O pessimismo e a questão social em Philipp Mainländer

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    n 10 | P. 35 - 50 | JUL-DEZ 2007CADERNOS DE FILOSOFIA ALEM

    O pessimismo e a questo social em Philipp Mainlnder

    Flamarion Caldeira Ramos*

    RESUMO:

    TRATA-SEAPENAS, NESTEARTIGO, DEAPRESENTAREMSUASLINHASGERAISOPENSAMENTODEPHILIPPMAINLNDER(1841-1876), FILSOFOHOJECOMPLETAMENTEESQUECIDO, MASQUEJTEVELEITORESCOMONIETZSCHE, BORGESECIORAN, EQUEAHISTRIADAFILOSOFIARECONHECEAPENASCOMODEFENSOREPRATICANTE DOSUICDIO. MAISDESCONCERTANTE , PORM, QUE ASCONSEQNCIAS EXTREMAS QUEMAINLNDERRETIRADAFILOSOFIADESCHO-PENHAUER, ASUAINTENODECONCILIAROMAISEXTREMOPESSIMISMOMETAFSICOCOMUMPENSAMENTOPOLTICO

    SOCIALISTA.PALAVRAS-CHAVE: MAINLNDER, SCHOPENHAUER, PESSIMISMO, SOCIALISMO, REDENO.

    ABSTRACT:

    THISPAPERAIMSATPRESENTING, INITSGENERALLINES, THETHOUGHTOFPHILIPPMAINLNDER(1841-1876), TODAYACOMPLETELYFORGOTTENPHILOSOPHER, BUTWHOWASREADBYAUTHORSLIKENIETZSCHE, BORGESANDCIORAN,ANDWHOTHEHISTORYOFPHILOSOPHYKNOWSONLYASADEFENDERANDPRACTITIONEROFSUICIDE. THEARTICLETRIESTOSHOWTHESTRANGEINTENTIONOFMAINLNDERTOCONCILIATETHEMOSTEXTREMEMETAPHYSICALPESSIMISMWITHASOCIALISTPOLITICALTHOUGHT.KEY-WORDS: MAINLNDER, SCHOPENHAUER, PESSIMISM, SOCIALISM, REDEMPTION.

    Merda de existncia miservel

    Cioran, Brevirio de decomposio

    Para o Thomaz

    Numa curiosa passagem da Genealogia da Moral, Nietzsche es-

    tabelece um vnculo entre o pessimismo filosfico europeu do sculo

    XIX e uma certa decadncia favorecida pelas idias modernas, nome-

    adamente, as idias democrticas e o iderio socialista. Mais do que

    fruto dessa nova mentalidade europia, o pessimismo seria conseqn-

    cia de um certo nivelamento de classes: o Weltschmerzeuropeu, o pes-

    simismo do sculo XIX, essencialmente resultado de uma mistura de

    classes absurdamente sbita.1Na Genealogia podemos encontrar ain-

    da algumas outras referncias ao pessimismo. Por exemplo, no 7 da

    segunda dissertao, aps mostrar o vnculo entre crueldade e festivi-

    dade, diz Nietzsche: Com tais pensamentos, diga-se de passagem, no

    *Doutorando do Departamento de Filosofia da FFLCH-USP e bolsista FAPESP.1Nietzsche, F. Genealogia da Moral. So Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 120.

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    pretendo em absoluto fornecer gua para os moinhos dissonantes e

    rangentes dos nossos pessimistas cansados da vida; pelo contrrio, deve

    ser expressamente notado que naquela poca, quando a humanidade

    no se envergonhava ainda de sua crueldade, a vida na terra era mais

    contente do que agora, que existem pessimistas.2

    A partir de um fundamento terico completamente diferente, e com

    outras intenes, tambm Lukcs vincula o pessimismo com a crise da

    burguesia alem. Lukcs oferece uma interpretao da ideologia do inte-

    lectual burgus rentier, mais especificamente, do burgus do perodo dareao aos movimentos revolucionrios de 1848: O pessimismo de

    Schopenhauer um reflexo ideolgico do perodo da restaurao.3O

    autor reduz o alcance da filosofia schopenhaueriana ao consider-la me-

    ramente como expresso de um rano de classe: as atividades do indiv-

    duo aparecem separadas de sua base social e voltadas pura e exclusiva-

    mente para dentro, cultivando as prprias peculiaridades e veleidades pri-

    vadas como valores absolutos.4Schopenhauer seria assim apenas a ex-

    presso terica irracionalista das transformaes que necessariamente se

    efetuaram no Estado prussiano depois de 1848 e do fracasso da revoluo.

    dessa forma que s a partir de ento a prpria filosofia de Schopenhauer

    comea a ser reconhecida e ele se torna o filsofo daquela reao bur-guesa que a sua filosofia tinha previsto, de modo que a transformao

    burguesa do Estado semifeudal prussiano deu incio ao xito de sua

    filosofia, que antes no tinha podido dar-se.

