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CENTRO DE LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL O PLANO COLÔMBIA E A AMAZÔNIA BRASILEIRA: Intervenção, Militarização e Defesa na Segunda Metade do Século XX JULIO CESAR DA SILVA LOPES Londrina - PR Junho de 2009

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CENTRO DE LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL

O PLANO COLÔMBIA E A AMAZÔNIA BRASILEIRA:

Intervenção, Militarização e Defesa na Segunda Metade do

Século XX

JULIO CESAR DA SILVA LOPES

Londrina - PR

Junho de 2009

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O PLANO COLÔMBIA E A AMAZÔNIA BRASILEIRA:

Intervenção, Militarização e Defesa na Segunda Metade do

Século XX

JULIO CESAR DA SILVA LOPES

Orientador: Prof. Dr. Francisco César Alves Ferraz

Área de Concentração: Territórios do Político

Londrina-PR, junho de 2009

Dissertação apresentada ao Programa de

Mestrado em História Social, do Centro de

Letras e Ciência Humanas da Universidade

Estadual de Londrina – UEL, em cumprimento

às exigências para obtenção do título de Mestre

em História.

1

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente aos meus pais e irmão pelo apoio que me deram todos esses anos

de caminhada, sempre torcendo pelo meu sucesso. À minha família: primos, tios, avós pela

preocupação e pelas palavras de incentivo. Família é essencial em todos os aspectos e contribuíram

sempre para o meu crescimento.

Aos meus antigos e bons amigos dos tempos de colégio que mesmo distantes, mantemos

contato e torcemos um pelo outro. Em especial Anderson, Anésio, Breno, Geisa, Maira, Andressa e

Carla. Agradeço também aos amigos da graduação em Londrina, pelos primeiros passos, conversas e

vivência. Poucos conseguiram ficar próximos ou seguir a carreira acadêmica, mas os anos vividos na

Universidade serão eternos.

Aos companheiros da primeira turma do Mestrado em História Social da UEL pelos dois

anos de discussões, debates, opiniões e enriquecimento mútuo. Especialmente para Igor, Milton e

Pedro, os agradecimentos pelas longas conversas nas tardes da faculdade, à Regina pela energia e

vontade de sempre alcançar novos degraus e possibilidades e aos demais, cada um do seu modo

contribuiu direta ou indiretamente para a realização desse trabalho.

Aos funcionários da UEL, principalmente o pessoal da Secretaria de Pós-Graduação e do

Departamento de História do CCH e à Fundação Araucária pela bolsa concedida durante o primeiro

ano do Mestrado.

Aos professores, estimados mestres desde a graduação, em quem me espelho muito. Um

agradecimento especial para aqueles que estiveram mais próximos durante a realização dessa

dissertação: primeiramente meu orientador, Francisco Cesar Alves Ferraz pela paciência, opiniões e

conversas, a José Miguel Arias Neto, uma espécie de segundo orientador, alguém desde o primeiro

ano de faculdade e até o mestrado esteve presente com opiniões e orientações valiosíssimas. À Sylvia

Ewel Lenz pela erudição e a visão de mundo mais humanista, que certamente levarei comigo.

Aos professores com quem tive menor contato, mas também foram essenciais para a minha

formação, Jozimar Paes de Almeida, Hernán Ramiro Ramirez e Paulo Alves, pelas opiniões e

discussões sobre o andamento do meu trabalho, além dos demais professores do programa: Gabriel,

Marco Antônio, Ana Heloísa, Maria de Fátima, Alberto e Angelita.

Resta ainda um agradecimento à minha orientadora no primeiro semestre do Mestrado, Sônia

Maria Sperandio Lopes Adum pelos primeiros passos e pela força em minhas dúvidas e minha

primeira e sempre presente orientadora, Edméia Aparecida Ribeiro pela amizade, torcida e força.

Meus sinceros agradecimentos a todos os que me acompanharam nessa longa caminhada.

1

LOPES, Julio Cesar da Silva. O Plano Colômbia e a Amazônia Brasileira: Intervenção,

Militarização e Defesa na Segunda Metade do Século XX. 2009. Dissertação (Mestrado em

História Social) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina-PR.

RESUMO

Analisa a presença e influência dos Estados Unidos na América Latina, principalmente na

Colômbia na segunda metade do século XX e a força do narcotráfico e crime organizado

mundial, colocando estes como fatores desestabilizadores no conflito colombiano. Analisa as

mudanças ocorridas na Colômbia desde o período conhecido como La Violencia e o

surgimento de grupos insurgentes, assim como suas principais características até a

implantação do Plano Colômbia durante a presidência de Andrés Pastrana em 1999, com o

documento caracterizando-se basicamente pela ajuda financeira dos Estados Unidos no

combate aos centros de produção e distribuição de entorpecentes para uma melhor

compreensão da compexa situação colombiana. Busca uma maior compreensão do discurso

do Plano Colômbia, na medida em que o combate às drogas parece ter se expandido para o

combate às guerrilhas, deixando de lados as estratégias de caráter social, econômico e político

em detrimento da intervenção militar direta e indireta dos Estados Unidos no país. Ainda

pretende-se identificar o impacto e os reflexos desse tipo de ação para o Brasil, na medida em

que as discussões sobre a preservação da Amazônia e a defesa do território nacional ganham

força conforme o conflito na Colômbia assume proporções maiores. Procuramos ainda

indentificar as mudanças nos discursos, objetivos e funcionamento de programas brasileiros

como o Calha Norte, além da implantação do Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam),

comparando o discurso dos objetivos civis e militares desses dois progrmas, assim como seu

funcionamento efetivo.

Palavras-Chave: Plano Colômbia; Amazônia – Defesa Nacional; Calha Norte; Sivam.

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LOPES, Julio Cesar da Silva. The Plan Colombia and the Brazilian Amazonia:

Intervention, Militarization and Defense in Secound Half of 20th Century. 2009. Dissertation

(Máster in Social History) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina-PR.

ABSTRACT

It analyses the United States presence and influence in Latin America, mainly in Colombia in

secound half of the 20th

century and the narcotrafic force and world organized crime, naming

them as destabilizing factors in the Colombian conflict. It analyses the changes in Colombia

from the period know as “La Violencia” and the emergence of insurgent groups, such as their

main features until the Plan Colombia implementation under the Andrés Pastrana government

in 1999, with the document characterized basically as the financial aid from United States in

combating the production and distribuction centers of narcotics for a better comprehension of

the complex colombian situation. It seeks a better undestanding the Plan Colombia speech, as

drougs combats seems to be expanded for the guerrillas combat, leaving behind the social,

economics and politics strategies, rather the United States direct and indirect militar

intervention in the country. Also seeks to recognize the impacts and reflexes of this kind of

action for Brazil, where the discussions about the Amazonian preservation and the national

territory defense grow up until the conflict in Colombia acquires greater proportions. It try to

identifies the changes in speeches, objectives and operation of Brazilian programs like the

Calha Norte (North Pipeline), beyond the Sistema de Vigilância da Amazônia (Amazonia

Vigilance System) deployment, comparing the speeches form the civilian and military

objectives from these two programs, such as the effective operations.

Keywords: Plan Colombia; Amazonia – National Defense; Calha Norte; Sivam.

3

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 1

1. A RELAÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS COM A AMÉRICA LATINA .................. 5

1.1 AMÉRICA LATINA: A COCA, O NARCOTRÁFICO E OS IMPACTOS NA ECONOMIA ............... 5

1.2 OS ESTADOS UNIDOS COMO POTÊNCIA MILITAR, AMÉRICA LATINA COMO QUINTAL ..... 14

1.3 EUA: A MANUTENÇÃO DE INIMIGOS, CONFLITOS E INTERESSES NA REGIÃO DA AMAZÔNIA

INTERNACIONAL ..................................................................................................................... 22

2. O QUADRO COLOMBIANO: DAS GUERRILHAS AO PLANO COLÔMBIA .... 34

2.1 O ESTOPIM: JORGE ELIÉCER GAITÁN ................................................................................ 37

2.2 VIOLÊNCIA E RAÍZES DAS FARC-EP ................................................................................ 40

2.2.1 MARQUETALIA: O ATAQUE, O MITO FUNDADOR E O DESENVOLVIMENTO DO GRUPO .... 43

2.3 O EXÉRCITO DE LIBERTAÇÃO NACIONAL (ELN) .............................................................. 48

2.4 AS FORÇAS PARAMILITARES E AS AUTODEFESAS UNIDAS DA COLÔMBIA (AUC) ............ 52

3. O PLANO COLÔMBIA: O DOCUMENTO E SUAS VERTENTES ........................ 57

3.1 AS PALAVRAS DE PASTRANA E AS ESTRATÉGIAS DO PLANO ............................................. 60

3.2 O PROCESSO DE PAZ E A REESTRUTURAÇÃO DA ECONOMIA ............................................. 67

3.3 A ESTRATÉGIA ANTI-NARCÓTICOS ................................................................................... 71

3.4 A REFORMA DO SISTEMA JUDICIAL, DIREITOS HUMANOS, DEMOCRATIZAÇÃO E

DESENVOLVIMENTO SOCIAL ................................................................................................... 76

3.5 O PANORAMA COLOMBIANO: CONSIDERAÇÕES ................................................................. 81

4. BRASIL: A IMPORTÂNCIA DA AMAZÔNIA E OS REFLEXOS DO PLANO

COLÔMBIA NA DEFESA NACIONAL ........................................................................... 86

4.1 A PRESENÇA NA AMAZÔNIA DURANTE A COLONIZAÇÃO E O IMPÉRIO: A FLORESTA, A

COBIÇA E O IMAGINÁRIO ........................................................................................................ 88

4.2 A AMAZÔNIA E O SÉCULO XX .......................................................................................... 93

4.3 O FIM DA DITADURA E A NOVA REPÚBLICA: POLÍTICA PARA OCUPAÇÃO E INTEGRAÇÃO DA

AMAZÔNIA .............................................................................................................................. 98

4.4 O PLANO COLÔMBIA E A DEFESA NACIONAL BRASILEIRA ................................................ 101

4.4.1 O PROGRAMA CALHA NORTE: OCUPAÇÃO E REVITALIZAÇÃO ....................................... 107

4

4.4.2 O SISTEMA DE VIGILÂNCIA DA AMAZÔNIA (SIVAM) ...................................................... 110

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 122

REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 126

ANEXOS .............................................................................................................................. 136

ANEXO A: GRÀFICO 1 - CULTIVO DA COCA NA AMÉRICA ANDINA DE 1990 A 2007 ............. II

ANEXO B: GRÀFICO 2 - PRODUÇÃO DE COCAÍNA DE 1990 A 2007 ........................................ III

ANEXO C: MAPA 1 - CULTIVO DE COCA NA COLÔMBIA – 2002 ............................................ IV

ANEXO D: MAPA 2 - ÁREAS DE CULTIVO DA PAPOULA NA COLÔMBIA – 2002 ..................... V

ANEXO E: MAPA 3 - GUERRILHAS E FORÇAS PARAMILITARES NA COLÔMBIA EM 2000 ........ VI

ANEXO F: MAPA 4 - PRINCIPAIS COMANDOS E ZONAS DE AÇÃO DAS FARC .......................... VII

ANEXO G: TABELA 1 - NÚMERO DE HOMENS E SEQUESTROS DAS FARC-EP ....................... VIII

ANEXO H: MAPA 5 - ABRANGÊNCIA GEOGRÁFICA DO SIVAM ............................................... IX

ANEXO I: MAPA 6 – SIVAM: REDE DE COMUNICAÇÕES DOS CENTROS DE VIGILÂNCIA ......... X

1

INTRODUÇÃO

Após os atentados de 11 de setembro de 2001 em Nova Iorque e a

intervenção norte-americana no Afeganistão e Iraque, coloca-se novamente em questão até

que ponto um Estado deve se envolver em assuntos internos de outros países cuja cultura e

processo de formação histórica ao longo dos séculos são diferentes dos presentes no país

interventor. O discurso de manutenção da ordem mundial pela via militar mostra-se falho ao

se concluir que diferenças étnico-culturais geram realidades diferentes e bem mais complexas

do que o simples dualismo de bem versus mal, onde esses valores também são relativos se

levarmos em conta pontos de vista ideológicos distintos.

Por outro lado, é necessário destacar a complexidade dos conflitos armados

contemporâneos, principalmente quando estes reúnem forças estrangeiras, que sob alguns

aspectos podem ser consideradas invasoras, e grupos insurgentes locais, não se configurando,

portanto, em um conflito entre dois exércitos de nações ou grupos armados rivais. Tal

situação pode ainda trazer à tona discussões e interesses de um grande número de grupos

armados, organizações e instituições, tornando a cada momento mais complexa a leitura

precisa sobre o conflito ou mesmo a possibilidade da finitude dos combates.

As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia completaram em 2009

quarenta e cinco anos de sua fundação e parecem colocar-se como um grupo capaz de

enfrentar tanto seu inimigo declarado interno, presente desde a sua fundação (o Estado

colombiano e posteriormente outros grupos armados) quanto o externo (os Estados Unidos)

que, a partir da década de 1980 voltou suas atenções para a América Latina, com o discurso

de combate ao narcotráfico mundial, atuando cada vez mais pela via militarista.

É importante ressaltar que mesmo após a morte de Che Guevara e a queda

do socialismo real com o fim da União Soviética, alguns movimentos revolucionários (os que

sobreviveram a esse processo e tinham, segundo Hobsbawm em “Era dos Extremos”, um

fundamento teórico mais concreto) continuam ativos e lutando contra seus antigos e novos

inimigos.

A atuação cada vez mais presente dos Estados Unidos em combater seus

inimigos mais recentes (os grupos e Estados taxados como terroristas após as declarações do

ex-presidente George W. Bush) acaba por reduzir as raízes e motivações do conflito em

questão, ignorando os problemas enfrentados pela população dessas áreas na questão da

reforma agrária - como nos casos das FARC-EP (Forças Armadas Revolucionárias da

2

Colômbia – Exército do Povo), o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) no

Brasil e os indígenas do EZLN (Exército Zapatista de Libertação Nacional) no México, entre

outros - e grupos sociais ou étnicos totalmente diferentes povoando o mesmo território (como

o grupo separatista basco ETA, os Curdos além das constantes tensões no Oriente Médio)

mostram que todos esses movimentos, sejam sociais, étnicos ou culturais, lutam por uma

situação compreendida por eles mesmos como mais justa, onde seus ideais, direitos, interesses

e particularidades devam ser respeitados.

Vários autores já dissertaram e buscaram compreender as especificidades

das FARC, como Eric J. Hobsbawm em “Rebeldes Primitivos” e o norte-americano Russel

W. Ramsey em “Revolución Campesina”, procurando ressaltar as particularidades da

Colômbia e os motivos da formação de grupos guerrilheiros no país, abordando tanto o

contexto histórico da formação das primeiras guerrilhas no país, quanto certas

particularidades que tenham contribuído para que o grupo continue em atividade.

As constantes discussões entre a mídia norte-americana e colombiana, na

tentativa de justificar a presença estrangeira no país com o combate ao narcotráfico e a versão

dos guerrilheiros, que estariam defendendo o seu povo de um neo-imperialismo e um governo

contaminado pela corrupção, subordinado aos “barões da droga” reforçam ainda mais a

contemporaneidade do tema, na medida qm que as acusações procuram conexões entre o

grupo oposto e os narcotraficantes, com o seu crescente e lucrativo comércio, a fim de

deturpar a imagem do inimigo frente a opinião pública não só dos camponeses colombianos

ou civis norte-americanos, mas do mundo todo.

Compreender a situação colombiana torna-se portanto uma questão chave

para melhor entender as questões relativas à defesa da Amazônia brasileira, visto que as

preocupações referentes ao meio ambiente e à manutenção da soberania nacional parecem ter

se desenvolvido ao passo em que a crise no país vizinho se tornava mais eminente. Com os

combates se intensificando em território colombiano e com a implantação do Plano Colômbia

em 1999, é possível notar uma maior preocupação por parte do governo brasileiro em acelerar

o andamento e readaptação de projetos como o Calha Norte e o Sivam, assim como seu

discurso referente às preocupações com a região amazônica.

No primeiro capítulo, busca-se um melhor entendimento de temas presentes

na realidade mundial e latino-americana, no que se refere ao tráfico de entorpecentes e a

atuação de grupos criminosos no continente, assim como a atuação dos Estados Unidos, que

se colocam como uma espécie de “polícia mundial”. A nova postura norte-americana após os

atentados de 11 de setembro de 2001 também deve ser levada em consideração, visto que a

3

política externa do país em questão adotou uma postura muito mais militarizada e ofensiva

desde então, embora tenha reduzido suas ações na América.

Os exorbitantes gastos em tecnologia, armamento e manutenção do Exército

norte-americano precisam, por sua vez, ser justificados e a criação de inimigos, novas

ameaças e a manutenção de conflitos classificados como de “baixa intensidade” contribuem

para esse processo, além da manutenção da política externa dos Estados Unidos no que se

refere à hegemonia política e econômica do país sobre América Latina. Dessa maneira, a

presença e influência norte-americana na América do Sul, principalmente em território

colombiano aparecem como uma maneira de justificar os gastos bélicos ao mesmo tempo em

que fomenta situações instáveis em outros países, facilitando a entrada de homens e

investimentos estrangeiros em territórios estrategicamente importantes para os Estados

Unidos.

Aplicados à situação colombiana, a presença norte-americana e a atuação

cada vez mais direta do dinheiro do tráfico acabaram por potencializar o conflito que até a

década de 1980 poderia ser considerado estabilizado. A análise da atuação norte-americana e

do crescimento do crime organizado e do narcotráfico torna-se importante na medida em que

estes são vistos como agentes potencializadores do conflito, onde os investimentos em

armamento, estratégias e o custeamento de novos grupos armados provocaram o desequilíbrio

entre as forças que atuavam na Colômbia, obrigando-os a buscar novos “parceiros” a fim de

conseguir armamento, tecnologia e recursos comparáveis com os conseguidos pelos grupos

rivais.

O segundo capítulo busca um panorama da situação colombiana

principalmente no período de 1999-2002, tentando ainda compreender o processo de

surgimento e formação dos grupos armados do país, assim como identificar seus ideais e

traçar suas relações com traficantes, além de compreender os discursos, motivos e a situação

da principal guerrilha, as FARC-EP, além de outras importantes forças atuantes no país, como

é o caso do ELN e da AUC. Identificar as raízes desses grupos e seus ideais torna-se

necessário, pois exatamente estes grupos serão responsabilizados pela violência, desemprego

e crise econômica no páis, segundo os discursos difundidos pelos governos colombiano e

norte-americano.

No capítulo três busca-se uma análise da redação do Plano Colômbia, que

também pode ser encarada como relevante no sentido de se constituir em um documento que

de certa forma permite a intervenção estrangeira na Colômbia. Porcurar-se-á um comparativo

entre as estratégias e objetivos presentes no corpo do documento e os seus resultados.

4

O documento, que parece ter desviado de suas propostas originais de

diminuição da pobreza e violência na Colômbia, transferindo as atenções para o combate a

uma suposta narcoguerrilha, também classificada como um grupo terrorista após os ocorridos

em 11 de setembro de 2001 deve ser inserido no contexto da realidade interna colombiana,

assim como na atuação de agentes externos como a mídia e o exército norte-americanos e sua

influência nos países limítrofes com a possibilidade da generalização do conflito colombiano,

desrespeitando fronteiras e se expandindo a outros territórios.

No quarto capítulo busca-se identificar até que ponto a situação no país

vizinho influenciou o comportamento político e militar do Brasil. Torna-se importante o

resgate das especificidades e raízes dos discursos recentes do Exército e governo brasileiros,

no que se refere às políticas de ocupação e defesa da fronteira amazônica. Para tanto, é

necessário identificar a importância atribuída à região, desde a ocupação portuguesa, dando

maior ênfase ao século XX até os dias atuais. Finalmente, busca-se uma ligação entre o

conflito colombiano, a presença norte-americana no continente, além da identificação de

mudanças do discurso do Brasil em relação à defesa nacional, que teria acelerado as

discussões sobre a importância da biodiversidade amazônica, assim como a necessidade de

povoar áreas consideradas vazios demográficos, afirmando a presença brasileira na fronteira.

Como resposta às preocupações oriundas da implantação do Plano

Colômbia no país vizinho, pode-se identificar certa “revitalização” do Programa Calha Norte,

assim como uma reorientação do seu discurso civilizatório, metas e investimentos no Brasil.

No âmbito da defesa nacional, a maior expressão é o Sipam (Sistema de Proteção da

Amazônia) e os esforços para a implantação e funcionamento do Sivam (Sistema de

Vigilância da Amazônia), assim como as discussões e polêmicas de sua realização, desde

discussões sobre defesa, tecnologia estrangeira e soberania nacional.

5

1. A RELAÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS COM A AMÉRICA LATINA

Este primeiro capítulo busca elucidar algumas questões que podem pautar as

explanações nos capítulos seguintes. Entende-se como necessário traçar panoramas sobre

assuntos relacionados à presença e influência norte-americana em alguns países latino-

americanos principalmente durante o século XX para o melhor entendimento da realidade

colombiana, assim como os processos que culminaram na elaboração e implantação do Plano

Colômbia em 1999.

Cabe ainda compreender a presença e crescimento de grupos ilegais, como

produtores e traficantes de entorpecentes, na medida em que o narcotráfico interfere

diretamente na economia mundial e de certa forma na política externa de países (no nosso

caso específico) do continente americano, influenciando decisões políticas e militares em

tentativas de erradicação dessas atividades, afetando toda a população. Tal discussão ainda se

mostra pertinente devido à associação das guerrilhas insurgentes colombianas aos

narcotraficantes por parte dos Estados Unidos e do governo local.

Nesse sentido, o dinheiro proveniente do narcotráfico e a intervenção militar (seja ela

direta ou indireta) dos Estados Unidos na Colômbia podem ser compreendidos como fatores

catalizadores para a crise no país, na medida em que as grandes quantidades de dinheiro,

homens e possibilidades de treinamento e pranejamento potencializarm os combates e ações

dos grupos insurgentes e das forças governamentais em um momento em que as forças

encontratavam-se de certa forma equilibradas.

1.1 AMÉRICA LATINA: A COCA, O NARCOTRÁFICO E OS IMPACTOS NA ECONOMIA

Para se conseguir uma noção mais específica sobre de que forma um plano de

combate a entorpecentes, como foi o Plano Colômbia caminhou para uma intervenção militar

e uma verdadeira cruzada contra o narco-terrorismo, é preciso compreender a força que o

narcotráfico conseguiu na segunda metade do século XX. Para tanto, é preciso compreender

de que forma elementos presentes na cultura indígena (como a coca) há muitos séculos se

transformaram no principal combustível para o enriquecimento do crime organizado, gerando

enormes fortunas mundiais, além de instabilidades políticas e econômicas nos países

produtores.

6

O cultivo de folhas de coca já estava presente na América Andina (atuais Colômbia,

Peru e Bolívia principalmente) antes da chegada dos europeus no século XVI, onde sua

matéria-prima era usada diariamente, seja em festas, celebrações religiosas, ou ocasiões

cotidianas na vida dos nativos, na forma da folha crua, mascada ou de chá, ainda muito

comum no Peru.

Vale lembrar que sem os tratamentos químicos e a preparação necessária para a

produção da cocaína, a folha de coca não produz os efeitos psicotrópicos comuns nos usuários

da cocaína. Baseado em dados do CEBRID (Centro Brasileiro de Informação Sobre Drogas

Psicotrópicas) da Unifesp, José Arbex Jr.1 argumenta que produtos considerados psicotrópicos

são aqueles que causam alguma alteração no sistema nervoso central, podendo ser dividido

em três grupos básicos: as drogas depressivas, que atuam diminuindo a atividade cerebral

como o álcool, soníferos, solventes, opiáceos e narcóticos (como a codeína, morfina e a

heroína), um segundo grupo, de drogas consideradas estimulantes, como as anfetaminas, que

estimulam a atividade cerebral e diminuem a fome, a nicotina, cafeína e a cocaína, e um

terceiro grupo, de substâncias consideradas perturbadoras das ações do sistema nervoso

central, modificando sua atividade qualitativamente, podendo ser de origem vegetal (o como o

THC encontrado na maconha e haxixe) ou sintética (como o LSD e o Ecstasy).

Entre as drogas produzidas e contrabandeadas na América Latina no final do século

XX, a cocaína é, sem dúvida, a mais lucrativa, principal responsável pelo fortalecimento e

enriquecimento dos cartéis colombianos. A cocaína teria sido produzida pela primeira vez em

laboratório em 1859 pelo químico farmacêutico Albert Niemann na Alemanha (na

Universidade de Gottingen), com sua fórmula (C17H21NO4) sendo estabelecida por um outro

químico, Wilhelm Lossen em 1862. “O novo produto passou a ser utilizado nos mais nobres

salões pela classe média alta e pela burguesia européia, incluindo médicos, cientistas e

intelectuais, sem espécie de restrição moral” 2. Obviamente, os estudos ainda não indicavam

os efeitos nocivos da substância no corpo humano, além do fato de que sua ingestão oral

provoca efeitos reduzidos.

A substância teria se alastrado nos anos seguintes, com a fabricação de vários

produtos à base de cocaína desenvolvidos principalmente pelo comerciante Angelo Mariani

como vinho, licores, doces e chás, abrangendo usuários e simpatizantes como Sigmund Freud,

Julio Verne e os papas Pio XII e Leão XIII. Há indícios ainda que a Coca-Cola (em inglês

Coke), criada em Atlanta pelo farmacêutico norte-americano John Styth Pemberton, inspirado

1 ARBEX JR., José. Narcotráfico: Um Jogo de Poder nas Américas. 2

a ed., São Paulo: Moderna, 2005.

2 ARBEX JR., José e TOGNOLLI, Cláudio J. O Século do Crime. São Paulo: Boitempo, 1997, p.197.

7

pelo vinho de Mariani, possuía na sua fórmula derivados da cocaína, que em 1985 nos

Estados Unidos teria sido modificada, com a empresa garantindo não possuir drogas em sua

fórmula secreta, embora ainda desperte a dúvida em vários setores pelo mundo (inclusive no

Congresso brasileiro há alguns anos) sobre quais seriam os extratos vegetais utilizados e suas

quantidades.

Sobre os produtos e as particularidades da cocaína, um documento da CEBRID

afirma que “a cocaína é uma substância natural, extraída das folhas de uma planta encontrada

exclusivamente na América do Sul, a Erythroxylon coca, conhecida como coca ou epadu, este

último nome dado pelos índios brasileiros”, podendo chegar ao consumidor sob a forma de

um sal, o cloridrato de cocaína ou sob a forma de base, o crack. O documento ainda lembra

que a cocaína é obtida através de um longo processo químico (com a utilização, por exemplo,

de ácido sulfúrico e éter, entre outros) aplicado sobre as folhas da coca alterando e

potencializando os efeitos das substâncias presentes no vegetal:

Acontece, porém, que, sob a forma de chá, pouca cocaína é extraída das folhas; além

disso, ingerindo (toma-se pela boca) o tal chá, pouca cocaína é absorvida pelos

intestinos e, ainda, por essa via ela imediatamente já começa a ser metabolizada.

Através do sangue, chega ao fígado e boa parte é destruída antes de chegar ao

cérebro. Em outras palavras, quando a planta é ingerida sob a forma de chá, muito

pouca cocaína chega ao cérebro. 3

As pesquisas indicam, portanto, que os efeitos psicotrópicos se manifestam em

usuários da cocaína refinada, produzida em laboratório, não apresentando efeitos nos

consumidores das folhas de coca, seja crua ou ingerida na forma de chás. Segundo esse

mesmo documento, a cocaína acaba por gerar entre seus usuários a sensação de tolerância, ou

seja, à medida que o tempo passa, o usuário necessita de doses maiores da substância para

atingir os efeitos desejados.

Devido ao uso cada vez maior da substância entre os consumidores e a presença de

substâncias tóxicas encontradas na forma de crack, merla (uma espécie de melado), da pasta

de cocaína, e a cocaína refinada, os usuários podem apresentar convulsões, coma, diminuição

de atividade cerebral, paradas cárdio-respiratórias, ocasionando a morte. Embora os efeitos do

uso de tais substâncias e seus efeitos possam ser preocupantes, José Arbex Jr. argumenta que

nos Estados Unidos, o número de pessoas que usam a cocaína atinge 1,5% da população, os

3 Centro Brasileiro de Informações Sobre Drogas Psicotrópicas. Cocaína. Disponível em:

http://www.cebrid.epm.br/index.php. Acesso em 17 de agosto de 2008.

8

usuários de crack chegam a 0,3% e maconha 8,3%, enquanto os de álcool e tabaco atingem

61,9% e 35% respectivamente.

Para Arbex Jr., quando se utiliza o termo “droga” de uma forma pejorativa,

associando-se somente a substâncias ilícitas como a cocaína, a maconha e o ópio, acaba-se

provocando distorções no imaginário popular, que acredita que substâncias como o álcool e o

tabaco (utilizados por grande parcela da população) produzem efeitos muito menos nocivos

do que as substâncias psicotrópicas consideradas ilícitas. O autor conclui o raciocínio

afirmando que a mídia (norte-americana e brasileira, que em parte se espelha na primeira)

acaba por causar uma sensação de insegurança, justificando assim as ações de envio de tropas

para a região amazônica, a fim de combater esse mal.

Segundo o relatório da ONU World Drug Report 2008 desenvolvido pela United

Nations Office on Drugs and Crime (UNODC) 4, baseado em dados levantados entre 2006 e

2007, cerca de 16 milhões de pessoas (0,4% da população mundial entre 15 e 64 anos)

consomem cocaína no mundo todo, cerca de três milhões a mais do que o mesmo relatório

publicado em 2004. A América do Norte suporta 45% desses usuários, cerca de 7,1 milhões

de pessoas, seguido pela Europa Centro-Ocidental com 24% (3,9 milhões) e América do Sul,

Central e Caribe com aproximadamente 3,1 milhões de pessoas, 19% do total. Esse mesmo

documento afirma que embora o número de consumidores tenha diminuído nos Estados

Unidos, outros países como o Brasil, Argentina e Uruguai apresentam um sutil crescimento

no número de usuários, além de uma expansão dos mercados no continente africano. A ONU

ainda alerta para o número cada vez maior de usuários de drogas ilícitas.

A cocaína teria chegado aos Estados Unidos em uma época de grande ebulição da

economia, causada pelos avanços impulsionados pela indústria, com a formação de

metrópoles e o crescimento do número de cassinos e bares. Tais mudanças (assim como os

ideais vindos da Rússia pós-revolução), a entrada de novos costumes e imigrantes no país

(como chineses na Califórnia, que consumiam o ópio) provocou uma grande reação puritana e

a cocaína foi proibida, juntamente com o consumo de bebidas alcoólicas em 1919, assim

como qualquer outra coisa que fosse contra os setores mais tradicionais da sociedade norte-

americana, atingindo inclusive a indústria cinematográfica.

José Arbex Jr. ainda indica o caráter racista da criminalização do uso de drogas com

a proibição em 1909 na Califórnia da importação do ópio para fins não medicinais (os

usuários chineses eram vistos como hostis à cultura norte-americana) e a proibição da cocaína

4 United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC). Word Drug Report 2008. Disponível em:

http://www.unodc.org/documents/wdr/WDR_2008/WDR2008_Cocaine_market.pdf.

9

em 1914 (exceto para uso medicinal), devido a histórias de que negros alterados pela cocaína

estariam atacando mulheres no sul do país. Na tendência desse movimento, o National

Prohibition Act foi aprovado em 1919 e aplicado no ano seguinte, proibindo a venda,

fabricação e importação de bebidas alcoólicas, que durou até 1933. Moisés Naím afirma que

“os governos também favoreceram o comércio ilícito ao criminalizar novas atividades” 5,

como a proibição de determinadas substâncias e atividades, aumentando o valor pago por

produtos ou serviços considerados ilegais prestados.

Na década de 1930 as anfetaminas, consideradas legais, acabaram por substituir o

uso da cocaína nos Estados Unidos, porém no final da década de 1960 seu consumo voltou a

aumentar, estimulado principalmente pelo movimento hippie e a contracultura no país, com a

temida tríade sex, drugs and rock n´ roll. A partir desse período, o crescimento cada vez mais

acentuado do mercado consumidor (norte-americano e europeu) atrás principalmente da

maconha, haxixe e da cocaína, favoreceu o desenvolvimento de cartéis nos países produtores,

como a Colômbia, Peru e Bolívia, que se especializavam na produção, venda e distribuição

desses produtos no mercado internacional. Dentre estes, os cartéis colombianos conseguiram

um desenvolvimento muito mais concreto e lucrativo entre os países andinos, com leis

próprias (os chamados “Estados dentro de Estados”), colocando homens como Pablo Escobar

(chefe do Cartel de Medellín) entre os homens mais ricos e poderosos do mundo.

Segundo Moisés Naím, devido ao grande crescimento do crime organizado e

conseqüentemente do tráfico de drogas entre 1990 e 2000, o perfil das pessoas envolvidas

com o narcotráfico passou a se modificar pela grande atenção que chamava homens poderosos

como Pablo Escobar. Na medida em que os chefões de Cali e Medellín eram procurados e

presos, surgiam novos nomes para o controle do mercado deixado por esses cartéis, porém a

tecnologia acabou por favorecer a proteção da identidade dos novos mercadores de drogas,

onde os novos líderes substituem o modelo de hierarquia presente, por exemplo, nos cartéis

colombianos, por redes descentralizadas, mais complexas e diversificadas:

Ainda falamos de “cartéis”, mas o negócio das drogas está hoje muito mais distante

das operações criminosas pesadamente organizadas do passado, operando de forma

mais ágil e menos rastreável. E os negócios vão bem. Houve uma rápida e feroz

expansão do cultivo da papoula, matéria-prima da heroína, no Afeganistão após a

5 NAÍM, Moisés. Ilícito: O Ataque da Pirataria, da Lavagem de Dinheiro e do Tráfico à Economia Global.

Rio de Janeiro: Zahar, 2006, p.10.

10

guerra que expulsou o Talibã, e passou a produzi-la em locais onde era previamente

desconhecida, como na Colômbia.6

Aos poucos homens mais visados pelas autoridades como Pablo Escobar passaram a

ser substituídos por uma rede muito mais complexa que envolve desde a produção, transporte,

até a chegada do produto aos consumidores finais. A partir da segunda metade do século XX,

o crime organizado cada vez mais assumiu seu caráter internacional, transformando-se em

uma complexa rede, interligando e substituindo cartéis e máfias do mundo todo. Grupos que

antes se especializavam em determinado tipo de produto, hoje podem ter suas atividades

regidas pela demanda do mercado, especializando-se inclusive (como na fronteira do México

com os Estados Unidos) no transporte de qualquer tipo de material considerado ilícito (seja

drogas, pessoas ou armas), cobrando pelo serviço de transporte ou simplesmente cedendo sua

rota de entrada a outros grupos que paguem pela informação. Segundo José Arbex Jr., o crime

organizado conseguiu crescer devido também às fraquezas e inadequações das leis e órgãos de

combate ao crime presentes nos países:

A estrutura do crime organizado passou a ter um caráter transnacional, ao passo que

os mecanismos de policiamento e repressão preservaram – e ainda preservam – um

caráter nacional. Isso assegurou às organizações criminosas uma grande capacidade

de burlar as leis criadas pelos Estados nacionais, relativamente morosas e muitas

vezes limitadas por antigas convenções internacionais. 7

Associado a essa fraqueza, o autor ainda apresenta as dificuldades de diferentes

órgãos para caracterizar o crime organizado, dificultando assim seu combate, como no Brasil,

onde muitos especialistas caracterizam a prática, nas palavras do autor, como “atividade de

quadrilha ou bando, sem a necessária adequação jurídica ao seu caráter transnacional e

globalizado” 8. Os avanços da tecnologia (que permitiu ao cartel de Cali em 1990 a adotar

técnicas avançadas de criptografia) também acabam por contribuir (e facilitar) a lavagem de

dinheiro, onde os lucros do crime organizado são aplicados em bancos dos chamados paraísos

fiscais, eliminando-se os rastros de origem e destino do dinheiro, devido à grande velocidade

dessas transações financeiras, sendo aplicados em outros países já como dinheiro “limpo”,

principalmente nos mercados de ações e imóveis. A abertura econômica mundial após o final

6 Ibidem, p. 19.

7 ARBEX JR., José. Narcotráfico: Um Jogo de Poder nas Américas, p. 29.

8 Ibidem, p.31.

11

da Guerra Fria ao mesmo tempo em que buscava um crescimento da economia mundial,

inclusive com a abertura a investimentos estrangeiros, também facilitou o comércio ilegal:

Muito do que faz o comércio ilícito tão bem-sucedido hoje é resultado de políticas

deliberadas, que visavam à integração global, à abertura das economias e das

sociedades. Por isso não deveria ser uma surpresa que o comércio legal e o tráfico

tenham crescido de mãos dadas ou que a difusão do poder para indivíduos ou grupos

tenha estimulado inovações dos dois lados da lei.9

Moisés Naím afirma que as mudanças econômicas e políticas ocorridas a partir de

1990 com o processo de globalização acabaram por facilitar também o comércio ilícito,

através do anonimato das mensagens instantâneas e e-mails trocados em espaços públicos

como cyber cafés, o aumento de encomendas nos serviços de entrega (como a norte-

americana FedEx) e as facilidades de rastreamento desses pacotes até seu destino através da

internet, transações financeiras mais rápidas e diversificadas (como o uso de cartões, o

dinheiro de plástico), além de medidas econômicas, facilitando a circulação de bens e pessoas

entre países vizinhos, assim como o aumento dessa circulação, tornando a fiscalização por

amostragem uma vantagem a mais para os que se beneficiam do comércio de produtos ilícitos.

Baseado em dados do Institute of International Economics de 2004, Naím ainda aponta que a

lavagem de dinheiro sujo é responsável pela movimentação de 10% do PIB global10

.

Uma das organizações criminosas que mais movimentou dinheiro de procedência

ilícita no mundo foram, sem dúvida, os cartéis colombianos e o seu comércio de cocaína. Os

cartéis rivais de Cali e Medellín aproveitaram-se da rota de tráfico de maconha usada nos anos

1960 (que tinha como origem os Estados Unidos) para implantar o tráfico de cocaína. Dessa

maneira, quando os laboratórios para o refino das folhas de coca (cultivadas há centenas de

anos pelos grupos indígenas) passaram a produzir a cocaína em larga escala, esses cartéis já

tinham uma rota definida e, de certa forma, segura para colocar o produto no mercado

internacional (principalmente o norte-americano). Quando ganharam força e fama

internacional na década de 1980, os cartéis de Cali e Medellín “juntos, produziam 80% da

cocaína consumida nos Estados Unidos, faturavam, anualmente, US$200 bilhões e

constituíam – de longe – o setor produtivo mais importante da economia colombiana” 11

.

9 NAIM, Moisés. Op.Cit., p. 39.

10 Ibidem.

11 ARBEX JR., José e TOGNOLLI, Cláudio J. Op. Cit., p. 38.

12

Algumas pesquisas indicam que, na década de 1980, mais da metade das folhas de

coca destinadas aos laboratórios de refino colombianos teriam origem peruana (por ser

considerada de melhor qualidade), enquanto o restante seria cultivado por camponeses

bolivianos e colombianos. Com o passar do tempo esse quadro se inverteria, visto que o

mercado da coca garantiria um rendimento maior aos camponeses colombianos do que as

culturas alimentares, devido à queda do preço desses produtos no mercado internacional.

Nas regiões colombianas conhecidas como Urabá e Magdalena Medio, próximas a

áreas petrolíferas, o cultivo de banana foi substituído em grande parte do seu território pelo da

folha de coca. Não por acaso, essas regiões, em 1999, continham uma considerável

concentração de grupos paramilitares, empresas petrolíferas e as principais sedes dos

chamados “barões da droga”. Grupos ligados a camponeses que se dedicam ao cultivo da coca

afirmam que as políticas de substituição da cultura da coca por culturas alimentares só

surtiriam efeito caso a coca sofresse uma desvalorização no mercado, fato que não ocorre

devido à procura cada vez maior pela matéria-prima da cocaína.

