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Web-Revista SOCIODIALETO www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 Volume 4 Número 11 Novembro 2013 301 O ESTUDO DO BILINGUISMO E DA DIGLOSSIA PARA UMA PERSPECTIVA LINGUÍSTICA EDUCATIVA Franciele Maria Martiny (UNIOESTE) [email protected] 1 Camila Menoncin (UNIOESTE) [email protected] 2 RESUMO: O objetivo deste artigo é mostrar um ponto de vista pluricultural em que os conceitos em torno da diglossia (sob o enfoque do bidialetalismo) e do bilinguismo (sob a abordagem plurilíngue) sejam tomados como complexos fenômenos linguísticos que abrangem relações sociais e culturais mais amplas. A referida temática poucas vezes é abordada em sala de aula, mesmo em nível superior. Por isso, defende-se a necessidade de rever e refletir sobre ambos os conceitos e com eles trabalhar para que possa haver uma linguística educativa plurilíngue no contexto escolar. Até porque, um dos problemas observados é em torno das línguas de imigrantes que ainda são ensinadas nas comunidades, tanto ideológica como metodologicamente, como línguas estrangeiras, sem respeitar e tratar os dados sócio- históricos referentes à origem étnica e à hibridização interna dos dialetos com a língua institucionalizada. Situação devida, em grande parte, às políticas linguísticas repressivas e homogeneizadoras ao longo da história linguística do Brasil. A fim de refletir sobre esse cenário, primeiramente, neste estudo, será feito um levantamento bibliográfico acerca dos conceitos de bilinguismo e diglossia, para após, mencionar os contextos linguísticos e sociocultuais de regiões de imigração, propondo, na sequência, dentro da sociolinguística, uma linguística educativa bilíngue que possa contribuir para que, realmente, os direitos linguísticos destes grupos minoritários sejam respeitados. PALAVRAS-CHAVE: Bilinguismo, diglossia, pluriculturalismo, ensino. ABSTRACT: The purpose of this paper is to show a pluricultural point of view in what the concepts around diglossie (on the focus of bidialetalism) and bilingualism (on a plurilingual approach) are seen as complex linguistic phenomenons that engage wider social and cultural relationships. The referred thematic is broached few times in the classroom, even in graduation level. Because of it, it is defended the necessity of reviewing and reflecting about both concepts and work with them to make an educative plurilingual linguistic in the school context. Even why, one of the problems observed is about the immigrants languages that are still taught on the communities, as ideologically as methodologically, like foreign languages, without respecting and treating sociohistorial data witch refer to the ethnic origin and the inner hybridization of the dialects with the institutionalized language. Situation under, in great part, the reprehensive and homogenizer linguistic politics through the Brazilian linguistic history. To reflect about this scenery, first, in this research, it is going to be made a bibliographic survey about the concepts of bilingualism and diglossie to, after that, mention the linguistic and sociocultural contexts from immigration regions, proposing, on the sequence, inside the sociolinguistic, a bilingual educative linguistic which can contribute to, actually, the linguistic rights of these minority groups be respected. 1 Aluna do Doutorado do Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras nível de Mestrado e Doutorado, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), bolsista da CAPES. Orientada pela Profa. Dra. Clarice Nadir von Borstel. 2 Aluna do Mestrado do Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras nível de Mestrado e Doutorado, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste). Orientada pela Profa. Dra. Clarice Nadir von Borstel.

o plurilinguismo em contexto de variações linguísticas interculturais

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O ESTUDO DO BILINGUISMO E DA DIGLOSSIA PARA UMA

PERSPECTIVA LINGUÍSTICA EDUCATIVA

Franciele Maria Martiny (UNIOESTE)

[email protected]

Camila Menoncin (UNIOESTE)

[email protected]

RESUMO: O objetivo deste artigo é mostrar um ponto de vista pluricultural em que os conceitos em

torno da diglossia (sob o enfoque do bidialetalismo) e do bilinguismo (sob a abordagem plurilíngue)

sejam tomados como complexos fenômenos linguísticos que abrangem relações sociais e culturais mais

amplas. A referida temática poucas vezes é abordada em sala de aula, mesmo em nível superior. Por isso,

defende-se a necessidade de rever e refletir sobre ambos os conceitos e com eles trabalhar para que possa

haver uma linguística educativa plurilíngue no contexto escolar. Até porque, um dos problemas

observados é em torno das línguas de imigrantes que ainda são ensinadas nas comunidades, tanto

ideológica como metodologicamente, como línguas estrangeiras, sem respeitar e tratar os dados sócio-

históricos referentes à origem étnica e à hibridização interna dos dialetos com a língua institucionalizada.

Situação devida, em grande parte, às políticas linguísticas repressivas e homogeneizadoras ao longo da

história linguística do Brasil. A fim de refletir sobre esse cenário, primeiramente, neste estudo, será feito

um levantamento bibliográfico acerca dos conceitos de bilinguismo e diglossia, para após, mencionar os

contextos linguísticos e sociocultuais de regiões de imigração, propondo, na sequência, dentro da

sociolinguística, uma linguística educativa bilíngue que possa contribuir para que, realmente, os direitos

linguísticos destes grupos minoritários sejam respeitados.

PALAVRAS-CHAVE: Bilinguismo, diglossia, pluriculturalismo, ensino.

ABSTRACT: The purpose of this paper is to show a pluricultural point of view in what the concepts

around diglossie (on the focus of bidialetalism) and bilingualism (on a plurilingual approach) are seen as

complex linguistic phenomenons that engage wider social and cultural relationships. The referred

thematic is broached few times in the classroom, even in graduation level. Because of it, it is defended the

necessity of reviewing and reflecting about both concepts and work with them to make an educative

plurilingual linguistic in the school context. Even why, one of the problems observed is about the

immigrants languages that are still taught on the communities, as ideologically as methodologically, like

foreign languages, without respecting and treating sociohistorial data witch refer to the ethnic origin and

the inner hybridization of the dialects with the institutionalized language. Situation under, in great part,

the reprehensive and homogenizer linguistic politics through the Brazilian linguistic history. To reflect

about this scenery, first, in this research, it is going to be made a bibliographic survey about the concepts

of bilingualism and diglossie to, after that, mention the linguistic and sociocultural contexts from

immigration regions, proposing, on the sequence, inside the sociolinguistic, a bilingual educative

linguistic which can contribute to, actually, the linguistic rights of these minority groups be respected.

