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O PODER DOS MEDIA NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA Rita Lopes * Índice Introdução ...................... 2 O papel social dos media ............... 6 Algumas funções sociais dos media ........ 10 O papel do jornalista ................ 11 O poder dos media ................. 15 Jornalistas e fontes ................. 18 O poder do agenda-setting ............. 19 Media e política .................... 22 Media e poder ..................... 25 Jornalismo “quarto poder”? ............ 27 Ou contra-poder? .................. 29 Lógica comercial da comunicação .......... 32 Jornalistas como “caixa de ressonância” ..... 33 Jornalismo de proximidade .............. 35 Conclusão ....................... 40 Bibliografia ...................... 42 * Universidade da Beira Interior

O poder dos media na sociedade contemporânea

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O PODER DOS MEDIA NA SOCIEDADE

CONTEMPORÂNEA

Rita Lopes∗

Índice

Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2O papel social dosmedia . . . . . . . . . . . . . . . 6

Algumas funções sociais dosmedia . . . . . . . . 10O papel do jornalista. . . . . . . . . . . . . . . . 11O poder dosmedia . . . . . . . . . . . . . . . . . 15Jornalistas e fontes. . . . . . . . . . . . . . . . . 18O poder doagenda-setting. . . . . . . . . . . . . 19

Mediae política. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22Mediae poder. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

Jornalismo “quarto poder”?. . . . . . . . . . . . 27Ou contra-poder?. . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

Lógica comercial da comunicação. . . . . . . . . . 32Jornalistas como “caixa de ressonância”. . . . . 33

Jornalismo de proximidade. . . . . . . . . . . . . . 35Conclusão. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42

∗Universidade da Beira Interior

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2 Rita Lopes

Introdução

O tema deste trabalho centra-se na reflexão, estudo e es-quematização do papel dosmediana sociedade contempo-rânea, através de um recenseamento de diversos conceitosinerentes à temática que abarca o campo dos meios de co-municação social. Importa perceber qual o valor, o poder eo papel que osmedia, e concretamente o jornalismo, têmhoje numa sociedade cada vez mais global, cada vez maisedificada sob a dinâmica e o domínio de diversos poderes(políticos, económicos, concorrenciais, e outros) e cada vezmais interessada na mediatização.

Perante a constante mutabilidade que ocorre hoje ao ní-vel do espaço público e as alterações verificadas no que dizrespeito à percepção quer do espaço, quer do tempo (com asua crescente dissolução graças à cada vez maior imediatezdas informações permitida sobretudo pelos avanços tecno-lógicos e electrónicos), procuramos avaliar em que patamarse encontram actualmente os meios de comunicação socialem geral e os regionais em particular, já que a distância en-tre o global e o local é cada vez menor. Ou seja, parece-noscrucial indagar se ainda fará sentido falar de “jornalismode proximidade” numa altura em que a globalização pareceter-se imposto definitivamente, em que, graças às mudançasoperadas no sector das comunicações, o planeta se trans-forma cada vez mais num bairro vizinho e em que somosdiariamente “bombardeados” com notícias de todos os can-tos do mundo? Que lugar reserva a globalização à imprensalocal e regional? Será que osmediaregionais poderão seruma alternativa aosmediade massa? Ou, pelo contrário,estarão mais dependentes dos poderes locais e regionais?São, sobretudo, estas questões relacionadas com o local eo global, o regional e o nacional, que tentaremos decifrar