Mesmo com a diminuição das roças de coca no território colombiano, não se pode

afirmar que a produção e o comércio da cocaína tenham seguido a mesma tendência, devido a

pesquisas e desenvolvimento empregados nas roças:

A diminuição da área cultivada deixou de representar uma queda na produção, uma

vez que os traficantes empregam as mais modernas técnicas agrícolas para aumentar

a produtividade. Na Colômbia, surgiram novas variedades da planta de coca que são

resistentes a herbicidas. Além disso, têm mais folhas, apresentam um crescimento

duas vezes maior do que o das plantas tradicionais e geram uma cocaína muito mais

pura e poderosa.12

Da mesma maneira, as avançadas técnicas de cultivo acabaram por reduzir a

produção da maconha na Colômbia e México, sendo desenvolvida há pouco mais de uma

década na Colúmbia Britânica, no território canadense, em uma área de difícil acesso para a

fiscalização, onde foi desenvolvida uma nova variedade denominada B.C. Bud, em viveiros

que mantém condições ideais ao longo do ano, aplicando-se ainda técnicas como a hidroponia

e a clonagem, com a maioria das entregas coordenadas através de mensagens eletrônicas

garantindo rendimentos que em 2005 chegaram a sete bilhões de dólares.

À medida que as práticas ilegais interferem na economia e política mundial

(inclusive na queda e ascensão de presidentes e líderes), atuando principalmente em Estados

12

NAÍM, Moisés. Op. Cit., p.70.

13

considerados falidos ou fracos, onde se podem encontrar facilmente pessoas ligadas ao

narcotráfico entre políticos e militares de alta patente, pode-se compreender melhor a maneira

como grupos criminosos deixaram de lado organizações fixas, transformando-se em

verdadeiras corporações apátridas, sem bases físicas, ainda se favorecendo com as

dificuldades das autoridades responsáveis pelo seu combate em atuar fora de sua jurisdição.

Em suma:

Nos países em desenvolvimento e naqueles que fazem a transição do comunismo, as

redes criminosas freqüentemente constituem o capital investido mais poderoso que

confronta o governo. Em alguns países, seus recursos e capacidades até mesmo

superam aqueles dos governos. Os traficantes e seus sócios controlam os partidos

políticos, dominam importantes meios de comunicação e são os maiores filantropos

por trás das organizações não-governamentais.13

Enfim, o dinheiro do tráfico é capaz de corromper Estados inteiros, influenciando

diretamente na sua política e economia, garantindo aos responsáveis somas cada vez maiores

de dinheiro através de um negócio altamente rentável, principalmente quando o Estado não

possui condições para combater essa prática e as atividades ilícitas correspondem às maiores

movimentações financeiras do país. Mesmo as medidas adotadas para um maior controle

sobre a circulação de mercadorias entre os países acabam por incentivar as práticas ilícitas,

seja com subornos e influência política nos órgãos reguladores, seja no estímulo financeiro

aos que participam da rede de transporte e comércio.

No caso colombiano, a ascensão do narcotráfico acabou por aumentar a fragilidade

do governo em manter o controle sobre o seu território. Com o advento de um volume maior

de dinheiro ilícito entrando no país e o conflito armado se especializando, as dificuldades em

manter o controle e a presença do Estado nas áreas de conflito tornaram-se mais fortes e

complexas:

A perda de autonomia da Colômbia na política relativa ao narcotráfico tem custos

elevados ao nível social, político e ambiental. Isto porque a erradicação forçada dos

cultivos (através de fumigações químicas) e a crescente militarização das operações

anti-narcóticos tornam-se um obstáculo claro ao processo de paz.14

13

Ibidem, p.13. 14

FILIPE, Ângela Marques. Dinâmicas do Estado Falhado e do Conflito na Colômbia: A Economia da

Droga. Centro de Investigação e Análise em Relações Internacionais (CIARI), p. 8. Disponível em:

www.ciari.org/investigacao/dinamicas_estado_colombia.pdf. Acesso em 27 de setembro de 2007.

14

Nesse sentido, percebe-se que embora os grupos insurgentes colombianos,

autodefesas (ou grupos paramilitares) e os narcotraficantes sejam considerados inimigos

declarados, é inegável que sua ação conjunta resulta em uma maior debilidade política e

econômica do Estado colombiano, principalmente no interior do país, não sendo interessante,

portanto para nenhuma das forças atuantes (inclusive aos Estados Unidos) a total

desarticulação de algum rival, visto os esforços cada vez maiores do Exército colombiano na

tentativa de sobrepor-se a essas forças.

Conforme afirma Ângela Marques Filipe, a militarização das ações de combate ao

narcotráfico e à insurgência acaba por afastar cada vez mais o país da realidade de um acordo

de paz, o que muitos autores também acreditam não ser o objetivo dos Estados Unidos, pois a

pacificação colombiana e o combate efetivo ao narcotráfico acabariam por resultar na retirada

das tropas norte-americanas da região, visto que estas estariam ali, conforme defende

Washington, unicamente para o combate ao narcotráfico mundial e a grupos terroristas ou

narco-terroristas (essa nova denominação após os atentados de 11 de setembro de 2001) que

se espalham pela região.

1.2 OS ESTADOS UNIDOS COMO POTÊNCIA MILITAR, AMÉRICA LATINA COMO QUINTAL

O século XX marcou, além do crescimento e desenvolvimento dos Estados Unidos

no campo econômico e militar, a proliferação de ideais norte-americanos como o Destino

Manifesto que basicamente defendia a missão divina concedida aos norte-americanos para a

incorporação de toda a América ao seu território, no contexto da anexação de terras a oeste,

como a Califórnia.

A Doutrina Monroe de 1823, voltada para a não-intervenção de países europeus no

restante do continente, inspirada pelo Destino Manifesto com a síntese “a América para os

americanos”, (evocada também por Ronald Reagan posteriormente em 1986 na sua campanha

de combate às drogas). Deuma maneira geral, a Doutrina Monroe pretendia proteger a

América do colonialismo europeu, ao mesmo tempo em que garantia aos Estados Unidos uma

maior proximidade com os países latino-americanos e seus mercados consumidores.

A implantação da chamada “política de boa vizinhança” em 1934 por Franklin

Roosevelt, objetivava a proliferação da cultura e valores norte-americanos em função da

possibilidade do desenvolvimento do pensamento comunista no continente, substituindo a

15

política do Big Stick, além da Doutrina Truman de 1947, com o compromisso de defender o

mundo capitalista da ameaça do comunismo no pós-guerra. A “política da boa vizinhança” se

traduziria pelo apoio aos ditadores Rafael Leónidas Trujillo na República Dominicana, Juan

Vicente Gómez na Venezuela, Jorge Ubico na Guatemala, Tiburcio Carias em Honduras,

Fulgencio Batista em Cuba, bem como à dinastia Somoza na Nicarágua.

A doutrina do Destino Manifesto teria se desenvolvido durante o processo de

expansão territorial dos Estados Unidos no século XIX, pregando o expansionismo, baseado

na ideologia calvinista da predestinação absoluta, onde Deus escolhe seus eleitos. Tal

princípio norteou o processo de compra anexação e tomada de uma grande parcela do atual

território norte-americano, sendo posteriormente utilizado nos processos de dominação militar

e política dos países latino-americanos, reafirmando na segunda metade do século XX um

discurso mais voltado ao aspecto econômico, ampliando o campo de atuação dos Estados

Unidos para fora das Américas. Considerando toda a simbologia patriótica norte-americana e

a religiosidade puritana, é possível identificar a força do Destino Manifesto para a cultura do

país, visto que Deus é colocado como um elemento unificador da pátria, que dá grande

importância aos valores religiosos e à própria religiosidade presente nas instituições,

estruturas sociais e políticas do corpo civil estadunidense principalmente com as máximas

“One Nation Under God” e “In God We Trust”, esta última presente em cédulas e moedas de

dólar.

A Doutrina Monroe e o Destino Manifesto são vistos como complementares, na

medida em que moldou a identidade norte-americana, convencendo seus cidadãos que

realmente a América seria de posse dos americanos por direito divino, ou seja, inegável,

atuando também como um discurso legitimador da política expansionista do país e ações

como o Big Stick de Theodore Roosevelt eleito em 1903 (considerado o corolário da Doutrina

Monroe, ou seja, “consequência” deste), que previa o auxílio aos demais países americanos,

mesmo que estes se negassem a receber, assegurando os interesses econômicos dos Estados

Unidos sobre seus vizinhos, atuando como uma espécie de força policial do continente15

.

Os grandes conflitos em que os Estados Unidos se envolveram no século XX

proporcionaram ao país a criação e manutenção de um poderoso complexo militar industrial,

que mesmo após o fim da Guerra Fria continuou em atividade, devido à grande lucratividade

e ao controle que tal complexo exerce sobre a tecnologia e os demais países do globo, assim

15

MIRANDA, Augusto M. A. e RAMOS, André Luiz Araujo. Religião Civil, Destino Manifesto e Política

Expansionista Estadunidense. Revista Ameríndia, v.4, n° 2, 2007. Disponível em:

http://www.amerindia.ufc.br/pdf4/andre.pdf. Acesso em 23 de dezembro de 2008.

16

como seu poder de decisão no âmbito político dentro dos Estados Unidos. Se durante a

Primeira Guerra Mundial as indústrias norte-americanas não se voltaram exclusivamente para

a produção de produtos bélicos, suas lições e as dimensões da Segunda Guerra fortaleceram as

grandes corporações e influenciaram a construção de centenas de novas indústrias, muitas

voltadas exclusivamente para os esforços de guerra.

Um bom exemplo do aumento da demanda e da economia entre as duas guerras é o

da General Motors, que durante a Primeira Guerra teria lucrado com as vendas para o governo

cerca de US$ 35 milhões com suas linhas de montagens operando normalmente enquanto

durante a Segunda Guerra os lucros estariam na ordem de US$ 12 bilhões, com a produção de

automóveis (civis) sendo interrompida entre fevereiro de 1942 e setembro de 194516

,

voltando-se exclusivamente para as encomendas bélicas. Muitas empresas já existentes

adotaram esse mesmo movimento de redirecionamento da sua produção, voltando-a à guerra

em curso, pela necessidade de suprir as tropas e as garantias de uma lucratividade maior, seja

pela compra direta, ou pelos incentivos concedidos pelo governo às indústrias siderúrgicas, de

armas, roupas, veículos e equipamentos em geral utilizados nos campos de batalha.

No período entre - guerras, com a crise econômica em 1929, o governo norte-

americano teria se afastado de certo modo dos grandes empresários, principalmente com a

política do “New Deal” de Franklin Roosevelt, intervindo diretamente na economia do país e

financiando programas de caráter social visando principalmente acabar com o desemprego e

reestabilizar a economia dos Estados Unidos, através de uma série de programas

implementados entre os anos de 1933 e 1937. Porém as informações cada vez mais freqüentes

sobre a ascensão do nazi-fascismo e a crescente militarização do Japão logo provocaram a

reaproximação entre o governo de Roosevelt e os grandes financistas e industriais,

redirecionando os esforços para um novo conflito.

Em pouco tempo, as grandes encomendas por parte do governo passaram a favorecer

as empresas de tal forma que em 1941, cerca de 75% do valor total dos contratos de guerra

estariam nas mãos de grandes empresas, enquanto as pequenas e médias indústrias seriam

sub-contratadas das grandes corporações. A eminência de uma outra guerra, de proporções

maiores do que as enfrentadas anos antes, teria contribuído para a construção de centenas de

16

MIGUEL, Jair D.; PERRILLO, Eduardo B. F. e SIMÕES, Edson E. Indústria e Mulitarismo. In: COGGIOLA,

Osvaldo (org.) Dinâmica da Economia Mundial. São Paulo: Departamento de História/ Programa de Pós-

Graduação em História Econômica, 2002.

17

fábricas financiadas pelo governo e vendidas após o conflito para os grandes conglomerados a

preços considerados irrisórios17

.

O processo de militarização norte-americano teria favorecido a aproximação entre

indústria, militares e cientistas (responsáveis por estudos e desenvolvimento de novas

tecnologias e armas), que tornavam o poder do complexo militar industrial cada vez mais

concreto. Mesmo com o fim das hostilidades da Segunda Guerra se aproximando, a produção

de caráter bélico (já desnecessária) foi mantida até o final dos contratos estipulados com o

governo, que só teria permitido às pequenas indústrias voltarem sua produção para o mercado

interno (civil), após o retorno dos grandes conglomerados, provocando assim uma

concorrência desigual, escondida e favorecida pelo trabalho de desinformação do público em

geral. É nesse período também que o discurso de manutenção de um Exército forte em tempos

de paz, em nome da garantia de mais segurança para o país é propagado e desenvolvido com

mais veemência, objetivando justificar para a população civil a necessidade da manutenção da

indústria bélica e os investimentos no Exército, e de certa forma gerando empregos para os

milhares de trabalhadores americanos dessas fábricas. A essa altura os discursos e idéias

patrióticas constituíam a base da propaganda norte-americana.

A mídia norte-americana do fim da Segunda Guerra já trabalhava com a idéia de

ameaças contra o país, que supostamente seria o próximo alvo de uma eventual guerra

provocada pelos antigos inimigos derrotados, ou novos males que poderiam surgir,

contribuindo dessa forma para a manutenção do discurso militarista do país. A ascensão do

comunismo na Rússia e no Leste Europeu depois de 1945 foi um fator crucial para se

construir e propagar nos Estados Unidos a imagem de um novo inimigo, uma nova ameaça à

segurança nacional e dessa forma legitimar a manutenção do chamado Estado Militarista:

A justificativa era que os EUA tinham que estar preparados para uma futura guerra.

Os militares viraram o jogo por meio do domínio sobre as informações confidenciais

e de interesse nacional; definiram o comunismo como o grande inimigo a ser

enfrentado, justificativa para a corrida armamentista, e articularam eficiente

campanha para propagar o temor entre o público e os políticos. 18

Tais políticas pretendidas pelos militares e as grandes empresas logo ganharam força

e a economia continuou a se basear nos esforços de guerra e manutenção da parceria entre as

universidades, militares e industriais visando a manutenção do “estado de medo” entre a

17

Ibidem. 18

Ibidem, p. 71.

18

população e a continuação das atividades (ao invés da desativação) do complexo militar

industrial, através da criação de novas tecnologias e armamentos como uma maneira de

justificar os gastos cada vez mais exorbitantes.

Para Miguel, Perrillo e Simões, o Complexo Militar Industrial norte-americano teria

prosperado de tal forma que teria permitido a integração de vários setores da sociedade norte-

americana ondee as grandes corporações participariam da política, investindo em candidaturas

e fechando novos contratos de orçamento para a defesa nacional. O Pentágono possuiria,

segundo os autores, autonomia para comercializar com qualquer empresa, sem prestar contas

à Casa Branca. Dessa forma, os militares seriam os principais responsáveis pela lucratividade

das empresas envolvidas, e muitos seriam inclusive contratados por esses mesmos grupos a

fim de garantir a produção, os recursos anuais e a criação de novas necessidades em

tecnologia e armamentos, sem se esquecer das pesquisas desenvolvidas nas universidades

para fins bélicos, que também recebem financiamentos maiores nesse processo, o que

segundo os autores teria feito com que a autonomia universitária, cada vez mais, sucumbisse

ao peso econômico da indústria da guerra.

Nesse sentido, além da necessidade de se criar novos inimigos para justificar os

gastos orçamentários, o Complexo Militar Industrial norte-americano também necessita criar

novos conflitos para assim escoar sua produção em tempos de paz, criar tensões entre os

norte-americanos e em certa medida testar as novas armas recém-lançadas ou ainda em fase

de testes. Durante a Guerra Fria as presenças militares nos países fronteiriços com países

socialistas já mostravam o poderoso papel da economia norte-americana, diminuindo os

preços no mercado internacional a fim de desestabilizar a economia desses países, além de

impor certa dependência tecnológica e científica a esses países através do fornecimento de

armamento, informações e tecnologias. Nesse aspecto, a criação da Organização do Tratado

do Atlântico Norte (OTAN) em 1949 teria sido de grande importância para a ampliação do

domínio norte-americano no leste europeu, seja pela venda de armamentos aos países aliados,

ou a manutenção de conflitos.

Nos dias atuais essa dependência possui vários aspectos, seja com transferências

gratuitas de armamento para países estrangeiros, financiamento de programas de treinamento

ou mesmo a venda ilegal de armas, muitas vezes para os dois lados envolvidos no mesmo

conflito. Essa prática acaba por criar uma dependência entre as forças armadas dos demais

países, já que as técnicas, armas e tecnologia utilizadas têm origem nos Estados Unidos, que

em vários casos cede determinada tecnologia, mas não completamente, podendo assim limitar

19

e controlar os avanços de cada país ou grupo armado. Para os industriais e fornecedores, “uma

pequena guerra é sempre bem vinda para os negócios” 19

.

James Petras classifica esses países como Estados-clientes, que são de certo modo

controlados ou influenciados pelos Estados Unidos, através de acordos militares, econômicos,

ou mesmo pela intervenção direta em ambas as vias. Tal estratégia teria se concretizado

durante o governo de Bill Clinton (1993-2001) que segundo Petras20

, diferentemente de

George W. Bush consultava a União Européia sobre determinadas ações (como a invasão da

Iugoslávia) quando sabia que seria apoiado, caso contrário, agia como seu sucessor, pela via

direta e unilateral.

Clinton combinava, segundo Petras, a penetração econômica aberta e o recrutamento

de novos clientes políticos com a intervenção militar e dos serviços de inteligência,

procurando reforçar sua influência sobre regimes em declínio, desestabilizar regimes

independentes ou tirar vantagens sobre seus adversários econômicos através de espionagem.

Esse quadro também traz consigo algumas considerações, como o fato de que

enquanto as empresas ligadas ao Complexo Militar Industrial lucram cada vez mais, seu

financiamento é estatal, portanto gerando um grande déficit orçamentário na economia norte-

americana. Outro ponto diz respeito ao encarecimento das armas e a tecnologia empregada,

pois se chegou a um ponto em que a funcionalidade, operacionalidade e autonomia das armas

desenvolvidas é praticamente a mesma da sua antecessora, mas novas tecnologias empregadas

ou criadas para tais armas parece trazer a sensação de que é preciso sempre contar com o

armamento mais recente, para que o que se possui não se torne obsoleto caso um confronto

venha a ocorrer.

Tal influência também pode ser sentida na OTAN, onde as armas, técnicas e formas

de ação aos poucos foram se adequando aos padrões norte-americanos e consequentemente

aos seus interesses, chegando ao ponto de grande parte do armamento da OTAN ser originário

do Complexo Militar Industrial norte-americano: “É a nova visão estratégica dos EUA após a

Guerra Fria, reservando para a OTAN o papel de braço armado dos interesses da

superpotência hegemônica, expandindo seu campo de ação nos lugares onde a segurança ou

os interesses dos seus associados possam sentir-se afetados”21

.

Ao mesmo tempo em que a indústria bélica norte-americana ganhava força no

decorrer do século XX, sua política externa voltava-se para a aquisição de pontos estratégicos,

19

Ibidem, p.88 20

PETRAS, James. Império e Políticas Revolucionárias na América Latina. São Paulo: Xamã, 2002. 21

MIGUEL, Jair D.; PERRILLO, Eduardo B. F. e SIMÕES, Edson E. Op.Cit., p. 92

20

principalmente para o estabelecimento de bases militares na América Latina. A independência

de Cuba foi conseguida em 1902 após uma guerra pela libertação da ilha entre os Estados

Unidos e a Espanha, onde o primeiro, vitorioso, manteve o país como seu protetorado até

1933, quando Fulgêncio Batista assumiu o poder. A base de Guantánamo, que nos dias atuais

abriga uma prisão militar, foi construída logo após o término da guerra contra a Espanha,

garantindo um ponto estratégico para a ampliação do controle e influência norte-americanos

no Caribe.

A questão do canal do Panamá também mereceu destaque na geopolítica do século

XX, onde após enfrentar uma guerra civil que debilitou a Colômbia terminando em 1903 (a

Guerra dos Mil Dias), segundo Russel W. Ramsey22

, os Estados Unidos propuseram ao

senado colombiano o Tratado Hay-Herrán, onde o país receberia dez milhões de pesos,

somados a uma determinada quantia anual pelo arrendamento por cem anos de uma faixa de

10 quilômetros no território do Panamá, ainda pertencente à Colômbia.

Visando receber uma oferta maior, o senado colombiano teria se recusado a assinar

tal tratado. Com os interesses norte-americanos em evidência, os Estados Unidos teriam

apoiado as revoltas populares no Panamá, reconhecendo posteriormente sua independência.

Em conseqüência desse fato, o Panamá recebeu através da assinatura do Tratado Hay Brunau-

Varilla de 18 de novembro de 1903, o valor no período de US$10 milhões pelo controle

perpétuo sobre o território onde seria construído o canal ligando os oceanos Pacífico e

Atlântico (toda a extensão do canal e uma faixa de oito quilômetros em cada margem,

garantindo a soberania sobre essa região), reservando ainda a manutenção de uma guarda

permanente norte-americana na área (o Comando Sul). A finalização da construção do canal

em 1914 foi de extrema importância para a expansão norte-americana, garantindo uma ligação

mais direta e barata entre os portos das costas leste e oeste do país.

A permanência das tropas norte-americanas no Panamá gerou uma série de revoltas

provocadas por estudantes e pela elite nacionalista do país, sendo a maioria reprimida

violentamente pelos soldados norte-americanos. Com o crescimento do discurso nacionalista

panamenho e a aproximação do então presidente Torrijos (Omar Efraín Torrijos Herrera, que

governou o país de 1968 até sua morte em 1981), com as Forças Armadas, o governo norte-

americano (com o presidente Jimmy Carter) teria firmado um acordo em 1977 para a

devolução do controle da área do canal ao governo panamenho, gradativamente a partir de

1990, culminando na retirada das tropas norte-americanas da região em 2000. Com a morte do

22

RAMSEY, Russel W. Revolución Campesina. Cromos Editores e Impressores, s/d.

21

líder Omar Torrijos, o então general panamenho Manoel Antônio Noriega tomou o poder em

1983, governando de forma ditatorial até 1989, quando foi deposto pela invasão norte-

americana ao país.

Noriega, que por muitos anos teria trabalhado para a CIA, considerado um

dos principais responsáveis pelo caso Irã-Contras na Nicarágua, havia se tornado um general

influente no Panamá, assumindo o poder de forma indireta, sendo ainda derrotado nas eleições

de 1989, quando a anulou, dando motivos finalmente para que os Estados Unidos invadissem

o Panamá em nome da luta contra o narcotráfico. Sobre a chamada operação Causa Justa

lançada pelo presidente George Bush, Arbex Jr. afirma:

O então presidente dos Estados Unidos, George Bush (pai) alegava que Noriega

estava envolvido com narcotraficantes, que estaria desenvolvendo uma política

“hostil” aos Estados Unidos e que colocava em risco a segurança de cidadãos

estadunidenses no Panamá. Com base nisso, enviou ao país 13 mil marines,

apoiados por outros 10 mil estacionados em caráter permanente no Canal do

Panamá.23

O autor ainda afirma que, ironicamente, Noriega estava sendo punido por seguir à

risca as ordens da CIA. Temendo um maior envolvimento, o Congresso norte-americano teria

limitado em 1983 a ajuda financeira enviada aos guerrilheiros de direita da Nicarágua,

contrários ao governo sandinista (os chamados Contras). Contrariando o Congresso, o então

presidente Ronald Reagan desenvolveu juntamente com a CIA novos mecanismos para o

financiamento e o armamento dos Contras. Em uma operação encabeçada por Noriega, a CIA

teria feito acordos com os cartéis colombianos, que forneciam “narcodólares” para a compra

de armamento originário do Irã (já considerado um país inimigo dos Estados Unidos), que

seria entregue aos Contras. As acusações de envolvimento entre a agência norte-americana, o

narcotráfico e o Irã foram à tona nos anos de 1986 e 1987 pela imprensa do pais e

confirmadas posteriormente por investigações que mostravam a ligação dessa operação com a

participação de agentes da CIA (o principal, John Hull) e o coronel Oliver North, acessor do

Conselho de Segurança Nacional, porém as investigações, inclusive com o interrogatório dos

envolvidos sendo transmitido em rede nacional não chegaram a resultados mais concretos,

23

ARBEX JR., Op. Cit., p.39.

22

expondo apenas os métodos da CIA, em uma época em que o governo de Ronald Reagan

fazia sua campanha contra as drogas24

.

A operação Causa Justa, teoricamente teria como objetivo o combate ao

narcotráfico, resultando na prisão de Noriega, logo mostrou-se como um pretexto para que os

Estados Unidos continuassem a controlar o Canal do Panamá, ao mesmo tempo que

fortaleciam sua influência e permanência na América Latina. Para José Arbex Jr., a invasão

do Panamá com a operação Causa Justa criou um precedente para que as tropas norte-

americanas invadissem outros países em nome do combate ao narcotráfico. O próximo passo

em nome dessa cruzada seria dado anos depois, em 1999 com a criação do Plano Colômbia,

durante o governo de Bill Clinton.

1.3 EUA: A MANUTENÇÃO DE INIMIGOS, CONFLITOS E INTERESSES NA REGIÃO DA

AMAZÔNIA INTERNACIONAL

Após a Segunda Guerra Mundial, os discursos propagados nos Estados Unidos foram

alterados, de um combate ao nazi-fascismo que se espalhava pela Europa aos poucos

transformou-se na necessidade de combater o comunismo, que crescia e se difundia pelo

globo como uma ameaça à sociedade norte-americana, seus costumes e padrões. Ao mesmo

tempo em que a bebida alcoólica e determinadas substâncias eram proibidas no país, seus

usuários passaram a ser representados como pessoas hostis, contrárias à cultura e aos

costumes puritanos, contaminando a sociedade. A associação gradativa dos inimigos

comunistas com as drogas tornou-se algo corriqueiro, principalmente após a política de “caça

às bruxas” desenvolvida pelo senador Joseph McCarthy na década de 1950, onde a grande

maioria das pessoas acusadas de possuir idéias ou atitudes comunistas, também eram acusadas

de uso de alguma substância proibida, como o ópio ou a cocaína.

O Macarthismo possuía em essência a tese de que “insucessos americanos em

política externa só se podiam explicar pela infiltração, no aparelho estatal, de espiões e

agitadores comunistas ou de seus simpatizantes, que lhe solapavam sistematicamente a ação, a

fim de permitir a vitória da União Soviética” 25

. Dessa forma, o combate a instituições ou

pessoas que de certa forma ameaçavam a sociedade americana ao se comportar ou propagar

24

Ibidem. 25

BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política. Brasília: UNB, 1998, p. 725.

23

idéias consideradas comunistas provocou uma série de inquéritos e investigações entre 1950 e

1954, em uma verdadeira onda de temores conspiratórios contra o país.

Com o colapso da União Soviética no início da década de 1990, os Estados Unidos

buscaram um novo inimigo para combater e justificar os gastos da sua indústria bélica,

assimilando assim uma nova imagem de mal e ameaça à sociedade. Tal inimigo configurou-se

já durante o governo de Ronald Reagan (1981-1989) no tráfico de drogas, tornando-se a mais

nova ameaça à segurança nacional. Ainda na década de 1980, o discurso desenvolvido pelo

governo norte-americano dizia que o narcotráfico seria uma guerra revolucionária, financiada

pelos soviéticos, a fim de desestabilizar a sociedade norte-americana. Tal discurso buscou

uma maior adequação à nova realidade de um mundo unipolar, que necessitava por parte da

potência em questão uma certa reestruturação nas suas políticas e estratégias para o

fortalecimento e manutenção de sua hegemonia.

Em abril de 1986, mediante um decreto, o presidente Reagan previu a possibilidade

da utilização das forças militares norte-americanas contra o narcotráfico, passando a ser

identificado como uma ameaça à segurança nacional. O segundo Documento de Santa Fé,

Uma Estratégia para a América Latina na Década de 1990, publicado em 1988, ainda

estabelecia a clara relação entre a ameaça comunista e o narcotráfico: “El ataque se manifiesta

en la subversión comunista, el terrorismo y el narcotráfico”, indicando a presença dessa

ameaça em todo o continente:

La red comunista subversiva y terrorista se extiende desde Chiapas en la parte sur de

México hasta Chile, haciendo toda la costa del Pacífico, al sur del Río Grande, un

escenario de conflicto abierto. Es evidente que la estrategia de conflicto comunista

para la región es obtener el poder, o por lo menos, involucrar a las fuerzas de

seguridad occidentales en prolongadas operaciones simultáneamente en varios

países. La magnitud de esta operación tiene la implicación estratégica de reducir los

compromisos futuros de EEUU en el continente euroasiático y aumentar así la

capacidad de coerción soviética.26

Os chamados Documentos de Santa Fé traçam estratégias para a política externa

norte-americana na América Latina. O primeiro desses documentos teria sido publicado em

1980 com o título Las Relaciones Interamericanas: Escudo de la seguridad del nuevo mundo

y espada de la proyección del poder global de Estados Unidos, o segundo supracitado em

26

BOUCHEY, Francis; FONTAINE, Roger W. e JORDAN, David. Documento de Santa Fé II: Una Estrategia

para América Latina em la década de 1990. Disponível em: www.segundoenfoque.com.ar/hora_cambio.html.

Acesso em 09 de julho de 2008.

24

1988, um terceiro, que não teria sido publicado em 1999 e finalmente a última versão, o

Documento de Santa Fé IV: Latinoamerica Hoy, publicado em 2001. As três versões

publicadas podem ser encontradas na íntegra, em espanhol, em um site argentino em

www.segundoenfoque.com.ar/hora_cambio.html.

Os narcotraficantes, que a partir da postura adotada por Reagan em 1986 tornaram-se

oficialmente a nova ameaça à sociedade ocidental, sempre estiveram à margem da lei desde a

proibição da venda de substâncias como a cocaína para fins não-medicinais, crescendo à

medida que o seu mercado consumidor tornava-se maior e mais exigente, principalmente a

partir da década de 1960. Dessa maneira, quando os laboratórios colombianos para o refino

das folhas de coca passaram a produzir a cocaína em larga escala, os cartéis colombianos de

Cali e Medellín já tinham o conhecimento e a experiência em rotas bem definidas e, de certa

forma, seguras para colocar o produto no mercado internacional (principalmente no norte-

americano). Logo os lucros criaram verdadeiras empresas de venda e fornecimento de

substâncias ilícitas, criando homens poderosos como Pablo Escobar, conforme John Chasteen

disserta:

A versão de Escobar da Chicago de Capone foi a cidade colombiana de Medellín, e

sua máfia tornou-se conhecida como o cartel de Medellín. O terrível flagelo do

dinheiro fácil deu nova energia à violência desenfreada na vida colombiana.

Consumidores norte-americanos de drogas ilegais podiam pagar somas vultuosas

pelo produto colombiano.27

Todo esse poder e influência dos traficantes deveriam ser combatidos para que,

segundo as idéias difundidas nos Estados Unidos, essa prática não corrompa a sociedade

ocidental e homens como Pablo Escobar não se tornassem símbolos aclamados pela

população local, desafiando as investigações e ações dos Estados Unidos no combate às

drogas. Escobar logo ganhou fama pela sua audácia (ao esconder uma pista de pouso embaixo

de casas móveis, por exemplo) e seu papel na sociedade de Medellín, suprindo necessidades

básicas da população local como escolas, hospitais, obras de infra-estrutura, entre outras que

deveriam ser garantidas pelo próprio governo local.

Para o governo colombiano, a grande ameaça sempre foram os vários grupos

armados que se espalham pelo país desde a década de 1950. Tais grupos, na sua maioria

desenvolveram (e ainda desenvolvem) ações e discursos contrários ao governo, mostrando

27

CHASTEEN, John Charles. América Latina: Uma História de Sangue e Fogo. Rio de Janeiro: Campus, 2001,

p.252.

25

para a população nos seus discursos que os principais responsáveis pelas crises e baixas

condições de vida que o país atravessou (e em alguns casos ainda atravessa) como fome e

desemprego são os governantes, que ainda se beneficiam com uma política oligárquica e

corrupta.

Um grande número desses políticos (entre eles o ex-presidente Ernesto Samper) e

outros que em suas campanhas mantinham de alguma maneira ligações com grandes

traficantes tornavam-se bom exemplos da corrupção e do grande poder do narcotráfico no

país. Investigações mais recentes afirmam que inclusive o atual presidente Álvaro Uribe e

políticos que teriam ligações com narcotraficantes e grupos paramilitares28

, responsáveis por

realizar uma série de massacres, agindo principalmente na região da costa norte do país,

próspera em grandes propriedades, empresas e petróleo.

Muitos dos chamados “barões da droga” possuem cargos políticos e grandes

quantidades de terras na parte norte do país (mais próspera economicamente), sob proteção do

próprio Exército ou de grupos paramilitares. As guerrilhas esquerdistas (principalmente as

FARC-EP e o ELN) concentram-se na sua maioria no sul do país, onde os grandes

proprietários não possuem tanta terra e a presença do Exército é menor. Outro fato

interessante é que em muitos casos os “barões da droga” financiam grupos armados para

combater as guerrilhas no intuito tanto de diminuir sua influência perante a população local

(empregadas em algumas regiões em regime de semi-escravidão no plantio de coca) quanto de

buscar aliados entre os governantes, que supostamente poderiam fazer vista grossa no

combate às plantações e aos seus laboratórios de refino de cocaína, já que estes estariam

auxiliando no combate às guerrilhas.

A ligação entre as guerrilhas e o tráfico de drogas parece favorecer as ações do

governo colombiano, na medida em que associa seu principal inimigo de décadas atrás ao

novo inimigo da sociedade norte-americana, garantindo assim que as verbas e tropas

destinadas ao combate do narcotráfico também combatam as guerrilhas. Para os Estados

Unidos, a resistência dos grupos guerrilheiros legitima o envio de mais tropas à Colômbia,

assim como maior financiamento do conflito e investimento em armas e na sua indústria

bélica. A instabilidade na Colômbia acaba por favorecer a intervenção norte-americana no

país, na medida em que Washington traça novas estratégias para um maior controle sobre

28

SEMANA.COM. Mapa de La Parapolitica em La Costa. Disponível em:

http://www.semana.com/wf_VerMultimedia.aspx?IdArt=98657&IdMlt=132&Res=Alta. Acesso em 2 de julho

de 2008.

26

regiões consideradas geopoliticamente importantes, como é o chamado triângulo radical da

América do Sul (Venezuela, Colômbia e Equador).

Os interesses norte-americanos na Colômbia intensificaram-se a partir da década

de 1990, com a declaração (em 1989) do então presidente George Bush de que as drogas se

constituiriam em um grande problema para os norte-americanos, criando programas (como a

primeira versão da Iniciativa Andina) que objetivavam reduzir a entrada de drogas no país,

combatendo as roças da coca em áreas produtoras como Bolívia e Peru, legitimando assim a

entrada de observadores e do próprio Exército norte-americano em outros Estados da América

Latina, além da liberação de ajuda financeira a tais programas:

Efetivamente, a Iniciativa Andina marcou o início do significativo fornecimento de

recursos aos países daquela área e selou a reorientação do interesse central dos

Estados Unidos na América Latina – do comunismo na América Central para a

guerra contra as drogas na Região Andina.29

As revoltas e os problemas sociais dos camponeses na Bolívia e Peru ainda

mostraram que o combate e a diminuição das áreas destinadas ao cultivo da coca não

favoreceram a população, que não conseguiu encontrar culturas alternativas, dificultando

ainda mais a vida e a situação dessas pessoas. Ao que tudo indica, a política antidrogas criada

pelos Estados Unidos não combate os traficantes, mas sim pequenos camponeses, provocando

ainda mais desigualdades sociais, visto que os grandes traficantes por meio da violência ainda

tomam posse das melhores terras, além de possuir grande influência e poder para manter as

roças de coca e laboratórios de refino da cocaína intactos.

João Roberto Martins Filho ainda coloca que entre 1990 e 1994 cerca de US$ 2,2

bilhões em assistência econômica e militar teriam sido transferidos para Colômbia, Peru e

Bolívia, a fim de combater as áreas produtoras de drogas. Em 1999, verbas que seriam

destinadas para a Polícia Nacional colombiana para o combate às drogas logo teriam sido

repassadas para o Exército e sua “nova política” de combate ao narcotráfico. No mesmo ano,

expedições militares norte-americanas teriam sido mandadas para a Colômbia (segundo o

discurso norte-americano) a fim de auxiliar o governo no combate ao narcotráfico. Nas

palavras de Martins Filho:

29

MARTINS FILHO, João Roberto. As Forças Armadas Brasileiras e o Plano Colômbia in: CASTRO, Celso

(org.) Amazônia e Defesa Nacional. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p.17.

27

Não por acaso, o Comitê das Forças Armadas da Câmara dos Deputados dos EUA

ressalvara, no relatório que autorizava os gastos militares previstos para o ano fiscal

de 2000 (publicado em maio de 1999), que estava preocupado com o papel crescente

dos militares norte-americanos nos assuntos domésticos da Colômbia e com o fato

de que o treinamento e ajuda propiciados pelo Departamento de Defesa às forças

colombianas pudessem ser redirigidos ou utilizados para atividades não relacionadas

com o narcotráfico. E concluía dizendo que apoiava a cooperação contínua dos EUA

com o governo da Colômbia, a fim de sufocar o fluxo de drogas ilegais para os

Estados Unidos, mas permanecia preocupado com a perspectiva de que pessoal

militar dos EUA se imiscuísse na guerra civil colombiana.30

No mesmo período, o Exército brasileiro concentrou suas forças em patrulhar a

região amazônica, principalmente na fronteira colombiana. Embora os Estados Unidos

tenham pressionado o país para que este assuma uma posição contrária às guerrilhas, o

governo brasileiro argumenta que este seria um problema interno da Colômbia e ao Brasil

caberia apenas patrulhar suas fronteiras, embora tal fato teria contribuído para a aceleração no

planejamento e execução do projeto Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia). No texto

sobre os motivos da implantação do projeto, encontra-se o argumento da necessidade de se

proteger a floresta, mas também de manter maior controle sobre a região:

Naquela época [a década de 1980], existiam na região rotas de tráfico de drogas,

ocupação desordenada, invasão de áreas indígenas, contrabando, ações predatórias -

principalmente de madeireiras e garimpos ilegais - e a ocorrência de uma série de

outros crimes. Na verdade, com as dificuldades de comunicação e de controle da

região, ficava difícil para o governo brasileiro saber a real situação da Amazônia. 31

Muitos críticos afirmam que o Plano Colômbia não seria, portanto um plano

visando o estabelecimento da paz, mas sim a manutenção dos conflitos aspirando o maior

controle militar norte-americano e o combate aos grupos insurgentes. Para Tamayo, os

principais financiadores do narcotráfico seriam os países consumidores, visto que “los

Estados Unidos y Europa tienen la grave responsabilidad de ser enormes mercados de

consumo de las drogas, pero además, ellos saben que sin los aditivos y sustancias procedentes

de sus laboratorios sería imposible el procesamiento químico necesario para obtener la

cocaína”32

.

30

Ibidem, p. 18 31

BRASIL. Sivam. Disponível em: www.sivam.gov.br. Acesso em 10 de junho de 2008. 32

TAMAYO, Manuel Salgado. Falacias y Verdades Sobre el Plan Colombia. Agencia Latinoamericana de

Información, 01 de novembro de 2000. Disponível em: alainet.org/active/993&lang=es. Acesso em 07 de

novembro de 2007.

28

Algumas correntes defendem que a associação dos grupos insurgentes ao tráfico

de drogas serviria ainda para ocultar o fato de que os traficantes teriam ligações com alguns

políticos e grandes empresários, conforme afirma Ressealer W. Lee III, “la tesis narco-

guerrilla es engañosa, ocultando una ralidad más fundamental y más insidiosa: la creciente

penetración de traficantes de cocaína de America del Sur en las instituiciones políticas y

económicas ya estabelecidas”33

. Os dois principais grupos insurgentes do país (FARC-EP e

ELN) já publicaram inclusive documentos posicionando-se contrários ao tráfico de drogas,

que traria mais problemas sociais à população que os grupos dizem defender. Deve-se notar

também que ambos os grupos são atacados por exércitos particulares financiados por

traficantes que tentam manter as guerrilhas longe das suas terras, além de buscar legitimidade

frente o governo:

The drug barons also believed that joining the Right in the war against subversion

they could enahnce their status in the eyes of the political estabilishment. (...)

nouveau riche drug barons have become integrated into a significant portion of the

economic, if not the polítical, elite.34

A violência colombiana possui várias forças atuantes enquanto a população vive

em meio a este conflito. Destacam-se no país pelo menos três grupos antagônicos: as

guerrilhas e demais grupos insurgentes (embora estes também possuam diferenças entre si

chegando inclusive ao combate direto), o Exército colombiano com apoio financeiro, material

e de soldados dos Estados Unidos, assim como grupos paramilitares (vistos como os

principais autores de massacres contra a população rural), e finalmente os exércitos

financiados pelos “barões da droga” com o intuito de combater as guerrilhas e manter o

controle sobre as áreas de cultivo e refino de cocaína. Em meio a este ambiente de guerra

civil, novos acordos, novos planos e armas parecem falar mais alto do que o objetivo que o

Plano Colômbia supostamente estabelecia, de combate à desigualdade, corrupção,

desemprego e pobreza no país.