1 Aluna do Doutorado do Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras – nível de Mestrado e

Doutorado, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), bolsista da CAPES. Orientada pela

Profa. Dra. Clarice Nadir von Borstel. 2 Aluna do Mestrado do Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras – nível de Mestrado e

Doutorado, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste). Orientada pela Profa. Dra. Clarice

Nadir von Borstel.

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KEYWORDS: Bilingualism, Diglossie, Pluriculturalism, Teaching.

INTRODUÇÃO

Os estudos em torno da língua/linguagem estão - e sempre estiveram -

relacionados a concepções teóricas que refletem a forma de pensar de uma determinada

sociedade ou grupo, ao longo do percurso da história da pesquisa científica. Nesse

sentido, é necessário mencionar os vários conceitos que são teorizados, reformulados e

reconstruídos devido à própria dinâmica e natureza da pesquisa. Até porque, dentro do

meio científico, não é mais possível afirmar que um estudo está concluído, fechado e

solucionado. Acredita-se, portanto, que sempre há e haverá novas maneiras de se

analisar cientificamente um fenômeno e propor novos olhares e posicionamentos.

Nos estudos linguísticos a situação não é diferente. Do estudo imanente,

proposto primeiramente por Saussure, ao estudo discursivo e a diversidade linguística,

mostrado sob uma abordagem sociolinguística, são várias as teorias que envolvem as

pesquisas em torno da língua/linguagem e sua relação com aspectos extralinguísticos

que foram desconsiderados, em muitos momentos, como aconteceu na abordagem dada

por certos grupos intelectuais e gramáticos que caracterizam as variações linguísticas

como não favoráveis ao ensino.

Desta forma, as línguas de imigrantes ainda são ensinadas, nas comunidades,

tanto ideológica como metodologicamente como línguas estrangeiras, sem respeitar e

tratar dos dados sócio-históricos, da origem étnicas e da hibridização interna dos

dialetos com a língua institucionalizada, esses aspectos se evidenciaram quando os

imigrantes vieram para o Brasil, formando pequenos grupos de origem étnicas de várias

regiões dos países de origem, mesclando fatores linguísticos (dialetais) e sociocultuais

(hábitos, costumes, vestimentas, alimentação e religião).

Portanto, neste estudo, quer-se mostrar um ponto de vista pluricultural em que os

conceitos trabalhados em torno da diglossia (sob o enfoque do bidialetalismo) e do

bilinguismo (sob a abordagem plurilíngue) sejam tomados como complexos fenômenos

linguísticos que abrangem relações sociais e culturais mais amplas. A temática aparece

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timidamente em estudos acadêmicos e, raras vezes, é abordada em sala de aula, mesmo

em nível superior. Por isso, a necessidade de rever e refletir sobre ambos os conceitos e

com eles trabalhar no processo de uma linguística educativa plurilíngue no contexto

escolar.

O mito do monolinguismo e as políticas linguísticas

Embora tenha havido ações coercitivas, ao longo da história linguística do país,

por parte do Estado Português e, na sequência, pelo Estado Brasileiro, para a proibição

das línguas autóctones e alóctones, o Brasil ainda se destaca como um país multilíngue

e pluricultural.

Sabe-se que a maior parte da história linguística do país foi marcada pelas ações

coibitivas que negligenciaram o multilinguismo brasileiro em busca de um país

monolíngue (BORTONI-RICARDO, 2004).

Destarte, Maher (2006) mostra que o mito do monolinguismo, historicamente,

consolida-se a partir da Revolução Francesa, quando aparece o conceito de Estado-

Nação. Nesse período, portanto,

[...] o lema seguido foi “unidade é igual a uniformidade”. Para se ter um

Estado, uma unidade política, seria preciso garantir uniformidade linguística

e cultural no interior de seu território. E, assim, a aversão à diversidade

linguística vai se consolidando na história. Firma-se, pouco a pouco, a noção

de que o plurilinguismo seria algo nefasto, ruim, uma condição a ser

combatida: o projeto de modernidade insiste na necessidade de tornar o

Estado homogêneo – uma língua, uma cultura, uma religião – para garantir a

continuidade da ideia de nação constituída (MAHER, 2006, p. 31).

A partir disso, constroem-se alguns dos mitos que ancoram a ideologia do

monolinguismo e do monoculturalismo tidos, dessa forma, como expressões de uma

civilização progredida, sendo requisitos indispensáveis para a construção dos Estados

Nacionais (HAMEL, 1995). Ao mesmo tempo, propiciam políticas que buscam

sustentar esse cenário.

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Constatam-se os, portanto, os efeitos que as políticas linguísticas coercitivas e

excludentes tiveram em várias nações, evidenciando os interesses políticos, econômicos,

ideológicos e sociais contidos nelas, proporcionando a desigualdade linguística e

sociocultural.

Mesmo assim, o Brasil, atualmente, como os demais países do mundo, é

considerado plurilíngue. Estima-se que exista no país em torno de 170 línguas

indígenas, além de cerca de outras 30 comunidades de imigrantes (alemãs, italianas,

polonesas, japonesas, ucranianas, árabes, chinesas, entre outras). Além disso, há a

língua brasileira de sinais, LIBRAS, utilizada por toda a comunidade surda do país e

também por ouvintes que convivem e comunicam-se com surdos.

No entanto, apenas em 1988 a Constituição Brasileira reconheceu o Brasil como

plurilíngue, ainda faltando políticas linguísticas de reconhecimento e de

resgate/preservação para que muitas línguas não desapareçam como aconteceu com a

maior parte das línguas indígenas no país.

Nesse sentido, Oliveira (2003), Savedra (2003), entre outros estudiosos desta

área, mencionam a necessidade da definição de uma política linguística brasileira que

abranja as situações de bilinguismo decorrentes de movimentos migratórios, bem como

de situações de fronteira.

