com governos socialmente orientados como os de Battle y Ordónez (Ur.) e de Irigoyen (Ar.) e passando por grandes movimentos populistas como o peronismo e o varguismo e com governos socialistas como o de Arbenz e de Allende e finalmente com a Revolução Cubana. A questão geral da participação popular terá que ser examinada como parte do panorama geral das relações de classe na vida política, com suas diversas variantes em partidos políticos organizados e em movimentos sociais. O problema crônico do oportunismo e sua conseqüência no imediatismo revelam-se como o lado escuro da Lua, a maldição da ideologia negativa que marca a aliança entre os grupos nacionalmente dominantes e as camadas de classe media ansiosas por mudar de posição na estruturação de classes. A leitura da vida política como uma atividade representativa de relações de poder no interior das classes sociais e na relação entre elas e a multidão dos excluídos torna-se um eixo necessário deste estudo. A categoria de relações de classe torna-se essencial na determinação das condições políticas dos processos econômicos nacionais. A teoria política não é uma teoria do Estado mas dos processos sociais que conduzem a

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formação do Estado e suas transformações em interação com a estruturação da sociedade.. Isso não obsta que muitos mecanismos de identidade sejam compartilhados por várias nações, tal como acontece com a manipulação de heranças, tal como acontece com nações americanas com suas respectivas heranças italianas, ou espanholas ou irlandesas. O compartilhamento de heranças coloniais agora se combina com o de experimentar pressões externas de países hegemônicos e de órgãos internacionais. A experiência que se acumula na qualidade de nações independentes ganha novos significados a partir do crescente protagonismo destas nações ascendentes. Nessa condição encontra-se hoje a variedade de movimentos sob a designação geral de indigenismo, que pode ser traduzido como de valorização do componente indígena na formação social dos países latino-americanos, cuja extensão e profundidade aparentemente ainda não foram compreendidas. O equivalente semelhante acontece com o componente de origem africana, que assumiu diferentes modalidades em diversos países, mas que continua representando o principal vetor de exclusão destas sociedades mistas, mediante os consabidos mecanismos de racismo e discriminação econômica. Como o Brasil precisa resolver simultaneamente os problemas de inclusão e valorização social junto com os de superação do subdesenvolvimento, enfrenta dificuldades maiores que outros mas passa a ter como fundamento positivo a gradual superação do racismo e a disposição para enfrentar claramente a complexidade social. A problemática política incorporada nesses grandes mecanismos de inclusão e exclusão continua constituindo o maior desafio para a reconstrução de um discurso socialmente integrado da vida política, que desse modo se distingue da atividade política profissionalizada e daquela derivada de posições estamentais. A vida política é uma atividade que corresponde à totalidade do mundo social cujo estudo deve, necessariamente, reportar-se à formação social em seu conjunto, identificando as diferentes perspectivas das classes sociais e por extensão, reconhecendo os diferentes problemas de identidade derivados deles. A dimensão nacional da vida política tem dado sua principal denominação porém se desenvolve cada vez mais em contraponto com componentes internacionalizados. Ideologias internacionais que ganham características especificas em diferentes países e entidades estamentais internacionais cada vez mais decisivas da vida política em cada pais, tais como são igrejas representando religiões e movimentos políticos ideologicamente internacionais. A fronteira entre o que é realmente nacional e o que é realmente internacional tornou-se cada vez menos nítida e menos relevante. Assim, neste trabalho consideraremos a polaridade entre a reprodução dos processos de subalternidade e a dos movimentos de emancipação nos modos como eles afetam o desenvolvimento social, econômico e político de diferentes nações, distinguindo, essencialmente, entre aquelas que foram colonizadoras e ainda guardam comportamentos colonialistas e aquelas outras que foram colonizadas ou que surgiram da colonização e geram seus próprios mecanismos de desenvolvimento político. Concretamente, focalizamos a atenção nas nações latino-americanas e em particular no Brasil, procurando levantar o correspondente tecido de inter-relações internacionais. Mas não podemos ficar à margem da verdadeira internacionalidade que se tornou irreversivelmente mundial. O mundo está constituido de potencias e blocos em que as principais potencias criam grandes espaços de influência, desigualmente coesos, em que

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suas influências interagem entre eles e com as nações menos poderosas, desenhando um panorama de áreas mais e menos consistentes, mais e menos estabilizadas, em que os movimentos migratórios funcionam como contraponto dos de capital e das áreas de influência militar. Desde a constituição da chamada Trilateral em 1973 e da retomada do poder norte-americano no fim da década de 1970, há um deslocamento profundo dos centros de poder, com a ascensão da China, a recuperação da Rússia, uma clivagem entre os ricos e os não ricos na Europa e a ascensão de países periféricos como o Brasil, a Índia, a Turquia, a União Sul-africana e a Turquia. A supremacia irrestrita norte-americana surgida em 1946 foi substituída por um ambiente plural de supremacia recheado de competição no bloco central, tal como entre a Europa alemã e os Estados Unidos, em que a estagnação crônica do Japão facilita a ascensão da China. A recuperação da Rússia é outro componente desse novo quadro plural. Logicamente é inevitável um novo desenho do poderio delimitado dos Estados Unidos cujos interesses nacionais vêm antes de seus compromissos internacionais. Esta internacionalidade é extremamente complexa porque se irradia em diversos planos e interações com composições de interesses tacitamente frágeis, com movimentos econômicos defensivos que geram efeitos contraditórios, com um inconfundível desgaste das velhas posições nacionais. Especificamente no relativo às nações europeias pode-se considerar que neste começo de século XXI esgotaram-se finalmente os elementos do Tratado de Versalhes, formando-se um sistema de poder baseado em alianças de grande capital com alguns Estados nacionais. A novidade deste pacto é que ele passa a reconhecer a necessidade de controlar o capital financeiro em nome desta razão de Estado internacionalizada.

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1. A abordagem histórica 1.1. Escopo e método Em Política, tal como nos demais campos da ciência social, é preciso enfrentar a questão básica relativa a interação ou separação entre teoria e método. A determinação do método se dá como parte da teoria ou é um campo à parte? O método em Platão está incorporado nos diálogos, enquanto em Aristóteles se cristalizou na combinação da lógica com a pesquisa empírica. Ambos valorizaram as referencias históricas mas Aristóteles incorporou a experiência histórica nos fundamentos até das reflexões da metafísica. Na perspectiva histórica teoria e método são partes do mesmo esforço de reconstrução da realidade e o método responde pelas possibilidades da teoria. Nos tempos modernos há uma separação fundamental entre as abordagens de método que partem da historicidade do objeto e as que vêm a realidade como composta de fatos ou como fenômenos. As duas principais visões de método histórico são as de Hegel e de Marx. O primeiro adota uma dialética por tal entendendo processos movidos por sucessão de contradições determinadas pelas alterações do ser social em sua relação com outros. O segundo coloca a dialética na formação social, entendendo que são as condições concretas das relações sociais que levam à formação das classes sociais e dos interesses. O positivismo torna-se a marca de uma ciência social adaptada ao sistema político e econômico da burguesia. No campo social a escolha de método pré-condiciona as perguntas que podem ser formuladas e as respostas que podem ser obtidas. No relativo a política há um problema incontornável relativo às limitações de generalizações. Se é possível estabelecer o que há de essencial no autoritarismo torna-se impraticável delimitar a variedade de mecanismos mobilizados em diversas versões de autoritarismo, já seja para projetar poder ou para inibir reações. A postura básica de reprimir pode assumir formas simples de repressão violenta ou formas sutis de controle: persuasão ou dissuasão. Um traço característico dos regimes autoritários modernos tem sido um uso racional da violência para fins não racionais de poder que são transmitidos à sociedade mediante estrategias de racionalização. Vai desde o uso sistemático de tortura, hoje assumidos pelas nações lideres do Ocidente junto com a prática de assassinatos seletivos por parte dos governos e divulgados pela midia como procedimentos necessários à guerra contra um terror abstrato que se torna difuso e universalmente presente. Trata-se aqui de um estudo da formação do corpo de pensamento sobre Política, em sua trajetória histórica e em seus principais campos de interesse, em que se contrasta o desenvolvimento da vida política nas diversas sociedades com as contribuições de diversos pensadores. Estas são visitadas por sua relevância na composição desse corpo conceitual, portanto, não necessariamente para vê-las em sua totalidade. Não se trata de doutrinas mas de correntes de pensamento que assumem diferentes formas mas representam um determinado modo de ver a realidade. É preciso reconhecer que há temas e questões básicos que se reconhecem desde a antiguidade e outros que são inerentes à vida moderna. O antigo se lê com um olhar moderno mas o substrato antigo é genuíno e opera com suas próprias regras sob as dobras do moderno, tal como se vê na revitalização de religiões medievais. O recrudescimento de formas de irracionalismo ligadas à fragilidade cultural ou simplesmente à ignorância de grupos economicamente

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poderosos ou pelo menos economicamente significativos constitui um risco civilizacional que tem que ser visto em toda sua abrangência e em seu papel de neutralização ideológica de grande parte da sociedade 6. O pensamento sobre política é uma síntese do agir social concreto, que se manifesta no cotidiano e passa à institucionalização do conhecimento em formas que podem ser reconhecidas como científicas ou simplesmente são derivações de uma atividade reflexiva. A cientificidade do pensamento político é uma questão em aberto. Procura-se rastrear o pensamento político no tempo historicamente denso do movimento civilizacional para identificar seu significado para as diferentes situações sociais que convivem na contemporaneidade. Nessa perspectiva cabe distinguir as correntes de pensamento, as doutrinas dos diversos pensadores e o corpo orgânico de teoria com sua generalidade, suas particularidades e suas contradições. O objetivo deste estudo é levantar o significado das teorias para a realidade social de hoje nas condições de afirmação, negação e desigualdade no Brasil. Não se trata, portanto, de um levantamento exaustivo de doutrinas, mas da busca do que venha a ser essencial para a explicação teórica e de expor a temática demarcatória dos questionamentos necessários no mundo de hoje. Se não há justificativa para condicionar estas pesquisas ao equacionamento que se estabelece nas nações colonialistas tampouco se poderá trabalhar com conceitos e preconceitos de situações passadas. Um desafio fundamental consiste em situar o mundo atual histórico e reconhecer que o campo da política está historicamente determinado. O modo de agir politicamente é parte de uma práxis que por sua vez é parte de uma história social. Não haverá outra razão porque nações supostamente desenvolvidas se aferram a formas políticas arcaicas como a monarquia. Tampouco há uma explicação imediata para o fato de que muitas grandes empresas se aferrem a estruturas familiares de poder. A aparente contradição de que vários dos países europeus tecnologicamente mais avançados continuem ligados a formas institucionais contraditórias com a democracia não oculta o fato de que essa monarquia tenha se tornado funcional aos interesses do capital e realize um papel de mediação entre tradição e controle social. Além disso, como essa monarquia realiza funções reais de articular a esfera econômica com a esfera política, tal como nas relações entre Grã Bretanha, Austrália e Canadá, ela mantém funções reais na preservação de interesses imperiais. O desafio da contemporaneidade põe em tela de juízo a modernização mas não cai na armadilha da dissolução da organicidade que se encontra no campo do pós-modernismo.

6. Uma fonte parte da mídia de massa, pouco isenta em geral, mas neste caso chocante, a revista ISTO É de 30/1/2013 contém uma entrevista com um “pastor”de uma dessas igrejas de massa em que ele informa calmamente que se desloca em avião próprio e já recebeu uma doação de um “fiel” por 2 milhões de reais. Também comentários sobre outros que praticam a mesma indústria da coleta. Tais “igrejas”teriam arrecadado em 2012 o equivalente a metade do orçamento do estado de São Paulo que é cerca de 40% do da União. Os riscos representados por essas “lideranças” não são diferentes dos de qualquer movimento que venha a fundamentar um assalto à razão no sentido mais profundo do pesquisado por Lukács sobre os fundamentos ideológicos do fascismo. Os efeitos embutidos das práticas dessas religiões de simplificação – sem teologia - representam um fomento de um processo de controle negativo da educação e uma prevenção de qualquer atitude emancipatória. Além de leituras simplificadoras de Bíblia, transmitem valores arcaicos e subalternos em relação com um cristianismo reconstruído de modo conveniente à economia dos pastores.

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O contemporâneo se apresenta como o espaço de convivência de processos de diferente abrangência e duração que funcionam como parâmetros de valores e por extensão dos comportamentos que estruturam a vida política. Há uma relativização do pensar burguês que configurou a modernização, ao mesmo tempo que certa condescendência com as contradições do liberalismo conservador europeu e do liberalismo da supremacia militar norte-americana. Assim, a perspectiva histórica mostra a atualidade como um espaço de concomitância de um encontro de processos díspares, entretanto articulados pela lógica da acumulação de capital e pelos movimentos da esfera da política. A duração de cada um desses processos torna-se um dado subsidiário do problema atual. Por exemplo, por quanto tempo a influencia política da grande propriedade terá um peso significativo na formação do bloco de poder hegemônico? A articulação é fornecida pela expansão do capital, que substitui formas anteriores de organização. Processos de produção de alta e de baixa tecnologia coincidem e interagem na composição da produção e na do consumo denotando a complexidade de sociedades desigualmente modernizadas. O mundo da política enfrenta os efeitos dessa modernização desigual que promove alguns circuitos de relações econômicas e bloqueia o desenvolvimento de outros. O mundo contemporâneo compreende uma grande variedade de situações que são parte de diferentes processos históricos desigualmente comparáveis. Isto significa que o estudo da política precisa combinar uma visão histórica dos processos sociais da política com a dos processos do pensamento teórico sobre política. Voltando à questão proposta por Hegel de que a síntese das grandes experiências civilizacionais é um modo de ver o mundo, entende-se que a teoria política é uma síntese da atividade de superestrutura que nessa condição se realimenta constantemente das relações de poder, não podendo ser separada dos fundamentos de relações de classe nos âmbitos nacionais nem se desentender das implicações internacionais de que está impregnada. Mais ainda e seguindo a leitura de Marx essa visão de mundo não pode ser dissociada do modo de agir no mundo‘. Na disjuntiva entre visão histórica e não histórica, factual ou processual, diacrônica ou sincrônica, há uma bifurcação no tratamento da questão do método entre os que se remetem à consistência interna do discurso e os que buscam a validade social do discurso, em que os primeiros buscam consistência formal dos raciocínios e os outros julgam a consistência material. A epistemologia que se desenvolveu desde a obra de Kant construiu o caminho para uma justificativa cientifica do conhecimento do mundo natural, tratando a problemática de uma teoria social da ciência como um desdobramento de uma visão universal do conhecimento. Hegel adiante diria que só o que é universal é real. A busca de uma teoria social da ciência leva de volta a um fundamento conceitual do saber em seu sentido mais amplo e radical, significando a gnoseologia tratada por Nicolai Hartmann ou a ontologia do ser social que leva à linha das contribuições de Hegel até Georg Lukács. As críticas que se formularam a Marx, principalmente pelos primeiros positivistas como Böhm-Bawerk e Menger, apontam a uma suposta separação entre o método e o processo, que é justamente o contrário do que pretenderam Hegel e Marx. Em seu cerne essa questão se coloca hoje nos termos apontados por Mészáros, entre o ponto de vista de uma individualidade isolada, que corresponderia à matriz metodológica do positivismo e da primeira fenomenologia, e o do ser social como resultado em processo

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do devir essencial do meio social. A ciência social se divide entre a determinação do do sujeito social como individuo em contextos sociais históricos e a busca dos contextos sociais desde individuações irredutíveis. De qualquer modo a ciência social não tem como ignorar o ser social. A determinação desse sujeito é a primeira tarefa da ciência social que precisa reconhecer que seu objeto é um sujeito pensante que pensa a própria ciência social a partir de sua experiência. Tal determinação pode ser alcançada de modo positivo ou negativo, segundo a reflexão cientifica se coloca como detentora de uma razão externa aos processos sociais ou portadora de uma razão historicamente formada. A grande dificuldade é que nas sociedades que foram colônias esse ser social se redesenha, se recompõe por meio de sucessivos e variados modos de inclusão e de exclusão, inclusive com mais e maiores articulações internacionais. A noção de determinação negativa, posta em jogo por Hegel, torna-se indispensável para agarrar a polêmica sobre método que não tem como prosseguir enquanto o problema da transformação social for colocado como algo restrito ao lado subdesenvolvido do processo. Porque portanto supor que a materialidade da vida social substitua o peso materializante da consciência? Uma teoria social fundada na ontologia do ser social inevitavelmente se encontra com o núcleo irredutível do próprio mundo social como tal, que está alem da materialidade do ser individual. Ser socialmente gerado e constituído não se reproduz em meios inertes. O ser e o agir são inseparáveis. A teoria política trata de como o agir social que está, necessariamente, determinado pelo trajeto histórico de sua formação. A teoria política precisa de uma teoria do agir social determinado e não só mapeado – como fez Habermas – não se contendo nos parâmetros da análise funcionalista de Talcott Parsons (1967). Dado que será preciso ancorar esse trabalho no contexto social da vida política, será coincidentemente necessário referir a atividade política às condições de desenvolvimento material da sociedade. Assim como a democracia ateniense foi criada por uma sociedade escravista que combinou comércio com produção artesanal e teve seus limites de igualdade na organização militar, tem-se uma democracia moderna baseada em um consumo socialmente organizado e diferenciado em quantidade e qualidade . Inclusão e exclusão econômica passam o plano político onde, entretanto, se registram mecanismos de flexibilidade na base. Hoje a contemporaneidade obriga a tratar com processos de diferente duração e diferentes condições de simultaneidade, que no campo social significa diferentes experiências. O campo do contemporâneo contém a cara atual de processos em curso e a concomitância de pontos de vista determinados por variadas trajetórias de experiência. O mundo do contemporâneo se abre em uma pluralidade aparentemente inesgotável ao mesmo tempo em que revela a unidade histórica do processo de espoliação conduzido pela atualização do bloco histórico de poder com suas conseqüências em violência militar e financeira. A questão de método se estende desde a diferença entre método para produzir teoria e método para usar teoria. Como o objeto de estudo é histórico não se escapa da abordagem progressiva-regressiva defendida por Sartre. Novas leituras da história apresentam novos desafios, tanto para incorporar informações que modificam a visão retrospectiva como para projetar luz sobre motivos e comportamentos. Por exemplo, a visão da história do Brasil é profundamente modificada quando se reconhece que o projeto de expansão portuguesa começou no século XIII com D. Diniz e não no século

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XV com Afonso Henriques. Também que houve um projeto abortado de instalação da monarquia no Brasil depois da declaração de independência, culminando com o primeiro golpe de Estado em 1825. Ainda que os primeiros estudiosos saxões da America Latina como Morley no México e Normano no Brasil eram espiões profissionais a serviço de um projeto de expansão cuja existência foi negada por muito tempo. A prática de usar pesquisadores como Lawrence e Marietta com funções práticas de espionagem não foi incidental nem foi fator menor no desenho de relações de dominação modernizadas. Como disse Myrdal, a modernização foi a linguagem de dominação europeia. Como, portanto, aceitar estruturas teóricas sem sua critica histórica? Em estudos de Política não há lugar para ingenuidade. 1.2. A teoria política em perspectiva histórica A. Encaminhamentos A expressão teoria denota uma reprodução abstrata de alguma realidade. Construções abstratas independentes de realidade são utopias. Como a teoria é sempre uma resposta conceitual a uma experiência, é preciso reconhecer seus fundamentos históricos e o modo como ela é feita, isto é seu método . A teoria política depende de condições de direito, pelo que envolve a positividade do corpo jurídico e sua historicidade. Sobre a base de uma formação que situa as práticas em contextos institucionais, a teoria política é uma síntese de processos que se combinam em contextos nacionais e internacionais. A perspectiva positiva da teoria política deriva do vezo de garantir a positividade do Direito tacitamente supondo que o estudo da Política é assunto do Direito. Claro que se a Política é uma síntese da vida social e o Direito é sua regulamentação a Política sempre será mais ampla que o Direito. Caminhará junto com uma sociologia política e com uma filosofia política. Visão positiva neste caso significa uma opção por um formalismo que coloca a vida política sob a égide da codificação e descarta o papel germinativo das tensões sociais que fazem o dinamismo da atividade politica . Se uma nação é regida por uma constituição inamovível, tratada como tábua da lei certamente faz uma opção por um conservadorismo essencial. Por extensão, é a busca de princípios gerais universalmente válidos que podem contemplar uma ética mas não percebem o processo histórico da formação das éticas. É o contrario de Aristóteles que começou com o estudo comparativo de 165 constituições de cidades e observou as práticas da vida política. Sua expressão o homem é um animal político (Metafísica, IV) refere-se às condições concretas de síntese com que contam homens detentores de experiências especificas. O recurso à experiência é o modo de registrar a pluralidade cultural e de estabelecer barreiras à uniformização conduzida pelos processos de civilização. Ao reconhecer que se trata com diferentes processos de civilização, com variadas situações de comunicação entre eles, torna-se necessário admitir que as condições de comparação entre experiências são também variadas com espaços de difícil comparabilidade. A suposição que os mais diversos países podem ser estudados mediante a comparação de alguns poucos que controlam a renovação tecnológica presume que a maioria dos países nada tem a apresentar como experiência própria. Tal incongruência se revela quando justamente os estudos de história mostram a variedade de condições nas quais alguns princípios gerais tais como os de representação e de legitimidade podem ser aplicados.

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Nos nossos tempos modernos, a rejeição do colonialismo é uma opção pela pluralidade essencial da vida social que se transmite ao mundo da política. Em certas partes do mundo o colonialismo é explícito e encontra modos de influir depois de extinta a forma colonial, que é parte da estratégia seguida por alguns países europeus em relação com nações africanas e sua insistência em prevalecer no Oriente Médio. Há o aparelho institucional do colonialismo e estão suas bases ideológicas que frequentemente se confundem com os interesses de sobrevivência dos países colonialistas. Por exemplo será dificil entender a política da França no norte da África sem saber que a Argélia fornece mais de 40% do gás que a França consome. Em outras partes do mundo o colonialismo assume outras formas, utilizando meios de convencimento tais como programas de intercâmbio, bolsas de estudo etc. As igrejas têm desempenhado um importante papel nesse sentido, transferindo valores e criando laços sutis de subordinação. Em pauta o processo que levou à produção dessas constituições, que permite ultrapassar os limites dos simples estudos comparativos7. Distingue-se a visão das constituições como resultados de processos de trabalho jurídico e as constituições como e enquanto documentos mais ou menos revelados a certos grupos de líderes, que com isso se tornam sapiência supra-históricas tal como se deve supor dos redatores da famosa constituição norte-americana. Mas como se trata da genética do processo social e não de suas formalizações cabe ler as constituições pelo que elas não têm e não contemplam e não pelo contemplam em seu território demarcado. A perspectiva histórica da política enfrenta os problemas derivados da pluralidade das experiências e das condições de recuperação de experiências pelos modos como a vida política desenvolve ou não um espírito critico e permite uma cultura reflexiva da política. O problema concreto de administração da memória social da política e de seu oposto que é a perda sistemática de memória condiciona o modo como se concebem políticas sociais e como elas são realizadas. B. Teoria como polêmica Desde Spinoza no século XVII se reconhece que toda afirmação envolve uma negação. A teoria é uma opção por um conjunto de afirmações mutuamente não contraditórias acerca de um objeto cuja consistência é conhecida que significa a negação de concepções anteriores. Tanto como o objeto é questionado o trabalho da teoria inclui a critica do objeto. No relativo a Política existe a necessidade de esclarecer o significado de termos cuja validade depende de sua consistência histórica. Palavras como Estado, democracia, participação social, correspondem a diferentes significados segundo são usadas como referencia de autoridade ou de contestação e passaram a funcionar como distintivos de rumos de vida política como entre parlamentarismo e presidencialismo, ou eleições diretas e indiretas. A positivização do significado é uma manobra autoritária que excluí a critica do significado, deixando ao poder constituido a capacidade de legitimar um significado. Se entendemos, como Negri (Manter aberto o processo da critica implica em uma visão da

7 Com isto não se pretende desqualificar os estudos comparativos, porém apenas tomá-los criticamente em suas possibilidades e limitações.

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teoria como uma polêmica constante cuja validade surge de uma dialética da conceituação. Se a teoria da política se forma do contraste entre a progressão da vida política e a da conceituação a cristalização dos conceitos equivale à perda de representação da teoria. Pelo contrario, a validade da teoria depende de sua consistência material, isto é, do modo como ela se ajusta ao processo social. A teoria da política enfrenta um movimento contraditório de aumento de complexidade da vida social e diminuição das opções de discordância em cada campo de poder. Sob diferentes formas esse processo se repete nas empresas e nos governos pelo controle dos postos de trabalho. Torna-se mais visível pelo incremento dos grupos médios de renda com acesso a informações e pelo papel desempenhado pela irracionalidade em suas formas extremas de exploração da ignorância e de proliferação de fanatismo. A suposição de um retorno a uma bipolaridade causada pelo fanatismo religioso (VACCA, 1976; MINC, 1982). A separação entre uma vida política regida por racionalidade ou por fanatismo questiona a legitimidade da religião como fonte de uma ética civilizada, pondo de volta o relativo a uma ética capaz de sobrepor a preconceitos. O sentido teleológico da teoria no campo social é inevitável e separa as abordagens que focalizam em relações causais daquelas outras que se limitam a relações por proximidade e mesmo que se apoiam em probabilidades. A qualidade polêmica da teoria surge de sua capacidade de refletir os conflitos de interesse que estão submersos nas fundações institucionais e nas codificações da vida social. A vida política se realiza mediante regras e acordos que são estabelecidos nas esferas de poder e dão lugar à estruturação do governo. A relação fundamental entre poderes executivo, legislativo e judiciário reflete plenamente este problema, começando porque são escolhidos por meio de diferentes condições de representação, ensejando diferentes relações com o poder. A escolha do executivo permite maior manifestação popular a do legislativo também por voto, abre espaços para manifestações de poder econômico e formas de irracionalidade e exploração. Finalmente, o poder judiciário é suprido por um mecanismo de escolha e como um componente de casta, com um poder muito superior a sua escassa representação. De arbitro se torna censor. C. Teoria como superação de dogmas Kant introduziu um tipo de revolução no mundo do pensamento com seu projeto de destruição de dogmas como primeiro passo necessário para toda filosofia social. O desmonte de dogmas não é somente de um dado conjunto de dogmas mas de se contrapor à atitude de se comportar dogmaticamente e de aceitar dogmas. Atinge a religião e a ciência quando esta é conduzida como uma religião e a religião quando esta se reduz a uma incitação e não tem uma teologia. O sentido critico do conhecimento significa simplesmente que ele é constantemente reavaliado. Como, além disso, no campo social as experiências se ampliam constantemente, a perspectiva critica significa uma visão de conjunto dessa totalidade. Esse é o significado de revisão critica promovida pelo grupo de Frankfurt e que alcança seu ponto culminante na Dialética Negativa de Theodor Adorno (1972). O esforço de produzir teoria social é uma atividade essencialmente mundana que desenvolve formulações abstratas da vida social concreta a partir de experiências comparadas. Não há teoria que não tenha um fundamento em uma dada realidade social e toda teoria enfrenta as dificuldades conseqüentes da incorporação de novas

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experiências. Generalizações a priori significam o desconhecimento da base histórica da teoria. Dogmas são verdades reveladas do mundo da religião que contrastam com a liberdade inerente à faculdade da razão. Para progredir a ciência social precisa superar os dogmas que obstruem a prática racional de comparar. No entanto, a ciência social convive com dogmas que sobreviveram de seus antecedentes teológicos, ou que reaparecem junto com uma crise da razão na teoria. Convivemos com dogmas, por isso é preciso registrar sua presença e analisar seu significado. Os dogmas são a negação da ciência porque são afirmações que se colocam acima de dúvidas. São a versão religiosa dos axiomas. A superação de dogmas é o coração da primeira fase do programa de trabalho de Kant, supostamente superado na construção de uma teoria do conhecimento. A partir desse ataque ao dogmatismo Kant estabelece uma filosofia baseada em uma teoria do conhecimento que se autodenomina de critica. Não aceita como verdade o que não se demonstrou. No desenvolvimento dos sistemas políticos do capitalismo o dogmatismo se reproduz mediante várias formas, algumas delas assumidamente não científicas como as religiosas e outras como preceitos trazidos ao debate científico. O dogmatismo voltou como o absolutismo lógico denunciado por Theodor Adorno, que é o modo de excluir quaisquer inferências que não sejam guiadas pela legitimação oficial. O sistema de prestígio da academia internacionalizada e homologado pela mídia funciona como parâmetro, consagrando procedimentos como os da lógica indutiva ou aceitando como verdades verificações estatísticas. Nesse contexto de institucionalização o empirismo torna-se um dogma que rejeita ideologia em nome da formalidade da demonstração. Pode ser válido para cálculo operacional dos satélites mas não para análise do processo político. A mesma reação ao dogma teológico se aplica ao dogma do pragmatismo que se atém ao imediato e ao aspecto prático e reduz ciência a formalismo 8. A teoria social se justifica historicamente como portadora de espírito critico, movendo-se sobre sucessivos momentos de indagação. Ao encontrar a necessidade de refletir as experiências políticas de nações que não foram consideradas na formação do corpo da teoria torna-se evidente ser preciso superar os dogmas que impedem ver essa originalidade. 1.3. A historicidade da teoria Se a teoria é uma resposta da sociedade a problemas que ela enfrenta o estudo da teoria deve ser o do processo histórico de sua formação. A reflexão política é intelectual mas a sabedoria política não é acadêmica o que faz com que a teoria política tenha que ser essencialmente histórica para abranger as condições reais da vida política. A teoria política não pode ser apenas o registro de uma sucessão de manifestações de pontos de vista das elites, mas deve perceber o contexto de conflitos de objetivos determinados por condições de classe. A afirmação de uma perspectiva histórica no tratamento da temática da política já equivale a uma escolha, qual seja, de descartar como imprópria

8 É preciso esclarecer se construir modelos simplificados é fazer ciência. A opção pela simplificação precisa ser justificada. Os critérios de seleção de variáveis dificilmente podem ser aceitos como científicos, já que são arbitrários e os que governam os critérios de simplificação são simples dogmas matemáticos.

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aquela abordagem que se circunscreve ao período desde o fim do século XIX, ou que reduz a questão da teoria política às determinações das nações mais poderosas. O controle político da teoria política se manifesta de modo mais claro entre os anglófonos9 que continuam patrocinando um debate entre liberalismo e conservadorismo em que ambos são burgueses e conservadores. A própria percepção de conservadorismo torna-se um divisor de águas porque reflete valorações que ressaltam aspectos positivos da preservação de critérios e preconceitos das sociedades mais poderosas ou sublinham os conteúdos negativos da dominação em suas diversas formas. Daí a importância de negar a pretensão de determinar como ciência apenas o corpo de conhecimento avalizado pelo conservadorismo moderno. Retomar um olhar avaliativo sobre a antiguidade é o primeiro passo para reconstruir a real pluralidade civilizacional. A visão histórica de hoje provém de uma anterior pluralidade constituída de linhas contínuas e interrompidas, comportando a recuperação de anteriores momentos definitórios dos rumos da vida política. A seguir trata-se de qualificar a modernização que, se entendida como um processo de superação de formas arcaizadas, pode ser situada em termos de diferentes momentos da história. Poder-se-ia falar de modernização da agricultura medieval ou das técnicas navais no século XVII. Em cada um dos principais momentos da modernização houve uma revisão do olhar sobre o passado recente e o remoto. Nessa perspectiva entender-se-á que a modernização é sempre um movimento duplo com novidades e preservações. A modernização surgirá como um objetivo de uma elite ou aparecerá por meio do lazer como nos conta Huizinga10 , em todo caso será uma designação geral para uma complexidade de movimentos muitos dos quais são mutuamente contraditórios. Esta critica hoje se estende a todas as nações colonialistas que finalmente vem a ser toda a Europa ocidental. Se não, que fazem noruegueses e dinamarqueses na OTAN? A composição e o contraste entre a antiguidade e a atualidade leva-nos a tomar a modernização como o conceito chave que permitirá apreciar a progressão da formação da teoria. A antiguidade passa a ser uma categoria que compreende diferentes mundos, cuja elucidação envolve um esforço de revisão dos significados sociais dos lapsos de tempo dos diferentes processos da antiguidade. O poder que escolhe a modernização é o mesmo que decide quais componentes da antiguidade devem ser preservados e quais abandonados. A modernização é um movimento geral que assume diversas formas, compreendendo modificações sociais e técnicas ao longo do tempo, no que incide sobre cultura, instituições, modos de vida, que se desenvolve de modo irregular, com avanços e recuos com a ativação de novos focos de dinamismo e com a criação de áreas de estagnação. Colocar a modernização em perspectiva histórica implica em crítica da própria modernização situando-a como um conjunto de movimentos nem sempre contínuos, que compreendem transferências entre nações com condições sócio-históricas com significados que mudam ao longo do tempo. A crítica da modernização que se formou desde a década de 60 deu lugar à corrente – ou às posições – de pós-modernidade que não constituem uma posição doutrinária fechada mas compreendem várias posições às

9 Ver como representativo o tratamento dado a esse tema na Encyclopaedia Britannica (1978) 10 Alusão a Jan de Huizinga, Homo ludens (1984)

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vezes distantes umas das outras, basicamente não contraditórias entre si como as de Lyotard, Ricoeur, Habermas e vários outros, tendendo a uma espécie de cubismo conceitual. No relativo ao campo da Política verificamos que essa critica da modernização corresponde a uma rejeição de autoritarismo mas que é dúbia no relativo ao poder do Estado e que não apresenta crítica alguma do controle social da economia pelo grande capital. Todo o campo de questionamento do que seja pós-industrial ou pós-moderno entra em contradição quando se trata de estabelecer qual seja o âmago do poder na modernidade. A tese marxista de um fundamento econômico recebe diversas criticas institucionalistas mas não é substituída por nenhuma explicação dos processos de poder que neguem a primazia do interesse econômico. Há realmente dois planos de discurso no campo da teoria política, como aliás sempre houve, em que um cuida da aparência formal dos sistemas enquanto outro trata dos processos que geram sistemas e têm conseqüências na composição social do poder, na escala de nações no ambiente internacional e em ambientes locais. O discurso estruturado sobre o formalismo e a aparência consolidou-se como a representação política dos interesses da burguesia, identificando-se claramente com o liberalismo político norte-americano de autores como John Rawls, Richard Rorty e Samuel Huntington 11. A construção de um discurso teórico da Política sustentando as grandes potencias descreve esse caminho da teoria 12. Um tenta montar modelos de análise e se define por filiação a certos autores dominantes enquanto outro se guia por movimentos objetivos da vida política que se traduzem na identificação de problemas sociais da política. Há uma inconfundível adesão do pensamento conservador aos aspectos formais da Política em que há uma teoria da ação social indeterminada 13, um foco na linguagem e a presunção de que a problemática social se resolve sobre bases individualistas. O caminho contestatório, basicamente socialista, visualiza o processo político como um ambiente de relações conflitivas de classe e entende que a atividade política é muito mais ampla que a teoria da vida política se reproduz continuamente torna-se inevitável que gera institucionalidade ao tempo em que desenvolve novas práticas. A repetição de eleições desenvolve o hábito de votar e se a mídia manipula informações não evita que se formem novos circuitos de informação e as mudanças de hábitos políticos induzem a renovação programática dos partidos políticos. Nenhum deles se coloca contra a proteção do meio ambiente mesmo que pressionem o poder legislativo em ações contra o ambiente. A disputa muda de lugar porque aumentou a população urbana. Esta se

11 O conservadorismo encontrou modos formais de leitura da história como em Samuel Huntington em seu Choque das civilizações(2010) que vê outras manifestações de civilização como obstáculos à expansão da civilização ocidental. 12 A tendência geral ao formalismo constitui uma grande manobra da teoria social que busca legitimação mediante a análise de dados da aparência, por isso que se acolhe ao arsenal da fenomenologia da genética dessa aparência, que implicaria em se separar de sua historicidade. A vida política torna-se um campo de indivíduos separados de seus coletivos. Eleitores separados de partidos políticos e candidatos a cargos públicos separados de ideologias. A crítica de Mészaros sobre esse ponto (MÉSZÁROS,2009) passa por alto a questão básica de separação de políticos e eleitores de quaisquer representações de ideologias, a começar pelos partidos políticos. 13 A teoria genérica da ação social – ao estilo de Talcott Parsons – só é possível enquanto se considera um sujeito social indeterminado, que por sua vez só pode ser concebido em um agir que não é afetado por uma consciência social ativa. Uma teoria do agir social historicamente fundamentada tem que passar de condições genéricas para condições concretas da vida social, portanto, tem que trabalhar com a consciência social e com as condições de estruturação de classes em que se forma a consciência.

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torna o veículo da dominação cultural (KAPLAN, 1985) mesmo quando recorre a símbolos de dissonância dos preceitos básicos da burguesia religiosamente determinada das estruturas de poder europeias. Ecumenismo etc. A observação das mudanças dos participantes torna-se essencial porque a sociedade urbana se transforma e opera mediante renovação de regras e porque diferentes integrantes da sociedade urbana reconhecem de diferentes modos o que não é urbano.

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2. Vida política e teoria política 2.1. Preliminares a. O antigo e o moderno Como as conceituações fundamentais vêem da antiguidade a leitura em retrospectiva do pensamento político na antiguidade é um antecedente necessário da atualidade. A presunção de uma ciência política aparecida depois da Segunda Guerra Mundial é uma arrogância infantil. O esforço de recuperar as principais contribuições das civilizações que nos antecederam é parte da mesma relativização histórica que leva a reler as teorias elaboradas nos Tempos Modernos na Europa na América e na Ásia vendo que sua coincidência no tempo corresponde a diferenças entre processos. No ano 1500 desta era a sociedade azteca funcionava mediante modos de organização política semelhantes aos de Esparta no 400 a.c. Tradicionalmente, trata-se de antiguidade apenas como a escala de tempo da civilização ocidental que significa aquela definida a partir do mundo grego desconhecendo os demais continentes. É um viés da formação cristã que passou por alto a abertura da matriz grega à pluralidade de civilizações e que deixou como herança a tentativa de fusão entre ocidente e oriente. Se a matriz grega forneceu um sentido de unidade à civilização ocidental, junto com ele deu também uma regra de exclusão que desqualifica as demais trajetórias civilizacionais. Ao Ocidente pouco interessa que a China tivesse alcançado modos técnicos e políticos mais avançados porque para o processo ocidental de poder excluir as outras influências era tão importante quanto afirmar a própria. Assim como o salto do discurso em aforismas e poemas aos diálogos representou uma nova relação entre linguagem e teoria a capacidade de perceber a pluralidade mudou com a separação entre teoria e método e com a fundamentação histórica da política realizadas por Aristóteles. Ao distinguir entre formas e modos em política torna-se necessário reconhecer a recorrência de certos modos de organização social do país que reaparecem sob diferentes formas ao longo da história, tais como despotismo esclarecido, monarquia liberal, empresas dinásticas ou ditadura dinástica. Modos de vida política e formas de governo constituem possibilidades e ganham efetividade em diferentes condições da história. Uma referencia necessária é que a vida política surge com a identificação da individualidade que assume as formas de cidadania, interesse privado, em configurações que são contrafações do Estado. Por outro lado, o Estado resume um processo que passa da personificação do absolutismo à representação de coletivos, com variadas condições de representação de interesses das maiorias e das empresas. Formas gerais como a monarquia e a república assumem modos sumamente diferenciados como as monarquias dos países nórdicos e as dos reinos árabes ou as repúblicas pluripartidárias como a brasileira ou as bipartidárias como a norte-americana. Noções como as de república e democracia precisam ser submetidas ao crivo de outras tais como representatividade, controle social, mobilidade, que trazem uma visão realista das condições de vida das pessoas. Democracia é uma condição de vida social e as formas “democráticas”de governo podem ser muito pouco democráticas quando a vida política é objeto de modos sutis de controle que podem parecer democráticos mas são efetivamente autoritários. Os crescentes controles sobre as pessoas justificados por luta

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contra o terrorismo mas legitimando controles sobre imigração e garantias de mercado de trabalho desembocaram em sistemas cada vez mais invasores da vida privada. A presença incontrolada do Estado soma-se a uma presença geralmente aceita de órgãos de direito internacional que também emitem controles sobre as nações, levando na mesma direção de cerceamento da individualidade. O termo democracia aplica-se assim a situações de autoritarismo consentido e a condições de participação controlada das maiorias, por meio de mecanismos seletivos de representação, tal como ocorre no sistema eleitoral estadunidense. b. A vida política A vida política é a realidade histórica da política. Encontram-se aspectos constantes e outros variáveis na vida política desde a antiguidade, que sugerem um pouco de modéstia do olhar moderno sobre o que considera como antigo ou não moderno. A apresentação in corporis de uma teoria política aparece na antiguidade na Grécia arcaica na criação de constituições que funcionaram como regras gerais da vida social e determinaram a forma política de governo. Aí estão as figuras lendárias de Licurgo de Esparta e Solon de Atenas, onde o segundo tem maior clareza de registro 14, mas onde ambos legislaram para organizar a vida política. Para ir aos inícios seria preciso recuar até o Código de Hamurábi da Babilônia, mas procura-se aqui a continuidade do processo social que permite a licença de começar por focalizar na Grécia. Essa postura entra em contradição quando os estudos sobre a Grécia arcaica descobrem suas raízes orientais. Essas constituições respondem a necessidade de uma ordem pública e o aparecimento de mecanismos de poder supra tribais. Essas constituições atribuem ao Estado sistemas de poder, mecanismos de coerção e definem os espaços da individualidade. Como diz Jean Pierre Vernant 15 é preciso pensar no início da Grécia Clássica como final de uma época. A vida política surge com a vida urbana. Na Grécia Clássica destaca-se a reforma de Clistenes e a fundação da democracia ateniense, com a composição de votos distritais, a representação tribal e a constituição de uma república cidadã. Descobre-se uma função da pedagogia como parte do sistema de poder. Górgias identifica a educação com uma formação para a política 16. A abertura de participação na vida política estabelece o coletivo urbano como corpo político atuante, em que o teatro passa a ter o poder de representar no sentido de refletir uma realidade polêmica e contraditória. Os cidadãos passam a se verem no teatro, mas somente os cidadãos. Os demais são chamados, como nos diálogos de Platão, como coadjuvantes. Mas somos convidados a perceber que a abertura é apenas aquela compatível com a continuidade do bloco de poder que assume formas mais participativas ou menos mas que se mantém como referência invariante do sistema. A experiência política grega alcança seu ponto de maior complexidade com a mutação da Atenas clássica em quase império com Péricles, os projetos de república e o experimento de Siracusa pelo governante Heron discípulo de Platão. Desde então,

14 Ver as fontes clássicas de Aristóteles e de Plutarco e Werner Jager. 15 Jean Pierre Vernant, As origens do pensamento grego, 1998. 16 A leitura de Barbara Cassin sobre os sofistas, a análise de Mondolfo e a de Heidegger sobre Parménides e Heráclito modificaram completamente a percepção da relação entre a filosofia arcaica e a da Grécia clássica. A arqueo-antropologia de Jean Pierre Vernant abriu um horizonte sobre a relação entre a organização social e os momentos maiores da filosofia.