Mais do que buscar soluções para os problemas colombianos e o combate à

entrada de drogas nos Estados Unidos, o Plano Colômbia parece configurar-se em mais um

instrumento para justificar a presença militar dos Estados Unidos na América do Sul e colocar

33

LEE III, Renssealer W.. La Conexión Narco-Guerrilla. Revista Occidental – Cocaína, Drogas, el Estado y

la Economía, p. 51-90, 1992., p. 55. 34

PEARCE, Jenny. The Dirty War. NACLA – Report on the Americas, volume XXIII, nº6, abril de 1990, p.

23.

29

em prática as estratégias do Complexo Militar Industrial no que se refere à manutenção de

conflitos em várias regiões do globo a fim de gerar maior lucratividade e dependência dos

países envolvidos - seja a dependência técnica e material com o aumento de tropas norte-

americanas na Colômbia inclusive de postos de comando dentro do Exército colombiano, seja

pela dependência tecnológica do Brasil com o projeto Sivam.

A manutenção de um conflito, a criação de um inimigo e o crescente medo

provocado pela mídia parece legitimar e colaborar com os altos investimentos em defesa

gastos pelos Estados Unidos:

A prosperidade do Estado moderno não se baseia na guerra, mas nos preparativos

para a guerra. É essencial possuir um inimigo digno do próprio armamento e dos

próprios planos de guerra, e este inimigo precisa personificar o mal. A garantia do

futuro histórico da Nação confere à guerra alto objetivo moral e sua justificativa

ética; traidor ou covarde eram os nomes reservados aos críticos das despesas

elevadas com defesa. 35

A violência no país aumenta a cada ano, na medida em que os conflitos entre as

guerrilhas, militares e paramilitares (exércitos particulares de traficantes e grupos financiados

pelos Estados Unidos a fim de executar tarefas “impróprias” para um exército regular)

aumentam. Estima-se que na Colômbia em 1999 tenham ocorrido 402 massacres e este

número teria quase dobrado no ano seguinte. Sobre as ações e financiamentos de grupos

paramilitares Rosalba Ramírez afirma que “varias empresas privadas como la British

Petroleum, participan en la formación de grupos de torturadores, llamados „para‟ militares,

que son así muy mal llamados, pues tienen en realidad el apoyo abierto del ejército y de la

policía”36

. Tais massacres teriam como alvos principalmente camponeses que supostamente

apoiariam as guerrilhas e grupos indígenas que habitam terras pretendidas por traficantes ou

grandes empresas.

O uso de recursos como a imprensa escrita, falada e mesmo o cinema também pode

ser visto como uma importante arma para a difusão da idéia de que o narcotráfico seria uma

grande ameaça à sociedade norte-americana, que deveria apoiar as incursões militares de seu

país, em busca de liberdade ou de manutenção da paz. Segundo Arbex Jr., tal trabalho da

mídia contribuiria para a maior aceitação da população e a ocultação de objetivos mais

diretos:

35

MIGUEL, Jair D.; PERRILLO, Eduardo B. F. e SIMÕES, Edson E. Op. Cit., p. 73. 36

RAMÍREZ, Rosalba. El Genocida Plan Colombia y Algunas de sus Mentiras Fundamentales. Disponível em

www.rebelion.org/plancolombia/040419rramirez.htm.

30

É a melhor maneira de justificar uma estratégia fortemente concentrada no

componente repressivo, que preconiza a intervenção militar como meio de combate

às drogas. Cria-se um monstro muito mais terrível do que é na realidade, para com

isso aplainar o caminho para o envio de tropas para a Amazônia e outras regiões

estratégicas do planeta.37

Tal atitude já não é tão estranha nos dias atuais, visto que os interesses geopolíticos

norte-americanos baseiam-se no controle de áreas petrolíferas (como parte da Colômbia,

Venezuela, Iraque, entre outras), além do estabelecimento de bases militares nas Américas e

determinadas regiões consideradas importantes, interferindo na política e economia desses

países, e justificando sua presença nas áreas dos considerados conflitos de baixa intensidade,

muitas vezes fornecendo armamento e certificando-se de que tais áreas continuem instáveis.

Sobre os interesses norte-americanos em ocupar países considerados estratégicos e o grande

investimento enviado, Noam Chomsky afirma:

Atualmente, quando algum país aliado reclama que os EUA não estão enviando

suficiente ajuda financeira, não se diz mais “necessitamos dela para conter os

russos”, e sim, “necessitamos dela para reprimir o tráfico de drogas”. Assim como a

ameaça soviética, tais inimigos fornecem uma boa desculpa para a presença militar

americana onde haja atividade rebelde ou outros distúrbios.38

Chomsky defende a teoria de que, apoiado pela idéia da necessidade de combate ao

tráfico de drogas, os Estados Unidos legitimam suas ações como o investimento e intervenção

em determinados países, na tentativa de articular manobras para um maior controle sobre o

governo em questão e a articulação aos interesses norte-americanos, como no caso

colombiano onde a ajuda financeira e militar dos Estados Unidos “internamente, tem pouco a

ver com as drogas, mas muito a ver com a distração da população, aumentando a repressão

nos centros urbanos e apoiando o ataque às liberdades civis”39

, a fim de gerar maior

instabilidade interna e a facilidade no controle de um governo pró-americano.

O discurso ambiental também ganha força nesse escopo, defendendo que a

biodiversidade e as riquezas naturais como a água doce e substâncias farmacológicas da

região amazônica estariam atraindo a atenção de Washington, como uma importante área a ser

controlada. Ativistas brasileiros ainda afirmam que as notícias sobre desmatamento da

37

ARBEX JR., José. Op. Cit., p.15 38

CHOMSKY, Noam. Op.Cit., p. 107. 39

Idem.

31

Amazônia estariam sendo propagadas pela mídia internacional a fim de justificar a

intervenção internacional nos países amazônicos em defesa de uma preservação ambiental da

região.

James Petras ainda chama a atenção para a importância do controle da região andina

pelos Estados Unidos, por caracterizar-se em uma área de importância estratégica pela

proximidade com o Canal do Panamá, econômica pelas reservas petrolíferas venezuelanas e

colombianas e política, pela existência de regimes e grupos opostos à política externa de

Washington. Para o autor, os objetivos norte-americanos na região precisam ser conquistados

por etapas, por ser uma área instável e que de certa forma pode acabar com a mística da

hegemonia norte-americana:

Enquanto as guerrilhas e os movimentos populares representam um sério risco

político e social para a supremacia dos Estados Unidos na região, a Venezuela

representa um risco diplomático, econômico e político na “concha” do Caribe e

arredores, com sua liderança na Opep e sua política externa não-alinhada. Em

termos mais gerais, o triângulo radical pode contribuir para minar a mística da

hegemonia invencível dos Estados Unidos, e a idéia de que a ideologia do livre

mercado é inevitável.40

O argumento de James Petras baseia-se na idéia de que o chamado triângulo radical,

representado por Venezuela, Equador e Colômbia constitui-se no principal impasse para um

maior controle dos Estados Unidos sobre a região. Na Colômbia, o obstáculo é a grande

presença das guerrilhas e sua influência sobre a população de baixa renda, além do

pensamento de esquerda entre camponeses e sindicatos, gerando greves durante o governo de

Pastrana.

Na Venezuela, o apoio popular a Hugo Chávez e sua política externa avessa à norte-

americana também representa um impasse para Washington, assim como no Equador e a

força de movimentos indígenas no país como o Conaie, de origem indígena e camponesa que,

com a ajuda de militares, derrubou em 2000 o presidente Jamil Mahuad e endossou a posse de

Gustavo Noboa. Ainda há de salientar o crescimento de grupos e movimentos indigenistas ou

de esquerda em outros países sul-americanos, como o Brasil, Paraguai, Bolívia, Peru,

Argentina, Paraguai e Uruguai.

Considerando o quadro de instabilidade na América do Sul e a possibilidade de uma

crescente mobilização contra as ações norte-americanas, os objetivos de Washington parecem

constituir-se primeiramente na eliminação ou enfraquecimento das guerrilhas e o aumento de

40

PETRAS, James. Op. Cit., p.40.

32

sua influência sobre o Equador, para dessa forma isolar Hugo Chávez do restante do

continente, para a partir dessa etapa provocar a desestabilização interna nesses países e

reconsolidar o poder norte-americano na América do Sul.

James Petras ainda admite a dualidade na questão do petróleo, o que de certa forma

poderia justificar a cautela dos Estados Unidos em lançar uma intervenção militar sobre a

região como um todo, onde os assuntos relacionados ao petróleo acabam por constituir-se em

“uma faca de dois gumes: um estímulo para uma política intervencionista (como o Plano

Colômbia, a intervenção contra a junta popular equatoriana) e um palanque de poder para

desafiar a dominação dos Estados Unidos, como demonstrou Chávez” 41

. Ou seja, uma

intervenção mais forte por parte dos Estados Unidos poderia ser vista como uma agressão

contra a soberania dos países latino-americanos, exaltando os ânimos e os ideais nacionalistas

e antiamericanos nos países em questão, dificultando ainda mais a penetração e influência do

norte nessa região, em detrimento dos líderes que defenderiam a soberania de seus países

apoados pela massa popular.

Com o governo de Bill Clinton voltando novamente suas atenções para a América

Latina, o processo de reaproximação da política e economia da região possuiu como

importante passo a criação e aplicação do Plano Colômbia, sob o pretexto de combate ao

narcotráfico, que estaria atuando como agente desestabilizador da política, economia e

sociedade mundiais. Atuando mais efetivamente no combate às guerrilhas colombianas, que

segundo o discurso norte-americano estariam profundamente envolvidas com os traficantes, o

plantio da coca e a produção da pasta base da cocaína, a suposta ajuda econômica e militar

dos Estados Unidos acabaram por aumentar a insegurança entre os países vizinhos, voltando

as atenções à guerra interna colombiana, aumentando proporcionalmente o volume de

combatentes, conflitos e violência no país.

A situação instável no território colombiano, o aumento efetivo de tropas e operações

militares norte-americanas, os países vizinhos ao conflito foram obrigados a adotar (ou

reforçar) suas posturas perante o conflito que aumentava em vários aspectos. No caso do

Brasil, o vazio demográfico da região amazônica (difundido principalmente pelo ponto de

vista de militares, que não consideravam a população indígena local, dando ênfase à ausência

do brasileiro de origem européia na área) obrigou o país a reforçar o patrulhamento, o efetivo

e avançar no desenvolvimento de projetos como a reativação e modificação do Calha Norte e

a aceleração no planejamento e execução do sistema de vigilância nacional, o Sivam. Tal

41

PETRAS, James. Op. Cit., p. 42.

33

situação tornou-se ainda pior após os atentados de 11 de setembro de 2001, e a conseqüente

cruzada contra o terror do governo de George W. Bush que passou a atuar com mais

veemência contra qualquer atitude considerada ameaçadora à soberania norte-americana ou à

segurança da sociedade ocidental.

O Plano Colômbia, assim como as demais discussões e ações que o sucederam

acabou por ampliar uma situação de conflito estritamente colombiano, com profundas raízes

históricas, englobando um montante muito maior de investimentos, tecnologia, armamentos,

homens e violência, reorientando ainda as preocupações dos países fronteiriços com a

possível ampliação do conflito em território não-colombiano e a possibilidade da intervenção

militar norte-americana nos Estados onde o conflito extrapolaria a fronteira política com a

Colômbia.

34

2. O QUADRO COLOMBIANO E SEUS ATORES ARMADOS

Ao longo do século XX as FARC-EP (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia

– Exército do Povo) tornou-se um dos grupos armados mais significativos da

contemporaneidade devido tanto ao seu tempo de atividade (sua fundação oficial data de

1964) como pelas discussões e situações que surgiram em torno da violência, do narcotráfico,

da presença norte-americana e dos demais grupos guerrilheiros no país. Nesse sentido, as

informações veiculadas desempenham um papel importante tanto no âmbito da compreensão

do processo de uma maneira mais ampla quanto na produção de imaginários sociais, releituras

de fatos e informações com o objetivo de deturpar o modo como o inimigo declarado é visto.

Jean-François Sirinelli42

chama a atenção à necessidade de uma abordagem sócio-

cultural, que permite levar em conta na análise política, o passado e a marca da memória em

um grupo ou sociedade. Segundo o autor, pertencer a um mesmo grupo é partilhar um mesmo

conjunto de idéias, aceitando uma visão coletiva de mesmo passado e as mesmas esperanças

que constroem uma única noção de futuro. Sirinelli argumenta que cada grupo social tem uma

idéia formada de seu passado, e esta muitas vezes não reproduz fielmente os fatos ocorridos

nesse passado, pois essa nova leitura é de certo modo distorcida, alterada de acordo com o que

se passa no presente, assim como a concepção de um futuro ideal a ser conquistado por esse

grupo.

Segundo Sirinelli, a visão que um grupo tem do seu passado é essencial, pois é

através dessa leitura (que a princípio já pode ser considerada parcial, modificada ou

manipulada para melhor adequar-se ao discurso presente e seus objetivos) que a comunidade

vive seu presente e molda a representação do seu futuro, suas pretensões e esperanças. Nesse

contexto, as representações coletivas e os imaginários sociais misturam-se, tornando-se

essenciais para a análise e compreensão dos motivos pelos quais regimes ou determinadas

ações são legitimados ou não pela sociedade ou determinado grupo, desde que tal análise seja

devidamente reinserida no contexto histórico em questão. Ao identificar o discurso de um

grupo como as FARC-EP, ficam mais evidentes as decisões tomadas internamente, assim

como suas reações (de aceitação ou repúdio) a outras idéias e fatos, pois é através desses

elementos que o grupo define sua identidade, sua história e seus próximos passos.

42

SIRINELLI, Jean-François. Elogio da Complexidade in RIOUX, Jean-Pierre e SIRINELLI, Jean-François

(dir.) Para uma História Cultural. Lisboa: Estampa, 1988.

35

Bronislaw Baczko analisa mais profundamente a idéia de construção e manipulação

dos imaginários sociais como determinantes para a legitimação de um regime ou de um

governante no poder. Baczko retoma o discurso de Maquiavel em “O Príncipe” ao defender as

ligações entre a manutenção do poder e controle do imaginário, onde governar significa fazer

com que o povo acredite, veja aquele governante como legítimo, colocando a idéia de que o

que leva o homem (súditos, governados) a agir é “o coração”, ou seja, suas paixões e desejos,

cabendo a que detém o poder construir ou modificar esse discurso e controlar seus governados

através da manipulação de seus desejos, símbolos e ilusões, em resumo “o poder deve

apoderar-se do controlo dos meios que formam e guiam a imaginação colectiva”43

.

Por outro lado, Baczko também dá ênfase ao imaginário social construído pela

população ou determinados grupos menores dentro dele, onde os valores, desejos e objetivos

colocados visam o bem-estar dessa população, que também deve ser absorvido,

compreendido, aceito pela sociedade para se conseguir legitimidade e apoio para, por

exemplo, a permanência de determinado grupo no poder ou para a realização de mudanças ou

revoluções propostas por outros grupos: “fazer a revolução implica necessariamente abrir-se

ao imaginário que ela produz, partilhar os mitos e as esperanças que dela brotam, vive-la em

um momento único em que tudo se torna possível”44

. Em outras palavras (e neste caso

aplicando-se à situação colombiana) mesmo grupos insurgentes como as FARC-EP

necessitam de apoio popular, legitimidade para suas ações, desenvolvendo um discurso que

evidencie as dificuldades que passa a população, construindo uma imagem de futuro baseado

nas idéias e esperanças desse povo.

Para Baczko, a permanência no poder e legitimidade frente a sociedade só se

consegue controlando o imaginário social, construindo um discurso que as pessoas acreditem

ser uma saída para as situações difíceis ou para se manter o status quo. Portanto, todo poder

deve impor-se como legítimo, mas para isso precisa controlar (ou melhor, manipular) os

sentimentos da sua população, assim como atribuir ao seu discurso elementos que passem a

idéia (ou a ilusão) de que os detentores do poder governam baseados nas necessidades e

interesses dessa população, incorporando a esse mesmo discurso suas relações simbólicas e

seus ideais de futuro e vida melhor.

Devido à força e a visibildiade obtidas, tornou-se corriqueiro na Colômbia o fato de

dar crédito às FARC-EP a qualquer atentado, massacre ou conflito armado que ocorra no país

(principalmente a partir das décadas de 1980 e 1990), desconsiderando a existência de

43

BACZKO, Bronislaw. Imaginação Social in Enciclopédia Eunaudi, volume 5, 1985, p. 302. 44

Ibidem, p. 303.

36

dezenas de outras guerrilhas ou grupos armados que também atuam no cenário colombiano,

com reivindicações, características e idéias distintas (e muitas vezes contrárias) às FARC-EP,

deixando para segundo plano a atuação, por exemplo, das Autodefensas Unidas de Colombia,

a AUC, conhecida pela extrema violência aplicada a simpatizantes das guerrilhas de esquerda

e atuação dos seus “esquadrões da morte” contra civis. Na fronteira brasileira com a

Colômbia, durante algum tempo e conforme veiculado por determinados meios de

informação, qualquer pessoa fardada vista nas proximodades das divisas é logo considerada

integrante das FARC-EP, que estariam planejando a invasão do país ou refúgio em território

brasileiro, ou mesmo a instalação de redes de narcotráfico no Brasil.

Um dado interessante é que os jornais colombianos, intelectuais pró-governo ou

mesmo norte-americanos sempre se referem ao grupo simplesmente como FARC, embora o

grupo tenha adotado oficialmente a sigla EP em 1982, ano em que consideram importante

devido às ações e idéias que o grupo assumiu neste ano, autodeclarando-se “Ejército del

Pueblo”, na tentativa de aproximar-se mais da população e combater as acusações de se

constituírem de narcotraficantes, assassinos e bandidos em geral.

Nesse aspecto, é importante notar a maneira segundo a qual os fatos são narrados

pelos diferentes grupos que se enfrentam, assim como a linguagem e os objetivos presentes

nos discursos. Cabe-nos aqui analisar a maneira com que as FARC-EP interpretam e repassam

determinados fatos, legitimando assim seu passado e sua luta, como se fosse uma apropriação

da memória e releitura do passado, criando-se assim um “passado em comum” que identifica

e une os integrantes de determinado grupo social e aproxima, neste caso, a guerrilha da

população.

Com o passar do tempo a guerra civil colombiana acabou ganhando proporções antes

inimagináveis, na medida em que os conflitos se desenvolviam e fatores históricos e sociais

eram reforçados por novas questões, além do surgimento ou fortalecimento de distintos

grupos armados. A partir da década de 1990, quando o narcotráfico e forças externas como os

Estados Unidos passaram a interferir com mais veemência (direta ou indiretamente) no

conflito. Os altos investimentos em armamentos passaram a ser uma regra básica para a

sobrevivência dos grupos insurgentes, visto o grande poderio que as forças rivais poderiam

receber com os dólares do tráfico e dos Estados Unidos.

Para tanto, torna-se necessário uma breve explanação sobre as principais forças

atuantes na Colômbia na década de 1990, sem deixar de lado as raízes históricas de cada

grupo e seus ideais, mostrando um panorama de conflito complexo, com o narcotráfico e os

Estados Unidos atuando como agentes potencializadores e desestabilizadores dos conflitos

37

realizados até então no país. Juntamente com as FARC-EP, outros grupos armados também

atuam no país, sendo afetados pelos chamados fatores desestabilizadores citados acima. Entre

os atores armados, além das FARC-EP, detaca-se a trajetória (quase comtemporânea a essa

primeira) do Exército de Libertação Nacional (ELN) e as autodefesas contrárias às guerrilhas,

condensadas na AUC, que na década de 1990 conquistou espaço e poder no cenário em

questão.

2.1 O ESTOPIM: JORGE ELIÉCER GAITÁN

Para se compreender melhor os motivos de um grupo armado como as FARC-EP

ainda estar ativo até os dias atuais, é necessário contextualizar o surgimento das guerrilhas na

Colômbia e a situação em que se encontrava o país no momento em que esses grupos se

formaram. Para tanto, seria preciso voltar aos fatos que levaram o país a uma verdadeira

guerra civil em 1948, cerca de dezesseis anos antes do nascimento oficial das FARC-EP. O

período de guerra civil conhecido como La Violencia (1948-1956) teve como estopim o

assassinato de um grande líder popular colombiano: Jorge Eliécer Gaitán.

O quadro político colombiano se configurava, no período, em um sistema

bipartidarista, embora entre seus líderes as disputas ideológicas já não eram tão fortes quanto

nos primeiros anos pós-independência. Combatendo essa espécie de “comodismo” presente

entre os liberais e conservadores do páis, o discurso voltado às massas de Gaitán logo ganhou

grande apoio popular.

Filiado ao Partido Liberal, Gaitán não poupava a oligarquia colombiana de ambos os

partidos nos seus discursos ao público, direcionando-lhes sérias acusações e críticas. Em

pouco tempo Gaitán já era visto pela população (principalmente nas áreas próximas a Bogotá)

como o próximo presidente colombiano, o que constituiria em uma séria ameaça aos líderes

de ambos os partidos, caso Gaitán pretendesse colocar em prática o que dizia em seus

comícios.

O Partido Liberal decidiu apoiar a candidatura de Gabriel Turbay para as eleições de

1946. Gaitán, contrariando o partido, também lançou sua candidatura, provocando uma cisão

entre os votos dos liberais, dando a vitória a Mariano Ospina Pérez e o Partido Conservador.

Depois de dezesseis anos de governo liberal, os Conservadores voltavam ao poder com cerca

38

de 523 mil votos, 200 mil a menos do que os votos dos dois candidatos liberais somados

(Turbay com cerca de 401 mil e Gaitán com aproximadamente 332 mil)45

.

Gaitán ganhou fama entre os trabalhadores do país inicialmente por defender os

funcionários no ataque e protestos contra a norte-americana United Fruit Company em 1928 e

posteriormente por propor reformas sociais na legislação do país, afirmando que as

oligarquias exploravam as massas de trabalhadores colombianos. Devido ao seu grande apoio

entre as massas e o apoio do Partido Comunista Colombiano (nesse período ainda ilegal),

Gaitán teria se transformado para seus adversários de liberal de centro-esquerda para

comunista, embora ele nunca tenha se declarado como tal. Sobre os atos de Gaitán, Harry

Berstein escreve:

He grew so prominent as to be fightening the Conservatives from 1942 to 1948. He

had great oratorical and demagogic appeal for the masses. Ambitious, able, popular

as much because of his promises as for his speakink ability, Gaitán was the major

postwar figure of the left. 46

Gaitán possuía uma oratória invejável e grande presença diante das massas, gerando

grandes entusiasmos, o que alguns autores chegaram a identificar como “populismo

gaitanista”. Dentre seus críticos, há os que o coloca como um admirador de Mussolini e um

demagogo que “falava como Hitler” às multidões (Nas palavars de Berstein: “a ´demagogue´

who ´talked like Hitler´, a political leader of loose promises or a vociferous enemy of the

whealty oligarchy”47

), embora Gaitán tivesse grande presença perante as multidões em seus

discursos como Hitler ou mesmo Juan Perón (com quem também foi comparado), as demais

analogias parecem não passar de generalizações ou ataques pessoais.

Gaitán ainda é visto nos dias atuais por muitos colombianos como um homem

honesto e defensor dos interesses das massas. Seu suposto assassino Juan Roa Sierra (que

investigações posteriores o classificaram como admirador de Gaitán) teria disparado três tiros

contra seu ídolo, sendo perseguido e assassinado pelas pessoas que teriam presenciado a cena

momentos depois do fato, embora nenhuma testemunha tenha realmente o visto efetuar os

disparos, a versão mais aceita nos dias atuais é que Gaitán teria sido assassinado a mando da

oligarquia conservadora, embora sua morte também fosse pretendida por alguns setores

dentro do Partido Liberal.

45

BERSTEIN, Harry. Venezuela & Colombia. New Jersey: Prentice Hall, 1964, p. 137. 46

Ibidem, p. 138. 47

Idem.

39

Segundo documentos das FARC-EP, Gaitán “preocupaba a la burguesia

conservadora tanto quanto la liberal y hasta a la CIA que fue precisamente quien planeó su

asesinato”48

. Nesse discurso já se percebe a tendência esquerdista do grupo, assim como a

tentativa de colocar indícios da presença ou interesse norte-americano no país, incorporando

assim a idéia de que o “invasor” do presente teria sido o responsável pela morte de um herói

nacional.

A teoria de que agentes da CIA teriam sido os responsáveis pelo assassinato de

Gaitán é defendida também por sua filha, Gloria Gaitán, embora na data em questão, aos

norte-americanos não interessava a eclosão de conflitos em Bogotá, visto a realização da 9ª

Conferência Internacional dos Países Americanos com a presença do secretário de Estado

norte-americano George Marshall e o Congresso Latino-americano da Juventude, com a

presença de Fidel Castro (estudante, com 21 anos de idade, na qualidade de representante da

Federação de Estudantes Universitários, a FEU), com quem Gaitán iria se encontrar na tarde

em que foi assassinado.

O fato é que o assassinato de Gaitán nas ruas de Bogotá em nove de abril de 1948

gerou uma grande revolta popular que pedia pela derrubada de Mariano Ospina Pérez. O

conflito com a polícia nacional, na tentativa de acabar com os saques e incêndios teria

provocado um saldo de centenas de mortos (embora algumas fontes indiquem três mil mortos

em um dia em Bogotá e cidades vizinhas). O fato, conhecido como Bogotazo mobilizou

grande parte da população de Bogotá e se espalhou por outras cidades colombianas, vilas e

estradas também com saldos desastrosos (devido também ao fato de que alguns líderes

liberais das revoltas teriam tentando voltar atrás e acalmar os ânimos da população, segundo

fontes como as FARC-EP, em troca de cargos políticos).

As revoltas e os conflitos inauguraram o período conhecido como La Violencia, que

teria resultado em cerca de 300 mil mortes entre 1948 e 1958 (embora haja discordâncias

sobre esses números). Em pouco tempo a violência teria absorvido as disputas políticas entre

as pessoas, visto que a polícia agia sob o comando do Partido Conservador (da situação)

enquanto a maioria dos que protestavam contra o assassinado de Gaitán eram simpatizantes

dos Partidos Liberal e Comunista. Para as FARC-EP, a oligarquia conservadora teria

mandado atacar e acabar com qualquer manifestação considerada perigosa contra o governo.

É nesse contexto que surgiram os primeiros grupos armados do país. A primeira

autodefesa seria formada em 1949 em Chaparral (departamento de Tolima) “como respuesta a

48

FARC-EP. El Dolor que se Convierte en Ira: Jorge Eliécer Gaitán. Disponível em

www.farcep.org/aniversario/especial40aniv/01.html.

40

la política de sangre y fuego del régimen” onde “´Pájaros´ y ´Chulavitas´ sembraban la muerte

en el país”49

(é importante notar que posteriormente o termo pájaros referente aos primeiros

bandos criminosos será usado para se referir aos guerrilheiros das FARC-EP, enquanto o

termo galinazos será usado como referência aos grupos paramilitares).

Muitos dos grupos armados que se formaram nesse período eram constituídos por

criminosos e mercenários, enquanto outros eram formados por pequenos agricultores com o

objetivo de defender as suas terras de possíveis invasores. A violência no campo e na cidade

cresceu e logo ser simpatizante de um dos partidos se tornou motivo para ser assassinado ou

se tornar assassino de alguém que simpatizasse com o partido oposto.

Segundo a visão das FARC-EP, os conservadores teriam comandado os massacres

por todo o país, inclusive na zona rural para eliminar as ameaças de Ospina Pérez perder a

presidência. É nesse contexto que teriam surgido as primeiras autodefesas, que logo se

constituiriam nas primeiras guerrilhas organizadas do país.

2.2 VIOLÊNCIA E RAÍZES DAS FARC-EP

Com o país atravessando uma verdadeira guerra civil, em 1950 Laureano Gómez

assumiu a presidência da Colômbia (Gómez foi candidato único, já que seu concorrente, o

liberal Dario Echandía foi obrigado a renunciar após denúncias de que estaria envolvido no

assassinato de Gaitán). Nas tentativas de se acabar com os conflitos que se tornaram mais

intensos na planície oriental (llanos orientales) e nas montanhas, o então presidente ordenou

que o exército agisse com mais veemência contra os grupos armados. Para as FARC, Gómez é

visto como o mais bárbaro dos presidentes colombianos (“el peor de los godos”) por reduzir

as liberdades civis, sindicais e da imprensa teria comandado um massacre contra a população

colombiana principalmente nas áreas rurais.

Com o afastamento de Gómez por problemas de saúde em 1952, seu substituto

interino, Roberto Udaneta Arbeláez teria continuado a enviar tropas a fim de “pacificar” as

regiões em conflito. Em 1953 o comandante do Exército Gustavo Rojas Pinilla assumiria o

país após um golpe militar, segundo o colombiano Alfredo Molano apoiado pelos dois

partidos colombianos e por Washington:

49

Idem. Cronología de las FARC-EP. Disponível em

http://www.farcep.org/aniversario/especial40aniv/crono.html.

41

Backed by Washington's National Security Doctrine and a $170 million U.S. loan,

Rojas Pinilla began bombing guerrilla and opposition peasant positions. The

guerrilla movement tried to dig in and hold out in the highlands, but was ultimately

forced to retreat to the jungles of the Andean foothills.50

Molano, assim como outros autores, considera os ataques praticados pelo Exército

colombiano, a Polícia Nacional e posteriormente as tropas norte-americanas como

responsáveis diretos pela força do discurso dos grupos insurgentes entre a população do

campo, visto que estes, mais próximos dessas pessoas, estariam agindo em conjunto a fim de

se defender das ações de um governo violento e repressor. Devido também às suas raízes

militares, a partir do governo de Pinilla, as agressões às autodefesas assumiram um caráter

mais direto e efetivo.

Com a maioria das autodefesas apoiadas por lideranças de orientação comunista,

uma resposta encontrada pelo Exército foi considerar tais grupos como inimigos diretos do

Estado. Um ataque realizado contra um bando armado em Villarica teria provocado entre a

população da região o surgimento de novos grupos considerados importantes para a formação

das FARC-EP.

Após esse ataque, teriam se formado os comandos de Guayabero e El Pato, que logo

passaram a agir junto com os grupos de Riochiquito, Símbula e Marquetalia, já dirigido por

Jacobo Prías e Manuel Marulanda Vélez. Nesse período as autodefesas já parecem agir com

certa autonomia, além de possuir comandos mais ou menos organizados, embora ainda

fossem carentes em recursos, armamentos, alimentação, planejamento, entre outros fatores, ou

seja, as primeiras autodefesas colombianas constituíam-se de grupos precariamente

equipados, formanos na sua maioria por civis rurais, objetivando uma maior proteção com a

ação em conjunto.

Em um bom número de textos das FARC-EP, é possível notar a idéia de que as

autodefesas se desenvolveram como uma resposta aos freqüentes ataques das forças

comandadas pelo governo, fazendo parte do imaginário do grupo por um longo período,

defendendo que o governo e a opressão teriam obrigado os camponeses a pegar em armas e se

organizar para sua própria sobrevivência, sendo evocada sempre que o governo lançada algum

ataque mais forte contra os grupos insurgentes.

Tal idéia também é discutida em um texto do colombiano Eduardo Pizarro

Leongómez que mostra que em vários momentos em que as autodefesas e posteriormente as

50

MOLANO, Alfredo. The Evolution of the FARC. Disponível em

http://www.icdc.com/~paulwolf/colombia/molano.htm

42

guerrilhas encontravam-se enfraquecidas, os ataques do governo tratavam de fortalecê-las,

dando novo fôlego perante a população, legitimando sua luta de defesa frente um governo,

segundo as FARC-EP, injusto e contrário ao povo. Apoiado na idéia de historiadores como

Pierre Gilhodès, Leongómez escreve: “Las autodefensas campesinas de influencia comunista

se habrían mantenido como tales y, probablemente, con el correr del tiempo se hubieran

extinguido lentamente”51, ou seja, para Leongómez o discurso das guerrilhas faz sentido na

medida em que culpa as ações repressivas do governo como responsáveis pela violência e

fortalecimento dos grupos insurgentes.

Em 1957, uma junta militar derrubou o então ditador Pinilla do poder, estabelecendo

o cessar-fogo entre as tropas do governo e os demais grupos armados. A proposta de anistia

de Pinilla resultou, a curto prazo, na deposição de armas de um grande número de grupos que

atuavam principalmente na zona rural do país. Uma promessa de financiamento para o cultivo

de novas lavouras (com sementes, ferramentas e máquinas agrícolas) teria sido mais um passo

para o processo de pacificação da população do campo, que constituía um grande número dos

grupos armados.

É também em 1957 que foi fundado o que as FARC-EP chamam de Movimento

Agrário de Marquetalia, segundo eles um grupo de camponeses reunidos para sua própria

subsistência, embora o grupo de Marulanda fosse um dos poucos que não entregaram suas

armas sob o pretexto de defender os agricultores de possíveis grupos de assaltantes. Mesmo

após o cessar-fogo, alguns grupos mais violentos (os chamados “pájaros”) continuavam na

ativa praticando assaltos e assassinando famílias para tomar suas terras e vender a grandes

proprietários locais.

A junta militar ainda teria instituído a política da Frente Nacional, onde os dois

partidos se alternariam no poder a fim de não gerar mais disputas entre seus seguidores. As

guerrilhas colocam esse fato como mais uma agressão contra a população, visto que as elites

continuavam no poder e o povo mesmo votando não conseguiria eleger seu presidente. O

liberal Alberto Lleras Camargo foi o primeiro presidente eleito pela Frente Nacional, que

perdurou até 1974, tendo concedido nesse período o poder a dois presidentes de cada partido.

Com o governo da Frente Nacional instaurado e o fracasso da ajuda prometida aos

camponeses para a resstruturação das culturas alimentares no campo, logo as autodefesas

voltaram a crescer com a insatisfação popular, dessa vez com maior apoio de lideranças

51

LEONGÓMEZ, Eduardo Pizarro. Marquetalia – El Mito Fundacional de las FARC. Periodico de la

Universidad Nacional de Colômbia. Disponível em: unperiodico.unal.edu.co/57/03.htm. Acesso em 27 de julho

de 2005.

43

comunistas. No início de 1960 o assassinato de Jacobo Prías (conhecido também como “el

Charro Negro”), um importante líder comunista entre as autodefesas provocou a mobilização

de outros grupos armados, principalmente o grupo de Marquetalia, sob a liderança de

Marulanda. As FARC-EP consideram o assassinato de Prías a mando do governo colombiano

como o estopim que teria desencadeado a revolta popular na região e a reorganização de

grupos que logo dariam origem às FARC-EP, onde mais uma vez uma agressão do governo

teria os obrigado a pegar em armas.

Em 1962 com a posse do conservador Guillermo Leon Valencia na presidência e o

apoio norte-americano para o combate a focos comunistas nos Estados latino-americanos, o

Exército teria recebido a ordem de atacar o movimento de Marquetalia. A resistência dos que

defenderam o local logo aumentou a fama e a força do grupo na região, sendo tal fato

exaltado inclusive nos dias atuais a fim de mostrar aos novos guerrilheiros a garra dos que

lutam pela sua causa. No ano seguinte, dezesseis camponeses teriam sido assassinados no

Canyon de La Troja, em Natagaima ( departamento de Tolima). O suposto massacre teria

provocado a formação do grupo 26 de Setiembre, que também se levantou contra o governo.

2.2.1 MARQUETALIA: O ATAQUE, O MITO FUNDADOR E O DESENVOLVIMENTO DO GRUPO

O ano de 1964 tornou-se então um momento chave para a guerrilha. É no episódio

do ataque a Marquetalia que se encontra grande parte dos ideais e motivação das FARC como

um grupo armado coeso. A memória do ataque configurou-se no mito fundador do grupo,

conhecido por qualquer integrante como o dia eu que o governo cruel, violento e subordinado

aos Estados Unidos pretendeu eliminar os camponeses de Marquetalia. Todo o imaginário

construído e reinterpretado em Marquetalia dá uma noção de passado em comum, partilhado,

além da legitimidade para sua luta no presente.

Com informações sobre um possível ataque, em 11 de abril de 1964, a mando do

Partido Comunista foram enviados para Marquetalia Hernando González da Costa e Jacobo

Arenas (que posteriormente se tornaria um dos mais carismáticos e importantes líderes do

grupo) a fim de orientar os homens que ali estavam e ajudar na resistência do acampamento.

A data exata considerada como fundação do grupo é a do primeiro ataque ao acampamento,

realizado em 27 de maio de 1964, sendo o primeiro dia de um confronto que teria durado

semanas.

44

Em um ambiente de Guerra Fria, os Estados Unidos adotaram políticas mais rígidas

ao impor seu poderio militar a qualquer ameaça comunista nos países latino-americanos,

objetivando afastar as ameaças vindas da União Soviética das áreas que deveriam ser

consideradas de controle norte-americano. As intervenções norte-americanas na região já

datavam de antes da Guerra Fria como a independência do Panamá (antes território

colombiano) e controle sobre o canal em 1903.

O ataque a Marquetalia teria recebido apoio de aviões norte-americanos que

bombardearam o local. Tal cooperação fazia parte do chamado plano LASO (Latin America

Security Operation) que visava combater qualquer ameaça comunista na América Latina.

Com base nesse plano, o governo colombiano classificou o grupo de Marquetalia como uma

das mais fortes Repúblicas Independentes que estariam tentando se instaurar no país, com um

forte viés comunista.

As chamadas Repúblicas Independentes seriam formadas na sua maioria por

camponeses oriundos das primeiras autodefesas, que se recusavam a aceitar a legitimidade do

governo da Frente Nacional. O caráter comunista dessas comunidades era, para o governo

colombiano e para os Estados Unidos, possíveis focos comunistas que, caso prosperassem, se

constituiriam como uma ameaça que se espalharia por toda a América Latina. Seriam

“bolsões comunistas” brotando dentro do território capitalista.

Nos seus textos sobre seu próprio passado, as FARC-EP afirmam que Marquetalia

seria apenas uma associação de camponeses organizados, portanto não seria a suposta décima

sexta República Independente, visto que estas estavam espalhadas pelo país de maneira

aleatória, porém outros autores como Alfredo Molano afirmam que Marquetalia seria

realmente a mais forte das Repúblicas Independentes no território colombiano.

O fato é que no período, o grupo reunido em Marquetalia já possuía certa força

como grupo de resistência ao governo, possivelmente o mais importante do país. A associação

dos camponeses de Marquetalia às Repúblicas Independentes seria vantajosa, pois permitiria

a intervenção de tropas norte-americanas no conflito. A extrema violência e os números do

combate acabaram por enaltecer a luta. Segundo um texto das FARC-EP:

Fue éste el mayor operativo militar llevado a cabo hasta el momento en Colombia.

La resistencia armada se fortaleció para repeler semejante agresión, durante meses

un pequeño y valeroso grupo de 48 hombres dirigidos por Manuel Marulanda Vélez

se transforma en guerrilla móvil, enfrentándose a un poderoso arsenal bélico

45

conformado por 16 mil soldados del ejército colombiano dotado de los más altos

pertrechos y la mayor tecnología.52

A violência aplicada, a dificuldade de se tomar o lugar e a resistência dos poucos que

sobreviveram ao combate deu grande força à causa de Marquetalia e seus líderes contra o

governo, tornando-se posteriormente um forte símbolo e exemplo de luta entre os

combatentes:

La desigualdad entre los oponentes, la injusticia producida en un hecho de semejante

envergadura dio como respuesta el repudio de gran parte de la sociedad colombiana,

las ciudades comenzaron a mostrar su indignación, las paredes eran testigos del

repudio ya que aparecían escritas con fuertes consignas reprobando los hechos.53

Nesses dois trechos escritos pelas FARC-EP, pode-se notar o caráter heróico dos que

resistiram a um combate considerado covarde contra poucos camponeses. No segundo trecho

evidencia-se mais ainda o caráter mobilizador do fato, onde a sociedade teria se colocado em

favor dos injustiçados, colocando-se contra o governo. Esse tipo de linguagem é marcante e já

mostra como o fato reinterpretado pode ganhar força em significados, pela proximidade das

guerrilhas à população mais carente, que acredita que a luta armada pode ser uma alternativa

para garantir melhores condições de vida, já que o governo não pode realizar.