Sobre o que prevê a Constituição em torno da situação do bilinguismo e das

políticas linguísticas, Savedra cita que:

a) a Constuição atual em seus artigos 215 e 216 admite que o Brasil é um país

pluricultural e multilíngüe; b) no Brasil coexiste um grande número de

línguas de imigrantes; c) para integração cultural e lingüística das

comunidades de imigrantes no território nacional pouco foi feito e ainda

persiste o desprezo por minorias lingüísticas, revelando a discriminação legal

para as comunidades de língua materna não portuguesa; d) a pluralidade

lingüística no Brasil delineia situações diversas de bilingüismo e

multilingüismo e somente a educação indígena está contemplada com

propostas curriculares de educação bilíngüe na Lei de Diretrizes e Bases

(LDB) de 1996 (SAVEDRA, 2003, p. 40).

Todavia, faltam às línguas de imigração voz e visibilidade para serem incluídas

nos diálogos sobre o ensino de línguas, ampliando a discussão em torno dos conceitos

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de bilinguismo, diglossia e os fenômenos de alternância de código face às diferenças

encontradas ao longo da convivência do português com as línguas minoritárias.

Cavalcanti (1999) defende a inconformidade da política linguística brasileira

pela falta de observação da realidade plurilíngue e multicultural do país.

Para a autora,

Isso talvez aconteça, porque, em primeiro lugar, existe um mito de

monolingüismo no país (Bortoni, 1984, Cavalcanti, 1996, Bagno, 1999). Esse

mito é eficaz para apagar as minorias, isto é, as nações indígenas, as

comunidades imigrantes e, por extensão, as maiorias tratadas como minorias,

ou seja, as comunidades falantes de variedades desprestigiadas do português.

Em segundo lugar, uma das razões para essa estranheza pode ser decorrente

de o bilingüismo estar estereotipicamente relacionado às línguas de prestígio

no que se convencionou denominar bilingüismo de elite. Em terceiro lugar,

esses contextos bilíngües de minorias são (tornados) invisíveis

(CAVALCANTI, 1999, p. 387).

Nesse sentido, há muito ainda a ser estudado e evidenciado em torno das

questões linguísticas que envolvem situações de conflitos e ideológicas que extrapolam

o sistema interna da língua.

Do falante ideal ao falante real: questões em torno do bilinguismo

Como já mencionado, praticamente em todos os países coexistiram - e coexistem

- várias línguas. Situação mencionada por Calvet, quando o autor trata que

Há na superfície do globo entre 4.000 e 5.000 línguas diferentes e cerca de

150 países. Um cálculo simples nos mostra que haveria teoricamente cerca de

30 línguas por país. Como a realidade não é sistemática a esse ponto (alguns

países têm menos línguas, outros, muitas mais), torna-se evidente que o

mundo é plurilíngue em cada um de seus pontos e que as comunidades

linguísticas se costeiam, se superpõem continuamente (CALVET, 2002, p.

35).

Dessa forma, ao longo do tempo e da história das línguas, pode-se notar que os

falantes tiveram contatos com as mais diversificadas realidades linguísticas.

Porém, foi apenas a partir do século XX que o conceito de bilinguismo se tornou

cada vez mais amplo e complexo, não havendo até a atualidade uma concordância entre

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os pesquisadores sobre o que é ser um sujeito bilíngue, pois há várias acepções em torno

dessa conceituação, em diferentes campos investigatórios do saber, como, por exemplo,

na área da psicolinguística, da sociologia, da sociolinguística e da própria linguística.

De maneira geral, por muito tempo perdurou a ideia de que ser bilíngue era a

pessoa capaz de falar duas línguas simultaneamente, ou seja, alguém que dominasse

totalmente dois sistemas linguísticos diferentes.

Bloomfield (1933 apud HEYE, 2006) foi um dos pioneiros ao conceituar o

bilinguismo, afirmando que para ser bilíngue é preciso falar “perfeitamente” duas

línguas, como um nativo em ambos os códigos linguísticos. Porém, conforme essa

concepção, grande parte dos bilíngues seria excluída devido à necessidade do falante de

ter que dominar todos os aspectos das línguas faladas, o que geralmente não acontece.

Sob semelhante viés, Halliday (apud MAHER, 2007) considera que o sujeito

bilíngue é aquele que sabe utilizar todos os domínios nas duas línguas e, acrescenta,

ainda, que não pode haver a interferência de uma língua na outra. Também uma visão

restrita do conceito de bilinguismo que percebe o falante como idealizado, como se

fosse possível exibir comportamentos idênticos em duas línguas e sem nenhuma

interferência.

Outra visão pouco abrangente do conceito se tem em Malmberg (1977 apud

VON BORSTEL, 2001). Para o referido autor, é preciso haver uma completa habilidade

funcional do bilíngue que seria

[...] um indivíduo que, além de sua língua materna adquiriu desde a infância,

ou desde muito cedo, uma segunda língua por meios naturais (em princípio

não através de instrução formal), de modo que se tornou um membro

totalmente competente da outra comunidade lingüística dentro da esfera do

grupo ocupacional ou social ao qual ele pertence (MALMBERG, 1977, apud

VON BORSTEL, 2001, p. 12).

Por outro lado, há uma definição menos rigorosa em Weinreich (1953), um

sociolinguista dedicado à pesquisa em situação de línguas em contato e mudança

linguística. Sua conceituação rompe com a definição mais clássica e rigorosa de

Bloomfield (1933), entre outros autores, com relação ao bilinguismo. Para Weinreich

(1953), o bilinguismo seria a prática de empregar duas línguas alternadamente.

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Mackey (1968) alarga a concepção ao considerar o “bilingüismo como uma

característica individual que pode ocorrer em graus variáveis, desde uma competência

mínima até um domínio completo de mais de uma língua”.

Portanto, a partir dessas diferentes concepções, passa-se a não mais considerar o

bilinguismo como uma capacidade idealizada do falante, em busca da homogeneidade

linguística e de um sujeito bilíngue ideal, o qual seria capaz de falar duas ou mais

línguas como um falante nativo.

Em trabalhos mais recentes sobre contato linguístico, têm-se discutido mais

profundamente os conflitos lingüísticos, os conceitos de bilinguismo e de diglossia,

como fenômenos não somente linguísticos, mas também socioculturais, principalmente

com relação ao português brasileiro em contato com as línguas minoritárias, ou seja, as

línguas que não possuem prestígio social.