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verificam-se contradições entre o discurso democrático e as práticas do poder. A guerra do Peloponeso pôs a nu contradições do sistema de cidades-Estado que não pôde conciliar a expansão territorial com os fundamentos tribais da democracia. Nesse contexto, Demóstenes representa a defesa da democracia e a confederação ática 17 é o grande esforço para transferir a visão democrática para o conflito político central. A experiência grega mostra como a memória social da vida política é construída de modo sistemático e funciona como fator de identidade 18. A construção de uma memória social é o momento em que a individualidade ganha novos conteúdos (MONDOLFO, 1974). A vida política se constrói continuamente que é o que nos diz Demóstenes com sua defesa ativa da democracia como modo de vida e não como forma política. Uma leitura comparativa dos clássicos gregos ajuda a distinguir entre idealização e ideologia. Idealizar um sistema político pode ser um exercício desprendido de qualquer relação com a concretude da vida social. Ideologia será uma contextualização de interesses e cultura que corresponde a um dado conjunto de condições concretas da vida social. 2.2. O pensamento clássico Clássico é sempre uma expressão vaga e contraditória que carrega uma referência a equilíbrio e sugere uma legitimação de classe. Clássica sempre sugere equilíbrio e é a arte que reflete a sensibilidade dos poderosos. Por clássico neste estudo considera-se o produto intelectual da Grécia do século IV A.C. geralmente aceita como o período clássico da Grécia antiga19. Esta escolha leva, basicamente, a Platão e Aristóteles que enfeixam uma visão de elite do problema político, mas também a Anaxágoras e aos Sofistas. A contribuição dos Sofistas, principalmente de Górgias e Protágoras é de suma importancia para a percepção do pensamento político que surge pelo foco na sociedade como material de reflexão e na análise do significado do discurso como e enquanto meio de transmissão de opinião e não só de compreensão 20. Assim, o pensamento clássico não é um corpo doutrinário, mas é um conjunto de tendências concomitantes no século IV, de pensamentos que se desenvolveram desde o século VI e identificam as transformações da elite pensante quando ela reflete o esgotamento do modo político da Cidade Estado. A guerra do Peloponeso revelou a trama complexa de alianças entre gregos e com persas que marcava a incapacidade do mundo grego dividido para reverter a hegemonia persa. Essa reversão viria com Alexandre que representava um principio imperial completamente alheio à democracia.

10. De especial interesse é a obra de Werner Jager, Demóstenes, (Mexico, FCE ) 18 A leitura de Nicole Loraux, A invenção de Atenas mostra o papel das manifestações especiais da vida pública – as orações fúnebres - como fonte de uma memória social. 19 Na prática a Grécia clássica é a do período da decadência, que registra a transição entre o pensar da polis e o que a supera e substitui. 20 Cabe citar os trabalhos de Barbara Cassin Aristóteles e o logos e Sofistica, que representam uma reavaliação dos sofistas, levantando a tese sobre a influencia da sofistica na obra de Aristóteles. Longe da tese tradicional que separa os sofistas dos dois principais clássicos, aqui se exploram suas afinidades. A teoria política de Aristóteles teria que ser vista como questionamento empírico e não como uma teoria restrita ao empirismo.

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Platão. Platão trouxe ao cenário ocidental uma proposta política fundamentada em princípios da vida social, com uma estruturação de classes, como uma grande arquitetura social com suas regras de sustentação e de reprodução. Com Platão há uma total interação entre os processos da educação e a formação da política. A teoria política é a verdadeira teoria social porque se coloca como uma teorização agir social em que se combinam experiências locais e de outros, os estrangeiros dos diálogos. Além disso Platão representa a passagem do discurso aforístico, dos poemas e dos discursos fúnebres para um discurso conceitualmente estruturado e complexo, portador de uma concepção de mundo e de questionamentos ontológicos essenciais. É um salto conceitual abissal porque já apresenta o discurso reflexivo como síntese progressiva de um processo de pensamento. Traz a vida social como ambiente no qual se afirmam a individualidade e a coletividade. Apresenta o fundamento político dos diálogos e a dimensão de subjetividade. Registra uma pluralidade dos sujeitos que corresponde a diferentes funções com o que representa a complexidade política da vida urbana. Representa o significado humanístico da vida da cidade-Estado que surge como cadinho e como limite da vida política. Com Platão se registra a historicidade dos sujeitos políticos que aparecem mediante sua prática no cotidiano. O contraste entre os diálogos desde o Teeteto a As leis e A república registra a diferença entre o processo concreto que produz legislação e a proposta utópica que passa a reger os projetos práticos. Na trajetória do pensamento de Platão distingue-se o projeto socrático de uma moral libertadora e as contradições nos dois diálogos intitulados Alcebíades. A seguir, surge seu projeto de autoritarismo ilustrado em A República, na qual o controle social aparece como atividade legítima do Estado. A diferença entre As leis e a República pode ser tomada como crítica do corpo jurídico e como oposição entre os ideais de justiça e o modo como ela é aplicada. Mas a República é uma proposta de uma sociedade baseada em divisão do trabalho, uma divisão que praticamente separa o trabalho manual do intelectual e que gera uma divisão de classes. Uma sociedade baseada em despotismo esclarecido exercido por uma elite e com discriminação de tipos de cidadãos. Com sua compreensão da pluralidade de pontos de vista inerente à sociedade que se urbaniza Platão representa a grande ruptura entre um pensar iniciado, mesmo quando ateu, e um pensar social mesmo quando religioso. Como mostra Mondolfo 21, o projeto político platônico está assentado em uma relação direta entre o Estado unitário e a multiplicidade dos indivíduos e os coletivos são mais classificações dos indivíduos que seus determinantes. As idéias de Platão sobre política alem disso estão na famosa Carta VII onde liga o uso da dialética com a atividade reflexiva da política (PLATÃO, Obras, Vol. II). O Estado permanece como uma força atrás e acima do cotidiano dos indivíduos, mas depende do exercício da cidadania. Uma originalidade de Platão é a energia da individualidade,m que se reafirma em dialogo com a formação do Estado. Aristóteles. A plena objetividade de Aristóteles faz com que ele seja a fonte irrecusável do pensamento político moderno. Com Aristóteles surge uma visão realista histórica da política como agir social com os planos da individualidade e da coletividade, quando ele separa a ética do mundo das idéias ancorando-a nas condições concretas das relações de poder na sociedade. Há um importante período inicial de platonismo e uma ruptura que passa a definir o eixo entre o plano teorético e o prático. Com Aristóteles surge uma

21 Rodolfo Mondolfo, O pensamento antigo, 2 vols. São Paulo, Mestre Jou, 1973.

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identificação entre razão e política. A atividade política se vê como essencial à vida social e o campo da política é o da atividade que se realiza fora dos limites de vida doméstica. Descobre-se o significado de cooperação em economia, com a diferenciação entre a economia doméstica e a política. Como em tempo nos mostrou Werner Jager só se consegue perceber o significado da obra de Aristóteles quando ela é vista como um movimento que passa de um contraponto entre ciencias da natureza e linguagem para um outro entre a metafísica e a ética. A filosofia de Aristóteles transita da especulação sobre o ser individualidade para o ser social. Quando se diz que o homem é um animal político afirma-se que a qualidade política do discurso corresponde à situação histórica do ser. Tal situação aparece na interação entre as práticas e as instituições. Nesse contexto sua contribuição para a teoria política precisa ser colocada como parte de um desenvolvimento teórico de grande envergadura e não somente como um desdobramento no campo da Política. Em Aristóteles o bom senso funciona como termo médio no uso do poder. Ao separar a razão das sensações Aristóteles estabelece um plano superior de julgamento do agir público, o qual se reconhece como definitório de uma sabedoria da política. A política deve ser tratada com um critério despojado de finalidade imediata, que é científico pelos critérios modernos, mas que está ancorado em uma finalidade última que é tratada na Filosofia Primeira que é a Metafísica. Haverá sempre uma objetivização dos processos de poder mas isso não exclui que o poder seja sempre uma mediação entre o presente e o futuro. A ética estabelece regras que servem para essa relação entre o presente e o futuro. O princípio guia da política é o bem de todos, colocado como uma questão de ética. A ética se liberta do fundamento na Cidade Nação para se tornar um principio universalizante de comportamento, um humanismo para todos 22. A razão proverá uma diferenciação entre civilização e barbárie. A razão não aparece pronta, mas se constrói como diferenciação e como ordenadora. As três éticas constituem um conjunto que substitui a moral do cidadão por uma responsabilidade individual. Assim, a ética surge como um contraponto da individualidade, como uma regra interna para o comportamento em sociedade. Aristóteles questiona o localismo da teoria platônica e exige uma ética universalista que coloca a polaridade entre a responsabilidade individual e a racionalidade do império. Com isso levanta a problemática do eixo entre uma internacionalidade cultural e uma nacionalidade política. Assim, a teoria política em Aristóteles se desenvolve desde sua Retórica e desde a separação entre Lógica e Dialética. Não se trata mais da consistência interna da doutrina mas de sua validade histórica. Substitui-se o Aristóteles fragmentado pela leitura escolástica dispersa de suas diversas obras, por um Aristóteles arauto da substituição do mundo antigo e precursor do pensamento moderno. De qualquer modo, o deslocamento do centro mundial do poder realizado por Alexandre levantou a questão da multinacionalidade, substituindo ideais nacionais por ideais civilizacionais. O império passa a ser um instrumento de

22 A renovação dos estudos sobre Aristóteles começou com o trabalho de Werner Jager que focalizou no processo de trabalho responsável por sua obra. Uma análise penetrante deste aspecto da historicidade do pensamento de Aristóteles encontra-se em Agnes Heller, Aristóteles y el mundo antiguo (1983). Essa autora mostra como a ruptura da ética de Aristóteles com a ética citadina de Platão introduz um fundamento da mundialização estaria no alicerce da proposta de império multinacional de Alexandre. Outros estudos fundamentais são, de Pierre Aubenque, Le probleme de l’étre chez Aristote e o de David Ross intitulado Aristóteles.

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civilização tão legítimo como a cidade-Estado e põe em marcha relações de poder entre indivíduos e autoritarismo, em que há mais mobilidade para estrangeiros mas todos estão submetidos a um poder totalmente centralizado. Desse modo, os trezentos anos do Helenismo forneceram a justificativa da formalização do Império Romano. Visto na perspectiva das linhas de continuidade do pensamento político o helenismo é a chave para o entendimento da individualidade, tal como ela se torna a base para a percepção de relações de classe. A personalização do poder no âmbito do novo e descomunal império funciona como meio condutor de uma experiência que extravasa as possibilidades geopolíticas da Grécia. Não só por seus resultados científicos e técnicos mas por sua ruptura com os preceitos cidadãos de Atenas e por abrir espaço para doutrinas que vão além dos espaços nacionais. 2.3. A expansão macedônica, o helenismo e a multinacionalidade O Helenismo é a influência internacional grega posterior à derrota dos gregos e que se realiza mediante os mecanismos de poder dos macedônios vitoriosos. Mas representa uma mudança importante no que introduz a questão do conhecimento técnico como parte de uma ciência funcional ao poder. A maior parte dos estudos sobre o Helenismo focalizam nos aspectos de ciência pura e nos culturais passando por alto o significado político da biblioteca de Alexandria. Entretanto, precisamos ver o Helenismo como o projeto político macedônico concebido no bojo das conquistas de Alexandre. Esse projeto político surge como antítese do grego, representado por Demóstenes, de modo muito mais importante que o indicado por sua participação política imediata 23. Geralmente vista através das conquistas espetaculares de Alexandre Magno a expansão Macedônica deve ser estudada por seus aspectos culturais, políticos e científicos que transcendem os militares. Em uma leitura reflexiva há razões suficientes para considerar que o império macedônio foi um projeto de poder culturalmente inovador, que constituiu o verdadeiro fecho do mundo antigo. Constituiu um corte irreversível no processo político do mundo ocidental de fato recompondo a ligação original entre os gregos e a Ásia, invertendo o equilíbrio de poder. Ao olhar os aspectos políticos antes que os militares encontra-se que os efeitos indiretos foram muito maiores que os diretos, deixando a dúvida de terem sido percebidos por seus protagonistas. É a caixa de ressonância do pensamento político da Grécia clássica que tinha ficado circunscrito à esfera de influência das cidades. Três fatores decisivos se combinaram no mundo posterior à Grécia clássica já então decadente. Foram eles a expansão militar conduzida por Alexandre (BURN,1978) conduzida por uma visão de império policultural ligando o Ocidente e o Oriente, estendendo a influência cultural que se estendeu diretamente sobre Roma e indiretamente através da expansão muçulmana, com conseqüências com a filosofia e a ciência. O chamado Helenismo tem, portanto, duas acepções em que uma é, essencialmente, uma ética, definida pelos epicúreos (LONG, 1984) e uma teoria da ciência marcada pela aplicação de princípios lógicos por homens como Ptolomeu, Aristarco e Euclides. Em sua maturidade, com Cícero e Marco Aurélio é, essencialmente, uma ética dos limites

23 A biografia de Demóstenes por Werner Jager permite apreciar o significado do discurso no ambiente de uma inviabilidade política.

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do poder. Haverá, portanto, uma contradição essencial entre a finalidade de busca da felicidade por Epicuro – quase um hippy avant la lettre – e a sobriedade dos discursos de Lucrecio, Cícero e Marco Aurélio. O império Macedônico é uma exaltação da internacionalidade sobre uma visão política que se organiza a partir do bloqueio político da Grécia clássica representado pela inviabilização da hegemonia de Atenas. A complexidade da proposta política macedônica ficou por muito tempo ofuscada pelo gênio militar de Alexandre mas sua recuperação é parte de uma leitura histórica inter-civilizacional que tende a modificar a visão em retrospectiva de diversas das lideranças políticas de maior influência como Gengis Khan e Al-Mansur (MALYE, 2009). A personalização do poder no âmbito do novo e descomunal império funciona como meio condutor de uma experiência que extravasa as possibilidades da Grécia. Não só por seus resultados científicos e técnicos mas por sua ruptura com os preceitos cidadãos de Atenas e por abrir espaço para doutrinas que vão além das fronteiras nacionais. Surge de um voluntarismo tipicamente bárbaro que entretanto assume uma linhagem histórica que tampouco era mais a da Grécia Clássica, ignorando o desenvolvimento político da democracia. É uma contradição de Atenas que vai dar lugar ao Helenismo. Hoje cabe reconhecer ao Helenismo uma importância muito maior que a admitida pela então nova tradição do cristianismo. A biblioteca de Alexandria é a referencia de um momento cultural capaz de desenvolver uma nova relação com o passado que, por sua vez, representa um novo valor à individualidade no presente. A legitimação do império como forma política necessária para garantir os espaços de comércio e os interesses econômicos acobertados pela integração política torna-se o fundamento ideológico do império romano e do bizantino, com seqüelas que vêm até a Europa moderna. Hoje, ao reconhecer a importância das conexões entre as grandes formações de poder pela criatividade das contradições da vida política, torna-se necessário rever o significado político do conjunto da expansão Macedônica e do Helenismo que se revela como a grande encruzilhada da formação do conjunto de sistematização política e poder administrativo. Império desde então significa algo diferente de todos seus antecessores. 2.4. Em Roma como os romanos Roma deixou um legado de institucionalidade, engenharia e violência que se desdobra em um grande sistema flexível que incorpora diferentes sociedades, culturas e civilizações e desenvolve uma civilização baseada na substituição do poder agrário pelo mercantil (LEON BLOCH, 1959). Nas três etapas de Roma, reino, república e império, destacam–se a institucionalização do poder no Senado, o principio fundamental de uma lei para todos e um sistema político capaz de absorver novos cidadãos. Ao mesmo tempo um gradual desligamento entre poder econômico e reprodução política. A lei em geral já contempla a desigualdade essencial da sociedade que se move mediante relações de dominação sobre povos vizinhos e que desenvolve um sistema de escravagismo organicamente necessário para substituir trabalho produtivo por esforço militar. A dominação externa corresponde a um sistema de dominação interna necessário para levantar legiões. O poder subentende desigualdade e controles diferenciados sobre diferentes aliados e subjugados. O poder é um atributo do bloco representado pelo Senado. E momentos cruciais como na instalação de Cipião com

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imperium na segunda guerra púnica e na tentativa popular dos Drusos expõe-se uma tensão entre a preservação do sistema de poder e a lógica da sobrevivência que se torna uma contradição nesse sistema. A República descansa sobre um compromisso formal dos cidadãos, que na prática estão subordinados por meio de mecanismos tribais iniciais e de engajamento na máquina militar legitimada pelo Senado. O compromisso da aristocracia com a república corresponde à transição do poder regional em poder nacional. O bem comum invocado por Cícero é o discurso da elite. O perfil de luta política gira em torno do controle da terra, que separa essa elite da maioria. A crise do Império Romano se configura mediante a passagem do poder do controle da terra para o do sistema de comércio e criação de um estrato de comerciantes ricos substituindo a aristocracia rural (LEON BLOCH, 1959). Roma se converte em um grande centro de consumo mas não devolve nada às regiões dominadas. O esgotamento da república corresponde a uma mudança de escala do território dominado e uma concentração militar do poder político. No entanto o poder militar depende dos recursos humanos das colônias e se torna cada vez mais separado de lealdade ao fundamento nacional do império (MONTANELLI, 1974) O distanciamento entre as fontes econômicas do poder e a reprodução da vida política no centro do império gera uma instabilidade que transforma a potência ofensiva em defensiva. A observação de Roma mostra como o estudo da política passa a ter que considerar o fator militar como essencial. O mecanismo de recrutamento nas províncias conquistadas aliviou a pressão de extração de tributos mas não alterou o balanço de poder básico. O fundamento de uma classe mercantil que se aproveitou dos ganhos da expansão do império, levou a uma concentração fundiária que por sua vez gerou desemprego e conflitos sociais . A polarização política gerou instabilidade e fez com que o império dependesse mais de contingentes de povos dominados. A contradição política fundamental teria que ser acompanhada até a decadência do império quando os romanos tinham se tornado minoria. O crescendo da participação das nações incorporadas foi desigual de uma região a outra, mas foi revelador desse outro mecanismo de poder que focalizou em uma visão internacionalista do poder com Sêneca, espanhol de Córdova, e Adriano, imperador, também espanhol. Cipião utilizou coortes espanholas, Augusto teve legiões espanholas 24 e finalmente Adriano, espanhol, chegou a imperador. A naturalidade com que Roma criou outros centros de irradiação de poder como com a criação da Hispalis Itálica por Cipião, que fez dela um centro de irradiação de cultura e carregou essa internacionalidade. O estoicismo ético de Cicero e divulgado por Porfirio seria uma filosofia de anti-poder que tomaria sua forma mais refinada nos Pensamentos de Marco Aurélio. Roma teria que escolher entre preservar o império ou adotar uma visão estóica da vida. Em busca de uma expressão de filosofia política, entretanto parece mais indicado voltar à Guerra das Gálias que contém uma filosofia aplicada do poder que antecipa superando o discurso renascentista de |Maquiavel. Assim, a aridez intelectual de Roma deve ser revista pela avaliação de sua vida política. O essencial, como nos mostrou Leon Bloch, é que as lutas sociais determinadas pela concentração do controle da terra e do capital

24 A cidade de Saragoça foi refundada por Augusto no ano 29 com o nome de Salduba usando para isso uma legião macedônica e outra legião espanhola.

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financeiro primitivo tornaram Roma o centro de um conflito em que a distância entre os ricos e os desempregados alimentaria o populismo de Clodio e de Catilina e criaria a contradição principal do império. As sucessivas tentativas de recuperação desde os Antoninos acusavam a perda ideológica de um sistema cada vez mais dependente do sistema palaciano sem a coesão de suas bases camponeses que tinham alimentado seu aparato militar (CIPOLLA, 1987). 2.5. Bizâncio O Império Bizantino traz uma nova dimensão ao espaço-tempo da política, com um projeto de expansão sobre as bases juridicas de Roma. O fracasso desse projeto deu lugar à helenização e ao subseqüente isolamento do império. A importancia política do Império Bizantino descobre-se com a revelação de sua influencia indireta na Europa mediterrânica em geral e na formação da Rússia. Por obra e arte do catolicismo a experiência do Império Bizantino ficou excluída da formação do pensamento ocidental. Com essa manobra instalou-se o sistema de desqualificar as divergências. No esforço de reconstruir os caminhos da formação da vida política e do pensamento sobre política a experiência do Império Bizantino ficou como uma questão em aberto cujo tratamento requer um cuidado especial. É como uma Tróia gigantesca dos tempos medievais. Com uma vida mais longa que a da própria Roma muda completamente de identidade política surgindo como parte da história antiga, como uma versão “oriental”do Império Romano, tornando-se depois o mais longevo império cristão da Idade Media. Apresenta três aspectos de especial interesse para o estudo da política que são a internacionalidade da vida política, a representatividade da estrutura jurídica em sociedades multinacionais com suas diferenças culturais, o papel da relação entre religiões e Estado compreendendo o uso da religião como mecanismo de poder. A relação ambivalente entre o Estado e a igreja estabeleceu parâmetros que foram de volta copiados pela Igreja Católica com o mesmo significado de uma burocracia que desenvolve uma ideologia do poder. A conversão do Império Romano do Oriente em Império Bizantino tornou Bizâncio protagonista do jogo mundial de poder controlando as relações entre a China e a Europa. Mas inversamente isso significou que Bizâncio polarizou os conflitos continentais das fundações da Europa moderna. Na perspectiva da formação do pensamento político da baixa Idade Media ou “pré moderna” foram os bizantinos de Mauricio a Heráclio e Comneno que fundaram uma via diplomática da política e transformaram a burocracia em instrumento capaz de criar e executar linhas de política. E inevitável pensar que a reconstituição de Bizâncio como Império Bizantino batia de encontro com o expansionismo dos normandos que tinham passado da condição de bárbaros para a de defensores da Cristandade, colocando-se como árbitros do mundo cristão. A longa decadência do Império Bizantino foi definida por sua crise interna causada pela concentração da propriedade rural e pela consequente dependência de mercenários. Se as causas imediatas da queda devem ser atribuídas a tecnologia militar, mas cabe ver causas mediatas na perda de capacidade para se atualizar. O conflito social entre o Estado e a Igreja revela-se essencial nessa última parte. No entanto com seus sucessivos reajustes da atividade política do Império, com suas prefeituras – que significavam

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administrações regionais – o Império Bizantino representou uma experiência política a ser reconhecida como precursora dos sistemas de autonomia diferenciada. Bizâncio tornou-se um enigma gratuito porque o “Ocidente” controlado pela Igreja Católica rompeu com a Ortodoxa e porque a experiência do Império Bizantino seguiu ao contrario dos rumos do mundo latino. Bizâncio representou uma política de expansão imperial multinacional baseada numa centralização do poder que, entretanto, se converteria em contradição entre a sociedade multinacional e o modelo jurídico latino. Tentou reconquistar um espaço determinante mediante sua presença na Itália mas não resistiu às sucessivas pressões dos germanos que a levaram a refluir para suas bases no Mediterrâneo oriental. Bizâncio tornou-se grega e inimiga de suas raízes. Foi abandonada aos ataques de mongóis, persas e finalmente de turcos. Houve razões internas e externas dessa separação que gerou resultados indiretos negativos para a “modernização“ daquele Ocidente inerme. A história da teoria política ocidental praticamente ignora Bizâncio que entretanto foi responsável do código civil e da administração organizada por províncias nos padrões modernos pelo menos no relativo a uma burocracia permanente 25. A possibilidade de manter uma aristocracia permanente dependia de um sistema de grande propriedade rural, contraditório com as necessidades do sistema enfrentado com os persas. No entanto Bizâncio protagonizou a mais longa estratégia defensiva da história – praticamente do fim dos 800 a 1453 – combinando estrategias inter-nacionais com controle de territórios, modificando o balanço de poder em função de controle de territórios. O fundamento territorial da nova política imperial não poderia mais ser conduzido pelas pautas do Império Romano, tendo que reconhecer poderes nacionais que passam a representar o Estado em in status nascendi tal como aconteceu com a intromissão dos visigodos na Península Ibérica onde assumiram a posição de representantes de um Estado pós-romano que de fato era uma ficção. Bizâncio criou mecanismos de auto-preservação em que se destaca a inter-relação entre a burocracia e a representação do poder imperial. A burocracia ganharia um papel historicamente consistente, tornando-se representativa da ideologia do poder, precursora de Richelieu e Mazzarino. Diversos dos artefatos da burocracia moderna tiveram sua origem em Bizâncio, inclusive o desenvolvimento de uma máquina burocrática colateral dos governos. A “administração “ portanto não será mais uma mera adjacência eficientista, como foi no Império Mongol, mas seria um espaço reflexivo de poder capaz de definir rumos para o poder imperial centralizado. A experiência do Império Bizantino teria que ser considerada como de um império multinacional que passa por notáveis deslocamentos em seu eixo cultural – de latino a grego – mas que corporifica uma visão medieval do Mediterrâneo oriental. O exemplo bizantino torna-se referência como precursor dos problemas atuais de adaptabilidade da expressão política à composição social. Não apenas como um capítulo encerrado mas como uma caixa fechada abruptamente antes que seu conteúdo fosse lido e avaliado. A Europa ocidental hoje é o principal exemplo de mudança da base étnica com indiscutíveis conseqüências nas condições de estabilidade e de mudança de sua vida política.

25 Ver Histoire Universelle II, Encyclopédie de la Plêiade,

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3. A formação da modernidade 3.1. A configuração do moderno O conceito de moderno domina o pensamento ocidental porque representa uma afirmação europeia que se separa da pluralidade anterior que configurou a Idade Media e que surgiu gradualmente da superação da absorção dos reinos bárbaros. Moderno reúne vários significados desde a superação do exclusivismo teológico a uma ascensão de interesses materiais e a novos horizontes territoriais. É difícil compreender a modernização da Europa sem a invasão da America. A eclosão de uma cultura leiga dá lugar a uma revalorização de outras expressões culturais. A contragosto a Europa se moderniza mediante a interação com o mundo islâmico antes mesmo que começasse a perceber a vastidão da Ásia. O moderno se moderniza, isto é, os processos de modernização mudam de feição, mudam de canais e criam novas condições de tratar com o que é antigo. Assim como a Igreja medieval criou um Aristóteles quase católico e um Platão parecido com Jesus Cristo, a modernização procurou negar Aristóteles e se apoiou em uma teologia protestante fundada no conservadorismo de culturas locais. Com o imperialismo do capitalismo do século XIX a modernização assumiu características brutais de invasões sistemáticas e de construção de geografia guiada pela produção industrial. É a política da restauração do absolutismo que se torna mediadora da inserção do poder dos grandes capitais. 3.2. O intervalo medieval É consabido que os estudos sobre a Idade Media, principalmente em história e filosofia, derrubaram a visão tradicional que essa fosse um período de trevas e imobilismo 26. Mas traçaram um quadro principalmente local, como se a Idade Media interessasse apenas à Europa ou que as transformações alcançadas pela Europa Ocidental se devessem apenas a fatores internos e não derivassem de suas relações com o mundo islâmico. É uma posição que precisa ser revertida para uma leitura de política em perspectiva histórica. Primeiro, porque a posição vantajosa alcançada pela Europa deveu-se à criatividade dessas nações do mundo islâmico e segundo porque a saída da Idade Media foi alcançada mediante a expansão de mercados na Ásia e na Oceania. A principal razão para a renovação do interesse pela Idade Media é o reconhecimento de sua importância para o mundo de hoje, principalmente no sistema de valores que se reproduz sob a capa de modernidade da sociedade industrial. É um fenômeno essencialmente europeu, em amplas e profundas interações com processos Asiáticos e do Oriente Médio, que se projeta na formação da América. No relativo à formação de uma consciência política distingue-se a fase da Europa invadida por Asiáticos e muçulmanos, em que a afirmação do cristianismo assume um valor político. A afirmação do poder da monarquia é a solução para as limitações do feudalismo. A fase seguinte, de consolidação e expansão, vem acompanhada de criticas internas do exclusivismo da religião dando lugar às heresias e as revoltas de nobres e de camponeses. As novas pesquisas sobre a Idade Media mostram uma grande turbulência

26 Dentre a profusa literatura que reconstrói a complexidade política da Idade Media cabe citar Ian d’Hondt, La alta edad media, (1986)

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da vida política que se canaliza para a elite religiosa aceitando o poder estabelecido de modo equivalente ao que aceitava a servidão. Esse grande período compreende três grandes sub-períodos, abrange uma pluralidade de movimentos, alguns tendendo a formar unidades nacionais e outros traduzindo conflitos etno-culturais 27. No início é uma retração da Europa diante da expansão dos impérios árabe, otomano e mongol e no segundo momento é a montagem da expansão europeia. A Idade Média compreende diversos movimentos de incontestável significado político, desde as invasões asiáticas da Europa às dos nórdicos e dos povos islâmicos, ao retorno dessas invasões nas Cruzadas e até a expansão européia na África e na América. A ulterior valorização ou desvalorização dessas invasões mostra as raízes de uma personalidade política européia que se reconhece como a das nações do oeste da Europa. O colonialismo europeu é uma resposta às limitações de expansão no ambiente europeu e o começo do capitalismo esteve baseado no mecanismos de apropriação de força de trabalho no demais continentes. A invasão da América gerou uma problemática política que acionou o pensamento político, tanto de políticos como Cortez 28como de religiosos como Las Casas. A grande movimentação de povos estranhos na Europa correspondeu a movimentos similares na América do Norte em invasões do México e do Peru. A alternância entre as pressões de grandes invasões e a tendência restritiva do feudalismo na Europa criou uma separação entre os territórios políticos que facilitou o ensimesmamento representado pelo mundo de poderes locais. A Igreja Católica forneceu a única doutrina internacionalista da época, daí resultando que o fator religioso tornou-se determinante na definição de princípios internacionais de poder. Nisso se diferenciou do Islamismo, que na Espanha abrigou opções de convivência entre culturas. A estrutura de poder transferida pelo mundo feudal às monarquias descansa no fundamento divino das monarquias hereditárias e no poder regulador da Igreja, com as correspondentes combinações de interesses e disputas de espaço entre poderosos. Nesse contexto ocupa um lugar especial a constituição da Igreja Católica com o papel da teologia na definição de normas políticas que no fundo constituíram mecanismos de ajuste entre poderes feudais e nacionais. O problema da sacralização do poder na justificativa dos impérios, desde Carlos Magno prosseguiu na definição dos Estados nacionais, desde o primeiro deles que foi Portugal. Em contraponto ao feudalismo surgiu a internacionalidade da visão política da patrística que subordina os Estados nacionais à ordem da Igreja. Desemboca na secularização de uma teoria política religiosa com Tomás de Aquino. Uma referência terá que ser feita a Simon de Montfort e a revolta dos barões que terminou por levar à Magna Carta, não só como contenção do poder de monarquias baseadas na Lei Sálica, como por representar um rompimento com o poder unido e uma primeira secularização do poder. No panorama desigual da Europa, olhando para o potencial de expansão que se formou desde Portugal, torna-se necessário rever as figuras especiais de D. Diniz e Almansur, que direta ou indiretamente, foram essenciais

27 Os poemas épicos clássicos, como El cantar del mio Cid revelam essa complexidade de relacionamentos entre a sociedade feudal organizada e costumes anteriores. Estudos de Menendez Pidal mostraram as modificações nas relações no espaço das aristocracias do sistema feudal dando lugar às sucessivas alianças entre as monarquias e a pequena aristocracia – los hijos de algo – que é o contexto em que surgem as burguesias ibéricas. 28 A revelação que Cortés pretendeu transformar o México em pais independente, que conquistou a Califórnia e mandou navios ao Pacifico lança novas luzes sobre o significado do período dos conquistadores e de sua noção de Estado nacional.

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ao posterior movimento de incorporação da América nos processos do mundo ocidental. Por seu valor de antecipação de processos da modernidade no processo político na península ibérica terão que ser resgatadas do esquecimento a que a teoria elaborada ao norte dos Pirineus relega o mundo ibérico. O conflito entre o feudalismo e o absolutismo aparece em sua extensão e complexidade, com avanços e recuos que se prolongam até bem perto de nós29. Com um olhar sobre a relação entre os processos e as teorias será oportuno considerar uma revisão da conceituação de Idade Média para entender que essa complexidade reencontrada será parte essencial de uma visão crítica da teoria moderna. Nesse sentido será necessário reconsiderar a filosofia de educação representada por Alberto Magno, Roger Bacon, Abelardo e principalmente Nicolás de Cusa como perspectiva de um pensamento intrinsecamente crítico, hoje valioso para uma crítica da filosofia política do capitalismo. Contrariamente à visão comum do período a Idade Média foi um tempo de muitas contestações políticas, que apareceram na forma de dissidências religiosas mas tiveram incontestável significado social com o caso dos Cátaros na França e do Hadjismo no Califado de Damasco. A importância social e política desses movimentos denominados genericamente de heresias foi diminuída pela historia oficial mas seus sinais aparecerão adiante nas contestações ao absolutismo. b. A superação da lógica formal e a ciência A lógica proposicional de Aristóteles é o construto intelectual de maior duração na história do pensamento ocidental e cujo significado principal não foi superado 30. A lógica criada como ciência do pensar, quando separada da metafísica torna-se um mecanismo sem finalidade que pode avaliado apenas em termos de consistência, formal ou material. O significado ontológico da lógica só se tornaria visível desde a obra de Jager e nos estudos de Pierre Aubenque e de Martin Heidegger. Assim, uma leitura em perspectiva histórica da superação da lógica proposicional dá perspectivas muito diferentes daquelas da critica analítica da lógica. Nicolau Copérnico. No plano da ciência Copérnico desencadeia uma revolução no modo de pensar a natureza que se torna um parâmetro para o modo de pensar a sociedade e a política até Kant, com o qual se produz uma teoria do conhecimento para as ciências da natureza que continua formando a base da teoria da ciência 31. O projeto europeu de ciência se define como de uma composição entre autoritarismo e individualismo que se sobrepõe às defesas locais de interesse. Se a ciência é o motor da modernização também traz a lógica da legitimação da exploração como justificativa da busca de eficiência. A revolução copernicana como se veio a chamar no século XX é o reconhecimento de uma objetividade do mundo natural que constitui uma referencia insuperável para o mundo social. Agostinho de Hipona. Na Baixa Idade Média caracterizando as contradições da formalização do cristianismo, Agostinho personifica a fé cristã e uma política secular.

16. Ver os trabalhos de Ferdinand Lot, de Perry Anderson e de Maurice Dobb e Paul Sweezy. 30 Nada mais aristotélico que a ontologia moderna tal como ela aparece nos trabalhos de Heidegger, Gadamer e Lukács, seguindo os grandes aristotélicos do século XIX que são Hegel Marx. 31 O próprio Kant superou esse projeto epistemológico em suas últimas obras, especialmente em Os progressos da metafísica.

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Autor de uma proposta de utopia que exprime os ideais de transcendência da Igreja Católica ainda em formação, que correspondem a um ideário político igualitário precursor de uma igreja humanista. O humanismo de Agostinho questiona o poder temporal do absolutismo e o próprio fundamento do decadente Império Romano. A introspecção em Agostinho não é uma escapatória de responsabilidade senão um modo consciente e responsável de vida pública. O fundamento existencial da teoria social estava inaugurado junto com um sentido de autocrítica que seria reivindicado pelas correntes socialistas séculos mais tarde. Como corolário de sua visão do agir social Agostinho representa a teologização da política que se tornaria uma tendência que só seria efetivamente contraposta por Kant no século XVIII 32. Tomás de Aquino. Na Alta Idade Média Tomás de Aquino segue os passos de Aristóteles – na prática inventando um Aristóteles católico - procurando uma racionalidade para a religião, codificando a teologia católica, inaugurando uma linha de questionamento que passará ao centro da relação entre a teologia católica e sua atividade secular, com sua influência na vida política. A codificação desse poder da Igreja Católica que passará a funcionar como doutrina reguladora de relações entre países. A Summa Teologica dá à Igreja status de imperativo secular. Com ela Tomás de Aquino estabelece uma validade secular para o ditame religioso que se pretende válido perante a lógica secular da política. A Igreja define o pensar, decide que pode ser lido e toma da lógica o arcabouço formal. Martinho Lutero. Com Lutero ressurge a individualidade como fonte de ética, ideologia e política. Não é mais a do cidadão tacitamente privilegiado da Grécia clássica mas é a do homem comum inserido no sistema produtivo. É um discurso do trabalhador independente cuja independência lhe confere um poder de interpretação. A leitura da Bíblia se separa de sua qualidade como documento histórico para tornar-se uma fonte mitologizada de sabedoria e santidade. Passará a ser apropriada como justificativa do projeto saxão de poder. É uma fonte de poder nacional que questiona a internacionalidade da Igreja e valoriza liberdades individuais, gerando ao mesmo tempo a ambivalência entre o poder religioso e o estatal. Legitima a internacionalidade construída pela burguesia ascendente. O recurso à fundamentação da teoria social na palavra escrita da Bíblia equivale a negar os esforços de racionalidade crítica, caindo inevitavelmente em conservadorismo político. É uma nova matriz conservadora defensora do enriquecimento privado fundada nos valores do individualismo. 3.2. Estado e poder político na Renascença. O breve período da Renascença (1453 a 1571), restrito a uma pequena parte da Europa, teve amplos e profundos efeitos na civilização ocidental pela emersão do individualismo, pela absorção de novos padrões científicos e por fundar as doutrinas do Estado moderno, que refletem a visão da burguesia. A Renascença projetou a complexidade dos novos Estados-cidade e promoveu novos intercâmbios entre nações burguesas mais abertas ao progresso e nações feudais. Também foi o momento em que a Europa tomou conhecimento da cultura clássica e modificou seu modo de reconhecer

32 O fundamento teológico na filosofia e na política jamais se excluiu por completo e retorna através de autores que trazem um discurso metafísico rigoroso Heidegger e Jaspers.

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outras civilizações. Não só pelas histórias de Marco Pólo e do Preste João mas e principalmente pelo contato que se desenvolveu através da Espanha. A Renascença foi-nos passada com um olhar europeu simplificador que colocou as transformações do norte da Itália como síntese de um período de que ela foi apenas uma pequena parte. Em uma leitura social em perspectiva histórica a Renascença é o início da implantação de um sistema de acumulação de capital montado na expansão da base do mercado cujo fulcro foi a expansão portuguesa intercontinental. Esta foi alcançada mediante um movimento duplo de subordinação da força de trabalho na Europa e subjugação de nações em outros continentes, construindo o colonialismo mundializado. Foi um período de intensa afirmação da individualidade, mas sem dúvida costuma haver uma grave simplificação da complexidade daquele período que foi o momento de uma combinação de processos políticos simplificados pela visão européia. Na perspectiva da vida política o século XVI foi o tempo da Renascença italiana, da expansão portuguesa e espanhola, da expansão otomana e do aparecimento de cismas religiosos decisivos. Assim como não pode ser reduzido à Renascença italiana tampouco pode ser definido por um tipo de pensamento político. A apologia do estadismo objetivo de Maquiavel contrasta com as éticas protestantes. A pluralidade revela contradições entre a construção de impérios e a ética da guerra. O endosso oficial da pirataria pela coroa inglesa alterna com a visão burguesa do norte da Itália. O corso tolerado dos franceses desempenha o mesmo papel abrindo frentes para o colonialismo e pilhando colônias. A disputa de colônias teve um papel especial. A ilha de Trinidad foi tomada e retomada 32 vezes ficando finalmente sob domínio britânico que trouxe colonos indianos aos quais deu aqueles direitos de propriedade de terras negados aos africanos. A Guiana também foi palco desses manejos raciais, deixando para trás um histórico de repressão a movimentos de independencia e racismo negro e indiano (VIOTTI DA COSTA, 2005). Com todos esses elementos, a Renascença é um período de transição entre um movimento desenvolvido na terceira parte da Idade Média e o inicio da modernidade, que deve ser tomado como um processo regional, com um movimento principalmente cultural e artístico nas cidades-Estado do norte da Itália, alguns sinais significativos na Holanda e uma produção literária e filosófica na Inglaterra. Na França a Renascença é o período de um poderoso pensamento social e político e com forte expressão literária: Montaigne, Rabelais, Ronsard. Também é o momento do pensamento político de Jean Bodin com sua visão de poder centralizador da monarquia. Ressaltam alguns aspectos desse período. Há um correspondente inglês da Renascença que entretanto não alcançou a complexidade do europeu, mas que ficou definido pelas presenças de Francis Bacon, William Shakespeare e John Donne, que marca um estilo de pensar na tradição nominalista de William of Okham e vem a ser um estilo de filosofia que se prolonga a John Locke e David Hume, sempre optando por uma lógica indutiva e pela tendência ao empirismo. As diferentes versões da Renascença compreenderam composições entre filosofia, método e teoria social por onde se identificam diferentes fundamentos de uma teoria política. Em uma revisão sumária dos principais traços atribuídos à Renascença citam-se os seguintes. a. Há um confronto entre cidades e impérios e não dois processos por separado. A expansão dos mercados que foi acionada pela revolução agrícola deu lugar a uma expansão do mercantilismo na própria Europa, que sustentou o enriquecimento das

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cidades do norte da Itália, dos Países Baixos e da Catalunha, sinalizando como as soluções políticas respondiam a condições concretas de mercado. A disputa pelo controle da expansão do mercado mundial ficou com as cidades poderosas até a metade do século XV e passou para Portugal desde então. Como diz Bethell 33, o descobrimento da América e da passagem para a Índia foi uma completa revolução do mercado mundial que passou o poder para os novos estados nacionais. [i] Cidades-Estado: Florença, Gênova, Barcelona, determinando um confronto entre poder de famílias de mercadores e de aristocracia; [ii] Federações: a Liga, a Hansa; [c] os impérios de Barbarossa e finalmente dos Habsburgo. A objetividade da teoria política é a linguagem da burguesia e das novas alianças entre monarcas e burgueses contra a aristocracia de base rural. b. A secularização do conhecimento é uma parte importante do processo ocidental de civilização que tem pontos altos em Copérnico, Erasmo, Montaigne, Descartes. Junto com a secularização vem a opção pela racionalidade, pela independência de critérios e por um método cientifico. O movimento que se viu como Iluminismo no século XVIII tem suas raízes no século XVI e mesmo no século XV com Copérnico e Nicolas de Cusa. Surge uma cisão entre as visões do mundo social que valorizam eventos isolados e as que tratam de condições e situações necessárias. A que vai tratar de fenômenos e a que vai estudar processos sociais. A identificação de religião com atraso é parte essencial do progresso da ciência, que no século XX voltou a enfrentar variantes de religiosidade que constituem opções declaradas de irracionalidade. O século XVII na Europa é um período povoado de diversas crises, mas em que é preciso apontar às mudanças que começam no modo de pensar 34. É uma era das sublevações que se estendem mostrando as identidades até então abafadas pelo feudalismo e que dá lugar à lógica da repressão. Por isso mesmo é um período de repressão oficializada por um sistema de poderes extra nacionais basicamente articulados por religiões. Repressão católica contra protestantes e violência protestante contra católicos. O fortalecimento de economias locais em torno de cidades integradas em redes de comércio determina uma internacionalidade conduzida pelo capital mercantil e inicia um sistema de poder que desafia o feudalismo 35. As forças religiosas do autoritarismo, tanto a Inquisição 36 como o calvinismo, identificaram o poder do Estado com o autoritarismo político. Os efeitos diferenciados da doutrina do poder imperial espanhol se confrontam com as bases nacionais dos Estados protestantes dando lugar à chamada Contra Reforma que se coloca como uma depuração secular da Igreja Católica, mas que funciona como alavanca dos interesses financeiros incorporados nos Estados em ascensão nas margens do Mar do Norte.