Nesse contexto de construção de imagens para a população e a criação de

imaginários sociais que coloquem essa população do lado da guerrilha, a produção cultural

dos guerrilheiros (canções, textos, histórias, poemas, entre outros) mostra-se como mais uma

importante arma. Mais do que documentos oficiais do Estado Maior Central, discursos ou

comunicados à população, a produção cultural parece aproximar mais a população com o

guerrilheiro, expressando seus sentimentos, sonhos e relatos da sua realidade em textos de

caráter literário e canções espalhadas nas áreas próximas aos acampamentos da guerrilha.

O as operações realizadas pelo Exército mostraram-se incapazes de tomar

Marquetalia e seus fracassos frente a opinião pública trouxeram mais força e experiências ao

grupo: “Su nueva concepción de lucha contra guerrillera no pudo contra la incipiente guerrilla

52

FARC-EP. Ataque que Transciende Froteras: Marquetalia. Disponível em

www.farcep.org/aniversario/especial40aniv/03.html. 53

Idem.

46

ni contra la voluntad del pueblo que repelía esos ataques”54

. Novamente é possível notar a

idéia de que o grupo resistente seria uma representação do povo. O documento, porém não

mostra que após três semanas de combates, os 48 sobreviventes de Marquetalia se retiraram

enquanto o Exército finalmente tomava o local, inaugurando uma nova etapa onde as

autodefesas converteriam-se em guerrilhas móveis, ao que tudo indica mais amadurecidas no

que se refere à suas ações e idéias frente o governo.

No imaginário difundido dentro do grupo, os sobreviventes de Marquetalia teriam

realizado uma manobra estratégica, passando a atuar imediatamente como uma guerrilha

móvel enquanto os soldados avançavam sobre o acampamento, ou seja, para os guerrilheiros,

na invasão do acampamento não houve a vitória das forças ofensivas, nem a retirada dos que

restaram, mais sim um ato de bravura na resistência dos ideais populares, mudando

subitamente a forma de agir do grupo.

No fim de julho de 1964 teria ocorrido a fundação do Programa Agrário de

Marquetalia, já com pretensões de se chegar ao poder central pela via armada, como única

alternativa deixada pelo governo, pois segundo os guerrilheiros "…obligados por las

circunstancias, nos tocó buscar la otra vía: la vía revolucionaria armada para la lucha por el

poder”55

. Em meados de 1965 os principais grupos guerrilheiros do sul de Tolima

(confluência com os departamentos de Huila, Cauca e Valle) reuniram-se formando o

chamado “Bloque Sur”, contando com representantes e lideranças dos destacamentos das

regiões de Marquetalia, Riochiquito, El Pato y Guayabero, 26 de Setiembre e outros

agrupamentos, na tentativa de traçar planos militares, organizacionais e de propaganda. No

ano seguinte com a realização da segunda conferência do Bloco Sul, o grupo foi rebatizado

como Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colombia, discutindo novamente formas de

organização, propaganda, financiamentos, entre outros, como a decisão de estender as ações

do grupo a outras regiões, dividindo o comando central em frentes distintas.

Decidiu-se na segunda conferência em 1966 que as FARC se dividiriam em seis

comandos, com grupos comandados pelos seus principais líderes: Ciro Trujillo, Joselo

Lozada, Carmelo López, Rogelio Diaz (considerado posteriormente traidor da causa

guerrilheira), “Cartagena” e o sexto comando dirigido por Manuel Marulanda Vélez e Jacobo

Arenas. Sobre as metas da conferência de 1966, pode-se destacar:

54

Idem. 55

Idem. Cronología de las FARC-EP. Disponível em

http://www.farcep.org/aniversario/especial40aniv/crono.html.

47

Se define un plan de crecimiento y de organización de masas. Se afirma que el

proceso revolucionario en Colombia sería un proceso largo para la toma del poder,

con la clase obrera y el pueblo trabajador. Se nombró un Estado Mayor, eligiéndose

a Marulanda como el Comandante Superior y a Ciro Trujillo como segundo al

mando. Se aprueba el estatuto de reglamento del régimen disciplinario y las normas

de comando.56

É importante notar no trecho o discurso de esquerda, nos moldes do Partido

Comunista Colombiano, definindo que a tomada do poder será lenta e valorizando a presença

dos trabalhadores e da população pela causa da guerrilha.

Ciro Trujillo, que segundo as FARC-EP era um grande guerrilheiro, ainda não teria

absorvido a noção de guerrilhas móveis, liderou uma ação onde teria convocado os demais

destacamentos das FARC (exceto o de Marulanda e Arenas) a se juntar a ele em uma ação

coordenada. Os grupos foram localizados pelo Exército que logo lançou uma ofensiva,

matando vários homens e tomando quase todo o armamento das guerrilhas. Estima-se que as

FARC tenham perdido nesse episódio cerca de 70% do seu contingente, debilitado a guerrilha

como um todo e fortalecido a liderança de Marulanda e Arenas.

Nos documentos da guerrilha não se pode notar exatamente os motivos para que Ciro

Trujillo traísse o grupo, mas em nome da imagem que tais textos tentam passar para os

demais guerrilheiros, pareceu mais viável associar a ação desastrosa de Trujillo a um ato de

traição do que um erro cometido por uma liderança do grupo. Marulanda, falecido em 2008

sempre foi considerado o principal nome da guerrilha, alcançando a lealdade e o respeito da

grande maioria de seus membros, assim como Jacobo Arenas mesmo após sua morte em

1991.

Embora a participação do Partido Comunista tenha sido importante para a formação

do movimento, as FARC-EP sustentam em seus discursos a idéia de que os ataques do

governo seria o principal responsável pelo seu surgimento. Os esforços e planos do Partido

Comunista na década de 1950 em transformar as antigas guerrilhas móveis em autodefesas

auxiliaram na melhor organização do grupo, porém os fatos tidos como o mito fundador das

FARC-EP e toda a carga simbólica que este traz colocam como fator chave a passagem

contrária, das autodefesas obrigadas segundo eles a se transformarem em guerrilhas móveis.

Nas palavras de Leongómez:

56

Ibidem.

48

Según este mito, las Farc no surgieron por iniciativa propia, sino como resultado de

una agresión externa. El movimiento guerrillero incipiente no habría sido quien le

declaró la guerra al Estado, sino, por el contrario, fue el Estado quien le declaró la

guerra a las organizaciones agrarias comunistas, las cuales se vieron obligadas a

defender su vida mediante las armas.57

Para o discurso das FARC-EP, mesmo que sua criação tenha sido planejada ou

resultado dos projetos do Partido Comunista, associar sua fundação ao ataque de Marquetalia,

classificando-o como a resistência de pessoas inocentes frente um ataque direto e covarde do

governo pode provocar muito mais comoção nas pessoas que se pretende que absorva tais

idéias, aproximando de certa forma a luta guerrilheira da população, buscando seu apoio e

legitimidade. Sobre as versões de Marquetalia, Leongómez conclui:

Marquetalia es leída por algunos como el inicio de una gloriosa historia de luchas

armadas de carácter revolucionario. Para otros, como un grave error histórico de las

élites colombianas que ha ensangrentado al país sin pausa ni tregua desde hace ya

cuatro décadas. El debate y la herida siguen abiertos. 58

Mesmo com os diferentes pontos de vista sobre Marquelalia e o desenvolvimento

dos conflitos entre as guerrilhas e o governo, a população civil colombiana sofre em meio aos

ataques, violência e retaliações na disputa entre governo, Exército, grupos paramilitares,

traficantes e guerrilhas. O ataque a Marquetalia e determinadas ações realizadas contra a

guerrilha contribuíram muito mais com sua força e a penetração de seu discurso na população

do que uma maneira efetiva de se erradicar as guerrilhas do país. Passados mais de quatro

décadas desde o ataque a Marquetalia e ao que tudo indica, o país parece estar longe de uma

solução para pôr fim à guerra civil que todos os anos consome milhares de vidas nas áreas

próximas ao conflito, principalmente em pequenas cidades e no campo.

2.3 O EXÉRCITO DE LIBERTAÇÃO NACIONAL (ELN)

Com uma forte influência do pensamento comunista e da Revolução Cubana (fator

este considerado comum na América Latina no período) o ELN foi fundado em 1964, sob a

liderança de Fábio Vasquez. A primeira ação do grupo teria sido a tomada de uma cidade por

pouco tempo no departamento de Santander. Apoiando-se em ideais de esquerda, da teologia

57

LEONGÓMEZ, Eduardo Pizarro. Op.Cit. 58

Ibidem.

49

da libertação, o descontentamento social e a presença de operários do setor petrolífero, o

grupo logo ganhou força em busca da via revolucionária para a justiça social e sua atuação

armada. O padre e guerrilheiro Camilo Torres colocava que a via armada era a única opção

deixada pelo governo depois que este assassinou o único homem em que o povo acreditava:

Jorge Eliécer Gaitán, portanto a revolução seria a única forma de atender aos interesses do

povo:

Quando o povo pedia um chefe e o encontrou em Jorge Eliécer Gaitán, a oligarquia

o matou. Quando o povo pedia paz, a oligarquia semeou a violência no país. Quando

o povo não resistia mais a tanta violência e organizou as guerrilhas para tomar o

poder, a oligarquia inventou o golpe militar para as guerrilhas, enganadas, se

entregassem (...) Agora o povo nunca mais acreditará. O povo não acredita nas

eleições. O povo sabe que os caminhos legais estão esgotados. O povo sabe que

resta apenas a via armada.59

Influenciado pelo pensamento do padre Camilo Torres, morto em 1966, os objetivos

primários do ELN se voltavam a uma noção de justiça, onde os ataques e os roubos do grupo

às grandes indústrias se converteriam em melhores chances para a camada mais baixa da

população. Diferentemente das FARC, o ELN não nasceu como uma autodefesa, mas sim

como um grupo armado de viés revolucionário, atuando inclusive na área urbana, com apoio

de estudantes, sindicalistas e parte do Partido Comunista (adeptos à Teologia da Libertação).

Caracterizando-se por um grupo violento, que punia com a morte os que de certa forma eram

contrários a seus líderes e ideais, muitos dos “traidores” do ELN preferiram se entregar ao

Exército, passando ao Estado informações valiosas sobre as principais lideranças e planos do

grupo.

Outro padre, Manuel Perez (conhecido como El Cura), que teria sucedido Camilo

Torres tornou-se o líder do movimento entre os anos de 1980 e 1998 (ano em que foi morto

pela malária), atuando no sentido de resolver problemas internos entre os guerrilheiros e

centralizar o poder para um melhor aproveitamento do contingente e definição dos rumos que

o grupo tomaria.

Na década de 1980 a guerrilha passou a atacar oleodutos e a rede elétrica na região

do litoral caribenho, obrigando as grandes empresas e seus sócios a pagar taxas que deveriam

ser revertidas em reformas sociais da região e na manutenção do grupo, evitando o confronto

direto com as tropas colombianas. No final da década de 1990 o grupo passou a atuar com

59

TORRES, Camilo. Mensagem aos Cristãos in LÖWY, Michael (org.). O Marxismo na América Latina. São

Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1999, p. 294.

50

seqüestros em massa e extorsões, em nome de novas taxas, que deram um maior retorno

econômico ao grupo, além de conseguir a atenção da mídia internacional para os motivos de

sua luta e a situação colombiana, o que para alguns autores, era o principal objetivo dos

seqüestros:

Os mais espetaculares episódios de retenção ou seqüestro não foram, contudo,

motivados pelo ganho financeiro, mas sim por uma estratégia (bem-sucedida) cuja

finalidade era atrair a atenção da mídia internacional. Tais episódios – todos

ocorridos na administração Pastrana – se deram na „retenção‟ dos passageiros e

tripulação de um vôo comercial em Bucamaranga, em abril de 1999; no seqüestro de

toda a congregação de uma igreja em Cali, no mês seguinte; e, finalmente, na

„retenção‟ de mais de 30 administradores de um resort nas proximidades de Cali, em

setembro de 2000.60

Alegando que o objetivo dos seqüestros em massa seria a visibilidade da mídia

internacional, o grupo defende que a grande maioria dos seus cativos não sofria maus tratos e

eram libertados em poucos meses, alegando o respeito do grupo pela vida humana, idéia essa

herdada das lideranças religiosas do ELN. Porém, é importante ressaltar a violência com que

estes agiam, resultando na morte de vários civis durante a execução de suas operações, além

do número de pessoas ainda cativas pelo ELN, entre eles 61 cativos desde 2000, 83 pessoas

dos seqüestros realizados em 2001 e 60 desde 200261

.

Com documento disponibilizado pela revista Semana, podemos ainda notar que o

número de cativos diminuiu consideravelmente nos anos seguintes (24 ainda cativos

seqüestrados em 2003, 7 em 2004, 4 em 2005, 1 em 2006 e 1 em 2007), provavelmente pelas

ações mais enfáticas do governo contra as guerrilhas, e uma reorientação das ações do ELN.

O grupo participou do processo de paz do governo Pastrana, cogitando, a exemplo das FARC-

EP, uma área livre para a negociação, o que não se concretizou.

Em um documento publicado pela revista Semana62

, o ELN estaria, segundo as

Forças Armadas Colombianas, com sérios problemas financeiros, devido à redução das ações

de seqüestros e ataques a oleodutos, ao sistema elétrico e de telecomunicações. Segundo cifras

consideradas oficiais (do Programa de Atención Humanitária al Desmovilizado), o grupo

60

ALVES, Marcos Celso. Um Mandato para a Paz: O ocaso da negociação entre o governo de Andrés

Pastrana e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (1998-2002). Rio de Janeiro, 2005. Dissertação

de Mestrado - Instituto de Relações Internacionais, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, p.53. 61

A Revista Semana colombiana publicou em 2008 uma lista com o nome completo das pessoas ainda estariam

em poder do ELN. Tal documento pode ser encontrado em: http://www.semana.com/documents/Doc-

1652_2008718.pdf 62

Semana.com. ¿Cómo va el ELN? Disponível em: http://www.semana.com/documents/Doc-6_2006216.pdf.

Acesso em 12 de dezembro de 2008.

51

teria perdido 982 guerrilheiros entre 2002 e 2005 por desmobilização, enquanto outros 2000

teriam se incorporado às AUC.

Fontes do Exército colombiano indicam nesse mesmo artigo que somente em 2004 o

grupo teria perdido 1063 homens, sendo que destes, 332 teriam sido capturados, 333

desmobilizados e 398 considerados “baixa” (mortos ou incapacitados), que no discurso

governamental, seria um triunfo da Política de Segurança Democrática do país, porém é

preciso considerar a impossibilidade em precisar o número de homens e mulheres nas fileiras

do ELN, assim como o número de mortos (pois estes são carregados pelos seus

companheiros) ou mesmo de desmobilizados.

Enquanto as Forças Armadas estimam os guerrilheiros do ELN em cerca de 3600

homens, o grupo defende possuir mais de oito mil mobilizados nas suas fileiras. O documento

ainda defende que o crescimento acelerado de outros grupos não significa que o ELN esteja

desmobilizado, visto que este estaria atuando com uma nova estratégia, agora com maior

ênfase nos setores sociais e de negociação com o governo, deixando para segundo plano a via

armada:

“Lo que ocurre es que se ve más el avance de los demás. Pero el Eln tiene más

capacidad política: insisten en dialogar en la Convención Nacional, proponen

acuerdos humanitários, están más en sintonia uma sectores sociales… Las FARC,

por el contrario, tienen uma actitud más militar”, dice Marco Romero, miembro de

la Comisión Facilitadora de los acercamientos entre el Gobierno y el ELN.63

Defende-se, portanto uma alteração nas estratégias traçadas pelo ELN, que teria

reduzido seus ataques a oleodutos, rede elétrica e comunicações, diminuído a quantidade de

ações de seqüestro (que se constituíam até então na principal fonte de renda do grupo). O

grupo ainda teria sofrido com o enfraquecimento da sua atuação em regiões consideradas

historicamente de influência do ELN, muito mais pelo avanço de grupos paramilitares do que

efetivamente das Forças Armadas da Colômbia.

O documento publicado pela revista Semana ainda aponta que, devido ao

crescimento da ofensiva paramilitar em algumas regiões, o ELN e as FARC-EP (vistos como

rivais) passaram a atuar em conjunto, inclusive com o segundo utilizando a rede social do

primeiro nas campanhas eleitorais. Finalmente, o documento ainda chama atenção para o

poder político crescente no ELN, em substituição ao seu poderio militar, que estaria

seriamente comprometido pela redução das ações de “financiamento” e o ataque mais efetivo

63

Ibidem.

52

das forças paramilitares. O governo argumenta, todavia, que o ELN está debilitado e

substituiu suas ações de seqüestro e extorsão devido à maior aproximação com o narcotráfico.

Um documento de 2002 da organização Internacional Crisis Group (ICG) disserta sobre a

necessidade de negociação com o ELN:

The more time passes without decisive progress toward peace, the more likely it is

that hard-liners on both sides will gain the upper hand. This could produce deeper

ELN involvement in criminal activities, including drugs, and military cooperation

with the FARC. Government advocates of a military solution would be

strengthened, as would the FARC‟s conviction that the only solution to the conflict

is military victory. 64

Segundo o IGC, o governo colombiano não deve ver o ELN como um grupo

debilitado, ocupando um papel menor na complexa situação do país (como foi tratado nos

processos de paz com o ex-presidente Pastrana), visto que o grupo poderia aliar-se a outros de

maior poderio. O documento considera a negociação de paz com o ELN essencial para o

fortalecimento ds negociações do governo com os grupos mais fortes, como as FARC-EP e a

AUC, ou seja, caso alcance um acordo de paz com o ELN, o governo poderia mostrar maior

poder para negociar com as demais forças insurgentes do país, caso contrário, o ELN poderia

de alguma forma se fundir a um desses grupos, como ocorreu nos últimos anos, com a

assinatura de acordos de cooperação entre o ELN e as FARC-EP no que se refere ao combate

à AUC.

2.4 AS FORÇAS PARAMILITARES E AS AUTODEFESAS UNIDAS DA COLÔMBIA (AUC)

A presença de grupos armados na área rural do território colombiano é uma realidade

desde a revolta popular de La Violencia em 1948. Naquele período, os grupos de autodefesas

possuíam tanto o caráter insurrecional dos grupos de esquerda, que anos depois foram

abraçados por intelectuais simpatizantes e o Partido Comunista, ou pequenos grupos

contratados por grandes fazendeiros, a fim de proteger suas terras da onda de violência que se

espalhava pelo país. Havia ainda grupos famosos pelas suas ações violentas em assaltos,

saques e assassinatos, seja em benefício próprio ou de quem os contratasse. Em 1964, o

64

International Crisis Group .Prospects for Peace with ELN, Latin America Report, n° 2, p. ii. Bogota/Brussels,

4 de outubro de 2002. Disponível em: <http://www.crisisgroup.org/library/documents/report_archive/A400790_04102002.pdf>. Acesso em

12 de dezembro de 2008.

53

governo promulgou a lei que legalizava a formação de milícias particulares a fim de cooperar

com as ações do Exército contra as autodefesas e grupos insurgentes.

Muitos desses bandos espalhavam-se pela Colômbia, com uma boa parcela

consquistando fama e o temor das comunidades próximas. Os primeiros bandos de “pássaros”

terima se formado primeiramente na região de Cali, formado por criminosos urbanos e rurais,

muitos deles libertados durante La Violencia, realizando ainda ataques a outros grupos e

povoados de maoir influência dos grupos insurgentes.

Algumas fontes apontam que o general Rojas Pinilla, ainda comandante da 3ª

Brigada do Exército em Cali, incorporou alguns desses homens aos quadros do exército

regular. Um dos bandos mais famosos do período foi o dos “pájaros azules” dirigida por Leon

María Lozano no departamento de Valle, temido pela violência empregada na execução de

civis e grupos considerados inimigos do governo. No decorrer das décadas de 1960 e 1970 as

milícias particulares perderam força, sendo revitalizadas a partir da década de 1980, quando

narcotráfico se desenvolveu no país.

Na tentativa de diminuir a influência das guerrilhas nas regiões de importância

estratégica para o cultivo da coca e refino da cocaína, os traficantes passaram a contratar um

volume maior de homens para proteger seus laboratórios das ameaças de extorção por parte

dos grupos insurgentes. Esses novos mercenários eram contratados para a realização de

massacres nos vilarejos suspeitos de apoiar as guerrilhas, que se infiltravam entre os

camponeses a fim de pressionar os traficantes para o aumento dos baixos salários pagos aos

trabalhadores.

Muitos camponeses dessas regiões se viam obrigados a abandonar seu trabalho nas

roças alimentares para cuidar das plantações de coca, devido à imposição da cultura por parte

dos cartéis de droga. Centenas de pessoas foram (e ainda são) assassinadas por grupos

paramilitares todo ano nessas regiões, acusadas de envolvimento ou algum tipo de simpatia às

guerrilhas; famílias e vilarejos inteiros são mortos simplesmente porque se negam a trabalhar

nas roças de coca, além do fato de que sempre tem mais gente interessada em trabalhar na

região para garantir uma forma de alimentar suas famílias.

Muitos desses grupos armados foram formados e financiados pela enorme quantia de

dinheiro advinda do narcotráfico e, segundo as guerrilhas de esquerda, do apoio financeiro

enviado pelos Estados Unidos para a formação de grupos para a realização do “trabalho sujo”

do Exército.

No final da década de 1990 e início da década de 2000, uma organização paramilitar

ganhou grande relevância como mais um ator armado no complexo teatro de operações

54

colombiano: as Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC), que contavam em 2005 com cerca

de 10 mil homens, atuando na proteção de terras de grandes proprietários, dos chamados

“barões da droga” e, como foi comprovado em 2008, políticos envolvidos com o narcotráfico.

Em menos de duas décadas a AUC foi responsável pela formação de grupos especializados e

fortemente equipados para o combate às guerrilhas insurgentes, sendo considerado o principal

responsável pelo enfraquecimento do ELN em regiões de importância política e econômica.

A AUC foi fundada oficialmente em 1997 através da fusão de dez grupos

paramilitares na região de Urabá, no departamento de Antioquia, área de grande influência

dos “barões da droga” e famosa pela ocorrência de massacres entre os trabalhadores das roças

de banana. Entre os principais grupos que originaram a AUC destacam-se Autodefesas de

Puerto Boyacá, as Autodefesas de Ramón Isaza e as Autodefesas dos Llanos Orientales, além

das Autodefesas de Córdoba e Urabá, chefiadas pelo líder da organização, Carlos Castaño.

No ano seguinte, a AUC contava com pouco mais de seis mil homens. Atuando pela via

ilegal, os grupos paramilitares ganharam relevância dentro do conflito, tornando-se aliados

informais do governo na luta contra-insurgência:

...obtuvieron un nivel de tolerancia o apoyo entre los sectores pudientes y de las

mismas autoridades en diferentes aspectos, situación alarmante para un estado de

derecho. Por otra parte, se convirtieron en una pieza funcional clave en la lucha del

Estado em contra de la guerrilla, a pesar de ser una fuerza ilegal, responsable de

multitud de violaciones a los derechos humanos y de crímenes de lesa humanidad, y

de estar estrechamente ligada con el narcotrafico.65

Com o passar do tempo, os grupos formados paraa proteção de território e

laboratórios de refino de cocaína, além de evitar a extorsão dos grupos armados, passaram a

atuar sistematicamente como “sabotadores” do processo de paz entre o governo e os grupos

insurgentes, organizando ataques, massacres e assassinatos a pessoas importantes para o

andamento das negociações. Ao defender os interesses econômicos dos narcotraficantes e dos

latifundiários, os grupos paramilitares conquistaram grandes somas de dinheiro para seu

financiamento, seja através de treinamento ou armas e equipamentos, conquistando, segundo

alguns autores, uma relativa autonomia, passando a atuar com estratégias mais elaboradas

para o ataque às guerrilhas e sua desarticulação. Castaño teria afirmado em 2000 que cerca de

70% dos rendimentos da AUC seriam provenientes do tráfico, atuando ainda na venda de

petróleo roubado no mercado negro e extorsões:

65

ROMERO, Mauricio. Nuevas Guerras, Paramilitares e Ilegalidad: Una Trampa Difícil de Superar.

Parapolitica – La Ruta de La Expansión Paramilitar y los Acuerdos Políticos. Bogotá, Nuevo Arco Iris:

2007, p.365. Disponível em: http://www.semana.com/documents/Doc-1493_200796.pdf.

55

The AUC also tapped other sources of income. As early as 2000 it was clear that it

was part of the cartel of groups that perforated the fuel pipelines to sell petrol on the

black market. According to the police, the AUC was responsible for 90 per cent of

the stolen petrol, worth $106 million in 2002 and $80 million in 2003.29 Extortion

from businesses and residents in areas under paramilitary control was another big

earner.66

O documento redigido pela ICG (International Crisis Group) ainda coloca que

empresas são vítimas de extorsão por parte do grupo, como a multinacional Chiquita Brands

(na região de Urabá e Santa Marta) que teria pago um total de US$1,7 milhão à AUC entre

1997 e 2004, sendo atualmente investigada por financiamento de grupos paramilitares.

Embora tal grupo não se declare contrário ao governo colombiano, sua relutância em depor as

armas e continuar a agir na ilegalidade acabam por agravar a já delicada situação bélica do

país, pois ao mesmo tempo que a AUC atua no combate às guerrilhas, seu financiamento vem

de dinheiro e organizações ilícitas (como o tráfico de drogas), além de diminuir a autoridade e

a atuação do governo nas áreas sob o controle ou influência das autodefesas.

Os grupos paramilitares são considerados os principais responsáveis dos massacres

ocorridos na Colômbia, sendo indiciados pelas organizações observadoras como os principais

violadores das leis humanitárias mundiais, sendo responsabilizados inclusive pelo assassinato

de milhares de pessoas ligadas à União Patriótica desde 1985, até sua desestruturação. As

estimativas apontam que “dentre 23.184 pessoas mortas pelos grupos armados entre 1988 e

1997, apenas 3.532 foram vítimas dos grupos guerrilheiros, enquanto 19.652 o foram de

outras organizações”67

. As estratégias paramilitares consistiam principalmente na

disseminação do medo e violência entre a população local, a fim de enfraquecer o apoio às

guerrilhas e controlar áreas produtoras de coca, consideradas pelos grupos armados uma fonte

de recursos devido à extorsão por parte das guerrilhas. Sobre os rendimentos das forças

paramilitares:

O envolvimento dos paramilitares com o narcotráfico se dava desde o

processamento da cocaína até a sua exportação. Por ocasião do processo de paz, essa

parceria assegurava-lhes um montante anual de cerca de 75 milhões de dólares, valor

que correspondia a 80% do seu orçamento total. Boa parte da sua receita advinha,

66

International Crisis Group. Colombia’s New Armed Groups. Latin America Report, n° 20, 10 de maio de

2007. Disponível em: http://www.semana.com/documents/Doc-1699_2008911.pdf, p.4. 67

Rabasa & Chalk, El Laberinto Colombiano – Propuestas para La resolución del conflicto. Apud ALVES,

Marcos Celso. Um Mandato Para a Paz: O Caso da Negociação Entre o Governo de Andrés Pastrana e as Forças

Armadas Revolucionárias da Colômbia (1998-2002). Rio de Janeiro, 2005. Dissertação de Mestrado - Instituto

de Relações Internacionais, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, p. 56.

56

também, da extorsão. Os paramilitares exigiam das populações rurais o pagamento

de cotas ditas “voluntárias” que, na prática, eram compulsórias, uma vez que, caso

os camponeses se recusassem a pagá-las, eles passavam ao rol dos suspeitos de

manter relações com o “inimigo”.68

Assumindo seu caráter bélico, a AUC ainda declarou-se contrária a qualquer tipo de

acordo ou concessão entre o governo e as FARC-EP durante as negociações com o presidente

Andrés Pastrana, defendendo que os grupos insurgentes deveriam ser sumariamente

eliminados pela via militar. Carlos Castaño, líder da AUC perdeu o pai e o irmão mortos pelas

FARC-EP respectivamente em 1981 e 1996.

Novos grupos paramilitares surgiram a partir de 2003 na Colômbia desde que o

governo de Álvaro Uribe passou a negociar a desativação do grupo de Castaño (que no

período possuiria um contingente de 30 mil homens e duas mil mulheres), como a

Organización Nueva Generación (ONG) na região de Nariño, substituindo as atividades de

um antigo bloco da AUC na área, com missões contra-insurgência e o controle sobre o

comércio e transporte de drogas, além do Aguilas Negras, atuando no norte de Santander,

interligando redes criminosas próximas à fronteira venezuelana, uma importante região de

fluxo de drogas69

.

Há ainda indícios de que vários blocos da AUC não aderiram ao processo de

pacificação, continuando a atuar de maneira autônoma. O surgimento de novos grupos

armados configura-se em uma situação preocupante para a Colômbia na medida em que estes

podem se desenvolver com o dinheiro obtido pelo tráfico ou extorsões, aumentando a

insegurança e os conflitos no país.

68

ALVES, Marcos Celso. Op.Cit., p. 57. 69

International Crisis Group. Colombia’s New Armed Groups.

57

3. O PLANO COLÔMBIA: O DOCUMENTO E SUAS VERTENTES

Plano Colômbia é o nome como ficou usualmente conhecido o “Plan para la Paz, la

Prosperidad y el Fortalecimiento del Estado” (e sua versão em inglês “Plan for Peace,

Prosperity, and the Strengthening of the State”). Esse plano foi desenvolvido e aplicado

durante a presidência de Andrés Pastrana (1998-2002) como uma forma de combater o

narcotráfico e a violência no país, através de várias estratégias, aplicadas determinadas áreas

como reformas econômicas, sociais, processos de pacificação com as guerrilhas e combate ao

narcotráfico.

O projeto de lei S1758 teria sido apresentado em 20 de outubro de 1999, na sessão

106 do Comitê de Relações Exteriores do Congresso norte-americano com o nome inicial de

“Alianza Act”70

. O documento final do Plano Colombia seria composto por 46 páginas,

estando disponível para consulta na página principal do governo colombiano, mas após o fim

do mandato de Pastrana, o documento não foi mais disponibilizado on line, devido à sua

substituição pela Iniciativa Andina de 2003 e o Plano Patriota em 2004, ambos muito mais

voltados para as operações militares norte-americanas no país. Nas palavras de José Arbex Jr.:

O Plano Colômbia, inicialmente previsto para terminar em 2005, foi apresentado

como uma estratégia de combate ao narcotráfico, e desse pretexto pretendeu extrair a

sua legitimidade: a guerra às drogas reúne, potencialmente, as qualidades de uma

bandeira universal. Mas o problema real, do ponto de vista da Casa Branca, nunca

foram as drogas, e sim a resistência oferecida pela guerrilha aos planos de

colonização da Amazônia.71

Estruturalmente o texto do Plano Colômbia é dividido em uma introdução redigida

pelo então presidente colombiano Andrés Pastrana, composto por um texto de caráter mais

geral analisando os problemas enfrentados pela Colômbia e uma lista contendo as dez

estratégias básicas do plano. Posteriormente, o texto ainda possui cinco capítulos: El Proceso

de Paz, Reencauzando la Economia, La Estrategia Antinarcóticos, La Reforma del Sistema

Judicial y la Protección de los Derechos Humanos e finalmente Democratización y

Desarrollo Social.

70

Visones Alternativas. Plan Colombia. Disponível em:

<www.visionesalternativas.com/militarizacion/geoestrategia/pcolom.htm>. Acesso em 13 de maio de 2007 71

ARBEX JR., José. Plano Patriota Prevê Nova Escalada Militar na Amazônia. Revista Pangea. Disponível

em: <http://www.clubemundo.com.br/revistapangea/show_news.asp?n=241&ed=7>. Acesso em 02 de outubro

de 2008.

58

Uma das únicas versões disponíveis do texto integral (em espanhol) está no site da

agência Venezuela Analitica72

. A versão em inglês (que teria sido fornecida pela embaixada

colombiana nos Estados Unidos) pode ser encontrada nas páginas do Center for Internacional

Policy´s e do United States Institute of Peace73

, porém nenhuma dessas três versões possui a

paginação original. Autores como o professor Manuel Salgado Tamayo afirmam que o Plano

Colômbia teria sido modificado em 1999 nos Estados Unidos, onde teria sido apresentado ao

Congresso:

El Plan circuló en Washington, en septiembre de l999, fue discutido primero en el

Congreso norteamericano, de su contenido se enteraron en primer lugar los medios

de comunicación norteamericanos. En suma: no fue conocido por el Congreso

colombiano, tampoco por su Comisión de Asuntos Exteriores, lo ignoró el Consejo

Nacional de la Paz, creado por Ley de la República y el tema no fue parte de la

agenda de la Mesa de Negociación y Diálogo entre el Gobierno y las FARC.

¡Excelente inicio para un proyecto nacional de democracia participativa!, podríamos

decir haciéndonos eco de otro de los contenidos que aparecen en su redacción.74

A mesa de negociação citada no trecho acima refere-se às tentativas de discussão e

diálogo entre o governo e as guerrilhas, principalmente as FARC-EP, onde representantes das

duas partes se reuniriam, muitas vezes mediados pro representantes internacionais para traçar

os possíveis caminhos que poderiam levar a Colômbia a um processo de pacificação. A

maioria dessas reuniões ocorreu dentro dos limites da Zona Desmilitarizada, mas não pareceu

ter alcançado resultados marcantes, visto que ambos os lados recusavam-se a ceder diante de

qualquer reivindicação do outro.

Segundo Tamayo, o projeto desenvolvido por Pastrana teria sofrido mudanças

principalmente na sua natureza e objetivos, pois na medida em que necessitava de auxílio

financeiro externo, principalmente dos Estados Unidos, teria sido modificado para sua

72

COLOMBIA, Presidencia de la Republica. Plan para la Paz, la Prosperidad y el Fortalecimiento del

Estado. 1999. Disponível em: www.analitica.com/va/hispanica/colombia_paz/4527677.asp. Acesso em 26 de

outubro de 2007. 73

Respectivamente em http://www.ciponline.org/colombia/plancolombia.htm e

http://www.usip.org/library/pa/colombia/adddoc/plan_colombia_101999.html. Embora o Center of International

Policity´s afirme que sua versão foi fornecida pela embaixada colombiana em outubro de 1999, o texto possui

um formato mais organizacional do que os demais, inclusive transformando os parágrafos em itens, com a

redação empregando uma linguagem mais direta, acrescentando-se algumas informações ou itens de interesse

militar. Já o texto disponibilizado pelo United States Institute of Peace é uma versão traduzida na íntegra, literal

da versão em espanhol, mantendo inclusive sua estrutura. Basearemos a análise na versão em espanhol e em

língua inglesa idênticos, utilizando a outra versão em inglês esporadicamente, para comparação. 74

TAMAYO, Manuel Salgado. Falacias y Verdades Sobre el Plan Colombia. Agencia Latinoamericana de

Información, 01 de novembro de 2000. Disponível em: alainet.org/active/993&lang=es. Acesso em 07 de

novembro de 2007.

59

aprovação no Congresso norte-americano, sendo aceito e divulgado sem uma suposta releitura

por parte do Estado colombiano. Nesse contexto, o combate ao narcotráfico e às áreas

produtoras de coca teria se tornado os alvos principais do discurso norte-americano para sua

possível intervenção no país. Porém, para Tamayo, atribuir os problemas recentes

colombianos ao narcotráfico acaba por mostrar uma visão reducionista na redação do plano,

pois os problemas colombianos (tais como a violência, desigualdades sociais e econômicas)

descendem de realidades e disputas políticas, ideológicas e guerras civis presentes no país

desde sua independência. Nas palavras de Tamayo:

Atribuir los retos principales de Colombia, en la hora actual, a la proliferación del

narcotráfico, como lo hace el Plan, implica no sólo adoptar una visión reduccionista,

unilateral y por lo mismo falsa, sino, lo que es más grave, entraña esquivar el bulto

de la responsabilidad que tienen otros problemas y actores en la génesis de esa

dramática historia.75

Ao atribuir os problemas colombianos unicamente ao narcotráfico, a redação do

documento parece ignorar todo um processo histórico presente na Colômbia, desde as

rivalidades políticas herdadas das lutas de independência, a guerra civil e a onda de violência

que assolou o país no decorrer do século XX a partir de La Violencia.

Para se compreender a realidade atual colombiana, torna-se necessária a noção de

que o período de La Violencia trouxe à tona uma série de disputas políticas e ideológicas,

assassinatos e insatisfação política contra os partidos Liberal e Conservador, que controlavam

o cenário político do país, sustentando um regime considerado oligárquico. A grande

rivalidade entre os dois partidos (muito mais no âmbito teórico, no imaginário da população

que defendia cada um, do que na prática), as revoltas e os movimentos que originaram as

guerrilhas insurgentes e os demais grupos armados do período pode mostrar com muito mais

clareza as raízes da violência, corrupção e desigualdades elencadas no presente colombiano.

Porém tais raízes não aparecem com tanta força no discurso do Plano Colômbia:

Debemos enfrentar los retos de una economía internacionalizada y otros heredados

de nuestra historia y evolución. Nuestros retos determinantes se han originado en la

proliferación del narcotráfico y en el impacto económico, político y social del

proceso de globalización.76

75

Idem. 76

COLOMBIA. Presidencia de La Republica. Op. Cit.

60

Baseando-se nesse trecho do Plano Colômbia, pode-se concluir os principais

responsáveis pela violência e desigualdades presentes no país teriam sido causados

primeiramente pelo narcotráfico (que ganhou força na década de 1980) e pelo processo de

globalização (compreendido no texto como o processo de mundialização da economia e a

concorrência desleal dos Estados mais fortes), deixando de lado a contextualização histórica

de tais problemas, não se remetendo às épocas e fatos que teriam originado tais desafios do

presente.

Embora a globalização tenha contribuído para o surgimento ou aprofundamento de

problemas sociais, econômicos e até mesmo políticos no país (assim como em grande parte do

globo), seu papel especificamente na Colômbia provavelmente teria contribuído para

problemas como a violência, mas essa não teria sido gerada unicamente pela globalização e

pela ação de narcotraficantes.

Segundo João Roberto Martins Filho, com um orçamento total previsto de 7,5

bilhões de dólares, o Plano Colômbia tinha como propósito “enfrentar os problemas inter-

relacionados do narcotráfico, da guerra civil, da negligência do Estado, da crise econômica e

da debilidade do domínio da lei na Colômbia” 77

. Para James Petras, tal plano seria mais um

passo na intervenção em território colombiano, que teria se iniciado com o programa contra-

insurgência de Kennedy na década de 1960, sob o pretexto de combate à ameaça comunista

que crescia na América Latina. Petras considera o Plano Colômbia um aprofundamento da

guerra interna iniciada por Kennedy (em uma escala muito maior), reafirmada pela política

externa de Bill Clinton e o combate às drogas, ambos negando as bases históricas do conflito.

3.1 AS PALAVRAS DE PASTRANA E AS ESTRATÉGIAS DO PLANO

A introdução do documento, provavelmente redigida pelo presidente do período

Andrés Pastrana e sua equipe de assessores, faz um levantamento dos principais problemas

enfrentados pelo governo colombiano, elencando algumas estratégias ou objetivos

pretendidos para amenizar a situação enfrentada pelo país. Além de citar alguns avanços do

governo como a tentativa de diálogo com as guerrilhas, o Estado colombiano parece mostrar

que tem conhecimento da real situação do país, inclusive no que se refere à pouca confiança

77

MARTINS FILHO, João Roberto. As Forças Armadas Brasileiras e o Plano Colômbia in: CASTRO, Celso

(org.) Amazônia e Defesa Nacional. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p.19.

61

da população nas Forças Armadas e no governo em geral, seja pelo desemprego ou pela

corrupção presente nos setores público e privado:

No cabe duda que Colombia padece de los problemas de un Estado que aún no ha

sabido consolidar su poder, una falta de confianza en la capacidad de sus fuerzas

armadas, policía y sistema judicial, de garantizar la permanencia del orden y la

seguridad; una crisis de credibilidad en los distintos niveles y en las varias instancias

de gobierno; y corrupción en la conducta de los sectores público y privado. Todo

esto ha sido fomentado y agravado por los desestabilizadores efectos del

narcotráfico, el cual, con sus vastos recursos económicos ha venido generando una

violencia indiscriminada...78

É possível notar que o grande poder do narcotráfico parece ser o único responsável,

inclusive pela pouca confiança da população no seu governo, que segundo o texto ainda não

teria conseguido consolidar seu poder e por isso teria dificuldades em manter a lei e a ordem.