A partir desses estudos, constata-se uma nova concepção de bilinguismo mais

centrada na possibilidade de gradação entre o uso de duas línguas, operando, assim, em

algum nível nas duas línguas e com possíveis transferências linguísticas fonológicas,

morfossintáticas e semânticas de uma na outra.

Portanto, a condição de bilíngue passa a ser vista como dinâmica, pois parte-se

do princípio de que o falante bilíngue é aquele que pode produzir enunciados orais ou

escritos em mais de uma língua, a depender de sua necessidade de competência

linguística comunicativa. “A condição bilíngue se modifica na trajetória da via dos

indivíduos e assume diferentes contornos (estágios) em relação ao domínio e à variação

de uso de ambas as línguas” (HEYE, 2006, p. 393).

Maher (2007), ao mencionar as questões relacionadas aos falantes de línguas

minoritárias, cita a relação desigual de forças de poder entre aquelas e as línguas de

prestígio. Essa situação, conforme a autora pode ser evidenciada quando se considera a

forma como o conceito de bilinguismo é tido tanto no contexto escolar quanto fora dele.

Portanto, o bilinguismo deve ser visto a partir de um fenômeno

multidimensional, uma capacidade humana muito comum e que se refere à capacidade

de fazer uso de mais de uma língua (MAHER, 2007).

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Em consonância às colocações de Maher (2007) e Heye (2006), é possível

mencionar que a conceituação de bilinguismo deve considerar a situação linguística do

bilíngue, além do ambiente e das condições em que o bilinguismo é desenvolvido. Ou

seja, devem-se situar vários elementos que estão diretamente relacionados ao contexto

sociocultural do falante.

A coexistência de duas línguas em diferentes espaços sociais deve ser

analisada segundo a condição particular dos indivíduos que se tornam

bilíngues. Essa condição é caracterizada pelo contexto e pela idade de

aquisição, pela variação de uso das línguas (função tópica) e ainda pela

manutenção ou pelo abandono de uma ou de outra língua em decorrência de

fatores sociais e comportamentais (HEYE, 2006, p. 393).

Destarte, como afirma Maher (2007), o bilíngue ajusta sua fala

[...] a depender do tópico, da modalidade, do gênero discursivo em questão, a

depender das necessidades impostas por sua história pessoal e pelas

exigências de sua comunidade de fala, ele é capaz de se desempenhar melhor

em uma língua do que em outra – e até mesmo em se desempenhar em

apenas uma delas em certas práticas comunicativas (2007, p. 73).

Por essa visão, é possível perceber que o bilinguismo vem sendo visto, cada vez

de uma maneira próxima das situações reais de fala, da competência linguística

comunicativa e da interação entre os falantes em um dado contexto sociocultural.

Levando em consideração o contexto brasileiro, essas novas reflexões acerca

dessa discussão auxiliam nos estudos em torno do bilinguismo de descendentes de

imigrantes; de falantes das línguas indígenas, de fronteiras que foram sendo oprimidas

ao longo dos anos; de surdos, entre outros.

A tensão entre as línguas: discussão sobre a diglossia

Pensando na situação de contato linguístico, outro conceito que surge nas

discussões é o de diglossia. De uma maneira bastante ampla, é possível dizer que esta se

diferencia do bilinguismo em virtude de uma questão central apontada por Hamel e

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Sierra (1983). O bilinguismo visto em uma perspectiva individual e a diglossia em uma

perspectiva social.

Para Fishman (1976 apud HAMEL; SIERRA, 1983), a relação entre o

bilinguismo e a diglossia pode gerar quatro situações básicas: diglossia e bilinguismo;

bilinguismo sem diglossia; diglossia sem bilinguismo e sem diglossia e sem

bilinguismo.

Para exemplificar comunidades de fala onde há a presença tanto da diglossia

quanto do bilinguismo, Fishman (1976 apud HAMEL; SIERRA, 1983) cita países como

a Suíça e o Paraguai, pois todos os falantes são bilíngues ou bidialetais e existe uma

distribuição funcional diglóssica.

Como uma possível situação de bilinguismo sem diglossia pode-se citar o caso

de pessoas que migram para outros países para trabalhar ou estudar, como brasileiros

que vão para a Europa e mexicanos que vão para os Estados Unidos da América.

O exemplo da aristocracia russa, anterior à primeira guerra mundial, é usado por

Fishman (1976 apud HAMEL; SIERRA, 1983) para demonstrar situações de diglossia

sem bilinguismo, pois, entre si falava-se Francês e, entre o povo, falava-se somente em

russo.

Para retratar uma comunidade de fala sem diglossia e sem bilinguismo, Fishman

(1967 apud HAMEL; SIERRA, 1983) cita certas bandas e grupos de cerimônias

religiosas restritas.

Para Hamel e Sierra (1983), a definição de diglossia de Ferguson (1967), de

falante diglóssico - como falante de duas variantes estáveis da língua – e o modelo de

Fishman – sobre o bilinguismo e a diglossia - camuflam, muitas vezes, o conflito social

subjacente à distribuição funcional das línguas, o que pode colocar em dúvida a suposta

relação estável de diglossia.

Portanto, em virtude do caráter social, histórico, cultural e ideológico que é

inerente à língua, dificilmente é possível acreditar que diferentes línguas faladas em

uma mesma comunidade de fala estejam sempre estáveis uma em relação à outra.

Há questões relacionadas de poder que sempre propiciarão maior status de uma

língua em detrimento da outra, além da necessidade de afirmar a identidade de

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determinado grupo social que muito provavelmente irá utilizar-se da língua para efetivar

essa afirmação.

Heye (2006) também menciona o conceito de diglossia, proposto,

primeiramente, por Ferguson (1974) que se referia ao uso de duas variedades

linguísticas distantes de uma mesma língua. Foi ele quem introduziu esse vocábulo

(com base no termo francês diglossie) para designar certa situação linguística, em que

“duas variantes de uma língua coexistem numa mesma comunidade, cada uma

desempenhando um papel definido” (FERGUSON, 1974, p. 99).

