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O PLANEJAMENTO URBANO DE UMA CIDADE PROJETADA: CONSIDERAÇÕES SOBRE A CONCEPÇÃO URBANÍSTICA DA VILA OPERARIA DA USIMINAS EM IPATINGA MG MOIZÉS RODRIGUES DA SILVA 1 GUILHERME ALVES VISO 2 Resumo Este trabalho apresenta considerações sobre o processo de planejamento urbano na cidade de Ipatinga, em Minas Gerais (MG), localizada a leste da capital (Belo Horizonte) do estado e município pertencente a Região Metropolitana do Vale do Aço (RMVA). A análise tem destaque para a concepção e o ideário urbano estabelecido para a instalação da Vila Operária decorrente do processo de implantação da Usina Siderúrgica de Minas Gerais (USIMINAS), que inicia o seu período de construção em 1950 e tem a sua fundação no ano de 1958, ano em que também se dá o começo da elaboração do plano urbanístico da vila operária. Esse modelo de organização do urbano por Vilas Operárias aparece fortemente no Brasil no início do século XX e são modelos urbanísticos propostos para cidades com grandes empreendimentos industriais, em destaque para o surgimento de indústrias de base relacionadas a mineração e siderurgia nos estados da região sudeste. A USIMINAS, com incentivo de capital estatal e japonês, surge com políticas focadas em modernizar e desenvolver uma identidade industrial que é necessária para o avanço industrial e a produção de matérias-primas básicas. Os arquitetos Raphael Hardy Filho e Marcelo Bhering, elaboram em conjunto o projeto urbanístico da Vila Operária de Ipatinga; tendo como base a concepção urbanística idealizada pelo movimento moderno, seguindo à risca princípios que constituem a Carta de Atenas elaborada por Le Corbusier durante o Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (CIAM) realizado em 1933 na Grécia, que apresenta uma análise e crítica da condição das cidades, propondo tópicos em que uma cidade precisa se atentar para a promoção de uma boa estrutura urbana. As características físicas da localidade interferem na hora de pensar o plano conforme os conceitos da carta: a declividade do relevo da região da Zona da Mata; que determinou e inferiu na concepção projetual, de modo que foi proposto a construção de uma vila operária separada por unidades habitacionais (chamadas de unidades de vizinhança ou UVs), que consistem em localidades interligadas por vias de tráfego periféricas e que cada UV deve apresentar equipamentos urbanos fornecedores de serviços básicos para os funcionários e outros conceitos apresentados pela Carta de Atenas como: zoneamento, ocupação do solo, tipologias residenciais, etc. A análise do planejamento e da constituição da Vila Operária permite compreender elementos que definiram o surgimento do plano urbano de Ipatinga, seguindo funções chave do urbanismo e possibilitando entender as mudanças que hoje ocorrem durante os processos contínuos de transformação das cidades. Palavras-chave: Planejamento urbano; Vilas operárias; Cidades industriais; Ipatinga. Abstract 1 Mestrando do programa de pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Uberlândia (PPGAU/UFU) sob orientação da professora Dra. Beatriz Ribeiro Soares. E-mail para contato: [email protected]. 2 Mestrando do programa de pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Uberlândia (PPGAU/UFU) sob orientação da professora Dra. Beatriz Ribeiro Soares. E-mail para contato: [email protected].

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O PLANEJAMENTO URBANO DE UMA CIDADE PROJETADA:

CONSIDERAÇÕES SOBRE A CONCEPÇÃO URBANÍSTICA DA VILA

OPERARIA DA USIMINAS EM IPATINGA – MG

MOIZÉS RODRIGUES DA SILVA1

GUILHERME ALVES VISO2

Resumo

Este trabalho apresenta considerações sobre o processo de planejamento urbano na cidade de