33 Leslie Bethell, História da América Latina, vol. VII, introdução. 34 No relativo ao século XVII ver especialmente Pierre Chaunu, A civilização da Europa clássica,(1987) que penetra nas inter-relações entre os movimentos de políticos e os do cotidiano econômico. 35 Ver Ian D’Hondt, Henri Pirenne e principalmente Fernand Braudel. Na composição de interesses econômicos e políticos que suplantaram o feudalismo há um fundamento no controle de territórios, com a expansão de interesses europeus na África e na America. A expansão do mercado europeu é inseparável das conquistas da Índia, da Oceania e da America. 36 A Inquisição terá processado umas 30.000 pessoas em Portugal e número maior na Espanha, criando um ambiente de terror crônico, modificando inclusive os hábitos alimentares.

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Maquiavel e os princípios da prática política como filosofia do poder. Maquiavel ficou consagrado como o pensador da objetividade e do egoísmo que traz uma visão burguesa ao poder. Parece ser a política do possível mas contém uma justificativa do uso egoísta da força, com uma razão de Estado que na realidade é a representação dos interesses do príncipe . Com ele surge uma teorização do poder do Estado enquanto tal encarnado na figura de um príncipe desnudando o fato de que a política é uma luta pelo poder. Sem dúvida ele também representa uma tentativa de convalidar uma recuperação do poder na Itália sobre o Império Romano, apesar das imensas diferenças 37. O fundamental aqui é o raciocínio da objetividade, que se desfaz do que seria uma moral aristocrática inibida pela irracionalidade dos privilégios 38. Mas o príncipe é a personificação da prática do poder antes que da encarnação de uma representação. É a apresentação de uma objetividade que se torna a essência do pensamento político. A figura do príncipe aparece como síntese do poder. Esse príncipe sequer é nobre, vem de um poder papal objetável e não se sustenta tampouco como representante da burguesia ascendente. Objetividade e negação da ética altruísta. A praticidade do uso do poder e a anulação de princípios teleológicos do agir social. A eficiência do poder como moral pública. Eficiência como virtú. O realismo do poder é colocado acima da ética da cidadania. É um convite a uma ética negativa que justifica a violência em nome do Estado. Maquiavel volta a ser invocado como autor fundamental de uma ciência política realista. Com essas referencias na realidade Francisco I da França é mais representativo como príncipe renascentista que Cesare Borgia, inclusive por suas iniciativas inovadoras. No século XVI destaca-se o problema de operacionalização do poder que encontra alguns dos seus principais monarcas em Henrique IV (Fr.) e Henrique VIII (Ing.) que visaram promover atividades de trabalho especializado e criar condições de administração financeira adequada ao desenvolvimento da capacidade produtiva. É o momento do aparecimento dos Mercantilistas, entrevendo um Estado nacional apoiado no enriquecimento da burguesia mercantil. A Renascença é um período de grande fertilidade do pensamento político e não se poderiam ignorar as contribuições de Petrarca, Dante, Montaigne e Erasmo. A valorização de uma moral depurada, mas consciente das condicionantes do poder no cotidiano torna-se um ponto que a teoria

37 O apelo à recuperação do prestigio do Império Romano reapareceu varias vezes, culminando com o projeto do fascismo de Mussolini. O império norte-americano também procurou essa validação inclusive construindo seus prédios do Congresso com evidente apelo romano. 38 A visão aristocrática significa simplesmente a da reprodução do sistema de privilégios pelos quais o poder fica restrito à relação entre o monarca e os nobres. O poder criado pela expansão do mercado dá lugar a uma sociedade de comerciantes, com diferentes funções e graus de capitalização, que atuam nas esferas locais de mercado e nas inter-relações entre elas, finalmente chegando à formação de nova classe de poderosos como foram os Sforza, Visconti e Medicis e como os Függer banqueiros. O desafio do poder da aristocracia significou uma disputa entre a visão de Estado monárquico de Jean Bodin e a de governantes sustentados pelo poder financeiro. O poder colegiado na República de Veneza já foi uma situação intermediaria com a originalidade de não ter nobres de espécie alguma. A contradição entre o poder do absolutismo e o da aristocracia surgiu primeiro na Espanha pelo controle de Felipe II sobre os “grandes” e depois na França com a Fronda no século XVII. Essa perda de poder da aristocracia liberou os monarcas para suas aventuras militares, resultando no declínio abrupto da Espanha em 1640 e no de Luiz XIV entre 1704 e 1709. O poder dos monarcas para embarcar em despesas fastuosas e com a construção de castelos torna-se contraditório com os compromissos nacionais Cabe centrar esta análise na continuidade da expansão do mercado levada por incorporação de tecnologia e financiamento, que adiante se junta com a expansão causada pela invasão da America.

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política tem que considerar desde então. O poder se constrói no cotidiano e não em alguns poucos momentos heróicos. A visão prática dos processos de poder corresponde a formas coletivas que vão desde a formação de parlamentos até a complexa organização da pirataria. A composição entre o que os saxões reconhecem como apenas unlawful e o que admitem como unlegal tem um significado cultural que vai além da tradução e denota a existência de um campo tolerado de atividade acobertado pelo sistema legal e que se aplica principalmente nas relações com outras nações. 3.3. As políticas coloniais 3.3.1. Colonialismo e colonização É preciso distinguir as políticas coloniais surgidas com a ascensão do capital mercantil na Europa no século XV, as políticas coloniais da expansão dos países-do-Mar-do-Norte, as políticas coloniais do imperialismo do século XIX, as do autoritarismo da primeira metade do século XX e as que surgiram dos resultados da Segunda Guerra Mundial. Paralelamente aos movimentos colonialistas dos países da Europa ocidental colocam-se os dos Estados Unidos da America do Norte e da Rússia. O colonialismo sempre foi um movimento de controle de força de trabalho mediante controle de território e sempre utilizou mecanismos ideológicos de apoio, a Igreja Católica na primeira etapa, o protestantismo na segunda, as ideologias da modernização nas etapas subseqüentes. Os últimos movimentos colonialistas passaram a invocar as virtudes da democracia, logicamente representada por regimes postos e sustentados por eles. É sintomático que a teoria política oficializada, produzida pelos próprios países colonialistas, ocupa-se mais de princípios e formas que de processos históricos e não tenha o colonialismo em sua agenda. Como se a teoria política tivesse surgido em um aquário ou numa estufa. No entanto, o colonialismo é a grande força motriz da construção dos sistemas políticos modernos desde Portugal até os Estados Unidos. A não consideração do colonialismo pela teoria política, inclusive em suas formas de hoje, constitui uma opção relativa a reconhecer a dominação internacional como um direito das nações mais poderosas. O caso mais flagrante é a teoria política norte-americana que se coloca como centro de um liberalismo ahistórico. O movimento colonialista foi iniciado por Portugal e logo seguido pela Espanha mas que foram seguidos por franceses e holandeses ainda no século XVI 39. O colonialismo evolui junto com a tecnologia da empresa que assume formas despersonalizadas de gestão apesar de continuar usando as vantagens da sucessão dinástica. O colonialismo ibérico é determinante na formação sócio-política do mundo latino-americano. Associado à expansão do capital mercantil realizou-se mediante diferentes formas desde o projeto estatal português ao privado e feudal espanhol que se valeu de conquistas pessoais, ao holandês que assumiu a forma de empresa e ao inglês que combinou todas essas formas com a pirataria. Esse colonialismo surgido no fim da Idade Media tornou-se o grande motor do desenvolvimento da economia europeia, realizando-se segundo diferentes modelos de organização política e de tecnologias da produção e dos transportes. O colonialismo desenvolveu um novo sistema de produção,

39 Não se pode esquecer que os huguenotes franceses foram os primeiros a pretender criar nações independentes na America do Sul no Maranhão e no Rio de Janeiro.

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incorporou vastas populações e criou novos espaços de mercado, ao tempo em que desenvolveu novos sistemas de governo e condicionou a prática e a teoria políticas na Europa. Tudo isso à custa de enormes sacrifícios humanos em milhões de índios e de africanos. É o maior holocausto montado pelas nações ocidentais, relativamente maior que todos os desastres humanos da Segunda Guerra Mundial. Para decodificar os processos políticos da América é necessária uma visão retrospectiva do processo da colonização com sua composição inicial de forças e com os movimentos conflitivos que ela determinou nas diversas regiões do mundo onde atuou. Desde seus inícios a colonização na América manipulou conflitos entre os índios e utilizou índios como forças auxiliares. Nesse sentido distinguem-se os fundamentos medievais tal como eles se deram na península ibérica, os desenvolvimentos, tal como eles foram induzidos por conflitos entre as nações europeias e por suas relações com as transformações políticas do Oriente Médio e da Ásia Menor. É o processo da decadência do Império Bizantino e não apenas a queda de Constantinopla, que modifica as condições de comunicação e as opções das nações do oeste da Europa. Não se pode esquecer que no século XIV a nação mais poderosa era a Pérsia, no século seguinte foi a Turquia Seljuc e no século XVII foi a China. O colonialismo europeu desde a expansão portuguesa quis se colocar como iniciativa de uma nação mais poderosa mas era apenas mais poderosa no local do conflito com nações que eram menos poderosas. Hoje é preciso ver este colonialismo como a política central do expansionismo que captou os recursos para o desenvolvimento do capital mercantil que resultou na industrialização. Esse movimento de poder baseou-se essencialmente no controle maciço de força de trabalho que se realizou mediante a escravização comercializada e a exploração sistemática das populações indígenas. Este estudo focaliza na relação entre os processos do colonialismo e os da colonização segundo eles incidiram sobre a América Latina e especialmente sobre o Brasil. Ao reconhecer o aumento de complexidade das colônias com suas cidades chave, tornou-se necessário admitir que os processos da colonização mudam de fulcro tornando-se cada vez mais determinados pelos eventos da próprias colônias. Consideram-se as diferenças essenciais entre os dois e com seus diversos resultados na configuração política original da America Latina. Apesar que a colonização francesa chegou na América logo depois dos portugueses quem conduziu o processo de formação nacional foram os portugueses. 3.3.2. O colonialismo português Para uma fundamentação histórica de um pensamento político brasileiro é indispensável reconhecer o projeto político português e entender seu papel na origem do colonialismo do capital mercantil europeu. O colonialismo português foi inovador em todos aspectos, primeiro por ter sido um projeto nacional conduzido por uma longa lista de governantes, com notável persistência. Segundo, por ter desenvolvido uma complexa tecnologia administrativa. Seu fracasso, principalmente devido a escassez de recursos foi conseqüência inevitável do desenvolvimento do sistema colonial no mundo inteiro.

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A expansão portuguesa, concebida desde o século XIV por D. Diniz 40 e iniciada por ele com o plantio de árvores para madeira e a contratação do almirante genovês Pessagna, e adiante continuada no século XV pelos reis da Casa de Aviz, é o primeiro movimento para um império global e certamente o fundador da globalização. Distingue-se de todos os outros movimentos posteriores por ter sido longamente planejado, pela continuidade com que foi realizado e por ser um projeto claramente estatal. Começa como um projeto do sistema feudal e como parte do conflito essencial com Castela mas revela uma estratégia continental, primeiro com a tentativa de se estabelecer no Marrocos em Ceuta e depois com a ocupação das ilhas do Atlântico e o estabelecimento de uma série de feitorias ao longo da costa da África até atingir o golfo da Guiné (MAURO, 1990). Destaca-se o trabalho sistemático de adaptação de espécies vegetais e animais e a visão de um império baseado em poder naval. O colonialismo português desenvolveu um sistema administrativo que viria a ser copiado pelo Império Britânico em sua ascensão. Teve um caráter eminentemente prático e alcançou liderança mundial até 1560 apesar que ainda no século XVII enfrentou uma guerra com a Holanda classificada por Charles Boxer como a primeira guerra mundial. Já em sua decadência experimentou uma importante tentativa de recuperação com o Marques de Pombal. Em síntese Portugal lançou um sistema de colonização de escala mundial em que o Brasil ganhou importância tornando-se economicamente mais importante que a metrópole desde meados do século XVIII. No império português observa-se o contraste entre o sentido eminentemente mercantil de sua organização e a deliberação em criar um novo sistema produtivo nas colônias. Mas esse sistema não se adaptou às necessidades de descentralização, pelo que o sistema político tornou-se um obstáculo ao próprio projeto de modernização de que necessitava. Observa-se que a principal tentativa de recuperação do poderio português tentou alcançar resultados de modernização mediante um modelo de autoritarismo e centralização que era contraditório com os objetivos da modernização do capital mercantil. A derrota portuguesa na Ásia teve sua pior inflexão na perda da Índia que se tornou uma contradição fatal, dada sua aliança compulsória com a Inglaterra induzida sua permanente tensão com a Espanha. O controle do Brasil foi fundamental para a sobrevida do Império depois dessas derrotas, quando o Marquês de Pombal tentou uma recuperação “colbertista” da economia portuguesa. Portugal saiu diminuído de sua guerra com a Holanda (BOXER, 2006) e privado da Índia pela Inglaterra. Sua rigidez política, sua dificuldade para se adaptar ao novo quadro mundial formaram o desafio encontrado por Pombal, que entretanto tentou resolvê-lo pela via do autoritarismo. O fracasso de Pombal é o fim político de Portugal império. No entanto e por meio do desenvolvimento do Brasil Colonial, Portugal acalentou tentativas de recomposição até a frustrada conversão do Brasil em sede do império com o Príncipe Regente D. João transformado em rei. No período da transferência da Casa Real para o Brasil tomou várias iniciativas no sentido de uma recomposição americana do império com a conquista da região do Rio da Prata e a tomada da Guiana Francesa. Esse novo projeto imperial, que foi abortado pela guerra de independencia, seria o fundamento de uma corrente ideológica que sempre veria o Brasil como herdeiro do império que, por essa razão deveria preservar. Há uma complexa transformação do projeto nacional de poder entre os dois momentos do Império Brasileiro cabendo

40 A figura de um rei poeta distingue-se em um ambiente de reis e nobres analfabetos.

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admitir que o projeto nacional Brasil se identifica e estabelece no segundo Império, isto é, em 1850. Em sua prolongada decadência o colonialismo português tinha se revelado um indiscutível fator de atraso para o Brasil, que foi colocado diante de relações com outras ex-colônias portuguesas, revelando seu próprio racismo 41. A saída conservadora com José Bonifácio preterindo uma saída liberal com Gonçalves Ledo significava que o Império Brasileiro seria um projeto de poder dos grandes proprietários rurais, oscilando em torno das condições de mercado com que eles trabalhavam. Assim, é a prosperidade da produção canavieira no vale do Rio Paraíba que passa a sustentar a arrogância de produtores escravistas transformados em barões e homens de bem. 3.3.3. O colonialismo espanhol O colonialismo espanhol surgiu sob o impulso da Reconquista e aproveitando-se da disponibilidade de militares desempregados em um ambiente de aventureirismo que coincidia com a continuidade de guerras na Europa. A invasão da Itália foi a preparação dos conquistadores da América. A coroa espanhola aproveitou as iniciativas de homens formados no espírito de depredação e saque que já tinham posto em prática na Itália e que se dispuseram a conquistar na America. Há um primeiro período ocupado por conquistadores verdadeiros soldados da fortuna e outro período de administradores, quando a Coroa se apropriou das conquistas. A maior parte do massacre foi realizado na etapa dos conquistadores mas as práticas de exploração radical dos indígenas continuaram até depois da independencia, desde o México até o Chile. Também se distingue um primeiro período em que a administração colonial foi conduzida com normas de controle político pela Casa de Habsburgo e um segundo período em que a Casa de Bourbon liberou a exploração para todas as regiões da Espanha 42. A conquista foi realizada por aventureiros que seguiram pistas esparsas de navegantes, em busca de grandes riquezas em metais preciosos. Seguindo as pistas de Colombo que inaugurou esse comportamento depredatório nas ilhas do Caribe, partiram de Cuba em expedições de conquista, sempre com a justificativa religiosa mas baseados em saque. A violência sem precedentes da conquista definiu um modelo de sistema colonial que chegaria ao seu limite com a tomada das Filipinas 43. Na America os conquistadores se

41 Ver de Alberto da Costa e Silva, Um rio chamado Altlântico, (2002) 42 Observa-se que no período dos Habsburgos as licenças a espanhóis para migrarem para a America estavam restritas a castelhanos e extremenho assim como havia normas de tratamento dos indígenas. Tais normas vieram com os administradores, quando a maior parte do massacre já tinha sido realizada. Com os Bourbon essas restrições desapareceram e bascos, catalães e galegos passaram a poder migrar, assim como ciganos. 43 Eric Wolf (Pueblos de mesoamerica, 1972) inclui uma estimativa de que cerca de 10 milhões de pessoas pereceram entre o México e a America Central nos primeiros 100 anos da colônia. Cifras como essas somadas ao morticínio nas nações andinas e no Caribe certamente apontam ao maior holocausto jamais registrado pela humanidade. Essas estimativas terão que ser completadas com outras que dêm conta da brutalidade do sistema colonial em toda Mesoamérica, que só foi superado em boa parte no México pela Revolução Mexicana mas que prosseguiu com a repressão aos indígenas praticamente até hoje na America Central. O recente movimento Zapatista no sul do México é uma reação a essa exploração.

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encontraram com impérios e reinos organizados que os levaram a recompor seus próprios objetivos 44. O colonialismo espanhol, que se formou no contexto do sistema feudal de poder manteve uma rigidez administrativa que foi o resultado de um sistema dual de poder constituido da rede internacional baseada na captação e controle da produção de minerais e a rede de economias locais que funcionaram abastecendo o sistema político de recursos humanos. O colonialismo espanhol construiu um sistema de extensos vice-reinados, Nova Espanha, Grã Colômbia, Peru e Rio da Prata, que foram administrados mediante um pequeno número de cidades estratégicas e de cidades fortificadas como Portobelo e Cartagena de Índias, com rotas do galeões transportadores de riquezas. O fundamento foi a exploração de grandes números de indígenas mediante o sistema de encomiendas. Pode-se considerar que a força desse sistema foi uma cooptação das elites coloniais que sempre consideraram os indígenas como inferiores com uma ideologia autoritária que adiante justificaria massacres como os dos índios yaquis no México, dos araucanos no Chile e no sul da Argentina junto com o de populações de mestiços. A fragilização desse sistema só viria muito adiante com a invasão napoleônica na Espanha, que além de ideologias libertárias significaria o enfraquecimento militar da Espanha. Sem desmerecer o mérito dos libertadores, o fato é que enfrentaram um exercito espanhol enfraquecido. A ambigüidade nas relações entre as elites latino-americanas e os espanhóis prosseguiria até o século XX, quando a guerra civil espanhola revelou praticamente duas Espanhas e os conflitos de interesses com os Estados Unidos passariam a alimentar uma solidariedade cultural identificada com ideais republicanos nas Américas. A rejeição proverbial a tudo espanhol foi modificada pela aproximação com a Espanha republicana e finalmente em termos do capitalismo internacional. As elites latino-ameicanas tentaram se identificar com a Espanha, criando um tipo de recomposição de relacionamentos hoje necessário à Espanha que tenta recompor sua esfera de influência. 3.3.4. O colonialismo dos países-do-Mar-do-Norte A rigor, todos europeus que puderam foram colonialistas e os homens-do-norte, normandos e com outras denominações, tinham praticado extensivamente a escravização na Irlanda e na própria Inglaterra. Com a restauração na Inglaterra muitos adeptos do regime derrubado foram condenados a escravidão por períodos determinados. O breve auge da Holanda (1640-1690) correspondeu a uma formidável expansão colonial, em que o insucesso em capturar a colônia portuguesa no Nordeste

44 O caso mais fantástico é o de Hernán Cortés que tendo iniciado a conquista com uma informação muito limitada sobre a complexidade e o poderio do México, empreendeu e venceu a mais desigual e complexa guerra de conquista e passou a raciocinar em termos da construção de um novo pais que se estenderia rapidamente como um novo império e em principio se separaria da Espanha. Na guerra da conquista aproveitou rivalidades entre nações indígenas. Uma vez instalado no centro da nova colônia enviou tropas que tomaram a atual Honduras e que tomaram a atual Califórnia. Organizou um sistema regional estratégico sobre as bacias dos rios Lerma e Pánuco. Finalmente mandou navios a avaliarem o interesse potencial de conquistas no Oceano Pacífico. A conquista do México é a melhor documentada, começando pelas cartas do próprio Cortés, pelo depoimento de Bernal Diaz del Castillo e hoje com diversos livros dentre os quais se destacam os de Manuel Benitez e especialmente de José Luis Martinez.

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do Brasil foi compensado pela tomada do arquipélago da Indonésia 45. A insistência no Brasil, tudo indica, estaria ligada a objetivos continentais de alcanças as minas de prata da Bolívia. A expansão holandesa foi conduzida claramente como um negócio, como bem denominou Evaldo Cabral de Mello. O aspecto de controle de comércio teria um papel mais sofisticado que nos impérios anteriores, porém não alcançaria correspondente controle do escravismo. O colonialismo holandês cedeu terreno ao britânico e na America ficou reduzido à Guiana Holandesa e algumas ilhas pequenas. Culturalmente e à parte de algum saudosismo de certas elites nordestinas, os holandeses foram irrelevantes no sistema do colonialismo na America. O principal peso do colonialismo, principalmente desde o inicio do século XVIII é o inglês. Os ingleses primeiro exploraram o colonialismo indiretamente mediante pirataria autorizada pela Coroa Britânica e estabeleceram algumas bases de alta lucratividade para a economia inglesa. Entre o século XVI e o XVII operaram como piratas com base na ilha da Tortuga e na Jamaica, em uma guerra naval não declarada com a Espanha. Na segunda metade do século XVII puseram pé na America do Norte estabelecendo colônia na Virginia, ao tempo em que derrotavam os franceses no Canadá. Desde o século XVIII organizaram a colonização como produtora de mercadorias para a economia inglesa. Nesse sistema o velho Sul dos Estados Unidos foi uma economia dependente da demanda inglesa. Produtos do extrativismo, produção de alimentos complementar com a produção de açúcar do Caribe e finalmente algodão e anil para as industrias inglesas. O colonialismo inglês foi um sistema mundial que transferiu populações da Índia para Trinidad e Guiana e promoveu um apagamento sistemático das referencias culturais dos escravos. Mediante um sistema sutil de cooptação das elites caribenhas e de opções de emprego por meio do Canadá continuaram a exercer uma influencia poderosa entretanto cada vez mais secundária perante a norte-americana. O colonialismo inglês enraizou-se com uma política de transferência de trabalhadores indianos para a America, com conseqüências diversas na Guiana, em Trinidad e na Jamaica 46. 3.3.5. O colonialismo do imperialismo do século XIX Com o Tratado de Viena várias nações europeias, tendo à frente a França e a Inglaterra lançaram-se em nova onda de colonialismo para controlar uma produção complementar da sua própria mediante controle de território e de populações. O poderio naval foi fundamental nesse sistema que obrigou os indianos a produzirem ópio e aos chineses a comprarem ópio. Uma novidade foi mandar grandes números de seus próprios compatriotas para controlarem ou realizarem essa produção, tal como aconteceu no Sudeste da Ásia e no Norte da África 47. Seguindo a experiência inglesa na Índia, criaram tropas auxiliares para sustentar o novo sistema. Esse novo imperialismo foi conduzido pela Revolução Industrial e deveria gerar matérias primas e matérias semi-

45 Ver de Charles Boxer, O império marítimo português (2004)

46 A mais importante obra sobre o colonialismo escravista inglês provavelmente ainda é Capitalism and slavery de Eric Williams. 47 O cúmulo desse sistema foi protagonizado por um aventureiro inglês Cecil Rhodes que criou uma colônia na África com seu próprio nome e um aventureiro norte-americano chamado Walker que invadiu a Nicarágua como um empreendimento privado.

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elaboradas para as indústrias europeias 48. Estendeu seus tentáculos até a Argentina e o Uruguai que se tornaram exportadores de carne, trigo e lã. O colonialismo formal foi acompanhado de operações coloniais de empresas, principalmente em mineração que se expandiram na America, desde o México até o Chile, principalmente no Peru e na Bolívia. Norte-americanos e canadenses rapidamente se apresentaram para substituir a influencia britânica com empresas mineradoras. À medida que essas economias se desenvolveram, passaram a captar os contratos de construção dos sistemas de infra-estrutura que também serviram aos sistemas de exportação,tal como aconteceu na Argentina. Essa “nova” versão de colonialismo foi a que sustentou o desenvolvimento da industria no contexto da segunda revolução industrial, que criou uma liderança dos colonialistas no mercado mundial. A crise desse sistema acontece com a unificação da Alemanha e do mercado europeu coincidindo com a ascensão dos Estados Unidos como potencia internacional. A questão central chamada controle de mercado escapava das mãos dos colonialistas que enfrentavam novos padrões de eficiência e novo padrão de mercado interno. O sistema colonialista foi subseqüentemente posto em cheque com as crises econômicas e políticas dos países europeus que deslocaram grandes números de migrantes irlandeses, italianos, alemães, poloneses e vários outros para os Estados Unidos, a Argentina, o Brasil e em menores números para outros países americanos desempenhando um papel relevante nessas economias incorporando trabalho qualificado e semi-qualificado, contribuindo para uma renovação da urbanização, influindo poderosamente na produção de serviços e inclusive em alguns setores na agricultura. Somente algumas etnias como os japoneses aderiram realmente à agricultura, mas houve um efeito progressivo da presença dos italianos em atividades rurais, ainda por ser melhor estudado. 3.3.6 Colonialismo no século XX O século XX é o dos grandes movimentos de independencia em que se destacam a independencia da Índia, da Argélia e da maior parte dos países africanos em variadas condições de independencia efetiva mas certamente revertendo o quadro anterior de colonialismo. Também é o de uma renovação do colonialismo cujas expressões mais radicais foram o projeto de poder da Alemanha nazista, o da Itália fascista e agora o de Israel. Nesse mesmo século se contabilizaram algumas invasões colonialistas e intervenções internacionais nitidamente colonialistas como na década de 1920 em todo o Oriente Médio, redesenhando o mapa da região e mais recentemente no Iraque e na Líbia. Esse é o quadro mais recente mas na primeira metade do século prosseguiram intervenções colonialistas. Na primeira metade do século a Inglaterra invadiu o Iraque e separou uma província, o Kuwait que transformou em pais. A União Soviética concluiu a invasão da Sibéria iniciada pela Rússia czarista. A França e a Espanha juntas protagonizaram a campanha colonialista mais cruel lançando 700.000 para esmagar os

48 O exemplo mais radical e grotesco foi o do Congo dito Belga que juridicamente pertencia ao rei da Bélgica e não ao pais Bélgica. A profundidade do absurdo ficou patente com a guerra de libertação do Congo conduzida por Patrick Lumumba que foi assassinado.

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30.000 homens da República do Riff 49. A Itália invadiu a Líbia que rebatizou como Cirenaica. Os Estados Unidos ocuparam as Filipinas (1895) depois de ocuparem o arquipélago de Hawai e grande numero de ilhas do Pacífico. A França reocupou o Sudeste da Ásia com a ajuda norte-americana e terminou derrotada em Bien Dien Phu (1956). Várias nações se independizaram na África e na Ásia destacando –se as guerras de libertação do Congo, de Angola, de Moçambique e da Namibia. 3.4. O pensamento político no século XVII O século XVII está povoado de contradições entre a sofisticação do discurso político e as práticas dos Estados engajados em hegemonia colonial e militar. É o ponto mais alto da expansão do colonialismo, As disputas entre os Estados mais poderosos ficaram divididas entre as guerras terrestres pela supremacia na Europa e as guerras navais que definiram os impérios coloniais. As inovações na tecnologia militar, com exércitos mais móveis e poderosos, modificam o significado de território e levam a uma teoria do poder baseada em poder de fogo em vez de ocupação de territórios. A teoria política se divide entre a apologia das formas tradicionais de poder e a que registra a força renovadora da dinâmica do sistema colonial. No século XVII houve um aumento da escala territorial dos conflitos podendo-se dizer com Charles Boxer (2006) que a luta entre Portugal e a Holanda foi a primeira guerra mundial. Enquanto a França e a Áustria disputavam hegemonia terrestre na Europa a nova guerra naval definia os termos internacionais da política criando um mapa político cuja única exceção foi a expansão do império russo na Sibéria. O fundamento histórico da teoria política mudava de modo irreversível, o que passaria a marca de uma polêmica em torno de princípios gerais de poder formulados no campo do mercantilismo. Descobria-se a contradição entre a doutrina do poder do Estado nacional e a prática do imperialismo. Configura-se um anacronismo entre o projeto de poder europeu de Luiz XIV e a política imperialista burguesa da Holanda, que seria adiante levada a suas últimas conseqüências pela Inglaterra. Desenhavam-se as bases do imperialismo moderno que se desenvolveu com toda sua força na Ásia. Identificam-se três grandes movimentos no século XVII que são os de uma grande expansão da economia mercantil associada à da produção colonial 50, ao maior aproveitamento técnico de conhecimentos científicos por parte do capital 51 e progressos na produção colonial que se refletiram em expansão do mercado. Esses resultados econômicos favoreceram a ascensão de grupos da burguesia em vários países e

49 A chamada Guerra do Riff foi a mais vergonhosa de todas a campanhas coloniais quando tropas francesas lideradas pelo “herói” Pétain e pelo jovem general espanhol Francisco Franco usaram todos os meios inclusive gases proibidos para derrotar os marroquinos liderados por Abdel-Krim. Pétain sucedia o sádico Bougeaud e Lyautey e usou o genocídio para compensar o desastre de 14-18, antecipando o comportamento que teve com os alemães em 40. Por sua vez Franco estreava o fascismo que pretendia compensar a derrota do império espanhol frente aos americanos em 1895 e a independencia de Cuba formando-se uma nova colônia no norte da África. O episódio do Riff revelou plenamente a resiliencia do colonialismo que continuou usando os argumentos de superioridade cultural e étnica. 50 É o período do auge da produção colonial escravista de açúcar e quando as remessas de ouro para a Europa se multiplicaram por dez. 51 Nesse período Cristiaan Huygens inventa o relógio de pêndulo que permitiu uma contagem infinita do tempo e o controle de tempo da produção.

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corresponderam ao aparecimento de pensadores que encaminharam as ligações entre política e ética como Baruch Spinoza e René Descartes, junto com defensores do absolutismo como Thomas Hobbes. O pensamento sobre política foi atingido pela ascensão de potências não monárquicas especialmente a Holanda, que apresentou nova modalidade de laicismo. O século XVII foi, também, o período no qual se acentuou o contraste entre o fortalecimento das monarquias absolutistas e as sublevações populares, muitas vezes confundidas com heresias religiosas que constituem uma afirmação de coletivos populares. Memorável levantamento de José Maria Condorcanqui na Bolívia. Cabe atribuir a essa crescente visibilidade das camadas populares a percepção do papel do homem comum nos sistemas de poder que se manifestaria no teatro de Moliére e Racine como uma primeira aproximação a uma totalidade social 52 . Há um tecido complexo de combinações entre as ideologias que se formam das condições da organização do trabalho manufatureiro e as que surgem da esfera governamental que compreende a disciplina militar e as estruturas de poder oficial. Alguns pensadores refletem o contexto da polêmica da teoria política e devem ser mencionados. Vico. Gianbattista Vico é geralmente tido como pai da antropologia cultural porém parece melhor visto como iniciador de um método social da ciência. A Nova Ciência 53 é um tratado da cientificidade dos estudos sociais com uma abordagem multifuncional da história. A política será a abordagem sintética dos estudos sociais. As pistas deixadas por Vico sobre uma lógica nacional do agir em Política são o verdadeiro ponto de partida de uma ciência política moderna, reconhecendo valores nacionais que estão além dos individuais dos governantes, à frente de Maquiavel e do elogio do autoritarismo de Hobbes. Vico fala da prosperidade das nações e não da dos governantes entendendo que estes dependem de sua representatividade. Considera que todas as nações terão que enfrentar os mesmos problemas de equilíbrio entre autoridade e moderação que é o fundamento de governos sensatos. O descobrimento de Vico pela filosofia moderna é outra contribuição de Benedetto Croce que é um dos responsáveis pela retomada de interesse em Hegel. Spinoza. Toda grande filosofia é, ao mesmo tempo, continuidade e ruptura, pelo que é preciso distinguir os fios condutores e as brechas que se formam entre os momentos de criação. Spinoza trata com o conceito de necessidade, que para ele é o principio ontologicamente necessário da ética. Representa o desafio metafísico do dogma religioso com uma noção de racionalidade negativa que leva a filosofia ao engajamento político. A racionalidade é a guia de uma ética conducente a uma concepção democrática da vida política. A ética é uma verdadeira referência ativa de conduta que transfere as obrigações da religião para a prática da vida social. Sobre o conceito de

52 Frente à tese de Lucien Goldmann que reivindica ao teatro de Moliére a revelação do homem comum cabe contrapor que os levantamentos da America no século XVII cumpriram esse papel revelando a identidade política dos mestiços americanos. Ao exemplo de Condorcanqui soma-se o de Felipe dos Santos e a participação de libertos no Nordeste do Brasil na luta contra os holandeses. A sociedade do homem comum apareceu primeiro nas colônias e depois nas cortes europeias. 53 Princípios de una ciência nueva en torno a la naturaleza comun de las naciones, México, Fondo de Cultura Económica, 1978.

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necessidade, isto é, do que é ontologicamente necessário, vai a uma ordem universal implícita ao mesmo tempo a uma rejeição da servidão. Antecipa preceitos fundamentais da filosofia social da história “Enquanto a mente concebe algo sob o ditado da razão esta é afetada pela idéia de algo passado ou futuro”. Para chegar ao significado do pensamento de Spinoza para a teoria política é preciso ultrapassar seu esforço radical de reconstruir as condições sociais da individualidade. São estas que vão determinar as relações entre as pessoas e o Estado. Segundo Spinoza, a natureza cria indivíduos e são eles que criam o Estado. O ideal da vida pública é a adequação entre as pessoas e o Estado. O ideal da vida pública é a adequação entre as pessoas e o Estado. Assim, a partir de uma renovação da idéia de Deus vem uma conseqüente idéia de homem com uma rejeição da servidão. Se essa idéia presume conhecimento, o conhecimento libertará o homem e eliminará a servidão. Estudos recentes sobre Spinoza (CHAUI, 2006) mostram a sutileza da crítica ética à razão de Estado. O que já foi apontado como um racionalismo critico (ALMADA NOGUEIRA, 1978) pode também um encaminhamento de uma critica social que é por onde viria a influenciar a obra de Marx. René Descartes. Descartes é o pai da epistemologia moderna que serve de plataforma parta as ciencias naturais que não se ocupam da complexidade do sujeito. O papel de Descartes é inestimável em oferecer indicativos para um modo racional de governar que desautoriza o autoritarismo como não inteligente. Sua influencia é das mais estendidas no mundo da ciência e continua nos fundamentos de método da análise experimental. Sem dúvida Descartes representa uma inflexão no processo que combina a fundamentação do pensamento científico com um caminho de não erro no relativo ao tratamento do mundo social. De certo modo representa um estilo francês inconfundível que liga o modo de pensar ao modo da linguagem subentendendo uma competencia inquestionável da linguagem 54. A construção do conceito de sujeito como ente reflexivo modificou as bases sobre as quais se ergueria a ciência social e por extensão se colocariam as categorias da análise política. Se o sujeito inevitavelmente pensa as relações de poder devem ser reflexivas. O despotismo seria uma aberração.A filosofia de Descartes implica em racionalidade em política mas não questiona a forma política, seja que aceita a monarquia como forma válida de governo, mesmo nesse ambiente de ascensão de uma burguesia manufatureira e promotora de colonização. No entanto Descartes deixou um sujeito individual preso em sua individualidade que se verá incapaz de perceber a socialidade da vida política. Thomas Hobbes. A literatura moderna do poder oficial ou oficializado, simpática ao poder, atribui uma importância especial a Hobbes, representante da teorização favorável à monarquia e o principal apologista do poder centralizado, subjacentemente da monarquia absoluta. Chega ao paradigma do contrato social mediante uma manobra que parte da presunção da maldade natural do homem primitivo e de um contrato social em defesa da paz que deveria ser supervisionado pelo Estado. O que realmente se coloca no relativo a Hobbes é a justificativa de uma racionalidade do poder absoluto que se coloque acima das vantagens das maiorias. O Iluminismo seria necessário, mas no fundo seria um processo seletivo cujo resultado final seria o despotismo esclarecido.

54 A presunção da competencia da linguagem tem que ser revista não só pelas diferenças de desenvolvimento de diferentes línguas mas porque algumas acompanham a criação de novos termos representativos da complexidade da sociedade e da tecnologia enquanto outras se limitam aos seus dados de tecnologias simples e eventualmente são compelidas a importarem termos das sociedades lideres em complexidade.

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Corresponde ao conservadorismo da restauração da monarquia inglesa que pôs em marcha um movimento de concentração de terras. Não há porque não considerá-lo como um teórico de segunda classe. John Locke. Na movimentação tumultuada do amadurecimento do capital mercantil e das transições entre modalidades de monarquia e versões republicanas do fim do século XVII destaca-se a figura de John Locke (1632-1704) como principal fundador do empirismo. Na tradição de filosofia prática assentada por Francis Bacon, Locke traz um empirismo de fundo ético. Integrado com a monarquia restaurada, que viria a consolidar um sistema político conveniente à expansão do capital mercantil colonialista, desenha, entretanto, uma abordagem de conhecimento baseado em experiência genericamente colocada. É uma fundamentação racional do autoritarismo que se adapta a uma monarquia conservadora modernizante. Locke traz elementos do empirismo que servem à epistemologia cartesiana e que até hoje se apresenta como necessária a todas as ciencias. Apontaremos ao trabalho de Locke como uma fonte de tergiversação do verdadeiro papel de uma teoria social da ciência. O enciclopedismo. É o momento do grupo da Enciclopédia, liderado por Diderot e DÁlembert, mas onde se destacam as figuras de Rousseau e Voltaire. É uma alternativa intelectual que se torna importante por seus efeitos indiretos na alimentação de uma rebeldia burguesa, em que as idéias de Rousseau sobre contrato social se tornaram um ícone da teoria política, mas onde a irreverência de Voltaire, sua crítica do formalismo europeu com um argumento novo sobre o mundo primitivo merecem igual reconhecimento. A tese do contrato social de Rousseau continuou até hoje e na forma de um debate sobre um suposto pós-contratualismo (Boaventura Santos, 2004) representa uma nova crítica da visão política da sociedade burguesa. Rousseau antecipa a crítica da propriedade que seria o ponto de partida da teoria da alienação de Marx. O contratualismo de Rousseau é a expressão mais pura da proposta burguesa de uma sociedade política fundada em interesses mas que estabelece limites para os interesses individuais. Não será excessivo ver em Rousseau um fundamento do atual regulacionismo. Em síntese o enciclopedismo representa a critica burguesa do mundo da monarquia decadente mas que não conseguiu perceber o povo, ficando inerme diante do populismo de Bonaparte. Acentuam-se as diferenças entre a Revolução Francesa com seus conflitos de interesse e a Revolução Norte-Americana com a consagração de uma visão pequeno burguesa do sistema de poder. Surge, desde então, uma polaridade entre liberalismo e conservadorismo com diversos matizes e conotações de um pais a outro, tornando difícil distinguir esses dois campos exceto por algumas teses sem maior impacto na reprodução dos sistemas. Entendido inicialmente como uma expressão de abertura à participação social na vida política, tornar-se-á um modo de garantir operações de empresa privada sem controle público. No século XVII identificam-se diferenças de esferas de influência como a que se definiu quando os traficantes brasileiros de escravos substituíram os portugueses na África e passaram a negociar com os holandeses. 3.5. O século XVIII: o fim do absolutismo O século XVIII começou com o fracasso do absolutismo de Luiz XIV e com a influência decisiva das vitórias coloniais na definição do poder na Europa. Vitoria da

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Inglaterra no Canadá e contra Luiz XIV. No século XVIII tornou-se clara a diferença entre forças políticas e formas rituais da linguagem política. Os progressos das ciencias sociais se registram nos ensaios de Cantillon e de Boisguilbert que mostram o cruzamento de economia, ética e política. Desenvolvem-se movimentos de poder internacionalizados e tratados entre nações que se tornam instrumentos das nações mais poderosas. É o mesmo aparelhamento de linguagem profissionalizada da política que aparecerá desde o tratado de Utrecht ao de Viena e ao de Versalhes. Os tratados tornam-se entretanto uma linguagem dúbia entre o que se aceita como estabelecido e o que se rompe. São, também, a linguagem dos poderosos. Chamado de Século das Luzes o século XVIII viu estenderem-se as fronteiras do mundo comandado pelas potências européias, com as grandes contradições representadas pelas revoluções norte-americanas e francesa seguindo rumos diametralmente opostos, criando novas condições de relações entre colonizadores e colonizados e elevando algumas colônias a posições de importância, tal como aconteceu com o Brasil. No século XVIII amadureceram projetos iniciados por meio do sistema colonial e na disputa pela Europa resolveram-se dois dados principais – a derrota dos turcos em Viena e as derrotas da França de Luiz XIV e de seu projeto de poder 55. A influência dos deslocamentos do centro de poder na Europa sobre o mundo das colônias tornou-se mais distante ou menos imediata dada o isolamento das colônias. O pensamento colonial tendeu a se desenvolver sobre desafios locais e a refletir interesses locais. Cabe a hipótese que esse projeto de grandeza tenha favorecido o ideário do imperialismo francês, que ressurgiria na era pós-napoleônica com uma notável insistência em criar novas colônias até invadir o Vietnam em 1948 56. A ascensão da Inglaterra vitoriosa na Europa expande-se na América ganhando o Canadá e ampliando sua presença colonial a partir da Virginia. Configura-se uma diferença entre os processos políticos dos impérios europeus e dos impérios colonialistas, Áustria e Suécia de um lado, Inglaterra e França de outro. A aceleração das contradições na sustentação dos impérios torna-se determinante dos movimentos políticos. O pensamento científico e o social se adensam justamente na França municiando a reação ao absolutismo. Enquanto se desenvolve um pensamento científico com Laplace há um tratamento de cunho cientifico da economia com os Fisiocratas e um pensamento social que se manifesta no teatro (GOLDMANN, 1976), que em seu conjunto marcam uma objetividade além da racionalidade proposta pela filosofia. É um novo papel que se reconhece à observação, que se repete na economia com Petty, Steuart, Cantillon e Adam Smith, no teatro com Moliére, com Laplace na astronomia. Os progressos na metalurgia têm conseqüências na eficiência na agricultura e na marinha de guerra, dando à Inglaterra a primazia de sua marinha. O equivalente inglês, na linha de Bacon a Hume, passando por Locke entre os filósofos e Josiah Childe entre os economistas, representa a sensatez da burguesia, construindo a linhagem do empirismo, identificando-se cada vez mais com a lógica da praticidade do capital e representa a nova composição de poder político que se forma no período elizabetano no século XVI mas que se consolida com a Restauração no final do século

55 É interessante observar que ambos resultados militares foram alcançados pelo mesmo homem, o Principe Eugenio da Savoia, verdadeiro responsável pelo declínio do absolutismo francês. 56 Ver Marc Ferro, História das colonizações, São Paulo, Companhia das Letras, 2008.