A partir da análise da situação linguística de quatro comunidades (Suíça, Haiti,

Grécia e países árabes) e suas respectivas línguas, Ferguson (1959) distinguiu duas

variantes da mesma língua: «high variety» = variante alta e «low variety» = variante

baixa, sendo que as duas variedades fariam parte do mesmo diassistema.

Define o autor que,

Diglossia é uma situação lingüística relativamente estável na qual, além da ou

das variedades adquiridas em primeiro lugar (variedades que podem conter

um padrão ou vários padrões regionais), se encontra também uma variedade

sobreposta, muito divergente e altamente codificada, por vezes mais

complexa ao nível gramatical, e que é a base de uma vasta literatura escrita e

prestigiada. Esta variedade é geralmente adquirida por meio do sistema

educativo e utilizada a maior parte das vezes na escrita ou nas situações

formais do discurso. Não é, no entanto, utilizada por nenhum grupo da

comunidade na conversação corrente (FERGUSON, 1974, p. 102).

Por essa definição, poderia ser citado o alemão padrão, o Hochdeutsch, como a

variedade “alta” e o alemão suíço, Schwyzerdütsch, como a variedade de uso, pois as

duas variedades fazem parte do mesmo diassistema: a língua alemã, na Suíça. Dessa

forma, “A variedade ‘baixa’ é caracterizada pela aquisição natural do ambiente familiar,

seu uso é informal e, predominantemente, oral. A variedade ‘alta’ se caracteriza pela

aprendizagem formal, seu uso formal e literário” (HEYE, 2006, p. 395).

Embora Ferguson tenha sido fundamental para as bases teóricas dos estudos da

diglossia, há demasiada abstração nessa teoria, além disso, a análise de uma LE não

pode ser tão exata como a de um nativo.

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Para Heye, “a diglossia de Ferguson tem sido muito discutida, primeiro em

relação ao nível de generalidade do termo, e segundo em termos da área coberta no

contínuo entre variação estilística e bi-/ multilinguismo” (2006, p. 71).

Ainda, de acordo com o autor o conceito fica restrito ao fenômeno monolíngue

que deveria ser um contínuo entre a variação estilística e o contraste entre as línguas.

Por meio dos estudos de línguas em contato, a partir da década de sessenta,

autores como Fishman (1974) fizeram uma ampliação desse conceito de diglossia que

não mais se restringiu a um único sistema, mas incluiu outras línguas, existindo,

portanto, uma diferenciação no uso de duas formas linguísticas.

A contribuição do referido autor foi a distinção entre diglossia interna (quando

duas variedades pertencem ao mesmo diassistema) e diglossia externa (quando as

variedades pertencem a línguas distintas).

O exemplo citado por Heye (2006) é quando as línguas minoritárias tinham

prestígio nas comunidades durante a colonização. A língua alemã, por exemplo, em

áreas de colonização, era falada formalmente e informalmente, obtendo uma situação de

diglossia interna. A partir do momento em que o alemão padrão não foi mais ensinado

nas escolas de imigração, nas comunidades, o português se tornou língua de prestígio e

houve o abandono dos dialetos, havendo a diglossia externa.

Para Fishman (1967 apud HEYE, 2006), a diglossia é uma organização

linguística no nível social (diglossia societal). Ou ainda “a diglossia, agora, deveria ser

equacionada com a totalidade do contínuo entre a variação estilística e o

multilinguismo, mas com uma ressalva: as distinções linguísticas, sejam elas sutis ou

em grande escala, devem ser diferenciadas funcionalmente” (HEYE, 2006, p. 72).

O modelo defendido por Fishman (1974) fica restrito aos critérios da

homogeneidade e harmonia das línguas, sem conflitos sociais, desconsiderando a

funcionalidade da língua e os sujeitos como produtores sociais.

Sobre esse contexto, Fritzen cita que

Reconhecer, entretanto, a coexistência de diferentes línguas em um mesmo

contexto, não significa esperar que as línguas se encontrem, de forma

harmoniosa, separadas e fechadas em seus domínios de uso, como prevê o

conceito de diglossia desenvolvido por Ferguson ([1959]1974) e, mais tarde,

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estendido por Fishman (1971). Estudiosos do que se tem chamado de

Sociolingüística da Periferia – grupo de pesquisadores que, no início dos anos

1970, estudaram as variedades do catalão e do occitano faladas na Espanha e

na França, conforme Martin-Jones (s/d) – já questionaram a relativa

estabilidade da variedade alta e da baixa que a noção de diglossia implica

(FRITZEN, 2009, p. 46).

Portanto, questiona-se o conceito polarizado de diglossia que não prevê os

movimentos, as tensões e os deslocamentos inerentes à própria dinâmica das línguas em

uso pelos seus falantes. “Sustento a relação assimétrica, não-estável, de conflito, entre a

língua dominante e as dominadas, entre a variedade de prestígio eleita como o português

padrão ou o alemão padrão e as demais línguas minoritárias existentes no Brasil”

(FRITZEN, 2008, p. 33).

Hamel (1989), de semelhante maneira, defende uma concepção de diglossia

mais amplificada, como parte integrante de conflitos interculturais, de relações

sociolinguísticas assimétricas e de práticas discursivas dominantes e dominadas, sendo

que a língua intervém em todos os aspectos sociais e culturais da comunidade.

Hamel e Sierra (1983) destacam que as pesquisas sobre a diglossia, a partir da

década de 1970, se proliferaram. Com três grupos de investigadores: catalãos,

caribenses e ocitanos, houve o estudo das incoerências e falácias dos conceitos

generalizados dos conceitos de diglossia e bilinguismo. “Vemos que el discurso sobre la

diglosia se dependiza y desarolla su propia dinâmica, según el interdiscurso académico

y político en el que se encuentra (HAMEL; SIERRA, 1983, p. 100)3.

Portanto, ao considerar um fenômeno linguístico como a diglossia, o

pesquisador pode acabar vendo seu objeto de estudo, às vezes até sem perceber, de uma

maneira um tanto preconceituosa. Como seria possível designar um falar como língua

ou como dialeto?