Ipatinga, em Minas Gerais (MG), localizada a leste da capital (Belo Horizonte) do estado e município

pertencente a Região Metropolitana do Vale do Aço (RMVA). A análise tem destaque para a concepção

e o ideário urbano estabelecido para a instalação da Vila Operária decorrente do processo de

implantação da Usina Siderúrgica de Minas Gerais (USIMINAS), que inicia o seu período de construção

em 1950 e tem a sua fundação no ano de 1958, ano em que também se dá o começo da elaboração

do plano urbanístico da vila operária. Esse modelo de organização do urbano por Vilas Operárias

aparece fortemente no Brasil no início do século XX e são modelos urbanísticos propostos para cidades

com grandes empreendimentos industriais, em destaque para o surgimento de indústrias de base

relacionadas a mineração e siderurgia nos estados da região sudeste. A USIMINAS, com incentivo de

capital estatal e japonês, surge com políticas focadas em modernizar e desenvolver uma identidade

industrial que é necessária para o avanço industrial e a produção de matérias-primas básicas. Os

arquitetos Raphael Hardy Filho e Marcelo Bhering, elaboram em conjunto o projeto urbanístico da Vila

Operária de Ipatinga; tendo como base a concepção urbanística idealizada pelo movimento moderno,

seguindo à risca princípios que constituem a Carta de Atenas elaborada por Le Corbusier durante o

Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (CIAM) realizado em 1933 na Grécia, que apresenta

uma análise e crítica da condição das cidades, propondo tópicos em que uma cidade precisa se atentar

para a promoção de uma boa estrutura urbana. As características físicas da localidade interferem na

hora de pensar o plano conforme os conceitos da carta: a declividade do relevo da região da Zona da

Mata; que determinou e inferiu na concepção projetual, de modo que foi proposto a construção de uma

vila operária separada por unidades habitacionais (chamadas de unidades de vizinhança ou UVs), que

consistem em localidades interligadas por vias de tráfego periféricas e que cada UV deve apresentar

equipamentos urbanos fornecedores de serviços básicos para os funcionários e outros conceitos

apresentados pela Carta de Atenas como: zoneamento, ocupação do solo, tipologias residenciais, etc.

A análise do planejamento e da constituição da Vila Operária permite compreender elementos que

definiram o surgimento do plano urbano de Ipatinga, seguindo funções chave do urbanismo e

possibilitando entender as mudanças que hoje ocorrem durante os processos contínuos de

transformação das cidades.

Palavras-chave: Planejamento urbano; Vilas operárias; Cidades industriais; Ipatinga.

Abstract

1 Mestrando do programa de pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Uberlândia (PPGAU/UFU) sob orientação da professora Dra. Beatriz Ribeiro Soares. E-mail para contato: [email protected]. 2 Mestrando do programa de pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Uberlândia (PPGAU/UFU) sob orientação da professora Dra. Beatriz Ribeiro Soares. E-mail para contato: [email protected].

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This work shows considerations about the process of urban planning in the city of Ipatinga, Minas

Gerais, located in the East of the capital (Belo Horizonte) and belonging to the Metropolitan Region of

Vale do Aço (RMVA). The analysis consists in the conception and the urban ideology established for

the installation of the Company Town resulting from the process of construction of the steelworks of

Minas Gerais (USIMINAS), whose construction starts at 1950 and the founding at 1958, in the same

year it starts the elaboration of the workers town urbanistic plan. The model of urban organization by

Company Towns strongly arises in Brazil in the beginning of 20th century and these models was

proposed for cities with big industrial investments, emphasis in the creation of base industries related to

mining and the metallurgy of iron in the southeast region. The USIMINAS, with the support of state and

Japanese capital investments, emerges with politics focused in modernize and develop an industrial

identity, which is necessary for the industrial increase and the production of basic raw materials. The

architects Raphael Hardy Filho and Marcelo Bhering works together in the plan of the Workers Town of

Ipatinga, having the urbanistic conception created by the modern movement as the basis. Those

conceptions follows the values created by the Athens Charter, wrote by Le Corbusier during the

International Congress of Modern Architecture (CIAM), realized in Greece, 193. The Charter shows an

analysis and critics of the cities conditions, proposing topics, which a city needs to pay attention to

promote a better urban structure. The physic characteristics of Ipatinga interfere in the application of the

charter concepts for the creation of the plan: the declivity of the relief in the Zona da Mata region

determines and implicate that project conception. Because of that, what was proposed is a construction

of a company town separated by habitational unities (called Neighborhood Unities), who consists in

places interconnected by traffic peripheral roads and each Neighborhood Unity must have the urban

equipments providing basic services to the workers and others concepts present in the Athens Charter

like: zoning, soil occupation, residential typologies, etc. The planning and the company town analysis

allows to comprehend the elements that define the urban plan in Ipatinga, following the key function of

the urbanism and the possibility of understand the changes and continuous process of the cities

transformations.