Alguns parágrafos adiante, a situação parece ser mais clara, aparecendo também a idéia de

que as pretensões ou esperanças do governo são os mesmos de sua população:

En resumen, las aspiraciones del pueblo colombiano, y las labores de su gobierno,

han sido frustradas por el narcotráfico, y esto ha dificultado los esfuerzos del

gobierno en el cumplimiento de sus deberes constitucionales. Un círculo vicioso y

perverso de violencia y corrupción ha agotado los recursos indispensables para la

construcción y éxito de un Estado moderno.79

Seguindo tal tendência, a questão do diálogo com as guerrilhas também é colocada

em pauta, em um primeiro momento tentando mostrar que as preocupações do Estado seria a

de colocar com um conflito tão longo, buscando a paz para o país como um todo. A idéia

propagada é que a paz é possível, porém deve ser construída principalmente com o

fortalecimento do Estado, sua estabilidade e confiança na sua manutenção, resultando assim

numa maior capacidade governamental para garantir conceitos como a liberdade e a

segurança para a população. Sobre as guerrilhas, Pastrana coloca:

Las negociaciones con los grupos insurgentes, ya iniciadas por mi gobierno,

constituyen el núcleo de nuestra estrategia, ya que es crítico resolver un conflicto

que ya lleva 40 años como fuente de obstáculos para la creación del Estado moderno

y progresista en que Colombia debe convertirse con urgencia. La búsqueda de la paz

y la defensa de las instituciones democráticas exigirán esfuerzos continuos, fe y

78

COLOMBIA – Presidencia de La Republica. Op. Cit. 79

Ibidem.

62

persistencia para combatir con éxito las presiones y dudas inherentes en un proceso

tan lleno de dificultades.80

Nesse ponto, a questão das guerrilhas é introduzida no texto como um problema

histórico que deve ser resolvido para que as reformas do Estado avancem. De uma forma

sutil, Pastrana afirma que as guerrilhas seriam um obstáculo para o fortalecimento do Estado e

consequentemente, para as reformas sociais e a paz prometidas pelo governo. A idéia de

defesa da democracia e a necessidade de esforços, persistência e fé para resolver a situação

aparecem também como uma forma de identificação do governo com a população, na medida

em que esta sofre com um Estado “fraco”, mas que continua lutando, com fé, para alcançar a

paz pretendida por toda a Colômbia.

Em outro trecho é reforçada a idéia de que “un acuerdo de paz negociado con la

guerrilla sobre la base de la integridad territorial, la democracia y los derechos humanos

fortalecería el estado de derecho y la lucha contra el narcotráfico”81

, passando a idéia de que

as guerrilhas contribuem para o enfraquecimento do Estado e um processo de paz fortaleceria

o Estado para que este possa finalmente confrontar o narcotráfico.

Ao se referir ao narcotráfico, o texto de Pastrana demonstra algumas

particularidades. Primeiramente, admite-se que o narcotráfico, além de ser uma das atividades

mais rentáveis no mundo, tratando-se de uma força sem fronteiras, complexa, cada vez mais

difícil de ser identificada e combatida, trazendo sérias conseqüências aos seus consumidores e

à sociedade mundial, podendo inclusive ser considerado responsável pela violência e

corrupção, além de propor ação em conjunto entre países produtores e consumidores. Porém,

no final do texto introdutório, propõe-se a ajuda internacional no sentido de acelerar a

economia colombiana:

Por último, Colombia necesita ayuda para fortalecer su economía y para generar

empleo. El país necesita un mejor y más justo acceso a los mercados internacionales

donde nuestros productos son competitivos. La colaboración de los Estados Unidos,

de la Comunidad Europea y del resto de la comunidad internacional es indispensable

para el desarrollo económico del país. Ese mismo desarrollo servirá como una fuerza

para combatir el narcotráfico, ya que promete alternativas de empleo lícito para las

personas que de otra manera recurrirían al crimen organizado o a los grupos

insurgentes que se alimentan del narcotráfico.82

80

Ibidem. 81

Ibidem. 82

Ibidem.

63

Dessa forma, a ajuda internacional pretendida serviria para acelerar o

desenvolvimento da economia colombiana, gerando novos empregos e garantindo um maior

mercado e competitividade aos produtos nacionais. Seguindo esse raciocínio, a população

abandonaria seus empregos nas roças de coca para se dedicar a atividades lícitas,

enfraquecendo assim o narcotráfico. Porém, deve-se lembrar que apesar de ser uma herança

cultural andina, grande parte das pessoas que trabalham no cultivo da coca atualmente o

fazem sob ameaça dos traficantes locais, recebendo menos do que lucrariam, por exemplo,

com o cultivo de banana em determinadas áreas, além dos antigos produtores de café e tabaco,

que passaram a se dedicar à cultura da coca depois da queda dos preços desses produtos na

década de 1990.

Uma forte crítica ao Plano Colômbia é que este visou as ações sobre os pequenos

produtores de coca, não concentrando esforços nos laboratórios de refino da cocaína, ou seja,

concentra suas forças nos camponeses que muitas vezes tem o cultivo da coca como única

alternativa e na produção vaga da matéria-prima, evitando o confronto com os setores da

cadeia produtiva da cocaína mais rentável e poderosa.

Vale ressaltar ainda que por ser uma organização complexa, o narcotráfico pode

controlar tal situação, adaptando-se e adotando métodos diferentes. Deve-se considerar que o

aumento das plantações de coca na Colômbia aumentou devido ao combate a produtores do

Peru e Bolívia, conforme o gráfico (anexo A). Segundo Fábio Borges, baseado em dados da

United Nation Oficce for Drug Control and Prevention (UNDCP):

A Colômbia tinha, em 2000, 122,5 mil hectares de área com cultivos de coca, contra

40 mil em 1990. No Peru, que no início da década passada era o principal produtor

de coca mundial, a área cultivada caiu de 121 mil hectares, em 1990, para pouco

menos de 39 mil em 2000. Com a redução verificada na Bolívia, que passou de 50,3

mil hectares cultivados para 21,8 mil, a área total de cultivos de coca da região

andina caiu de 211,3 mil hectares, em 1990, para 183,3 mil hectares. 83

O aumento do cultivo de coca na Colômbia pode ser explicado pela inserção de

programas de substituição e combate à culturas consideradas ilícitas no Peru e Bolívia, que

teria obrigado os traficantes a produzir a coca em outras áreas, mais próximas aos laboratórios

de refino, localizados em solo colombiano.

83

BORGES, Fábio. Geopolítica, Plano Colômbia e Perspectivas Brasileiras de Inserção Internacional.

Disponível em: http://www.santiagodantassp.locaweb.com.br/br/arquivos/nucleos/artigos/borges.pdf. Acesso em

22 de novembro de 2007, p. 2.

64

Embora Fábio Borges coloque que a área total do cultivo de coca tenha diminuído na

região andina entre 1990 e 2000 (cerca de 28 mil hectares a menos), deve-se levar em conta

que nesse período foi introduzido na Colômbia o cultivo da papoula para a produção da

heroína, além de um provável avanço quantitativo da produção de coca nas roças já

existentes, considerando-se ainda que as zonas produtoras da folha de coca não acabaram,

mas sim mudaram-se para a Colômbia na medida em que tais práticas eram dificultadas nos

países vizinhos. Deve-se considerar ainda que na década de 1990 a produção de coca e

consequentemente de cocaína na Colômbia aumentaram consideravelmente, refletindo a

grande lucratividade e o poder dos traficantes em tal negócio.

Após a introdução de Andrés Pastrana e um aprofundamento da discussão sobre os

problemas e desafios colombianos, o documento enumera dez estratégias que deveriam ser

aplicadas durante a vigência do Plano Colombia para garantir seu funcionamento e alcançar

seus objetivos. A versão em espanhol destaca o título Las Diez Estratégias del Plan

Colombia, enquanto as versões em inglês possuem o título Elements of the Plan mas com a

exceção dos títulos, o texto é praticamente o mesmo, inclusive o uso da palavra strategy ao

longo dos dez itens.

A primeira dessas estratégias seria de caráter econômico, com a geração de empregos

e maior arrecadação de impostos, fortalecendo assim o Estado para o combate ao narcotráfico

e sua economia, que deve-se voltar ao mercado externo e a acordos de livre comércio. A

segunda estratégia é complementar à primeira, pretendendo dar ênfase à medidas fiscais e

financeiras, fortalecendo a economia colombiana no mercado externo.

A terceira estratégia seria voltada para as negociações de paz com as guerrilhas, com

uma discursividade baseada em ideais de integridade territorial, democracia e direitos

humanos, fortalecendo dessa forma o Estado no combate ao narcotráfico.

A necessidade de modernizar as forças armadas e a polícia está presente na quarta

estratégia citada, no sentido de fortalecer esses setores para a defesa nacional e devolver a

proteção e a segurança para a população. Associada a essa idéia, a estratégia seguinte busca

um planejamento judicial e de direitos humanos, onde o Estado possa garantir a justiça

imparcial e igualitária para todos, ao mesmo tempo em que as reformas das forças armadas e

da polícia forem aplicadas, a fim de garantir os direitos da população.

A estratégia antinarcóticos aparece com a preocupação de ações conjuntas entre os

demais países produtores e consumidores, atingindo toda a cadeia produtiva: “la producción,

distribución, comercialización, consumo, lavado de activos, de precursores y de otros

insumos, y el trafico de armas, para combatir todos los componentes del ciclo de las drogas

65

ilícitas...”, porém a seqüência do texto parece mostrar diferentes visões sobre o assunto.

Enquanto na versão em espanhol a seqüência do texto citado é “...y para impedir el flujo de

los productos de dicho tráfico que alimenta la violencia hacia la guerrilla y otras

organizaciones armadas”, a versão literal em inglês conclui o parágrafo com “and, at the

national level, to stop the flow of drug-money the fuel of violence - to the insurgent and other

armed organizations” enquanto na segunda versão em inglês, o tópico todo é o seguinte:

A counter-narcotics strategy, in partnership with other producer and consumer

nations, to combat the production and consumption of illegal drugs; and on a

national level to allow us to obstruct the flow of millionaire resources from drugs to

various insurgent and other armed organizations which is fueling violence.84

Nesse trecho é importante notar que embora se proponha o combate à produção e

consumo de drogas ilegais, não é citado o tráfico de armas como nas versões anteriores, que

enumeram cada elo da cadeia produtiva. Pode-se notar também a associação do dinheiro do

tráfico aos grupos armados e à violência, além da linguagem utilizada parecer tratar o

problema de maneira distinta, como por exemplo, nas expressões “impedir el flujo”, “stop the

flow” e “allow us to obstruct the flow”, transparecendo, nesse último caso, a idéia de uma

intervenção mais direta dos que combateriam o narcotráfico, no caso, os Estados Unidos.

Associada à estratégia de combate ao narcotráfico, o sétimo item diz respeito a um

programa de desenvolvimento alternativo, para a substituição do cultivo da coca por práticas

consideradas legais e mais rentáveis aos camponeses para que estes abandonem o plantio da

coca. Tal planejamento contaria ainda com noções de preservação ambiental, uma infra-

estrutura participativa para toda a comunidade como uma forma de cooperação, sendo

aplicada principalmente nas áreas mais próximas aos conflitos.

É preciso lembrar que em determinadas áreas da Colômbia o plantio da coca, embora

em alguns casos seja mais rentável aos camponeses, é uma cultura imposta pelos traficantes,

que se aproveitam da ausência ou fraqueza do Estado em agir em determinadas regiões.

Embora o desenvolvimento e a implantação de culturas alternativas seja um avanço no sentido

de evitar que a população se beneficie com o dinheiro do tráfico, é preciso um Estado forte e

84

USIP – United States Institute for Peace. Plan Colombia: Plan for Peace, Prosperity, and the Strengthening of

the State. Peace Agreements Digital Collection. Disponível em:

http://www.usip.org/library/pa/colombia/adddoc/plan_colombia_101999.html. Acesso em 17 de fevereiro de

2008.

66

atuante para que a influência (pelo dinheiro ou pelas ameaças) dos traficantes não volte a ser

exercita sobre esses trabalhadores.

A oitava e nona estratégias dizem respeito à maior participação social da população e

governos locais, atrelados ao desenvolvimento humano. Busca-se uma maior conscientização

do poder local e da população numa tentativa de diminuir a corrupção e de certa forma

pressionar os demais grupos armados com “una presión constante sobre la guerrilla y sobre

los demás grupos armados, con el fin de eliminar los secuestros, la violencia y el

desplazamiento interno de individuos y comunidades”85

. Associada a essa “pressão popular”

contra a violência estaria a participação de empresários locais para o fortalecimento da

economia e uma política pedagógica que pregue mais tolerância, a convivência e a

participação em processos políticos. O governo garantiria ainda serviços básicos como saúde

e educação.

Finalmente, a décima estratégia presume a participação internacional no problema

das drogas. Para tanto, o texto evoca princípios de co-responsabilidade entre a comunidade

internacional, pedindo uma ajuda mais direta (e substancial) dos países desenvolvidos, além

de ações simultâneas em todos os setores da cadeia produtiva que sustenta o narcotráfico. O

processo de paz também deveria ser negociado pela comunidade internacional: “El papel de la

comunidad internacional también es vital para el éxito del proceso de paz, de acuerdo con los

términos del derecho internacional y con el consentimiento del gobierno colombiano”86

.

Porém, deve-se lembrar que embora a comunidade internacional tenha se esforçado

para o andamento do processo de paz, o problema enfrentado foi que ambos os lados se

negavam a ceder terreno para o oposto, muitas vezes se retirando da mesa de negociações,

recusando-se a ouvir as exigências de seus representantes. Em uma entrevista a Arturo Alape,

Raul Reyes, porta-voz das FARC-EP, morto em um ataque no território equatoriano em

março de 2008, responde sobre o fim das negociações em Tlaxcala, no México e a posterior

declaração de guerra às guerrilhas:

Directamente el consejero para la paz en ese momento, Horacio SERPA, decide

levantarse de la mesa y luego el presidente de la república en un acto televisado para

todo el país cancela los diálogos y declara el país en estado de conmoción e impone

el impuesto para la guerra.87

85

COLOMBIA. Presidencia de La Republica. Op. Cit. 86

Idem 87

ALAPE, Arturo. Entrevista de Raul Reyes Cedida a Arturo Alape. Disponível em

<six.swix.ch/farcep/Entrevistas/Entrevista_raul.htm> Acesso em 12 de março de 2004.

67

Reyes afirma que o governo teria abandonado o processo de negociação por acreditar

que seria possível eliminar as guerrilhas militarmente, aproveitando-se de sua desmobilização

devido ao processo de paz, da mesma forma que o presidente César Gaviria Trujillo (1990-94)

teria feito com os grupos insurgentes que abandonaram a luta. Devemos lembrar ainda que em

1985 as FARC-EP fundaram a União Patriótica, partido político de esquerda que conseguiu

grande representatividade nas eleições e teve mais de três mil de seus partidários assassinados

nos anos seguintes. Segundo Reyes, a declaração de guerra no fim de 2002 consistia em...

...Poner todo el aparato del estado contra la guerrilla porque no fue solamente los

bombardeos, los ametrallamientos y la búsqueda con muchos hombres y armas del

ejército buscando los guerrilleros en las profundidades de la selva y en todo lado,

sino también una propaganda, un trabajo a nivel de los medios de comunicación al

servicio del Estado como Caracol, RCN, El Tiempo y otras agencias ideológicas del

sistema. Amenazando a los guerrilleros, declarándolos enemigos del país y

ofreciendo recompensa para quien entregara guerrilleros para capturarlos, pidiendo

aporte económico de los empresarios nacionales y extranjeros para pagar la guerra

contra la insurgencia colombiana.88

A partir do final do governo de Pastrana em 2002, as operações militares e os

investimentos contra as guerrilhas aumentaram consideravelmente, com a criação de novas

brigadas, lembrando que é a partir desse período que as ações militares contra as guerrilhas

tornam-se mais freqüentes e violentas, da mesma forma, os ataques efetuados pelos grupos

insurgentes seguiram a mesma tendência. Vale ressaltar ainda que é nesse período que os

grupos paramilitares ganharam maior força tanto no aumento do seu contingente, quanto no

dinheiro investido em seu armamento e treinamento.

3.2 O PROCESSO DE PAZ E A REESTRUTURAÇÃO DA ECONOMIA

O texto do Plano Colômbia mostra-se muitas vezes contraditório no que diz respeito

aos grupos insurgentes no país. Enquanto em alguns trechos transparece um envolvimento

mais direto dos grupos guerrilheiros com o narcotráfico, em outros momentos o processo de

paz torna-se importante para que o governo se fortaleça mais rapidamente e concentre seus

esforços no combate unicamente ao narcotráfico.

88

Idem.

68

A zona desmilitarizada, criada por lei em 1997 e implantada em 1999 para aproximar

o governo e as guerrilhas em um processo de negociação da paz, aparece no texto como se

fosse necessário justificar sua existência perante a comunidade internacional e os críticos

dessa medida:

El área desmilitarizada (o "zona de distensión") fue creada por Ley para garantizar la

seguridad necesaria con miras a avanzar en las negociaciones con la guerrilla. Esta

ley permite que el Presidente cree y suspenda un área de distensión como expresión

de la soberanía del Estado. La Ley solamente restringe la presencia del Ejército y la

Policía dentro de dicha área y suspende órdenes de captura, sin embargo, no

restringe la actividad de los funcionarios elegidos a nivel local o regional.89

As maiores críticas à existência da zona desmilitarizada defendiam que tal área era

concedida às FARC-EP, dando-lhe poderes totais para o controle da região, onde estariam

inclusive cultivando coca e refinando cocaína. Nesse aspecto, justificar sua função parece

lícito, afirmando ainda que tal lei restringia a presença do Exército e polícia na região, como

uma forma de garantir uma maior “tranqüilidade” nos diálogos com os líderes e

representantes da guerrilha.

Embora a existência de tal área parecesse para muitos como um exemplo do alto

poder da guerrilha, onde esta estaria inclusive cultivando coca, o governo coloca em seu

discurso que tal área só pôde ser criada graças ao grande poder do Estado colombiano,

tentando passar uma imagem de segurança para a população, como se o governo tivesse total

controle da situação, com liberdade para criar e acabar com a área desmilitarizada, como

realmente o fez no final do governo de Pastrana em 2002, quando as negociações com a

guerrilha cessaram e os bombardeios começaram a ser lançados na área, a fim de que o grupo

insurgente se retirasse do local. Tal ação teria ainda diminuído a popularidade de Pastrana,

dando força para os críticos de suas ações como seu sucessor, Álvaro Uribe.

Além de um panorama na situação colombiana do período, enfatizando os avanços

no processo de paz com as FARC-EP e as negociações para a libertação dos reféns mantidos

pelo ELN, o documento pede a ajuda da comunidade internacional nos âmbitos diplomático e

financeiro para tornar as negociações pela paz uma realidade, alegando que a função

desempenhada pela comunidade internacional deveria ser de mediadora, observadora e

posteriormente garantir que os pontos acordados sejam cumpridos por ambos os lados,

pressionando-os para que o processo siga adiante.

89

COLOMBIA. Presidencia de La Republica. Op. Cit.

69

Os países vizinhos ainda deveriam manter a segurança nas áreas fronteiriças com a

atuação de forças militares e policiais, a fim de garantir o andamento do processo e barrar

qualquer ação considerada terrorista, porém mantendo princípios de não-intervenção (militar

ou política) em assuntos internos do Estado colombiano. O último parágrafo do subtítulo que

trata do processo de paz reafirma a importância deste para o fortalecimento do Estado e

combate ao narcotráfico:

Un proceso de paz exitoso también tendrá un impacto positivo sobre la lucha contra

la droga, ya que el gobierno podrá ampliar su implantación de la ley y de los

programas de desarrollo alternativo hacia las áreas más involucradas en la

producción de narcóticos. La actividad guerrillera y el narcotráfico son los

problemas que, aun entrelazados de cierta manera, tienen orígenes y objetivos

diferentes. La guerrilla opera bajo un esquema revolucionario de tipo político militar

que exige una solución negociada, lo cual en ningún caso sería aplicable a los

narcotraficantes.90

O trecho ainda define os grupos insurgentes (segundo o texto, as FARC-EP com suas

raízes no movimento agrário e o ELN, fruto da Guerra Fria) e o narcotráfico como sendo

forças distintas, com objetivos e origens diferentes, sem descartar uma certa ligação entre

ambos, afirmando ainda que o processo de paz poderia ser negociado com as guerrilhas, mas

tal ação não deve ser aplicada aos narcotraficantes, que devem ser combatidos.

Embora o texto reconheça as raízes dos movimentos insurgentes, em alguns trechos

transparece que estes, no decorrer dos anos, passaram a ter sua luta, expansão territorial e

militar financiados por extorsões, seqüestros e “impostos” cobrados inclusive por

intermediários ligados aos traficantes. Um dado interessante é que o título El Proceso de Paz,

colocado como o primeiro item discutido no Plano Colômbia, está localizado por último na

segunda versão em inglês, o que pode ser visto como um assunto que deve ser tratado com

menos relevância pelos que produziram tal versão, assim como seu público-alvo.

No que se refere aos problemas econômicos colombianos e a reorientação dessa

economia (o capítulo II – Reencauzando la Economia), o levantamento apresentado pelo texto

do Plano Colômbia afirma que em 1999 a economia do país enfrentava uma séria crise, com o

desemprego chegando a afetar 20% da população economicamente ativa do país, além de

enfrentar pelo terceiro trimestre consecutivo um crescimento negativo do produto interno

bruto. Considera-se como agravantes da situação o baixo preço de produtos como o café e os

efeitos causados por um terremoto no país naquele ano (em 25 de janeiro, atingindo 6 graus

90

Ibidem.

70

na escala Richter), associados à onda de violência e insegurança, estariam afetando e

diminuindo a confiança na economia colombiana.

Segundo o texto, com uma economia frágil e uma grande parcela da população

desempregada, as atividades relacionadas ao narcotráfico acabaram se tornando alternativas

de renda para essas pessoas. Com a estratégia de fortalecimento da economia (seja na

economia interna, fortalecimento dos bancos e estímulo à exportação) e a geração de emprego

principalmente no setor privado, pretendeu-se reduzir o número de pessoas sustentadas pelas

atividades consideradas ilegais e pelo narcotráfico, criando oportunidades para que estas

consigam novos empregos, desligando-se e consequentemente enfraquecendo a economia da

droga, sem se esquecer da necessidade de estímulos e investimentos para a manutenção e

crescimento das Forças Armadas, da polícia e do sistema judicial a fim de garantir um

combate mais efetivo às atividades ilegais.

Traçando um panorama da economia colombiana na década de 1990, o texto procura

mostrar os motivos que levaram a economia do início da década a enfrentar um período de

recessão que culminava na crise em 1999. Com a abertura do mercado à economia externa,

defendia-se que a economia do país teria se acelerado, porém a baixa lucratividade de cereais

como o trigo e a cevada, além de produtos como o algodão, sorgo e soja devido aos preços

competitivos no mercado externo teriam causado uma perda de aproximadamente 700 mil

hectares da produção agrícola no país, causando momentos de instabilidade no campo, área

em que as guerrilhas são muito mais atuantes e influentes.

O texto ainda critica a modernização lenta no campo, o que dificulta uma produção

em maior escala e de melhor qualidade, porém deve-se lembrar que, contraditoriamente, a alta

mecanização no campo é um dos principais fatores para o desemprego nas áreas rurais e

responsável pelo êxodo rural, problema enfrentado na maioria dos países em

desenvolvimento, pois quanto maior o número de máquinas atuando no campo, menor é o

número de trabalhadores necessários para manter a produção. Para tanto, deve-se considerar

que em áreas de grande produtividade a mecanização encontra-se em fase avançada, com uma

parcela pequena da população economicamente ativa atuando no setor primário.

Na tentativa de reverter esse quadro, a redação do plano buscava estratégias de

desenvolvimento econômico para a geração de emprego, o fortalecimento da economia e sua

maior competitividade no mercado externo, investindo na indústria e comércio. Pede-se ainda

uma maior transparência nos diálogos entre governo colombiano e a OMC (Organização

Mundial de Comércio) a fim de garantir vantagens e acordos bilaterais para que a produção

colombiana possa entrar com mais força nos mercados norte-americano e europeu, alegando

71

que dessa maneira tais países estariam contribuindo para o combate ao narcotráfico,

pressupondo que o fortalecimento da economia colombiana seria uma forma de enfraquecer

os traficantes. Porém, mesmo com as medidas de Bill Clinton para uma maior abertura

econômica, os objetivos da ALCA dificilmente se converteriam em acordos bilaterais entre os

Estados Unidos e os demais países latino-americanos.

3.3. A ESTRATÉGIA ANTI-NARCÓTICOS

Classificado como uma das maiores prioridades do governo colombiano, a redação

do plano considera o narcotráfico como uma força desestabilizadora, a principal responsável

pela violência no país. Embora em outros momentos do Plano Colômbia se admita que os

problemas colombianos possuam raízes históricas, nesse trecho os fatores anteriores que

culminaram na violência no país parecem ser ignorados, associando esse problema

unicamente ao narcotráfico e às extorsões praticadas pelas guerrilhas, resultando em uma

análise superficial, pois embora a violência no país seja um fato presente em 1999, é preciso

compreender os vários motivos que levaram o país a chegar à situação descrita no documento.

Em um trecho do item La Estrategia Antinarcóticos que se discute a violência, pode-se ler:

El fenómeno del conflicto interno se ha imputado a la inestabilidad inducida por

cuatro vectores cuyas actividades agresivas fomentan una violencia física,

psicológica, social y política: las organizaciones del narcotráfico, los grupos

subversivos, los grupos de autodefensa al margen de la ley y la delincuencia común.

Embora o texto coloque quatro diferentes tipos de violência presente no país, assim

como os quatro grupos responsáveis por essa violência, não se pode identificar em que

momento e com que intensidade cada um desses grupos é responsável por essa violência,

trazendo mais uma vez a idéia de que a solução está na injeção de capital estrangeiro na

economia colombiana e no investimento em equipamentos para as Forças Armadas e a Polícia

Nacional.

A estratégia anti-narcóticos, que busca um resultado a longo prazo, possuía a

pretensão de reduzir em 50% o cultivo, processamento e distribuição da droga. Embora os

indicadores confirmem que a área de cultivo tenha sofrido uma queda (de 163.300 para 114

72

mil hectares entre dezembro de 2000 e dezembro de 2004, segundo a CODHES91

), não se

pode afirmar que os lucros do tráfico de entorpecentes tenham seguido essa mesma tendência,

devido ao consumo sempre crescente e aos meios de produção e distribuição se adaptando,

conforme afirma o mesmo documento do CODHES:

La oferta de cocaína en los mercados ilegales de Estados Unidos y Europa se

mantiene, el consumo de drogas tiende a crecer y los precios continúan estables. Es

decir, hay oferta en los países productores, en los cuales es más rentable sembrar

coca que maíz, porque hay demanda en los países consumidores, en los cuales hay

suficiente dinero para seguir comprando drogas. Por esta via, el mercado determina

una diseminación de los cultivos de uso ilícito y una fragmentación de los cárteles

de la droga, de tal forma que se garantiza producción y comercialización en medio

de las fumigaciones y de las operaciones antinarcóticos de los gobiernos de Estados

Unidos y Colombia.92

Mais uma vez surge a idéia de que o combate ao narcotráfico tornou-se ineficaz na

Colômbia, principalmente se considerarmos que uma grande porcentagem da verba enviada

pelos Estados Unidos foi aplicada em equipamentos e assuntos militares, restando às reformas

sociais uma pequena porcentagem do investimento. O combate ao narcotráfico, reduzido a

incursões militares e operações de fumigação de produtos químicos, o chamado “gás verde”

nas plantações de coca, parecem não atingir um resultado considerável enquanto o mercado

consumidor continuar financiando tal prática. O combate aos cartéis acaba por provocar uma

“redistribuição de consumidores” para laboratórios e fornecedores de menor expressão, que

logo se organizam para suprir as necessidades de seus novos clientes.

O combate aos plantadores de coca já havia sido estabelecido nos países sul-

americanos produtores a partir da política anti-drogas de Reagan em 1986, provocando uma

diminuição da área de cultivo em determinados países e o aumento da produção colombiana.

Na Bolívia, por exemplo, dos cerca de 66.148 hectares utilizados para o cultivo de coca em

1986 haviam caído para 21.800 hectares em 1999, assim como no Peru onde as áreas

cultivadas passaram de 150.400 hectares em 1986 para 38.700 em 1999. Porém na Colômbia

as áreas cultivadas passaram de 24.240 hectares em 1986 para 122.500 em 1999, sendo

complementadas ainda à cultura da maconha que cresceu de 2 mil para 5 mil hectares no

91

CODHES – Consultoria para los Derechos Humanos y El Desplazamiento. Plan Colombia: Fracaso

Anunciado. Bogotá, 18 de mayo de 2005. Disponível em: www.colombiainternacional.org/Doc%20PDF/EU-

PlanColombia-FracasoAnunciado.pdf. Acesso em 03 de fevereiro de 2008. 92

Idem.

73

mesmo período e da papoula, inexistente em 1985, mas ocupando uma área de 7.500 hectares

em 199993

.

Na seqüência da redação do Plano Colômbia, encontra-se uma afirmativa da

interdependência entre traficantes e grupos insurgentes, aparecendo pela primeira vez a

expressão “terrorista”, referindo-se a ações praticadas pelos grupos armados.

La guerrilla y los grupos de autodefensa al margen de la ley amenazan al Estado con

intentos de controlar el territorio soberano mediante la interrupción del orden

público en asaltos, secuestros, retenes viales y ataques terroristas. Los traficantes

dependen de cultivos de coca y amapola en áreas remotas fuera del control del

gobierno, tanto el tráfico como el procesamiento se realizan en el sur del país donde

existe una presencia fuerte de la guerrilla.94

Afirmando que a maioria dos cultivos de coca e papoula estariam em áreas de grande

movimentação e presença das guerrilhas e demais grupos à margem da lei, que realizariam

ataques terroristas (mesmo sem indicar qual seria o grupo que realiza tais ações e a que tipo

de ataques se atribuem o rótulo de “terrorista”), aos poucos a tese da narco-guerrilha pode

ganhar força entre os que pretendem combater os grupos insurgentes e justificar as ações em

prol da humanidade, com o combate ao cultivo de drogas ilícitas. Na seqüência do parágrafo

supracitado, ainda pode-se constatar:

Mientras esta fuente independiente de drogas y de ingresos permanece fuera del

control de las Fuerzas Armadas y la Policía, la guerrilla, los grupos de autodefensa

al margen de la ley y los narcotraficantes se fortalecerán y representarán una

amenaza mayor al Estado.95

Ao mesmo tempo que o texto alega que tais forças acabam por agir em conjunto,

promovendo uma maior instabilidade e enfraquecimento do Estado, deve-se lembrar que as

guerrilhas, as autodefesas (como a AUC) e os narcotraficantes constituem-se em grupos

antagônicos atuando sobre um mesmo território e realmente desestabilizando o poder central.

Porém, seguindo o mesmo raciocínio, pode-se elencar entre os inimigos das FARC-EP outras

guerrilhas como o ELN, as autodefesas, Exército e Polícia Nacional, comprovando a

complexidade dos combates e disputas por território e poder em solo colombiano, onde

93

TAMAYO, Manuel Salgado. Op. Cit. 94

COLOMBIA. Presidencia de la Republica. Op. Cit. 95

Idem

74

diferentes forças, ao mesmo tempo que se atacam, acabam por enfraquecer um inimigo em

comum.

Entre os principais objetivos da estratégia anti-narcóticos, destacam-se o

estabelecimento de controle militar e político nas áreas de maior cultivo ilícito, assim como o

combate às roças com as Forças Armadas e a Polícia, um dos objetivos mais criticados do

Plano Colômbia, visto que prega o uso de força militar contra os produtores de coca, que são

na maioria camponeses obrigados a adotar tais culturas mediante ameaças dos traficantes ou

necessidade de subsistência, pela maior lucratividade da lavoura da coca. Critica-se tal ação,

pois dessa forma, as missões concentram-se sobre trabalhadores rurais e não os financiadores

do tráfico, que podem facilmente impor os cultivos ilícitos a outras famílias em regiões mais

distantes.

Os demais objetivos da estratégia dizem respeito ao combate à corrupção e

fortalecimento do sistema judicial nas áreas de maior controle dos grupos armados, combate

aos seqüestros, extorsões e a venda de armas, a tentativa interromper o transporte e venda de

produtos ilícitos, e finalmente financiar a substituição e o desenvolvimento de culturas

alternativas, objetivo esse aplicado em determinadas regiões, mas que não se espalhou, devido

a vários motivos, tais como a falta de incentivo em um prazo maior, e à facilidade do suborno

aos fiscais que deveriam contribuir no desenvolvimento de tais práticas.

Uma postura mais radical das FARC-EP, oficializada em um documento de março de

2000 propõe uma estratégia mais agressiva, apoiada por alguns intelectuais que analisam o

narcotráfico mundial:

El narcotráfico es un fenómeno del capitalismo globalizado y de los gringos en

primer lugar. No es el problema de las FARC. Nosotros rechazamos el narcotráfico.

Pero como el gobierno norteamericano pretexta su criminal acción contra el pueblo

colombiano en la existencia del narcotráfico lo exhortamos a legalizar el consumo

de narcóticos. Así se suprimen de raíz las altas rentas producidas por la ilegalidad

del este comercio, así se controla el consumo, se atienden clínicamente a los

farmacodepedientes y liquidan definitivamente este cáncer. A grandes enfermedades

grandes remedios. 96

Ao adotar esse tipo de discurso, a guerrilha contesta os objetivos contidos na redação

do Plano Colômbia e sua suposta ajuda ao país. Nesse raciocínio, os principais financiadores

96

FARC-EP. Legalizar el Consumo de La Droga: Única Alternatica Séria para Eliminar El Narcotráfico.

Disponível em: www.farcep.org/unicaalternativa.html. Acesso em 21 de outubro de 2006.

75

do narcotráfico seriam os próprios cidadãos norte-americanos e europeus, e sua legalização

resultaria em uma diminuição dos preços, desestabilizando o tráfico, suas redes envolvidas e

diminuindo em grande escala sua lucratividade. Dessa forma, a produção da matéria-prima

ilegal (a coca e papoula o exemplo) também sofreria uma queda de preços, podendo ser

cultivada nos países consumidores. As FARC-EP ainda consideram que se os objetivos do

Plano Colômbia realmente são humanitários, os países envolvidos deveriam então financiar

políticas para o tratamento dos dependentes químicos e o financiamento do plantio de

alimentos nas áreas antes ocupadas pela coca. Alegando que o combate ao narcotráfico seria

um pretexto para uma intervenção mais direta na Colômbia, o documento dos guerrilheiros

conclui:

Si de verdad quieren liquidar el fenómeno del narcotráfico, deben ser serios. No

utilizar la desgracia de nuestro atraso como elemento electorero en la lucha de

demócratas y republicanos en los EE.UU. Y menos, como vergonzoso pretexto para

justificar intromisiones en asuntos internos de nuestros países. 97

Devemos lembrar que embora a legalização de drogas ilícitas seja uma manobra

radical para a desestabilização e o combate ao narcotráfico, há correntes apoiadas na

afirmação de que tal legalização, desde que bem estruturada para os cuidados médicos de seus

dependentes e campanhas de conscientização como são as vinculadas contra o alcoolismo,

tabagismo e mesmo o consumo de drogas podem trazer resultados mais diretos.

As críticas às operações norte-americanas e colombianas no combate ao narcotráfico

e suas intenções no país ganharam mais força na medida em que os principais atingidos por

esses combates e as operações de fumigação nas plantações de coca foram os produtores

rurais colombianos, muitos deles morrendo intoxicados pelos produtos despejados nas

lavouras. Enfim, combate-se o elo mais fraco da cadeia, não causando danos aos verdadeiros

financiadores de tais práticas. No último parágrafo desse item, onde se encontra o resumo das

estratégias anti-narcóticos lê-se:

El propósito de esta estrategia es fortalecer la lucha contra el narcotráfico mediante

la coordinación de todos los elementos de las Fuerzas Armadas y de la Policía en

contra de los traficantes. Nuestra meta es eliminar la producción de drogas a gran

escala, de acabar con la violencia y delincuencia a gran escala de los grupos

97

Ibidem.

76

armados, promover el respeto por los derechos humanos y romper los nexos entre

los grupos armados y el apoyo que reciben de la industria del narcotráfico.98

Porém, o que se pode notar em toda a redação é que mesmo quando se planeja ações

humanitárias ou de proteção à população, as mesmas estão limitadas a aumento do efetivo das

Forças Armadas, Polícia e seus instrumentos, onde agindo como principais atores do combate

ao narcotráfico, “las Fuerzas Armadas aumentarán su capacitación en derechos humanos

antes, durante y después de cada fase”. Alguns trechos ainda planejam a destruição de

laboratórios de refino de coca, melhoria nos serviços de inteligência, uma melhor estrutura

para a vigilância do espaço aéreo (com radares, instrumentos e mais aeronaves) e operações

conjuntas noturnas, fluviais, de selva, entre outras, porém não mostra como tais estratégias

poderiam ser aplicadas, ou seja, quem seria o responsável pelo investimento em treinamento,

armamento e, por exemplo, a compra de radares.

Embora seja um problema que englobe praticamente todos os setores da sociedade

colombiana, o combate ao narcotráfico foi realizado com políticas e discursos extremamente

militares, como se pôde comprovar nos anos seguintes à implantação do Plano Colômbia. O

discurso do documento nesse subtítulo parece reforçar a idéia construída durante o governo de

Reagan, considerando a existência da cultura da coca na América andina como principal

responsável pelo o subdesenvolvimento regional. As estratégias referentes à sociedade

colombiana seriam melhor explicitadas nos dois últimos tópicos, que traçam metas para a

reforma judicial e a proteção dos direitos humanos, além do desenvolvimento social.

3.4. A REFORMA DO SISTEMA JUDICIAL, DIREITOS HUMANOS, DEMOCRATIZAÇÃO E

DESENVOLVIMENTO SOCIAL

A fim de restabelecer o poder e a confiança da população pelo Estado, o quarto

capítulo do Plano Colômbia esboça a necessidade de se reformular o sistema judicial como

uma forma de garantir a punição aos narcotraficantes, que estariam subornando os agentes de

justiça do país para continuarem livres. Para garantir a consolidação do Estado de direito,

pretendeu-se realizar a construção de penitenciárias de alta segurança, a fim de impedir a

98

COLOMBIA. Presidencia de La Republica. Op. Cit.

77

atividade dos traficantes ou pessoas envolvidas com o tráfico dentro dos pátios da prisão, fato

muito comum inclusive no sistema prisional brasileiro desse início de século XXI.

Defende-se ainda que os seqüestros que se tornaram cotidianos no país possam ser

combatidos, pois estes, segundo o documento, estariam sendo influenciados pelo narcotráfico.

Segundo a redação do Plano Colômbia, o combate a essa prática deveria englobar diversos

setores:

Las estrategias para esta prioridad incluyen el desarrollo de programas antiviolencia

en todo el país con la participación de las Fuerzas Armadas y de la Policía, el

sistema de justicia y los líderes comunitarios, con énfasis en los delitos relacionados

con el narcotráfico; y el diseño, capacitación y dotación de una unidad antisecuestros

para investigar y procesar a los secuestradores.99

Vale lembrar que os seqüestros foram muito comuns na década de 1980 nas zonas

mais prósperas da Colômbia, realizados pelo ELN a fim de acarear fundos e, segundo o

próprio ELN, obrigar os empresários a investir em obras sociais nas regiões de atuação de

suas indústrias. Na década de 1990 as FARC-EP passaram a adotar essa prática, objetivando,

segundo documentos da guerrilha, a troca de prisioneiros e a tentativa de acelerar as

negociações com o Estado, chamando a atenção das autoridades, inclusive no âmbito

internacional.

O documento ainda almeja mudanças para maior agilidade nos processos judiciais,

além de punições mais efetivas aos condenados, chamando a atenção para o combate à

impunidade, com a criação de comitês responsáveis pela fiscalização e promoção dos direitos

humanos, além de um sistema de proteção para as pessoas que trabalham no sistema judicial e

as testemunhas. Mais uma vez o narcotráfico é colocado como o principal responsável pelo

sistema judicial falho colombiano. A indústria da droga seria a principal causa da corrupção

em toda a máquina governamental, atingindo funcionários públicos de nível local a nacional.