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seguinte. Em contraponto, surgem nas mesmas ilhas britânicas pensadores de uma economia social, a chamada Escola Sociológica Escocesa que adiantam contribuições para um estilo de economia politicamente orientada a contrapor-se à desigualdade. Mas é esse apego à aplicabilidade, que também pode ser lido como rejeição congênita à metafísica, que vai caracterizar a ciência social inglesa. Adam Smith aparecerá como divisor de águas entre esse empirismo simples e uma percepção da articulação entre uma doutrina do progresso e uma denúncia da desigualdade. A Revolução Francesa . É o principal evento político do século e com maior influência indireta em outros países e continentes. Em sua formação reuniu uma variedade de reivindicações, frustrações e elementos doutrinários que resultaram em uma complexa frente revolucionária, tendendo rapidamente ao radicalismo levada pela própria dinâmica do movimento que foi atacado por alianças de seus emigrados aristocratas com as potencias monárquicas. Moderados como Robespierre que se tornaram lideres do terror e foram destruídos por ele. Os movimentos contra-revolucionários internos, como na Véndea e externos como a mobilização de exércitos alemães e austríacos, alimentou uma mobilização radical enfrentando um estado de guerra crônico. A extensa literatura sobre a Revolução Francesa, de Michelet a Jaurés e a Carlyle, oscilam entre focalizar em movimentos sociais ou em lideranças individuais, de qualquer modo revelando os conflitos que se desenvolveram na revolução. O processo autofágico que se transformou no Terror em 1792 mostrou uma dificuldade insuperável para adequar o sistema de governo às lutas de classe que surgiram dos confrontos de interesse na coligação de setores da burguesia e de setores populares. Descobria-se a complexidade daquela composição das forças burguesas e populares que chegaram ao poder. A autofagia política da revolução indica como ela foi envolvida pelos componentes tradicionais do conflito que obscureceram as disputas de interesses. Estas viriam à tona na literatura e não na sociologia. O estreitamento da base política de apoio ao governo levou à repressão de grupos populares como o de Babeuf e ao isolamento de trabalhadores independentes em um sistema produtivo que dependia de artesanato. Essas contradições internas e a necessidade de derrotar a coligação contra-revolucionaria do exército do Reno mostraram o dilema de tempo que enfrentava a revolução, entre a pressão austríaca pela restauração e a inglesa para prevalecer em sua disputa geopolítica. Esse vazio de poder veio a ser o ambiente do bonapartismo, que passou a utilizar as referencias ideológicas da revolução para instalar um sistema de poder carismático. O bonapartismo faz uma ligação contraditória entre a ascensão da burguesia como força política e sua substituição por um retorno do acordo entre a aristocracia e o capital financeiro. O processo da revolução levou os diferentes grupos aos seus limites, finalmente mostrando que o limite da revolução burguesa é o conflito de interesses entre a burguesia ascendente e a aristocracia. Há um pensamento político que se forma no ambiente da contestação ao absolutismo, que se reúne sob a bandeira do Enciclopedismo, pondo em voga a proposta de contrato social, mas que, além disso, descobre o protagonismo do homem comum. A reação ao bonapartismo aparece na filosofia e na música, com Hegel e com Beethoven. Frente ao imobilismo histórico do autoritarismo de Napoleão Hegel traz a filosofia da história, em que põe as forças da história acima dos indivíduos 57.

57 Refere-se ao discurso inaugural de 1816 que fica incluído como introdução à filosofia da história.

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A Revolução Francesa teve inegável efeito indireto na América, em parte pela No século XVIII há um notável amadurecimento social nas colônias americanas que se reflete no plano político. O Brasil se torna mais importante no império que sua metrópole portuguesa. O Brasil, a Argentina, o México, o Chile, a Venezuela, tornam-se áreas de efervescência política que se estendem desde movimentos locais aos movimentos independentistas pluri-nacionais do inicio do século XIX. No século XVIII se realiza o grande trânsito da filosofia da individualidade à da representação de coletivos. Colateralmente, é o período em que o desenvolvimento da ciência é capturado pelo poder político, transformado em discurso da racionalidade. Aí entra o método de Newton e a versão de Leibniz. A revolução copernicana passa à filosofia de Kant na construção de uma filosofia fundamentada em bases científicas e socialmente responsável. A Enciclopédia e a política são reconhecidas como compromisso social. Diderot, Rousseau e Voltaire. A questão da pluralidade cultural e dos direitos individuais levantada por Voltaire. Rousseau, o contrato social e a ética política. A vertente nacionalista autoritária toma a forma do nacionalismo de Friedrich List e sua adoção por Hamilton no fundamento imperialista norte-americano. 3.6. Capitalismo e imperialismo no século XIX 3.6.1. A perspectiva do centro O século XIX começou com o prolongamento da influência do principal evento do anterior que foi a revolução francesa, que deu lugar às guerras napoleônicas que se estenderam até 1815. O complemento desse período é o movimento de restauração dos governos conservadores, formalizado no Tratado de Viena em 1830. Na realidade esse pacto de poder cumpria as duas funções de consagrar a hegemonia britânica e definir linhas de expansão dos interesses das potencias europeias, resultando em um movimento mundial de colonização. O pensamento político do Império Britânico já espelhava uma combinação de interesses públicos e privados. Desse momento em diante o movimento geral do capital converge em uma tendência de integração de mercados cujo controle se torna o objetivo final do capitalismo e orienta os diversos movimentos em grandes obras públicas e na busca de formas de governo compatíveis com as necessidades da expansão do sistema produtivo. No conjunto, o século XIX consiste em três períodos, desde esse inicial a um segundo período que abrange a explosão do imperialismo e as revoltas dos trabalhadores em 1870. O terceiro período ficou marcado pela integração da Alemanha, da Itália e dos Estados Unidos, com uma mudança no padrão de acumulação mundial do capital que se realiza mediante a modernização do imperialismo, o aperfeiçoamento do sistema mercantil avançado, combinado com a produção industrial e finalmente, com a criação da bolsa de valores. O terceiro período corresponde ao que Hobsbawm chama de era do imperialismo, que é a projeção imperialista do capitalismo industrial com a capacidade de transformar mais trabalho em mercadoria, com uma integração de mercados que permitiu incorporar mais recursos para atender ao crescente mercado europeu. Será essa grande integração econômica que dará as bases materiais à configuração do projeto político de integração do Brasil que se realiza no Segundo Império.

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A articulação entre o centro de irradiação de poder e seus espaços dominados seguiu a regra de concentrar os aumentos de produtividade nas economias centrais industrializadas e estabelecer pautas de produção para as novas periferias da economia mundial. O financiamento de obras de infra-estrutura, principalmente de transportes, nos países periféricos ex-colonias constituiu um mercado para as nações lideres do capitalismo, que desse modo passaram a participar dos próprios setores exportadores, tal como aconteceu na Argentina, no Chile e no Uruguai. A maturidade do sistema capitalista de produção pôs os interesses das potências líderes da acumulação de capital em linha de colisão com as nações que escaparam do processo do colonialismo. A intensidade desses movimentos, sua variedade e a convergência dos processos de poder em alguns grandes centros criaram barreiras de contenção da expansão do capital, estabeleceram zonas privilegiadas de atração de capitais e de trabalho qualificado e relegaram outras partes do mundo a condições de pobreza e subordinação aparentemente insuperáveis. As principais zonas de atração foram os Estados Unidos, a Argentina, a Austrália e o Canadá. O Brasil segue essa linha em menor escala e com maior atraso. O século XIX é o da expansão europeia respondendo à demanda de mercado do capital em ascensão. No relativo a organização de forças políticas o século XIX foi um período de enormes contradições, com um enfrentamento básico entre conservadorismo e liberalismo no contexto do sistema da burguesia e com o aparecimento de um discurso maduro do lado do socialismo. Há um movimento geral de ascensão da burguesia, dos Estados nacionais e da divisão do mundo por grandes potências constituído de alguns grandes movimentos e de um grande número de eventos que dão certa erraticidade ao processo. Distinguem-se aqui a seguir esses movimentos. a. Restauração do poder de potências conservadoras marcada pelo Tratado de Viena e iniciando o movimento internacional de imperialismo que resulta na ocupação da África e de quase toda a Ásia. Na prática esse imperialismo conduzido por nações européias foi substituído por iniciativas norte-americanas que começaram na metade do século mas que se afirmaram desde a guerra com a Espanha em 1895 e prosseguiram com seu grande projeto estratégico de controlar as margens do Oceano Pacífico. A invasão da Ásia, que começou com os portugueses no atual Paquistão, passou como invasão da China, continuou com o ataque ao Japão pelos americanos em 1854 culminando com a tomada das Filipinas em 1895. A segunda guerra mundial marcou o ponto máximo de expansão do Ocidente sobre o Oriente que começou a reverter com a derrota francesa em Bien Dien Phu e teve seus principais pontos de inflexão na vitoria dos comunistas na China em 1949 e na derrota norte-americana no Vietnam em 1974.. b. Movimentos de trabalhadores desde 1848 a 1870 e a formação de partidos políticos operantes em diversos lugares. A herança dos sindicatos é incorporada pelos partidos socialistas. É um período marcado pelos levantamentos de Paris, mas que encontra uma bifurcação nas vitórias prussianas sobre a Áustria e sobre a França. Houve diversos movimentos de trabalhadores no fim do século na América Latina, cabendo incluir aqueles que desembocaram na revolução mexicana em 1910 58. Falta ainda uma visão

58 No relativo ao Brasil será necessária uma avaliação da entrada da república, que é um progresso frente à monarquia sob diversos aspectos, mas que significou a entrada de um governo controlado por grandes

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de conjunto desses movimentos que representam um mapa complexo de transição das antigas sociedades patrimonialistas para sociedades capitalistas urbanizadas e comandadas por uma variedade de composições políticas baseadas na exploração de produção para exportação. c. Unificação da Alemanha, da Itália e dos Estados Unidos criando novos espaços de poder econômico – com mercado próprio – que passam a abastecer as doutrinas do poder político. Desde então surge uma contraposição entre potências colonialistas e não colonialistas que desemboca na primeira guerra mundial. Nesses três casos as novas formas políticas surgiram junto com uma concentração do poder econômico em torno dos conjuntos de mineração – siderurgia – metalurgia que passaram a sustentar as grandes potências com seu liberalismo econômico. A unificação da Alemanha representou novas condições de aproveitamento de um mercado europeu animado por uma expansão regionalmente seletiva. A unificação da Alemanha foi essencial na transformação do capitalismo, dentre o outras razões por colocar a questão de um mercado comum europeu. A integração dos Estados Unidos por sua vez representou uma nova escala de mercado, convertendo a economia do sul, dependente da Inglaterra em dependente da economia do norte e sustentando a expansão para o oeste. d. Progressos da ciência e da tecnologia com impacto em transportes e comunicações e nas transformações da produção industrial, primeiro mediante uma crescente automação e a seguir na dispersão das unidades produtivas. Diversos inventos práticos como o do relógio de pêndulo, que permitiram organizar a produção industrial como produção contínua, chegaram até a mecanização, primeiro periférica e depois no centro da produção, como aconteceu com a mecanização da produção açucareira. A indústria modifica a relação entre o Estado e os interesses privados no conhecimento desenvolvendo mecanismos de mercantilização do conhecimento organizado. Surge o problema de direito de patentes, com países que o aproveitam e outros que o ignoram e uma doutrina política internacionalista de sustentação dos interesses internacionais. e. A revolução industrial que consiste realmente em um movimento conjunto do mundo dos negócios, cuja expansão passa a articula a construção de grandes sistemas de infra-instrutura, necessários ao capital internacional 59, com a expansão da agricultura em zonas de fronteira agrícola, com a renovação de zonas agrícolas, e com a urbanização industrializada, articuladas com poderoso desenvolvimento dos sistemas de transporte e das comunicações integrando transportes interurbanos com transportes urbanos. A urbanização se torna uma fonte para grandes negócios mas cria uma concentração de população convertida em sujeito de novos processos políticos, f. Identificação do Estado moderno com sua combinação de elementos organizacionais e operativos. Nos países latino-americanos surgem ministérios técnicos como de transporte e entidades voltadas o desenvolvimento de indústrias. Surgem modificações dos governos centrais e regionais que passaram a se aparelharem para intervir em problemas regionais e locais. Aparecimento de novos projetos de poder do imperialismo com desdobramentos em alianças para subordinação de nações semi-industrializadas

proprietários e alinhado com capitais estrangeiros que passaram a dominar os setores básicos da economia. O Império se tornara liberal demais para o gosto dos cafeicultores escravistas. 59 Os dois maiores exemplos nessa categoria são os canais de Suez e do Panamá, feitos para servir à economia mundial e que teriam escasso uso para as economias dos países em que foram instalados.

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criando situações excepcionais que tacitamente limitaram a soberania nacional. Nessa categoria entram grandes projetos de mineração, como a mina Nazaré no noroeste do México e a Anaconda no Chile. g. Definição da sociedade moderna de classes sobre a base de um proletariado mundialmente equivalente, mas onde se encontram diferenças decisivas entre as condições de trabalho nos países centrais e nos periféricos. A ascensão da burguesia se faz mediante o empobrecimento e o controle das massas de trabalhadores na Europa mas imediatamente transferindo esse padrão de exploração para as regiões periféricas fossem elas colônias ou não. O aumento exponencial das migrações forçadas ou induzidas de trabalhadores - desde a Itália, a Irlanda, a Síria, a Espanha, os países bálticos – tornou-se um vetor essencial na configuração do sistema produtivo nos Estados Unidos. O aprofundamento dos conflitos do trabalho deu lugar a diversos movimentos insurrecionais como os Mcguire nos Estados Unidos, os Magón no México, os da Patagônia, que decorriam diretamente dessa nova socialidade dos imigrantes. h. Organização do capital financeiro com identificação das modernas bolsas de valores. Definição de títulos em bolsa e de tipos de operação.60 A prevalência do capital financeiro enfatiza um ambiente internacionalizado de negócios em que a nacionalidade perde espaço comparada com a solidariedade criada pelo capital com interesses representados por órgãos tais como a OMC e a OTAN. Em seu final o século XIX deu espaço para pelo menos três doutrinas políticas explícitas que foram a Doutrina Monroe, formulada pelo presidente norte-americano James Monroe e posta em prática pelo presidente Theodore Roosevelt em sua guerra com a Espanha e seu intervencionismo dirigido a construir uma hegemonia norte-americana no Pacífico com a conquista das Filipinas e no Caribe, onde se apropriou de Porto Rico. A doutrina política de Bismarck de expansão do poder da Alemanha integrada, identificada com a noção de mercado europeu. Finalmente, o intervencionismo francês e belga que nega identidade às nações colonizadas. 3.6.2. A perspectiva da periferia A periferia é sempre plural e sua presença se faz mediante um conjunto de experiências pouco comparáveis. No Brasil, como no México, na Argentina, não havia mais uma única perspectiva apesar da constituição de grupos dominantes fundados na grande propriedade e no grande comércio. As turbulências do período pós-independencia mostraram grupos regionais, polaridades entre unitarismo e federalismo, adesão à dominação internacional ou formação de ideologias nacionais. No período entre 1830 e 1860 surgiram posicionamentos que vieram a marcar adiante os rumos políticos das nações latino-americanas. Basicamente são reações ao exterior mas são as que definem o relativo a unidade nacional. Em grandes linhas caberá examinar a Reforma mexicana, a formação do Unitarismo na Argentina e o período das Regências no Brasil, como representativos dessa transição fundamental no rumo da nacionalidade.

60 Ver John Atkinson Hobson, O imperialismo, São Paulo, Abril Cultural, 1984.

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A Reforma é a saída da fragmentação herdada do sistema colonial que pôs no poder Benito Juarez, um índio que aprendeu a ler aos 14 anos. Representa o enfrentamento com um conservadorismo fundado na grande propriedade rural com exploração dos indígenas e no controle das minas de prata. A reação conservadora que invocou a intervenção de Napoleão III deflagrou a invasão e a guerra contra a coligação França-Austria com a consolidação da república. A luta contra a invasão franco-austriaca foi o fundamento da unificação nacional. Apesar dos desatinos que lhe seguiram, com a ditadura do Porfiriato por 34 anos, a Reforma introduziu o argumento constitucional e um processo de valorização indígena que atravessou a Revolução e prosseguiu. Na Argentina a disputa entre Unitarismo e Federalismo se estabelece entre poderes regionais em que Juan Manuel de Rosas passa a representar um Federalismo que controla o centro e impõe uma ditadura que aproveita componentes da sociedade antiga. Domingo Sarmiento instala o Unitarismo mas a Argentina com Mitre se envolve na guerra com o Paraguai aliando-se ao Império Brasileiro que havia invadido Buenos Aires em 1850. Configura-se uma contradição em que os chefes regionais leais ao pacto fundamental das Províncias Unidas do Rio da Prata, como Felipe Varela, lutaram contra a hegemonia de Buenos Aires. A modernização dependente se consolida no governo de Pellegrini e a Argentina oscila entre uma articulação profunda com a Inglaterra e uma aproximação via militarização com a Alemanha. A polaridade entre Unitarismo e Federalismo alimentará a dualidade ideológica argentina que foi sufocada pelas ditaduras militares mas que ressurge, com novas conotações, derivadas das desigualdades entre as províncias. Em causa fica a possível identificação do Unitarismo com o nacionalismo. No Brasil o período das regências (1831-1848) foi decisivo na identificação de um projeto nacional, atropelando propostas mais avançadas que as do primeiro império, em todo caso definindo as linhas de um conservadorismo identificado com a grande propriedade rural. O esgotamento do sistema escravista ainda não tinha sido absorvido pelo sistema de poder político que pretendia montar um controle nacional do trabalho. Uma verificação dos fundamentos da unidade que fez então mediante uso de força mostra que junto com a diversidade do pais alguns princípios regionais poderiam levar a entendimento tal como ficou demonstrado na relação entre a revolta da Sabinada na Bahia e a Farroupilha no Rio Grande do Sul. 3.8. O século XX: desenvolvimento, subdesenvolvimento e reversão da economia mundial No século XX houve uma radicalização de posições políticas indicadas nas tendências do liberalismo conservador, do autoritarismo conservador e do socialismo revolucionário. Diferente dos períodos anteriores apareceram autores defendendo por escrito suas posições ideológicas. O agir político passa a estar respaldado por tentativas teóricas de figuras como Lênin, Bukharin, Trotsky. As principais matrizes doutrinárias do século XX foram lançadas no último quarto do século XIX mas foram operacionalizadas sobre os resultados da Primeira Guerra Mundial. Os fatores determinantes foram a unificação da Alemanha e a perda de posição das principais nações colonialistas já anunciada na Guerra da Criméia em 1856. O movimento imperialista norte-americano começou de fato com a invasão do México em 1856 e

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com a subseqüente anexação do Texas. A guerra com a Espanha em 1895 significou o domínio do Caribe e a conquista das Filipinas. O aparente confronto entre nações colonialistas e não colonialistas na verdade punha em cheque a eficiência industrial do sistema colonialista e mostrava que o conflito se deslocava para uma ligação entre o controle de recursos e o de condições para aproveitá-los. O fato que a Rússia houvesse anexado a Sibéria não impediu seu desastre perante o exército moderno da Alemanha. As pré-condições da guerra de 1914 estavam imanentes na organização do mercado europeu e nas doutrinas políticas do autoritarismo desde Nietsche ao conservadorismo da Terceira República francesa. É uma luta pelo controle da expansão do mercado que se revela plenamente na reconquista do norte da África protagonizada por esse mesmo exército Frances semi-destruído na guerra na Europa. As correntes do imperialismo foram confrontadas pela revolução bolchevique mas o eixo central do conflito se deslocou com a emergência dos radicalismos de direita. Os deslocamentos do sistema mundial de poder econômico corresponderam a reordenamentos do sistema de poder e das ideologias que os sustentam. A rigidificação do sistema soviético enfrentou a ascensão econômica dos Estados Unidos com seu controle das economias nacionais aliadas. Os Estados Unidos já prevaleciam sobre seus aliados concentrando vantagens de mercado e de tecnologia. A serie de conflitos que seguiu a Segunda Guerra Mundial fortaleceu suas posições. Consolidou-se um processo geral de valorização do modo de pensamento norte-americano que se afirmou em economia, sociologia e antropologia e se estendeu ao sistema educativo. No inicio do século XXI observa-se um quadro de contradições entre um indiscutível esforço dos Estados para se manterem nessa liderança mundial hoje dependente de seu poderio militar mas contracenando com a ascensão da China ao primeiro plano e a recomposição do poder da Rússia. A hegemonia intelectual norte-americana tem seus bastiões no ensino internacionalizado mas enfrenta discrepâncias e oposições das esquerdas tradicionais e das novas representações das nações em ascensão e de todos os setores discordantes. No século XX explodem as tensões políticas acumuladas pelo conflito de interesses econômicos, primeiro na disputa entre os velhos impérios coloniais e as novas potências nacionais e logo, como uma luta pelo controle das fontes de energia. A tensão causada pela unificação da Alemanha, que se torna concorrente não colonialista da Inglaterra e da França, leva a uma disputa de mercado e controle territorial que resulta na Primeira Guerra Mundial. A revolução bolchevique rompe o monopolio de controle do capitalismo na Europa. No conturbado período entre as guerras aparecem o regime nazista e os fascistas disputando a liderança no mundo do capitalismo. A dificuldade das democracias burguesas para enfrentar os autoritarismos e suas relações contraditórias com as classes trabalhadoras em ascensão foram tratadas por autores socialistas ocidentais como Harold Laski e George Orwell. A entrada em cena dos Estados Unidos como potência mundial, que tivera seus primeiros movimentos desde antes de sua guerra civil, fez-se mediante as guerras provocadas com o México e com a Espanha, que lhe permitiram se apropriar de enormes recursos e de controle significativo no Oceano Pacífico. Sobre essa base mundializada os Estados Unidos entraram de modo proveitoso na Primeira Guerra Mundial, com cujos resultados passaram a concorrer com as potências européias e apresentando um novo modelo de economia nacional de escala continental. Um novo discurso ético passa a ser esgrimido, com menos verossimilhança mas agora escorado

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pelo controle da mídia em expansão, desde os jornais de grande circulação ao cinema e à mídia informatizada. A disputa ancestral entre França e Alemanha passa a um segundo plano, apesar dos enormes custos da guerra, substituída por um antagonismo entre essas potências da Europa ocidental e a União Soviética. No século das perseguições étnicas maciças manifestou-se uma crescente brecha entre as aspirações de mobilidade e a rigidez da fundamentação de classe do Estado burguês. As perseguições étnicas estão fortemente ligadas a preconceitos religiosos, onde os grandes movimentos de anti-semitismo estiveram ligados a problemas de emprego. Resultou em movimentos sociais que começaram na Hungria em 1956 e em Paris, em México, Washington com diferentes alicientes em 1968. A literatura sobre a crise do Estado trata, essencialmente, da crise desse Estado de nações prósperas. É revelador que dois autores conhecidos, Arrighi e Hobsbawn falem respectivamente de um longo século XX e de um século XX menor que o cronológico. As grandes mudanças nos sistemas políticos, representadas pelo socialismo real e pelos autoritarismos de direita, foram sucedidas por uma espécie de redução dos movimentos pendulares nas mudanças de governo nos países centrais, por uma adesão da maioria dos países ao modelo econômico e operacional ditado pela potência dominante. Os movimentos de disputa pela supremacia mundial, que levaram às duas guerras e determinaram diversas outras guerras regionais, revelaram um conflito fundamental entre totalitarismo e democracia, com diferentes desdobramentos para nações em diferentes situações de desenvolvimento do sistema produtivo e com sistemas institucionais consolidados. A ascensão de grandes potências industriais traduziu-se em concentração da dependência de combustíveis, que por sua vez determinou problemas ambientais, criando um grande condicionamento da política. Os conceitos de soberania e de autonomia foram afetados por um crescente peso de controles internacionais. Nesse ambiente constatam-se diferenças substanciais entre a teoria política formalista, que se torna uma racionalização do sistema de poder e uma teoria política crítica que se fundamenta na percepção da pluralidade essencial do contexto internacional e nas contradições do sistema de poder entre as amarras externas e a composição interna de classes. Na America Latina o século XX foi fundamental, passando desde os autoritarismos pós-coloniais até situações de completa integração na economia mundializada. Tal integração foi promovida pela penetração maciça de interesses europeus em busca de oportunidades na mineração e de matérias primas para suas indústrias. Surgiram minas controladas por estadunidenses e canadenses no Chile, no Peru, na Bolívia e no México. A crise de 1930, realmente iniciada em 1918 na America Latina pela queda de seus mercados de exportação, determinou uma série de crises superficialmente nacionais, que acionaram uma renovação dos quadros políticos. Naquele momentos começaram projetos de industrialização que sustentaram a entrada em cena de governos de base urbana com correspondente perfil de burguesia. A mundialização da disputa pelo poder ampliou-se com as guerras de libertação, desde a Argélia ao Vietnam, passando pelo Egito e por países da África negra e por Cuba, dando lugar a nova pluralidade da política mundial, em que vários desses países passaram a desempenhar papeis internacionais, como foram os casos de Cuba e do Vietnam. Assim, antes da globalização financeira anunciada por autores europeus ocorreu de fato uma globalização política, cujos efeitos negativos apareceram em

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iniciativas contra-revolucionarias, geralmente apoiadas pelos Estados Unidos, como foi a Operação Condor. A supremacia dos Estados Unidos e a reorganização dos países europeus mostrou outro aspecto da diferença entre aparência e realidade, quando os países se apresentam como defensores da democracia têm sistemas de poder fechados ou dependentes de interesses do grande capital 61. A doutrina norte-americana de defesa ofensiva, de fato praticada por Israel desde 1956, constitui um mecanismo de intervenção internacional sem qualquer fundamento ético nem jurídico, mas que se tornou um argumento das relações internacionais desiguais legitimado pelo poder da supremacia. Surgem doutrinas de defesa dos pontos de vista da supremacia norte-americana que se dividem entre os que se propõem uma linha de defesa baseada em um arco de alianças e na transferência de custos para os aliados, e os que entendem que a sustentação do poder depende de uma capacidade irrestrita de intervenção direta. A guerra ao terrorismo viabiliza essa segunda posição mesmo quando utilizando mecanismos de poder no escudo das alianças internacionais. Praticamente desaparecem os limites entre doutrinas de política e práticas de governo, eliminando-se a crítica como modo de avaliar a política. A bipolaridade do poder mundial causada pela Guerra Fria deu lugar a novas doutrinas políticas dos países mais poderosos, distinguindo-se as posições dos Estados Unidos, que não se confundem com as dos seus aliados mais próximos, e as de outros países emergentes que surgiram primeiro como o Bloco dos Não Alinhados e evoluiu para chegar aos atuais G 20 e ao BRIC. A bipolaridade foi momentaneamente substituída por uma unipolaridade da supremacia norte-americana que, entretanto, encontrou seus limites na ascensão da China e da Índia e na recomposição da Rússia no novo mapa mundial de poderio energético. Neste começo de século XXI há uma multipolaridade sobre novos termos e que parece ser melhor percebida pelos norte-americanos que pelos europeus. A ascensão da China tem novo efeito de valorização de sua cultura inclusive de seu pensamento político. As obras de Mao Tse Tung e de Chou En Lai mostram a necessidade de uma modernização controlada, combinada com valorização dos fundamentos tradicionais. O Ocidente reconhece a China como a grande fábrica do mundo mas a China exporta capitais, compra setores produtivos em outros países. Acima de tudo opera um modelo econômico em que o Estado controla o capital financeiro e em que os objetivos da economia são decididos pelo poder político. O Ocidente terá que reconhecer a originalidade do projeto político chinês com sua continuidade e suas prioridades. O direito internacional – côrte de Haia etc. – controlado pelos países europeus dispõe-se a classificar crimes de guerra sem jamais questionar aqueles cometidos pelas grandes potências tais como o bombardeio de Belgrado pelos norte-americanos e agora de Trípoli pela OTAN. Por exemplo, julgar Milosevic mas não julgar Kissinger nem Blair nem Bush. A legitimidade desse direito internacional depende essencialmente do peso político da Europa ocidental que se desvanece a olhos vistos. O apego da França a

61 A suposição de democracia nos países mais ricos é muito relativa. Bélgica, Holanda, Dinamarca, Espanha, Suécia e Reino Unido e Japão são países que continuam como monarquias ou impérios e os Estados Unidos funcionam com um sistema de dois partidos sem definição ideológica e com eleições indiretas. É revelador que em recente debate público entre candidatos à presidência a política tenha prendido os representantes dos partidos nanicos que pretendiam participar.

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práticas colonialistas como a nova intervenção no Mali descobre a relação subterrânea do socialismo francês com o conservadorismo colonialista. Por meio da análise das conseqüentes condições objetivas de geopolítica, cabe introduzir os conceitos de focos irradiadores de poder, de espaços nacionais invioláveis e de espaços abertos, distinguindo os países ou as regiões que influem sobre outros espaços sociais e países, os que se tornam invulneráveis a invasões ou interferências e os que estão expostos a elas. Está claro que há condições diferenciadas de defesa de território nacional e diferentes disposições para invadir territórios de outros países que estão na base de nacionalismos ofensivos e defensivos e de internacionalismos defensores dos poderes colonialistas e hegemônicos e de uma governabilidade internacional defensiva. O discurso do poder militarizado com o de uma ética de igualdade ou de equivalência que acaba sendo o discurso defensivo da periferia. A identificação de espaços nacionais invioláveis significa que os demais países não têm como considerar a opção de invadir. Trata-se em todo caso de posições sujeitas a deslocamentos, tal como se vê com a ascensão da China e as limitações dos países europeus. No relativo ao Brasil trata-se de mudanças de escala da economia, com ampliação do mercado próprio, traduzindo-se em mudança de posição no cenário internacional que valida o que vai se configurando como uma doutrina brasileira de política internacional. O processo nacional está impregnado de pressões externas que já representaram ameaças de invasão ou que tomaram a forma de mecanismos de controle financeiro ou de controle de investimentos em setores estratégicos da economia nacional. 3.8. Os Estados Unidos da América do Norte Cabe distinguir os projetos iniciais da formação dos Estados Unidos e os encaminhamentos de seu desenvolvimento nos inícios de sua expansão e quando se tornam potencia mundial. Adiante, será preciso reconhecer os quatro projetos iniciais de poder na constituição da America do Norte. O dos migrantes radicais ingleses iniciado na Pensilvânia que assumiu a paternidade das treze colônias que se independizaram em 1776 . O projeto dos franceses no Quebec que sustentou uma guerra colonial e deixou em aberto uma questão de divisão do Canadá. O projeto de colonização escravista iniciado nas Carolinas que gerou o sul confederado. Finalmente o dos ingleses no Ontário consequente da derrota dos franceses. O projeto que criou os Estados Unidos surgiu como uma derivação do radicalismo religioso de pequenos produtores, que foi beneficiado pelo acesso como fornecedor ao mercado de Cuba. Desenvolveram-se como um projeto de colonização expansionista, que foi útil ao Império Britânico. Assim, tornou-se um desenvolvimento e uma ruptura com as contradições do projeto britânico de poder, com um salto incomparável em escala e dotação de recursos, ao mesmo tempo representando uma opção ideológica do protestantismo conservador da pequena classe media. Representa um modo de colonização receptivo de migrantes 62 e com uma estruturação fundiária que viabilizou um fluxo sem precedentes de trabalhadores europeus. Apoiou-se, desde seu primeiro momento, em uma concepção de território em expansão que certamente é a noção fundante do imperialismo, mas que deu lugar a uma pluralidade de formas de ocupação no território nacional estabilizado no final do século

62 A administração das migrações continua sendo um elemento essencial de barganha entre considerações locais e nacionais acerca da composição do mercado de trabalho.

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XIX. Com a construção de uma economia manufatureira nos estados do norte, os Estados Unidos rapidamente passou a representar o principal mercado de trabalho, captando trabalhadores das nações européias mais expostas a pressões políticas internas, como irlandeses, italianos e alemães. As políticas migratórias tiveram um papel decisivo na formação da economia norte-americana onde sempre houve um discernimento de atrair migrantes qualificados. O núcleo duro da condução da economia e da política norte-americana permaneceram sob controle de uma elite originaria de suas bases iniciais mas desde cede houve espaço para participação de migrantes mais qualificados inclusive em cargos sensíveis da estrutura de poder 63. Será preciso distinguir os fundamentos ideológicos da proposta política original norte-americana e as variantes doutrinarias que foram elaboradas depois, freqüentemente como criação de uma base justificativa de uma política externa agressiva. O pensamento político norte-americano deve ser examinado desde suas origens na proposta de poder expansionista da Revolução Americana e em seus desdobramentos imediatos, nas posições doutrinárias de Thomas Jefferson e Alexander Hamilton, fundadores das principais tendências norte-americanas de expansionismo e de nacionalismo. A expansão acontece sobre algumas grandes etapas, desde a ocupação efetiva da bacia do Missouri-Mississipi à integração das colônias da Nova Inglaterra e da Virginia. Essas tendências se combinam em um projeto de poder que está representado pela política dos presidentes Andrew Jackson e James Monroe que se puseram a começar a expansão capturando terras do México, tomando o Hawai. A guerra civil, de 1859 a 1864, definiu um modelo econômico e político nacional que se consolidou com a política expansionista de Theodore Roosevelt na guerra com a Espanha pela qual se apoderaram das Filipinas e de Porto Rico.. A participação na Primeira Guerra Mundial consolidou o papel mundial dos Estados Unidos já com sua posição como principal bolsa de mercadorias, principal potência siderúrgica e com uma presença majoritária no cenário do Pacífico e representando um poder que ascende substituindo o britânico 64. A Segunda Guerra Mundial concluiu de modo vantajoso para os Estados Unidos, que se tornaram árbitros da reconstrução da Europa e passaram a usar o Japão como barreira estratégica no Oriente. O desenvolvimento da Guerra Fria colocou os Estados Unidos como personagem central da política mundial. Nesse trajeto as doutrinas políticas evoluíram desde as posições iniciais de Jefferson e Hamilton ao idealismo de Woodrow Wilson e às doutrinas belicosas do após guerra. Nessa nova etapa distingue-se a doutrina de pacto político de base econômica representado pelo Plano Marshall e a chamada Doutrina Truman já representando a Guerra Fria. A grande estratégia de expansão de poder norte-americana sobre o Pacífico já se anunciava com sua entrada no porto de Tóquio em 1854 e com a tomada do arquipélago de Hawai. A expansão sobre o Pacífico culminou com a guerra com a Espanha em 1895 e a consequente tomada do arquipélago das Filipinas. O conflito de interesses com o Japão estava configurado desde a década de 1930 e teria conseqüências sobre suas demais alianças na China, na Índia e no sudeste da Ásia. A estruturação da economia norte-americana entre 1870 e 1890, seguindo as conseqüências da Guerra de Secessão, que integrou subordinando a economia do sul até

63 Um destaque para o fato de que três sucessivos chefes do corpo de assessores dos presidentes tenham sido imigrantes do leste europeu. 64 Sobre o processo de expansão norte-americano há uma copiosa literatura entretanto geralmente descritiva. Cabe ver autores como James Kiernan, Noah Chomski, além das obras de Bruce Catton.

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então virtual colônia inglesa, foi a montagem de um sistema produtivo capaz de integrar agricultura, pecuária, mineração em torno de uma indústria nascente, com um sistema privilegiado de infra-estrutura. Sobre esses elementos ganhou espaço como bolsa de mercadorias em Chicago. Os efeitos da Primeira Guerra Mundial na economia dos países ricos da Europa foi de busca de opções de investimento em economias em expansão dentre as quais os Estados Unidos eram a mais atrativa. A posição de pais grande receptor de investimentos foi fundamental em sua prosperidade e em sua posição como centro das expectativas dos países aplicadores em bolsa. A crise declarada em 1929 seguiu esse perfil e tornou os EUA o eixo da economia capitalista. Cabe distinguir dois aspectos originais na formação do poderio norte-americano, o primeiro dos quais foi a combinação do complexo sidero-metalúrgico na região nordeste com a expansão da produção rural no meio oeste. Esse modelo foi complementado com a pecuária do sudoeste e sustentou uma bolsa de valores promissora que atraiu capitais europeus para seu sistema de infra-estrutura. O novo sistema foi capaz de desempenhar os dois papeis, de absorver capitais e ampliar seu mercado interno. A crise de 1930 teve diversos efeitos negativos especialmente para os trabalhadores, mas deu aos EUA a oportunidade de se livrarem desses capitais europeus que faliram ou tiveram que se integrar à economia norte-americana. Entre as épocas dos carpetbaggers, dos robber barons e a das empresas multinacionais há uma complexa transformação na relação entre capitalismo familiar e empresas anônimas. Numa sociedade em que não há direitos dos trabalhadores há uma expectativa de transparência nas relações de trabalho que poderia compensar essa falta de apoio legal enquanto as oportunidades de emprego permitem manter uma situação de emprego quase pleno. A situação se torna contraditória quando as oportunidades de emprego aumentam justamente onde ninguém quer trabalhar. O crescimento do poderio econômico resultou na formação de uma elite representante do grande capital em indústria, comunicações, agricultura e mineração com empresas que se expandiram no exterior a partir da expansão interna, no que foram diferentes dos europeus. O papel do mercado interno foi sempre essencial e por isso puderam atrair migrantes qualificados ao longo de sua historia. O sistema político refletiu essa auto-suficiência derivando programas que transferiram a lógica das empresas à do Estado. O preceito da eficiência colocou-se acima dos ideais originais de liberalismo. O sucesso da produção rural norte-americana foi funcional à expansão de seu prestigio principalmente perante a Europa interagindo com a expansão industrial. O complexo militar-industrial anunciado por Eisenhower em 1949 em discurso anual e criticado por Wright Mills desenvolveu rapidamente seu fundamento financeiro, vindo a configurar a potencia que assumiu a supremacia mundial apesar de seus fracassos militares na Coréia e no Vietnam. O monopólio da tecnologia nuclear conquanto fundamental foi apenas uma parte da construção de um poderio militar organizado em torno da capacidade de saturação de possíveis teatros de conflito, portanto, no fundo, dependendo de grandes reservas de recursos humanos. O aumento exponencial dos custos de recursos de combatentes passou a representar uma contradição do sistema de poder que passou a depender de imigrantes e da contratação de mercenários. A chamada Guerra Fria foi uma disputa mundial de espaço de influência que beneficiou aos Estados Unidos por suas vantagens em renovar em tecnologia e em ampliar mercados. A expressão doutrinária mais visível da Guerra Fria é Henry Kissinger,

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apesar de que a política da guerra do Vietnam ter sido identificada mais com Robert McNamara. O que se pode denominar como intervalo Kennedy não fez mais que delimitar os limites de movimentos pendulares que já se definiam em diferenças de posição entre seu Departamento de Estado representando sua diplomacia e seu bloco militar. No período posterior à Guerra Fria verifica-se uma diferença entre o pragmatismo da Trilateral representado pelo governo de James Carter e a retomada de posições belicosas pelas administrações dos dois Bush pai e filho, que formulam a versão norte-americana da doutrina israelense de defenso-ofensiva por sua vez inspiradas em Frederico o Grande. Nessa última parte e como representação de diferenças ideológicas encontram-se correntes doutrinárias que se estendem desde a crítica socialista de Noah Chomsky e de Frederic Jameson ao funcionalismo conservador de Francis Fukuyama e Samuel Huntington e às doutrinas de pacto controlado de Joseph Nye e de domínio militar de Robert Gilpin. Prevalece uma política externa agressiva porém já trabalhando com limites externos e procurando evitar ampliações adicionais de comprometimento militar. Os norte-americanos absorveram a suposição de serem uma potencia mundialmente hegemônica, mesmo em seu discurso liberal. Cabe considerar que se delineia uma nova política global subseqüente à crise econômica revelada em 2008 e em busca de um equilíbrio externo compatível com a necessidade de recompor a economia nacional. Na nova etapa de política norte-americana surgem novas condições de multipolaridade que tornam improvável a sustentação do anterior modelo político. A necessidade de uma fundação ideológica que tinha se evidenciado com Kissinger e seu discurso restauracionista torna-se uma hipóstase com Barack Obama, que traz uma proposta simplificadora de credibilidade, mas que enfrenta inegáveis dificuldades no quadro econômico interno. Como necessidade da sustentação de sua posição internacional os Estados Unidos precisam combinar a recomposição de sua credibilidade com seu sucesso interno 65.

65 Em bom romance o que pode ser uma grande estratégia de retaguarda pode levar a um novo cenário de conflito em que essa grande potencia terá que avaliar seus acordos externos em função de seus interesses internos. A questão energética e a inércia do crescimento do mercado interno podem constituir o verdadeiro significado do suposto terrorismo.