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ao longo das páginas que se seguem, analisando sempre oslimites e as obrigações dos órgãos de comunicação sociale, particularmente, dos seus profissionais que se vêem cadavez mais imbuídos numa sociedade que não olha a meiospara atingir os fins. E até eles próprios, como veremos, o fa-zem, incentivados quer pela concorrência desmesurada queafecta o jornalismo, quer ainda – e mais grave – motivadospelo crescente desemprego que afecta esta área. Circunstân-cias que obrigam a que o jornalista se preste a fazer de tudopara alcançar a notícia “bomba”, em primeiríssima mão. É,pois, neste sentido que defendemos que o jornalismo, so-bretudo o de proximidade, anda demasiadoembeddedcomamigos e inimigos, traindo a velha máxima jornalística: aobjectividade. Além das questões apontadas anteriormentecomo causadoras de um jornalismolight que afecta a soci-edade moderna, há que apontar ainda a dependência essen-cialmente publicitária que muitos órgãos de comunicaçãosocial têm de instituições públicas e privadas. Algo que seconstata na forma como escolhem as notícias, como as pa-ginam e, sobretudo, como e quem elegem para colunistas ecolaboradores. Económica, política ou socialmente, o jorna-lismo depende sempre dos outros poderes e actores da soci-edade que, como veremos, também necessitam de colaborarcom osmedia, pois são eles que transmitem as suas vitóriase derrotas. Recordemos, por exemplo, o “jogo” das cam-panhas eleitorais em que, como refere Manuel Castells, “àexcepção de actividades destinadas a angariação de fundos,o principal alvo da formas de política “corpo a corpo” [emque se cumprimentam velhinhos e se beijam criancinhas] éfazer com que as pessoas ou a sua mensagem apareçam nosmeios de comunicação social, entrem no horário nobre emnoticiários da TV, em programas de rádio ou em artigos de

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algum jornal influente”1. É que, sem a presença activa nosmedia, as propostas políticas ou os candidatos não têm qual-quer hipótese de obter uma ampla base de apoio. A políticanosmedianão se aplica a todas as formas de fazer política,mas todas as formas de política têm necessariamente quepassar pelosmediapara influenciar a tomada de decisões.“Ao fazê-lo, a política está essencialmente enquadrada, nasua essência, organização, processo e liderança, pela lógicainerente ao sistema dos meios de comunicação, em particu-lar pelosmediaelectrónicos”2.

Esta dicotomiamedia/política é apenas a mais visívelno seio das sociedades contemporâneas. Há ainda a regis-tar a imiscuidade publicitária e a lógica comercial da co-municação, analisada por vários autores que se debruçaramsobretudo sobre a forma como ela transformou a comunica-ção nos Estados Unidos. É o caso de Herman e McChesley3

que concluíram que essa lógica comercial não só se impôscomo sistema geral de funcionamento, como também exer-ceu uma pressão sobre formas alternativas de comunicação,quer criando uma opinião pública contrária aos gastos defundos do Estado destinados a projectos vocacionados parao serviço público, quer obrigando-as a comercializarem-see a entrarem na lógica dos anunciantes, com um papel cadavez mais preponderante nesta nova ordem dosmedia. Nestesentido, importa ainda averiguar qual o verdadeiro sentidoda expressão “quarto poder” atribuída aos meios de comu-nicação. Será que osmediaocupam mesmo um lugar de

1 Manuel Castells,O Poder da Identidade – A Era da Informação:Economia, Sociedade e Cultura,Lisboa, Fundação Calouste Gulben-kian, s.d. II volume, p.385

2 Ibidem, p.3873 Apud Carlos Camponez,Jornalismo de Proximidade, Minerva-

Coimbra, Colecção Comunicação, 2002, p.142

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“quarto poder” – ao lado do legislativo, executivo e judicial– ou tratar-se-á de um quarto equívoco ou de uma “quartafraqueza”, como refere o italiano Jader Jacobelli “por causada perda do prestígio, de identidade, de credibilidade, paraa qual concorre em especial (. . . ) o jornalismo televisivo”4?Centrar-nos-emos no trabalho desenvolvido essencialmentepor Mário Mesquita na sua mais recente obra “O QuartoEquívoco: O Poder dos Media na Sociedade Contemporâ-nea”, defendendo, como Martin Amis, que “Este Quarto Po-der está numa fase peculiar da sua evolução. Por um lado,está cada vez mais satisfeito com o poder que o corrompe;por outro, vai no sentido de uma impotência elefantina rela-tivamente a todas as questões que realmente interessam”5.