Quando se pensa em diglossia, há a visão de que uma língua é superior e as

outras são subordinadas a esta. Mas o que uma teria de melhor ou pior do que a outra?

Se um falante bilíngue é aquele que tem habilidades em duas línguas, haveria

falantes apenas bilíngues? Estudos da atualidade já têm manifestado conceitos como o

3 “Vemos que o discurso sobre a diglossia depende e se desenvolve em sua própria dinâmica, segundo o interdiscurso

acadêmico e político em que se encontra” (HAMEL; SIERRA, 1983, p. 100, tradução nossa).

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de multilinguismo e plurilinguismo. Para exemplificar, um mesmo falante pode utilizar

língua(s) portuguesa(s) e língua(s) inglesa(s), entre outras situações.

Situações de bilinguismo e de diglossia em duas comunidades do Oeste do Paraná

Conforme apontam os estudos de Cavalcanti

No Brasil, não se pode ignorar os contextos bilíngues de minorias, uma vez

que no mapa do país pode-se localizar em uma pincelada não exaustiva: i.

comunidades indígenas em quase todo o território, principalmente, na região

norte e centro-oeste; ii. comunidades imigrantes (alemãs, italianas, japonesas,

polonesas, ucranianas, etc.) na região Sudeste e Sul, que mantém ou não sua

língua de origem; iii. comunidades de brasileiros descendentes de imigrantes

e de brasileiros não-descendentes de imigrantes em regiões de fronteira, em

sua grande maioria, com países hispano-falantes. Além dessa classificação

geográfica, quando se focalizam os contextos bilíngues não se pode esquecer

das comunidades de surdos que, geralmente, são criadas em

escolas/instituições e que estão espalhadas pelo país (CAVALCANTI, 1999,

p. 388).

Também esses contextos podem ser considerados bidialetais, uma vez que

coocorrem variedades consideradas, em certos lugares, como de menor prestígio social

do português, ou de alguma outra língua, com a variedade padrão da língua.

Situação que acontece no município de Marechal Cândido Rondon, localizado

no Oeste do Paraná, onde a maior parte da população é descendente de imigrantes

alemães e, portanto, bilíngue em vários contextos, principalmente as pessoas da faixa

etária de 45 a 85 anos na interação comunicativa em contexto familiar, vizinhos ou em

grupos mais próximos de suas relações sociais.

Cabe ressaltar que o crescimento do fluxo imigratório ocorreu na segunda

metade do século XIX com a participação de várias etnias/nacionalidades, destacando-

se portugueses, italianos, espanhóis e alemães.

No caso dos alemães vários se tornaram proprietários de terras, com a tendência

para a formação de colônias (pequenas áreas de terras) mais ou menos homogêneas.

Tais deslocamentos ganharam mais intensidade e abrangência a partir da segunda

década do século XX, chegando ao Oeste catarinense e ao Sudoeste e Oeste

parananense.

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Von Borstel (1992), ao realizar a observação participante em diversas lojas

comerciais, cultos ou missas das comunidades religiosas, emissoras de rádio e escolas,

do município rondonense, menciona que, muitas vezes

[...] ouve-se a língua alemã em interações comunicativas. Em sua maioria, as

pessoas que falam o alemão nesses lugares, têm mais de 40 anos e são

moradoras da área urbana, agricultores que vêm da área rural e moradores

dos distritos que vêm para fazer compras. Mas, também há clientes jovens

que vêm do interior do município e falam o alemão, mas com empréstimos

do português, usando muito a alternância de código (VON BORSTEL, 1992,

p. 53).

Targanski (2007) é um dos estudiosos que enfatizam a forte presença de

descendentes alemães no município e a dificuldade de aceitação de outros povos na

localidade, sendo que cada vez mais os grupos homogêneos se estabeleciam, amparados

pela empresa responsável pela colonização, que criava empecilhos para intimidar a

migração de outros que não fossem descendentes europeus.

Situação que é confirmada quando Saatkamp (1984) cita em seus estudos que

em 1956, a população rondonense era constituída por 95% de famílias descendentes de

alemães, enquanto os 5% restantes pertenciam a famílias italianas ou luso-brasileiras.

Até vinte anos atrás, em 1990, a situação permaneceu quase igual, totalizando 85% de

descendentes alemães no município, de acordo com a pesquisa desenvolvida por von

Borstel (1992).

No entanto, a língua e a cultura desse grupo apresentam uma forte hibridização

com a língua e a cultura nacional, o que denota a variação das línguas, por meio da

criação de palavras com base na própria língua brasileira, ou de palavras adotadas da

língua de origem étnica cultural.

Von Borstel (1992, 1999, 2011) menciona em suas pesquisas o fenômeno

linguístico do code-switching no uso do português e do alemão, formando o

"Brasildeutsch" - uma variedade supraregional da língua composta por enunciados da

língua padrão, das variáveis dialetais regionais do falar alemão e do português.

No entanto, muitos moradores da localidade julgam não saber falar alemão, ou

não se consideram bilíngues, porque falam um dialeto que é desprestigiado por parte da

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própria comunidade ou por visitantes, chamado de Hunsrückisch, o qual aprenderam no

convívio familiar, fazendo também a alternância linguística entre português e alemão na

conversação. Então, muitos falantes acreditam que não falam o alemão da Alemanha e,

portanto, não é a língua alemã.

Fritzen (2008) mostra semelhante contexto em seu estudo, uma vez que os

relatos citados pela autora (a diretora da escola rural que tem receio de deixar escapar

traços linguísticos do alemão na sua fala e a professora universitária que se sente

insegura para falar sua língua materna), evidencia citando que

[...] como as representações sobre os descendentes de alemães e sua língua,

construídas nos discursos hegemônicos, têm afetado os teuto-brasileiros e

provocado a “baixa auto-estima linguística” dos falantes de alemão da região.

Eles acabam por assimilar o discurso do preconceito lingüístico preconizado

pela representações de língua do grupo majoritário (Grosjean, 1982) ao

adotarem atitudes negativas com relação à língua do seu grupo, ao

reproduzirem estereótipos, ao verem-se como falantes que corrompem o

alemão (“wir sind Deutschverderber” – nós corrompemos o alemão), a ponto

de terem de se desculpar pela língua que falam, como fez o vendedor de

peixe que semanalmente vem a minha casa: “A senhora desculpa esse nosso

alemão caipira” (FRITZEN, 2008, p. 348).