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4. Pensadores fundadores da modernidade 4.1. Aproximações conceituais Dado o enorme prestigio da modernização como representação da civilização, aceita-se que o pensamento da modernidade representará as mudanças civilizacionais do capitalismo. Uma critica da modernização entretanto perdeu momento quando foi substituída por um discurso – confuso – da pós-modernidade. O modo como se vê a modernização varia muito entre aqueles que a promovem e aqueles outros que sao atingidos por ela. A modernização é uma imensa mobilização de recursos conduzida por sucessivas revoluções tecnológica mas sua origem deve ser encontrada numa reflexão mais profunda sobre valores e interesses. Será na Filosofia e na Ciência que se colocarão os elementos essenciais dessa transformação. Ao observar a modernização como um processo de idéias incorporado com controle de tecnologia chega-se, inevitavelmente, a identificar movimentos com diferentes realizações no tempo e no espaço e identificados com alguns pensadores dominantes que guiaram esse processo. Será preciso trabalhar com um cruzamento entre processos iniciados no fim da Idade Média, que amadureceram desde a Renascença ao século XVII e ganharam sua plena expressão no século XVIII em uma associação entre a ascensão da burguesia e a percepção científica do conhecimento na própria ciência, na filosofia e na fundação de uma ciência social. São deslocamentos graduais na conversão de uma ciência descritiva em uma outra reflexiva, em que ser distinguem as contribuições à percepção do processo social em sua totalidade e outras que exploram aspectos, como tal ou como substitutos da totalidade. Será preciso trabalhar com períodos aproximados, variando de um país a outro, mas considerando processos iniciados no século XVII e consolidados no seguinte, ligando os aspectos tecnológicos e de divisão do trabalho aos aspectos políticos, é preciso reconhecer que há diversos movimentos de modernização, desde as ilhas de modernidade de que falava Henri Pirenne até a globalização da modernização de que falam Samir Amin, Wallerstein e Milton Santos. Como disse Alfred Marshall referindo-se ao sistema econômico, no mundo social as mudanças acontecem mediante deslocamentos, alguns graduais outros abruptos, alguns constantes e outros esporádicos, alguns visíveis em curto prazo e outros que só se percebem em prazos longos. Não se poderia excluir uma consideração de Locke nem de Hobbes ou Hume, por mais que esses pensadores correspondam ao perfil de pensamento cuja oposição aparecerá como o espelho perante o qual se afirma a revolução do pensamento do século XVIII. A insistência em glorificá-los por parte do conservadorismo do século XX apenas reafirma a unidade interna da defesa do Estado poder opressor. O século XVIII trouxe uma verdadeira ruptura com os apólogos do autoritarismo real e mostra a razão como cabeça de turco da ascensão da burguesia. A razão supostamente universal que sustenta a Revolução Francesa torna-se adiante a racionalidade do poder da burguesia no empirismo de Stanley Jevons e no critério prático do controle das classes operárias na Europa e no dos trabalhadores coloniais nos outros continentes. Ao mesmo tempo registrou movimentos políticos de base popular, mostrou manifestações literárias e artísticas que tiveram valor político, diretamente declarado ou não, mas

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reconhecido pelo Estado opressor66. Mas já no final das guerras napoleônicas a burguesia assumiu o poder opressor e realizou uma imensa manobra de associação com as monarquias da restauração, provendo um novo referencial de conservadorismo que chegaria ao século XX. A teoria política acompanha com certo atraso grandes mudanças na composição social do poder, hoje irradiadas no plano internacional mediante as ações das grandes empresas, assim como por conta de movimentos sociais de reivindicações de trabalhadores e pela influência das igrejas que representam um conservadorismo individualista que termina por servir aos interesses do grande capital e das nações mais poderosas. Também representa novas respostas para velhas questões mostrando o componente permanente e o transitório da vida política. 4.2. Kant, a revolução de efeitos retardados. Os efeitos do pensamento de Emanuel Kant no processo da modernização e no da definição de princípios concretos de democracia só passam a ser apreciados muito tempo depois de sua morte e depois que ele tenha sido contestado por Hegel. Kant é o principal pensador que faz a passagem do século XVII ao XVIII e tem um papel muito maior e diferente do que pretenderam seus seguidores imediatos e as coortes conservadoras que continuam invocando seu fantasma como se ele houvesse sido realmente um conservador. Há consenso sobre a complexidade da obra de Kant mas há uma grande diversidade de leituras desde uma apologia intuitiva de Karl Jaspers, uma visão metafísica de Heidegger 67 e uma espécie de anatomia formal de Jonathan Barnes, sem esquecer obras sintéticas porém perspicazes de Michele Crampe-Casnabet e de George Pascal. Trata-se aqui apenas de sinalizar sua importancia para uma teoria política que oscila entre uma visão categorial do problema e uma outra historicamente fundamentada. Kant torna-se indispensável pelo significado ontológico da critica, que representa um tiro abaixo da linha de flutuação da epistemologia neo-escolástica que o invoca como patrono, como Popper et allere. Kant começa por afirmar-se como um destruidor de dogmas e como o autor da maior síntese intelectual do chamado Iluminismo, do qual entretanto se distancia por romper com os fundamentos cartesianos desse movimento. Constrói sua própria linguagem e um sistema de pensamento que se estende desde uma teoria do conhecer até uma ética socialmente determinante. Ultrapassa o escopo da teoria do conhecimento e deriva uma filosofia social a partir de requisitos morais seculares que rompem com sua própria origem religiosa. A rigor, aprofunda e dá nova forma à grande ruptura iniciada por Spinoza de uma metafísica leiga e não a suposta indeterminação da consciência em Hegel, que seria incompatível com sua hipótese de uma lógica interna (dialética) do sujeito. O velho ser-aí da ontologia Jônica retorna como ser-no-mundo que será o ser social de Hegel e de Marx. Descobre-se a problemática da complexidade do sujeito como e enquanto ente pensante e não somente por uma determinação metafísica. Apresentam-se a seguir alguns elementos essenciais da filosofia crítica de Kant.

66 Dentre os muitos exemplos nessa condição será oportuno citar o poeta Claudio Manuel da Costa, provavelmente o principal líder da chamada Inconfidência Mineira que foi suicidado pelo regime colonial reconhecendo o potencial político de sua poesia. 67 A rigor a proposta de Heidegger é contraditória com a do próprio Kant, tal como se deveria depreender de seus Prolegômenos a toda metafísica futura.

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Com Kant se evidencia a relação método e objetivo como principio irrecusável do pensar filosófico. Na primeira parte de sua obra dedica-se à demolição dos dogmas do conhecimento e construção de uma crítica radical do conhecer que se converte em teoria do conhecimento revalidado. Será esse requisito de método que acionará a disposição de romper com os dogmas em si já é o primeiro passo na construção de um saber plenamente demonstrado que se reconhece como científico. A partir daí pretender-se-ia que a teoria política seria científica, que estaria acima dos impulsos irracionais. Mas não haveria um fundamento histórico propriamente dito que libertasse as ciências sociais do método das ciências da natureza. b. A razão pura. É a razão incondicionada. É a faculdade que se desprende de tudo anterior e permite rever constantemente o corpo conhecido. É o trabalho central na obra de Kant no qual ele realiza esta nova separação entre sujeito e objeto, subseqüente e diferente da de Aristóteles, em que o sujeito se apresenta como senhor de sua reflexividade e passa a poder exercer a crítica, isto é, a avaliação interna de seu próprio pensamento. A crítica da razão se realiza por meio da lógica da aparência 68. Distinguem-se a lógica da aparência (dialética) e a lógica da verdade (analítica). O entendimento aparece como campo de conhecimento consolidado. A razão vem a ser a faculdade criativa e como originadora de vontades (razão prática) derivando um imperativo categórico (ética). O conjunto das três críticas – crítica da razão pura, critica da razão prática e critica do juízo - como aparelho cognitivo, teoria do conhecimento e fundamento de uma teoria política da civilização 69. c. O discurso da razão pura torna necessário o da razão prática que é aquela ligada a um sentido de finalidade. A razão prática surgiria da impossibilidade do exercício da razão separada do mundo. Mas não é um preceito empírico. Como diz Kant, “todos os princípios práticos...são no seu conjunto empíricos e não podem fornecer nenhuma lei prática” (KANT, [2009] p. 36). A aplicação da razão será necessariamente sobre um encadeamento infinito de eventos e jamais seria um ato isolado. Não haveria como reduzir a abordagem da razão prática às condições do empirismo. d. Em sua rejeição do autoritarismo, Kant conclui pela necessidade da república que é o modo de acesso da maioria ao sistema de poder que, para exercer seu desiderato social precisa ter a paz como objetivo último da política. Há uma rejeição terminante à exploração e ao colonialismo. Em Kant a razão tem o poder criativo e supera as condições de consenso do entendimento. A visão da política surge de questionamentos radicais que se revelam na ligação entre a razão e as práticas da vida social. e. Em seu modo sistemático de pensar Kant estabelece uma simetria do pensamento – que ele próprio assemelha a uma arquitetura – definida nas três criticas: critica da razão pura, critica da razão prática e critica do juízo. No mundo de Kant o pensar se desloca de uma auto-reflexão para uma critica ética da vontade. A distinção entre entendimento e razão. O problema da sociabilidade do sujeito pensante. O pensamento de Kant suscita

68 Para uma análise dessa separação, ver Karl Jaspers, Os grandes filósofos, vol III. 69 No relativo ao estudo das três criticas como conjunto ver Luc Ferry Kant. É preciso registrar que esse corpo de pensamento que tem uma auto-sustentação ontológica se projeta em obras de significado social especialmente na Metafísica dos costumes. A leitura de Kant convida a pensar na civilização como tal e a não prender-se à forma Estado nacional ou a qualquer outra forma histórica que a ela se contraponha. Por isso cabe entender que o projeto filosófico de Kant fundamenta uma teoria política que ultrapassa os limites da teoria do Estado e se coloca como uma teoria da vida política.

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o problema básico de como passar da esfera individual para a social. Por decorrência, está em pauta a crítica da vontade, se inspirada em caprichos de autoritarismo ou guiada pelo imperativo da ética. f. Finalmente, a ética em Kant surge como regra e como princípio que liga pensar e agir e que impõe regras de conduta ao mundo político. A ética de Kant aparece hoje como a primeira crítica interna da lógica da acumulação de capital que se revela como uma contradição fundamental entre cobiça e solidariedade. O fundamento moral da política é inalienável constituindo portanto um principio revolucionário. Em síntese, a luta de Kant contra o empirismo significa uma valorização inalienável da pessoa como ente socialmente responsável, que é o que se conclui da Metafísica dos costumes. A filosofia de Kant estende à política uma ética secular que abrange o agir na esfera individual e na do coletivo e que torna a responsabilidade um termo incompatível com a tirania de Estado. Nada mais longe da “democracia” norte-americana, nem nada mais avesso ao pensamento científico conservador que substitui a história por uma filosofia da linguagem. Com suas propostas quase utópicas ou quase realistas Kant lançou as bases de uma teoria política crítica baseada nas condições da racionalidade. Cabe entender que a matriz teórica desenvolvida por Habermas se enquadra nessa perspectiva de análise. Ernest Nagel dará a versão sintética dessa abordagem com uma matriz epistemológica fundada em princípios gerais que são apenas compatíveis com ciências físicas plenamente observáveis. 4.3. Adam Smith e a revolução econômica da sociedade burguesa Adam Smith foi o primeiro a perceber que a renda da terra depende do que ela pode produzir, portanto de como ela é usada na produção social de valor. Também foi o primeiro a condicionar a lógica da eficiência a condições inerciais de transformação do sistema do sistema produtivo. Smith apresenta uma teoria da aplicação dos capitais – todo capitalista tem que se ocupar de tudo que tem o tempo todo – que invalida por antecipação a moderna teoria keynesiana dos investimentos. A mão invisível do mercado refere-se a uma dinâmica do sistema de trocas cujo rumo só se percebe na totalidade dos relacionamentos produtivos. Alem disso, entende que essa mecânica corresponde às condições éticas prevalecentes que são as das relações de classe antes que das opiniões dos indivíduos integrantes do sistema produtivo. A obra de Adam Smith é muito mais complexa e moderna que parece à primeira vista, porque combina uma visão moderna do trabalho, entre eficiência e controle, com uma percepção de incerteza e da dominação do capitalista pelo capital. A obra de Adam Smith tem uma ressonância da teoria de Newton no que oferece uma lei geral explicativa do funcionamento econômico da sociedade, mas contrastando-a com uma visão das condições de incerteza em que convivem as pessoas em sua condição de produtores ou na de consumidores. Mas ao condicionar a sobrevivência dos capitalistas a um cuidado permanente com o capital (Livro II) Smith insinua os elementos de uma teoria da dominação dos capitalistas pelo capital que teria que ser avaliada antes que descartada. Subjaz que a dominação atinge a todos, mesmo quando de modo diferenciado. Para Smith o capital se reproduz entre um movimento de busca de eficiência – a produtividade do trabalho – e condições ambiente de incerteza (Livro II). Há um elemento de acaso respondendo por uma erraticidade do sistema produtivo que está

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pré-determinado pela escolha das mercadorias mas que está sempre sujeito a mudanças para responder a sinais de mercado. Adam Smith trouxe uma visão da mecânica econômica do sistema social a partir de uma lei geral explicativa e de mecanismos de incerteza que antecipam mecânica e a moral do sistema produtor. Egoísmo e altruísmo encontram-se na base dos sistemas de poder. Princípios técnicos reguladores da vida social que se encontram no poder de dividir o trabalho. As implicações da divisão do trabalho como escolha de produtos e de técnicas e como controle social. A remoção de privilégios econômicos é uma forma de democratização do mercado que resulta em maior mobilidade para os capitais. Nesse contexto está a introdução do conceito de incerteza como condição que afeta a regularidade da autoridade. Na sociedade cuja economia se expande a divisão do trabalho torna-se o fundamento de uma sociedade de classes baseada em poder econômico. A divisão do trabalho aparece com a dupla função de definir uma sociedade de classes e de funcionar como mecanismo de incorporação dos ganhos de produtividade aos capitais. Smith percebe que a divisão do trabalho representa o poder de quem a organiza, que também é quem escolhe os produtos a serem produzidos, mas não dá o salto de ver as divisões específicas do trabalho como um aparelho de controle social. A identificação de um conjunto de princípios morais que devem constituir o piso institucional sobre o qual se assenta a sociedade econômica. A moral é apresentada como um problema de individualidade, entretanto, formativa de um contexto de ética igualitária. Essa ética entra em contradição quando se revela como um mecanismo anódino que favorece ao grupo dominante. 4.4. Hegel e a construção histórica da vida política, do Direito e do Estado A filosofia de Hegel é a da consciência, da fenomenologia e da dialética. Estabelece o sujeito como referencia, em vez da coisa da doutrina kantiana, e reclama a historicidade e a incontinência do processo do sujeito como e enquanto motor da formação de uma consciência ativa. A obra de Hegel é uma síntese reflexiva do pensamento filosófico, em que para situar o que é moderno recorre a uma visão renovada da antiguidade. Com Hegel passou-se a ver Platão e Aristóteles como finalização de um trajeto da filosofia que começa com Heráclito e Parmênides. Por isso, o trabalho de Hegel constitui a mais profunda ruptura entre a filosofia do sujeito individual indivisível e imutável formulada por Descartes e a do sujeito social histórico, em um grande movimento que desembocaria em Sociologia e Política 70. Hegel rompe com Kant por considerar que a objetividade de Kant leva a ma filosofia da coisa, quando se precisa de uma filosofia do sujeito, isto é, de uma filosofia que dê conta do sujeito pensante. No plano do Direito deriva princípios de crítica do sentido de finalidade da economia a partir da contradição entre a acumulação de capital e a satisfação das carências existenciais das pessoas. Avançaria no rumo proposto por Kant de uma ciência social, mas se separaria dele ao substituir a filosofia da coisa em si pela de processos internamente determinados e por extensão, ao colocar a história como demiúrgica. Se o racional é real a razão é histórica. Hegel produziu um grande sistema de pensamento que se distribui em quatro

70 Duas obras de Marcuse realizam essa recuperação do pensamento de Hegel, que são A ontologia de Hegel e Razão e revolução.

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grandes partes, que são [a] suas obras de juventude que se estendem a criticas de outros filósofos; [b] as obras constitutivas de sua Enciclopédia das ciências do espírito; [c] obras “colaterais”; e [d] obras formadas de textos coligidos por alunos. Hegel representa a principal bifurcação do pensamento moderno com um papel central na relação entre ontologia e método e desdobramentos organicamente essenciais na teoria da história, na estética e na teoria do Estado. A noção de totalidade situa a de Estado como e enquanto expressão da totalidade da vida política. A imensa literatura dedicada a Hegel e a sua filosofia geralmente trata de aspectos passando por alto a ênfase que ele dá ao conceito e ao significado de totalidade. Nesse sentido a parte de filosofia da história e do pensamento ocupa um lugar especial na teoria política porque é pela compreensão de história que se identifica um pensamento político. Nesse contexto têm um papel especial suas Lições de historia universal. O papel da dialética precisa ser estabelecido como método analítico e como ferramenta heurística. Hegel representa a ponte entre a filosofia e a ciência social como diz Marcuse71. Em vez de significar a lógica da aparência como em Kant, é a lógica do movimento interno do sujeito, de simples detentor de sensações a ser social integrado. A ciência social deveria dar conta da relação com a natureza e a liberdade é o princípio guia de toda a produção de conhecimento. A filosofia de Hegel rompe com a hipótese de autoridade natural, com isso descartando Hobbes e essa justificativa do autoritarismo. Ao considerar que as relações sociais são históricas Hegel investe também contra o contrato social de Rousseau, montando um sistema filosófico compacto baseado em uma progressão de contradições em que interagem o desenvolvimento da coisa em si – Fenomenologia do espírito - e o dos conceitos – Ciência da Lógica – convergindo em uma filosofia da história. A Fenomenologia do espírito é a primeira grande obra de uma maturidade precoce que constitui a chave da filosofia de Hegel ao restituir três tarefas fundamentais que são as de apresentar o sujeito como entidade portadora de consciência e capacidade de conhecer, estabelecer a dialética como lógica interna dos processos da natureza viva e estabelecer as condições de liberdade que são essenciais ao sujeito. Revela o espírito como sociabilidade. O agir individual se completa no mundo, onde há uma relação desigual, a progressão do saber como produto social. A identificação do agir do sujeito é passo necessário para um agir socialmente significativo. A Ciência da Lógica é o grande contraponto da formação do sujeito como ser social e desvela a polaridade interativa entre o processo interno do sujeito e o da contextura conceitual de sua relação com o mundo. Mas, nas sucessivas formas em que trata a lógica como ciência, até a Enciclopédia das ciências do espírito, Hegel faz uma manobra epistêmica ao colocar a “filosofia”da lógica antes da natureza. Repete o trajeto de Aristóteles de construir uma analítica (lógica) antes de empreender sua metafísica. A lógica passa a ser a ordem interna do pensamento político. A dialética é o método por excelência de Hegel, que a trouxe da Grécia antiga, mas certamente não seu único recurso de método. Para fins específicos de diferenciação de conceitos move-se mediante asseverações indiscutíveis, tal como é prática de Aristóteles. O método: a progressão necessária de negações como afirmação essência.

71 Herbert Marcuse, Reason and revolution, Boston, Beacon, 1967.

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A dialética como lógica interna do objeto inerente à vida. Nesse contexto, a lógica é vista como modo do movimento interno do ser e do conceito com que se organiza o conhecimento. d. A atividade política entende-se como atributo da vida social e a derivação de sociedade civil e Estado, no que Hegel retoma a tese de Aristóteles sobre a essencialidade da política. O Estado corporifica a racionalidade da política pelo que aparece como representação da racionalidade. O problema é que o Estado em Hegel é uma síntese de uma vida política. e. A história se vê como regra interna de mudança. As diferentes condições de mudança na história são a grande pista para compreender o essencial da civilização. A idéia que seria a síntese da experiência de cada povo contém subsumidas todas suas experiências. A obra de Hegel suscita bifurcações no plano da teoria política ao apresentar o Estado como representação de racionalidade, ao tempo em que trabalhar uma teoria da consciência social polarizada entre as condições de senhor e servo e ao admitir que a sociedade econômica funciona sobre trabalho abstrato. O historicismo em Hegel leva necessariamente a considerar as diversas manifestações de teoria como inseridas em processos históricos dotados de progressividade e de descontinuidade. O caráter enigmático do sistema hegeliano dá lugar a interpretações controversiais e alimentou leituras conservadoras e revolucionárias. Mas, sem dúvida, coloca parâmetros para a reflexão política mediante uma progressiva rejeição a um individualismo egoísta que o separa do conservadorismo da burguesia em ascensão. Historicamente a filosofia de Hegel ligou a autonomização do Estado à reflexividade da Sociedade Civil, abrindo três vertentes de desenvolvimento de idéias, que são [a] de um pensar filosófico da totalidade social, [b] de sociologia política que se faz cargo da questão do Estado como desdobramento do tema maior da sociedade civil e [c] de uma crítica da desigualdade social, que se tornará uma análise da sociedade de classes. Ao trabalhar o mundo social como um processo historicamente formado, Hegel modifica ou descarta o Direito Natural e coloca a racionalidade do poder também algo conquistado e não como um dom natural. A política será sempre histórica e social. Estas observações vão na linha do afirmado por Marcuse que a filosofia de Hegel tornou inevitável uma sociologia política. Na realidade a obra de Hegel obriga a uma leitura histórica das instituições e das relações de trabalho nas quais se encontra em potência a produção de uma visão civilizacional do mundo. 4.5. Ricardo e a política da economia nacional David Ricardo representa um pensamento essencialmente econômico que se manifesta como uma estruturação logicamente consistente, que tem a peculiaridade de sinalizar diferentes – e antagônicas – linhas de pensamento e desemboca, de modo não intencional em um projeto de política. Com objetivos próprios claramente econômicos terminou por influenciar pensadores colocados na perspectiva da filosofia como Hegel e na da critica social como Marx. A edição das obras completas de Ricardo por Maurice Dobb e Piero Sraffa abriu novos horizontes para a interpretação de seu trabalho. Estudo

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posterior de Dobb 72 reforçou esse filão, mostrando a fertilidade do pensamento de Ricardo para uma política que agregue os lados econômico e político propriamente ditos. Começando com grandes limitações conceituais, dada sua total falta de familiaridade com o questionamento filosófico, Ricardo intuitivamente desenvolve um sistema que passa de comportamentos individuais para combinações de situações comportamentais no conjunto da economia nacional, em que os comportamentos individuais estão condicionados por situações prévias à entrada em cena dos indivíduos. A formação de valor no sistema da economia resulta de atividades realizadas em sociedade e com objetivos sociais. Com Ricardo a economia política encontra um sistema operacional em que as possibilidades e as opções de política estão pré-determinadas. O reconhecimento de que há um jogo de interesses definidos além das posições individuais dá à política econômica o caráter de política no sentido estrito dessa expressão, como e enquanto política nacional. a. O modelo de Ricardo de análise da economia nacional contém pressupostos sobre trabalho e recursos naturais. Supõe oferta ilimitada de recursos naturais sob o nome terra. Supõe uma oferta ilimitada de trabalhadores que pode ser mobilizada mediante variações de salário. Tal pressuposto implica considerar que o mercado de trabalho pode ser decodificado a partir do trabalho simples, tal como estava previsto nas teorias do excedente em seus predecessores. É um pressuposto simplificador mesmo nas condições tecnológicas da época de Ricardo. Significa considerar apenas trabalho simples e não elabora sobre as diferenças de qualificação dos trabalhadores, quando sua própria teoria reconhece a especificidade do trabalho. A teoria ricardiana do salário resulta em uma teoria do controle econômico e político dos capitalistas sobre os trabalhadores em seu conjunto, mediante a administração do número de postos de trabalho disponíveis. b. O esquema de análise de Ricardo deixa em aberto o relativo à concorrência entre capitalistas que é onde se completa o conflito de interesses em torno do controle da acumulação de capital. A questão é que se os capitalistas concorrem entre eles por espaços de mercado os capitalistas derrotados são expelidos do mercado e deixam de ser capitalistas. Serão deslocados a atividades menos rentáveis ou perderão a capacidade de participar do mercado. Assim como há trabalhadores que se tornam redundantes, isto é, funcionalmente inúteis ao capital, na expressão do próprio Ricardo, há capitalistas que se tornam disfuncionais ao mercado e desaparecem como capitalistas 73.

72 Maurice Dobb, Theories of value and distribution since Adam Smith ( 1974)

73 Na história descontínua e cíclica da industrialização no Brasil há uma extensa lista de capitalistas, tanto com pequeno como com grande capital que foram expelidos do mercado, em parte por mudanças nas condições de concorrência e em parte por incapacidade de acompanhar mudanças nos modos de financiamento e de tecnologia. A relação entre o custo do dinheiro e a rentabilidade operacional das empresas leva muitas ao seu limite de solvência e à condição de dependerem de crédito a preços acima de sua capacidade de pagamento. Grande parte das indústrias do ciclo da indústria têxtil tal como muitas processadoras de matérias primas agrícolas sucumbiu, não só por conta do ambiente especulativo do mercado mas por não conseguirem acompanhar o ritmo de diversificação do mercado. Especificamente há um salto sistêmico entre a etapa das indústrias que se instalaram para o mercado interno e as que surgiram como parte de um movimento internacional de capitais. A situação de mercado é um dado fundamental que antecede as análises de competitividade de um dado parque industrial.

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c. No relativo à questão do valor, para Ricardo a formação de preços acontece em mercado aparentemente indiferenciado, mas onde há diferenças determinadas por grupos de renda e grupos de produtos (wage goods). É a condição social do trabalhador que qualifica sua atividade de consumidor. Por estarem limitados como consumidores os trabalhadores constituem um parâmetro na composição do mercado. Delineia-se portanto uma teoria da distribuição que observa a composição do mercado. Assim, a distribuição determina políticas cujo fundamento é garantir relações sociais de produção compatíveis com a reprodução do sistema produtivo. d. A existência de classes sociais na distribuição nacional da renda passa a ter que considerar os efeitos nacionais da teoria do comércio internacional, portanto, do condicionamento internacional da distribuição nacional da renda. A centralidade da distribuição da renda na determinação da produção confere ao trabalhador um determinado papel na sobrevivência dos capitalistas que dependem dessa demanda para afirmarem sua capacidade de acumular. Haveria, portanto, restrições da política econômica nacional que estariam além da própria esfera da economia. A política guiada pelo mercado revela-se como uma política nacionalista. e. A distribuição da renda como eixo da dinâmica social, que promove deslocamentos nas posições dos diversos grupos no sistema sócio-produtivo. A novidade é que a distribuição assume um papel perante as decisões do sistema produtivo, tornando-se uma característica objetiva do sistema social e não uma virtude comportamental dos burgueses como quiseram primeiro Benjamin Franklin com seu bom homem Ricardo nem Weber mais tarde atribuindo virtudes de disciplina e frugalidade aos protestantes. Na visão de Ricardo os protagonistas não agem por virtude mas estritamente por interesse. Protestantes e católicos foram igualmente dedicados à defesa de seus interesses e todos eles praticaram escravização quando lhes foi conveniente. Esses dados comportamentais decorrem da configuração das classes, isto é, são inerentes aos coletivos, são parte dos processos específicos de definição de interesses que caracterizam as classes. Como as posições das classes estão determinadas por sua capacidade de sustentar sua posição na renda nacional, resulta que a estruturação social se dá mediante fricção contínua de interesses interdependentes. O desempenho na economia se realiza mediante o comércio que é onde a desigualdade se converte em mecanismo racional. A centralidade do comércio garante um viés internacional no mundo da produção indicando a insuficiência de análises exclusivamente nacionais para determinar a formação e acumulação de capital. Capitalistas e trabalhadores funcionam em ambientes impregnados de internacionalidade que começa na determinação dos preços, continua nas vantagens relativas entre produtores de diferentes países e se consolida nas diferenças estruturais entre economias nacionais. Nada menos ricardiano que supor economias nacionais auto-suficientes. 4.6. Marx e a metamorfose do pensamento filosófico em teoria social e política74 Em Marx a política surge das relações de classe que são historicamente construídas e que são relações econômicas de poder. “A troca e a divisão do trabalho se condicionam mutuamente”(G. I, pp. 47). Marx consolida uma herança crítica do pensamento

74 Ver Fernando Pedrão, Um guia a Marx, notas de aula, Salvador, 2010.

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ocidental com seu fundamento em Aristóteles e com sua busca nos jônicos de um materialismo crítico. Representa um momento de síntese e ruptura do pensamento social burguês, que ao negar seu estatuto filosófico de fato avança no projeto de Kant e de Hegel de tratar a filosofia como ciência e expor o condicionamento histórico dos comportamentos dos coletivos. Com isso traz uma teoria do agir social específico, criando um fosso entre o pensar genérico do mundo social e o pensar historicamente determinado. Nenhuma possibilidade de encontrar afinidades entre Marx e doutrinas idealistas nem entre a anti-metafísica de Marx e o retorno a uma filosofia do individualismo. Se a teoria social de Marx traz uma nova teoria da individualidade, essencialmente em torno da função sócio-histórica do trabalho, trata de uma individualidade que se afirma no contraste com a coletividade da formação social. O mundo do capital é o da metamorfose do trabalho cujas qualificações técnicas correspondem a condições de cooperação. Como bem mostrou Lukács (1986), a essência do pensamento marxiano é a ontologia do ser social. O próprio movimento de reificação que reduz a pessoa do trabalhador a um homem unidimensional como denominou Marcuse (1967) é uma afirmação negativa da irredutibilidade da pessoa individual ao ataque despersonalizante do capital. Ao redigir seus Manuscritos econômicos filosóficos Marx assume um projeto ideológico de converter a filosofia em teoria social e política, para isso mobilizando a economia política. Na polêmica sobre o trabalho Marx passa por alto o trabalho dos independentes ou autônomos utilizando a hipótese simplificadora que na produção capitalista há apenas os que contratam e os que são contratados. O trabalho na produção capitalista é o esforço daquele que é explorado, mas o trabalho está além da exploração e também é o modo como se supera a exploração e se realiza a emancipação. O trabalho será o meio de comunicação e associação já que a consciência do processo social vai para os trabalhadores que sempre estarão presentes na produção enquanto o capital se despersonaliza e o capitalista se dilui como representante concreto do capital. As manifestações mais diretas de teoria política de Marx estão no Manifesto e na Ideologia alemã, em que combina uma leitura histórica dos processos da atualidade com a identificação das grandes contradições do mundo político. A contribuição de Marx para um pensamento teórico da política pode ser traçada desde o Manifesto Comunista e a Ideologia alemã até o Capital. Ressalta o papel da dialética como lógica interna da transformação social e a definição de uma linha de análise mediante a crítica da propriedade, ressaltando a divisão internacional do trabalho, a alienação e a exploração. Nesse contexto se configuram a internacionalidade dos interesses do capital e dos do trabalho. Define-se uma crítica do fundamento político na acumulação violenta legalizada. Assim, há uma inércia histórica do sistema de decisão no modo capitalista e as condicionantes privadas da vida pública. A atividade política aparece como projeção de interesses de classe. A análise histórica de Marx desemboca nas duas teorias sociais fundamentais da alienação e da exploração. Na análise do sistema sócio-produtivo do capital distingue-se um nível da mecânica da reprodução do sistema e outro, subjacente no anterior, de funcionamento político do sistema, e quem se começa por uma relação de poder entre classes sociais e se continua na concentração do poder no Estado, o qual funciona como representante dos interesses dos capitalistas e opressor dos trabalhadores. Porém Marx não ignora as interpenetrações entre as esferas do interesse privado e do público, com a conseqüência de que o capital privado usa o Estado diretamente mediante a concessão

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de obras públicas e indiretamente mediante o controle do sistema bancário e do financeiro e da tributação. Há, portanto, um problema decorrente do uso do poder econômico no condicionamento do sistema político, que está na essência da disputa do capital por garantia de lucro e rejeição de risco. O Estado passa a ter a função de absorver os riscos do capital. Em geral se aceita que Marx rompe com a filosofia de Hegel por rejeitar a separação do Estado e da sociedade civil e por também não aceitar que a consciência surja de um processo individual e não histórico. Cabe entender que a segunda dessas observações não procede e que a separação entre os dois se dá porque Marx integra o conceito de dialética com o de práxis. Por conta dessa operação Marx passará a perceber movimentos concomitantes na esfera da sociedade em seu conjunto e na do Estado. O foco da análise passará aos processos que transformam uma e outro. A práxis é apresentada como fundamento de uma teoria social crítica e baseada na concretude da história. As relações de poder se realizam por meio da práxis que ao mesmo tempo transfere diferenciação para a vida política 75. A práxis se modifica constantemente pela acumulação de experiência e pela substituição de tecnologia. O movimento da práxis faz com que a transformação seja a lógica interna da sociedade do capital e leve à concentração do poder econômico e do político. Cabe arriscar a hipótese que a divisão de posições entre Marx e Hegel não pode ser traçada por sua critica da filosofia do Direito de Hegel nem porque este fundasse sua filosofia em uma consciência abstrata de um sujeito não histórico. Diremos que essa separação se dá porque Marx representa a historicidade do trabalho, que é contraditória com a defesa do direito de explorar do capital. Esse direito não declarado está na base da produção industrial na Europa e na colonização no resto do mundo. Diga-se que as correntes teóricas surgem com uma função objetivo não declarada de representar determinado sistema de poder econômico ou político. A transformação econômica se projeta no sistema do poder, pelo que a seqüência de formação, acumulação, concentração de capital corresponde a processos da vida política que se concretizam na relação entre sociedade de classe e Estado 76. Para Marx o processo político modifica continuamente as relações sociais incidindo sobre as formas de organização política as quais se tornam portadoras e transmissoras de ideologia. O Estado interage com os processos de transformação do mundo social pelo que não pode ser reduzido apenas ao seu papel de opressor. Os interesses da burguesia penetram no arcabouço do Estado ao mesmo tempo em que o Estado se projeta sobre os aparelhos constitutivos da esfera privada, na empresa e nos consumidores. A teoria da exploração em seu significado político deve ser lida de modo amplo, verificando-se que a exploração capitalista se realiza dentro dos estabelecimentos produtivos e fora deles, mediante mecanismos de poder que se realizam no plano político. A noção de biopoder trabalhada Foucault e Negri ajuda a esclarecer esse mecanismo que passa das relações de trabalho para relações de dominação pessoal. No sistema sócio-produtivo em seu conjunto, a exploração é um processo sistêmico, que atinge aos explorados, primeiro quando desaparece o limite de seu horário de trabalho e em seguida, quando engaja os trabalhadores em sistemas de competição que alteram sua

75 Ver Adolfo Sánchez Vasquez, Teoria da práxis 76 Ver Nicos Poulantzas, Poder político e classes sociais e Estado, poder e socialismo

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vida pessoal e familiar. Esse movimento geral de acumulação gera forças sociais contrárias, criando movimentos que representam o trabalho e concretamente aos trabalhadores, desencadeando lutas de classes. A politização da sociedade é o meio de reverter a alienação conduzida pelo processo do capital 77. A partir daí surge a idéia de alienação ativa que se procura desenvolver neste estudo vem da constatação que a classe dominante – aqui um conceito mais amplo que o de burguesia – precisa estar alienada para se identificar plenamente com os interesses do grande capital. A alienação ativa faz com que as elites alienadas procurem as fontes de sua dependência para se atualizarem em sua condição de alienados. É o mecanismo de continuidade da alienação e auto sustentação da alienação, que passa da escala individual para a de uma coletividade difusa que se identifica com sua matriz hegemônica 78. Segmentos de classe cuja identidade como moradores e como associados funcionam como ambientes sociais que desenvolvem seus próprios códigos de reconhecimento, aferram-se a linguagens como símbolos de identidade e passam a discriminar quaisquer tipos de referência que lhes sejam estranhas. Nesse contexto estão as linguagens de marginalizados, de imigrantes, de “tribos” urbanas, integram-se maras de delinqüentes, criam-se códigos de reconhecimento por meio de tatuagens e de gírias. Torna-se evidente a necessidade de trabalhar com os aspectos de identidade forçada das sociedades fraturadas do capitalismo avançado.

77 Ver Istvan Mészaros, A teoria da alienação em Marx, São Paulo, Boitempo, 2006. 78 Um exemplo a ser meditado é o da cooptação das elites que desenvolvem laços de adesão não critica com centros de outros países onde fazem seus doutorados, com os quais renovam laços de dependência. Junto com vantagens sempre elogiadas dos intercâmbios internacionais eles relações equivalentes às da relação entre assistência técnica e dependência tecnológica.

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5. Os grandes conflitos de pensamento 5.1. Interesses, ideologia e hegemonia Longe do ambiente pseudo-cientifico do liberalismo conservador, o pensamento político, com variados graus de cientificidade, é inseparável do pensamento social em geral e do cientifico, porque constitui uma síntese do agir social ditado por objetivos de poder. O que muda com o tempo é o modo de defender os interesses. A polarização de interesses trazida pela revolução burguesa materializou-se em uma sociedade de classes em que os interesses individuais estão necessariamente referenciados por situações de classe. O fundamento da questão política encontra-se nesse condicionamento do individual pelo coletivo e em condições em que não necessariamente os interesses individuais são percebidos pelas pessoas. Nas sociedades mais desiguais em que o controle das oportunidades de emprego é um fator decisivo de poder, a percepção das situações de interesse já é parte do arsenal de desigualdades que sustentam o controle do trabalho. As informações sobre oportunidades de emprego junto com influências para o acesso a emprego são parte essencial da revolução burguesa que desenvolveu relações entre o capital e o Estado por um lado e entre o capital e os diversos segmentos de trabalhadores por outro lado. Nesse ponto descobre-se que o reconhecimento dos fundamentos de interesse também é o do contexto ideológico das relações de interesse. A ideologia é a última representação de interesses organizados mas não necessariamente é igualmente visível a todos. Uma parte essencial da ideologia do conservadorismo consiste em denunciar ideologia como tendenciosidade política e pretender uma ciência social não ideológica, simplesmente comportamental. A polaridade entre o individual e o coletivo foi projetada no confronto entre historicismo e positivismo que aparecem, alternativamente, como opções de método ou como ideologias científicas se esta expressão se sustenta. A raiz do problema está na questão inarredável de positividade do conhecimento científico que deve ser atendida de um modo ou outro quando se trata da identificação dos objetos de estudo. O reconhecimento da historicidade dos objetos de estudo não pode significar uma diluição de sua concretude. O Império Bizantino é historicamente concreto mas não pode ser estudado unicamente por sua legislação senão pelo modo como ela foi funcional ao sistema de poder. Assim, a disputa contra o positivismo se deve a sua incapacidade de manter a identidade concreta de seus objetos de estudo que são substituídos por meras representações simplificadas 79. O século XIX deixou uma grande herança de sistemas de pensamento representando visões de totalidade ou abordagens que incitam à construção de sistemas tais como a filosofia de Hegel, o evolucionismo de Darwin e a teoria de Marx. Será preciso reavaliá-las na construção de um ponto de vista historicamente válido, numa perspectiva crítica da cientificidade da ciência política. Como diz Bochenski (1972), uma diferença

79 No documento histórico sobre essa polêmica que é A disputa do positivismo na sociologia alemã, assinado por Adorno, Popper, Habermas, Albert e Pilot, da pena do primeiro configura-se uma critica à sociometria que substitui o histórico concreto por simbolismos estatísticos.

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significativa entre o século XIX e o XX está na tendência à construção de grandes sistemas no primeiro e na rejeição a sistemas fechados no segundo. A liderança no campo social é alemã e austríaca e prossegue com Böhm-Bawerk, Freud e Weber. A ascensão prussiana é decisiva em vários campos que retroagem no campo do pensamento político, compreendendo Max Weber, Von Thunen e Oswald Spengler. Também na Física com Planck, mas com as presenças poderosas de Henri Poincaré, Louis Pasteur e Claude Bernard. No eixo de metodologia-teoria, indo ao eixo específico metodologia-teoria social está armado o cenário para a hegemonia do positivismo 80 e para sua impugnação pelas correntes de pensamento que invocam a prioridade do fundo existencial da razão e para os que apontam à necessidade de revalidar a perspectiva histórica. A pretensão do “neo” positivismo de se colocar um degrau acima dos problemas de método das ciências e dalí impugnar as ciências sociais81. O positivismo legitimado começa por ignorar as críticas que se acumularam em outras correntes de pensamento e em construir uma teoria positivista do conhecimento que se identifica com uma ciência sem questionamentos sociais, tacitamente alinhada com a reprodução do poder hegemônico. É a economia de Vilfredo Pareto e de Stanley Jevons e a sociologia de Auguste Comte. O marco teórico mais amplo é dado por filósofos das ciências como Nagel, Popper e Bachelard, sob variadas denominações e os aspectos mais específicos na economia neoclássica, na sociologia positivista e na teoria política descritiva. Nagel oferece uma abordagem unificadora do campo científico fundamentada na consistência de uma visão de método acima das ciências particulares 82. A distância entre uma teoria descritiva, outra interpretativa e outra contestatória torna-se o eixo de um pensamento histórico crítico, justamente por criticar a cientificidade do pensamento teórico oficializado. Os desafios representados pelos problemas de processos de desigualdade, sob os títulos de subdesenvolvimento ou de atraso alinharam questionamentos dessa ciência social não histórica, tornando obrigatória uma revisão das correntes de pensamento no campo social hoje. Logicamente, se essa teoria opta por ver indivíduos em lugar de seres sociais, se continua com o preceito cartesiano de que é possível dividir um problema em suas mínimas partes para estudá-lo, ela permanece fora do desafio representado pelo subdesenvolvimento que requer uma visão da totalidade histórica do processo de dominação . 5.2. A teoria política do imperialismo

80 Defendida pelos seguidores de Auguste Comte em sociologia, pelos alunos da escola marginalista austríaca de Böhm-Bawerk na Europa e nos Estados Unidos. 81 Para Karl Popper as ciencias sociais serão científicas por extensão das da natureza e constituem “um lodaçal metodológico. Para Thomas Kuhn elas podem chegar a ser cientificas. No entanto Popper fala em demonstrações conjeturais e Kuhn fala de paradigmas sem se libertar do imobilismo do universo newtoniano. Não há porque supor que as ciencias sociais devam nada a esses senhores. 82 As idéias de Nagel estão apresentadas em seu Estrutura da ciência que constitui uma nova leitura do kantismo voltada para uma cientificidade lógica.

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O imperialismo sempre existiu mas como o conhecemos hoje surge em seguida ã batalha de Waterloo e se consagra no Tratado de Viena em 1830. O imperialismo moderno deriva da ascensão de novos grandes capitais, usando a tecnologia militar como elemento de persuasão diferente daqueles que eram uma grande encenação. O imperialismo usou/a regras de convencimento O século XIX foi, por definição, o da formação do imperialismo, ou de um imperialismo moderno, que é o mesmo que dizer do imperialismo da sociedade industrial, assim como das doutrinas de fundo cultural pré-capitalista. A defesa do imperialismo é assumida pela sociedade burguesa e se revela plenamente descobrindo o fundamento ideológico da neutralidade científica e da desconstrução de um método social histórico. Há uma teoria política do imperialismo que vem se desenvolvendo desde o início da ascensão da burguesia e que constitui um continuidade da teoria da ciência fundada no conhecimento da natureza. O movimento de restauração das monarquias européias que sucedeu à queda de Bonaparte resultou em uma mobilização ideológica representada pelo tratado de Viena articulado por Metternich (1830), com uma influência decisiva nas doutrinas políticas de intervencionismo e colonização. A política de restauração e o conservadorismo das novas alianças políticas domina o cenário político do imperialismo que sustentou o início da segunda revolução industrial e que se desdobra em diversas versões do colonialismo moderno 83. Carrega uma renovação das doutrinas de diferenciação entre nações portadoras de progresso e nações com vocação para serem dominadas. A superioridade europeia é a grande justificativa para novos movimentos de expansão sobre os demais continentes e para supor que os europeus têm precedência no uso de recursos naturais das nações não industrializadas. Adiante veremos que essa mesma atitude será utilizada na doutrina de limites do crescimento, de controle demográfico e de controle internacional do meio ambiente. Sobre essas bases identificam-se diferenças essenciais entre o conservadorismo imperialista e o nacionalismo de List, Hamilton e Bismarck. A aproximação instintiva entre List e Hamilton é reveladora tanto como a adesão ativamente acrítica de intelectuais como Isaiah Berlin e Harold Bloom. Torna-se necessário olhar para o potencial imperialista das diversas versões da industrialização. Destacam-se as figuras de Thomas Macaulay, Pitt e Lord Salisbury exprimindo o discurso do imperialismo inglês com expressões literárias como Rudyard Kipling, Forrester, Joseph Conrad. O nacionalismo italiano e alemão aparece primeiro como crítica do generalismo dos economistas clássicos que simplesmente levam argumentos para favorecer a Inglaterra, mas toma novos matizes quando passa a defender os interesses expansionistas norte-americanos. No início do processo o utilitarismo de Jeremy Bentham e o liberalismo de John Stuart Mill identificam a racionalização dos interesses do capitalismo, que encontra sua expressão nas doutrinas econômicas de Stanley Jevons do lado do empirismo inglês e de Bóhm-Bawerk do lado do neokantismo fundador do positivismo. A formalização do positivismo com Pareto ofereceria um instrumental consistente para fazer a ponte entre a análise conceitual positivista e a construção de uma ferramenta quantitativa de análise, revelando seu engajamento político. Com a doutrina da seleção pelo mais forte Pareto daria a base ideológica do fascismo moderno. A economia ortodoxa que suprime a

83 Observe-se que Henry Kissinger procurando estabelecer a base doutrinária do imperialismo norte-americano escreveu um livro sobre restauração do poder tomando Metternich como referência.