De resto, e sintetizando as linhas mestras do nosso tra-balho, começamos por esclarecer o papel social dosmedia,procurando compreender em que medida a sociedade con-temporânea, que élight, pobre de ideias, influi o desempe-nho dosmedia. Que papel social se lhes atribui, numa alturaem que informam mas carecem de autonomia? Nesse con-texto, evidenciamos algumas funções sociais dosmedia, no-meadamente a atribuição destatus, o conferir de prestígio eo reforço de normas sociais. O papel do jornalista tambémé analisado com base em José Luís Garcia6 que o considera,simultaneamente, “funcionário da humanidade e de uma in-dústria regida por um processo de produção”, destacandoainda o carácter empresarial da actividade jornalística que

4 Jacobelli Jader,Chek-up del giornalismo italiano, Roma-Bari, La-terza, 1995, p.V.,apudMário Mesquita,O 4o Equívoco: O Poder dosMedia na Sociedade Contemporânea,MinervaCoimbra, 2003, p.72

5 Martin Amis,Experiência, Lisboa, Teorema, 2002, p.4196 José Luís Garcia, “Os jornalistas portugueses enquanto actores do

espaço público mediatizado. Legitimidade, poder e interpermutação”inMário Mesquita (org.),Revista de Comunicação e Linguagens, no 21-22(Comunicação e Política), Lisboa, Edições Cosmos, 1995, p.367

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fez desmoronar esse papel. A ubiquidade e o poder dosme-dia, a relação entre jornalistas e fontes (Herbert Gans7 falada luta entre as partes) e o poder doagenda-settingtam-bém fazem parte do nosso objecto de estudo, servindo comotrampolim para três temas mais vastos:Media e Política –relação jornalistas/políticos sobretudo em tempo de eleições– Media e Poder – será o jornalismo um “quarto poder”ou um “contra-poder”?, com destaque para oWatergatee aGuerra do Golfo – e, ainda, a Lógica Comercial da Comuni-cação - relação entre o desejo de lucro e os jornalistas como“caixa de ressonância”.Para o final deixamos uma breve análise sobre o “Jorna-lismo de Proximidade”, procurando decifrar se os órgãos decomunicação social regionais “cabem” neste mundo globa-lizante e que papel desempenham. Evidenciamos essencial-mente as posições de João Carlos Correia8 e Carlos Cam-ponez9, procurando entender se osmediaregionais poderãoser uma alternativa aos órgãos de comunicação de massaou se, pelo contrário, já se deixaram imiscuir nas teias daglobalização.

O papel social dosmedia

Muitas são as correntes de pensamento sobre osmediaeespecificamente sobre a posição que ocupam hoje nas soci-edades contemporâneas. Dos engenheiros aos políticos, dos

7 Herbert J. Gans,Decinding what’s news – a study of CBS EveningNews, NBC Nightly News, Newsweek and Time, Nova Iorque:RandomHouse, 1979,apudRogério Santos,A Negociação entre Jornalistas eFontes, Coimbra, Minerva, Colecção Comunicação, s.d.

8 João Carlos Correia,Jornalismo e Espaço Público, Covilhã, Uni-versidade da Beira Interior, col. “Estudos em Comunicação”, 1998

9 Carlos Camponez,Jornalismo de Proximidade, MinervaCoimbra,Colecção Comunicação, 2002

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teólogos aos médicos, dos gestores aos jornalistas, a comu-nicação é objecto de debate permanente. Mas, do que tantose fala? O que haverá para dizer sobre a comunicação, so-bre os meios de comunicação social e, designadamente, so-bre o jornalismo, numa altura em que eles estão cada vezmais imiscuídos numa comunidade globalizante? Numa eraem que reina a suspeição, o cepticismo, a desconfiança ea incredulidade? Numa sociedade que, como refere LucienSfez, “não sabe já comunicar consigo própria” porque a sua“coesão é contestada”, os seus “valores se destroem” e “pos-sui símbolos demasiado gastos que já não conseguem serunificadores”10?