Keywords: Urban Planning, Company Towns, Industrial Cities, Ipatinga.

1 – Introdução

As cidades configuram-se como lócus de diversidade cultural, social, política e

econômica, o que as torna cada vez mais complexas e com uma série de problemas

no âmbito institucional. A forma que a cidades se configuram na atualidade, tem

origem com a Revolução Industrial (século XVIII), período no qual o desenvolvimento

do capitalismo acentuou os diversos problemas urbanos como “subemprego, poluição,

escassez de equipamentos coletivos, de moradia e de transportes” (PIQUET, 1998).

A produção do espaço urbano, no contexto do desenvolvimento do capitalismo

industrial, redefiniu os moldes da urbanização. Para Lefebvre (1999), “a concentração

da população acompanha a do capital”, e “quanto maior é a cidade, maiores são as

vantagens da aglomeração”, pois é ali que se encontram todos os elementos da

indústria. Esta tendência acompanha o já mencionado período da Revolução Industrial

na Inglaterra, em que o rápido crescimento das cidades revela uma paisagem de total

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desordem e altíssima densidade de ocupação (SILVA, 2014). Este quadro se

perpetuou em função da ausência do Estado em regulamentar o uso do solo ou na

elaboração de planos que conduzisse a construção das cidades.

As primeiras propostas de ordenamento urbano, estudadas por Choay (1997)

destaca a imagem de cidade futura proposta pelo pré-urbanismo progressista. As

ideias deste modelo baseavam-se no “espaço amplamente aberto, rompido por áreas

verdes”, em que o verde simboliza “progresso” e “higiene”.

A criação de modelos alternativos de cidades nos fins do século XIX e início do

século XX altera a própria organização da sociedade. Deste modo, propostas de

intervenções de reestruturação de cidades industriais foram criadas de modo a

equalizar os problemas urbanos, assim Ebenezer Howard (1850-1928) propõem o

modelo de “cidade-jardim”, cuja ideia se perpassava na “vida do campo na cidade”

(CHOAY, 1997, p. 219).

Outra tendência de controle e planificação do espaço urbano se apresentava e

foram chamadas de Vilas Operárias3, comumente conhecidas de Company Towns

(PIQUET, 1998). No Brasil, este modelo ganha força a partir do século XX, onde foram

construídas diversas Vilas Operárias geralmente ligadas a grandes empreendimentos

de extração mineral e indústrias de base, concentradas principalmente em São Paulo,

Minas Gerais e no Rio de Janeiro (MONTE-MÓR, 2007).

Ainda de acordo com Monte-Mór (2007), cidades monoindustriais como Volta

Redonda no estado do Rio de Janeiro e Ipatinga em Minas Gerais espelharam em seu

planejamento esse modelo de urbanismo subordinado à lógica produtiva industrial,

hierarquizando rigidamente os espaços urbanos e os serviços ligados a reprodução

do capital segundo o papel funcional no processo de produção.

Com a deterioração das metrópoles industriais nos fins do século XIX, buscou-

se novos instrumentos técnicos capazes de promover a melhoria de vida nas cidades

além de valorizar a estética dos espaços construídos. Deste modo, surge o urbanismo

técnico-setorial.

3 O termo “Vila Operária” designa um local constituído de residências para moradia de operários de uma empresa fabril, podendo ser localizada em áreas urbanas ou rurais (GUERRA, 2008).

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Conforme Campos Filho (2001), simultaneamente a este modelo, surgem na

Europa e nos Estados Unidos o urbanismo estético-viário, tendo seu maior expoente

o Barão de Haussmann, responsável por remodelar a capital francesa no século XIX.