Além disso, o bilinguismo na fase infantil, no município de Blumenau, SC,

muitas vezes foi “evitado” de certo modo quando essas crianças que falavam alemão em

casa começaram a frequentar a escola, sofrendo preconceito linguístico e cultural,

devido ao sotaque germânico que era considerado “ um sotaque colono” pelos demais.

No contexto do Oeste do Paraná, além de cidades gaúchas, a proibição do falar

alemão nas escolas devia-se à crença de que as crianças somente aprenderiam o

português quando deixassem de falar a língua étnica - atitude que ainda pode ser notada

no discurso e em diversas práticas didático-pedagógicas em escolas dessas comunidades

(SCHNEIDER, 2007).

Portanto, muitos pais decidiram não transmitir mais a língua alemã aos seus

filhos devido a esse contexto diglóssico, de conflito entre as línguas e as variedades

linguísticas.

Essa situação dos “deslocados” se torna ainda mais grave e complexa quando

constatamos que os grupos descendentes de imigrantes sofrem duplo

preconceito. Quando falam alemão, falam um alemão corrompido, que “não é

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mais alemão”, e precisam se desculpar por isso; quando falam português, as

marcas do alemão denunciam sua origem social e étnica: “são colonos

alemães” (FRITZEN, 2008, p. 349).

Ainda, falando-se de bilinguismo no processo escolar, é comum encontrar

depoimentos fazendo referência ao fato de que a possível aprendizagem da segunda

língua, durante a infância, pode aumentar a dificuldade de comunicação, provocando

confusão mental na criança devido à possível sobrecarga cognitiva. No entanto,

pesquisas como as de Grosjean (1982) e Romaine (1995) mostram que as referidas

desvantagens não correspondem à realidade.

Os autores supracitados mencionam, entre outras vantagens associadas ao

bilinguismo, mais clareza comunicativa pela maior riqueza lexical; aumento da

capacidade de aprendizagem de mais línguas; prontidão mental e maior predisposição

ao pensamento abstrato, bem como consciência da relatividade dos fatos e aumento do

pensamento criativo.

Para Fritzen, a constatação dos conflitos linguísticos em contextos de imigração

[...] permite pensar o papel que a escola teria em contemplar, sem

preconceitos, a complexidade das práticas discursivas dos membros do grupo

e da sociedade majoritária, atravessadas por conflitos lingüísticos e

identitários, a fim de que os alunos e os teuto-brasileiros de forma geral

pudessem experimentar com mais freqüência e de forma segura a sensação de

saber e poder se expressar em mais de uma língua, em se reconhecerem

bilíngües pelo conhecimento e uso também da língua de herança. A presença

incontestável da língua de herança no grupo e o bilingüismo das crianças

deveriam garantir o direito dos alunos ao biletramento (Hornberger, 2003) –

alemão/português – via escolarização. [...] Seria necessário de fato repensar o

status das línguas na escola e as políticas lingüísticas para essas comunidades

de imigração (FRITZEN, 2008, p. 352).

O que não acontece, atualmente, em Marechal Cândido Rondon, Paraná, onde

não há o ensino da língua de imigração nas escolas, como parte do currículo, apenas

com o CELEM (Centro de Línguas Estrangeiras Modernas), em contra turno escolar,

sistema existente em um único colégio. Além disso, a procura da comunidade é muito

pequena pelo curso, o que mostra que a referida política linguística não tem surtido

efeitos positivos.

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Desta forma, a língua de herança está se perdendo no município, sendo cada vez

menos falada e ouvida. Muitos descendentes consideram este cenário uma perda

linguística e cultural imensurável, no entanto, quase nada tem sido feito pela

comunidade ou pelo poder público municipal para que a língua seja valorizada e/ou

revitalizada.

De semelhante maneira, o município de Medianeira, Paraná, foi povoado, em

sua grande maioria, por migrantes vindos do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina,

descendentes de imigrantes alemães e italianos. A colonização do núcleo que fundou o

atual município foi feita pela empresa Industrial Agrícola Bento Gonçalves. O incentivo

para a migração gaúcha e catarinense foi feita por intermédio da propaganda paulista

"Marcha para o Oeste", que se propagou.

Em um primeiro momento, Medianeira foi distrito do território municipal de Foz

de Iguaçu e, na sequência, pela Lei Estadual nº 4245, de 1960, foi transformado em

município.

Colognese (2004) menciona que 54,5% dos imigrantes que se estabeleceram na

região Oeste do Paraná eram italianos, os quais contribuíram para a formação de

comunidades italianas nas cidades de Matelândia, São Miguel, Céu Azul, Medianeira,

Palotina, Cascavel, entre outros. Os mesmos, a exemplo do que aconteceu com os

alemães, tiveram que se adaptar à nova realidade, mas tentaram perpetuar sua religião,

cultura e língua.

Contudo, Colognese (2004) atenta para o fato de que a saída das terras de origem

não foi, geralmente, um ato espontâneo, mas o resultado das condições de miséria, que

parte da população italiana passava naquele período, principalmente os camponeses do

norte do país.

[...] no período em que se desenvolveu a maioria da imigração italiana para o

Brasil, principalmente até as décadas de 1920 e 1930, na maior parte das

regiões oeste e sudoeste dos estados de Santa Catarina e Paraná,

permaneceram imensas áreas de densas florestas. Foi com as altas taxas de

natalidade e com a exaustão dos solos nas antigas colônias, que as famílias de

imigrantes italianos de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul passaram a se

engajar em novos projetos de colonização, projetando-se especialmente para

as regiões oeste e sudoeste de Santa Catarina e do Paraná, e posteriormente,

inclusive para outras regiões do país (COLOGNESE, 2004, p. 25-26).

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Em Medianeira, portanto, grande parte da população do município é descendente

de imigrantes italianos e alemães, mas nenhuma dessas línguas é ensinada nas escolas

municipais, estaduais ou particulares, nem mesmo no sistema do CELEM, o que

contribui para o contínuo desaparecimento das mesmas que não são prestigiadas pela

maioria da população, que também fala diversos dialetos.