Não são, porém, estas questões que procuramos escla-recer agora, mas antes evidenciar em que medida é que essasociedade, transformada num verdadeiro “palco de discus-são”, intervém no desempenho dosmedia. É certo que vive-mos numa sociedadelight, pobre de ideias, sem memória,avessa a ideias fortes, onde há pouca consistência e muitofala-barato. É certo também que, como se diz na aberturade um dos mais recentes romances de Mário de Carvalho11

“assola o país uma pulsão coloquial que põe toda a genteem estado frenético de tagarelice, numa multiplicação an-siosa de duos, trios, ensembles, coros (. . . ) O falatório écausa de inúmeros despautérios, frouxas produtividades emás criações. Fala-se, fala-se, fala-se em todos os sotaques,em todos os tons e decibéis, em todos os azimutes. O paísfala, fala, fala, desunha-se a falar e pouco do que diz temo menor interesse. O país não tem nada a dizer, a ensinar,

10 Lucien Sfez,Critique de la Communication, Paris, Seuil, 1992 (2a

edição), p.28apud Mário Mesquita,O 4o Equívoco: O Poder dos Me-dia na Sociedade Contemporânea,MinervaCoimbra, 2003, p.71

11 Mário de Carvalho,Fantasia para dois coronéis e uma piscina,Lisboa, Caminho, 2003, pp. 11 e 12

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a comunicar. O país quer é aturdir-se”. Ainda assim, nin-guém nega a função indispensável da comunicação de mas-sas em democracia, pelo contrário. A informação continuaa ser essencial para uma boa evolução da sociedade e sa-bemos que não é possível existir democracia sem uma boarede de comunicação e sem o máximo de informação livre.Todos estamos convencidos de que é graças à informaçãoque o ser humano vive como um ser livre. E, apesar disso,a suspeita dosmedia. Uma suspeita que terá a ver com aforma como osmediaactuam na sociedade moderna. Se,por um lado, continuam a ter o mesmo poder de informar ede tornar público o que muitas vezes não sabemos que acon-tece ao fundo da nossa rua, por outro, estão a perder cadavez mais o seu grau de autonomia, por se deixarem manipu-lar por outros poderes. É por isso que hoje se discute tantose ainda se podem designar osmass mediacomo o “quarto-poder” da sociedade. Uma matéria que será analisada maisadiante.O campo dosmedia, enquanto plataforma de ligação dos vá-rios campos sociais, padece, pois, de uma autonomia frágil.Não é de hoje, já nasceu assim, só que a fragilidade de hojeé mais nítida, porque se deixou tomar por outros interesses;porque a concentração empresarial lhe subtraiu respiração,diversidade; porque foi invadido por proveitos pessoais epolíticos que o subjugaram; porque a sociedade da veloci-dade retira distanciamento, contexto, reflexão e rigor; por-que a memória escasseia. O campo dosmediaé, assim, cadavez mais um espaço de cruzamento de poderes económicos,políticos, corporativos, mais ou menos visíveis, mais ou me-nos assumidos. A realidade mediática substitui-se muitasvezes às instituições representativas, acentua a personaliza-ção e espectaculariza o acontecimento. Osmedianão repro-duzem uma realidade pré-existente, determinam-se recipro-

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camente. Não são o espelho de uma realidade exterior, antesse envolvem com a sociedade numa relação de co-produção.Assim se faz a agenda pública, se apreendem os problemase se agita o debate.

Neste sentido, um pouco crítico mas, no nosso enten-der, adequado, importa questionar que papel social se podeatribuir aosmass media? “Provisoriamente, julgamos que opapel social representado pela mera existência dosmass me-dia tem sido grandemente superestimado”12. Mas a que sedeve este julgamento? Se osmediaocupam um papel prin-cipal na formação da nossa sociedade, atingindo uma vastaplateia, então porque são objecto de tanta crítica e preocu-pação popular? “Porque tantos se afligem com os problemascriados pelo rádio, o cinema e a imprensa e tão poucos sepreocupam com os problemas criados pelo automóvel e oavião, por exemplo?”13. Esta questão pode não ter nada deinteressante, mas há uma lógica que lhe está subjacente eque se prende com o facto de muitos fazerem dosmediaumalvo de crítica hostil porque se sentem logrados pelo rumodos acontecimentos. Recordemos o ainda recente processo“Casa Pia” que continua a ser um dos acontecimentos maismediáticos dos últimos tempos em Portugal e que tem mo-tivado imensos críticos e envolvidos neste caso a acusar acomunicação social pelo enredo que se criou e tem criado àvolta das crianças e, sobretudo, dos políticos.