Ainda conforme o autor, a proposta deste modelo se utiliza da monumentalidade como

expressão da burguesia dominante, retratada por meio de uma rede de grandes

avenidas entremeadas por grandes praças e, como pano de fundo, edificações

planejadas.

No Brasil, diversos planos de reforma urbana foram elaborados a partir de

adaptações das propostas de Haussmann. Menciona-se o plano de Aarão Reis, para

a construção da nova capital de Minas Gerais (Belo Horizonte), no Rio de Janeiro o

Plano Pereira Passos (1902-1906) e o “Estudo para um Plano de Avenidas para a

Cidade de São Paulo” (1938-1945), de Prestes Maia (MONTE-MÓR, 2007). Destarte,

esse planejamento são frutos de um projeto urbanístico minucioso, inspirado nos

preceitos urbanístico progressista.

Neste sentido, o propósito desse trabalho consiste em analisar as influências

do urbanismo na concepção da Vila Operária da Usiminas em Ipatinga com ênfase

nos quatro princípios chave da Carta de Atenas4: habitar, trabalhar, circular e recrear.

Diante da necessidade de compreender o processo de planejamento urbano

desde o surgimento da cidade Ipatinga que esse artigo propõe discutir e apresentar

os conceitos-chaves que, inicialmente, foram utilizados para pensar o desenho

urbano. Assim, a construção analítica baseia-se a partir de um levantamento

bibliográfico realizado sobre os conceitos pertinentes a serem discutidos e também na

análise de dois documentos que configuram o ideal urbano pensado para Ipatinga: o

Pré-plano de Urbanização da Vila Operária da USIMINAS (1958) e o Plano Diretor da

Vila Operária (1965).

2 – Caracterização da área de estudo

4 A Carta de Atenas é o manifesto urbanístico resultante do IV Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (IV CIAM), realizado em Atenas (Grécia) em 1933 é reconhecida como um dos mais importantes documentos produzidos durante o movimento modernista internacional e enumera, em itens, as prioridades para o planejamento urbano.

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Localizado no estado de Minas Gerais a leste da capital (Belo Horizonte),

Ipatinga é integrante da mesorregião geográfica do Vale do Rio Doce (mapa 1). O

município situa-se na área de abrangência dos Planaltos e Serras do Atlântico Leste

– Sudeste e apresenta um bioma típico da Mata Atlântica (Floresta Estacional

Semidecidual), cujo domínio natural é identificado, caracterizado e classificado como

“Mares de Morros” (AB’ SABER, 2003). Nesta região, predomina o clima tropical

úmido, com chuvas e temperaturas elevadas no verão e temperaturas amenas no

inverno.

O espaço territorial do município abrange uma área total de 166,6 Km² sendo

que destes 74,4 Km² são de área urbana e 92,4 km², constituída por 35 bairros oficiais

(PMI, 2017).

Figura 1 – Localização do Município de Ipatinga.

De acordo com as estimativas populacionais do IBGE em 2018, Ipatinga

possuía em 2018 população de 261.344 habitantes, sendo este acompanhado pelo

desenvolvimento econômico, proporcionado a partir da construção da Usina

Siderúrgica de Minas Gerais (USIMINAS) em 1956, e pela inclusão do município na

Região Metropolitana do Vale do Aço (RMVA) em 1998, da qual Ipatinga é polo.

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3 – A influência da Carta de Atenas na elaboração do projeto urbanístico da Vila

Operária da USIMINAS em Ipatinga (MG)

A construção de núcleos de moradia junto aos espaços produtivos é uma

prática empresarial historicamente observada tanto nos países de industrialização

pioneira quanto nos países de industrialização tardia como o Brasil (PIQUET, 1995).

A modernização e desenvolvimento do parque industrial siderúrgico brasileiro

foram frutos da vontade política de se construir uma identidade nacional e

proporcionar condições favoráveis ao progresso do país, no início do século XX

(MENDONÇA, 2006). Nos anos de 1950, Juscelino Kubitschek (JK) em seu plano de

desenvolver “50 anos em 5” precisava contar com mais aço, por isto, era necessário

ampliar as indústrias já existentes, isto é, indústrias de base.