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dimensão tempo e adota uma análise estática desempenha esse papel. A economia neoclássica que é sua versão atual reduz as situações de escassez as de escassez relativa desconhecendo as situações limite e a escassez absoluta que vem a fundamentar a economia da ecologia. A vertente do conservadorismo católico – Lammenais, Maurras etc – se cruza e complementa com a do proselitismo protestante. O ativismo católico europeu e o protestante norte-americano são essencialmente diferentes mas resultam em sustentação de uma dominação sutil, supostamente pós-colonial, das nações menos industrializadas. Uma penetração do ambiente social latino-americano por ativistas religiosos norte-americanos que funcionam como emissores de uma ideologia individualista conservadora. Esta questão se reveste de maior complexidade quando se trata de avaliar o significado político das novas seitas de massas surgidas no Brasil. Por teologicamente simples que sejam elas ocupam um espaço no imaginário popular que as converte em forças políticas. 5.3. O fascismo O fascismo é muito mais vasto, complexo e abrangente que parece à primeira vista. Passou por várias mudanças de endereço e hoje está presente na maior parte dos países mais ricos. No dizer de André Malraux o fascismo surge da omissão da classe media. Outro especialista no assunto foi Curzio Malaparte apresenta o fascismo como um modo de poder que ignora os direitos dos demais. Houve diversas fontes europeias de fascismo, muitas das quais ativas até hoje, que exerceram influencias na América, tanto em associações com movimentos militares tal foram Pátria y Libertad no Chile e Tradição, Pátria e Família no Brasil. Fascismo na Argentina como o Grupo Tacuara alem dos expoentes do golpe de Estado de 1976 que realizam uma guerra interna. Fascismo nos Estados Unidos como a Comissão McCarthy. No Chile claramente fascismo inspirado no fascismo espanhol do franquismo. Torna-se necessário rever o significado e o papel do fascismo na sociedade moderna, principalmente nas etapas mais avançadas do capitalismo. Há uma identificação entre a rejeição do fascismo as formas mais urbanas do ambiente do capitalismo, que surge de um culto irracional de formas tradicionais de autoridade que recorre à militarização, que em vários casos se identifica com forças armadas tradicionais e usa mecanismos de discriminação social como meios de poder. Na Itália como na Espanha carrega um apelo a projetos pré capitalistas de poder, já fosse com a proposta de recuperar o poder do Império Romano ou os princípios feudais de autoritarismo. Nas palavras de André Malraux o fascismo surge do individualismo e da omissão da burguesia. Há diversas variantes de fascismo mas todas elas se identificam com a defesa da propriedade, que geralmente associam com religião. Porém somente enquanto tradição, já que os principais regimes fascistas, na Itália e na Espanha, voltaram-se contra a igreja toda vez que ela apareceu como freio ao poder autoritário. Em sua essência o fascismo é o regime do poder autoritário centralista, de bases tradicionais que utiliza a força para neutralizar quaisquer oposições. Houve diversas manifestações de fascismo na Europa, em regimes na Polônia, na Tchecoeslovaquia, além de importantes movimentos na França, na Bélgica, na Noruega e outros. Em todos os casos, com posições de autoritarismo violento procurando uma alternativa moderna para valores da sociedade patrimonial e corporativa. Identificou-se com xenofobia e discriminação nacionalista.

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No Japão identificou-se com um imperialismo associado a racismo, no caso anti-chinês.Na América Latina o fascismo se apresentou por meio de associações entre grupos católicos de extrema direita e elementos das forças armadas e do poder judiciário, com uma trajetória de identificação com os regimes autoritários europeus. O peronismo da primeira fase foi o regime mais ostensivamente fascista do continente, mas os governos de Ibañez (Chile) e de Getulio Vargas utilizaram símbolos e estratégias fascistas de controle social. Para uma investigação atual a questão geral do irracionalismo aparece como fundamento do autoritarismo e do fascismo em suas vertentes no poder, na vida pública e na academia 84. Os recursos do fascismo à tradição e à sociedade pré-capitalista se reproduziram no Brasil na forma do integralismo. Sociedades corporativas, reproduzindo as medievais, substituiriam a moderna sociedade de classes, tal como no modelo do fascismo de Mussolini que se tentou copiar na Argentina e no Brasil onde deixou rastros ainda claros. Essas modalidades de autoritarismo baseado em defesa de tradições identificaram-se com as formas estamentais de autoritarismo, legitimando os golpes de Estado militares, tal como aconteceu no Brasil em 1964 e na Argentina em 1967 e em 1976. Será preciso distinguir entre as formas do fascismo europeu e as do autoritarismo ibérico e latino-americano. O fascismo europeu, tanto o italiano como o espanhol, apoiaram-se em tentativas de recuperar prestígio passado, fosse do velho império romano ou do império espanhol decadente desde o século XVII mas perdido de fato no fim do século XIX. O fascismo espanhol procurou saídas nacionalistas aliando-se ao nazismo. O autoritarismo latino-americano recolheu elementos de poder do próprio colonialismo para alimentar tradições pouco consistentes mas impostas com a ajuda da Igreja Católica. Esse autoritarismo também aproveitou as raízes indígenas para alimentar suas figuras totêmicas como a Mãe Terra e o Tata. 5.5. O socialismo precursor A produção industrial se instalou por meio da mineração cujas demandas de serviços de transporte sustentaram as primeiras ferrovias e ensejaram a criação de massas de trabalhadores . Tal como se viu na Revolução Mexicana foram essas massas de ferroviários e mineiros que compuseram os quadros de trabalhadores politizados e que adiante foram seguidos pelos portuários. O que se convencionou denominar de socialismo é a defesa dos interesses dos trabalhadores. A perspectiva dos interesses do trabalho se configura junto com o aparecimento de um operariado nas minas, nos sistemas de infra-estrutura e nas fábricas no que se refere à sociedade moderna. Logicamente isto não implica em desconhecer o significado social de levantamentos de camponeses, de inspiração religiosa ou leiga, que vêm desde a Idade Média mas são situações incomparáveis porque as condições de concentração de pessoas no ambiente da produção industrializada carregam uma equivalência entre trabalhadores que é dada pela organização capitalista da produção . Desde o século XVIII surgem autores e obras exprimindo as perspectivas ideológicas do povo. Prática e teoria combinando utopias e

84 Ver Georg Lúkacs, O assalto à razão (1978)

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experiências. Saint Simon, Fourier, Robert Owen, Hodgskin. Verifica-se uma passagem desde formulações simplesmente idealistas a outras que carregam crítica social. Propostas quase utópicas que se tornam parte do acervo teórico 85. Há uma leitura histórica da utopia por Marx e outra idealista por Mannheim 86. O anarquismo. O anarquismo é a corrente ideológica que vê a política como prática radical. O anarquismo trabalha com o principio de um Estado negativo como máxima liberação das forças sociais. Bakunin e Kropotkin são ícones do anarquismo que entretanto se nutre de situações concretas. A teoria política na literatura: Tolstoi e Zola. O anarquismo se identificou muito com uma noção de poder local como alternativa ao centralismo do Estado, mas não teve os argumentos para defender do crescimento da esfera pública 87. Há uma pluralidade de experiências políticas desde movimentos de mineiros e operários no século XIX até uma atividade significativa na guerra civil na Espanha. Há diferenças importantes entre o anarquismo quase místico russo, o anarquismo operário francês e o dos pequenos produtores e independentes no sul a Espanha e no norte da Itália. Algumas estratégias anarquistas, tais como a greve e a co-gestão foram incorporadas pelos movimentos socialistas, mas ficaram delimitadas pelo espaço social ocupado por trabalhadores independentes. Cabe entender que falta uma revisão dos conteúdos anarquistas de muitos movimentos sociais de hoje, inclusive dos movimentos que se realizam sob a denominação geral de solidariedade. O anarquismo chegou a formar partidos políticos na Itália e na Espanha – a Federação Anarquista Ibérica – e chegou a ser um movimento organizado no México, no início da Revolução Mexicana, quando ficou identificado como Orozquismo88 por referencia a Pascual Orozco seu principal líder. No México grupos de exilados anarquistas reorganizaram a luta contra o regime franquista e influíram sutilmente em rumos das disputas internas do partido do governo. Porém não se adaptaram às condições políticas do mundo industrializado pelo que devem ser tratados como um principio ativo e não como um partido político. Hoje é preciso pensar que o anarquismo é mais uma atitude que uma doutrina e que reaparece incorporado no discurso utópico que combina ambientalismo com comunitarismo, com influencias de religiões orientais e referencias a autores como Henry Thoreau e Torstein Veblen. Esse novo anarquismo aproxima-se de um cristianismo primitivo e renega os valores da sociedade industrial. Capta correntes dissidentes do grande sistema de poder ao qual entretanto não enfrenta. 5.6. A mobilização anti-marxista Marx é determinante no desenvolvimento da Sociologia, da Economia e da Política porque tudo que aparece depois dele é para apoiá-lo ou para negá-lo, mas está condicionado por ele. Na segunda metade do século XIX surge na Europa central uma teoria econômica encabeçada pelo trabalho de Böhm-Bawerk e Karl Menger declaradamente anti-marxistas, representando uma corrente positivista que se apóia na

85 Ver Georges Gurvitch Os fundadores da sociologia,e Ronald Meek, Ideologia e utopia 86 O pensamento de Mannheim está bem representado por Ideologia e utopia. 87 Ver George Woodcock, Os anarquistas 88 Movimento liderado por Pascual Orozco, primeiro líder anarquista latino-americano.

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teoria do conhecimento de Kant, mas que a deturpa por não considerar a doutrina das categorias daquele filósofo. A teoria social histórica de Max Weber também é declaradamente anti-marxista conquanto nem sempre o seja 89. Weber representa um positivismo historicista. Surge o positivismo como método anti-histórico 90 gerando uma doutrina de realpolitik com derivação ao autoritarismo estatal modelado na unificação da Alemanha de Bismarck 91. Desde o início, há uma bifurcação nos rumos do positivismo, com uma vertente política radical incorporando o elitismo de Pareto, e outra com Weber, baseando-se em uma neutralidade axiológica que se materializa em opção ideológica indireta. O autoritarismo nacionalista por sua vez se associa com filosofias da vontade dominante com Nietszche e depois com Gobineau e Rosenberg. É o caminho do irracionalismo e do autoritarismo “de Scheling até Hitler”92 que depois se enfrentará com novas fontes de irracionalismo no ambiente das empresas 93. À mobilização anti-marxista passou pelos grandes movimentos do nazismo e do fascismo e foi incorporada como parte essencial do discurso dos governos da aliança ocidental na guerra fria sob a bandeira do anti-comunismo. As idéias de Marx passaram a ser definidas como superadas – não obstante os inúmeros retornos a Marx – ou apresentadas mediante simplificações tais como de ricardiano menor por Paul Samuelson, ou mesmo de plagiário por outros autores menores. Max Weber. Weber oferece a mais completa e estruturada análise burguesa do mundo social e consolida a fundamentação histórica que sustenta uma visão liberal do processo da sociedade do capital. Colocando-se contra Marx não escapa da injunção de tratar com as inter-relações entre infra-estrutura e super-estrutura terminando por aproximar-se do campo temático levantado por Marx. É a obra mais complexa e abrangente da teoria política burguesa. Em Weber a polaridade entre a esfera individual e a coletiva assume nova dimensão. Surge uma teoria individualista das classes sociais. A dominação é tomada como principio ordenador do poder político. Há uma articulação entre instituições responsáveis e ética individualista. Há uma negação de classes como representação de interesses conflitantes. O papel dos estamentos na composição do poder. O Estado se vê como máxima entidade que incorpora racionalidade e cria mecanismos operacionais como a burocracia. No relativo a tratamento teórico da política a obra de Weber coloca uma equação central a ser dilucidada que está no eixo entre as condições sociais de dominação e o controle social do Estado. A categoria básica da explicação histórica de Weber é a dominação, que será legitima ou ilegítima, mas que é inseparável da institucionalização do Estado como principal evento da vida política. O Estado não é apenas uma representação, é uma entidade historicamente criada, que passa a corporificar a união do povo enquanto nação, já que para Weber a nação é a expressão política do povo. A análise de Weber é explicativa e

89 Ver René Gertz (org.), Max Weber & Karl Marx, 90 Torna-se necessária uma nota especial sobre positivismo em geral e como método nas diferentes ciências. 91 Ver a crítica de Theodor Adorno ao “absolutismo lógico”em sua Metacrítica (1976). 92 Ver Georg Lukacs , op.cit, 93 Torna-se necessária uma pesquisa mais cuidadosa sobre o irracionalismo nas empresas, principalmente como conseqüência de estrategias de defesa de espaços de autoridade. Os conflitos de poder aparecem de diferentes formas nas grandes e nas pequenas empresas e refletindo sua capacidade de se adaptarem a modificações de mercado.

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segue pistas conceituais, assim na sociologia da dominação é preciso incluir um capítulo especial de uma sociologia do Estado. Weber distingue o arcabouço institucional do Estado das habilidades que ele desenvolve para se operacionalizar. Nesta última parte entra a burocracia, que passa a se instituir. A burocracia portanto terá sempre duas caras, aquela que é dada por seu alinhamento com o poder político e aquela outra proveniente das competências que desenvolve. Ao trabalhar a ética por seu fundamento religioso, Weber se distancia de Kant, que procurava uma responsabilidade individual civilizacional leiga. Na perspectiva kantiana seria preciso ver essas pseudo virtudes da ética protestante como mecanismos de discriminação e egoísmo. O levantamento da questão religiosa é a abertura de uma caixa de Pandora que obriga a uma devassa da ambivalência do capitalismo europeu com valores de equivalência na Europa e pirataria e colonialismo no resto do mundo. Tanto como está clara a necessidade de uma sociologia política da religião ficam, também, em aberto as questões de revalorização das religiões e de separação entre poder temporal e secular. A historicidade da análise de Weber expõe uma contradição do positivismo no campo social que é a impossibilidade de registrar a complexidade dos comportamentos dos indivíduos e dos estamentos sem reconhecer seus fundamentos em processos determinados por transformações de coletividades. 5.7. As teorias políticas do socialismo pós-Marx O legado de Marx entranha a responsabilidade histórica da ciência social e suscita diferenças entre correntes de pensamento com visões desiguais de ativismo político,94 com correntes e personalidades pretendendo ter a exclusividade dessa herança. Será preciso distinguir pelo menos três vertentes de teoria política no campo do socialismo depois de Marx. A primeira reúne a variedade de trabalhos de continuação da obra de Marx, justamente ou injustamente, pretendendo representar os pontos de vista do próprio Marx. A segunda corresponderia ao socialismo no poder e a terceira a contribuições colaterais e de dissidentes em diversas partes do mundo 95. Engels. Friedrich Engels foi visto como o grande colaborador de Marx, pela contribuição a diversos textos assinados pelos dois e especialmente pela participação em O capital. No entanto é preciso distinguir sua própria obra, especialmente seu papel na formação de uma teoria política do marxismo. No entanto, sem dúvida, Engels continua a obra de Marx, dando uma notável contribuição ao pensamento marxista, especialmente com uma participação não demarcada em O capital, mas com leituras da obra original que se passa a rever como próprias. Levanta uma questão polêmica do marxismo relativa a uma dialética da própria natureza que se torna um ponto fundamental de controvérsia no campo marxista, mas que senta as bases de uma teoria política revolucionária 96. Na verdade a proposta de dialética da natureza constitui um retorno à proposta de Hegel, tal como está exposta na Enciclopedia das ciências do espírito agora transposta para a linguagem do materialismo. Em suas últimas obras Engels adota um ativismo que se identifica com uma corrente revolucionária que se sustenta em determinada interpretação dos processos da natureza questionável à luz do

45. Ver Leszek Kolakowski, Las principales corrientes del marxismo, 3 vols. Madrid, Alianza Editorial 95 Para uma visão de conjunto da corrente do marxismo cabe ver Leszek Kolakowski, op.cit, 3 vols.,Madrid, Alianza Editorial, 1985. 96 Ver Gareth Stedman Jones, Retrato de Engels, História do marxismo, Eric Hobsbawm, vol.1. São Paulo, Paz e Terra, 1981.

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conhecimento científico de hoje 97. A defesa dos pontos de vista de Engels torna-se questão fechada do marxismo-leninismo mas é tacitamente desmontada pelo stalinismo, que administra as prioridades do socialismo. A questão de um ativismo que se identifica com os pleitos dos trabalhadores mais pobres enfrenta o problema maior de situar os diversos grupos de trabalhadores em um contexto unificado de confrontação com os interesses do capital. O dilema entre concertação e confrontação ocupa a primeira linha da identificação do socialismo na periferia do capitalismo mundializado. Lenin. Com Lenin se estabelece a diferença entre a teoria política como análise e como teoria de um agir transformador guiado por uma ideologia social, assim como a diferença entre os movimentos próprios da internacionalidade do capital e os da transformação do Estado. Daí surgem suas obras – O imperialismo fase superior do capitalismo e Estado e revolução. No entanto Lênin não perde o significado do método como parte do processo explicativo da práxis. Seus ataques aos empirismo e seu apreço pela Ciência da Lógica de Hegel constituem um eixo de uma teoria do conhecimento subordinada à determinação histórica, mas onde ele ainda está filiado à matriz da teoria do conhecimento das ciências da natureza. Sobre essa base a teoria política em Lênin é consistente com sua proposta de adotar o materialismo histórico como método heurístico. Essa centralização do método, entretanto, levou Lênin a construir uma refutação sistemática do empiriocriticismo com argumentos trazidos das ciências da natureza 98. Sob a urgência de encontrar respostas doutrinárias para uma prática política em estado de guerra Lenin desenvolveu uma teoria prática da política plenamente visível em seu Estado e revolução. ligou a critica do Estado à opressão de classes, inaugurando uma linha de análise que continuaria e em relação com as nações não centrais. Em dois de seus textos mais famosos apresenta o problema central da necessidade de reverter a função histórica do Estado 99. A obra de Lenin de interesse para o estudo da Política se estende desde seus primeiros escritos até seu momento de liderança da União Soviética, quando desenvolveu um discurso político operacional 100. Parte da problemática da substituição do Estado opressor, controlado pela equação de poder da classe dominante, ao Estado ao serviço da construção do socialismo. Nessa segunda situação o Estado se torna uma máquina de guerra. Lenin trata o Estado como subordinado à esfera política, que por sua vez estará representada pelo partido. Por isso, na medida em que o Estado realiza os objetivos do partido passa a resumir a vida política. Ao contrapor a atualidade do Estado a sua legitimação como condutor do processo revolucionário, Lenin supera as teses do Estado negativo dos anarquistas e mostra a contradição do Estado burguês entre adaptar-se ao papel de defensor dos interesses da classe dominante e responsável das mudanças mínimas necessárias para manter o controle do poder. Mas não chega à complexidade das relações de poder que conduzem a combinação de componentes internacionais e nacionais do acordo básico entre as grandes potencias e o capital internacional.

97 Há uma reconhecida controvérsia pelo giro dado com a Dialética da Natureza pelo que ela não estaria respaldada pela análise histórica, portanto social, de Marx. 98 Vladimir Ilich Lênin, Obras escogidas, 12 vols., tomo 4, materialismo y empiriocriticismo, Moscou, Progreso, 1982. 49 Wladimir Ilich Lenin, Obras completas, 12 vols., vols. 8 e 10. Moscou, Progreso, 1976. 100 Wladimir Ilich Ulianov, O Estado e a revolução (Obras completas, vol.VII) ; Acerca do Estado (op.cit. vol X).

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Nikolai Bukharin. Bukharin ocupa um lugar especial no desenvolvimento teórico do campo marxista especialmente por sua obra O imperialismo e a economia mundial (editada em 1917 com prefacio de Lênin) em que trata das condições materiais da expansão do imperialismo, antecipando o debate mais recente que confronta os aspectos institucionais da economia mundializada e os determinados pela expansão do capital. O trabalho de Bukharin desqualifica as análises da mecânica das relações internacionais, portanto, a linha que parte das vantagens relativas de Ricardo até a atual análise neoclássica da economia internacional 101. Ao mostrar como o imperialismo modifica a simetria das relações entre países Bukharin inaugurou uma linha de trabalho que submeteria a teoria política aos condicionantes históricos do capitalismo. Tendo sido expurgado por Stalin e detestado pelo Ocidente político seu trabalho é recuperado pela visão critica da política do capitalismo. Giorgy Lukács. Lukács representa a maior contribuição ao pensamento filosófico na esfera do marxismo, construindo uma ponte entre a tradição filosófica e a teoria social do marxismo. Faz uma revisão dos fundamentos da dialética na obra de Hegel, apresenta um trabalho seminal sobre classes sociais e uma obra igualmente decisiva sobre racionalidade. O que aparece para alguns como crítica a Lúkacs, por seu fundamento hegeliano vem a ser uma vantagem que permitiu um tratamento conceitualmente rigoroso da estruturação social. Há uma relação orgânica entre as lutas de classes e as transformações do Estado, mas o essencial é que as classes concretas têm um problema de identidade que só se resolve pela prática das próprias classes. O realismo de Lukács, que já se configura em seus trabalhos de estética, constitui uma retomada do olhar aristotélico presente na obra de Marx. O realismo funciona como um freio à auto-suficiência do pensamento revolucionário e ao mesmo tempo é uma cobrança do fundamento histórico da ideologia. O fundamental é a ruptura com a teoria do conhecimento que culmina em Kant e passa a sustentar uma visão naturalista do mundo social e da política. 102A teoria política em Lukács surge da visão crítica do processo do capital, mas está condicionada pela injunção do socialismo no poder que acabou se manifestando na tentativa frustrada de Inre Nágy em 1956. Em sua obra testamentária Prolegómenos para uma ontologia do ser social (2010) articula os elementos essenciais de uma critica do uso no campo social de categorias trazidas das ciências da natureza, desse modo estabelecendo a primeira grande obra no caminho de uma teoria social da ciência. Antonio Gramsci. Dentro da corrente do marxismo-leninismo Gramsci aparece como representante de uma militância que realiza uma revisão geral do pensamento marxista e se afirma como representante de uma especificidade histórica. Ganha sua identidade mediante um debate com o hegelianismo de Benedetto Croce – cujos méritos não nega – mas procura uma refundação da teoria política em uma leitura de Maquiavel à luz das condições formativas do Estado moderno. Gramsci adverte a extensão da luta de classes e toma a posição de situar o partido comunista – representando os interesses populares – como guia de uma guerra de posições. Focaliza no papel da superestrutura nos movimentos internos do sistema do capital, onde, por definição o Estado representa os

101 Cabe referir ao trabalho de Orlando Caputo e Roberto Pizarro, Imperialismo, dependência y relaciones econômicas internacionales (Buenos Aires, Amorrortu, 1971) 102 A publicação dos Prolegômenos para uma ontologia do ser social (Boitempo, 2010) traz a luz em português, por fim , a peça fundamental da obra de Lukács que expõe sua critica da teoria do conhecimento.

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interesses da burguesia identificada com o grande capital. Em extensa obra Gramsci trabalha os conceitos de hegemonia e de bloco de poder como referencias de uma estratégia “guerra de posições “ para a luta social. Ao focalizar sua atenção nos fenômenos da superestrutura aproxima-se de uma teoria política. O pensamento político de Gramsci reflete uma crise do pensamento marxista que se encontra diante de um impasse entre consistência histórica e autoritarismo. A percepção histórica do poder leva a visualizar o conflito social em condições objetivas em que há pluralidade social e em que os fatores ideológicos constitutivos da superestrutura serão decisivos. O bloco histórico e a hegemonia são, na verdade, categorias de uma análise do processo político em que o Estado terá papéis ideologicamente definidos. O Estado será sempre uma síntese de uma equação de forças com pontos fixos de poder. A guerra de posições dentro do Estado capitalista é imprescindível. A sedução das idéias de Gramsci não é por acaso, senão surge de uma rejeição ao controle que começou com a invasão da Hungria e chegou a uma ruptura em 68. As novas leituras de Gramsci podem ser funcionais a uma nova proposta de adaptação ao capitalismo como um eurocomunismo ou nova variante doutrinária que se configura como rejeição ao autoritarismo partidário com maior valorização do individualismo. A visão gramsciana do rigor crítico e da identificação com a opção revolucionária ficaram diluídas no discurso popularizado com um Gramsci bastante diferente do líder operário que lutou por um super Estado 103 . Louis Althussser faz uma leitura critica de Marx a partir de uma avaliação da raiz hegeliana de Marx, construindo uma abordagem que valoriza os aspectos de superestrutura, trabalhando sobre os mecanismos sociais de produção de poder e desembocando em identificar aparelhos ideológicos do Estado. Um Estado representativo de uma composição de poder de classe, com uma característica dominante de opressor. Com Althusser a teoria política marxista volta a Marx e mediante uma leitura renovadora de Hegel104. A teoria política volta a ser uma teorização da vida política no contexto da diversidade do ambiente moderno na sociedade do capital. O Estado consubstancia os movimentos do poder na sociedade pelo que é percebido por suas mediações que são seus aparelhos ideológicos. O Estado é uma necessidade do capital e se operacionaliza para realizar essa função. Nicos Poulantzas desenvolve a única teoria de Estado e classes sociais integrada da moderna literatura da análise política. A contribuição de Nicos Poulantzas à teoria política é de extrema importância porque ele traz a teoria da crise para o campo da política e porque trabalha a relação entre Estado e classes como mecanismo central da transformação da esfera política 105. É o autor que penetra mais a fundo na análise dos mecanismos do poder e nos movimentos na institucionalidade do Estado. O trabalho de Poulantzas se desenvolve em uma trajetória que vai de um foco na atividade política da sociedade de classes a revisar o tema das classes no capitalismo alcançado e se fixar na teoria do Estado para chegar à crise estrutural do Estado nas economias avançadas. A obra de Poulantzas leva a teoria do Estado às contradições internas do Estado burguês, inevitáveis a sua própria condição de ente político representante do poder de uma minoria sustentada pela dinâmica do dinheiro. A crise do Estado seria uma determinação da maturidade do Estado. Mas, como essa crise se origina na relação do

103 Ver Christine Buci-Glucksmann, Gramsci e o Estado, Rio de Janeiro, Paz e terra, 1980. 104 Ver especialmente Louis Althusser, em Écrits philosophiques et politiques, tome 1, Du contenu dans la pensée de G.W.F.Hegel. 105Nicos Poulantzas, Poder político e classes sociais, As classes sociais no capitalismo de hoje, O Estado o poder, o socialismo, O Estado em crise.

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Estado com a sociedade civil não se resolve na esfera do Estado. O trabalho de Poulantzas parou um momento antes de completar a crítica do Estado burguês por sua privatização e sua subseqüente inaptidão para tratar com a vida política que transcorre e cresce fora de seu escopo. Michel Foucault. Com uma obra extensa e distribuída em quatro diferentes fases Foucault trata do problema do poder desde sua Microfísica do poder até Em defesa da sociedade. A obra de Foucault mapeia uma contradição de descobrir a pluralidade de determinações e de condicionamentos que estão incorporados na individualidade e a necessidade de articular um coletivo representante da diversidade de situações contidas nos coletivos. Por isso há uma ruptura no processo do conhecimento entre o movimento da arqueologia do saber, que corresponde ao mundo do entendimento em Kant e a genealogia do saber, que é uma retrospecção, trata de circunstâncias pretéritas do conhecer. Essa contradição entre conhecer e agir, quase que não se pode conhecer e agir ao mesmo tempo 106, porque conhecer em Foucault é uma retrospecção constante enquanto agir é um ato de ruptura com tudo que é anterior. A política portanto se fará mediante combinações de afirmações e rejeições, longe do ambiente puramente afirmativo da teoria política da política normativista. O essencial é valorizar a contradição como tal, não o simples diálogo, o conflito mesmo. Como o poder está difuso na sociedade, na família, no Estado, na religião e mesmo nos partidos políticos, certo anarquismo é inevitável. A organicidade do poder é um traço essencial no desenvolvimento da obra de Foucault que funde história, antropologia e política. Na obra de Foucault há uma rebeldia visceral que manifesta a perspectiva de uma anti-elite que não quer ordens. Norberto Bobbio é mais um relator da teoria que um autor com posições doutrinárias marcadas, mas tem uma grande contribuição em seus inúmeros livros, entre os quais se destacam Estado, governo e sociedade, Estudos sobre Hegel e o póstumo Teoria geral da política. Bobbio representa um compromisso teórico entre a perspectiva hegeliana de um Estado dominante mas universalizante e o discurso democrático da república pluripartidária social democrata. O movimento geral de pesquisa reflexiva sobre os termos da teoria tendeu a separar o discurso de Bobbio de qualquer envolvimento direto em uma posição que o leva a julgar tudo sem se comprometer com nada. Ao dissecar a engrenagem política do Estado Bobbio assume a perspectiva crítica hegeliana, mas não dá continuidade na crítica da fundamentação do Estado em relações de classe, mantendo-se aquém da linha de polêmica levantada por Poulantzas. Jurgen Habermas. Cabe distinguir o marco de milha representado por A mudança estrutural da esfera pública (1984) e Direito e democracia 2 vols. (1997) além de incursões colaterais nos temas da política. Habermas vê a formação da esfera pública, onde se produz o Estado, como uma determinação de mudanças da esfera privada. Habermas comparece ao debate da teoria política a partir da polêmica enfeixada em A disputa do positivismo na sociologia alemã com o ensaio Contra um racionalismo minguado de modo positivista e arremete de modo inesperado contra a alienação incorporada na tecnologia sem ideologia. Mas toma um rumo inusitado ao contexto da teoria crítica de Frankfurt ao arremeter contra os fundamentos do Estado moderno e ao ligar a questão de método à das condições de vida na modernidade. Ao derivar na

106Faz-se aqui um paralelo entre o agir e o conhecer e o estado e o movimento tal como são tratados na teoria da incerteza de Werner Heisenberg.

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direção da sociologia norte-americana Habermas procura espelhar sem sucesso a problemática mais profunda da identidade alemã, deixando de novo o quesito político separado da formação social. É uma espécie de kantismo não declarado que não assume a relação necessária entre nacionalidade e internacionalidade. Ao fazê-lo fica aquém de Kant que não confundiu os questionamentos éticos com os de linguagem. O problema da validade pode ser interpretado como de convalidação do corpo jurídico perante uma problemática cujo esclarecimento constitui o núcleo da controvérsia sobre os usos do poder entre nações desiguais. O dilema entre facticidade ou democracia expõe o problema da ideologia do agir político que precisa se colocar atrás do conflito imediato de interesses. Hannah Arendt: a condição humana moderna e valores antigos. Com Hannah Arendt há um reencontro explícito da reflexão moderna com valores fundantes da cultura fundante grega, com uma visão talmúdica não declarada, mas onipresente. Traz a proposta de uma teoria política ancorada em uma ética individual entretanto difusa que não passa intransigentemente individual para compreender a vida política em suas agremiações em sua historicidade. A individualidade primordial encontra-se como um olhar independente de sua própria história. A leitura judia da cultura grega apresenta exigências éticas e aquela falsa humildade que em si já é uma teoria do poder. Arendt passa uma visão humanista de uma teoria do poder que se funda na modernização do trabalho e na das relações de poder. Sobre uma revisão de fundamentos clássicos desenvolve um discurso crítico do autoritarismo, mostrando-o como uma contradição fundamental da sociedade capitalista moderna. Levanta problemas de um humanismo possível em ambientes em que o poder se organiza como um escudo protetor de poderosos. A condição essencial de desigualdade é inerente aos processos de poder da sociedade. O que há de especial é que o advento do social já traz consigo as determinações do poder. Nas suas palavras, “enquanto a força do processo de produção é exaurida pelo produto final a força do processo de ação nunca se exaure em um único ato” 107. Arendt enriqueceu esse debate ao colocá-lo como parte de uma pluralidade de sujeitos que não se esgota no contingenciamento do processo de produção. Assim, a transcendência da individualidade desenterra conexões da eticidade talmúdica desse discurso moderno formado sobre valores clássicos. István Mészaros. A copiosa obra de Mészáros constitui um esforço ciclópico para a afirmação final sintética da visão marxista transformadora do mundo mas que termina se tornando uma grande imprecação antes que uma argumentação. Desqualifica a maior parte da literatura do próprio campo marxista em favor de uma ortodoxia derivada de uma leitura neo-escolástica da obra de Marx. Constitui uma proposta de uma ofensiva socialista no campo acadêmico e no da relação da academia com a práxis social. Representa um retorno à linha de pensamento representada por Lukács situando a ideologia como força motriz das transformações da sociedade burguesa, implicando em tomar a alienação como categoria central em lugar da exploração. Os estudos de Mészaros examinam o significado histórico da atividade socialista, em que se combinam as práticas políticas e a atividade intelectual. Essencialmente, enfrentam-se as contradições do papel do trabalho e da posição dos trabalhadores no capitalismo dominado pelo grande capital. Destaca-se o ensaio sobre Poder e ideologia, que reavalia o significado histórico da ideologia. Trabalha partir do reconhecimento que o sistema

107 Hannah Arendt, A condição humana, pp.290

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do capital desenvolve seu próprio modo de metabolismo das forças produtivas e das superestruturais vendo as formas de consciência como momentos de transição da totalidade concreta do mundo social. Nos dois livros sobre o movimento das formas de consciência e a estruturação social realiza uma nova viagem sobre a fonte inesgotável da obra de Hegel focalizando em um tema essencial da Fenomenologia do espírito que é a determinidade da consciência. Mészaros segue a tradição luckacsiana de tratar a determinidade do sujeito como conseqüência de condições sociais – relações de classe e outras relações culturais - mas traz uma visão reduzida do fundo histórico dessas relações, a nosso ver, principalmente, por passar por alto o peso da colonização na formação do imperialismo. Claus Offe108. Retoma o questionamento acerca de como se realiza concretamente a dominação de classe, remetendo-se à radicalização feita por Schumpeter das idéias de Weber sobre a eficiência técnica do Estado. Mas leva essa questão aparentemente técnica ao seu fundamento como crítica da democracia enquanto modo funcional da dominância do grande capital. Offe traz de volta a questão essencial levantada por Engels relativa ao papel real da força de trabalho na construção do poder do capital. Mais uma vez, a perspectiva histórica do trabalho envolve a necessidade de uma atenção maior à densidade histórica da presença dos trabalhadores com suas diversas situações políticas. Está aberta a temporada de caça para uma teoria do capitalismo na perspectiva do trabalho. Frente a um capital determinante levantam-se as determinações do trabalho como do sistema de poder que cresce sob controle do capital. Antonio Negri. Traz uma contribuição significativa e inovadora para a política ao ligar as dimensões internacionais e as internas da produção social de poder. A partir das idéias de Foucault sobre a dimensão corpórea do poder – ligada à repressão aos que não podem se defender – Negri trabalha a noção de biopoder para mostrar como a repressão é absorvida pela pessoa convertida em objeto e ao mesmo tem pó que reproduz a repressão. O império se sustenta nessa teia de mecanismos de controle ideológicos e funcionais que se materializam no biopoder. Esse mecanismo de substituição devolve a esfera do individual à do coletivo dando novo sentido à coletividade aleatoriamente formada pela repressão. Desse conflito surge a multidão, que é errática mas que incorpora modos próprios de comportamento, que é polivalente, que se diferencia da classe porque tem pautas de solidariedade momentâneas porque cria novas condições de politização. Numa visão jurídica dessa crítica da legalidade do poder o povo, que é a substância da massa e da multidão é o poder constituinte por definição. O marxismo italiano. É a mais poderosa contribuição europeia moderna à teoria do Estado, que floresce no ambiente de desigualdade interna do capitalismo tardio italiano em que a emigração e a exploração interna são determinantes. Trabalha os conceitos de crise frente as condições do capitalismo avançado. Basicamente girando em torno da influencia de Antonio Gramsci e do debate do Benedetto Croce o marxismo italiano é o que gerou uma produção mais vasta e complexa com as obras de Palmiro Togliatti, Galvano della Volpe, Lucio Coletti, Pietro Ingrao, Nicola Badaloni, Luciano Gruppi e vários outros. Contabiliza uma formação histórica de conceitos e um tratamento crítico da historicidade do processo político. Entre o desenvolvimento de um corpo teórico de apoio ao marxismo-leninismo e a busca de posições próprias, o marxismo italiano

104. Claus Offe, Problemas estruturais do Estado capitalista, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1984.

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registrou uma pluralidade de interpretações que trouxe a diversidade na base da perspectiva histórica. A noção essencial de Maquiavel de política como arte do possível leva, inevitavelmente, a questionar o possível. Qual o limite do possível e para quem. Qual Estado – seguindo o questionamento de Norberto Bobbio - é possível em um conflito de classes em que a burguesia lança mão de novas estrategias de defesa de seus interesses – como a de deslocar seus investimentos para países mais frágeis – e que não estão ao alcance dos trabalhadores? Como poderá o Estado superar a crise tendencial convivendo com classes parasitárias e com um grande capital que se auto-aliena do contexto nacional 109? 5.8. A visão burguesa, o americanismo e as reduções temáticas A leitura oficializada da teoria política consiste essencialmente na substituição de diferenças históricas essenciais por divergências de método, permitindo ver as diversas correntes de pensamento como equivalentes ou substituíveis110. A sociologia de hoje, essencialmente a sociologia funcionalista, manifesta uma reverência pela sociologia norte-americana cuja crítica se torna inevitável, em parte por significar uma opção por rejeitar o sentido de totalidade social e histórica e por desconsiderar qualquer debate serio sobre ideologia111. Essa síndrome da simplificação é uma peculiaridade da experiência norte-americana em que o componente “wasp”112 e seus agregados impõe sua supremacia mediante a opção por uma sociedade pluri-étnica.O debate sobre ideologia tornou-se uma marca de dissidência e de recusa da unanimidade de temática e valores garantia que não questiona os fundamentos do sistema de poder. A perspectiva histórica situa as manifestações de teoria como representativas de interesse e ideologia, assumindo as diferenças como reais, partes de uma polêmica essencial e não comparáveis 113. As escolhas de tema e de método se completam definindo o significado social da ciência. A teoria política se forma como uma disciplina essencialmente burguesa, que se desfaz do problema de ideologia ao assumir tacitamente a representação do pensamento burguês sobre o tema, esvaziar seu fundamento em contradições e em relações de classe. Opta por tratar de aspectos e de mecanismos da vida social distanciando-se dos problemas de totalidade do mundo social de hoje. Nesse sentido enquadra-se como uma alienação ativa, que presume a universalidade do esforço intelectual em defesa dos interesses do grande capital. A hipótese de que se aceite um corpo oficializado de teoria

109 Essas interrogações tornaram-se evidentes nos novos movimentos de crise nos países da União Européia que vivem os piores problemas de desemprego, justamente Grécia, Espanha e Itália em que os bem sucedidos bancos espanhóis investem na America Latina mas não na Espanha e os investimentos em energia seguem o mesmo caminho. 110 Exemplos são Michel Lallement, História das idéias sociológicas e François Chatellet, História das idéias políticas 111 Representativos dessa postura são, por exemplo, Anthony Giddens e Jonathan Turner (org.), Teoria social hoje (São Paulo, Uneso, 1999), Raymond Boudon (dir.) Tratado de sociologia, (Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1995), Michel Lallemend, op.cit. Textos sobre poder (François Chazel) no segundo livro e sobre teoria da estruturação (Ira Cohen) são representativos dessa tendência. 112 White, american, saxon, protestant .

113 Sobre o debate acerca de ideologia ver Da ideologia, Centre for Contemporary Cultural Studies, Rio de Janeiro, Zahar, 1980; István Mészaros, O poder da ideologia, São Paulo, Boitempo, 2004, Terry Eagleton, Ideologia.

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política da esfera burguesa implica em desautorizar a perspectiva de mudança social e de opções de socialismo. A alienação ativa será aquela que desenvolve mecanismos de reprodução capazes de transformar sujeitos objeto da alienação em promotores do processo a que estão submetidos. Nesse contexto a fixação na sociologia norte-americana e em sua derivada teoria política indica o esgotamento da temática da análise social européia, cada vez menos ancorada em estudos concretos da realidade social daqueles países e cada vez mais voltando-se para intertextos mais literários que analíticos, mais metodológicos que trabalhando uma visão critica de método. Uma observação inevitável refere-se ao esvaziamento da temática kantiana por parte desse empirismo que constitui um tipo de pós-modernismo, em parte por se afastar de qualquer visão de conjunto, por recusar trabalhar com referências de totalidade e se dedicar a pesquisar micro sociológicas de modo análogo às estratégias de estudos de caso no campo da sociologia e no da economia. O fascínio por objetos de cultura de massa tem um papel relevante nos sistemas de dominação sutil cujos efeitos finais na vida política devem ser avaliados por seu poder de inibir alternativas culturais com peso político significativo. O que se passa a denominar aqui de americanismo, que logicamente surge de um viés das ciências sociais de influência norte-americana, é uma aproximação a um problema maior, qual seja, de explicitar os elementos de método que se identificam como recusa ou desqualificação de quaisquer polêmicas sobre ideologia, substituição de controvérsias sobre a teleologia da ciência social por problemas formais de método e desqualificação a priori das expressões contestatórias do poder instituído. Essa perspectiva foi plenamente absorvida pela sociologia e pela antropologia européias conservadoras que, sobre essa estratégia se apresentam como modernizantes. Autores como Lazarsfeld, Boudon, Giddens e outros em sociologia concedem um espaço desmedido às práticas quantitativistas defendidas por essa corrente. Em economia a avalanche neoclássica faz serviço equivalente.