12 Robert K. Merton e Paul F. Lazarsfeld, “Comunicação de massa,gosto popular e a organização da acção social”,in Luiz Costa Lima,Teoria da Cultura de Massa, São Paulo, Paz e Terra, 2000, p.112

13 Ibidem, p.113

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Algumas funções sociais dosmediaRobert Merton e Paul Lazarsfeld defendem que osmassmediapreenchem, indubitavelmente, muitas funções soci-ais que se podem tornar objecto de variadíssimas pesquisas.Entre elas, estes autores focalizam apenas três:

1) Função de atribuição de status – osmediaatribuem-no às causas públicas, às pessoas, às organizações e aos mo-vimentos sociais. “A experiência cotidiana, assim como apesquisa, atesta que a posição social das pessoas ou que umprograma político é favorecido quando repercute positiva-mente nosmass media”14. De salientar ainda que ostatusmais valorizado é atribuído àqueles que apenas são citadospelosmedia, independentemente de qualquer apoio edito-rial.

2) Os mediaconferem prestígio e valorizam a autori-dade de indivíduos e grupos, legitimando o seustatus.Oreconhecimento pela imprensa, rádios, revistas ou televi-são atesta que uma nova personalidade apareceu; um “al-guém” de opinião e comportamento bastante significativospara atrair a atenção do público. Os testemunhos dessa pes-soa mostram publicamente que “o grande e poderoso mundodo comércio a considera possuidora destatussuficiente-mente elevado para que sua opinião pese para muitas pes-soas. Em suma, seu testemunho é um testemunho de seuprópriostatus”15.

3) O emprego dosmass mediacomo reforços das nor-mas sociais. Expressões como “o poder da imprensa” (e deoutrosmedia) ou “o brilho da publicidade” referem-se pro-vavelmente a essa função, através da qual osmediapodemorganizar actividades de desmascaramento público. “Os meios

14 Robert K. Merton e Paul F. Lazarsfeld,op. cit, p.115 Mantemos otexto original

15 Ibidem

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de comunicação de massa servem notadamente para reafir-mar as normas sociais, expondo os desvios dessas normasao público”16 e é precisamente devido a esta última funçãoque osmediasão mais criticados, por exporem também oque para muitos não interessava divulgar.

Muitas mais funções havia a descrever, mas o impor-tante é frisar que os efeitos sociais dosmediavariam deacordo com o sistema de propriedade e controle. Na Ingla-terra, por exemplo, e durante vários anos, a rádio foi, paratodos os efeitos e propósitos, propriedade do governo, con-trolado e operado por ele. Hoje, embora já existam muitasrádios privadas, continuam a ser os grandes negócios a fi-nanciarem a produção e distribuição dasmass mediae, ob-viamente, aquele que paga é quem manda mais. Chega-se aum momento de conformismo social, ou seja, como osme-dia são sustentados pelos interesses das grandes empresasque se engrenam no presente sistema económico e social,eles contribuem para a manutenção desse sistema. Patroci-nados comercialmente, osmass media“restringem indirectamas efectivamente o desenvolvimento consciente de umavisão genuinamente crítica”17.