Mais uma vez, o discursos sobre as reformas judiciais e direitos humanos vai

culminar na importância do combate ao narcotráfico, chamando a atenção para o investimento

na fiscalização e no combate às atividades ilícitas. Fazendo um breve comentário sobre a

importância das campanhas de conscientização destinadas aos usuários colombianos, o

documento reafirma a necessidade de investimento para a criação de órgãos especializados,

que trabalhariam em conjunto com as Forças Armadas para garantir o desmantelamento dos

laboratórios de refino de cocaína, procurando ainda identificar e acabar com as rotas de

99

COLOMBIA. Presidencia de la Republica. Op. Cit.

78

transporte da droga em aeroportos internacionais e na patrulha marítima. Esse último trecho

parece estar muito mais voltado para a política anti-narcóticos norte-americana, visto que

pretende aumentar as ações e a fiscalização na tentativa de evitar o transporte e o comércio de

entorpecentes no mercado externo, e não propriamente o desmantelamento da rede de

comunicação e transporte existente dentro do país.

Objetivando a diminuição da violência e uma maior conscientização da população,

esse último item propôs medidas que deveriam ser desenvolvidas para assim garantir uma

maior eficiência da ação governamental e o apoio da população, que teria melhorias em suas

condições de vida. Coloca-se primeiramente a necessidade de assistência às vítimas de

violência e os desabrigados, como uma forma de afastar essas pessoas do convívio e possível

apoio a grupos armados como as guerrilhas e os traficantes.

Sabe-se que a parcela da população que mais sofre com o conflito entre as forças

insurgentes e o Estado é de baixa renda, que vive nas áreas próximas ou de influência de

algum grupo, seja a guerrilha, as autodefesas, traficantes ou o Exército. Além de uma ajuda

financeira para as vítimas da violência, o documento ainda propõe o desenvolvimento de

programas de reabilitação e tratamento psicológico, principalmente para crianças, além da

importância da retirada de minas terrestres espalhadas nas áreas de conflito mais intenso.

Com relação aos desabrigados, sejam estes pessoas que fugiram das áreas de

conflito ou teriam sido expulsos por algum grupo com maior poder na região (fato este muito

comum entre os traficantes, aplicados às famílias que se recusam a plantar a coca), pretende-

se, na medida em que processo de paz avançasse, investir na recolocação dessas pessoas nas

suas áreas e propriedades de origem, oferecendo ainda serviços básicos como água potável e

saúde para as pessoas que vivem nas áreas de conflito, com o apoio de investimentos

estrangeiros.

Uma das principais estratégias para o desenvolvimento humano presente no plano é

apresentada já no final do documento. Os projetos para o desenvolvimento alternativo no

campo, que deveria ser implantado em áreas onde o Estado é frágil ou ineficiente:

Esta estrategia busca introducir alternativas integrales, participativas, rentables y

económicamente sostenibles en áreas rurales, particularmente en aquellas zonas

afectadas por la combinación de conflicto intensivo, presencia deficiente del Estado,

capital social bajo, pobreza, cultivos ilícitos y problemas ambientales relacionados

con ellos.100

100

Ibidem.

79

Basicamente, a estratégia resume-se no trabalho conjunto de comunidades locais,

investimento privado ou estrangeiro e pequenos produtores. A iniciativa privada garantiria

investimentos para a criação de pequenas empresas e cooperativas rurais, manutenção de

estradas, energia e transporte fluvial, no sentido de substituir o cultivo da coca, papoula ou da

maconha por culturas alimentícias, voltadas para o mercado interno e externo. A iniciativa

privada ainda seria a responsável pela construção e manutenção de obras de infra-estrutura

para essas áreas, como as estradas supracitadas, saneamento básico, educação, saúde entre

outros, serviços que deveriam ser garantidos e mantidos pelo governo colombiano.

Embora seja uma boa iniciativa, os investimentos em desenvolvimento de cultivos

alternativos necessitam de um grande fluxo de investimento e a manutenção dessa estrutura a

longo prazo (o documento estimou um total de 570,8 milhões de dólares para o período 1999-

2002), garantindo ainda que as pessoas que adotarem tais culturas seriam protegidas dos

massacres comandados pelos narcotraficantes contra comunidades rurais que deixam de

produzir ou trabalhar nas roças de cultivos ilícitos:

El costo estimado de la estrategia de Desarrollo Alternativo para 1999-2002 es de

570,8 millones de dólares; 342,5 millones se utilizarán para proyectos de producción

y transferencia de tecnología, 100 millones para infraestructura en áreas rurales, 86

millones para la conservación y restauración de áreas ambientalmente frágiles, y

42,3 millones de dólares para apoyar el desarrollo de las comunidades indígenas. 101

O governo colombiano estaria estudando (em 1999) três alternativas para que essas

pessoas se afastassem das plantações consideradas ilegais, com a transferência das pessoas

para terras mais distantes da influência dos traficantes, administradas pelo Incora (Instituto

Colombiano para la Reforma Agraria), a admissão de antigos trabalhadores das roças de coca

em pequenas empresas instaladas em áreas urbanas, ou ainda um projeto de incentivo à

cultura e à valorização de áreas florestais, junto às comunidades locais e grupos indígenas, na

tentativa de impedir o avanço das roças para dentro das áreas florestais, já que segundo dados

do próprio documento, agindo como uma fronteira agrícola, o conflito armado e o cultivo da

coca também avançam sobre a floresta, onde ambas as atividades teriam sido responsáveis

pela derrubada de cerca de um milhão de hectares desde 1974.

101

Ibidem.

80

Finalmente, documento atenta para a necessidade de investimento e fortalecimento

dos núcleos de poder municipais, na tentativa de garantir com mais rapidez e eficiência a ação

governamental na administração e realização de políticas públicas e sociais em todo o

território colombiano, seja pelo desenvolvimento de cultivos alternativos, infra-estrutura, ou

as demais estratégias discutidas durante a redação do Plano Colômbia. O último parágrafo do

documento parece traçar de maneira resumida um objetivo mais humanitário:

Con el fin de fortalecer el desarrollo institucional, esta estrategia también promoverá

una mayor confianza, legitimidad y fe en las instituciones públicas. Se fomentarán

mecanismos formales e informales que inculquen la tolerancia, la justicia, la

seguridad y los cambios en los patrones culturales que incitan a reacciones violentas,

al conflicto. Todo ello se complementará con un apoyo activo para fomentar redes

locales de paz.102

Embora no texto possa-se notar a existência de estratégias de desenvolvimento

humano e social, na prática o Plano Colômbia se mostrou como uma estratégia estritamente

militar, com o apoio efetivo das Forças Armadas norte-americanas e os investimentos mais

maciços de caráter bélico, deixando uma pequena parcela das verbas para as estratégias

sociais, o que mostrou-se ser insuficiente para a manutenção e o sucesso de projetos como a

substituição de cultivos ilícitos, a longo prazo.

Segundo dados mais recentes da ONU, através do relatório World Drug Report 2008,

UNODC (United Nations Office on Drugs and Crime), o cultivo da coca voltou a crescer nos

países produtores, com a Bolívia e Peru apresentando um crescimento moderado enquanto a

Colômbia atingiu um aumento de 27% da área de cultivo da coca, que ainda é 40% menor do

que a compilada em 2000:

In 2007, the total area under coca cultivation in Bolivia, Colombia and Peru

increased 16% to 181,600 ha. Despite the increases, the global area under coca

cultivation continues to be lower than in the 1990s and 18% below the level

recorded in 2000 (221,300 ha). (In Colombia, the level of cultivation in 2007 is 40%

lower than it was in 2000.) In 2007, coca cultivation in Peru increased by 4 % to

53,700 ha. For a second consecutive year, coca cultivation increased in Bolivia, and

amounted to 28,900 ha in 2007, an increase of 5%.103

102

Ibidem. 103

United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC). Word Drug Report 2008, p.65. Disponível em:

http://www.unodc.org/documents/wdr/WDR_2008/WDR2008_Cocaine_market.pdf.

81

Embora as áreas de cultivo de coca tenham diminuído no país durante a vigência do

Plano Colômbia, não se pode afirmar que tal diminuição enfraqueceu os traficantes, na

medida em que o combate à cultura da coca ocorreu por via militar, de forma autoritária e

violenta contra os produtores de coca, não garantindo aos mesmos outras alternativas de

cultivo. Embora a área de produção ainda seja 40% menor do que a encontrada no território

colombiano em 2000, o crescimento do comércio da cocaína e o aumento ainda modesto das

plantações (vide Anexo A) parecem indicar que a cruzada contra as drogas não alcançou

resultados satisfatórios, pelo menos no que se refere ao combate às drogas.

Critica-se ainda que o combate ao narcotráfico e as guerrilhas acabou por articular

um maior desenvolvimento dessas forças, o que também pode ser notado com o

fortalecimento e a fundação do maior grupo paramilitar do país, a AUC (Autodefesas Unidas

da Colômbia). A população rural nas áreas de maior conflito continua a constituir a parcela

com as principais vítimas do confronto, seja pelos massacres, ou intoxicados pelas operações

de fumigação das lavouras. Embora o principal motivo da elaboração e aplicação do Plano

Colômbia seja a busca pela paz, o chamado “Plan para la Paz, la Prosperidad y el

Fortalecimiento del Estado” parece ter contribuído unicamente para elevar o grau de

violência, corrupção e militarização no país.

3.5 O PANORAMA COLOMBIANO: CONSIDERAÇÕES

Um documento redigido pelo Center of International Policy visitou algumas regiões

colombianas em 2006 a fim de realizar um balanço sobre os resultados obtidos pelo Plano

Colômbia. Visitando o departamento de Putumayo na fronteira com o Equador, que entre

2000 e 2001 possuía a maior produção de coca entre todos os departamentos colombianos,

abrigando uma concentração de guerrilheiros, mas com a maioria das suas cidades tomadas e

controladas (violentamente) por grupos paramilitares, o departamento contava em 2006 com

um grande número de operações de fumigação na zona rural e uma grande concentração

militar.

O Plano Colômbia insere-se, portanto na estratégia norte-americana de retomar o

controle sobre a América Latina, apoiado por uma suposta cruzada contra as drogas.

Considerando os revezes de uma intervenção direta sobre os grupos oposicionistas do

continente, os Estados Unidos adotaram um regime de maior cautela a fim de evitar o levante

de grupos e movimentos opostos à sua política externa, visto o seu poder na ação conjunta.

82

Para tanto, o Plano Colômbia caracterizou-se em um primeiro passo a fim de resolver os

entraves norte-americanos isoladamente, a um prazo maior.

James Petras afirma que o objetivo das ações norte-americanas resume-se

primeiramente na eliminação das guerrilhas colombianas, seus discursos e força entre as

classes mais baixas, mantendo no país uma certa instabilidade para a legitimidade das ações

militares norte-americanas na América do Sul. Petras ainda defende que Washington pretende

agir com cautela sobre os países do chamado triângulo radical com o objetivo de isolar a

política de Hugo Chávez e finalmente controlar as reservas petrolíferas da região:

Washington adota uma estratégia „dominó‟. O Plano Colômbia implica, primeiro, a

derrota da guerrilha; a seguir, cercar e pressionar a Venezuela e o Equador antes de

partir para o aumento da desestabilização interna. O objetivo estratégico é alcançar a

reconsolidação do poder no norte da América do Sul, garantindo acesso irrestrito ao

petróleo e aplicar a ideologia do „não existe alternativa para a globalização‟ no resto

da América Latina.104

Tal tendência pode ser notada ao se analisar o peso das ações e gastos militares

durante a vigência do Plano Colômbia em relação aos gastos sociais pretendidos na redação

do documento. O caráter estritamente militar das ações norte-americanas na região também

pode ser facilmente reforçado com a implantação no governo de Álvaro Uribe do Plano

Patriota, sucessor do primeiro que reforçava ainda mais o combate ao narcotráfico e as

guerrilhas pela via militar.

Embora tal possibilidade atualmente possa parecer remota, o triunfo das guerrilhas

colombianas encabeçadas principalmente pelas FARC-EP e o ELN poderia ser encarado com

uma alternativa à política pretendida pelos Estados Unidos, servindo como um exemplo a

outros movimentos sejam camponeses, indígenas ou de qualquer outra natureza: “o plano trata

de evitar que a Colômbia se converta num exemplo que demonstre que existem alternativas e

que Washington pode ser vencido”105

.

Embora muitos intelectuais de esquerda ainda defendam que as guerrilhas

colombianas ainda possuam força e legitimidade para tomar o poder e aplicar uma forma de

governo baseada em princípios e políticas de base social, para outras correntes, as FARC-EP

ainda podem possuir tal força e legitimidade, mas seus objetivos atuais teriam se alterado,

como o colombiano Eduardo Pizarro Leongómez defende, uma certa deturpação dos objetivos

104

PETRAS, James. Op.Cit., p. 44 105

Ibidem, p. 45.

83

originais das guerrilhas provocada pelo grande montante em investimentos e armas aplicados

na guerra interna por parte do narcotráfico e do governo norte-americano.

A situação colombiana acaba por tornar-se mais complexa na medida em que o

governo de Álvaro Uribe adotou medidas para a desarticulação e eliminação dos grupos

insurgentes, abrindo negociações apenas com as Audefesas Unidas da Colômbia, a AUC. A

desmobilização do grupo de Carlos Castaño, acordada em 2003, contribuiu com a criação de

novos grupos armados espalhados pelo país, pois algumas antigas frentes da AUC retomaram

as atividades em suas regiões de maior influência (ou simplesmente continuaram os

trabalhos), financiados principalmente pelos traficantes locais.

A eclosão de novas forças beligerantes, com a influência e conhecimentos herdados

da AUC, dificultam as ações de negociação com as guerrilhas e a busca pela estabilização dos

conflitos, visto que tais grupos são motivados por interesses pessoais e principalmente o

dinheiro do tráfico, que os contrata para a proteção de determinados territórios, como roças de

coca e papoula, laboratórios de refino e redes de comunicação e distribuição segura da droga.

Nos últimos anos, investigações identificaram uma série de senadores e outros políticos

diretamente ligados aos grupos armados ielgais, financiando e comandando massacres em

deerminadas regiões (o que ficou conhecido como parapolítica da costa, pelo grande número

de mortes na costa norte do país).

A potencialização dos conflitos ocorridos no país vizinho, concomitante à

implantação do Plano Colômbia na década de 1990 parece ter influenciado a política de

defesa brasileira, tanto no sentido da afirmação da neutralidade do Brasil (que se nega

oficialmente em reconhecer as guerrilhas colombianas como forças terroristas), quanto pelas

preocupações com a região amazônica, seja na manutenção das fronteiras, na ocupação dos

“vazios demoráficos” no interior da floresta, ou na afirmação do poder público, através da

presença das forças armadas, dos programas de vigilância e nas reorientações para o

investiemento militar.

Os dois maiores expoentes dessa tendência podem ser notados na revitalização e

reorientação do Projeto Calha Norte e a realização dos projetos que pertimitiram a instalação

do Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia), como uma forma de ampliação da

abrangência do Sipam (Sistema de Proteção da Amazônia).

Martins Filho, baseado em discursos de políticos brasileiros e do Ministério da

Defesa ainda argumenta que diferentemente dos Estados Unidos, para o Brasil o problema

colombiano configura-se em uma crise civil e não um problema de defesa nacional (alguns

políticos defendem ainda a retirada de tropas norte-americanas do país, delegando a solução

84

apenas à Colômbia), argumentando ainda que o Brasil não considera que as guerrilhas

colombianas pretendam estender suas ações ao território brasileiro e portanto não planeja

lançar nenhuma ação no território colombiano, contrariando as pressões norte-americanas (em

nenhum momento os representantes brasileiros taxaram as FARC-EP como sendo um grupo

terrorista).

Outro fato importante é a decisão das FARC-EP em não intervir militarmente em

qualquer país limítrofe, conforme estabelecido na Oitava Conferência em 1993 onde qualquer

guerrilheiro deve acatar a "decisión de no intervenir militarmente contra los ejércitos de los

países fronterizos en sus territorios"106

. Porém, tal situação precisa ser analisada com mais

cautela, pois a possibilidade de invasão e o estabelecimento de bases de narcotraficantes ou

grupos guerrilheiros em território brasileiro podem trazer sérias conseqüências:

Para o Exército, se os cartéis colombianos, os contrabandistas e os movimentos

guerrilheiros passarem a utilizar a Amazônia brasileira como base de operações,

abrir-se-á mais um flanco para que a comunidade internacional acuse o governo

brasileiro de ser incapaz de controlar seu próprio território e proteger a floresta

amazônica. 107

A idéia de debilidade ou falta de maior controle sobre o próprio território poderia ser

interpretada como um pretexto para que as tropas norte-americanas também adentrem a

Amazônia brasileira no sentido de combater as ações ilícitas e de certa forma legitimar a idéia

de que não se trata de uma invasão militar, mas sim uma ajuda ou uma interferência mais

direta, já que o Brasil não teria se mostrado forte ou competente o suficiente para barrar a

entrada de narcotraficantes ou guerrilheiros no seu território. Segundo Márcio Pereira Rippel,

as Forças Armadas brasileiras já teriam contato com as guerrilhas colombianas por duas

vezes:

A fronteira brasileira com a Colômbia ainda é relativamente tranqüila, mas já houve

fatos que chamam a atenção para aquela área. Há relatos de recrutamento forçado de

indígenas brasileiros pelas FARC-EP e, em duas ocasiões, o Exército Brasileiro

106

FARC-EP. Los Documentos de las FARC. Disponível em:

<www.farcep.org/aniversario/especial40aniv/docs.html>. Acesso em 17 de outubro de 2006. 107

MARQUES, Adriana A. A Estratégia Militar do Exército Brasileiro Para a Amazônia – Fundamentos e

Implicações para a Cooperação Militar no Sul da América Latina. Anais do XXIII Simpósio Nacional de

História – História: Guerra e Paz (CR-ROM). Associação Nacional de História (Anpuh). Londrina: Editora

Mídia, 2005.

85

(EB) teve contato com guerrilheiros: uma em 1991, no Rio Traíra, e outra em 2002,

nas proximidades do Pelotão Especial de Fronteira (PEF) de Vila Bitencourt.108

A acusação de que o país estaria abrigando tais pessoas ou atividades condenadas por

Washington pode ser interpretado como uma afronta à liberdade nesse novo contexto de

combate ao terror (identificado por George W. Bush por qualquer Estado ou grupo que possa

ameaçar a sociedade ocidental), o que pode abrir espaço para ações mais diretas da

comunidade internacional no sentido de garantir (seja pelas ONG´s, seja pelas Forças

Armadas) a posse da Amazônia, sob o pretexto de se constituir em uma região de extrema

importância para o resto do mundo, garantindo dessa forma o futuro da humanidade, tirando-a

do controle de criminosos e de um governo considerado ineficiente.

108

RIPPEL, Márcio Pereira. O Plano Colômbia como Instrumento da Política Norte-Americana para a América

Latina e Suas Conseqüências. Revista da Escola de Guerra Naval, p. 93.

86

4. BRASIL: A IMPORTÂNCIA DA AMAZÔNIA E OS REFLEXOS DO PLANO

COLÔMBIA NA DEFESA NACIONAL

A floresta amazônica estende-se por oito países independentes: Bolívia, Brasil,

Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, além de uma colônia, a Guiana

Francesa, sendo que 60% da floresta encontra-se em território brasileiro. A importância

atribuída a essa região no decorrer do século XX tem intensificado os discursos em prol da

preservação ambientale ocupação da área, seja pelos países onde a floresta cresce, seja por

grandes potências européias e os Estados Unidos. Estima-se em dois milhões o número de

espécies endêmicas entre insetos, vertebrados, mamíferos, peixes aves e plantas habitando a

região florestal, considerando ainda estudos que indicam a existência de três a cinco milhões

de espécies desconhecidas no ecossistema amazônico.

A floresta amazônica comporta no seu bioma uma variedade gigantesca de espécies,

bem diferente, por exemplo, das áreas florestais do hemisfério norte. O discurso ambiental em

muitos casos está ligado a interesses de grandes empresas do ramo farmacológico, visando o

grande potencial de substâncias presentes principalmente na cobertura vegetal da floresta e

espécies e substâncias que ainda não foram estudadas ou mesmo descobertas.

O mercado de medicamentos e cosméticos poderia sofrer bruscas mudanças caso

uma única empresa consiga o monopólio sobre a exploração e desenvolvimento de produtos

“amazônicos”, visto a potencialidade que uma nova substância pode possuir, seja para a

criação de novos produtos, ou pela revolução em tratamentos de determinadas doenças. O

número cada vez maior de patentes sobre substâncias e produtos amazônicos refletem o

crescimento de grupos e de ações ilícitas no âmbito da biopirataria.

Nesse escopo, as grandes áreas cobertas pela floresta, além de uma extensa faixa de

fronteira e rios navegáveis, ampliam as ações de biopirataria, seja pelo contrabando de

espécimes (principalmente peixes e aves) destinados ao mercado de animais exóticos europeu,

seja pela possibilidade do contrabando de substâncias ou espécimes vegetais e animais para a

pesquisa e desenvolvimento de novos produtos.

As reservas minerais amazônicas também recebem um olhar mais minucioso, visto a

dependência de alguns países na aquisição de elementos importantes, como o nióbio

(inexistente nas regiões minerais dos Estados Unidos, União Européia e Japão), manganês,

estanho e alumínio entre os principais, além de ouro e diamantes. Dados do CCSivam idicam

que as reservas amazônicas de metais nobres como a bauxita, cassiterita, nióbio e ferro

87

possuem um potencial econômico de ao menos 1,6 trilhão de dólares, além de estanho, cobre,

titânio, caulim, manganês, níquel e diamante.

Segundo dados levantados por Jean Carlo Silva dos Santos109

, há ainda grandes

jazidas de ouro, diamante, nióbio, estanho, tório, manganês, alumínio, tungstênio, ferro,

calcário e cobre localizadas em terras indígenas do Alto Rio Negro, Médio Rio Negro,

Raposa/Serra do Sol, Tumucumaque, Vale do Guaporé, Vale do Javari, Waimiri-Atroari e

Yanomami. Nesse aspecto, a presença de grupos indigenistas estrangeiros também torna-se

um fator preocupante para o Estado brasileiro.

O avanço das madeireiras na extração ilegal de árvores nativas, as pastagens e ações

de degradação ambiental acabam por reforçar os discursos estrangeiros sobre a importância da

preservação da floresta e o descaso ou falhas atribuída aos países amazônicos, na tentativa de

ampliar a atuação estratégica de grupos ou instituições exógenas.

Há ainda as discussões sobre a atuação de grupos armados na área florestal (em

especial as guerrilhas colombianas, embora não existam indícios de que estas estariam

atuando em território brasileiro) e a presença de naroctraficantes, que possuiriam pistas de

pouso e laboratórios para o refino de cocaína, além da manutenção de rotas de contrabando e

centros de distribuição no interior da floresta. As grandes distâncias, vazios demográficos e a

extensão das fronteiras e rede fluvial acabam por dificultar ações que combateriam tais

grupos.

A complexidade da realidade amazônica no âmbito ambiental, econômico social e

governamental pode ser considerada fator crucial para a orientação de políticas organizadas

pelo Estado brasileiro a fim de reafirmar sua presença na região, além de garantir sua

soberania e segurança nacional frente discursos que primam pela ingerência ou ineficiência

brasileira em combater a degradação ambiental e atividades ilícitas na floresta.110

109

SANTOS, Jean Carlo Silva dos. Gestão Estratégica da Informação como Fator Condicionante para a

Definição e Implementação de Políticas de Defesa e Segurança Nacional no Contexto da Amazônia Legal: o

Caso SIPAM/SIVAM. Rio de Janeiro, 2007. Dissertação (Mestrado em Administração Pública) – Fundação

Getúlio Vargas. Escola Brasileira de Administração Pública - Centro de Formação Acadêmica d Pesquisa, Rio

de Janeiro. 110

Os problemas amazônicos elencados há pouco, assim como os discursos ambientais, a atuação das ONGs e as

ações em prol da preservação mundial da floresta foram citados para mostrar a complexidade de possíveis

ameaças e discursos voltados à região amazônica e à soberania nacional atualmente. Tais discussões não se

extenderão devido à complexidade do assunto e o grande rol de problemáticas que poderiam se abrir, tirando o

foco do trabalho sobre o Programa Calha Norte e o Sivam.

88

4.1 A PRESENÇA NA AMAZÔNIA DURANTE A COLONIZAÇÃO E O IMPÉRIO: A FLORESTA,

A COBIÇA E O IMAGINÁRIO

Os discursos atuais sobre a importância do controle e preservação da Amazônia não

se constituem em um fato contemporâneo, visto que as preocupações com a região vêm de

longa data. Desde o domínio português, a região amazônica tem se mostrado como uma área

de grande importância, seja pelo plano político, econômico ou estratégico, cabendo aos órgãos

governamentais criar propostas e atribuir novos valores à floresta e sua biodiversidade, a fim

de legitimar o discurso para a ocupação ou operações do Exército e da União.

Daniel Antiquera afirma que no período colonial a política externa aplicada na região

amazônica limitava-se à expansão e conquista territorial, afirmando que “o objetivo prioritário

era conquistar e garantir a soberania sobre o território para colher os frutos desse domínio”111

.

Ou seja, a princípio Portugal desrespeitava o Tratado de Tordesilhas em nome de sua

expansão territorial (visto que a região amazônica escontrava-se no território designado à

Espanha), a fim de garantir o controle sobre os recursos e as rotas de comércio, não havendo

até o século XIX a pretensão de desenvolvimento do território brasileiro.

No início do século XVII, a Amazônia constituía-se em uma fronteira em aberto e as

primeiras expedições organizadas pretendiam estender ou manter o território português de

possíveis invasões, pois o Tratado de Tordesilhas deixou de vigorar no período, devido à

União Ibérica. As expedições, que segundo Celso Castro e Adriana Barreto de Souza não

eram ainda constituídas por homens sob ordens de exército, possuíam um caráter muito mais

exploratório, com o intuito de mapear e conhecer o que poderia haver a oeste das povoações

portuguesas no nordeste brasileiro, ou seja, terras até então espanholas.

Embora a maioria dessas expedições fossem constituídas por homens de várias

nacionalidades, a primeira expedição comandada por um português teria sido a de Francisco

Caldeira Castelo Branco (capitão-mor do Rio Grande do Norte até 1613, quando iniciaram-se

os combates no Maranhão e assumiu o comando de um grupo armado enviado da Bahia e

reforçado em Pernambuco), impulsionada pelas invasões francesas no litoral maranhense. A

metrópole só teria dado uma maior importância à região amazônica e ao Maranhão após a

ocupação de São Luís pelos franceses em 1612.

111

ANTIQUERA, Daniel de Campos. A Amazônia e a política externa brasileira: análise do Tratado de

Cooperação Amazônica (TCA) e sua transformação em organização internacional (1978-2002). Campinas,

2006. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) – Unicamp, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas,

Campinas, p. 22.

89

Castro e Souza ainda defendem que a idéia de “cobiça” de outros países sobre a

região, presente principalmente nas versões históricas propagadas pelo Exército brasileiro, era

inexistente, afirmando que “se havia „cobiça‟ pela região, ela provinha dos portugueses,

interessados em iniciar o reconhecimento geográfico, a exploração econômica e, assim,

garantir a posse do local”112

e obviamente, o interesse em enriquecer por parte dos

exploradores que se embrenhavam na mata ou subiam os rios ainda desconhecidos.

Os autores ainda lembram que as primeiras expedições não devem ser vistas como

pertencente a um exército luso-brasileiro (termo utilizado, pois a maioria da expedição era

composta por portugueses e brasileiros) pelo simples fato de que em 1615 não existia exército

em Portugal113

, além do que Portugal (e consequentemente suas colônias) estava sob o

domínio espanhol desde 1580, o que desestruturou de certa forma as organizações militares

portuguesas ainda criadas durante o reinado de D. Sebastião (1557-78), que seguiam as

chamadas Ordenanças Sebásticas. Portanto, tais expedições teriam sido organizadas por

ordens de Felipe III da Espanha (que assumiu o trono espanhol em 1598), assim como as

ordens para que o governo geral do Brasil organizasse a defesa do Maranhão contra os

franceses (e algumas investidas inglesas), que também teriam partido de Madri. Portanto, as

expedições realizadas até 1640 objetivavam a exploração de terras castelhanas, levando em

consideração a delimitação estabelecida pelo Tratado de Tordesilhas.

Piero de Camargo Leirner ainda afirma que durante o século XV, na medida em que

o poder absoluto do rei aumentava, a nobreza com sua renda cada vez menor acabou por

tornar-se o que o autor chama de “a oficialidade”114

. Seguindo o modelo de organização e em

muitos casos financiamento pela nobreza (de certa forma destituída), o exército constituiu-se

em verdadeiras forças particulares (porém recebendo o soldo da Coroa no período da

expansão marítima portuguesa) até as reformas do Marquês de Pombal em 1757, adotando a

partir daí um modelo mais parecido com os dias atuais com divisões e certa hierarquia entre

os soldados.

No caso português, com a maioria do efetivo direcionado à força naval, adotou-se na

colônia uma forma diferenciada da organização estabelecida na metrópole para dessa forma

garantir a defesa do território colonial. Para tanto, a Coroa delegou poderes aos senhores de

terras para que esses se tornassem responsáveis pela organização e manutenção de

112

CASTRO, Celso e SOUZA, Adriana Barreto. A Defesa Militar da Amazônia: Entre História e Memória in

CASTRO, Celso (org.). Amazônia e Defesa Nacional. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p.42. 113

Castro e Souza colocam que um Exército permanente português só teria sido criado em 1641 como forma de

sustentar a revolução de 1640 contra o domínio filipino. 114

LEIRNER, Piero de Camargo. Breve História da Hierarquia Militar. Meia Volta Volver – Um Estudo

Antropológico Sobre a Hierarquia Militar. Rio de Janeiro: FGV, 1997.

90

contingentes militares sob seu comando. Ainda entre os arregimentados, pode-se notar um

grande número de indígenas e escravos, o que posteriormente ganhou força no discurso

castrense sobre o mito das três raças unidas para a formação da nação e de certa forma

contribuiu para que a hierarquia moldasse a estrutura da organização, em determinados

períodos mais presente do que as diferenças sociais.

Segundo Castro e Souza, o território da atual Amazônia brasileira recebeu as

primeiras unidades de defesa somente em julho de 1753, quando dois regimentos foram

enviados de Portugal para a região. Tais medidas teriam sido tomadas a fim de garantir a

posse (e consequentemente a defesa) dos territórios recém-anexados ao domínio português

pelo Tratado de Madri em 1750 pelo princípio de uti possidetis (o que não teria acabado com

as tensões entre Portugal e Espanha, despertando inclusive os interesses da França e

Inglaterra). Porém as melhorias necessárias para a reforma militar pretendida como a criação

de novos regimentos no Grão-Pará acabou perdendo espaço para as disputas com os jesuítas e

a criação de companhias de comércio que também visavam a interiorização das fronteiras e a

conseqüente necessidade de colonização dessas novas áreas recém-anexadas.

A luta contra os jesuítas, a preocupação com a elaboração de um projeto mais

efetivo de colonização e com a criação de uma companhia de comércio na região

ganharam prioridade e, para resolver disputas internas, continuava-se recorrendo a

forças militares recrutadas de última hora entre a população local. 115

O Pará só receberia um novo regimento do Exército em 1802, mandado do Rio de

Janeiro para reforçar a fronteira com a Guiana Francesa devido às disputas entre os governos

português e francês sobre as fronteiras de Caiena. Nos anos seguintes novos regimentos foram

incorporados à capitania do Pará, concentrados principalmente em Belém e Macapá. Castro e

Souza lembram que tal defesa luso-brasileira, além de tardia, era limitada a uma estreita faixa,

visto que no início do século XIX a capitania geral do Pará correspondia aos ainda

inexistentes territórios de Amapá, Rondônia, Roraima e Acre, além de praticamente todo o

território do que corresponderia hoje ao Amazonas.

A única subdivisão existente, da capitania do Rio Negro, ainda era subordinada ao

Pará, ou seja, “até 1822, para guarnecer toda a área da Amazônia contava-se apenas com três

115

CASTRO, Celso e SOUZA, Adriana Barreto. A Defesa Militar da Amazônia: Entre História e Memória in

CASTRO, Celso (org.). Amazônia e Defesa Nacional. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p. 55.

91

regimentos de infantaria e um corpo de cavalaria”116

, quadro esse que segundo os autores não

se alteraria consideravelmente durante os 67 anos de duração da monarquia portuguesa, o que

continuava a se constituir em um efetivo reduzido para a defesa de uma área tão vasta. As

tropas ficavam aquarteladas na capital enquanto o interior da Amazônia era defendido por

pequenas milícias particulares.

Mesmo com a criação da província do Amazonas em 1850, não teria sido criada

nenhuma unidade militar para a região, sendo encontrados registros de guarnições fixas na

província somente a partir de 1858. Alcemar Ferreira Júnior afirma que durante a Regência

(1831-40) houve poucos avanços no Exército, sendo seu contingente reduzido já em 1831 a

50% do efetivo, além da criação da Guarda Nacional117

, quadro que teria se alterado com uma

certa modernização do Exército a partir de 1850, quando começam a ser criados novos

regulamentos, leis, repartições, entre outros voltados para a organização da instituição militar,

assim como um aparato burocrático utilizado para maior controle dos superiores.

É importante ressaltar também que com um efetivo longe do que seria o ideal em um

país de dimensões continentais, questões referentes á segurança na capital Rio de Janeiro e

posteriormente a Guerra da Tríplice Aliança (ou Guerra do Paraguai) ocorrida entre 1864 e

1870 obrigou o envio de tropas para a região sul e Mato Grosso, negligenciando de certa

forma a defesa do território amazônico, que naquela altura não enfrentava indícios concretos

de invasão. Adriana Marques afirma em sua dissertação que devido aos percalços, discussões

e situações encontradas durante a Guerra da Tríplice Aliança, o Exército brasileiro se tornou

mais homogêneo, mais consciente da sua institucionalidade:

Sem dúvidas, o Exército que emerge da Guerra do Paraguai é dotado de espírito de

corpo orgulhoso de sua vitória militar, ressentido com as lideranças políticas e

convencido de que as questões de Defesa só são valorizadas pelos próprios

militares.118

Para Piero de Camargo Leirner, além de todo o sentimento e espírito de tropa

herdados durante a Guerra do Paraguai, pode-se notar ainda mudanças, como a hierarquia por

méritos de combate, que rompeu com o padrão aristocrático, ainda associado à ligação dos

116

Idem, p. 56. 117

FERREIRA Jr., Alcemar. A Fênix Imperial: O Exército Brasileiro nas Décadas de 1850 e 1860. Anais do

XXIII Simpósio Nacional de História – História: Guerra e Paz (CR-ROM). Associação Nacional de História

(Anpuh). Londrina: Editora Mídia, 2005. 118

MARQUES, Adriana A. Concepções de Defesa Nacional no Brasil: 1950-1996. Campinas, 2001. Dissertação

(Mestrado em Ciência Política) - Unicamp, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, p. 19.

92

oficiais com a nobreza. Sobre tal aspecto, também compactuando com as palavras de Adriana

Marques, Leirner afirma:

Pode-se dizer que a Guerra do Paraguai é um “marco inaugural” para o Exército, no

sentido de reunir elementos suficientes para que este, como corpo especializado de

combate e representante único e íntegro da defesa nacional em relação aos

“estrangeiros” seja visto pelos seus membros como uma “comunidade em si”, que

elabora suas próprias regras, tem uma conduta diferente do “restante” da nação e,

principalmente, que veja o “restante” como tal. 119

Devido à mobilização das tropas para o conflito no sul do Brasil e com os pequenos

contingentes militares presentes na região amazônica no período, tudo leva a supor que, ao

contrário do que o Exército prega, os principais responsáveis pela interiorização e colonização

da Amazônia brasileira teriam sido as missões jesuíticas, que se estenderam ao longo de

vários rios da bacia amazônica. Segundo Castro e Souza, a maioria das expedições possuíam

alguns religiosos, o que facilitava a comunicação junto aos grupos indígenas presentes no

interior e de certa forma já familiarizados com as ordens religiosas na região, não sendo,

portanto as fronteiras delimitadas ou mantidas pela força das armas, mas sim muito mais pela

diplomacia, ou seja, “não só a presença do Exército continuava inexpressiva, como também

não se pode atribuir a ela a constituição e a defesa das atuais defesas brasileiras. Essas não se

formaram através de uma política agressiva de guerras” 120

, mas sim por acordos diplomáticos,

como o Tratado de Madri em 1750 e o de Santo Ildefonso de 1777, porém deve-se ainda

negar a idéia de unidade dessas regiões, assim como a centralidade da América portuguesa,

que só conseguiu estabelecer suas fronteiras na segunda metade do século XIX.

Durante o século XIX a Floresta Amazônica foi afetada pela busca de matérias

primas e mercados consumidores de produtos industrializados das principais potências da

época. A corrida imperialista do século XIX desenvolvida pelas potências européias

(Inglaterra, França, Bélgica, Alemanha e Itália), somadas com Estados Unidos e Japão chegou

à Amazônia brasileira, vista como uma região promissora para a extração de matéria-prima

como o látex e outros produtos que, seja pelo seu valor econômico internacional ou pela sua

inexistência em outras regiões do planeta, chamou a atenção das empresas ou mesmo o

governo desses países.

119

LEIRNER, Piero de Camargo. Op. Cit., p.66. 120

CASTRO, Celso e SOUZA, Adriana Barreto, Op. Cit. p. 61.

93

A maior atuação estrangeira na Amazônia do século XIX é de ingleses e norte-

americanos interessados principalmente no látex, visavam ainda o controle da navegação

fluvial, a fim de dominar setores estratégicos da economia amazônica. Baseados nesses

motivos, um grande número de cientistas, pesquisadores, estudiosos e viajantes estrangeiros

defendiam a internacionalização da região da floresta em benefício da melhoria da atividade

comercial no que se refere à produção econômica do Noroeste Boliviano e em prol das

atividades científicas realizadas por alguns desses pesquisadores.

Em meados de 1852, o imperador do Brasil, D. Pedro II, pressionado pelos Estados

Unidos e Bolívia, concedeu ao Visconde de Mauá, o Monopólio da Navegação dos rios da

Amazônia como uma forma de evitar a livre circulação estrangeira na rede fluvial da região.

Na década seguinte, em 1867, a assinatura do Tratado de Ayacucho entre Brasil e Bolívia

definiu a livre navegação pelos rios da Amazônia e concedeu ao Brasil em definitivo, a região

do Alto Madeira.

Em 1874, a Companhia Amazon Steam Navigation, de capital norte-americano,

monopolizava a navegação fluvial do Amazonas, Madeira, Beni, Guaporé e Mamoré. Embora

a presença estrangeira na Amazônia tenha se reduzido aos Estados Unidos e algumas

concessões esporádicas, tornava-se cada vez mais forte o sentimento militar e nacional da

cobiça estrangeira pelas riquezas presentes na floresta, além do temor de uma invasão

sistematizada que poderia ser organizada pelas forças estrangeiras, que em algumas regiões

possuíam maior presença efetiva e conhecimento da área do que os brasileiros.

A migração para a região em busca de emprego na extração do látex e da juta, além

do comércio fluvial durante grande parte do século XIX, levou à região milhares de homens

advindos da região nordeste do país, que devido à miscigenação com os indígenas, formam a

maioria mestiça presente na região, composta caboclos, originalmente constituídos pela união

de europeus e nativos no início do século XIX e posteriormente cruzados com os nordestinos

na segunda metade do mesmo século.

4.2 A AMAZÔNIA E O SÉCULO XX:

A idéia de que o Exército seria a única e verdadeira força responsável pela unidade

da nação continuou presente no início do novo século, inclusive com os debates e disputas

internas nas academias militares entre ex-combatentes e oficiais mais profissionalizados. No

início do século XX foi instituído o serviço militar obrigatório (entre 1908 e 1914), com

pequenas unidades espalhadas pelo interior do país como os Tiros de Guerra e unidades

94

maiores, as Brigadas Estratégicas, além do envio de oficiais para estágio em países como a

Alemanha. Ainda em 1919 o país recebeu a Missão Militar Francesa que teria contribuído

para a reestruturação e centralidade do comando, criando um Estado-Maior, o que de certa

forma acabou com os vínculos entre setores da hierarquia e elites regionais, além de formar

um maior espírito de coesão entre os militares, criando-se normas e regulamentos para o

melhor funcionamento da organização.