No final dos anos 1950, surge a USIMINAS, empresa concebida como

empreendimento privado, mas viabilizada com recursos de capital misto: estatal e

japonês no projeto nacional-desenvolvimentismo de JK. Sua dimensão grandiosa

atraiu milhares de pessoas para a região.

Após sua fundação, a própria USIMINAS realiza a seleção de profissionais para

a elaboração do plano urbanístico da cidade, o qual torna-se suporte habitacional da

indústria para alocação de funcionários. Para elaboração do projeto da Vila operária,

a empresa realiza um processo seletivo e escolhe o arquiteto mineiro Raphael Hardy

Filho. O mesmo convida Marcelo Bhering para compartilhar a elaboração do plano.

A concepção da Vila Operária da USIMINAS em Ipatinga foi baseada nos

pontos-chaves do urbanismo moderno (habitar, trabalhar, recrear-se e circular),

preconizadas na Carta de Atenas, documento resultante do IV Congresso

Internacional de Arquitetura Moderna (CIAM), na Grécia em 1933, no período que em

buscava analisar o estado atual e crítico das cidades, propondo aspectos que

deveriam ser respeitados para a melhoria da estrutura urbana.

De acordo com Mendonça (2006) às áreas a serem urbanizadas para a

construção da Vila, não ofereciam espaço suficiente para o planejamento adequado

ou que em um futuro poderia haver algum tipo de expansão, devido à declividade do

relevo. Neste sentido, Hardy Filho e Bhering relataram que havia “poucas áreas

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suscetíveis de serem aproveitadas sem que a trama urbana acarretasse

inconveniências de ordem econômica, e isso levou-nos a adotar o partido de

pequenos núcleos interligados por vias de penetração e tráfego periférico”

(USIMINAS, 1958).

A falta de espaço, as condições naturais do relevo, dentre outras intempéries,

são justificativas para a criação da vila por unidades habitacionais autônomas também

conhecidas por UVs ou Unidades de Vizinhança (Figura 1), que consistiam em

localidades equipadas com os mais diversos serviços (educação, saúde, comércio,

esportes e diversão) para todos os funcionários da empresa.

De forma sintética Hardy Filho (1965) define as Unidade de Vizinhanças como:

Um grupo de residências abrangendo uma ou mais unidades residenciais, em torno de, no mínimo, um estabelecimento de ensino primário, além de outros equipamentos que polarizam a vida social de 1000 a 1200 famílias. Todo bairro deverá ser equipado com um centro de educação primária, recomendando-se a distância de máxima de 400 metros entre este centro e a habitação mais afastada (USIMINAS,1965).

Figura 2 – Zoneamento: Pré Plano de Urbanização da Vila Operária da Usiminas.

Fonte: USIMINAS, 1958.

No zoneamento do Pré-Plano de Urbanização da Vila Operária (1958), a

organização do território neste plano inicial, foi disposto da seguinte maneira: 1 -

Pessoal categorizado e gestores da USIMINAS - atual bairro Castelo; 2, 3 e 6, os

funcionários qualificados como engenheiros, especialistas e operários especializados,

sendo também proposto a implantação áreas reservadas a prática de esporte e centro

comunal – atualmente bairro Cariru; 8, 9 e 10 a implantação das demais unidades

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residenciais (HARDY e BHERING, 1958). Outros bairros foram implantados

posteriormente obedecendo às normas de Hardy e Bhering, sendo estes os bairros

Vila Ipanema, Horto, Santa Mônica, Areal, Bom Retiro, Imbaúbas, Novo Cruzeiro e

Ideal, urbanizados mais tarde.

Conforme Mendonça (2006), a hierarquia funcional que se seguia dentro da

indústria, também seria a mesma utilizada para a construção e ocupação das

residências em cada Unidade de Vizinhança. Neste sentido, o zoneamento rígido, com

uma setorização social definiu o padrão de construção em cada bairro. No plano,

Hardy Filho (1958) tentou evitar o empilhamento de pessoas, criando residências

unifamiliares; no bairro Cariru, a falta de espaço e a disposição do relevo impediram

que a ocupação fosse somente horizontal e por residências individuais.