    A partir disso, Lukcs v em Schopenhauer a forma histrica,

    sintomtica do irracionalismo entre as revolues, e como o precursor

    do cosmopolitismo decadente.5O filsofo teria, segundo Lukcs, inicia-

    do o movimento de liberao, atravs da tica, de todos os instintos

    negativos, anti-sociais e anti-humanos do homem, dando-lhes uma san-

    2Idem, p. 56.3 Lukcs, G. El Asalto a la Razn. Mxico, Buenos Aires: Fondo de CulturaEconmica, 1959, p. 169. Nessa mesma direo, Lwith afirma que a acolhida daobra de Schopenhauer s foi possvel a partir da apatia em que se encontrava ainteligentsia alem depois da derrota da Revoluo de 1848. Cf. Lwith, K. De Hegel Nietzsche. Paris: Gallimard, 1969.4Idem, p. 166.5Idem, p. 169.

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    o moral, e apresentando-os se no como preceitos, pelo menos como

    destino do homem. O pessimismo metafsico aprofundaria a aliena-

    o, pois conduz ao quietismo e passividade social: enquanto o

    pantesmo desvia as mentes, objetivamente, da concepo religiosa do

    mundo, a filosofia de Schopenhauer, que professa ser atesta, abre de

    novo o caminho para uma religio que no obriga a nada.6De um ponto

    de vista dialtico, como o de Lukcs, o pessimismo schopenhaueriano

    seria ento a justificao filosfica do absurdo de toda atividade poltica

    e de todo progresso, atravs da desvalorizao de toda forma de socie-dade e historicidade. O egosmo burgus, outra caracterstica do pessi-

    mismo, antes reforado que negado, devido concepo tica que

    confirma o isolamento do indivduo. Tanto a teoria do conhecimento quan-

    to a esttica do filsofo conduziriam a esse fim.

    Ao esvaziar de sentido toda ao poltica, o pessimismo de Scho-

    penhauer acabaria funcionando, intencionalmente ou no, como uma

    apologia indiretado capitalismo. Se a apologia direta do capitalismo,

    desvelada por Marx, consiste na eliminao das contradies sociais

    existentes ao apresent-las como aparncias superficiais e passagei-

    ras, a apologia indireta se apresenta como uma forma bem mais eleva-

    da e tardia de apologia: enquanto a apologia direta se esfora em eli-minar as contradies do sistema capitalista, de refut-los por sofis-

    mas, de escamote-los, a apologia indireta, tomando como ponto de

    partida essas contradies, aceita sua existncia como a de fatos ine-

    gveis, mas lhes dando, entretanto, uma interpretao favorvel, para

    manter o prprio capitalismo.

    Enquanto a apologia direta se esfora em apresentar o capitalis-

    mo como a melhor ordem de coisas possveis, como o ponto cul-

    minante da humanidade em marcha, atingido de uma vez por

    todas, a apologia indireta sublinha todos os lados ruins do capita-

    lismo e seus horrores que ela considera no como caractersti-

    6Idem, p. 177. nessa direo que Lukcs sublinha o abismo que separa Schopenhauere Hegel e contrape a lgica dialtica do ltimo lgica metafsico-irracionalista doprimeiro. Cf. Idem, p. 195-99.

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    cas do capitalismo, mas de toda vida humana, da existncia en-

    quanto tal. Disso resulta que um combate levado a efeito contra

    esses horrores por princpio condenado ao fracasso, que ele

    mesmo um absurdo, j que ele conduz o homem a suprimir

    aquilo mesmo que constitui a natureza de seu ser.7

    Assim, ao invs de se voltar contra o capitalismo, verdadeira ori-

    gem das contradies, a filosofia de Schopenhauer se volta contra o

    prprio mundo. Ela repudiaria a vida em todas as suas formas e o querestaria para ns seria apenas o nada. Ora, pergunta-se Lukcs, pos-

    svel viver uma tal vida de acordo com essa filosofia? Ele responde afir-

    mativamente, pois enquanto essa negao total no realizada o que

    se v uma vida contemplativa plena de charme. Dessa forma, Lukcs

    conclui fazendo o vnculo entre o pessimismo e o cinismo burgus:

    o nada como perspectiva do pessimismo, como horizonte de vida,

    no pode impedir de modo algum o indivduo, segundo a tica

    schopenhaueriana j exposta, de levar uma vida contemplativa

    plena de gozo (genussreiches) . Pelo contrrio, o abismo do nada,

    o fundo sombrio da carncia de sentido da existncia d o tem-

    pero picante a este gozo da vida. Ademais, o aristocratismo afir-

    mado da filosofia de Schopenhauer permitir a seus fiis de se

    sentir (isto , de imaginar que eles esto) bem acima de uma

    plebe lamentvel e to limitada que ela ainda cr dever combater

    e sofrer para melhorar as condies da sociedade. O sistema de

    Schopenhauer sistema engenhoso e harmoniosamente

    construdo do ponto de vista da arquitetnica formal ergue-se

    como um belo hotel moderno, dotado de todo conforto, beira do

    abismo, do nada, da carncia de todo sentido. E a diria contem-

    plao do abismo, entre refeies esplndidas, prazerosamente

    degustadas, ou entre obras de arte preciosas, s pode realar

    ainda mais o gozodesse conforto refinado.8

    7Idem, p. 167.8Idem, p. 201.

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    Se Schopenhauer pode ser considerado o fundador desse ho-

    tel de luxo beira do abismo, deve-se lembrar que no foi ele seu

    nico hspede. O pessimismo filosfico do sculo XIX se constitui na

    esteira da filosofia de Schopenhauer, mas nem sempre com uma pos-

    tura apologtica a este ltimo ou ao capitalismo. Os principais auto-

    res desse movimento so Eduard von Hartmann, Julius Bahnsen e

    Philipp Mainlnder. Eduard von Hartmann, cuja obra principal a Fi-

    losofia do Inconsciente,de 1869, procura amalgamar Hegel, Schelling

    e Schopenhauer ao colocar o Inconsciente como princpio algico douniverso. Julius Bahnsen o filsofo da dialtica do real (Realdialektik),

    em que busca transformar a contradio dialtica numa espcie de

    essncia de todas as coisas, uma tentativa de desenvolver a idia de

    Schopenhauer da desunio essencial da vontade consigo mesma. J

    Philipp Mainlnder se apresenta como o mais radical dos discpulos

    de Schopenhauer, no apenas em sua obra, mas tambm em sua

    vida e morte. A referncia mais conhecida que temos da obra desse

    filsofo, hoje completamente esquecido, nos dada por Jorge Luis

    Borges em Biathanatos:

    Ao reler esta nota, penso naquele trgico Philipp Batz, que na

    histria da filosofia chamado Philipp Mainlnder. Ele foi, como

    eu, leitor apaixonado de Schopenhauer. Sob sua influncia (e tal-

    vez sob a dos gnsticos) imaginou que somos fragmentos de um

    Deus que, no princpio dos tempos, destruiu a si mesmo, vido

    de no ser. A histria universal a obscura agonia desses frag-

    mentos. Mainlnder nasceu em 1841; em 1876, publicou seu li-

    vro, Filosofia da Redeno. Nesse mesmo ano, ele se matou.9

    Borges poderia ter acrescentado que Mainlnder no apenas

    morreu no ano de publicao de sua obra como se matou justamente no

    dia em que recebeu em casa o primeiro exemplar de sua obra principal!

    A obra, que no apenas por esse motivo causou um certo interesse, no

    9Borges, J. L. Outras Inquisies.In: _____. Obras Completas de Jorge Luis Borges.So Paulo: Globo, 1999, vol. II, p. 88.

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    passou despercebida por Nietzsche, que no mesmo ano escreve a

    Overbeck, em sinal de agradecimento por este t-lo enviado um exem-

    plar da Philosophie der Erlsung: Ns j lemos Voltaire demais, agora

    a vez de Mainlnder.10O nome de Voltaire no representa a somente o

    pensamento iluminista em geral, mas ser ele o autor para quem Nietzsche

    dedicar o primeiro volume de Humano demasiado humano(publicado

    em 1878, ano do primeiro centenrio de sua morte).