Ainda nas duas primeiras décadas da República, a importância estratégia da

Amazônia sofreu influência do ciclo da borracha e a grande quantidade de látex produzido, o

que atraía interesses econômicos e políticos para a região. Desse período datam os principais

acordos territoriais brasileiros na região norte, entre eles a disputa pelo território do atual

Estado do Acre entre Brasil e Bolívia, resolvido em 1903 pelo Tratado de Petrópolis, a

disputa do Amapá entre Brasil e França a fim de traçar uma fronteira com a Guiana Francesa,

além da delimitação entre o país e a Guiana Inglesa, e finalmente o estabelecimento dos

limites entre Brasil e Colômbia.

A necessidade da ocupação da região teria fomentado a eclosão de sentimentos

exógenos, principalmente após a compra de uma grande porção de terra próxima a Santarém,

no Pará, por Henry Ford para o estabelecimento do que ficou conhecido como “Fordlândia”,

uma cidade com padrões e regras norte-americanas no meio da floresta habitada por

trabalhadores brasileiros e estrangeiros, idealizada pelo seu proprietário, visando o

fornecimento de látex, até então necessário para a fabficação dos pneus dos automóveis

fabricados nos Estados Unidos. Logo o sentimento de que a cobiça internacional pairava

sobre a floresta voltou à tona. É desse período também que figura a importância estratégica

dada à região pela descoberta de recursos minerais de grande valor.

Com o governo de Getúlio Vargas (1930-1945) o Exército Brasileiro teria sido

modificado em vários aspectos. Possuindo uma formação militar, Vargas voltou os esforços

para o maior desenvolvimento do Exército, atingindo o aumento do efetivo em 100% durante

o seu governo, chegando a 100 mil homens com a criação de 50 unidades, entre elas 13 de

fronteira121

. Vargas ainda teve papel decisivo com leis para maior regulamentação da

organização e a criação do Ministério da Aeronáutica em 1941, assim como algumas

academias militares, entre elas a Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) em 1931,

além da mudança da doutrina francesa (presente até 1940) para a norte-americana.

121

BENTO, Cláudio Moreira. O Governo de Getúlio Vargas e a sua Projeção na Evolução da Doutrina do

Exército (1930-45). Instituto Histórico de Petrópolis. Disponível em www.ihp.org.br/docs/cmb20040825.htm.

Acesso em 03 de março de 2008.

95

No campo da Defesa Nacional, devido à Segunda Guerra Mundial, as preocupações

voltaram-se para a defesa do litoral brasileiro, principalmente em áreas estratégicas como

Nordeste, o arquipélago de Fernando de Noronha e a Baía da Guanabara. Com a participação

efetiva brasileira na guerra com o envio da Força Expedicionária Brasileira (FEB) para a

Itália, as atenções voltaram-se para a Europa e o Atlântico, deixando de lado os assuntos

referentes à região amazônica, tanto no que diz respeito à sua ocupação quanto à defesa.

Uma das únicas políticas relacionadas à Amazônia que pode-se identificar no

contexto da Segunda Guerra Mundial diz respeito à produção de borracha (já presente e

responsável pela imigração de trabalhadores para os seringais desde 1850, mas com maior

volume na última década do século XIX), que no discurso de alguns militares brasileiros foi

de extrema importância para a vitória aliada na guerra, graças aos chamados “soldados da

borracha”.

A operação que envolveu investimentos norte-americanos (que não podiam mais

comprar a borracha produzida nas ilhas do Pacífico, tomadas pelo Japão) e teria mobilizado

cerca de 60 mil homens entre 1942 e 1945 para os seringais da floresta, entre voluntários (em

um primeiro momento) e grande parte de alistados, com base no “culto à personalidade do

Presidente Vargas e a arregimentação da sociedade, segundo moldes disciplinadores e

militarizados”, inclusive durante a adaptação nos locais em que os trabalhadores esperavam

pelo transporte, onde também “recebiam treinamento físico em moldes militares e a deserção

era considerada como crime de guerra” 122

.

Tal ação é vista por muitas produções castristas como um enorme e vitorioso esforço

de guerra, embora as péssimas condições de vida e infra-estrutura oferecidas tenham levado à

morte cerca de metade desse contingente durante a chamada “Batalha da Borracha”. A

propaganda varguista para o convencimento desse montante de trabalhadores é também um

aspecto interessante, onde o público-alvo (refugiados da seca no nordeste e desempregados do

sudeste), que em nome da pátria deveria extrair a borracha tão necessária para as máquinas de

guerra daqueles (inclusive brasileiros) que lutavam pela liberdade na Europa. Nas palavras de

Maria Liége Freitas Ferreira:

Trata-se de um cidadão esquecido em sua vida pelos poderes públicos, que agora é

cooptado, ao ser elevado à categoria de soldado fundamental para o sucesso do

Brasil na guerra, além de contribuir diretamente para o desenvolvimento brasileiro

122

MACIEL, Dulce Portilho. Conferência da Amazônia para a “Batalha da Borracha”: Negociação da

Tragédia. Anais do XXIII Simpósio Nacional de História – História: Guerra e Paz (CR-ROM). Associação

Nacional de História (Anpuh). Londrina: Editora Mídia, 2005.

96

na Amazônia (...) Sentia-se útil e seguro do cumprimento das promessas do governo,

sentia-se valorizado, ao ser convocado como soldado da borracha. 123

Dessa forma, a idéia de prestação de um serviço à pátria tornou capaz a mobilização

de um grande número de pessoas (muitos com suas famílias) para a região, associando assim

o discurso presente na Batalha da Borracha ao discurso da Marcha para o Oeste, onde a

propaganda varguista prometia uma terra abundante em recursos (muitas vezes associado à

imagem do Eldorado) onde se poderia iniciar uma nova vida, sem os problemas da seca

nordestina ou do desemprego sudestino.

Durante a ditadura militar brasileira (1964-1984) as atividades na região amazônica

foram intensificadas com a expansão da pecuária e a extração de madeira em grande volume,

já configurada como atividade ilegal. Com a intensificação da política de desenvolvimento e

integração nacional voltada à região norte durante o governo militar, vários outros projetos

foram criados objetivando a presença estatal e o levantamento de informações sobre a área.

Durante a ditadura, os projetos de construção de estradas na região iniciados no final da

década de 1950 foram colocados em prática, destacando-se a BR- 364 (a Cuiabá-Porto Velho,

iniciada em 1965), a Belém-Brasília (BR-010) a partir de 1967.

Com a criação do Plano de Integração Nacional (PIN) em 1970, tornou-se possível a

construção de um número maior de estradas, entre elas a BR-163 (Cuiabá-Santarém) e a

rodovia Transamazônica, nome popular da BR-230, que buscava segundo o discurso do

governo federal a integração do norte do país, ligando o nordeste, através de uma rodovia

pavimentada ao Peru e Equador. A obra considerada por muitos como faraônica, inaugurada

em 1972 durante o governo de Emílio Garrastazu Médici (1969-74), pretendia a integração da

região norte, assim como o estímulo à colonização nessa região baseada no loteamento e

incentivo a pequenas propriedades. Tal projeto mostrou-se inviável principalmente no trecho

em que a rodovia adentra a floresta, onde o isolamento impossibilitou a colonização e

dificultou o andamento da obra.

Atualmente, embora a rodovia possua trechos duplicados (principalmente nos seus

primeiros quilômetros na Paraíba) e áreas pavimentadas, grande parte da rodovia (que em

algumas áreas é descontínua, com quilômetros planejados, mas não implantados entre alguns

trechos, como no Ceará) torna-se intransitável principalmente durante o período chuvoso

123

FERREIRA, Maria Liege F. Borracha para o Mundo: A Construção Imagética e Discursiva para o Eldorado

Amazônico (1940-1945). Anais do XXIII Simpósio Nacional de História – História: Guerra e Paz (CR-ROM).

Associação Nacional de História (Anpuh). Londrina: Editora Mídia, 2005.

97

conforme avança a partir do território paraense em direção à floresta. Dos seus 1518 km

planejados, o Ministério dos Transportes considera implantado (o que pode significar apenas

um corredor estreito e sem infra-estrutura no meio da floresta) pouco mais de 710 km124

,

muitos deles informados como estando “em processo de pavimentação”.

Entre os principais projetos voltados ao desenvolvimento da Amazônia durante o

período militar destacam-se a criação da SUDAM (Superintendência para o Desenvolvimento

da Amazônia) conforme Lei 5.173 de 1966, substituindo a Superintendência do Plano de

Valorização Econômica da Amazônia, a fundação do Banco da Amazônia (BASA) também

em 1966 objetivando a facilitação do crédito e movimentação eonômica na região, a

Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa) em 1967, buscando maiores

investimentos através do estabelecimento de empresas através de incentivos fiscais, além da

realização do projeto RADAM (Radar da Amazônia) que pretendia um maior estudo sobre a

presença de recursos naturais na floresta como minérios e madeira, além do levantamento

sobre as possibilidades e viabilidade econômica da região. Tal projeto foi de suma

importância para o estudo geológico da região, contribuindo para a identificação e

classificação do revelo, que até então se acreditava ser uma grande planície, além de

informações geológicas sobre a formação da Bacia Amazônica.

As correntes migratórias para a região e o avanço das fornteiras agrícolas também

datam do período militar, na tentativa de ocupar a região e sanar problemas como a falta de

terras cultiváveis na região sul e a pobreza e desemprego do nordeste. A criação do INCRA

(Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) em 1970 impulsionou tal movimento,

substituindo grandes áreas de floresta nativa por pastagens para a pecuária intensiva, o que

ocorre até os dias atuais, agravado pelo avanço da soja e a concentração fundiária. O impacto

ambiental também esteve presente no incentivo à mineração, com a extração desordenada, a

proriferação de doenças entre garimpeiros e indígenas, contribuindo também para disputas

territoriais e o aumento da violência.

As questões sobre a importância ambiental da Amazônia para o mundo vieram à tona

a partir de 1972, quando foi realizada “Conferência das Nações Unidas sobre o Meio

Ambiente Humano”, que através do Protocolo de Estocolmo cobrava maior preservação da

floresta. Em 1978 foi assinado o Tratado de Cooperação da Amazônia (TCA) assinado por

Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, estreitando as

124

BRASIL. Ministério dos Transportes – Secretaria Executiva. BR-230. Disponível em

www.transportes.gov.br/bit/trodo/br-230/gbr-230.htm. Acesso em 23 de março de 2008.

98

relações diplomáticas entre os signatários e reafirmando a importância na preservação da

floresta.

4.3 O FIM DA DITADURA E A NOVA REPÚBLICA: POLÍTICA PARA A OCUPAÇÃO E

INTEGRAÇÃO DA AMAZÔNIA

Com o final do governo militar no Brasil, as Forças Armadas viram-se obrigadas a

readaptar seu discurso ao da nova democracia inaugurada em 1985, porém ainda possuíam

uma certa influência, pois a defesa e segurança do país ainda deveriam ser mantidas e

garantidas por uma força militar, agora sob um comando civil, em um movimento

considerado contrário ao de sua autonomia dentro do aparelho do Estado . Nas palavras de

Ednéia Fázio:

Algumas mudanças são assinaladas em relação à atitude das Forças Armadas diante

da sociedade e do Estado, entre elas o contexto político, no qual, às atribuições dos

militares foram reinseridas, uma vez que os métodos e objetivos da Aliança

Democrática eram opostos aos dos governos militares, mas as Forças Armadas

continuaram preservando suas antigas funções em novas situações políticas. 125

Tal movimento permitiu a participação de \militares em funções e cargos que não

eram específicos de militares, como o Conselho de Segurança Nacional. Ednéia Fázio afirma

que no período um grande número de oficiais extrapolava suas funções, ao mesmo tempo em

que ampliava a idéia de tutela política sobre o novo governo. Ainda teriam sido criados seis

ministérios para gerir temas referentes à Defesa Nacional, todos eles a princípio encabeçados

por oficiais: Exército, Marinha, Aeronáutica, Estado-Maior, Casa Militar e SNI (Sistema

Nacional de Informações). A idéia propagada era a da importância vital das Forças Armadas

no novo cenário político, onde seus atores...

Assinalavam entre outras questões, a precariedade e o despreparo técnico dos

demais atores políticos para enfrentar os entraves da Defesa Nacional e

conseqüentemente do desenvolvimento nacional, alegando a necessidade da

125

FÁZIO, Ednéia. O Governo Democrático e as Forças Armadas Brasileiras. Anais do XXIII Simpósio

Nacional de História – História: Guerra e Paz (CD-ROM). Associação Nacional de História (Anpuh). Londrina:

Editora Mídia, 2005.

99

presença militar em todo território nacional, a sua dedicação aos interesses de

âmbito Nacional. 126

Essa situação acabava por reforçar os discursos que defendiam que os militares

seriam essenciais para o país, onde “a mentalidade militar enfatizava que os seus membros

eram os legítimos representantes da nacionalidade e da vontade nacional, subestimando os

mecanismos de manifestação de vontade popular” 127

, criando dessa forma a sensação de que

a democracia reinaugurada em 1985 com o governo de José Sarney só seria possível com a

tutela das Forças Armadas, como se estes estivessem entregando o poder político para

presidentes civis por livre e espontânea vontade. A sensação de que a organização castrense

continuava com um grande poder e influência pode ser notada pelo número de oficiais no

governo e a questões como a anistia oferecia aos militares após a ditadura. Tal idéia ainda é

reforçada por Ednéia Fázio, que argumenta que não teria sido o poder civil o responsável pela

reorientação profissional, mas sim a própria instituição:

O papel desempenhado pelas Forças Armadas não foi definido pelos civis, ficando a

cargo da própria instituição estabelecer sua orientação profissional destacando o

destino das Forças Armadas para a defesa interna e não externa, continuando assim,

a interferir nos destinos políticos e administrativos do país elaborando uma

organização bem estruturada, com objetivos e estratégias definidas e, fundamentadas

em doutrinas específicas da instituição castrense garantindo assim, o seu

funcionamento no regime democrático. 128

Portanto, mesmo com um governo civil, as Forças Armadas continuaram gozando de

certa autonomia no que diz respeito às suas ações, idéias e objetivos (incorporados ao discurso

da Segurança Nacional), com tal orientação podendo ser compreendida como uma

reformulação de sua função, agora voltada para a defesa e manutenção do regime

democrático. O governo de José Sarney seria marcado, segundo Marcelle Ivie da Costa Silva

na sua dissertação em Relações Internacionais, uma postura mais defensiva no que se refere à

Amazônia, visto o desenvolvimento de discursos ambientais no decorrer da década de 1980

que condenava os países subdesenvolvidos pela degradação ambiental, o que teria sido

interpretado como interferência na soberania brasileira.

126

Ibidem. 127

Ibidem. 128

Ibidem.

100

Em resposta aos discursos que defendiam uma maior intervenção dos países

desenvolvidos na Amazônia, o governo Sarney teria colocado em prática então o Projeto

Calha Norte em 1985, idealizado durante o período militar, objetivando a defesa do país,

mostrando também certa continuidade às políticas adotadas anteriormente pela ditadura:

Ao dar continuidade às ações políticas para a Amazônia, Sarney adotou uma postura

defensiva em relação às críticas dos ambientalistas, em contraposição à postura mais

agressiva dos militares no período anterior. No entanto, apesar das diferenças, há em

comum nos dois períodos o fato de que a soberania nacional foi utilizada como

centro da argumentação para defender os direitos do país sobre seu território. A

visão soberanista de Sarney pode ser encarada como uma manifestação da influência

dos militares na formulação de ações para a Amazônia (...) 129

A autora mostra, portanto a continuidade nos discursos que teriam sido utilizados

para as questões territoriais sobre a Amazônia tanto no governo militar quanto no civil,

embora tenham respondido de maneira distinta às críticas fomentadas por movimentos

ambientalistas sobre a floresta. A idéia de tutela sobre o regime democrático teria perdido um

pouco a força após a eleição de Fernando Collor de Melo, que desativou o Sistema Nacional

de Informações (SNI) e reduziu o número de militares entre os ministros, porém Itamar

Franco teria recorrido às Forças Armadas no que se refere a algumas missões ou questões,

entre elas o reforço aos projetos Calha Norte e o Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia),

o que Ednéia Fázio aponta como sendo indícios da fraca liderança do governo sobre os

projetos com características militares.

José Sarney em 1988 criou através do Decreto nº 96.944 de 12 de outubro o

Programa Nossa Natureza, onde sua Comissão Executiva deveria ser presidida pelo

secretário-geral da extinta Secretaria de Assessoramento da Defesa Nacional (SADEN/PR),

que também era responsável pelo Calha Norte. Foi criado em 1989 o Instituto Brasileiro do

Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) pela fusão da Secretaria do

Meio Ambiente (SEMA), Superintendência da Borracha (SUDHEVEA), Superintendência da

Pesca (SUDEPE), e o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) 130

. O

governo Sarney ainda teria articulado em 1989 a Declaração de Manaus que defendia a

129

SILVA, Marcelle Ivie da Costa. Amazônia e Política de Defesa no Brasil (1985-2002). Campinas, 2005.

Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) – Unicamp, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas,

Campinas, p.42-43 130

Brasil - Ministério do Meio Ambiente. Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais

Renováveis - História. Disponível em: www.ibama.gov.br/institucional/histórico. Acesso em: 16 de março de

2008.

101

responsabilidade dos países amazônicos sobre seu território, não permitindo qualquer tipo de

interferência de outros países na região.

Com os assuntos referentes à defesa e segurança nacional sendo tratados na esfera

militar, a instituição castrense voltou a formação de seus soldados e oficiais para os temas

pretendidos pelas Forças Armadas e deixados para segundo plano por autoridades civis, como

o narcotráfico, a violência urbana e as ameaças (internas e externas) à Amazônia, entre outros.

O governo de Fernando Collor de Melo teria agido de uma maneira mais diplomática,

sediando inclusive a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o

Desenvolvimento em 1992, mostrando uma maior preocupação do governo brasileiro com as

questões ambientais, tendência essa que se repetiu durante o governo de Itamar Franco, que

também deu ênfase ao setor estratégico com as negociações sobre o Sipam e o Sivam, que

também possuíam um discurso voltado à preocupação ambiental, a fim de evitar mais

pressões internacionais pela preservação da floresta.

Em 1996 foi aprovada pelo então presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso,

a Política de Defesa Nacional (PDN), documento considerado inédito até então, por reservar-

se à defesa nacional. Segundo sua redação, a PDN visava manter a integridade territorial

brasileira, além de incentivar a elaboração de estratégias para o combate a grupos armados

ilegais, o narcotráfico e o crime organizado internacional.

Aliados a esses problemas, ainda havia a questão da biopirataria, das reservas

indígenas e o vazio demográfico (branco) da região, que exigiam um maior monitoramento e

a presença do Estado, reafirmando a importância do Projeto Calha Norte e do Sivam. Nesse

contexto, foram criados ainda comandos militares para a Amazônia, além de bases da

marinha, exército e aeronáutica para a região da floresta acompanhando o processo e a

estratégia de vigilância e defesa.

4.4 O PLANO COLÔMBIA E A DEFESA NACIONAL BRASILEIRA

Com o final da Guerra Fria, as ameaças de comunismo e as disputas ideológicas de

um mundo bipolar foram substituídas pelas preocupações de uma nova configuração de

mundo, que agora pregaria a “internacionalização” amazônica, sugerem uma mudança no

modo das Forças Armadas brasileiras tratarem a defesa nacional, onde pôde-se notar

alterações nos discursos militares, alertando para ameaças à soberania nacional e intervenções

estrangeiras em nome de questões ambientais. O coronel, hoje na reserva Gélio Fregapani

102

argumenta que entre as regiões despovoadas do planeta, a Amazônia é a única que ainda pode

ser habitada caso a população mundial continue a crescer:

Ante essa realidade, manifestam-se pressões, baseadas em concepções forjadas,

segundo as quais, acima das fronteiras nacionais, está o interesse da humanidade.

Nossa Amazônia, com sua riquíssima biodiversidade, água doce abundante e

vastíssimas riquezas minerais ainda inexploradas, é, naturalmente, motivo de grande

inquietação. A demanda por novos espaços vitais, em conseqüência da

superpopulação mundial, agrava as nossas preocupações. 131

O coronel Fregapani ainda chama a atenção para as reservas minerais e o grande

potencial econômico da região, o que pode atrair o interesse de grandes empresas e outras

nações, que apoiando-se em dados manipulados pela mídia internacional poderiam inclusive

chegar a uma situação de beligerância para tirar tal poder da mão do Brasil. Além do discurso

nacionalista, setores como a indústria farmacêutica e de minérios têm um grande interesse na

diversidade vegetal e mineral da região, o que seria facilitado pela intervenção internacional

em nome da garantia do futuro e preservação da humanidade.

Vários autores apontam que os planos e ações estratégicas do Exército brasileiro

teriam se alterado nos últimos anos devido à diminuição da rivalidade entre Brasil e Argentina

(e a conseqüente diminuição do risco de um ataque ou invasão, associados aos avanços nas

negociações do Mercosul) e à importância atribuída à região amazônica tanto no sentido de

manutenção da soberania (ameaçado por problemas em países vizinhos) quanto no tocante à

proteção das riquezas naturais da floresta. Entre os motivos das preocupações do Exército,

destaca-se:

No nível sistêmico, o término da Guerra Fria e a ampliação da agenda de segurança

internacional, que incorporou temas como meio ambiente, direitos humanos e

ilícitos transnacionais, são vistos com preocupação pelos militares brasileiros, pois

diminuíram o grau de previsibilidade das situações nas quais a força pode ser

empregada. 132

131

FREGAPANI, Gélio apud BENTO, Cláudio Moreira. A Amazônia e Seus Desafios. Instituto Histórico de

Petrópolis. Disponível em: <www.ihp.org.br/docs/cmb20010111.htm>. Acesso em 03 de março de 2008. 132

MARQUES, Adriana A. A Estratégia Militar do Exército Brasileiro Para a Amazônia – Fundamentos e

Implicações para a Cooperação Militar no Sul da América Latina. Anais do XXIII Simpósio Nacional de

História – História: Guerra e Paz (CR-ROM). Associação Nacional de História (Anpuh). Londrina: Editora

Mídia, 2005.

103

Adriana A. Marques coloca que na visão do Exército brasileiro a globalização é vista

por um viés pessimista, pois tal processo é compreendido como “uma nova forma de

colonialismo onde a expansão dos Estados não se faz mais através da conquista territorial”133

,

caracterizando-se pela conquistas de mercados consumidores e regiões abastecedoras. A

autora ainda afirma que a interferência de organizações internacionais em assuntos internos de

países latino-americanos seria uma forma de enfraquecer a soberania desses países,

transformando seus contingentes armados em Guardas Nacionais, enquanto as organizações

internacionais se incumbiriam da segurança militar desses países.

Na América a segurança militar do continente ficaria a cargo dos Estados Unidos,

enquanto os países latino-americanos seriam pressionados a diminuir seus efetivos

militares e mudar a missão de suas Forças Armadas, que deveriam preparar-se

prioritariamente para o combate ao crime organizado, ao contrabando e ao tráfico de

drogas. 134

Shiguenoli Miyamoto afirma que no que tange à política externa e interna no país, as

questões relacionadas à Amazônia sempre estiveram em pauta, embora durante alguns

períodos a eminência de problemas maiores na região platina tenha colocado a área da floresta

em segundo plano. A rivalidade histórica entre Brasil e Argentina, problemas políticos no

Uruguai e Paraguai, este último encarado com mais atenção devido à barragem de Itaipu e os

prejuízos energéticos que uma crise paraguaia poderia desencadear no Brasil foram os

principais responsáveis pela preocupação nacional dada ao sul do país.

Em termos efetivos, a Amazônia nunca saiu da agenda do governo brasileiro. O

problema é que, na maior parte da história nacional, as atenções sempre estiveram

concentradas no Atlântico Sul e na Bacia do Prata. Por isso, a Amazônia, ainda que

esporadicamente, até os anos 1970 merecesse atenção, de fato, só depois de 1978 é

que foi definitivamente incorporada, e, de maneira mais forte, na agenda

governamental.135

Certas mudanças ocorreram também na política externa norte-americana na década

de 1980, que passou a identificar o narcotráfico como um inimigo em potencial para o país, ao

mesmo tempo em que o comunismo mostrava sinais de fraqueza em Moscou e a região do

133

Ibidem 134

Ibidem 135

MIYAMOTO, Shiguenoli. O Brasil, a América Latina e a Segurança Regional. XXV Congresso da

Assicuação Latinoamericana de Sociologia. Porto Alegre, RS, 2005. p.7. Disponível em:

http://www.obed.ufpa.br/pdfs/miyamoto_sbrasil_ale%20_seguranca_regional.pdf. Acesso em 02 de maio de

2007.

104

Cone Sul caminhava para uma realidade política menos turbulenta e relações entre vizinhos

mais diplomáticas, já com o gérmen do Mercosul em pauta. É também em 1978 que é firmado

o Tratado de Cooperação Amazônica (TCA) que, além da questão ambiental, também traçava

metas para a manutenção da soberania dos países participantes e uma possível integração

física da região, ainda que este último item tenha sido retirado da versão final do documento.

A implantação do Plano Colômbia em 1999 pelos Estados Unidos teria influenciado

o algumas mudanças nos discursos sobre como as autoridades brasileiras viam a floresta até

então, voltando as preocupações militares ao norte do país. Conscientes da diversidade e da

importância biológica da região não só para o Brasil principalmente após a Eco-92136

no Rio

de Janeiro, com o combate ao narcotráfico as questões sobre a defesa e proteção da região

voltaram à tona. O suposto invasor anônimo que estaria interessado em extrair as riquezas da

floresta para seu próprio benefício, apoiado pela idéia da cobiça internacional pelas riquezas

brasileiras, agora tinha uma identidade e presença muito mais concretas.

Vale ressaltar ainda que as políticas brasileiras no período referentes à região

amazônica e a defesa nacional sofreram sutis mudanças no seu discurso ou mesmo parte da

estrutura das estratégias já desenvolvidas, porém o Brasil não teria mudado sua postura em

relação à sua política externa unicamente pela implantação do Plano Colômbia no país

vizinho.

A nova postura adotada pelos Estados Unidos após os atentados de 11 de setembro

de 2001, associada à militarização do Plano Colômbia (que passou a combater uma suposta

narcoguerrilha) e a política externa agressiva do país no combate ao terror (por exemplo, com

as invasões do Afeganistão e Iraque) aumentaram as preocupações brasileiras. “Os temores

quanto a uma hipotética „internacionalização da Amazônia‟ voltaram-se para uma

possibilidade bem mais concreta: a internacionalização da crise no país vizinho, com reflexos

dentro das nossas fronteiras”137

, porém os esforços estratégicos e militares norte-americanos

voltaram-se muito mais para as questões no Oriente Médio, diminuindo drasticamente sua

atuação no continente americano.

Com a intensificação do combate em solo colombiano aos plantadores de coca e

produtores da cocaína, havia a possibilidade de que estes se refugiassem em território

brasileiro, o que poderia significar uma futura invasão dos que combatem tais práticas, ainda

136

Nome como ficou popularmente conhecida a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e

Desenvolvimento, realizada de 3 a 14 de junho de 1992 no Rio de Janeiro, onde representantes de vários países

e chefes de Estado discutiram questões referentes ao desenvolvimento sócio-econômico e proteção de

ecosistemas, popularizando a idéia de desenvolvimento sustentável. 137

MARTINS FILHO, João Roberto. As Forças Armadas Brasileiras e o Plano Colômbia in: CASTRO, Celso

(org.) Amazônia e Defesa Nacional. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p.14.

105

mais depois do envio de tropas norte-americanas para a Colômbia e a associação das

guerrilhas aos narcotraficantes, na tentativa de legitimar os esforços, verbas e a presença de

tropas estrangeiras na Colômbia. O Exército brasileiro na sua doutrina militar procurou ver tal

situação com cautela, pois os Estados Unidos agora são vistos como um possível inimigo,

caso suas tropas adentrem o território brasileiro.

O Plano Colômbia foi implantado em 1999, mesmo ano da criação do Ministério da

Defesa no Brasil. O país, reagindo a tal plano tem se mostrado firme na sua decisão de não

ceder às pressões norte-americanas aos países vizinhos da Colômbia para que estes

contribuíssem no combate ao narcotráfico disponibilizando tropas e executando ações em

território colombiano, inclusive resistindo às pressões mais recentes de considerar as FARC-

EP como sendo um grupo terrorista.

Martins Filho ainda coloca que o novo ministério “parece ter conseguido articular as

preocupações com a região e uma postura estratégica mais coerente com certos traços da

política externa do país, que passou a ser expressa publicamente pelo ministro” 138

, através de

audiências públicas realizadas em comissões especializadas no Congresso, possibilitando a

análise das posições do próprio ministro e de outras autoridades militares.

Analisando tais audiências e os discursos do ministro da defesa e alguns militares,

Martins Filho identifica aspectos importantes da política externa brasileira. O então ministro

da defesa Geraldo Quintão classificou a situação colombiana para o Brasil como sendo um

assunto de segurança e não de defesa, marcando uma posição autônoma à política norte-

americana. O ministro ainda classificaria o crime organizado (e o narcotráfico) como inimigos

reais, porém não se apresentando como uma força convencional, o que excluiria, segundo o

ministro, a possibilidade de seu enfrentamento com as Forças Armadas, visto que no Brasil o

problema do narcotráfico é encarado pelo ponto de vista policial.

Martins Filho conclui afirmando que “o posicionamento do Ministério da Defesa

salientava nitidamente a idéia de que o Brasil devia se afastar do conflito no país fronteiriço e,

principalmente, recusar pressões externas no sentido de um maior envolvimento”139

, portanto

mesmo com o Brasil se dispondo a cooperar com seus vizinhos, a opinião do ministério é que

as forças nacionais devem atuar exclusivamente dentro do seu próprio território, tornando

inaceitável a idéia de uma operação conjunta em território colombiano.

Nas últimas décadas do século XX, o Exército brasileiro deslocou uma pequena

percela de suas forças objetivando patrulhar a região amazônica, principalmente na fronteira

138

Ibidem, p.13. 139

Ibidem, p. 23.

106

colombiana, mesmo descartando a idéia de uma possível invasão, ao mesmo tempo que o

discurso e as propagandas sobre a proteção amazônica ganhava mais força. Embora os

Estados Unidos tenham pressionado o país para que este combata as guerrilhas (pressão essa

estendida após 11 de setembro de 2001), o governo brasileiro argumenta que este seria um

problema interno da Colômbia e ao Brasil caberia apenas patrulhar suas fronteiras. É

importante sallientar ainda que desde a Política de Defesa Nacional aprovada no governo de

Fernando Henrique Cardoso em 1996, a defesa do país e segurança nacional são vistas como

competências também da esfera civil, e não somente militar, conforme ocorria durante a

Guerra Fria.

Mesmo que a situação colombiana tenha contribuído para a aceleração na execução

do projeto Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia), além da retomada do Calha Norte e a

Operação Cobra (ação conjunta entre Colômbia e Brasil que pretendia o combate a traficantes

de entorpecentes, destruindo plantações de coca e pistas de pouso nas áreas fronteiriças entre

os dois países), com o intuito de aumentar a presença do Estado na região (o que segundo o

ministro Geraldo Quintão estaria correndo de forma concreta140

). No texto sobre os motivos

da implantação do projeto, encontra-se o argumento da necessidade de se proteger a floresta,

mas também de manter maior controle sobre a região:

Na década de 80, a Amazônia era considerada o pulmão do mundo, e nós,

brasileiros, os incendiários que estavam acabando com o oxigênio do planeta. Os

outros países, de olho em nossas riquezas, diziam-se preocupados com a saúde da

Terra e queriam dar palpite em tudo que acontecia na Amazônia. Naquela época,

existiam na região rotas de tráfico de drogas, ocupação desordenada, invasão de

áreas indígenas, contrabando, ações predatórias - principalmente de madeireiras e

garimpos ilegais - e a ocorrência de uma série de outros crimes. Na verdade, com as

dificuldades de comunicação e de controle da região, ficava difícil para o governo

brasileiro saber a real situação da Amazônia. 141

Segundo o texto, as preocupações do governo brasileiro com a região amazônica

seriam de obtenção de maior controle sobre áreas que possam estar sujeitas a qualquer tipo de

atividades ilegais, o que poderia trazer complicações no que se refere à soberania nacional e à

criminalidade. A implantação do Sivam proporcionaria, portanto, a obtenção de um número

maior de informações sobre a Amazônia e as atividades que estariam sendo realizadas sem a

140

Ibidem, p. 25. 141

BRASIL. Comissão para Coordenação do Projeto do Sistema de Vigilância da Amazônia (CSSivam). Sistema

de Vigilância da Amazônia (Sivam). Disponível em: <www.sivam.gov.br/PROJETO/hist1.htm>. Acesso em 14

de abril de 2008.

107

permissão ou controle governamental, porém não é colocado a intenção de combater ou

diminuir as atividades ilegais da área.

4.4.1 O PROGRAMA CALHA NORTE: OCUPAÇÃO E REVITALIZAÇÃO

Embora o Projeto Calha Norte tenha sido criado em 1985, os novos discursos

desenvolvidos durante a década de 1990 sobre a questão ambiental e as ameaças advindas da

Colômbia provocaram modificações na sua concepção, permitindo assim sua adequação à

nova conjuntura de defesa e desenvolvimento sustentável, o que trouxe novos investimentos.

Durante a década de 1990 a verba repassada para o Calha Norte diminuiu (em certo período

pelo aumento dos investimentos no Sipam/Sivam), provocando uma certa inércia em suas

ações até 2000, quando este voltou a ser considerado um importante programa de defesa e

assistência social para as áreas assistidas e o Brasil como um todo.

A justificativa para a criação e implantação do Projeto Calha Norte foram os

problemas na fronteira política do Brasil tais como o contrabando, o narcotráfico, a existência

de guerrilhas e ao apoio dado ao Suriname pelo governo de Cuba em questões territoriais.

Internamente, questões ligadas à extração ilegal de riquezas minerais em terras indígenas,

além de questões advindas da década de 1970 ligadas “às preocupações históricas com a

intermitente ocupação da Amazônia e à existência, na Escola Superior de Guerra (ESG), de

uma tradição no pensamento geopolítico brasileiro de valorização das fronteiras brasileiras”

142 também podem ser vistas como motivos para a afirmação do poder do Estadoda região em

questão.

Havia ainda a preocupação com o isolamento físico e sócio-econômico da região

situada a partir da margem esquerda dos rios Solimões e Amazonas, onde para o governo tal

área significava “desafio e preocupações constantes quanto à sua efetiva integração ao

contexto nacional, devido, entre outros fatores, às grandes dificuldades impostas pelo meio

ambiente” 143

. Humberto José Lourenção ainda lembra a distância da região em relação aos

centros de poder e desenvolvimento do país, contando com apenas um grande pólo de

desenvolvimento político-sócio-econômico em Manaus (AM) e outros dois menores em

Macapá (AP) e Boa Vista (RR). Segundo Lourenção:

142

NASCIMENTO, Durbens Martins. Projeto Calha Norte: A Amazônia Segundo a Política de Defesa Nacional

in: CASTRO, Celso (org.) Amazônia e Defesa Nacional. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p. 100. 143

LOURENÇÃO, Humberto J. A Defesa Nacional e a Amazônia: O Sistema de Vigilância da Amazônia

(Sivam), p. 47.

108

Esse afastamento tornava-se ainda mais acentuado pelo obstáculo natural das calhas

dos rios Solimões e Amazonas, pelas óbvias limitações ao acesso terrestre. Em

contrapartida, ao norte dessa área existia uma continuidade territorial que induzia a

uma aproximação facilitada de agentes do comércio e de atividades ilegais. 144

O Projeto Calha Norte foi criado pela Secretaria Geral do Conselho de Segurança

Nacional (extinta pela Constituição de 1988) no ano de 1985, e nos dias atuais está sob os

cuidados do Ministério da Defesa. O Calha Norte é considerado o principal programa de

ocupação de fronteiras da região amazônica, mais especificamente nas calhas dos rios

Amazonas, Negro e Solimões (e seus afluentes Içá, Jurupá, Branco, Uatumã, Jatapu,

Nhamundá, Trombetas, Maicuru, Paru e Jarí). Primeiramente conhecido como

“Desenvolvimento e segurança na região norte das calhas dos rios Solimões e Amazonas”, o

Projeto Calha Norte teve seu status modificado no final da década de 1990 quando se tornou

Programa Calha Norte. As questões ambientais presentes nos objetivos do Programa Calha

Norte só teriam sido assimiladas pelos militares a partir de 1994, quando os discursos sobre as

riquezas naturais, responsabilidade e sustentabilidade penetraram com mais força nos

discursos e textos militares.

Com o objetivo de garantir a ocupação e a presença militar na fronteira brasileira

(Colômbia, Venezela, Suriname e as Guianas) quando foi criado, o Programa abrangia uma

área de cerca de 14% do território nacional e aproximadamente 24% da Amazônia Legal,

atuando sobre os estados de Amapá, Amazonas, Pará e Roraima, concentrava os esforços

sobre o “território federal de Roraima, a região do Alto Rio Negro, região do Alto Solimões,

região do Alto Traíra, região norte do estado do Pará e do território federal do Amapá”145

. Nas

palavras de Durbens Martins Nascimento:

O objetivo do PCN é garantir a presença o Estado e contribuir para a defesa nacional

e para a assistência às populações locais. Esse objetivo foi alterado no Plano

Plurianual (PPA) 2000-03, quando se acrescentou a frase “e fixando o homem na

região”, visando garantir o desenvolvimento regional com a manutenção da

144

Ibidem, p. 47. 145

SILVA, Marcelle Ivie da Costa. Amazônia e Política de Defesa no Brasil (1985-2002). Campinas, 2005.

Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) – Unicamp, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas,

Campinas. Disponível em:

<www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=25460>. Acesso em 22

de janeiro de 2008, p.52.

109

soberania, entendida como espaço limitado e definida institucionalmente e

administrada pelo Estado. 146

O programa ainda sofreria alterações em 2004, aumentando o número de municípios

atendidos, inclusive do Acre e Rondônia, passando a garantir também a presença militar nas

fronteiras com Peru e Bolívia.

Nos primeiros dez anos, o andamento do programa teria sido dificultado pela falta de

verbas, por dificuldades logísticas devido à deficiência do contingente aéreo para atingir e

manter o contato com áreas e comunidades mais distantes (inclusive indígenas nas áreas de

fronteira, priorizadas pela Funai), além da extinção e substituição dos órgãos responsáveis

pelo andamento do Calha Norte - a Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional, que

coordenava o projeto foi substituída pela Secretaria de Assessoramento da Defesa Nacional

(SADEN), que deixou de existir em 1990 e passou o programa para a Secretaria de Assuntos

Estratégicos (SAE) - a partir do governo de Fernando Collor de Melo o programa ainda seria

reformulado, devido à pressões ambientais.

Os problemas do Programa Calha Norte culminaram em 1995 em uma Comissão

Especial Mista do Congresso Nacional para avaliar o andamento do programa, o que gerou

em 1997 um relatório final. Tal relatório teria sido o responsável pela reativação do programa,

resultando na inclusão do Calha Norte no Plano Plurianual (PPA) para 2000-2003, durante o

segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso.

Marcelle Ivie da Costa Silva identifica uma mudança no programa nesse período,

onde pode-se notar a tendência em ampliar a participação de um número maior de órgãos, não

só ligados à defesa, trazendo a responsabilidade para as esferas federais, estaduais e

municipais, na tentativa de ampliar a presença do Estado nessas regiões. A página do

Ministério da Defesa na internet afirma que a revitalização do programa, iniciada em 1997,

continua inclusive no Plano Plurianual (2004-2007), onde:

Essa metodologia busca uma coordenação de esforços no âmbito da administração

pública, articulada nos seus três níveis: o federal, o estadual e o municipal. Além

disso, valoriza parcerias em outras esferas que integram entidades de ensino, de

146

NASCIMENTO, Durbens Martins. Op.Cit., p.100.