Figura 2 – Bairro Cariru. Em destaque: verde – residências unifamiliares; vermelho – cooperativas e comércio; amarelo – residências multifamiliares. Destaque nosso.

Fonte: Moradia Imobiliária Ipatinga5. No que se refere a geomorfologia da área, os núcleos foram projetados e

implantados de acordo com as condições topográficas que definiam as unidades

habitacionais, deste modo, as UVs foram implantadas em terrenos de planície

fundamental, preservando os morros e a cobertura vegetal representados na figura a

seguir (DIAS, 2011).

5 Disponível em: https://moradiaimobiliaria.com.br/aluguel/cariru-tradicional-familiar-e-muito-verde/. Acesso em: maio/2019.

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Figura 5 – Cobertura vegetal lateral da via. Usina ao fundo.

Foto: Google Steet View, 2018.

Nota-se que a forma de criação de cada unidade sofre influência das ideias

urbanísticas modernistas, por meio da sistematização de preceitos normativos,

critérios de zoneamento, taxa de ocupação do solo e tipologias de residências para a

produção em série (MENDONÇA, 2006). Na Carta, Le Corbusier (1993) menciona

que ás ruas devem ser diferenciadas de acordo com as suas destinações:

As ruas, ao invés de serem entregues a tudo e a todos, deverão, conforme sua categoria, ter regimes diferentes. As ruas residenciais e as áreas destinadas aos usos coletivos exigem uma atmosfera particular. Para permitir às moradias e a seus "prolongamentos" usufruir da calma e da paz que lhes são necessárias, os veículos mecânicos serão canalizados para circuitos especiais. As avenidas de trânsito não terão nenhum contato com as ruas de circulação miúda, salvo nos pontos de interligação. As grandes vias principais, que estão relacionadas a todo o conjunto da região, afirmarão naturalmente sua prioridade. Mas serão também levadas em consideração as ruas de passeio, nas quais, sendo rigorosamente imposta uma velocidade reduzida a todos os tipos de veículos, a mistura deste s com o s pedestre s não oferecerá mais inconvenientes (LE CORBUSIER, 1993, p. XX).

Neste sentido, sistema de circulação no interior das Unidades de Vizinhança

(Uv) da Vila Operária, foram classificados em diversos níveis de tráfego, separando-o

em vias de tráfego intenso, médio e local. Para Hardy Filho & Marcelo Bhering (1965)

as vias de circulação são aquelas que facultam a interligação das funções da cidade:

habitação, trabalho, cultivo ao corpo e ao espírito e saúde. No Plano Diretor de 1965,

as via foram classificadas na seguinte ordem:

a) Via principal é a destinada à circulação geral. b) Via secundária é a destinada á circulação local. c) Rua de distribuição ou de coleta é a via secundária urbana que canaliza o tráfego local para as vias principais. d) Rua de acesso é a via secundária urbana destinada ao simples acesso dos lotes. No caso particular em que terminam em uma praça de retorno são denominadas “cul de sac”.

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e) Avenida-parque é a via principal traçada também com finalidade paisagística e de recreação (USIMINAS, 1965).

O Pré Plano de Urbanização (1958) destaca que no interior das UVs são

preservadas do trafego intenso. As vias de tráfego intenso são as vias destinadas a

conectar um bairro a outro sendo também a via que contornam toda a Usina. As vias

periféricas são de tráfego médio, pois é onde o transporte coletivo circula, de modo a

facilitar que a pessoa de qualquer ponto da UV possa acessar o ponto de ônibus,

percorrendo pequenas distâncias, com certo conforto e, por fim, as vias de trânsito

locais sendo as ruas de acesso às habitações, conforme as figuras a seguir.

Figura 6 e 7 – Via de trânsito intenso (Avenida Japão) e Via de ligação de UVs e trânsito intenso

(Avenida Engenheiro Kiyoshi Tsunawaki). Fonte: Google Steet View, 2018.