    Mas o que era a filosofia de Mainlnder, que ao menos num pri-

    meiro momento despertou um certo interesse em Nietzsche? O que en-contramos em sua obra? Mainlnder apresenta sua obra como uma con-

    tinuao e correo da filosofia de Schopenhauer, a qual ele no ape-

    nas radicaliza, mas conduz a uma espcie de ontologia negativa em que

    o No-ser teria prevalncia metafsica sobre o ser. J por meio de

    sua reflexo sobre teoria do conhecimento, Mainlnder chega a uma

    concluso oposta ao ps-kantiano Schopenhauer no que se refere

    coisa-em-si: esta no , para ele, a Vontade de vida, universal e atemporal,

    que se expressa como essncia de todas as coisas para alm do tempo

    e espao. Para Mainlnder, a coisa-em-si poderia ser designada como a

    Vontade de morte individualque est presente em todas as coisas. Essa

    vontade individual, que por meio de um campo de foras age de acor-do com outras inumerveis vontades individuais e o produto da transi-

    o de uma unidade transcendente a uma multiplicidade imanente, a

    transformao da essncia.11A unidade primordial, pr-mundana, se

    desagrega e surge o mundo. Cada vontade individual tem um impulso

    que tem sua origem naquela unidade interna primordial. Atravs desse

    movimento surge o mundo. O mundo dos fenmenos , dessa forma,

    um mundo da multiplicidade, do movimento e do escoamento incessan-

    te dos seres, o mundo do devir. A contraposio entre o mundo dos

    fenmenos, da multiplicidade, e o terreno da coisa em si una corresponde

    inteiramente doutrina schopenhaueriana do mundo da vontade e da

    10Nietzsche, F. Nietzsche Briefwechsel. Kritische Gesamtausgabe. Zweite Abteilung,Fnfter Band. Giorgio Colli u. Mazzino Montinari (orgs.). Januar 1875 Dezember 1879.Berlim, Nova York: Walter de Gruyter, 1980, p. 202.11Mainlnder, P. Die Philosophie der Erlsung. In:_____ Schriften, vol. I. Editado porWinfried H. Mller-Seyfarth. Hildesheim, Zurique, Nova York: Olms, 1996, p. 89.

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    representao. Mas Mainlnder vai alm de seu mestre quando com-

    preende esse mundo transcendente como uma espcie de Deus

    espinozano, que morre e assim d vida ao mundo. Da a sentena: Deus

    est morto e sua morte a vida do mundo.12Longe de ns est a inten-

    o de apresentar Mainlnder como um precursor da morte de Deus em

    Nietzsche, pois Deus aqui, diferentemente do que pensa Nietzsche, no

    morto pelos homens, mas ele mesmo segue um impulso interno de

    autodecomposio, um mpeto de passar do ser ao no-ser, o que se

    expressa na lei fsica do enfraquecimento universal das foras.Mas seja dito aqui, para quem possa se assustar com um pessi-

    mismo aparentemente dogmtico e teolgico, que Mainlnder tenta se-

    guir estritamente a proibio kantiana de ultrapassar o terreno da expe-

    rincia, e permanece preso imanncia. Sua doutrina se apresenta como

    um atesmo cientfico para o qual a essncia de Deus permanece des-

    conhecida em sentido constitutivo. Porm, de um ponto de vista

    regulativo, para o juzo reflexionante, podemos pensar a origem do

    mundo como seele fosse um ato de vontade motivado.13Isso significa:

    podemos representar a origem do mundo como um ato da inacessvel

    transcendncia pela qual uma unidade primordial e anterior ao mundo

    se transplanta ao no-ser e se espalha, se dilacera no mundo da ima-nncia: o mundo surge da vontade desse Deus, de passar do ser ao

    no-ser, uma espcie de autocadaverizao de Deus. Ou seja,

    Mainlnder reinterpreta e radicaliza o pessimismo de Schopenhauer em

    uma metafsica da entropia, e interpreta toda a histria do mundo como

    uma descontnua, mas inevitvel decadncia.

    A partir disso, como no h para o sujeito cognoscente nenhum

    ser melhor e completo do que a simples unidade, essa unidade no pode

    ser alcanada por um anseio pelo ser-outro, mas s resta uma livre escolha

    entre a permanncia no ser ou o no-ser (aqui o leitor de Schopenhauer

    reconhece o tema da afirmao e da negao da vontade). Mas ao se

    multiplicar no mundo, aquela uno-totalidade j se decidiu pela nica

    ao livre possvel, nomeadamente, mergulhar no nada absoluto, no

    nihil negativum, isto , se aniquilar completamente, desistir de ser.14

    12Idem, p. 108.13Idem, p. 322.14Idem, p. 323.