Para enriquecer os conhecimentos desses descendentes de imigração seria

interessante que estes fossem letrados não apenas na língua portuguesa, mas também na

língua de imigrantes que conhecem através do contexto familiar, restringindo este falar

apenas entre os membros da própria família, geralmente. Destarte, não há a valorização

dos sujeitos bilíngues que tendem a perderem suas línguas de herança, uma vez que não

há políticas linguísticas e educacionais adequadas que promovam o bilinguismo local.

Até porque a maioria dos falantes bilíngues, a exemplo de Marechal Cândido Rondon,

pertencem à terceira idade e não foram repassadas as línguas de imigração aos mais

jovens.

Nesta localidade, fazem parte da grade curricular, além da língua portuguesa,

somente a língua inglesa e a língua espanhola, assim como a maior parte do Paraná.

Sabe-se que, de maneira geral, o inglês é uma língua de prestígio na sociedade

brasileira e usada constantemente para nominar na mídia impressa e em programas

televisivos e estabelecimentos comerciais, principalmente aqueles que estão

relacionados à informática, telefonia ou novas tecnologias. De acordo com a pesquisa

que está sendo desenvolvida por Camila Menoncin, em 2013, no setor de exportação, há

uma empresa em Medianeira, onde os funcionários são bilíngues (português/inglês),

utilizam a competência linguística comunicativa, em contextos de comunicação verbal

(oral e escrita) – o inglês como língua franca em transações comerciais com alemães,

árabes, entre outros. Estes usuários bilíngues são bastante prestigiados pela comunidade

e pelo comércio local, o inglês é aprendido por meio de Cursos de Idiomas.

Já a língua alemã, conforme menciona Maristela Fritzen (2008), sempre foi

considerada minoritária/minorizada no Brasil, embora em regiões do Sul do país, em

alguns municípios, ela era/é falada pela maioria da população. Portanto, uma língua é

considerada minoritária não pelo número de seus falantes, mas devido ao seu prestígio

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social. Assim, “para a sociedade majoritária, quem, pois, fala alemão é visto como

colono, ou seja, tem pouca instrução e fala um dialeto, isto é, uma língua considerada

inferior” (FRITZEN, 2008, p. 144, grifos da autora). Também a língua italiana é

considerada de minorias e muitos estudos mostram a falta de perpetuação da mesma, em

comunidades de imigrantes, o que pode denotar o preconceito linguístico e uma visão

distorcida sobre os falantes bilíngues.

Prática de ensino sobre o bilinguismo e a diglossia no contexto escolar

A partir das discussões arroladas pode se indagar de que maneira estudos da

sociolinguística e da linguística educativa bilíngue podem contribuir para que realmente

os direitos linguísticos destes grupos minoritários sejam respeitados, para que haja uma

implementação e um planejamento linguístico efetivo no contexto escolar, abordando os

vários cenários plurilíngues no país para poder discutir como se dão os vários nuances

do bilinguismo e da diglossia em comunidades de imigrantes, de fronteiras e de

indígenas sobre o uso de contato linguístico, nessas comunidades de fala.

Acredita-se que com estudos da sociolinguística interacional, dos estudos sobre

diglossia/bilinguismo e da etnografia da comunicação podem-se descrever com detalhes

os processos linguísticos, socioculturais em torno das línguas, quando estão em jogo os

direitos linguísticos de grupos minoritários na interação comunicativa de contato entre

as línguas.

Possibilitando identificar estes mecanismos concretos de interação verbal e de

uso das línguas em condições de dominação das forças ideológicas, como são exercidos

ou violados os direitos linguísticos das crianças no processo inicial de alfabetização e

letramento, quando levam para o contexto escolar a sua língua ou variável linguística

estigmatizada pela sociedade. Isso somente é possível quando a sociedade como um

todo valoriza grupos minoritários, respeitando e trabalhando no processo de ensino-

aprendizagem as línguas em contato, suas variáveis dialetais e culturais.

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Considerações finais

Como a diversidade nas línguas é um fenômeno sempre presente tanto no

contexto brasileiro como no exterior, discussões acerca dos conceitos que norteiam as

pesquisas linguísticas e o trabalho na sala de aula devem sempre ser realizadas com o

intuito de entender e abarcar melhor as questões linguísticas que vão surgindo na

medida em que o mundo vai mudando.

Por meio dos estudos realizados neste estudo, com relação às conceituações de

bilinguismo e de diglossia sob a abordagem de estudos sociolinguísticos, houve a

possibilidade de perceber que os autores estão cada vez mais preocupados em também

colocar em evidência aqueles falantes que não são falantes de línguas de prestígio,

desconstruindo visões que acabavam por excluir certos falantes que nada tinham de

inferior em relação a outros.

Enfim, os conceitos e as visões que são tomadas como ponto de partida para

qualquer pesquisador, nunca devem ser vistos por estes como os únicos, os melhores ou

os últimos. É por vezes necessário refletir mais sobre os mesmos, relacionando-os com

a realidade social e cultural da comunidade e dos sujeitos pesquisados.

Na análise dos dois contextos mencionados, percebeu-se que não há respaldo nas

escolas para que contextos de bilinguismo e de diglossia que envolvem línguas

minoritárias sejam trabalhados, para que sejam evitados preconceitos linguísticos e os

mitos em torno destas línguas, bem como sua manutenção e valorização.

Constata-se, portanto, que as línguas de imigrantes vêm desaparecendo cada vez

mais de geração em geração sem que os falantes mais jovens tenham noção da riqueza

linguística e cultural que estão perdendo.

Defende-se que são necessárias políticas que tenham como objetivo dar maior

visibilidade a essas línguas passando ao letramento das crianças tanto na língua

portuguesa quanto na língua de herança que aprendem em casa ao invés de utilizar a

língua portuguesa em detrimento das demais.

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REFERÊNCIAS

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BORTONI-RICARDO, S. M. Educação em Língua Materna: a sociolingüística na

sala de aula. São Paulo: Parábola Editorial, 2004.

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Recebido Para Publicação em 30 de setembro de 2013.

Aprovado Para Publicação em 23 de novembro de 2013.