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6. O pensamento político na América Latina moderna 6.1. As condições históricas: pós-colonialismo e autonomização O problema fundamental das nações latino-americanas consiste em sua relação com os movimentos de modernização, em que há constante recrudescimento de influencia dos mesmos países colonialistas e pretensões de influir na condução de suas economias. Entre rejuvenescimento do pensamento conservador e contradições do pensamento contestatório o continente tende a encontrar seu próprio movimento pendular que pela primeira vez difere essencialmente dos europeus e norte-americanos. O primeiro problema da constituição de um pensamento político latino-americano está na identificação do sujeito do processo dadas as diferenças iniciais entre colonizadores e colonizados. A seguir está no reconhecimento do objeto do pensamento político que envolve um entendimento de quem faz parte efetiva da sociedade política e de quais os processos de inclusão e de exclusão. Um pensamento político latino-americano representa uma reavaliação do europeu e um rompimento com os preconceitos do norte-americano. As sociedades latino-americanas oriundas da colonização criaram mecanismos próprios de exclusão sobre os mesmos argumentos étnicos dos conquistadores, negando personalidade jurídica aos indígenas e aos seus descendentes 114. Na passagem do mundo colonial propriamente dito para o de Estados independentes dependentes encontram-se processos contraditórios de emancipação política dos Estados nacionais e de exclusão de amplas camadas da população economicamente destituída e politicamente marginalizada. A modernização mudou as formas dessa exclusão mas formou novos segmentos de marginalizados, determinando uma hierarquia tácita no acesso a direitos de participação política. Ao distinguir o pensamento político da disciplina formal de teoria política cabe identificar cinco fases na afirmação de um pensamento político latino-americano. A primeira corresponde ao pensamento do período colonial que refletiu as pretensões imperiais dos países colonialistas e as respostas que a eles se formaram nas colônias. A primeira estende-se desde o século XVII com figuras como o Padre Antonio Vieira até José Marti. Um segundo momento é do pensamento pós colonial das elites alinhadas com a hegemonia europeia e norte-americana. Em terceiro lugar estão as reações independentistas burguesas que têm dado o tom da modernização tecnológica. Por último estão as diversas manifestações de pensamento emancipatório, em parte de elites que se tornaram contestatórias e em parte de movimentos sociais revolucionários. Há uma indiscutível clivagem entre a teoria política que se formou apenas como desdobramento de correntes doutrinárias legitimadas pelas nações hegemônicas e a polêmica formada em meios acadêmicos abertos a registrar a formação histórica latino-americana. Os efeitos dos períodos de ditadura são inegáveis. Já com alguns anos de terminada a principal fase de ditaduras radicais que exerceram uma repressão

114 A discriminação prosseguiu com os descendentes das misturas raciais com conotações pejorativas para gaúchos, criollos, ladinos e outras denominações no mundo indígena, alem das identificações de negros com mulatos, sempre componde a parte inferior da pirâmide social. Países como a Argentina, o Chile bem como os andinos continuaram sendo racistas e inclusive transferindo seu racismo como regra de classificação de outros países.

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sistemática e de efeitos prolongados, aumenta a produção de documentários de todo tipo e aparecem obras reflexivas sobre o significado desse período de autoritarismo sistemático. A literatura latino-americana já é vasta mas ainda pouco conhecida ou reconhecida nos próprios meios acadêmicos da região. Hoje a questão se coloca realmente em termos de um reconhecimento ou não de pensamento político guiado por uma perspectiva civilizacional 115 alternativa à da hegemonia europeia 116. Mas algumas teses, tipicamente latino-americanas, têm um espaço significativo na contribuição para um pensamento historicamente original. A superação dos preceitos da sociedade colonial veio materialmente com a urbanização e com a consequente formação de uma classe de comerciantes articulados em canais internacionais de comércio. O essencial é a classe de exportadores e não o modo primário-exportador a que eles recorreram e como única opção dada sua falta de controle dos mercados em que participavam. A valorização de espaços urbanos começou na prática desde a independencia mas ganha nova visibilidade com o aparecimento de obras públicas. 6.2. Níveis de consciência e de alienação O pensamento político na América Latina surgiu e se desenvolveu mediante uma combinação de fatores externos e internos, em que dentre os primeiros estão os diversos processos da colonização e do imperialismo, por separado ou combinados, e no segundo grupo estão os movimentos de formação das sociedades nacionais. Nos quinhentos anos de história desde a invasão ibérica há três ou quatro momentos marcantes, destacando-se na etapa moderna desse processo que em linhas gerais corresponde à segunda revolução industrial e ao imperialismo. Na relação orgânica entre os processos de poder e o pensamento político o esgotamento do modelo primário exportador sustentado na expansão da demanda européia coincidiu com o fechamento do mercado de produtos primários causado pela primeira guerra mundial e ainda com a introspecção do crescimento da economia norte-americana. Configurava-se um conjunto de fatores determinantes de novas condições de instabilidade do mundo latino-americano, que passava a um desenho diferente daquele dos vice-reinados, agora pautado pelas grandes correntes de comércio. Exportações de minérios, de açúcar, fumo, trigo, café etc. Relações econômicas progressivamente oligopolizadas e condições diferenciadas de formação de classes. Ressaltam alguns aspectos. Primeiro, o primeiro quarto do século XX é um divisor de águas que leva a identificar três diferentes processos concomitantes gerando uma diferenciação entre os países com economias regionalmente mais diversificadas, que puderam aproveitar a diversificação do mercado e outras que ficaram restritas às condições de mercado de seus produtos tradicionais. Segundo. O aparecimento de novas condições diferenciadas de dependência de produção mineira, onde contrastaram a grande e a pequena mineração, de metais preciosos e de matérias primas. Terceiro fator foi a modernização do comércio, que atraiu empresas européias e modificou a composição da burguesia.

115 Inclui-se aqui uma extensão do argumento de André Gunder Frank contra a centralidade da hegemonia europeia na formação do pensamento de desenvolvimento. 116 Nesse sentido a ortodoxia norte-americana, com modalidade de liberalismo e seu formalismo, deve ser vista como uma proposta de desdobramento da perspectiva da Europa ocidental.

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Será, portanto, sobre uma modificação da composição de classes que se colocarão as leituras latino-americanas de processos de poder, essencialmente gerados na Europa. A teoria política é um produto intelectual da ascensão de uma burguesia que descobre sua posição no sistema de poder por meio de sua separação do poder central fundado na aliança dos grandes proprietários com suas matrizes européias e se pretendiam brancos separados de qualquer relação com o mundo indígena. O ideário de uma América não índia seria encontrado desde o México até o Chile e a Argentina e daria lugar a uma crise de identidade presente até hoje sob diversos disfarces. O pensamento político independentista é produto de uma contradição de classe, que assume diferentes contornos com governos reformistas como os de Irigoyen (Ar.) e de Grove (Ch.), mas que constituiriam o cenário para movimentos genuínos de trabalhadores como os que deram lugar à formação de partidos populares. A identidade política aparece como parte da contradição entre a identidade das oligarquias e as tensões derivadas de sua alienação. Noutras palavras, a burguesia precisa de mudanças superficiais para manter sua essência invariante. A urbanização e a industrialização dependente determinaram relações de dependência que vieram a incorporar a dominação interna herdada com a subordinação do poder econômico internacionalizado 117. O processo “nacional”de formação de burguesias nacionais foi atropelado pela internalização do capital internacional. Surgem novas modalidades de aburguesamento no plano ideológico pela hipervalorização do idealismo e no plano material por novas condições de divisão do trabalho. São, portanto condições específicas de articulação política da atividade econômica que regulam as condições de contratação de trabalhadores, afetando aos contratistas e aos contratados, ao pré determinar custos fixos na legislação trabalhista e estabelecer tributos indiretos sobre o consumo. O sistema sócio-produtivo compreende um sistema específico de remunerações e responsabilidades individualizadas e um sistema corporativo de vantagens e privilégios que refletem as diferenças de classe. O pensamento político na América Latina versa sobre novos objetos da vida social que são uma refundação do Estado – e não só sua renovação – ao lado de nova composição das relações de poder que envolvem novos participantes e novos papéis. Definiram-se assim novas condições históricas de concretização do Estado que se dão sobre a composição de seus elementos institucionais e operacionais. Se o século XVIII foi o divisor de águas na superação das formas personalizada de Estado oriundas da Renascença, enfrentava-se aqui com transformações da vida social que impõem a renovação do Estado. Será, portanto, inevitável considerar que as transformações da vida política levariam a transformações da organização política de inegáveis conseqüências econômicas, como foram a supressão das alcabalas 118 no México e a abertura dos portos no Brasil. O essencial é que o Estado não é mais o mesmo, que passa a representar outro corpo social com outras relações de classe e outra divisão do trabalho. Nessas novas condições acontecem as lutas pela independência, nas quais surgem formações políticas hoje incompreensíveis como que Simon Bolívar foi apoiado por um partido conservador

117 . O papel da urbanização como meio de transmissão de processos de alienação é um argumento que foi primeiro explorado por Marcos Kaplan (1983) ao estudar o significado político de uma urbanização conduzida pelos grandes capitais em ascensão que se apropriam da valorização dos espaços das grandes cidades. Esse fenômeno tornou-se muito mais claro no início deste século quando a produção urbana tornou-se mais industrial e mais voltada para grandes edifícios pré-fabricados e informatizados. 118 Tributos sobre o movimento de mercadorias entre províncias no período colonial.

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ou que fez com que o nacionalismo surgisse identificado com autoritarismo. O papel de Estado colonialista opressor se combina com o de Estado representante de grandes proprietários mas também agente de inovação e de modernização em geral. A relação linear simples entre poderosos e excluídos ou oprimidos ou dependentes em geral é substituída por relacionamentos complexos em que se entrecruzam relações de poder localmente determinadas com outras impostas por poderes internacionais. Frente a movimentos inesperados e sobressaltos causados por conflitos no centro mundial de poder, adverte-se uma crise do pensamento político latino-americano que precisa processar as novas formas que surgem das novas condições de internacionalidade do capital e do trabalho. À medida que se vêm com mais nitidez as inter-relações entre os conflitos do período napoleônico e as guerras de independência e entre as crises no último quarto do século XIX e a configuração política dos países latino-americanos, torna-se evidente a necessidade de uma abordagem histórica da análise política. Aparecem golpes de Estado que coincidiram com a urbanização e ao aparecimento de novos partidos políticos, de esquerda e de direita, comunistas e fascistas, todos tentando superar o modelo político tradicional. A urbanização teve um papel decisivo na formação de novos modos de vida política, com maior presença de grupos de baixa renda. Há uma importante tradição de um pensamento político na América Latina que remonta ao período colonial, com alguns pontos altos no século XIX e com correntes de pensamento e contribuições fundamentais no século XX. O levantamento analítico dessa produção já foi o tema de obras demarcatórias como as de Cruz Costa e Leopoldo Zea , bem como de coletâneas também marcantes. Em linhas gerais podem-se distinguir (a) contribuições ao pensamento político identificado com a formação dos países latino-americanos, (b) contribuições englobadas no desenvolvimento de uma bifurcação entre o pensamento oficial ou oficioso, basicamente positivista, e um pensamento contestatório, essencialmente socialista; (c) uma produção acadêmica alinhada com correntes de pensamento pragmatistas e behaviouristas, basicamente anglófonas mas repetidas pelas ortodoxias européias; e (d) uma produção de fundamento histórico e reunindo diversas manifestações de heterodoxia desde as revolucionárias às acadêmicas. Neste campo mais que em outros, a modernização segue caminhos desiguais e vacilantes em que se combinam de diversos modos as reações às tradições coloniais com as novas influencias européias. Por um lado rejeição às tradições espanholas e portuguesas, concomitantes com uma fascinação com as culturas européias, especialmente a francesa e depois a alemã. Junto com a ascensão das burguesias urbanizadas entram novos canais de alienação que passam, sucessivamente, pelo atrativo da França, ao da Inglaterra até serem superados em escala e prestigio pelos Estados Unidos. Na longa trajetória do questionamento político anticolonialista e voltado para os fundamentos da nação independente, quando a superação da condição de colônia também se estende a princípios fundadores da nação independente, como são os casos de Domingo Sarmiento, José Marti e Ariel Rodó. O móvel da crítica muda quando o velho confronto com as metrópoles ibéricas é substituído pelo confronto com as influencias saxônicas, inglesa e norte-americana. O desenvolvimento de um ponto de vista próprio surge em alguns momentos de liberalização, mas principalmente sob a influencia da CEPAL, por efeito de movimentos reformistas ou revolucionários ou como parte de uma produção política partidária.

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A CEPAL teve efeitos positivos e negativos. Dentre os primeiros a construção de uma proposta civilizacional de desenvolvimento econômico e social que se abastece de fundamentos ibéricos e se abre às raízes ibero-americanas, criando opções frente ao predomínio anglo-americano em economia. Não significa que estas não fossem as referências tutelares da ligação entre desenvolvimento econômico e modernização, mas tornou-se uma base para uma opção por uma versão própria de democracia. Dentre os últimos uma certa tendência a dar pouca importância à produção latino-americana anterior. No entanto foi decisiva para criar uma linguagem de unidade no continente. No ambiente da CEPAL sob a influência de José Medina Echevarria e de Marshall Wolfe surgiram alguns trabalhos significativos, que tomaram a problemática do Estado frente à do subdesenvolvimento, tratando dos problemas de modernização autoritária versus modernização democrática. O reconhecimento de processos ativos de subdesenvolvimento configurou questões que não foram plenamente encaminhadas na década de 1960 – que correspondeu a um momento de expectativas positivas para vários países, apesar de movimentos ostensivos de contra revolução, que só seriam vistos com razoável clareza depois da queda das grandes ditaduras no final do século. O descolamento entre a visão de temática identificada na década de 1960 e a do inicio do século XXI provavelmente pode ser colocada em pois pontos. Primeiro em termos da substituição de um sujeito genérico identificado com uma classe média tampouco bem definida, por sujeitos sociais representativos da complexidade de cada pais. Segundo, pela interpenetração entre processos internacionais, nacionais e locais. Nestes termos cabe rever a relação entre o Estado desenvolvimentista e a marginalização, que mostrou uma tendência de conflitos que erodiram as diferenças entre teoria política, sociologia política e economia política. Os limites entre essas ciências tornaram-se obstáculos ao desenvolvimento de cada uma delas. Na bibliografia desse ambiente citam-se outros autores como Jorge Graciarena, Gino Germani e Aldo Solari que contribuíram, desde diferentes posições ideológicas ao campo temático da política e do Estado. Contemporâneo da CEPAL no Brasil distinguiu-se o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) que assumiu o debate político com obras de Álvaro Vieira Pinto, Guerreiro Ramos, Ignácio Rangel, Helio Jaguaribe 119 e vários outros. Outras contribuições surgiram até o período das ditaduras, de 1964 a 1984, quando a produção intelectual latino-americana refluiu para o México. Desde então há um aumento exponencial da produção publicada, tanto de autores latino-americanos como de estudiosos europeus e norte-americanos que tomaram a América Latina como tema. O ISEB trouxe uma contribuição inovadora no quadro do pensamento político no Brasil mas não superou a referência histórica da formação do Estado burguês dependente, aberto a polemizar sobre os grandes paradigmas da teoria social, mas com escassa consideração da pluralidade própria da formação nacional nem dos conflitos derivados dela. A literatura política latino-americana gira principalmente em torno de uma teoria do Estado passando por alto a percepção da vida política já revelada por Mariategui. Não há dúvida que a personalidade política do Estado dependeu de condições materiais de

119 Helio Jaguaribe distingue-se dos demais integrantes desse grupo com obras posteriores tais como Reforma ou caos.

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presença no território nacional – aspecto explorado unicamente por Poulantzas – algo que foi parte da expansão do setor exportador em áreas selecionadas no período entre 1880 e 1914 por conta da expansão ferroviária, mas que só se retomaria na década de 1950 por meio do rodoviarismo. Assim, a modernização se revela como um conjunto de movimentos ideologicamente definidos com apelo a valores nacionalistas. A onda de ditaduras das décadas de 1960 a 1980 deixou resultados variados no plano econômico, mas sem dúvida fortaleceu a idéia geral de Estado. Assim, há uma visibilidade do Estado identificado na figura do Poder Executivo e como uma entidade acima dos partidos políticos. Surge uma separação entre a análise do Estado e a dos partidos políticos. No relativo a partidos há diferenças essenciais no significado social dos partidos políticos de um país a outro, desde caracterizações mais ideológicas no Chile a mais corporativa na Argentina e a maior espaço de fisiologismo no Brasil. A penetração de teses ideologicamente consistentes na estrutura partidária no Brasil surge de movimentos sociais integrados na estrutura partidária, mais uma vez demonstrando uma contradição da vida política, qual seja de que os partidos políticos não conseguem se colocar acima do poder carismático de alguns líderes e de que o populismo continua sendo uma tendência inercial da vida política latino-americana. É o caso específico do Movimento dos Sem Terra que praticamente obrigou a um debate que tinha ficado para trás com o fim da ditadura. Por isso, não há como trabalhar aqui com uma doutrina formal do Estado que não processasse essas vicissitudes da vida política 120. Será preciso desenvolver uma análise realista do Estado que combine a compenetração do viés dado pela dominância do grande capital com os efeitos de mudança transformadora passados pelo ingrediente ideológico e pelos processos dos diversos movimentos sociais. O fator progresso político surge de tendências que conseguem superar o pessimismo inercial típico do setores esclarecidos e dos setores populares majoritários. A emergência de movimentos sociais capazes de alcançar identidade política e reconhecimento das elites denuncia um outro problema maior de defasagens entre a lógica da reprodução do poder do Estado e a das reivindicações dos grupos de rendas inferiores e de rendas incertas que exigem reformas do Estado 121. As políticas do Estado responderiam a clamor mundial – já não só clamor popular – por direitos humanos, equivalência de minorias etc., ou teriam que ser submetidas a uma crítica democratizada. Na prática, como essa política foi corporificada pelo Estado do desenvolvimento, deve aceitar o desafio de trabalhar com a relação entre Estado e relações de classe. Nas condições da vida política hoje há um programa de trabalho inevitável que é o de substituir a análise genérica do Estado por um estudo geral da vida política e da democratização do Estado – no quadro das condições concretas de participação destas sociedades - e de submeter a teoria do Estado a uma outra mais ampla da vida política da sociedade. Novos exemplos latino-americanos, especialmente o da Bolívia, terão que ser examinados à luz de uma perspectiva histórica capaz de incorporar a América

120 Poulantzas se opõe fortemente à chamada teoria geral do Estado, denunciando-a como uma manobra da teoria social da burguesia. 121 Esta temática já tinha sido colocada em coletânea organizada por Fernando Henrique Cardoso e Bernardo Sorj – Movimentos sociais no Brasil (1986) – que expôs a pluralidade dessa atividade.

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anterior à invasão europeia, ou capaz de reconhecer a complexidade que foi precipitada pelo processo de colonização.

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7. A vida política ativa 7.1. O jogo de alienação e afirmação Com uma grande literatura moderna sobre alienação fundada no campo marxista tende-se a ver a ver a alienação apenas em sua forma no sistema sócio-produtivo do capital. Começaremos por reconhecer o caráter ontológico da alienação, que seria um aspecto da “filosofia primeira” no dizer de Aristóteles, que Marx teria identificado no seguinte texto citado por Meszáros 122:

Primeiro, Epicuro torna a contradição entre a matéria e a forma inerente ao caráter da natureza como aparência, esta resulta, assim, numa oposição ao essencial, isto é, ao átomo. Isto ocorre porque o tempo está sendo contraposto ao espaço, a forma ativa da aparência à forma passiva. Segundo, somente com Epicuro tal aparência é percebida como aparência, isto é, como alienação da essência que prova na prática sua realidade por meio de tal alienação.

No campo social trata-se de alienação como um processo geral que se desdobra nas sociedades do capital com expressões coletivas e individuais, configurando condições diferenciadas de classe e dependendo da exposição dos diversos grupos a influência dos meios de comunicação. A alienação é um processo que muda de perfil e intensidade no modo como se desdobra na sociedade. Cabe adiantar a hipótese que ela aumenta ao tornarem-se mais nítidos os elementos de identidade. Ao considerar a alienação como um processo e não como uma condição de classe torna-se inevitável ver seus diversos efeitos nas diferentes classes sociais e acompanhar seus efeitos acumulativos na configuração das relações de poder. A alienação das pessoas estará sempre socialmente determinada e contribui para a “identidade da alienação” que por sua compõe o quadro geral da subalternização das nações e dos grupos periféricos. A década de 1960 foi um período de grande progresso tecnológico e de inflexão do processo político mundial, marcada por um lado pelo autoritarismo soviético – intervenções na Hungria e na Tchecoslováquia – e por outro lado pelas guerras do Vietnam e pelos golpes de Estado fomentados pelos Estados Unidos. O confronto político corresponde a uma crise do padrão de acumulação de capital, com a emergência de empresas multinacionais, com revoluções nos transportes e nas comunicações. É o cenário de uma efervescência do pensamento político que assume um novo nível de debate, em filosofia, ciência política, sociologia. Marca as posições básicas entre as manifestações que enfrentam as contradições do poder, no campo da burguesia ocidental, no do socialismo e no das nações emergentes, desenhando a diferença essencial entre os argumentos de apoio explícito aos sistemas de poder, os argumentos evasivos e os de contestação. As diversas manifestações são muitas vezes contraditórias, alegando certas posições e defendendo outras, de modo consciente ou não. Além do debate político propriamente dito, há importantes debates sobre a questão urbana e sobre a produção rural. O campo do capital lidera a reflexão sobre tecnologia enquanto as correntes contestatórias se dividem entre os que mantêm o foco na questão central da

122 Istvan Meszaros, A teoria da alienação em Marx, São Paulo, Boitempo, 2006.

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acumulação de capital, com a alienação e a exploração, enquanto outros, certamente mais numerosos, carregam teses específicas, dos direitos das mulheres, das questões étnicas e do ambiente. São diferentes questionamentos sobre a vida política que, além de registrar seus rituais, transmitem opções ideológicas tácitas. No entanto, uns e outros desenham um quadro de insatisfações. Em ambos casos o trabalho teórico enfrenta problemas fundamentais da vida política, abrangendo os condicionantes do agir das classes sociais que são as condições específicas de sua alienação ou de sua afirmação como sujeitos históricos. Ao reconhecer a vida política como determinante da sociedade moderna torna-se inevitável admitir que o material do pensamento político é a inevitabilidade e viver politicamente é a vida social. Esse reconhecimento é o ponto de partida necessário para a construção de um pensamento político historicamente válido, isto é, que se desenvolve mediante o processamento de nossa experiência, sobre uma avaliação de nossa experiência à luz das teorias disponíveis. Aqui há uma proposta de pensar as questões da política à luz da experiência brasileira, o que obriga a trabalhar uma abordagem critica do pensamento ocidental que se absorve criticamente. Assim, a variedade das formas de colonização, de autoritarismo e de modernização constituem o pano de fundo da transformação social que vem junto com a urbanização e a internacionalização da vida do homem comum. É na relação entre o desenvolvimento do Estado, das empresas que se criam formas de trabalho, com reflexos na existência política dos trabalhadores. O ambiente da modernização é marcado pela substituição de tecnologias e pelo controle do consumo. A vida política se desenvolve nos espaços de autonomia do homem comum como e enquanto trabalhador e no alargamento desses espaços que surge da dinâmica do mercado de trabalho. Os movimentos populares desde 1956 são o testemunho dessa energia política que confronta as instituições rigidificadas e impõe novas agendas de debate. A vida política se realiza por meio de conjuntos de práticas que estão carregadas de ideologia, por participantes nem sempre conscientes do papel que desempenham. As sociedades tradicionais latino-americanas jamais incluíram todos, sempre conviveram c grandes números de não incluídos, com grupos em diversos graus de marginalização. A institucionalidade da vida política ela mesma é um mecanismo de concentração de poder que se estende desde o controle de partidos políticos ao controle do capital imobiliário. Há uma alienação básica que funciona na atividade teórica. A sociedade burguesa reage negativamente à noção de ideologia ou de que seu agir é ideológico, em parte porque ideologia em geral é identificada com os pontos de vista dos trabalhadores ou porque se suponha imune a ideologia. Na prática o poder dos blocos de poder representantes da burguesia descansa em controle ideológico das maiorias e o exercício desse controle começa, justamente, por negar o âmago ideológico do pensamento político. As restrições à soberania tornam-se parte da linguagem reconhecida das relações internacionais cujo exemplo mais recente é a intervenção da União Européia na gestão da economia da Grécia. As razões aduzidas podem ser economicamente justificadas mas põem em marcha mecanismos políticos cuja conseqüência final está por ser vista. Em seu cotidiano e em sua institucionalidade a vida política encerra movimentos em grande continuidade e seqüência e outros movimentos dispersos em seu conjunto

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configurando o quadro geral de relações de classe e diversos modos subordinados de manifestação de interesses. Nas inúmeras revisões que se fizeram sobre as condições de desenvolvimento das economias sub-industrializadas desde a crise do padrão de acumulação da década de 1960 tornou-se lugar comum presumir que o modo de desenvolvimento de fases nacionais estaria esgotado, principalmente devido a uma incompatibilidade entre os objetivos do capital e a lógica da constituição de uma economia nacional. Esse seria um fator determinante indireto da vida política que ficaria condicionada pelas condições de mobilidade das classes médias, já que a participação popular estaria restrita pela precarização do emprego com a correspondente incerteza de renda. A história mostra algo diferente porque as estratégias de resistência de renda na esfera do trabalho informal tiveram um papel superior ao previsível e porque o alargamento da participação na vida política teve o poder de superar o anterior pacto da elite com a classe média. Ao reconhecer que a expansão da economia mundializada resultou em corte das possibilidades de expansão autônoma dos mercados nacionais, a hipótese mais plausível é que o esgotamento do desenvolvimento nacional deve ser atribuído ao bloqueio do mercado, conseqüente das atividades das empresas multinacionais. Há, portanto, novo quadro de relações entre a esfera pública e a privada, agora mais claramente representada por grande e pequeno capital. Na esfera do Estado essa tensão entre público e privado incorpora a profissionalização da vida política na qual se passam a incluir a burocracia tradicional, a que chamaremos de tecnoburocracia e a constituição de uma categoria de políticos profissionais, com diferentes graus de especialização ou simplesmente com o comando de aparelhos de controle de eleitorado suficientes para garantir seus cargos públicos. 7.2. Os processos críticos do Estado Um esclarecimento inicial necessário é que enquanto os teóricos europeus – Poulantzas e outros – falam de crise do Estado burguês maduro aqui se trata dos processos críticos formadores do Estado. Há uma separação inevitável entre a perspectiva dos Estados que se consideram lideres de um movimento mundial de modernização e a dos que se vêm como Estados em ascensão, divergindo do poder dos anteriores. Desde Hegel a teoria política gira em torno da teoria do Estado, primeiro porque o governo passou a acumular funções operacionais em representação dos interesses da burguesia; e segundo porque a apropriação do Estado por interesses de classe tornou-o um espaço coletivo e um campo de força multifacético que combina funções de mediação, repressão e bem estar. O Estado se apresenta para nós como uma entidade sujeita a pressões constantes e crescentes decorrentes do amadurecimento das forças políticas e das turbulências da articulação internacional. Em um ambiente de desigualdade de poderes e de concentração de poder econômico é inevitável que o Estado seja o lugar de embates que decidem sobre os rumos a serem seguidos pela composição nacional de forças. Noutras palavras, o Estado surge para nós como o principal espaço em que convergem os conflitos de interesse, onde portanto se determinam soluções institucionais e práticas das relações de poder. Esse desenvolvimento do capitalismo na segunda metade do século XX o Estado passou a funcionar como âncora de um processo de endividamento das economias nacionais causado por iniciativas nacionais como as guerras ou por operações da esfera privado. O

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poder do Estado tem pela frente o das multinacionais e a maior parte dos movimentos de capital se realizam na esfera dos grandes capitais em composições sobre as quais os Estados nacionais têm pouco controle. O Estado reflete a equação que liga as relações de classe com as familiares e as corporativas. Sobre o piso instável dessas relações de poder e por conta das necessidades de referencias setoriais, afirma-se um poder de Estado que não se parece com aquele formado nos confrontos entre aristocracia e burguesia no ambiente social dominado por transformações nas relações de poder o Estado reflete transições nas relações de classe em que prosseguem modificações no campo da burguesia e no das classes populares. No relativo aos países latino-americanos o Estado surge como um desdobramento dos Estados ibéricos colonialistas mas enfrente as contradições decorrentes de relações de classe em sociedades fraturadas. A literatura latino-americana é farta em situações em que predomina a diferença em que predomina a diferença antes que a desigualdade. Não só no travo original da escravidão mas nos processos derivados dela a relação entre diferença e desigualdade torna-se um ponto fundamental das relações de poder no campo do Estado. O Estado aqui surgiu da predominância de proprietários de terras mas contribuiu para uma sociedade reivindicativa que força renovações nas formas de constituição do pacto social básico. A urbanização, que começou por obra e graça da aliança do capital mercantil com o governo, tornou-se a mola propulsora de um deslocamento na aliança do sistema de poder. Desde então o Estado passou a tratar com interlocutores presentes capazes de exercer influencia no interior do governo. Essas contradições mostram a necessidade de uma teoria histórica do Estado e a necessidade de uma análise política que contenha a do Estado mas que não fique limitada a ela. No Brasil há um indiscutível esgotamento do discurso político herdado da luta contra a ditadura, agora enquadrado em novas formas de conservadorismo, compondo um recuo da academia a uma subalternidade inesperada. O credo do individualismo e do imediatismo converge com a ideologia da privatização do espaço ideológico da esfera pública, com uma derivação à desqualificação de qualquer pensamento critico. É uma tendência contraditória com a de reconhecimento dos efeitos em longo prazo da colonização e da alienação, principalmente da atual alienação das elites. A produção capitalista progrediu mediante dois grandes mecanismos de concentração de capital e de um desempenho especial do Estado burguês que assumiu o papel de demiurgo de um capital nacional. O papel do Estado tornou-se um tema obrigatório dos estudos de política nos quais se encontram os estudos de base jurídica, que apontam a uma teoria geral do Estado, seja ela descritiva ou critica, e os que ligam a formação do Estado burguês ao tipo de crises que ele enfrenta. Mas o Estado nacional é quase sempre visto com um olhar critico de sua incapacidade de se ajustar às metas de eficiência do grande capital. Assim, para a teoria geral do Estado as crises são tropeços no caminho do agir racional do Estado, em cujo âmbito se desenvolvem uma ação interativa entre uma tecnoburocracia competente, empresas competitivas e um sistema jurídico não obstrusivo. As crises econômicas como a de 1929 e a de 2008 resultariam de situações incidentais, tais como uma quebra de confiança em 1930 e um crise do sistema

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imobiliário norte-americano em 2008. Poderiam ser controladas ou eliminadas. Os estudos que vêm o capitalismo como um sistema tendente à crise reconhecem um papel organicamente necessário às crises e consideram que as condições de competencia são inerentes a um estagio de desenvolvimento do capital. Configura-se um dilema entre uma teoria critica do Estado e uma teoria funcional 123. A teoria do Estado é obviamente necessária mas não substitui a da vida política que trata do poder na sociedade em seu conjunto. Nesse contexto a eficiência é regulada pela concentração do capital e pelo controle da qualificação do trabalho. Nas últimas décadas, em parte como conseqüência das lutas contra as ditaduras e em parte por efeitos indiretos de movimentos internacionais, a emergência de reivindicações de minorias, étnicas, sexuais e raciais, que podem ser lidas como progressos no sentido de maiores democratização e participação social ou como desvios no encaminhamento de relações de classe em momento do capitalismo internacional que se caracteriza por destruição de postos de trabalho, por precarização da renda das maiorias. Na escala mundial esses deslocamentos correspondem a um distanciamento entre as nações que pautam por princípios jurídicos leigos e as que regrediram a fanatismos religiosos, com seus diversos componentes políticos. 7.3. A nova internacionalização das elites Nos tempos modernos, isto é, desde a expansão do capital mercantil, as elites têm sido internacionais, já seja como determinação da gestão colonial, porque as aristocracias se relacionassem por sangue e sem compromisso algum com o povo ou ainda porque as elites coloniais fossem completamente alienadas. Como as distancias entre os grupos dominantes e as maiorias sempre foram muito grandes e até intransponíveis, o modo de se movimentarem desses grupos sempre respondeu a seus interesses, que foram diferentes e até contraditórios com os dos demais. As elites sempre agiram de modo diferente da maioria da sociedade. Enquanto as elites de algum modo foram as aristocracias, elas foram internacionais por ligações de conveniência mas sua própria existência dependeu de sua identificação com um projeto nacional. Esse laço não acontece com a burguesia, que se sente dona do projeto nacional, pelo que pode subordiná-lo aos seus interesses. Na sociedade burguesa a elite deixa de ser dinástica mas desenvolve uma série de mecanismos de continuidade nas empresas e nas relações com o Estado, passando a ser portadora de mecanismos seletivos de poder. No campo do domínio da burguesia há um novo significado de internacionalidade das elites, que deixa de acontecer por acordos de poder e passa a ser por objetivos individuais. A própria internacionalidade do capital dilui os laços de solidariedade e deixa como única referencia a mercantilização individual dos trabalhadores. Esse fenômeno tem uma base histórica que não pode ser ignorada. A internacionalidade das elites no capitalismo é organicamente tão necessária como a do capital e corresponde às condições específicas de competencia requerida para gerir o capital internacionalizado. Responde a condições concretas do desenvolvimento do capitalismo no século XX. A maior facilidade de viagens, de estudos em outros países e o desenvolvimento dos meios de comunicação fortaleceram os laços entre as elites dos

123 Essas duas correntes estão representadas pelas obras de Poulantzas, especialmente o Estado em crise e pela obra de Jürgen Habermas, Direito e democracia.

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países periféricos e os do centro, em que passar a trabalhar em um pais mais avançado tornou-se uma extensão do mercado de trabalho das elites com uma consequente sintonia em termos de consumo. O desenvolvimento do sistema capitalista de produção desde a Primeira Guerra Mundial traduziu-se em aumento dos tamanhos das empresas nos setores de maior expressão tecnológica, em concentração de capital nas empresas lideres e em desenvolvimento de negócios sobre bases internacionais. Os programas de produção tornaram-se internacionais e mesmo a economia dotada de maior mercado interno, a norte-americana, passou a depender de seus negócios no exterior e dos negocios de empresas de outros países em seu território. A internacionalidade do sistema produtivo fica claramente marcada no aumento dos negócios entre empresas de uma mesma empresa. O balanço de pagamentos dos países aproxima-se de uma ficção no que está impregnado de transações intra empresas e de movimentos fictícios de capital. Esses fluxos criaram um mercado internacional de trabalho dividido entre os movimentos de trabalhadores semi-qualificados e de dirigentes. Isso se traduz na prática em que as elites em geral e especialmente as elites dos países com menos oportunidades para os grupos melhor qualificados, tendem a trabalhar para as empresas internacionais e para as que operam em sua esfera de influencia. A internacionalização das elites torna-se uma característica do capitalismo avançado e um mecanismo de desidentificação desses grupos com a perspectiva cultural e com os interesses de seus países de origem. Cresce junto com as empresas multinacionais e com a internacionalização do mercado de trabalho. Cria seu próprio código de reconhecimento, seus circuitos de consumo e seus símbolos de status, escolhendo centros de ensino, lugares e formas de lazer, meios de diferenciação de classe, mas ao mesmo tempo gerando movimentos contrários como os de racismo negro e de enfrentamento racial nos meios urbanos. Logicamente, é uma tendência que reforça o individualismo favorecendo a perspectiva privativista e influindo no sentido contrario da perspectiva da coesão nacional. A internacionalização das elites cria um corpo social que se reconhecer mutuamente em sua participação em seu circuito de postos de trabalho, que responde por uma dupla identidade de classe, entre a que se situa nos países de origem e a dessa comunidade internacional separada de ideologias nacionalmente definidas mas aderindo por exclusão aos sistemas de poder estabelecidos. Como essas elites internacionalizadas gravitam nas atividades geradas pelo grande capital elas aderem aos valores e aos circuitos de influencia do grande capital tornando-se impermeáveis aos conflitos nacionais de classe, reconhecendo-se mediante padrões de consumo e um culto sutil ao poder organizado. Trata-se, portanto, de uma cooptação de grupos privilegiados em torno da ocupação de certos circuitos de formas de ocupação que transcendem o emprego formal e se identificam com os comportamentos dos capitalistas. 7.4. Mobilidade social e emergência de novos grupos de consumo e de poder Assim como a colonização determinou os fundamentos de sociedades independizadas a modernização estabeleceu as condições de mobilidade que deram lugar à composição das sociedades que chegaram tardiamente aos movimentos da modernização. Como as velhas estruturas fundiárias tiveram a estabilidade dos sistemas de propriedade familiar

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foram as mudanças nos sistemas de comércio que funcionaram como mecanismos de transmissão de mobilidade, incorporando migrantes e entrando na base do sistema como atividades complementares da produção agrária e da mineira. Toda diversificação da lista de produtos, desde ferramentas a materiais de construção e a inseticidas, desde bebidas a armas, foram materiais de comércio que ofereceram oportunidades de trabalho para comerciantes que operaram a condição de itinerantes caixeiros viajantes a casas de estiva e a casas de comércio, convertendo-se em estamentos estabilizados que vieram a ter papel político essencial desde os que sustentaram os poderes locais interessados na independência 124 até os que constituíram os componentes de classe media da segunda metade do século XIX. A nova internacionalização assinala o distanciamento das elites dos processos que medram nos espaços nacionais. Junto com a urbanização, o emprego urbano e o desemprego industrial desenvolveram-se novas formas de emprego e de ocupação informal que vêm sustentando a identificação de novos grupos dotados de expressão política. No Brasil as eleições desde o inicio da década de 1990 testemunham o peso desses grupos alfabetizados de baixa renda submetidos à precariedade do emprego formal porém capazes de sobreviver em ocupações incertas e em informalidade. Assim como aumenta a complexidade do universo da informalidade surgem estrategias de sobrevivência e estruturas de anti-poder, principalmente na esfera das drogas, que mostram crescente resistência à repressão convencional. Alguns retrocessos importantes dos movimentos sindicais eventualmente são compensados, mas o essencial é o alargamento da base da força de trabalho e um aumento significativo da participação política, resultando em mudanças na configuração da base do sistema. Há uma indiscutível apropriação de temas de base popular, como os inspirados em discriminação racial, que ganham novas conotações quando se revelam como mecanismos alternativos de poder. Este se apresenta como um dado fundamental do quadro social fortalecido por práticas democráticas. No entanto é um sistema de fratura no sistema de classes, com distanciamento entre os grupos de alta renda, expansão dos grupos de classe media e ampliação da participação de grupos populares. O fortalecimento da base institucional que se configura desde o fim das ditaduras em vários países latino-americanos torna-se uma variável essencial na configuração da vida política, abrindo espaço para uma reavaliação do fundamento ideológico. 7.5. A referência externa Sempre houve uma referência externa e as nações sempre tiveram que agir em um marco de relações internacionais. A diferença hoje está por conta da existência de um sistema internacional ativo que se tornou parte da ideologia assumida pelas nações mais poderosas. Nele, o novo dado essencial de predominância de países antes colonizados e humilhados, especialmente a China e a Índia, que passaram a representar limites ao poder insaciável dos Estados Unidos. O sistema de tratados como o nuclear e de comércio impõem restrições ao modo de gerir as economias nacionais sempre com

124 Os movimentos de luta pela independência na Argentina como na Venezuela tiveram como base os cabildos (conselhos municipais), Ver Picón Salas, De la conquista a la independência e Halperin Donghi, Historia contemporânea de America Latina.

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critérios dúplices. Por exemplo, não se explica porque Israel pode ter artefactos nucleares militares e o o Iran não pode. Desde a segunda metade do século XX, com a emergência de “novas” grandes nações o equilíbrio mundial de poder ficou completamente modificado em relação com o modelo herdado do século XIX e países que foram colônias como a Índia e o Brasil e que foram humilhados como a China, passaram a ter preeminência mundial. No ambiente das sociedades capitalistas, desde a segunda metade do século XX a novidade se encontra em novos modos de interpenetração entre o mundo privado e o público, favorecidos pela mundialização das comunicações, que deixam de ser esferas separadas e onde a valorização da individualidade substitui valores éticos e ideológicos anteriores. Neste novo contexto, é preciso trabalhar com a referência de contradições e bloqueios do Estado burguês consolidado. A tendência à crise do sistema do capital acompanhada de deslocamentos do sistema mundial de poder deixa os grandes resultados de dificuldades crescentes dos países mais ricos para garantirem a reprodução de seu capital e absorverem sua própria força de trabalho. As limitações econômicas com que convivem as economias ricas consolidadas contrastam com a ascensão rápida de economias de riqueza recente – China, Rússia, Índia, Brasil e em menor escala Turquia – refletindo-se nas condições de desempenho do Estado. A diminuição da distância entre as opções de política entre conservadores e liberais marca o peso das restrições externas nas políticas nacionais, mas não é suficiente para indicar mudanças substanciais na relação entre a esfera política e a econômica. Acumulam-se pressões internas com a persistência de baixas taxas de crescimento, com desemprego e pressões do bloco de poder por políticas públicas que atendam aos objetivos do grande capital. Com estas referências acentua-se a rejeição das economias ricas consolidadas para aceitarem migrantes de outras regiões do mundo, especialmente de trabalhadores pouco qualificados das economias mais pobres. O Estado passa a refletir os deslocamentos mundiais de poder indicados pelas tendências de expansão e pela nova distribuição mundial do controle de tecnologias. Nesse quadro será preciso trabalhar com a noção de crises internas e externas do Estado e de uma dupla determinação da crise econômica e da política. Por sua vez, nos novos países ascendentes o Estado encontra-se entre as pressões do grande capital e as geradas pelas manifestações dos interesses das maiorias com os compromissos de sustentar o crescimento e de abertura social. Torna-se evidente que se alarga um fosso entre os objetivos de contenção dos países ricos consolidados e dos países em ascensão. A crise do sistema do socialismo de Estado encabeçado pela União Soviética deixou aberto o espaço para uma valorização do ideário do capitalismo avançado,onde entretanto se aprofundam diferenças entre os Estados Unidos e seus diferentes aliados, entre as economias industriais de primeira grandeza e capazes de prosseguir em seu crescimento e aquelas outras cujo potencial de crescer encontra-se esgotado 125. As desigualdades no alto capitalismo se aprofundam e esse bloco de nações passou a conviver com um contexto mundial no qual surgem novas nações lideres e mudam os conceitos do que seja público ou privado. As doutrinas do liberalismo baseadas em Estados nacionais agressivos passam a lidar com composições de interesse que

125 Se vamos aceitar a observação de Alfred Marshall (Industry and trade, 1925) há nações que se tornam velhas e outras que se tornam jovens dependendo de um conjunto de fatores dentre os quais o principal seria o empenho de suas elites. Acrescentaríamos que no mundo de hoje também é a disponibilidade de energia para produzir.