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    E essa ao s pode ser pensada como referida quela unidade, j que

    nada fora dela pode ser pensada. Dessa forma, a decomposio da

    unidade no mundo se apresenta como a escolha do ser primordial de

    nada ser. O mundo o meio para a finalidadedo no-ser, e na verdade

    o mundo o nicomeio possvel.15A conseqncia lgica desse racio-

    cnio reza que todos os indivduos desse mundo real realizam tambm o

    esforo ou tendncia pelo no-ser. Eles lutam uns contra os outros, en-

    tram em conflito, se opem mutuamente e dessa forma enfraquecem

    sua fora. J que a unidade anterior ao mundo se manifesta no mundo apartir de uma certa quantidade de fora, ela s pode atingir sua finalida-

    de por meio de um contnuo declnio da mesma; dessa forma todo indi-

    vduo realiza a tendncia ao desaparecimento total por meio do enfra-

    quecimento da fora. A castidade e o suicdio, quando conscientemente

    exercidos atravs do conhecimento da essncia do mundo, so apenas

    meios de realizar completa e conscientemente aquela finalidade, o nada

    absoluto para o qual no fim das contas o mundo inevitavelmente aponta.

    Se para muitos essa interpretao radical do pessimismo

    schopenhaueriano parecer espantosa, o que dizer da tentativa de unir

    a isso um pensamento socialista? Pois exatamente o que Mainlnder

    pretende: uma unio entre Ferdinand Lassalle e Siddhrtha Gautama

    Sakyamunis, ou seja, unir movimento operrio social-democrata e tica

    compassiva budista!

    Para unir pessimismo e socialismo Mainlnder constri uma ti-

    ca eudemonista que ao mesmo tempo se baseia e se afasta da tica de

    Schopenhauer. Para ele toda ao motivada por um interesse egosta,

    e a finalidade de toda e qualquer ao sempre o bem do agente. 16

    Mesmo na compaixo, o que visa o agente sempre seu prprio bem,

    no apenas evitar o sofrimento do outro, mas o do prprio agente. O que

    fundamenta a moral, para Mainlnder, no a compaixo, mas o conhe-

    cimento. As virtudes da compaixo, caridade, justia, ensinadas pelo

    cristianismo e pelo budismo, so as mais valiosas, pois esto de acordo

    com o conhecimento metafsico a que o homem chega no fim da hist-

    15Idem, p. 325.16Idem, p. 180.

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    ria: o conhecimento de que o mundo um vale de lgrimas e que o no-

    ser prefervel ao ser. O conhecimento conduz o homem do egosmo

    limitado sua individualidade ao egosmo que se estende a todos os

    seres, o que o faz desejar o bem coletivo. O ncleo da questo social

    est, para Mainlnder, na determinao das relaes entre o indivduo e

    a totalidade, que o conhecimento filosfico esclarece. A filosofia no pode

    desprezar o indivduo, pois a unidade no est na totalidade, mas s

    existe pelo indivduo, e todo progresso da totalidade est ligado ativi-

    dade intelectual, moral e social do indivduo.A vontade do todo no outra que a vontade total do indivduo.

    Ento, para Mainlnder, uma necessidade tanto prtica quanto terica

    que o homem seja independente, pois s a partir desse fundamento

    possvel uma comunidade tica, intelectual e social. Embora o indivduo

    seja, por um lado, dependente do todo, por outro ele pode tambm

    influenciar esse todo. A autonomia do agir para Mainlnder a primeira

    verdade social, e deve ser assegurada tanto para o indivduo quanto

    para a comunidade. A partir disso Mainlnder deduz o sufrgio universal

    e outras conquistas democrticas como progresso para aquilo que ele

    denominar como a penltima finalidade da histria: a implantao do

    estado ideal que para ele coincide com o estado socialista. Se o senti-do da histria est dado, resta apenas acelerar seu curso.

    A partir desse conciso resumo do projeto poltico de Mainlnder

    se pode ver o quanto ele se afasta de seu mestre Schopenhauer. Se o

    primeiro j transformava os conceitos deste ltimo tanto na metafsica

    quanto na tica, ser na teoria poltica que Mainlnder ver sua grande

    fraqueza. O primeiro volume de sua Filosofia da Redenose encer-

    ra com uma Crtica das doutrinas de Kant e Schopenhauer e o ca-

    ptulo final dessa parte, intitulado Poltica, traz o seguinte coment-

    rio: A misria do povo descrita [por Schopenhauer] de maneira

    excelente, mas isso apenas para dar relevo ao pessimismo. Ademais,

    Schopenhauer s ofereceu palavras de dio e desprezo para o povo e

    seu esforo, e devemos nos afastar horrorizados dessa perversidade de

    disposio (Gesinnung) do grande homem.17Nesse sentido, o filsofo

    17Idem, p. 585.