O papel do jornalista

Neste mundo de conformismo e de apatia dosmedia,im-porta equacionar o papel que os seus profissionais conse-guem ter. Muitas são as vozes críticas relativamente a umaprofissão que era considerada como das mais nobres da so-ciedade, sendo o jornalista o profissional que tudo sabia etudo abarcava. Todavia, o seu domínio alterou-se e o jor-nalista sente-se, hoje, literalmente asfixiado, soterrado por

16 Ibidem, p.11817 Robert K. Merton e Paul F. Lazarsfeld,op. cit, pp.120-121

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uma avalanche de dados, de relatos, de processos – mais oumenos interessantes – que o mobilizam, o ocupam, preen-chem todo o seu tempo e, tal como os engodos, o distraemdo essencial. Pior: “isso encoraja a sua própria preguiça,pois já não tem que procurar a informação, ela vem ter comele sem esforço”18. José Luís Garcia chama a atenção paraaquilo que lhe parece constituir uma das ambiguidades es-senciais do papel desempenhado hoje pelo jornalista. Em-bora sempre o tenha defendido como o profissional produ-tor das formas de conhecimento ligadas à informação pú-blica da realidade que são consideradas socialmente rele-vantes para viver nas actuais sociedades “estruturalmentecomplexas” e “democráticas”, este autor considera agoraque o papel desempenhado pelo jornalista é o de ser simul-taneamente “funcionário da humanidade e funcionário deuma indústria regida por um processo de produção, distri-buição e consumo, respectivamente caracterizados por re-gras e procedimentos industriais, em série e regulados pelomercado”19. E são estas dinâmicas de produção/consumoampliado de comunicação e política que afecta e redefinenão só o papel do jornalista, como a própria esfera pública,como os próprios partidos – que têm que funcionar comosubsistemas que realizam trocas continuamente em âmbitosexternos (o Estado, osmass media, a sociedade civil), paco-tes informativos e simbólicos -, como ainda, e finalmente,o próprio Estado que fala e actua publicamente através dosmass mediae que, ao mesmo tempo, gere directamente sec-tores e lugares de produção informativa.

Assim, o carácter empresarial da actividade jornalística

18 Ignacio Ramonet,A Tirania da Comunicação,Porto, Campo dasLetras, 1999, p.29

19 José Luís Garcia, “Legitimidade, poder e interpermutação”,op.cit., p.367

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e a entrada em cena de outras formas de comunicação noespaço mediático (os produtos da indústria cultural, a pu-blicidade e as relações públicas) “terão instaurado as redac-ções em lugares de tensão ou mesmo de perda de autono-mia perante os objectivos comerciais e ajudaram a abrir es-paço para que a lógica dos actos comunicativos se subsumaà tendência narrativa, perfomativa, imagética, instantâneae ubíqua”20. Estes aspectos autorizam a não prescindir doexame analítico e da atitude crítica, por um lado, ao aper-tado “constrangimento estrutural” que o mercado faz pesarsobre o jornalismo (a informação como resultado do marke-ting de audiência) e, através deste, sobre os outros camposde produção simbólica, e, por outro lado, à conivência como plano institucional político, económico e outros.

Mas, então, onde se situa o jornalista no meio desta so-ciedade manipulada sobretudo pelo poder económico e in-dustrial? É caso para perguntar porque razão se desmoronoua “nobre” concepção do jornalismo? Como é que se passoude uma espécie de glorificação do jornalista, herói da so-ciedade moderna em meados dos anos 70, para a situaçãoactual em que, transformado em “novo cão de fila”, ocupao lugar cimeiro numa escala de descrédito? Para isso con-tribuem questões de vária ordem, algumas tecnológicas, ou-tras políticas, económicas e também de linguagem. PatrickChampanhe21 entende que “aos poucos, o sector dosmediafoi ganho, por sua vez, pelo neoliberalismo, e a informa-ção tende a ser cada vez mais uma subempreitada entreguea jornalistas precários prontos para todos os fretes que tra-balham as matérias que lhes são fornecidas e fabricam umainformação por encomenda”. Hoje, o jornalismo tornou-se

20 Ibidem,p.36821 Patrick Champagne, “La censure journalistique”, Les Inrockupti-

bles, 16 de Dezembro de 1998,apudIgnacio Ramonet,op. cit., p.51

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uma indústria, na qual a irrupção das novas tecnologias al-terou radicalmente as formas tradicionais de trabalhar. Nassalas de redacção das cadeias de televisão mais modernas,os jornalistas redigem o texto e montam as imagens em si-multâneo, aumentando massivamente o número de notíciasproduzidas e levando a um excesso de oferta.