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envolvem agir público e privado combinados. Frente ao suposto caos político alegado pelo liberalismo, que desse modo procura equiparar as relações entre países e entre empresas em mercado de concorrência perfeita. A tese de relações desiguais é a que reflete o ambiente das nações poderosas e das frágeis e entre as que têm potencial para crescer e as que não têm. Os modos de renovação do sistema mundial de poder tomaram rumos que não seriam previsíveis trinta anos antes, mas focalizam em três pontos principais que são, primeiro que as doutrinas políticas têm que se adaptar às condições concretas do poder econômico e do militar, segundo que as doutrinas são constantemente adaptadas pelos poderosos e terceiro que não há fundamento para supor que as diversas nações vejam o sistema político internacional do mesmo modo. Essa é a pluralidade por diferenciação que vai constituir o alicerce de uma teoria política internacional para nações não imperiais ou que simplesmente não sejam potências. Algumas observações podem ser adiantadas nesse sentido. Como predominam as situações em que o controle na esfera política depende de parâmetros internacionais diminuem as diferenças em partidos e composições políticas na esfera da sociedade burguesa. Definem-se pautas centrais de política e presumem-se regras de conduta derivadas do discurso humanista do pacto das grandes potências. São esses parâmetros que servem de referência para as políticas nacionais e se tornam parâmetros para a inserção do Estado nas relações de classe. O Estado se torna o agente de uma composição de poder assentada sobre uma estabilidade parcial, isto é, de uma parte da sociedade globalizada, mas submetida às pressões por inclusão dos não incluídos e por maior mobilidade dos que ficara imobilizados. Nessa condição o Estado carrega a ideologia da mudança contida, que é o mesmo que dizer da mudança administrada pela burguesia que se encarrega, inclusive, de fornecer grande parte dos discursos de reivindicação de grupos excluídos. 7.6. Ideologias, partidos políticos e movimentos sociais a. O debate sobre ideologia Se a ideologia é a síntese das combinações de interesses e tradições ela tem sempre a generalidade do poder de abstração de participantes concretos do agir social e a especificidade dada por sua situação de classe e sua ancoragem em tradições e cultura. A reconstrução histórica da ideologia é um movimento distintivo de situações contemporâneas mas não equivalentes. A atividade política é necessariamente ideológica porque sempre reflete uma transposição de dados do cotidiano para uma instância mais ampla de intervenção nas condições de vida das coletividades. Os programas dos partidos políticos consolidam propostas de ação, de conservação ou de transformação definidos sobre situações sociais específicas representando a conversão de ideologias em situações concretas. O imediatismo, o personalismo, o individualismo, que sustentam alienação e corrupção são manifestações negativas de ideologia, mas correspondem às condições históricas e não podem ser separados das relações internacionais de dependência de classe. Uma aparente ausência de propostas significa simplesmente uma proposta passiva de conservação da situação atual. Por exemplo, a simples percepção imediata dos interesses de proprietários rurais entra em contextos de maior complexidade quando se defronta com as limitações de vida em cidades de pequeno e de médio porte com vida

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cultural limitada. A mobilidade dos trabalhadores deixa de ser um problema individual e se revela como um problema coletivo em que se colocam as condições e as restrições dos diversos segmentos de classe em um sistema capitalista em mudança. Trata-se, portanto, de que a dimensão ideológica não é algo separado do sistema sócio-econômico senão é inseparável da condição social do trabalho que interage com a materialidade do sistema. Em síntese, os partidos têm diferente significado de um país a outro no modo como articulam o pragmatismo de sua relação com o poder com sua justificativa ideológica. Nesse sentido cabe ver os partidos políticos por seu significado histórico efetivo e não por suas denominações. Os partidos surgem como representações de interesse em poder. A noção de partido sugere uma tomada de posição frente a questões materiais e ideológicas, envolvendo opções sobre riquezas e prestigio. Os partidos são partes de um conjunto que é a vida política de um país identificada com a formação do Estado nacional. Esta opera com definições principalmente nacionais, mas penetradas cada vez mais por influências internacionais, por afinidades ideológicas, por mecanismos de alienação ou por influências materiais. Em sua prática os partidos são apropriados pelas condições sócio-históricas de seus integrantes, derivando para situações de fisiologismo que se torna uma contradição de suas declarações ideológicas, mas que marca as condições práticas de realização da vida política. Os partidos formalizados tenderam a se tornar estruturas de interesses organizados cuja disputa por espaços de poder corresponde a disputas por contratos e por cargos públicos. Mantêm um discurso indicativo de sua origem ideológica mas estão condicionados pelos acordos de poder entre seus dirigentes e seus participantes, com suas respectivas pretensões de extrair vantagens de sua participação na engrenagem do governo. Essa é a fissura pela qual penetram interesses privados no escudo da esfera pública constituindo uma privatização sutil, que se antecipa e favorece a privatização ostensiva. Por isso é a permanência dos partidos que se torna seu ponto fraco diante do imediatismo dos interesses privados. Os partidos políticos estão em permanente movimento de revalidação de lideranças que perderam credibilidade por interesses pessoais, para isso criando nova linguagem de legitimação de seus acordos empresariais. Os movimentos sociais representam uma pluralidade de situações de expressão direta de interesses de trabalhadores e de marginalizados, basicamente sem acesso a emprego, que tem que ser estudada nas condições especificas de cada país. Não passiveis de uma definição unificadora exceto pelo fato de representarem interesses dos desfavorecidos que passam a ter a capacidade de se apresentarem como integrantes da sociedade. Mas a emergência de movimentos sociais não significa a corrosão ou mesmo a eliminação de relações de classe porque os processos do0 poder acontecem no interior do sistema sócio-produtivo e porque as relações entre a esfera do assalariamento com a do trabalho precariamente engajado se realiza mediante relações desiguais de contratação em que os próprios trabalhadores em muitas situações se tornam contratistas exploradores. O eixo das relações de poder pode ser móvel e acompanhar as vicissitudes do assalariamento mas continua sendo o eixo central da pluralidade de relacionamentos determinados pela pluralidade das relações de classe. Na medida em que o Estado interage nesse processo ele se torna parte ativa das relações de classe, assumindo diversos papéis circunstanciais, mas definindo algumas linhas mestras que refletem a composição de forças do bloco dominante. Não se pode ignorar que a movimentação da esfera pública

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na América Latina contempla margens variadas de abertura social e de mobilidade para diferentes grupos. Uma referência especial deve ser feita aos indígenas em geral, mais que aos negros, apesar da visibilidade destes últimos. Os movimentos sociais vêm ampliar a base sobre a qual se formam as relações de classe e trazem novas dimensões para o significado de modernização. A emergência da pluralidade americana contesta o exclusivismo da visão europeia de modernização, do mesmo modo como a constatação do desemprego inevitável sacudiu a letargia do mundo islâmico. O chamado indigenismo até agora denota apenas a chegada ao poder de uma única sociedade majoritariamente indígena, mas com enorme tradição de luta política que é a Bolívia 7.7.. As práticas do Estado burguês A. O Estado burguês periférico O Estado burguês se apresenta como a negação da política ideológica, apesar de representar a ideologia do capital e de desenvolver a operacionalidade necessária para sua reprodução. Nesse cometido exerce um poder irrecorrível embutido em suas diversas intervenções na vida privada, desde a definição de uma carga tributária à obrigação de votar ao compromisso com normas de vida em público tais como proibição do fumo e do ruído excessivo. Na America Latina o Estado burguês torna-se o mediador de processos econômicos de acumulação desigual e de mobilidade, em que entram, cada vez com mais força, movimentos de mobilidade entre países. O Estado burguês tornou-se um espaço em disputa por grupos representantes das oligarquias e grupos ascendentes ligados ao capital internacional. Passou, também, a representar modos de modernidade que não são simétricos com as formas estabilizadas de articulação. Há uma ligação entre o controle social interno e as práticas imperialistas, que se realiza mediante o sistema educativo e o aparelho armado, em que o fundamento do poder estatal depende de uma aliança de classes. O Estado burguês desenvolveu um sistema de pluripartidarismo controlado, isto é, constituído de partidos políticos aceitos pelo acordo de poder, portanto, sujeito a limites. Há regras explicitas e regras implícitas e condições de legitimidade. Problemas tais como os da corrupção e do clientelismo podem ser tratados como desvios de conduta e censurados ou simplesmente aceitos dentro de certos limites e de regras de conduta pública. A corrupção é integrante orgânica da sociedade do capital e não somente do capitalismo. A independência de poderes, executivo, legislativo e judiciário tem inegáveis vantagens para limitar o poder do governo mas permite comportamentos socialmente defasados por parte do judiciário que tem demonstrado ser o principal óbice da democracia. A manobra fundamental do Estado burguês foi a de desqualificar as expressões ideológicas que o questionam; e de substituir referências históricas por modelos normativos. A desqualificação de ideologia é o modo de colocar a defesa dos interesses do capital como única possibilidade de governo na sociedade de hoje. B. Estilos de política. A noção de estilos de desenvolvimento chegou como uma proposta de visão de totalidade na escala nacional que combina os aspectos institucionais, culturais e

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econômicos. Pesquisas e ensaios conduzidos por Oscar Varsavski, Norberto Gonzalez e vários outros focalizaram nos sistemas nacionais a partir de aspectos econômicos. A questão transcendeu principalmente porque (a) se observam pautas de comportamento típicas de certos grupos de países e (b) representam certos horizontes de renovação tecnológica. A consideração de estilos de desenvolvimento como estilos de política implica em considerar restrições orgânicas de sistemas formais tal como eles se apresentam em cada pais. Por exemplo,o principio geral de equilíbrio entre poderes e entre os níveis federal e local representam diferentes condições de autonomia com restrições no relativo a políticas específicas como em educação e tecnologia. Esse filtro de análise Em sua trajetória desde meados do século XIX o Estado burguês desenvolveu competências técnicas que ensejaram o desenvolvimento de empresas de grande capital ao tempo em que teve que conviver com pressões sociais que terminaram por mudar o perfil de alguns governos, além dos revolucionários Cuba e Nicarágua. As políticas públicas são, essencialmente, representativas de formas técnicas de organização herdadas das velhas economias exportadoras. Gradualmente, a necessidade das empresas de conseguir contratos para poderem reproduzir o capital torna-se um parâmetro das políticas de infra-estrutura. Estas geram contratos de construção e de manutenção que movimentam recursos em grande escala e desenvolvem relações preferenciais entre governo e empresas. Há uma modalidade de acumulação de capital e de poder que é, sutilmente canalizada para as empresas consultoras e construtoras que operam em simbiose com o Estado. Surge uma contradição entre os objetivos de manter equilíbrio monetário e financeiro para garantir a continuidade dos negócios e os objetivos de realizar despesas públicas para gerar contratos. Essa combinação de interesses convergentes e de conflitos locais de interesse torna-se a tônica do funcionamento da esfera pública nos países emergentes. Esse filtro de análise permite ver que há uma relação entre as formas institucionais e as condições operacionais dos Estados nacionais, em que suas diversas expressões formais, como ministérios e partidos políticos têm sua operacionalidade regulada, por um lado pela legitimação dos governos nacionais e por outro lado pelos fundamentos dos partidos em interesses sociais organizados. Logicamente essas expressões institucionais não surgem do acaso mas são historicamente determinadas, representando situações anteriores. Nesse sentido se colocam as políticas de educação, que sempre representam visões do controle social da força de trabalho. Nesse mesmo sentido colocam-se as políticas de habitação que respondem a diferentes momentos da urbanização, que por sua vez correspondem a aspectos de industrialização. São as grandes expectativas de industrialização urbana e desconhecem que as principais localizações de projeto semi-urbanizados e que os beneficiários são os grupos identificados com essa etapa de tecnologia. Outro exemplo, que as políticas de qualificação de trabalhadores têm como referência as formas de capital das empresas. Em suma, que as conexões entre os aspectos “duros”e os “suaves”dos sistemas sócio-produtivos e dos sistemas tecno-produtivos são essenciais na formação de sistemas produtivos. A visão de estilos de política será uma abordagem que identifica necessidades específicas do sistema político para tratar com novos setores. Exemplos mais destacados são os relativos aos novos setores de energia em que se acumulam as contradições entre soluções técnicas e problemas ambientais. No Brasil acumulam-se as contradições entre possíveis opções técnicas para expandir a produção hidrelétrica para uso direto ou indireto da industrialização do petróleo e gás ou para aproveitamento de energia eólica ou solar.

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Está claro que o tratamento dessas grandes opções de produção envolve conseqüências, desde distribuição a pesquisa, que não podem ser tratadas como um problemas apenas de energia elétrica. Assim como os sistemas se expandem mudando de composição técnica desencadeiam mudanças em sua superestrutura institucional e ideológica. A abordagem por estilos de desenvolvimento aponta a uma reconstituição da relação orgânica entre infra-estrutura e super-estrutura dela derivando uma totalidade social do processo técnico. C. Políticas públicas. A relação entre a sustentação política do Estado e a operacionalidade do Estado enquanto governo é a ponte entre o plano doutrinário e o técnico, em que as políticas públicas freqüentemente são apresentadas como representantes de uma lógica diferente daquela da reprodução do Estado. Na realidade as políticas públicas respondem pela efetividade do Estado que é percebida de modos diferentes pelos grupos interessados mas que tem um efeito final que afeta a todos. O aspecto mais profundo dessa intervenção é o relativo a educação, em que aparentemente há uma pluralidade de temas e de conflitos, como entre educação pública e privada ou entre básica e superior, mas onde há um conflito ideológico central entre uma visão transformadora da educação ou uma função subalternizada. A primeira terá sempre um caráter critico e a segunda estará sempre como coadjuvante dos interesses das empresas ou dos projetos de poder. Uma das principais operações do condicionamento do Estado nacional a interesses privados consiste no desmembramento dos problemas de educação e na substituição de uma política nacional de educação por políticas de educação, compreendendo subsídios e reservas de mercado. No Estado moderno cabe distinguir políticas de equilíbrio monetário e financeiro e políticas de desenvolvimento, no sentido de serem políticas para promover a expansão do sistema produtivo. O chamado Estado do Bem Estar foi –ou é – uma concepção de política pública desenhada para atender à distribuição de renda com os grupos identificados como integrantes da burguesia correspondendo a um compromisso tácito entre o grande capital e a classe média. A rigor é uma proposta de política compensatória que se esgotou em quase toda parte com o endividamento do governo e encontra resistências ideológicas profundas nos países mais ricos, como nos Estados Unidos. As políticas de assistência aos trabalhadores correspondem a custos que o bloco de poder considera necessário para manter o equilíbrio político necessário ao seu desempenho. Surgem, entretanto, políticas de compensação que representam opções ideológicas de quebrantar o limite das rendas dos grupos médios, atendendo diretamente aos trabalhadores. Observa-se que as políticas de bem estar surgiram primeiro no Uruguai em 1908 e somente em 1930 na Grã Bretanha. O movimento reverso das políticas neoclássicas apareceu primeiro como proposta de alguns economistas em 1947 e foi iniciada outra vez na Grã Bretanha pelo governo trabalhista da década de 1960. O contraste entre políticas de contenção e políticas de desenvolvimento passa a marcar os Estados nacionais de hoje que se reúnem em torno de objetivos mínimos de interdependência que praticamente impõem políticas de estabilização macroeconômica apesar de que não têm previsão alguma para controle do desemprego ou para ampliar a mobilidade dos trabalhadores. O objetivo social de desenvolvimento, entendido primeiro como de desenvolvimento econômico e depois de desenvolvimento social e ambiental, deu um sentido de

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finalidade às políticas públicas cujo fundamento nos interesses combinados de Estado e empresas continua sendo tabu para as análises de eficiência do Estado e de separação entre a esfera pública e a privada. Aceita-se a noção de eficiência como se ela fosse genérica e não correspondesse a sujeitos sociais definidos. No entanto em sua grande maioria elas foram concebidas para sistemas que progridem de modo positivo e raramente contemplam aquela reversão de processos de subdesenvolvimento que emanam de relações desiguais de poder. D. Paternalismo, clientelismo e competitividade. O paternalismo funciona desde os modos pré-capitalistas da atividade social, identificando-se com o colonialismo, principalmente em seus desdobramentos em projeções da estrutura familiar de poder ao meio público. É um modo irracional que combina proteção e controle e desenvolve diferenciações, aproveitando modos de dominação herdados do colonialismo e da escravidão e freqüentemente usando argumentos de racismo das mais variadas extrações. Com o desenvolvimento de modos urbanos do paternalismo aparece o clientelismo nas relações políticas propriamente ditas, que identifica o fisiologismo de grupos organizados no interior dos partidos políticos. Na operacionalidade dos sistemas capitalistas há uma variedade de situações nem sempre comparáveis nas quais se combinam a racionalidade da acumulação, representativa dos interesses do capital, com mecanismos de controle social, por persuasão ou por dissuasão, que passam pelo controle de pessoas. Os mecanismos de defesa dos capitalistas na América Latina se traduziram tendencialmente em mecanismos familiales de controle de empresas e de garantia de emprego. O principio geral de competitividade, supostamente reitor do desempenho do capital, opera com condições desiguais de participação no mercado que se transladam para os mecanismos de poder da vida política. Os parâmetros de competitividade ficaram associados a capacidade de renovação tecnológica e a condições de controle de mercado. Os capitalistas seguem o velho principio que é melhor ganhar dinheiro com o dinheiro de outros e melhor ainda, de se fazer financiar pelo governo que, contraditoriamente, pressionam constantemente para que encolha sua presença no sistema produtivo. E. Autoritarismo dependente e sociedade democratizada. O autoritarismo é um tema obrigatório nos estudos de política voltados para a América Latina e por razões diferentes daquelas que interessaram correntes e autores europeus. O autoritarismo vem aqui da convergência de diversas fontes, das origens européias e americanas e se torna um traço dominante das sociedades formadas no ambiente colonial e incorporadas na experiência de países formalmente independentes, mas onde a fragilidade da sociedade urbana deixou um espaço decisivo para as forças armadas. A composição básica de poder do autoritarismo tradicional é a sociedade primário-exportadora, manejada por grupos predominantemente de mestiços com componentes de brancos descendentes de imigrantes e de negros oriundos do escravismo. O autoritarismo medrou de uma base rural em que foi comum às grandes e às pequenas propriedades, mas assumiu novas formas com a ascensão de uma sociedade burguesa

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126. Os movimentos de democratização têm sido claramente desiguais entre países e regiões e, à parte dos discursos políticos que invocam temas democráticos há uma grande distância entre os aspectos formais e os reais do autoritarismo, assim como será necessário rever as condições de autoritarismo nas empresas e nos partidos políticos além daquelas que ficaram incorporadas na estrutura do Estado. F. A questão da democratização do Estado. A adequação do Estado às aspirações das maiorias é um objetivo inevitável nas sociedades latino-americanas de hoje mas não é algo que se possa alcançar com movimentos lineares desde o próprio Estado. É um tema que se coloca sobre um quadro de estruturação e mudança política a ser examinado. Por ter aparecido primeiro por transferência do poder colonial e a seguir por ser um projeto de poder dos exportadores baseados em grandes propriedades os Estados nacionais latino-americanos surgiram como instrumentos de poder das elites e entraram a operar com regras do exclusivismo que ocupou os aparelhos de Estado disponíveis. É o processo da modernização conduzida, que utiliza as necessidades técnicas de modernização como meio de usar novos setores técnicos no governo que se tornam moeda de troca entre partidos e políticos. É a proliferação de ministérios e de órgãos que em sua maioria não dispõem de pessoal suficiente e geram contratos com empresas de que participam políticos. Ao longo do século XX e através de sucessivos golpes de Estado e controle carismático da política, definiu-se um modelo, que se generalizou, de Estado que combina a convivência dos partidos políticos oficializados com a administração de margens de abertura distribuídas entre as classes médias e as camadas populares. O modelo social atravessou diversos regimes militares que manejaram relações externas de subalternidade com autoritarismo interno. A rigidez do sistema variou de um país a outro, aparentemente em função do sucesso econômico alcançado pelo bloco de poder. Não se deve confundir o sucesso econômico do bloco politicamente instalado com um eventual sucesso de grupos exclusivamente econômicos. Sobre esse pano de fundo coloca-se a questão geral da democratização do Estado. Aumento do número de participantes ou mudança no modo de participação? Os dois lados desse binômio estão em marcha e não por escolha dos políticos profissionais senão porque os processos do capital levaram a uma abertura progressiva pelo lado do consumo, impelida pelos interesses das empresas em incorporar consumidores em um movimento cruza com reivindicações genuínas de grupos excludos e em coincidência com movimentos sociais genuínos, estimulados pela urbanização e pelo progresso dos meios de comunicação 127. Mas torna-se evidente que a conversão de cidadãos em consumidores é um modo de cortar a cidadania de sua raiz que é a liberdade.

126 Na literatura sobre o tema ver, por exemplo, Florestan Fernandes A revolução burguesa no Brasil. 127 Em diversas nações latino-americanas verificou-se nova onda de movimentos protagonizados por grupos indígenas, praticamente desde o México até a Bolívia, praticamente desde a década de 1960, que combinam reação a exclusão com luta por participação política plena, com implicações econômicas. Se o novo Zapatismo em Chiapas, México, parece ter inter-relações dos movimentos políticos de 1968, na Bolívia trata-se de uma valorização da participação dos povos indígenas na configuração do poder nacional e que chegou ao poder com a sustentação de uma longa e penosa tradição de luta política. Não há parâmetros da análise política burguesa que expliquem a transcendência nem o potencial da vida política que surge com a institucionalização das aspirações indígenas especialmente como manifestadas na Bolívia.

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A democratização do Estado é um objetivo que se afirma depois dos ciclos de ditaduras, recentes, mas parecendo antigas, que aparece sob inúmeras formas, em participação de associações de diversos tipos, em desgaste dos modos carismáticos de poder, como uma conseqüência da difusão de meios de comunicação. A progressiva transparência dos sistemas de governo, que dilui o véu de segredo com que sempre operou a apropriação do bem público, faz com que essa aparente utopia se torne plausível e mesmo provável. G. A política revolucionária e o Estado revolucionário A trajetória da luta revolucionária pelo poder na América Latina tem sua primeira e grande manifestação na Revolução Mexicana, oficialmente de 1910 a 1926, que envolveu uma pluralidade de forças, inicialmente com o golpe militar de Vitoriano Huerta, que interrompeu o processo político eleitoral com o assassinato do presidente Francisco Madero, que a seguir desencadeou uma complexa movimentação de forças, de diversas identificações sociais 128. A Revolução Mexicana revelou um grande número de líderes populares, entre os quais se destacaram Emiliano Zapata 129, Genovevo de la Ó e Francisco Villa 130, assim como desencadeou uma formação de líderes conservadores que finalmente ganharam o controle do processo, como Alvaro Obregón e Plutarco Elias Calles, este último fundador do Partido Revolucionário Institucional (PRI) que se tornou o grande aparelho de Estado do pacto político e econômico da burguesia 131. Passou por modificações conseqüentes da formação de um bloco de poder cuja condução foi realizada pelo PRI . No inicio da década de 1930 coincidiram vários movimentos políticos importantes, desde o México até a Argentina e o Chile, em principio induzidos pela crise econômica da época e por efeito da urbanização e do aumento das empresas nacionais e da classe trabalhadoras, nas minas, nos sistemas de infra-estrutura e nas fábricas. Cárdenas no México, Irigoyen na Argentina, Grove no Chile e depois a revolução de 30 no Brasil ensejaram o aparecimento de novos partidos políticos e uma produção intelectual sobre política 132. São esses governos que fundaram a linha de política de um desenvolvimento nacional identificado com modernização rural e desenvolvimento industrial. É importante assinalar que o populismo .que chegou ao poder com Perón em 1947 ainda representa parte desse movimento que se estende até sua volta 133. Outras experiências de curta duração entre 1950 e 1975, terão que ser mapeadas e analisadas para derrubar a falsa idéia de que não houve luta política revolucionária no continente. Será preciso considerar o governo socialista do Chedi Jagan na Guiana, Manley na Jamaica, Arbenz na Guatemala, Torrijos no Panamá, Torres na Bolívia,

128 Na vasta literatura sobre a revolução mexicana cabe referir ao clássico de Jesus Silva Herzog, ao lado do qual incluindo os trabalhos de Alonso Aguilar e de Sergio de la Peña. 129 Ver John Womack Jr., Zapata y la revolución mexicana,(1972) 67 A convergência de Zapata e Villa sustentou a edição da Carta de Ayala, que foi o primeiro documento nacional de proteção do campesinato. Representaram o setor popular da revolução. Os subseqüentes Carranza e Obregón representaram a captura da revolução pela burguesia, com uma recomposição parcial da grande propriedade. 131 Ver Gloria Gonzalez Salazar, Aspectos recientes del desarrollo social de Mexico, México, UNAM, 1978. 132 No relativo a esse período e a esse processo é importante a obra coordenada por Pablo Gonzalez Casanova, intitulada América Latina: historia de médio siglo. 133 Ver Liliana de Riz, Retorno y derrumbe, México, UNAM, 1981.

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Velasco no Peru, todos antes que acontecessem o governo de Allende no Chile e dos Sandinistas na Nicarágua e o breve governo socialista de Granada. Essas experiências foram todas interrompidas por intervenção externa velada ou descoberta, desde apoio a movimentos internos reacionários até invasão tal como aconteceu no Panamá e em Granada. A brutalidade do golpe de Estado no Chile, minuciosamente planejado e com indiscutível apoio externo dos Estados Unidos e dos países envolvidos na Operação Condor, marcou uma etapa de repressão especialmente violenta que correspondeu à última etapa da Guerra Fria. Seguia o regime militar repressor do Brasil, de 1964 a 1984, e antecipava a ditadura mais violenta na Argentina de 1976 a 1982. Todas essas experiências se desenrolaram em paralelo à Revolução Cubana que chegou ao poder em 1959. Diferente da Nicarágua, onde os Sandinistas perderam eleições e só recentemente voltaram ao governo, a Revolução Cubana se manteve e resistiu a diversos movimentos contra-revolucionários, principalmente ao ataque à Baía de Cochinos e ao movimento dos contra na Sierra Madre. A revolução cubana tem sido objeto de uma enorme literatura de analistas de todas as tendências e produz sua própria literatura que tem a peculiaridade de desenvolver uma análise objetiva e circunstanciada dos eventos da política e da economia. A condicionante do bloqueio econômico dos Estados Unidos e a tensão permanente de defesa condicionaram o desenvolvimento econômico da ilha, mas na perspectiva de análise política é preciso registrar que Cuba criou um modelo próprio de estruturação de decisões, que se tornou fundamental para sua sobrevivência depois do desmantelamento da União Soviética que era seu apoio essencial, dadas suas limitações de comércio exterior e sua fragilidade em produção de energia 134. As recentes substituições de suas lideranças apontam à existência de um mecanismo de formação de líderes que deve permitir uma modernização e rejuvenescimento de seus quadros de comando. Em contexto mais recente e em condições não revolucionárias de chegada ao poder, encontra-se a experiência da Venezuela, que enfrenta diversas contradições no plano político e no econômico, mas que assume uma presença internacional significativa, que o país não teve antes. Marcada por um bipartidismo que se instalou como antídoto de uma anterior ditadura petroleira, a de Perez Jimenez, a Venezuela viveu um modelo de economia dependente com uma elite fortemente ligada a valores externos. O “chavismo” se torna uma força política que mistura populismo com propostas socializantes e tenta ganhar um espaço de tempo para se firmar. Finalmente, a experiência, também eleitoral, da Bolívia que prenuncia maior profundidade social que a da Venezuela e reúne condições iniciais para alcançar sucesso mesmo que em escala limitada. A Bolívia passa a superar uma situação de prostração econômica e a definir objetivos próprios de desenvolvimento social, tendendo a ganhar um espaço de valorização social dos indígenas que passará a afetar os demais países vizinhos. Mas a Bolívia tem acumulada uma enorme experiência de luta política e conta já com uma doutrina de emancipação econômica e social transformando o indigenismo em uma política de modernização 135.

Ver Juan Noyola, La economia cubana en los primeros años de la revolución, México, Siglo XXI, 1978. 135Ver pronunciamentos de Adolfo Garcia Linares, vice-presidente da República da Bolívia.

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É preciso situar essas experiências em relação com o desenvolvimento econômico e político dos referidos países, para estabelecer sua capacidade de desenvolver capacidade própria de prosseguir com seus respectivos movimentos políticos. G. Crise ideológica e privatização do Estado burguês O desempenho da economia mundial e a emergência de conflitos em diversas áreas dos sistemas dominados desde o último quarto do século XX mostram a centralidade da tendência à crise nas periferias do sistema globalizado 136 e a tendência ao consórcio das potencias industriais em envolvimentos militares repressores 137. A ascensão do poderio norte-americano revelou os limites do capitalismo europeu, primeiro em sua dificuldade de expandir seu mercado interno e segundo por sua incapacidade para acompanhar a corrida do poder militar mundial e finalmente por sua vulnerabilidade em energia. Acentua-se o contraste entre as determinações do poder do Estado e o dos interesses privados que aprofundam um movimento de privatização do Estado iniciado na década de 1960. O sistema central do capitalismo passou a enfrentar dois desafios crescentes, representados pela ascensão de nações emergentes que passam para o primeiro plano e por um esgotamento do potencial de crescimento de nações industrializadas, especialmente do Japão. Finalmente, passa a enfrentar rebeliões em sua periferia explorada e controlada. O século XX terminou com a plena revelação do poder econômico e tecnológico da China, que tem a novidade de aumentar a produção junto com um controle dos capitais internacionais e com um poderoso sistema próprio de comercialização. Este novo quadro de disputa mundial de influência obriga o capitalismo a retraçar seus passos e reavaliar as bases sobre as quais construiu sua acumulação de capital e seu poder político. Não há como insistir nas teses convencionais que o sistema sofra de crises de base tecnológica porque pelo contrário esses países mais industrializados têm mantido um elevado desempenho em renovação das tecnologias necessárias ao seu sistema produtivo. O sistema se encontra diante de outro tipo de bloqueio que decorre de sua incapacidade de ajustar sua escala produtiva com seu mercado próprio. A economia capitalista do consumo depende de que se consuma e a expansão do consumo depende de que se consuma e a expansão do consumo depende do aumento do número de consumidores, dando-se que nesses países o consumo básico já foi coberto e a falta de crescimento demográfico e de maior distribuição da renda limita a expansão do consumo interno. Há, portanto,um fundamento econômico concreto do esgotamento do modo pós-colonial europeu que agora depende de investimentos no resto do mundo assim como de energia obtida do resto do mundo.

136 Há uma clara correlação entre a expansão multifacética do islamismo com rebeliões que surgem em diversos lugares na África e Ásia em confronto com governos títeres de potencias europeias, com uma radicalização que representa uma volta a um fanatismo medieval, conflitando com o fanatismo hebraico e com a insistência dos europeus em controlar essa parte do mundo. Riscos crescentes de que esses conflitos se alastrem revelam as contradições das “democracias “ europeias. 137 A prática da ação em consórcio dos países europeus que foi consagrada como uma intervenção maciça na Líbia repete-se agora no Mali onde os franceses foram chamados por um governo pró-Europa para enfrentar uma insurreição que se alastra a áreas do Saara de outros países. O apoio da Espanha (sempre com medo de um retorno árabe) da Inglaterra sempre pronta para conflitos coloniais e da Alemanha que age como líder europeia, define uma linha de intervenção destinada a recuperar um pouco do prestigio militar europeu e um caminho seguro para uma guerra sem saída.

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O bloqueio econômico da União Européia soma-se ao do Japão que tem sido o principal aliado externo, constrangido, dos Estados Unidos. Por sua vez, os Estados Unidos enfrentam o dilema de absorver os custos militares de sua supremacia e resolverem seus próprios problemas de competitividade de seu sistema produtivo e de garantia de suprimento para seu consumo de energia. Nesse contexto, a crise revelada em 2008 mostrou contradições entre a profissão de fé de liberalismo e as políticas de socorro aos grandes capitais que têm caracterizado o controle anti-cíclico norte-americano e europeu. A dissonância entre o discurso e a política de fato ganha novos contornos. H. Macro e micropolítica, o Estado nacional, as regiões e as localidades Para cobrir seu espaço o Estado burguês contemporâneo se tecnifica e opera mediante políticas setoriais específicas, apresentando-se como um Estado técnico. O atrativo da técnica é indiscutível e marca rumos de qualificação do trabalho que não podem ser O pensamento da teoria política tem sido essencialmente nacional, isto é, exprime os pontos de vista do bloco de poder dominante em cada país, mas tem que reconhecer diferenças internas nos países e registrar que o sistema de poder político tem movimentos da base para o topo que não são completamente absorvidos pelos movimentos do topo para a base. Há um fosso entre o discurso teórico principalmente presente nas academias, que se restringe ao plano conceitual e o desafio constante de interpretar novas situações de caráter político. O Estado nacional contempla uma variedade de situações de poder político local que se translada para a composição do poder nacional, em parte pela composição do poder legislativo e em parte pelos mecanismos partidários que se integram no poder executivo. Não há como autolimitar-se à doutrina do Estado opressor quando acontecem movimentos de flexibilização política e se amplia a base de participação social na política. A problemática do desenvolvimento econômico e social abriu espaço para uma critica do Estado socialmente ativo, finalmente responsável de políticas de desenvolvimento. Estas, que se esgotaram em sua forma inicial de políticas de desenvolvimento econômico nacional autônomo, foram substituídas por políticas neoliberais que concretamente agiram no sentido de aumentar a concentração de poder. Desde a década de 1960 a emergência de movimentos sociais abriu nova janela sobre a complexidade da vida política e pôs em cheque a validade de partidos políticos incapazes de refletir a complexidade das relações de poder nos diversos países. Alguma literatura tem aparecido sobre essa temática, mas certamente ainda sem captar a profundidade desses movimentos que representam uma crítica prática da estrutura do Estado burguês e da atitude paternalista do governo perante o que se passou a denominar de interesse nacional. Mas há uma longa e complexa história de movimentos políticos em diversos países na América Latina que terão que ser apreciados em seu conjunto. Há uma defasagem entre os modos de organização e de linguagem dos partidos políticos, com seu caciquismo e com a presunção de empregos para políticos profissionais e as demandas que se acumulam justamente contra os privilégios das grandes empresas. Os movimentos sociais respondem a situações concretas, no meio urbano e no rural, refletindo contradições das políticas de governo, tal como foi o caso da extinção de financiamento subsidiado para a agricultura em 1986, que contribuiu

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indiretamente para a formação do Movimento dos Sem Terra. Mas têm o potencial de formular propostas originais que não dependem da engrenagem do governo. A questão essencial por detrás desses movimentos é que a grande maioria das pessoas que vivem nos ambientes rurais, especialmente no Brasil, estão muito distantes dos progressos em termos de condições de vida que se identificam com a civilização material. Delineia-se uma situação em que a grande massa de trabalhadores informais ou desempregados ganha um peso decisivo nas eleições e em que o discurso dos partidos políticos se torna contraditório com sua ideologia declarada em seu afã de conseguir o apoio desses marginalizados. É um eleitorado condicionado pela precariedade do emprego, facilmente cooptado por ocupações transitórias, que se torna massa de manobra das diversas novas formas de populismo, tornando-se um fator de poder facilmente manipulável.

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8. Nossa questão do Estado

Trata-se aqui das determinações do Estado brasileiro que constitui uma experiência de Estado capitalista periférico ascendente, em que as tensões da esfera moderna se atropelam e combinam com as da esfera tradicional, mas onde a pressão da modernidade desarticula forças sociais que se reagrupam em conflito com os valores da burguesia. Os processos da vida política prosseguem em uma variedade de experiências de urbanização que, entretanto, têm em comum os mesmos sintomas de favelização, de exclusão seletiva, de contrapoder ligado a criminalidade em geral e a drogas. Frente ao biopoder denotado por Negri, trata-se de registrar o contrapoder. A variedade de formas de poder que se organizam a partir da rejeição do poder legitimado. Para o Brasil o Estado é um desafio constante de renovação do sistema de poder. Contrasta a formação de um bloco financeiro dominante, pouco visível ao grande público, com margens significativas de democratização na esfera pública e com critérios de competitividade na esfera privada e com pressões crescentes da maioria dos trabalhadores por meio de dispositivos legais e quase legais. O Estado é o espaço social em cujo âmbito converge a variedade dos interesses organizados, dando-lhe a duplicidade de refletir os interesses do bloco dominante e abrir espaço para a ascensão da maioria que se interpreta como democracia. Assim, e enquanto governo, compreende a diversidade da vida política, abrange uma representatividade direta no poder executivo, uma representação plural no poder legislativo e uma representação indireta, derivada do executivo, no poder judiciário. Este vive de uma simbologia formalista no sistema democrático porque está integrado de representantes delegados nenhum deles eleito diretamente. Está sobejamente clara a necessidade de um discurso político capaz de tratar com a condição histórica das nações que emergiram do colonialismo. Para elas o Estado é uma referencia essencial que media os sucessivos trânsitos do poder público, representando diferentes situações de poder. O traço comum a todos é o Estado formalmente independente, representante de grandes proprietários que se identificam com grandes capitais internacionais de diversos tipos e assume o papel de repressor dos grupos de dominados. Também é a entidade que configura sociedades dualizadas entre as elites que se consideram herdeiras do segmento caucasiano da sociedade. Esse é o Estado controlado por grupos que cultuam as heranças europeias e desenvolvem sistemas sutis de racismo. É o grande aparelho de repressão de grupos consagrados como dominados, sejam eles índios, negros ou descendentes dos dois. Esse Estado oprime por inércia no cumprimento de sua atividade principal que é de salvaguardar os valores herdados.No entanto e em sua atividade regular de dar suporte a esse sistema de interesses absorve as pressões da vida política, tornando-se o espaço por definição dos conflitos de interesse. Em vez de separação entre esfera pública e privada há uma complexa interpenetração entre os dois. Nessa condição o Estado passa a ser o principal promotor das reformas que alteram as relações de classe e que vão desde a sistemática de concursos públicos para os empregos do sistema público até a transparência nos usos dos recursos. O Estado passa a ter a dupla função de controlador e de promotor, com uma função de repressão cada vez mais regulamentada.

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Há, portanto, uma limitação interna do poder do Estado que coincide com limitações externas derivadas de tratados, acordos e convênios com outros países e com órgãos internacionais que resultam em limitações de soberania ou em compromissos econômicos, financeiros e militares que obrigam a consultas mesmo quando se trata de eventos em território nacional. Não se explicaria, por exemplo, uma decisão de expulsar todos imigrantes de uma determinada nacionalidade sem justificativa à chamada comunidade internacional ou de usar plenamente o direito de reciprocidade. As interdependências na esfera privada são as mais profundas porque representam movimentações importantes de recursos financeiros e de oportunidades de emprego. Torna-se, portanto, ingênuo tratar das questões atuais de afirmação e limitações do poder do Estado como se fossem temas jurídicos in generis. As restrições da soberania estão ligadas à desigualdade das relações internacionais, principalmente, aos modos indiretos do imperialismo. A mobilidade de classes tem efeitos acumulativos, positivos e negativos, que aparecem no aumento dos contingentes de novos ricos, na afluência dos grupos médios de renda e no aumento dos constrangidos à esfera da pobreza com seus diversos matizes. Junto com a urbanização e o desenvolvimento dos meios de comunicação no decorrer da segunda metade do século XX o Estado se encontra com pressões crescentes para ajustes e adaptações para representar a nova sociedade em formação. O Estado se reproduz com pautas herdadas de poder mas as práticas das relações localizadas de poder se registram como pulsões do sistema em que elementos subjetivos como crenças e preconceitos se concretizam em votos e em movimentos de valor político de diversos tipos, que atingem a constituição do governo e as políticas públicas. Assim como é preciso substituir a noção de separação entre esfera pública e privada também é preciso trocar a noção de uma distinção entre as esferas subjetiva e objetiva dos comportamentos políticos. Nesse contexto o sentido prático da atividade política concreta é um significado historicamente posto, que aparece como uma tendência geral regulatória do sistema, com derivação aos defeitos fundamentais de imediatismo e fisiologismo. Significa que o estudo do Estado não pode se basear em comportamentos quimicamente puros senão deve registrar os comportamentos historicamente situados que descrevem o universo da sociedade burguesa periférica ascendente. Nela, os modos políticos dos diversos componentes da burguesia alternam com os dos integrantes do grande capital e os das camadas populares, determinando situações de conflito específico, tais como na urbanização138. O Estado deve ser reconhecido como um sistema de poder que se afirma sobre contradições de interesse, em que o conjunto dos vetores de concentração de poder financeiro e administrativo coincide com a formação de contra poderes paralelos, principalmente representados pelo poder financeiro da criminalidade girando em torno de drogas e corrupção. Descobrem-se, portanto, contradições na operacionalidade do

138 Esse conflito aparece claramente nas grandes cidades do Brasil de hoje, em que há um movimento de urbanização conduzido pelos interesses de grande capital, com sua correspondente especulação imobiliária, um movimento de grupos de rendas medias que opera com financiamento público e um movimento de urbanização dos grupos de baixa renda que se inserem nas periferias da mancha urbana ou aproveitando fissuras de ocupação da área urbanizada. As prefeituras tornam-se órgãos regulatórios de conflitos marcados pelo embate entre as pressões dos grande capital, a insolvência da classe media e a resistência do sistema de favelização.

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Estado que decorrem dos fundamentos ideológicos subjacentes nos objetivos implícito da modernização do Estado. Desse modo vê-se que a substituição do Estado socialmente responsável pelo Estado gestor, responsável apenas pela eficiência da tecnoburocracia, denota a brecha ideológica entre um processo político potencialmente inclusivo e outro seletivamente excludente, que funda as bases para uma sociedade fraturada. Nesse quadro as políticas sociais, principalmente as de transferência de renda, são uma contradição positiva do sistema que opera no sentido de salvaguardar a viabilidade social do sistema político. A revogação da perspectiva europeia é uma conseqüência natural da percepção de processos de estruturação social que envolvem entrada e saída de participantes e mudanças no protagonismo de grupos que ganham ou perdem representatividade. Por exemplo, detentores de algum patrimônio que se tornaram capitalistas na etapa da acumulação sobre o mercado interno foram adiante expelidos do mercado quando venderam suas fábricas ou faculdades a grandes capitais e foram absorvidos no processo de internacionalização da economia. Nesse contexto o Estado tem sempre a dupla função de representar o corpo estabelecido do poder e de absorver as pressões de mudança. Numa sociedade como a brasileira, penetrada de diversos graus de mobilidade, essa flexibilidade do Estado é um amortecedor das tensões que se acumulam nas relações de trabalho na esfera privada. O chamado desemprego tecnológico, que se concentrou entre as décadas de 1980 e 1990, atingindo ao sistema bancário, teria que ser amortecido por efeitos sistêmicos da construção civil e pelas transferências de renda para os grupos de menores rendas. Assim, é o efeito empregador do Estado que permite que as grandes e medias empresas realizem os lucros do desemprego tecnológico, pelo que será mais ajuizado pensar em termos dos ajustes históricos do Estado que em seus objetivos gerenciais. Por fim , a questão do Estado é que a sociedade em transe move-se sobre um sistema de forças que transcende o Estado, tornando-o mediador de uma progressão de conflitos.

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