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    ir elogiar Kant e os idealistas Fichte, Schelling e Hegel (para decepo

    de Schopenhauer) por terem concebido a histria como o movimento

    da humanidade rumo ao estado ideal.18Esse estado ideal concebido

    por Mainlnder praticamente como um princpio regulativo do socialis-

    mo,19algo sobre o qual o movimento operrio deve ter conscincia para

    lutar por sua realizao, mas que, segundo sua metafsica, ser apenas

    um momento intermedirio para a redeno completa.

    dessa forma que Mainlnder une, na figura do sbio heri,

    aquele que conduz ao estado ideal com o objetivo de redimir a humani-dade de suas dores, um pessimismo quietista com prxis social engajada.

    Pois quando a humanidade chegar a esse estgio, ento chegar a hora

    da redeno: o conhecimento elevado a sua mxima potncia traz consi-

    go a convico da nulidade da vida e essa convico prepara um fim total

    da vida humana. Mainlnder compara o processo civilizador com a que-

    da de uma bola no abismo. Mas esse processo s se acelera com a

    educao, pois a todos deveria ser dada a oportunidade de compreender

    a essncia das coisas e atingir a redeno que, assim como a vontade,

    s pode ser individual.

    A questo social no outra seno uma questo de educao,

    mesmo quando superficialmente ela tenha uma aparncia bem

    diferente; pois nela se trata apenas de elevar todos os homens

    quele nvel de conhecimento a partir do qual somente a vida

    pode ser corretamente avaliada. Como, porm, o caminho para

    essa altura est bloqueado por barreiras puramente econmicas

    e polticas, ento a questo social no presente no se apresenta

    como uma pura questo educacional, mas principalmente uma

    questo poltica e ento econmica.20

    18Cf. idem, p. 587.19Antes de se suicidar, Mainlnder escreveu um segundo volume da Filosofia da Reden-o, que foi publicado em 1886 por sua irm Minna Batz. Nele se encontra um texto intituladoTrs discursos aos trabalhadores alemes, que tambm foi entregue ao movimento oper-rio social democrata em forma de panfleto. Cf. Mainlnder, P. Die Philosophie der Erlsung.Zweiter Band. Zwlf philosophische Essays. In:_____.Schriften, vol. II. Editado por WinfriedH. Mller-Seyfarth. Hildesheim, Zurique, Nova York: Olms. 1996, p. 339 e ss.20Mainlnder, P. Die Philosophie der Erlsung, vol. I, p. 295.

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    Conforme a isso exige Mainlnder algumas reivindicaes que

    esto de acordo com as reivindicaes do movimento operrio: sufrgio

    universal, reduo do tempo de trabalho, igualdade entre os sexos, au-

    mento de salrios, etc. O filsofo ressalta principalmente a necessidade

    da reduo das horas de trabalho para acabar com a diviso social do

    trabalho que no permite que o trabalhador se forme. O homem deve se

    tornar consciente de sua situao e de seus companheiros para fazer o

    caminho da satisfao material ao conhecimento do bem comum:

    Saciados de todos os bens que o mundo pode oferecer devem

    ser todos os homens, para que a humanidade esteja madura para

    a redeno e, j que sua redeno sua destinao, ento os

    homens devem ser saciados, e essa saciedade s possvel

    com a resoluo da questo social.21

    Somente a satisfao das necessidades bsicas e mesmo do dese-

    jo em geral poderia levar a humanidade ao ponto de compreender a satisfa-

    o material como algo que ainda no constitui a finalidade ltima. Da a

    necessidade de dar livre curso a toda tendncia da vontade, limitada, entre-

    tanto, por todas as outras.22Nesse sentido, tambm o amor livre defendidoe todas as barreiras que impedem o avano da liberdade e do conhecimento

    devem ser postas de lado. Mas o socialismo proposto por Mainlnder no se

    baseia na instituio de uma igualdade social meramente material. Ele no

    se baseia na igualdade de resultados ou bens, mas na igualdade de chances,

    possibilidades, opes, em suma, de escolha. Pretende-se democrtico, sem

    ser meramente formalista. A educao deve ser livre, no podendo haver

    uma doutrina oficial de Estado. Mas ser papel do filsofo defender a satis-

    fao universal das necessidades do povo e assim apontar para a redeno:

    Vocs acreditam que a vida tem valor. Vocs tomam os ricos por

    21Idem,p. 308.22Apesar de defender o comunismo, Mainlnder concebe a origem da sociedade deum ponto de vista contratualista hobbesiano (assim como Schopenhauer). O egosmoviolento do estado de natureza deixado de lado em vista da segurana, escolhidacomo o mal menor. Cf. idem, p. 199 e ss.