110

pesquisa, planejamento, organizações não-governamentais e associações, todas

identificadas com o desenvolvimento auto-sustentável da Amazônia. 147

Dessa maneira, além da ocupação, o Estado procura garantir a defesa e a integridade

nacional. Segundo o Ministério da Defesa, os principais desafios do programa seriam a

melhoria no padrão de vida da população (através de projetos que estimulem o

desenvolvimento social e econômico, baseando-se ainda no uso racional de recursos naturais),

a ampliação nos investimentos e produção da região, a modernização na gestão municipal

(investindo em infra-estrutura e promovendo o desenvolvimento integrado e sustentável) e o

fortalecimento das atividades econômicas estaduais e municipais 148

.

É importante ressaltar que parte dos investimentos em infra-estrutura (além de

hospitais, escolas, estradas e aeroportos) é de origem militar, no sentido de patrulhar as

fronteiras, além da demarcação de terras indígenas, o que desperta a insatisfação de

indigenistas, que não admitem a presença militar em território indígena e questionam o sigilo

adotado pelas Forças Armadas nas questões indígenas.

4.4.2 O SISTEMA DE VIGILÂNCIA DA AMAZÔNIA (SIVAM)

O Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia) foi planejado como a parte física de

um projeto governamental mais abrangente (o Sipam – Sistema de Proteção da Amazônia),

constituindo-se na sua infra-estrutura técnica e operacional do Sipam para análise e vigilância

da Amazônia Legal. “Por sua vez, o Sipam foi concebido como uma coordenação

multidisciplinar, envolvendo inúmeras instituições públicas e privadas com vistas a um

melhor aproveitamento dos recursos da infra-estrutura do Sivam”149

.

Com o objetivo de formulação e implantação de um Sistema Nacional de

Coordenação multidisciplinar, que visava a ação integrada dos órgãos governamentais na

repressão a atividades ilícitas e proteção ambiental na Amazônia, a SAE (Secretaria de

Assuntos Estratégicos) criou a Comissão de Implantação do Sistema de Proteção da

Amazônia (CISipam). O Ministério da Aeronáutica criou a Comissão para Coordenação do

147

BRASIL, Ministério da Defesa. Programa Calha Norte. Disponível em:

<https://www.defesa.gov.br/programa_calha_norte/index.php?page=situacao_atual>. Acesso em 04 de fevereiro

de 2008. 148

BRASIL. Ministério da Defesa. https://www.defesa.gov.br/programa_calha_norte/index.php?page=desafio 149

LOURENÇÃO, Humberto José. Op. Cit., p. 62.

111

Projeto do Sistema de Vigilância da Amazônia (CCSivam) que visava implantar o Sivam

integrado ao Sipam.

Sediado no Rio de Janeiro, a CCSivam teria sido a principal responsável pela

concepção, aquisição e implantação tanto da tecnologia quanto dos setores físicos necessários

para o funcionamento do SIPAM. O Ministério da Justiça elaborou ainda o Projeto Pró-

Amazônia com a finalidade de potencializar a capacidade da Polícia Federal na execução de

suas tarefas referentes à proteção da região amazônica, visando maiores investimentos em

equipamentos, infra-estrutura treinamento e efetivo.

Dessa forma, o sistema objetivaria a proteção da Amazônia Legal, além do apoio ao

desenvolvimento da região, possibilitando relatórios e informações a várias instituições,

apontando áreas críticas que necessitem de uma maior intervenção ou apoio, potencializando

seus esforços e articulando as ações a serem tomadas com mais precisão150

. Entre os motivos

para a criação do Sipam (que Humberto Lourenção caracteriza como um “programa

governamental multiministerial” 151

), o sistema teria sido concebido para “integrar

informações e gerar conhecimento atualizado para articulação, planejamento e coordenação

de ações globais de governo na Amazônica Legal brasileira, visando a proteção, a inclusão

social e o desenvolvimento sustentável da região” 152

. O texto apresentado pelo governo

brasileiro ainda coloca as principais funções do sistema no sentido de dar maior apoio a outros

órgãos:

Apoiar e contribuir com os órgãos parceiros, os estados e municípios da Amazônia

Legal no controle dos desmatamentos; no combate à biopirataria; na proteção dos

parques nacionais; no monitoramento da ocupação e o uso do solo; na proteção das

reservas indígenas; na defesa das áreas de fronteira; na proteção dos recursos

minerais estratégicos; na implantação e implementação de programas de saúde,

educação e inclusão para as populações amazônicas. 153

150

Entre as instituições governamentais assistidas pelo Sipam/Sivam, Lourenção enumera: Agência Nacional de

Águas (ANA); Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel); Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel);

Comissão de Pesquisas e Recursos Minerais (CPRM); Comando da Aeronáutica (CAer); Departamento Nacional

de Produção Mineral (DNPM); Departamento de Polícia Federal (DPF); Exército Brasileiro (EB); Fundação

Nacional do Índio (Funai); Instituto Nacional do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama);

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet); Instituto

Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e a Marinha do Brasil (MB). 151

LOURENÇÃO, Humberto José O Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam): Velhas Controvérsias, Novos

Desafios in: CASTRO, Celso (org.) Amazônia e Defesa Nacional. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p.120. 152

BRASIL. Presidência da República. Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam). Disponível em:

<www.sipam.gov.br/portal>. Acesso em 17 de dezembro de 2007. 153

Ibidem.

112

Ainda entre as funções atribuídas ao Sipam, pode-se notar o apoio à pesquisa e à

defesa civil na sua área de abrangência, na tentativa de contribuir para o aumento substancial

de políticas públicas na região, além da obtenção e processamento de informações

meteorológicas e da defesa em si da Amazônia Legal. Analisando os objetivos e funções

pretendidos pelo programa, nota-se que o Sivam em funcionamento torna-se uma peça

fundamental, de extrema importância para o andamento do projeto de integração e defesa da

Amazônia pretendidos pelo Sipam. “Em suma, o Sipam é a organização governamental

gestora das informações estratégicas provindas do banco de dados do Sivam, cujos elos são as

várias entidades federais, estaduais e municipais que tenham ações de governo na Amazônia”,

conclui Lourenção154

.

Um sistema da magnitude do Sivam exige uma soma grande de investimentos para

sua instalação, manutenção e compra de equipamentos. Para a realização do Sivam, o governo

brasileiro buscou financiamento e recursos externos, culminando no total de US$ 1,395

bilhão, onde US$ 1,285 bilhão seria destinado a equipamentos e serviços e US$ 110 milhões a

obras civis.

O financiamento do projeto seria pago pelo governo brasileiro às empresas norte-

americanas em cinco contratos: a parceria “Banco do Brasil/Eximbank” (EUA) (US$

1.022.800.000) para o financiamento, “Raytheon Credit Facility Company” (EUA) (US$

239.200.000), “Vendor's Trust” (EUA) (US$ 48.000.000) e à sueca SEK/EKN (US$

85.000.000)155

responsável pela instalação de cinco radares em aeronaves que auxiliariam no

monitoramento das áreas de abrangência do Sivam. O texto do programa e sobre o

financiamento do Sivam ainda explica que nesse tipo de transação, o país que importa os

equipamentos deve arcar com 15% do total, enquanto os outros 85% devem ser financiados

pelo país exportador.

Nesse texto divulgado pelo governo brasileiro ainda são colocadas as vantagens

adquiridas na construção e funcionamento do sistema: o Brasil ainda teria conseguido o

financiamento dos 15% que deveriam ser pagos à vista, e “dessa forma, o Projeto iniciou-se

sem que o Governo tivesse que desembolsar qualquer centavo” 156

, pagando somente os juros

referentes ao período de implantação do sistema e passando a pagar as parcelas do

financiamento quando este estivesse pronto, de 2005 a 2015 e “o Brasil receberá o Sivam pelo

154

LOURENÇÃO, Humberto José. A Defesa Nacional e a Amazônia: O Sistema de Vigilância da Amazônia

(Sivam), p. 63. 155

BRASIL. Presidência da República. Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam). Disponível em:

<www.sipam.gov.br/portal>. Acesso em 17 de dezembro de 2007. 156

Ibidem.

113

valor total de US$ 1.395 bilhão, incluindo o valor das obras civis, tendo pago apenas US$ 180

milhões durante o período de implantação deste Sistema”157

.

O Sivam foi pensado como um sistema para levantamento, processamento e envio de

informações relevantes para a região da Amazônia Legal para instituições e órgãos atuantes

na área e outros projetos afins. O sistema compõe-se de três Centros Regionais de Vigilância

(CRV), situados em Manaus (AM), Belém (PA) e Porto Velho (RO), interligados entre si, a

órgãos governamentais estaduais e ao Centro de Coordenação Geral (CCG) em Brasília, que

por sua vez interliga o sistema a órgãos federais. Cada Centro Regional de Vigilância ainda

comporta várias unidades remotas de monitoramento e o apoio de órgãos regionais, além de

sub-centros, responsáveis pelo bom funcionamento do sistema no campo administrativo,

organizacional e técnico.

Desde a sua implantação e ativação a partir de 2002, o Sivam passou por um

processo de adaptação que em 2004 culminou na extinção da CCSIVAM (que encontrava-se

sob comando e responsabilidade da Aeronáutica), passando o controle do sistema para o

CENSIPAM (sob responsabilidade da Presidência da República). Vale citar que o

CENSIPAM já controlava o Sipam desde a extinção da Secretaria Executiva do Conselho

Deliberativo do Sistema de Proteção da Amazônia (SECONSIPAM). Nessa nova fase do

programa, Sivam e Sipam passaram a constituir um único setor, conservando o nome do

segundo, com o controle do tráfego aéreo sob responsabilidade da Aeronáutica (embora com

alguns funcionários civis), com o Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego

Aéreo (Cindacta), que no caso da região amazônica corresponde ao Cindacta-4.

O Sivam teria sido pensado no início da década de 1990 como um projeto militar,

voltado para a defesa e manutenção do território brasileiro. Seu braço civil (o Sipam) teria

sido planejado durante o financiamento do projeto e desenvolvido nos anos finais de

implantação.

Primeiramente, o financiamento conseguido frente ao Eximbank não poderia, pela

política do banco, ser destinada a projetos militares. A solução encontrada teria sido a criação

da “área verde”, ou seja, o campo de atuação do Sivam para o âmbito civil, englobando os

objetivos de monitoramento de impactos ambientais, mudanças climáticas, entre outros dados.

Nas palavras de José Neumar, gerente do CTO (Centro Técnico de Operações) de Porto

Velho:

157

Como o Brasil vai Pagar? Disponível em: www.sivam.gov.br/PROJETO/finan7.htm

114

Então, tem a área azul, que é o SIVAM, agora transformado em CINDACTA 4. E a

área verde, que é a parte civil, que é a proteção ambiental. Então, essa é a

diferenciação entre SIVAM e SIPAM. Quando começou a funcionar o sistema, aí,

ele foi transformado em SIPAM. E o SIVAM, por sua vez, aquela infra-estrutura,

que propicia fazer esse controle do tráfego aéreo, de vôo, isso ficou com o

CINDACTA 4.158

A complexidade na organização no sistema como um todo torna possível que esse

atue sobre vários escopos, tais como o monitoramento de danos ambientais, vigilância aérea,

terrestre, meteorologia, o clima, interceptação e identificação de sinais e transmissões

clandestinos, controle do tráfego aéreo, entre outros. O sistema ainda comporta centros de

informação em dezenas de cidades da Amazona Legal, onde as prefeituras ou os órgãos

próximos podem enviar e acessar as informações contidas na base de dados do sistema. Nas

entrevistas obtidas por Jean Santos de diretores, gerentes e funcionários do Censipam (Centro

Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia) em 2007, aparece claramente a

necessidade dos funcionários em diferenciar o campo de atuação dos setores militares e civis

atuantes no Sivam.

Enquanto a aeronáutica controlaria o tráfego aéreo na região, a responsabilidade

sobre os equipamentos e a divulgação de imagens e informações geradas seriam competências

do setor civil, salientando ainda a participação de diferentes profissionais, como por exemplo,

biólogos, hidrólogos, advogados, entre outros. É importante ressaltar que essa preocupação

mais recente da importância da atuação civil do Sivam/Sipam tornou-se mais presente após o

início das atividades e a polêmica sobre o “espaço cego” no espaço aéreo brasileiro na região.

Com o programa já em funcionamento desde sua ativação em 2002, há várias críticas

sobre sua execução e funcionamento, entre elas que os equipamentos e software utilizados já

estariam obsoletos, além do fato de que o governo brasileiro abriu mão de usar cientistas e

tecnologia nacional em um projeto considerado sigiloso159

. Lourenção coloca que em 13 de

junho de 1995 foi divulgado um abaixo-assinado de 40 professores universitários (da área de

pesquisa e tecnologia) defendendo a capacidade nacional para projetar o Sivam, além do fato

158

SANTOS, Jean Carlo Silva dos. Gestão Estratégica da Informação como Fator Condicionante para a

Definição e Implementação de Políticas de Defesa e Segurança Nacional no Contexto da Amazônia Legal: o

Caso SIPAM/SIVAM. Dissertação (Mestrado em Administração Pública) - FGV, Escola Brasileira de

Administração Pública, Centro de Formação Acadêmica e Pesquisa. Disponível em:

<http://www.obed.ufpa.br/pdfs/santos_jean_cgestao_sivam_dissertacao.pdf>. Acesso em 14 de outubro de 2008,

p.163. 159

LOURENÇÃO, Humberto J. O Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam): Velhas Controvérsias, Novos

Desafios.

115

de que os cientistas brasileiros só teriam tomado conhecimento das pretensões do governo em

elaborar um programa de monitoramento e defesa através de jornais.

Grupos de cientistas brasileiros defendem que o Brasil possuía, em um estágio

avançado de desenvolvimento, tecnologias consideradas básicas para o Sivam como radares,

sensoriamento remoto, redes de comunicações e teleinformática (de certa forma já utilizados

pela Embrapa – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - e pelo Inpe – Instituto

Nacional de Pesquisas Espaciais), portanto “em matéria de tecnologias para a construção de

sistemas de vigilância eletrônica, o Brasil já havia conseguido desenvolver capacitação de

nível internacional, mercê do trabalho que as universidades e centros de pesquisa vinham

desenvolvendo há décadas” 160

. O autor ainda lembra que a utilização de tecnologia nacional

estimularia o crescimento da indústria e pesquisa no país, criando inclusive novos empregos.

Após várias discussões desde 1993, quando o então presidente Itamar Franco teria

enviado as propostas do Sivam para dezesseis embaixadas estrangeiras, trazendo à tona

discussões e acusações sobre espionagem e barganhas entre o governo e as empresas

concorrentes, em 1994 chegou-se a uma decisão. O contrato para a execução do Sivam foi

firmado em 1997 com a empresa norte-americana “Raytheon” (fabricantes de mísseis161

e a

terceira maior empresa do Complexo Militar Industrial norte-americano), que teria saído

como a mais competente frente dez outras empresas internacionais e teria o prazo de cinco

anos para entregar o sistema em funcionamento para o governo brasileiro.

Num processo seletivo conturbado, com sérias denúncias de favorecimento

envolvendo inclusive o presidente da CCSivam (Comissão para a Coordenação do Projeto do

Sistema de Vigilância da Amazônia), o brigadeiro Oliveira, a norte-americana Raytheon Inc.

foi selecionada, descartando a francesa Thomson para a instalação do Sivam na parte final do

processo seletivo.

Alegando tratar-se de um projeto de inteligência estratégica, que poderia

comprometer a segurança do país, o conteúdo do Sivam, portanto, não poderia ser publicado

em edital o que teria impossibilitado a realização de um processo licitatório. Lourenção critica

tal postura do governo, visto que o conteúdo considerado sigiloso teria sido disponibilizado

para outras 16 embaixadas e empresas estrangeiras, sendo ocultado de empresas e cientistas

brasileiros. Dessa forma, a escolha da Raytheon teria sido tendenciosa, pois se o edital não

160

Ibidem, p. 125. 161

Entre seus principais produtos os mísseis Patriot (anti-mísseis balístico e de cruzeiro), Hawk (terra-ar com

alcance de cerca de 75km, um dos mais antigos ainda em uso, obviamente com nova tecnologia) e AMRAAM

(ar-ar, também conhecido como AIM-120, com alcance de 75 a 165km). As especificações podem ser

encontradas na página da Raytheon respectivamente em www.raytheon.com/products/patriot/, www.designation-

systems.net/dusrm/m-23.html e www.designation-systems.net/dusrm/m-120.html

116

constava os detalhes mais específicos do Sivam, e, portanto não havia motivos para uma

dispensa de licitação e a preferência pela empresa “escolhida” frente às outras concorrentes.

Sobre a questão da compra de tecnologia estrangeira, que pode ser vista como uma

tentativa de acelerar o processo de instalação do sistema pulando uma etapa considerada

crucial, do desenvolvimento tecnológico, Isabel Rossi coloca alguns pontos:

A compra torna-se relativamente barata porque não há investimentos com pesquisa;

todavia, ao comprar um produto acabado se estabelece uma dependência tecnológica

com o fornecedor, pois se é o dono do produto comprado e não da tecnologia que

levou à sua geração. 162

Isabel Rossi argumenta que, colocado como um fato corriqueiro nos dias atuais, a

compra de tecnologia pode esconder aspectos negativos, como a chamada dependência

tecnológica, pois ao efetuar a compra de uma tecnologia exógena ao país, descarta-se a

possibilidade de conhecimento integral sobre ela, visto que a base para tal tecnologia e uma

possível assistência em caso de defeitos encontra-se no país exportador, além do fato de que

para se manter um ciclo contínuo de compra (e dependência), a tecnologia importada já é, em

muitos casos ultrapassada, pois as pesquisas mais avançadas ou a tecnologia de ponta fica nas

mãos de quem desenvolve tais tecnologias, sendo revendidas somente quando esta já estiver

de algum modo ultrapassada ou obsoleta.

Deve-se lembrar também que a maioria da tecnologia desenvolvida no seu país de

origem pode não adequar-se a determinados aspectos e particularidades da região ou contexto

sul-americano, visto que tais tecnologias foram desenvolvidas baseadas nas características e

realidades de seus países de origem, na maioria dos casos, de primeiro mundo. Lourenção

ainda afirma, baseado em artigos da Folha de S. Paulo escritos por cientistas nacionais, que a

compra de tecnologia estrangeira pode acarretar em vulnerabilidades estratégicas.

A “Raytheon Company Inc.” aparecia em 1999 como o terceiro maior contrato de

defesa pago pelos Estados Unidos (cerca de 5,4% do total do orçamento de defesa daquele

ano, quase US$ 6,5 bilhões); as três maiores empresas (“Lokheed Martin”, “Boeing” e

“Raytheon”) receberam em 1999 cerca de 26% do total pago em contratos de defesa pelos

162

ROSSI, Isabel Cristina. Sivam nas Relações Sul-americanas: Um Projeto Tecnológico de Cooperação ou de

Conflito? 30° Encontro Anual da Anpocs, 2006. Disponível em:

<www.cpdoc.fgv.br/projetos/cfa21/arqs/anpocs2006/1199.pdf>. Acesso em 12 de novembro de 2007, p. 4.

117

Estados Unidos163

. Alguns autores indicam que a escolha da Raytheon teria sido influenciada

pelo Pentágono, que poderia dar preferência à compra de certo número de aviões Super

Tucanos da Embraer, fato esse que não se concretizou. Ainda há especulações sobre o

fornecimento de informações sobre a região amazônica pela Raytheon ao Pentágono, com

quem possui um contrato, participando do sistema de defesa dos Estados Unidos.

Se as críticas aos equipamentos do Sivam forem concretas, pode-se notar a

dependência e limitação tecnológica imposta pelo Complexo Militar Industrial (CMI) norte-

americano, que certamente exigirá novas compras diretamente com a empresa que cedeu tal

tecnologia ao Brasil, embora algumas pessoas defendam que a “Rayteon” teria cedido por

contrato a posse dos aparelhos e tecnologia ao Brasil, além de capacitar técnicos e utilizar

parte da tecnologia nacional no projeto.

Segundo Isabel Rossi, o Sivam é um programa estritamente militar, atuando sobre a

região amazônica a fim de garantir a soberania nacional, com a possibilidade de

monitoramento de áreas que extrapolam as fronteiras políticas. Porém, ao mesmo tempo que

busca-se e se desenvolvem discursos sobre a soberania brasileira, há sérias dúvidas sobre o

programa, visto as ligações entre a empresa contratada (a Raytheon) e o Pentágono, além de

questões referentes ao vazamento de informações e à não utilização de tecnologia e cientistas

brasileiros. Lourenção mostra que inclusive a SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da

Ciência), contrária à importação de tecnologia teria concordado na vulnerabilidade do

sistema:

Pela análise do contrato firmado entre o governo e a Raytheon, a SBPC concluiu que

a Raytheon (responsável pela integração final do sistema de softwares do Sivam) e

seus sócios teriam acesso ao sistema e aos segredos e informações estratégicas

propiciados por ele. Isto porque o contrato determinava que a integração dos

subsistemas do Sivam fosse de responsabilidade da Raytheon, deixando claro que

caberia à empresa norte-americana a elaboração dos softwares, que seriam de sua

propriedade.164

Porém, Lourenção coloca que depois da contratação da Atech em 1997 para

gerenciar a implantação do software integrador, o presidente da CCSivam (Comissão para

Coordenação do Projeto do Sistema de Vigilância da Amazônia), brigadeiro Marcos Antônio

163

Esses dados podem ser encontrados no quadro da página 84 do texto de MIGUEL, Jair D.; PERRILLO,

Eduardo B. F. e SIMÕES, Edson E. Indústria e Mulitarismo, ou diretamente na página do Center of Defense

Information (CDI) em www.cdi.org/issues/usmi/complex/ 164

LOURENÇÃO, Humberto José. O Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam): Velhas Controvérsias, Novos

Desafios, p. 136.

118

de Oliveira teria declarado que o trabalho realizado pela Raytheon, inclusive no referente à

implantação do software, “teria a participação de funcionários do governo, ou de quem ele

designasse, de modo a capacita-los ao domínio tecnológico do sistema em todas as fases de

desenvolvmento”165

.

Dessa maneira, o conhecimento adquirido no processo seria de posse do governo

brasileiro, que teria o direito de definir as permissões de acesso aos bancos de dados do

Sivam, afirmando assim que a Raytheon ou seus funcionários não teriam a possibilidade de

operar o sistema do Sivam remotamente. Portanto, por contrato estariam garantidos para o

Brasil os direitos autorais e patrimoniais do software desenvolvido, a propriedade intelectual e

industrial, assim como tudo o que poderia ser desenvolvido baseado no sistema, como

atualizações e modificações. O mesmo contrato proibiria a Raytheon de fornecer a terceiros

qualquer detalhe técnico ou sigiloso do Sivam. O mesmo discurso teria sido repetido pelo

brigadeiro José Orlando Belon (que sucedeu o brigadeiro Oliveira na presidência da

CCSivam), em uma palestra na AFA (Academia da Força Aérea) em 2002 e reproduzido pelo

seu sucessor, o brigadeiro-do-ar Teomar Fonseca Quírico em uma reportagem do Estado de S.

Paulo em 28 de outubro de 2002.

Existem ainda dúvidas sobre o funcionamento e eficácia do Sivam, pois, para muitos

especialistas o sistema pode monitorar atividades ilegais como queimadas, áreas de garimpos,

contrabando e narcotráfico de uma maneira mais completa do que se vinha constatando, mas

não há efetivo suficiente (seja na Polícia Federal, Ibama, Receita Federal ou Forças Armadas)

nem estrutura para combater as atividades ilegais detectadas.

Mesmo a polêmica Lei do Abate (Lei 9.614 de 1998 e Decreto n° 5.144 de 2004)

não garantiria que as aeronaves não identificadas que invadem o espaço aéreo brasileiro serão

escoltadas e se necessário abatidas, devido a discussões legais, os gastos em combustível,

armamentos e à localização das bases de onde sairiam as aeronaves para a interceptação de

tais invasores (Manaus, Porto Velho, Campo Grande e Belém), porém tal lei é vista com bons

olhos por autores como Durbens Martins do Nascimento na medida em que complementa as

ações do Calha Norte e do Sivam.

Entretanto, a operacionalidade do sistema parece estar comprometida, na medida em

que existe a divisão entre o âmbito civil e militar dentro do programa. Funcionários do Sipam

defendem que há uma enorme gama de aparelhos e informação disponível, mas é preciso que

os órgãos responsáveis também atuem. A operacionalização do sistema, portanto parece

165

Ibidem, p.138.

119

apresentar falhas ou lapsos operacionais, que são justificados pelas diferenciações entre o

setor verde (civil, representada pelo Censipam, subordinado à Casa Civil) e o setor azul

(militar, o IV Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle do Tráfego Aéreo ou Cindacta IV,

sob responsabilidade do Comando da Aeronáutica) do conjunto, que passam a atuar de

maneira desarmônica, porém deve-se considerar ainda a falta de estrutura para, por exemplo,

o combate efetivo de atividades ilícitas (seja em equipamentos, logística ou mesmo pessoal).

Nas palavras de Edson Rocha, gerente do CTO de Belém:

A proteção também, a gente dá um auxílio, a gente identifica pistas, por exemplo,

pistas clandestinas, plantações ilícitas. Então, e passa para quem faz a proteção,

quem faz a proteção, em geral, no caso de ilícitos, pistas aéreas é a Aeronáutica, a

Polícia Federal, etc. O Sipam não atua, só identifica e passa para as instituições

parceiras fazerem, tomarem as medidas cabíveis.166

Embora ainda existam críticas sobre o Sivam, autores como Humberto J. Lourenção

afirmam que o Sivam é nos dias atuais uma realidade funcional, tal como teria sido planejado,

não sendo influenciado pelas polêmicas levantadas durante seu processo de implantação.

Porém há de se considerar que o Sivam e o Calha Norte, embora tenham uma forte

característica militar, necessitem de investimentos em outros setores para garantir a soberania

do país “pela implantação de um conjunto de políticas públicas que faça convergir

crescimento econômico, desenvolvimento social, preservação ambiental e defesa”, lembrando

ainda que a concepção do Sivam teria sido pensada com “conceitos voltados para uma

atuação governamental integrada, para permitir um planejamento de médio e longo prazos,

além do controle, da fiscalização, da monitoração e da vigilância da região”167

.

Portanto, para o sucesso dos programas, torna-se necessário os investimentos em

órgãos como a Polícia Federal, a Funai e no Sipam, além da participação de entidades (ligadas

ou não ao governo), cientistas, universidades e demais órgãos federais, estaduais e municipais

para dessa forma garantir a maior presença do Estado nas regiões isoladas, assim como o

desenvolvimento e a defesa nacional.

É preciso ressaltar ainda a dificuldade de adaptação de um sistema concebido de

forma organizacional, com uma estrutura parecida com organizações militares, para uma nova

estrutura, onde as várias repartições devem interagir e trocar informações (fato muito

complicado no âmbito militar e da defesa nacional) para um melhor aproveitamento do

sistema como um todo.

166

SANTOS, Jean, Op. Cit., p.176 167

Ibidem, p. 141.

120

“Eu diria que, hoje, a maior dificuldade que nós temos é do ponto de vista da

percepção interna sobre os nossos clientes. O sistema foi concebido, pela

Aeronáutica em um formato extremamente inovador que é essa proposta de um novo

sistema que vai ter um conjunto de facilidades de ferramentas tecnológicas, de como

operar de forma multi-usuário, multi-institucional, mas, por outro lado, o

dimensionamento foi tão grande que ele acaba gerando uma perda de foco.”168

Tal afirmação, feita por Marcelo Lopes, diretor do Censipam em uma entrevista a

Jean Santos parece demonstrar bem a disparidade entre as informações obtidas nos diferentes

setores do Sipam, além do afastamento (físico e informacional) entre Brasília e os três CTOs

amazônicos. Estima-se que grande parte do sistema esteja sendo usado para fins militares,

enquanto instituições e organizações civis não aproveitam toda a gama de instrumentos

disponíveis para estudo devido à desinformação presente tanto fora quanto no interior do

Sivam.

A leitura e mapeamento de áreas de queimada e desmatamento, destacando-se como

as pesquisas de âmbito civil mais importantes realizadas pelo Sipam são na realidade uma

pequena parcela de tudo o que o sistema pode proporcionar para as redes de pesquisa

nacionais.

Torna-se necessário ainda considerar que a área de abrangência do Sivam/Sipam e do

Calha Norte não se constituem unicamente por florestas, o que pode trazer à tona análises

reducionistas sobre a questão amazônica. Trata-se primeiramente, de uma área heterogênea

tanto em âmbito natural e geológico quanto humano, devendo ser observada conforme a

necessidade dos diferentes grupos humanos, realidades e potencialidades de recursos, levando

assim a uma visão mais ampla sobre a área. A política de defesa nacional, portanto, deve

primeiramente adaptar-se às diferentes realidades da região, conciliando o desenvolvimento

econômico, estrutural, a proteção ambiental, a defesa do território brasileiro como parte de um

único princípio, adaptado às diferentes realidades amazônicas.

Devido à importância estratégica e econômica da Amazônia ao país torna-se

necessário considerar a extensão e a diversidade da área, a distribuição irregular da população,

a dificuldade de controle e vigilância na área de fronteira, além das dificuldades de

transportes, comunicação, deficiências da infra-estrutura social no que se refere à mão-de-

obra, saúde e economia, entre outros aspectos. Os programas governamentais devem ser

168

SANTOS, Jean, Op. Cit., p. 172

121

encarados a priori como catalizadores para um maior e mais concreto desenvolvimento da

região e consequentemente do pais.

122

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os conflitos contemporâneos parecem mostrar diferentes aspectos sobre uma mesma

realidade na medida em que diferentes grupos e interesses disputam a hegemonia sobre a

situação. É possível identificar no caso colombiano diferentes discursos sobre o mesmo

conflito, cada qual evidenciando características específicas do grupo que o produz e propaga.

Enquanto os Estados Unidos defendem a necessidade de uma ação efetiva no

combate às drogas, que se constituiriam em uma ameaça internacional e justifica, assim, a

necessidade de investimentos bélicos e uma intervenção militar direta na Colômbia, o governo

do país andino acaba por complementar esse discurso, extendendo a ameaça aos grupos

insuegentes presentes no país desde meados do século XX, que são, para os políticos

colombianos, responsáveis pelo crescimento de uma narcoguerrilha. A associação dos antigos

cartéis colombianos e os atuais produtores e traficantes às guerrilhas acabam por unir os

objetivos de ambos os lados, visto que os Estados Unidos ocupam o país e garante para seu

Exército investimentos, combatendo o narcotráfico mundial e os grupos insurgentes, enquanto

o governo colombiano recebe investimentos e ajuda efetiva no combate ao seu inimigo

declarado. A possível transferência da base militar norte-americana em Manta no Equador

para o interior da Colômbia programado para o final de 2009 e início de 2010 mostra que a

parceria entre os dois governos pela manutenção do conflito no país continuará ativa.

As guerrilhas insurgentes colombianas, que lutavam a princípio contra um governo

autoritário e oligárquico desenvolveram-se durante as décadas de 1970 e 1990 com o discurso

de que seriam defensores dos direitos da população e lutariam até o fim pela dua causa. Os

discursos propagados pelas guerrilhas trouxeram muitos homens para as suas fileiras durante

esses anos, além de apoio entre a população mais humilde nas vilas e regiões onde os

combates são mais freqüentes, além de intelectuais e políticos, principalmente de esquerda.

Os grupos de extermínio e paramilitares que surgiram principalmente a partir da década de

1990, período em que o dinheiro do tráfico financiou esses grupos, espalharam-se também

pelo país, sendo os principais responsáveis pelos massacres de inocentes no interior

colombiano.

Entre as principais forças atuantes na Colômbia no período do Plano Colômbia,

destaca-se primeiramente as guerrilhas como as FARC-EP e o ELN, que embora possuam os

mesmos inimigos em comum (o governo colombiano e os grupos paramilitares) também

possuem diferenças entre si, muitas vezes entrando em conflito direto. De outro lado, os

123

grupos paramilitares representados principalmente pela AUC (substituída atualmente por

vários outros grupos armados) procura a eliminação das guerrilhas, mesmo objetivo do

governo, porém a violência nas ações da AUC e a intensificação dos combates armados acaba

por enfraquecer o poder governamental na região em questão, ou seja, embora alguns grupos

possuam objetivos semelhantes, o fortalecimento de um acaba por determinar o crescimento

de outro.

A complexidade dessa situação se demonstra na medida em que os Estados Unidos e

o tráfico de entorpecentes passaram a atuar na Colômbia como agentes potencializadores dos

conflitos armados, visto que a ajuda financeira (lícita ou não) desses dois agentes a qualquer

grupo armado ou o próprio exército do país, acaba por provocar um desequilíbrio nas forças

combatentes até então equiparadas, obrigando os demais grupos a buscar novos

financiamentos para se adequar à nova realidade de seus inimigos.

A presença cada vez maior dos Estados Unidos na América Latina e a intensificação

das ações de combate ao narcotráfico, que se tornaram mais intensas na década de 1980

culminaram em 1999 na criação do Plano Colômbia, um documento que previa a

continuidade das ações desenvolvidas durante a Iniciativa Andina que objetivava o combate

às roças de coca nos principais países produtores como o Peru e a Bolívia, expandindo as

ações e investimentos para a Colômbia, país em que as roças e os laboratórios de refino da

coca se multiplicaram após as ações nos países vizinhos.

A dificuldade no combate às áreas de cultivo da coca na Colômbia se deu também

devido à presença de grupos insurgentes no país que durante sua trajetória já haviam

enfrentado operações em conjunto dos Estados Unidos e da Colômbia na cruzada contra o

comunismo na América Latina durante a Guerra Fria. A readaptação dos discursos e objetivos

norte-americanos e colombianos ao associar as guerrilhas aos narcotraficantes acabaram por

justificar os investimentos e a intervenção norte-americana no país, respaldada pelo conteúdo

do Plano Colômbia, que a princípio relacionava-se a reformas sociais e econômicas no país,

além do combate e enfraquecimento do tráfico de drogas no país atuando em todos os elos da

cadeia produtiva, desde o cultivo da coca até os laboratórios de refino e os chefes do tráfico.

As ações efetivas do Plano Colômbia se mostraram, entretanto díspares da redação

do documento ao concentrar a maioria dos investimentos em operações militares e na compra

de equipamentos e treinamento para a polícia e o exército colombianos culminando em um

combate mais substancial aos grupos armados, provocando um desequilíbrio no conflito, além

do surgimento de grupos como as Autodefesas Unidas da Colômbia, englobando grupos

paramilitares e de extermínio, financiados principalmente com o dinheiro do tráfico.

124

A ampliação dos conflitos armados na Colômbia, além do aumento do efetivo norte-

americano na região gerava preocupações nos países latino-americanos, principalmente nos

limítrofes à Colômbia, gerando dúvidas e temores quanto ao crescimento desordenado do

conflito para além das fronteiras colombianas, trazendo consigo a violência, a dificuldade de

controle da situação por parte dos Estados e a intervenção norte-americana.

Durante o século XX, concomitante ao desenvolvimento do conflito colombiano, a

região amazônica voltou a ser o foco das preocupações do Brasil, na medida em que se

constituía em uma vasta área de fronteira seca, em muitos casos sem limites naturais, além de

uma região afastada do restante do país com um grande vazio demográfico. As políticas de

incentivo à colonização e integração da Amazônia desenvolvidos durante o século XX no

Brasil mostram essa preocupação que posteirormente se associaria à necessidade de proteção

e preservação da floresta, seja pela degradação ambiental ou pelos interesses estrangeiros nas

riquezas da região.

Tal situação acabou por transferir a idéia da possibilidade de conflito bélico com a

Argentina, principalmente após a criação do Mercosul, para a região amazônica pela pouca

presença do Estado na região e pela crescente crise colombiana envolvendo as guerrilhas e as

tropas governamentais na Colômbia, além da presença cada vez mais efetiva dos Estados

Unidos na região.

Durante o regime militar no país e posteriormente a redemocratização, a política de

defesa brasileira acabou por readaptar os objetivos presentes em alguns setores como no

Projeto Calha Norte, elevando-o à condição de programa governamental, reorientando suas

ações e objetivos para a reafirmação do Estado na região e a presença militar voltada ao

patrulhamento das fronteiras, ampliando também sua área de abrangência. A região

amazônica tornou-se uma zona prioritária para o patrulhamento das fronteiras e manutenção

da soberania nacional, frente às ameaças mais concretas emanando principalmente do

território colombiano.

Por outro lado, é um fator importante e a aprovação para a implantação e execução

do Sivam, que se constituiria em um sistema para vigilância da região amazônica, além de

uma rede de dados diversificada, podendo ser utilizada por várias instituições de pesquisa de

caráter científico, inclusive no âmbito civil, além a criação do Ministério da Defesa em 1999,

mesmo ano em que o Sivam entraria em operação. As pesquisas tecnológicas, a aquisição e

desenvolvimento de equipamentos e a moblilização de pessoal para a execução e implantação

do complexo como um todo podem ser vistos como um avanço na pesquisa nacional. A

125

aprovação de normas como a Lei do Abate que há tempos era debatida podem ser vistas como

indícios da importância dada à soberania brasileira voltada à região no final do século XX.

Porém, nota-se ainda uma certa disparidade entre as informações colhidas nos setores

civil e militar dentro do Sivam, como se estes atuassem de maneira independente. Nota-se,

portanto, que embora o Sivam se constitua em um sistema de coleta de dados voltado para

todos os setores da sociedade brasileira, seu uso efetivo é feito por militares, na defesa e

vigilância do espaço aéreo da região, através do Cindacta IV. A falta de recursos financeiros,

técnicos e pessoal para que todo o complexo funcione em harmonia ainda é uma realidade,

mas os números mostram um melhor aproveitamento das informações do Sivam para

pesquisas de cunho científico, não voltadas exclusivamente para o âmbito militar.

126

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Problems? Journal of Political and Military Sociology, 2005, Vol. 33, n° 1 (Summer): 97-

106.

I

ANEXOS

II

ANEXO A

GRÁFICO 1 - Cultivo da Coca na América Andina de 1990 a 2007

Fonte: United Nations Office on Drugs and Crime – World Drug Report 2008, p.67.

III

ANEXO B

GRÁFICO 2 - Produção de Cocaína de 1990 a 2007

Fonte: United Nations Office on Drugs and Crime – World Drug Report 2008, p.68.

IV

ANEXO C

MAPA 1 - Cultivo de Coca na Colômbia - 2002

Fonte: Texas University. Disponível em:

http://www.lib.utexas.edu/maps/americas/colombia_coca_density_2002.gif. Acesso em 12 de

novembro de 2007.

V

ANEXO D

MAPA 2 - Áreas de Cultivo da Papoula na Colômbia - 2002.

Fonte: Texas University. Disponível em:

http://www.lib.utexas.edu/maps/americas/colombia_poppy_areas_2002.gif. Acesso em 12 de

novembro de 2007.

VI

ANEXO E

MAPA 3 - Guerrilhas e Forças Paramilitares na Colômbia em 2000

Fonte: <http://mondediplo.com/maps/colombiamdv49>. Acesso em 17 de outubro de 2008

VII

ANEXO F

MAPA 4 - Principais comandos e zonas de ação das FARC

Fonte: Revista Semana. Disponível em:

<http://www.semana.com/wf_VerMultimedia.aspx?IdArt112458&IdMlt=601&Res=alta>.

Acesso em 12 de setembro de 2008.

VIII

ANEXO G

TABELA 1 - Número de homens e sequestros das FARC-EP

FARC-EP – comparativo do efetivo e número de seqüestros por região

Homens (segundo Revista Semana)

Seqüestros (segundo ONG País Libre)

2002 2008 2002 2007

Bloco Oriental 6000 4250 277 27

Bloco Sul 2000 1600 101 16

Bloco do Caribe 1150 550 233 2

Comando Conjunto Central 1100 650 127 11

Comando Conjunto do Ocidente 1250 1900 77 16

Bloco José Maria Córdoba 2150 950 42 26

Bloco de Magdalena Medio 1150 800 39 2

Total 14800 10700 896 100

Tabela construída com base nos dados fornecidos pela Revista Semana e a ONG País Libre.

Dados obtidos em:

<http://www.semana.com/wf_VerMultimedia.aspx?IdArt112458&IdMlt=601&Res=alta>.

Acesso em 12 de setembro de 2008.

IX

ANEXO H

MAPA 5 - Abrangência Geográfica do Sivam

Fonte: <http://www.schahin.com.br/engenharia/br/images/obras/mapa_sivam.gif>. Acesso em

18 de janeiro de 2009.

X

ANEXO I

MAPA 6 – Sivam: Rede de Comunicações dos Centros de Vigilância

Fonte: < http://www.socioambiental.org/website/noticias/brasil/imagens/sivam.jpg>. Acesso

em 18 de janeiro de 2009.