Figura 8 e 9 – Via de trânsito médio (Avenida Itália) e via de trânsito local (Rua Inglaterra).

Fonte: Google Steet View, 2018. No ponto que se refere ao recreio, Le Corbusier (1993) destaca que “de agora

em diante, todo bairro residencial deve compreender a superfície verde necessária à

organização racional dos jogos e esportes das crianças, dos adolescentes e dos

adultos”.

Neste sentido, na Carta exige-se que:

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Deve ser estabelecido um programa de entretenimento comportando atividades de todo tipo: o passeio, solitário ou coletivo, em meio à beleza dos lugares; os esportes de toda natureza: tênis, basquete, futebol, natação, atletismo; os espetáculos, concertos, teatros ao ar livre, jogos de quadra e torneios diversos. Enfim, serão previstos equipamentos precisos: meios de transporte que demandam uma organização racional; locais para alojamento, hotéis, albergues ou acampamentos e, enfim, não menos importante, um abastecimento de água potável e víveres que deverá ser cuidadosamente assegurado em toda parte (CARTA DE ATENAS, 1993).

No Pré-Plano de Urbanização, Hardy Filho e Marcelo Bhering (1958) destaca

que “no centro de cada setor habitacional e, o mais possível, junto às unidades

habitacionais, são previstas playgrounds e áreas de recreação”. Na periferia da Vila e

o mais próximo possível da via de acesso principal, previstas os campos de futebol,

basebol, tênis, etc. No plano, foram construídos clube sócios esportivos (tênis,

voleibol, basquetebol, piscinas e playgrounds), destinado aos operários e funcionários

“subalternos”, e os funcionários “categorizados” tiveram a sua disposição clubes

específicos como equitação, tiro e danças. (Hardy Filho e Bhering, 1958). Entretanto,

os clubes esportivos criados em cada bairro eram destinados apenas aos funcionários

da USIMINAS e não ao público local (MENDONÇA, 2006, p.89).

Figura 10 e 11 – Cariru Tênis Clube (bairro Cariru) e Clube Morro do Pilar (bairro Castelo). Foto: Google Steet View, 2018.

Le Corbusier salienta que às distâncias entre os locais de trabalho e os locais

de habitação devem ser reduzidas ao mínimo. Neste sentido, a Carta supõe uma nova

distribuição, um plano cuidadosamente elaborado, de todos os lugares destinados ao

trabalho (Carta de Atenas, 1993). Neste sentido Mendonça (2006, p. 91), destaca que

para a Vila Operária da Usiminas, o plano baseou-se na dinâmica moradia-trabalho,

de forma a favorecer o acesso dos operários à indústria.

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Figura 12 e 13 – Portaria 1 da Usiminas (bairro Cariru) e portaria 2 (bairro Centro).

Foto: Google Steet View, 2018. 4 – Considerações finais

A análise do planejamento urbano aplicado à formação da Vila Operária da

Usiminas em Ipatinga requer maior atenção, principalmente no que diz respeito à

formação de núcleos urbanos mono-industriais. A projeção da Vila operária seguiu

todas as normativas, no que se refere ao um planejamento eficiente em que as quatro

funções chaves do urbanismo: “Circular, trabalhar, recrear e habitar” foi implantado.

No entanto, o crescimento populacional e consequentemente a expansão da área

territorial com o passar dos anos fez com que o planejamento preconizado pela Carta

de Atenas não acompanhasse tal expansão.

Nota-se que na maioria das cidades, os locais de trabalho não estão mais

dispostos racionalmente no complexo urbano e a ligação entre a habitação e os locais

de trabalho impõem percursos desmensurados. Embora a cidades estejam em estado

de permanente transformação, seu desenvolvimento é conduzido sem precisão nem

controle, e sem que sejam levados em consideração os princípios do urbanismo

contemporâneo atualizados nos meios técnicos qualificados.

5 – Referências

AB' SABER, A. N. Os Domínios da natureza no Brasil: potencialidades paisagísticas. São Paulo: Ateliê editorial, 2003.

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