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    felizes, pois eles comem e bebem melhor, porque fazem festa e

    barulho. Vocs acham que o corao bate mais tranquilamente

    sob uma seda do que sob uma blusa rudimentar! Mas eles se

    decepcionam; mas no com discursos, mas pela ao. Deixo-os

    experimentar, provar por si mesmos que nem riqueza, honra, gl-

    ria e vida tranqila os tornam felizes. Cortem as limitaes que

    separam os iludidos da pretensa felicidade.23

    Esse novo profeta, que une pessimismo e pensamento histrico,pode ser vtima, entretanto, da crtica da ideologia que poder retrucar, des-

    confiada: Tu queres me enganar, tu mentes, tu trabalhas pelo soldo da

    burguesia!, reclama o homem comum dialeticamente formado ao filsofo

    pessimista. Muito bem, diz este, tu vers isso. E ele deve experimentar

    isso numa nova ordem de coisas.24

    A relao entre o pessimismo e a prtica j aparecia em Schopenhauer,

    mesmo que abafada por um pensamento a-histrico e anti-utpico. Mas tal

    relao s aparece claramente em seu discpulo Mainlnder e em sua

    filosofia crtico-social da redeno. Por isso ele pode ser considerado um

    schopenhaueriano de esquerda.25V-se assim que Mainlnder no deduz

    de sua metafsica pessimista nenhuma conseqncia conservadora, masdesenvolve, ainda que como estgio intermedirio, a representao de um

    estado ideal social-democrata. O cidado de um tal estado ser o indiv-

    duo que a histria tenta efetivar desde seu incio: um homem inteiramente

    livre. Ele estar completamente livre do cultor das leis e formas histricas,

    e estar livre de todos os grilhes polticos, econmicos e espirituais, para

    alm da lei.Dissipadas sero todas as formas externas: o homem estar

    completamente emancipado.26Somente a realizao de um tal ideal po-

    deria mostrar ao prprio homem sua verdadeira face:

    Minha filosofia olha para alm do estado ideal, para alm do co-

    23Idem, p. 301.24Idem, p. 594.25Cf. Ltkehaus, L. Pessimismus und Prxis. Umrisse einer kritischen Philosophie desElends.In: Ebeling, H.; _____. (orgs.). Schopenhauer und Marx. Philosophie des Elends Elend der Philosophie?Knigstein: Hein, 1980.26Mainlnder, P. Die Philosophie der Erlsung, vol. I, p. 311.

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    munismo e do amor livre, e ensina, depois de uma humanidade

    livre e sem sofrimento, a morte da humanidade. No estado ideal,

    isto , na forma do comunismo e do amor livre, a humanidade

    mostrar sua face hipocrtica: ela est votada ao declnio e no

    somente ela, mas todo o vale de lgrimas.27

    Embora no nos tenha legado nenhum comentrio mais com-

    pleto da filosofia de Mainlnder, no difcil imaginar o que Nietzsche

    deve ter pensado dessa desconcertante combinao de metafsica dadecadncia e socialismo. O comentrio mais completo de Nietzsche

    sobre o pessimismo filosfico do sculo XIX nos d uma indicao. Ele

    est no 357 da Gaia Cincia, num contexto de discusso sobre a

    filosofia alem, sobre o problema do que alemo na filosofia alem.

    Nietzsche se refere inabilidade do pessimismo ps-schopenhaueriano

    como prova de que o pessimismo era na verdade um fato europeu,

    no alemo. Aps zombar de E. von Hartmann e J. Bahnsen, a vez

    de Mainlnder:

    Ou deveramos considerar alemes autnticos os diletantes e ve-

    lhas solteironas como Mainlnder, o adocicado apstolo da virgin-

    dade? Ele ter sido judeu, afinal ( todos os judeus se tornam ado-

    cicados ao moralizar). Nem Bahnsen nem Mainlnder, menos ain-

    da E. von Hartmannm, fornecem dados seguros para a questo de

    saber se o pessimismo de Schopenhauer, seu olhar de horror a

    um mundo desdivinizado, que se tornara estpido, cego, louco e

    questionvel, seu honesto horror... seria no um mero acaso ex-

    cepcional entre os alemes mas um evento alemo(...) No, os

    alemes de hoje noso pessimistas! E Schopenhauer era pessi-

    mista, repito, como bom europeu e no como alemo28

    27Mainlnder, P. Die Philosophie der Erlsung, vol. II, p. 334.28 Nietzsche, F. A gaia cincia. So Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 257. Aquideve-se dizer que Nietzsche ofereceu uma de suas mais irrefletidas boutades, poisMainlnder no era judeu (seu verdadeiro nome era Philipp Batz), o que o prprioNietzsche confessa ter descoberto mais tarde. Cf. Seyfarth, W. Mainlnder undNietzsche: Ein Nachtrag zu Max Seilings Replik auf eine der unberlegtesten BoutadenNietzsches. In: Nietzsche-Studien, vol. 28. Berlim, Nova York: 1999, p. 323-35.

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    Essa passagem indica no apenas a averso de Nietzsche ao

    pessimismo filosfico ps-schopenhaueriano, mas sugere tambm a

    existncia de um outro pessimismo, o pessimismo dos fortes. o que

    Nietzsche desenvolve, por exemplo, no 114 da Aurora(Do conhe-

    cimento que caracteriza o ser sofredor). O forte recusa todas as ten-

    taes do sofrimento e o depor contra a vida, ele considera sempre

    que altamente desejvel continuar a viver. Recusando-se a depre-

    ciar a vida, o forte recusa tambm os valores decadentes, sintomas

    de um hedonismo de base mrbida, e recusa associar-se ao sofri-mento vendo nele um sentido ou finalidade superior (como no pessi-

    mismo). Da a necessidade de um verdadeiro pessimismo: aquele que

    afirma inteiramente este mundo tal como , sem ordem ou finalidade, e

    que, por isso mesmo, conduz mais completa afirmao, o niilismo ati-

    vo como transvalorao dos valores, o amor fatie a superao do niilismo

    pelo pensamento do eterno retorno. Da a crtica aos valores civilizatrios

    na Genealogia da Moral, valores que no so seno o desenvolvi-

    mento dessa interpretao decadente da existncia que de Scrates

    a Schopenhauer no teve outra finalidade que a obsessiva necessida-

    de de domesticar o sofrimento.

    Ora, colocando Nietzsche dentro desse contexto do pessimis-mo filosfico do sculo XIX, e ao contrapor a seu pensamento a crtica

    completamente diferente que Mainlnder desenvolve da filosofia de

    Schopenhauer, seria possvel lanar uma nova luz sobre seu projeto

    filosfico. Se podemos afirmar que sua filosofia oferece uma resposta

    original ao problema da existncia colocado por Schopenhauer (que

    por isso elogiado em todasas fases do pensamento de Nietzsche), ela

    se coloca no extremo oposto resposta oferecida pelos outros pessi-

    mistas, e especialmente Mainlnder. Embora seu pensamento transcenda

    de longe o quadro estreito e teoricamente fraco do pessimismo filosfi-

    co, Nietzsche no apenas reflete sobre os mesmos temas como se utili-

    za da mesma terminologia e dos mesmos referenciais tericos (cientfi-

    cos) da escola schopenhaueriana. verdade que o carter antimetaf-

    sico, perspectivista, antidogmtico de seu pensamento pouco tem a ver

    com as metafsicas fantsticas ps-schopenhauerianas, mas inevit-

    vel o paralelismo. Assim temos, a partir da metafsica da Vontade de

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    vida de Schopenhauer, de um lado, em Mainlnder, Vontade de morte,

    teoria do enfraquecimento das foras (Entropia), tica compassiva e

    poltica socialista; de outro lado, em Nietzsche, Vontade de potncia,

    doutrina do eterno retorno, tica da nobreza e poltica da hierarquia de

    foras. Se notarmos que em ambos se encontra tanto um certo biologis-

    mo (fruto da influncia da cincia da poca) como a tentativa de se ex-

    pressar por outros meios que no somente os tratados filosficos, ento

    o paralelo parecer ainda mais plausvel. Se pudemos ver acima que a

    teoria socialista de Mainlnder de certa forma encontra uma justificativana metafsica de Schopenhauer (tica da compaixo, unidade da vonta-

    de, etc), tambm possvel notar que o aristocratismo de Nietzsche

    pode ser visto como um reflexo das idias polticas schopenhauerianas,

    um misto de conservadorismo burgus e moral solipsista. Para verificar

    isso valeria a pena seguir ento o conselho de Nietzsche de 1876, mas

    agora dirigindo a referncia contra ele prprio: talvez j tenhamos lido

    Nietzsche demais, a vez de Mainlnder!

    BIBLIOGRAFIA:

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