Por outro lado, os jornalistas inquietam-se com as in-fluências e as pressões exercidas sobre o conteúdo da infor-mação, especialmente pela publicidade e pelos anunciantes,além da intimidação exercida pelos grandes grupos mediá-ticos e pelos accionistas proprietários dosmediaque perce-beram que a informação não era apenas um instrumento depropaganda, mas que podia produzir lucro. Surge, então, opeso da economia na definição e orientação dosmedia, as-sentando, acima de tudo, nas auto-estradas da informaçãoe nas alterações daí resultantes na esfera da comunicação.Neste contexto, Serge Halimi defende que “a informação éhoje um produto como qualquer outro, objecto de comprae venda, proveitoso ou dispendioso, condenado assim quedeixa de ser rentável”22.

A aparição desta revolução de ordem económica, cujoobjectivo é uma produtividade e uma rentabilidade acresci-das em todos os domínios, é certo que não poderá deixar deafectar o jornalismo e as suas especificidades. “A informa-ção depressa se transformou, acima de tudo, numa mercado-ria. Não possui um valor intrínseco associado, por exemplo,à verdade ou ao interesse cívico. Como mercadoria, está,em grande medida, sujeita às leis do mercado, da oferta e daprocura, que se sobrepõem a outras regras, nomeadamentecívicas e éticas, que deveriam, no entanto, ser as suas”23.Ignacio Ramonet vai mais longe, advogando que “a busca

22 Serge Halimi,Os Novos Cães de Guarda, Oeiras, Celta, 1998, p.423 Ignacio Ramonet ,op. cit., p.50

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prioritária do lucro e a profusão de alianças sem fronteiras,de fusões e de concentrações caracterizam o universo actualdosmedia”24.

O poder dosmedia

Como é indicado por um grande número de conferências,livros e artigos, o papel da rádio, da imprensa e do cinemavem-se tornando um problema de interesse para muitos euma fonte de preocupação para alguns. Uma mudança queparece ser decorrente de vários factores. De um modo geral,é comummente aceite que osmediapossuem um poderosoinstrumental que poderá ser usado para o bem e para o mal eque, na ausência de um controlo adequado, a última possibi-lidade apresenta-se como a mais provável. Osmass mediasão os veículos da propaganda, do anúncio, e daí o medoque muitos indivíduos e instituições sentem, pois a propa-ganda mostra-se ameaçadora.

A ubiquidade e o poder em potência dosmediaé, pois,um factor de preocupação, já que nos leva a crer no seuenorme poder. Robert Merton e Paul Lazarsfeld conside-ram que, além disso, há ainda outros factores de preocupa-ção como os diversos tipos de controlo social que poderososgrupos de interesse exercem na sociedade. “Cada vez maisos principais grupos de poder, entre os quais o mundo donegócio organizado (organized bussiness) ocupa a posiçãode maior destaque, vêm adotando técnicas para manipular opúblico de massa (mass public) pela propaganda, ao invésde empregar meios mais diretos de controle”25.

Neste sentido da ubiquidade dosmedia, podemos sali-

24 Ibidem, p.12025 Robert K. Merton e Paul F. Lazarsfeld,op. cit, p.110 (texto origi-

nal)

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entar ainda o que defende João Pissarra Esteves, para quem“os mediasão hoje, indiscutivelmente, um dos factores maispoderosos de transformação das estruturas do Espaço Pú-blico”26. É que a sua acção imprime não só uma crescentediferenciação e complexidade a essas estruturas, como podepôr mesmo em risco a autonomia do próprio espaço pú-blico, enquanto tal. Ainda assim, este autor questiona seo poder dosmedia, que inicialmente era tido como umaprojecção ao mais alto nível do espaço público, será hojeuma ameaça ou o sintoma irreversível de um declínio? Umaprimeira consideração pode ser tomada ao nível do prin-cípio de igualdade. A complexidade técnica dos dispositi-vos e, sobretudo, a economia-política que rege o funciona-mento dosmedia“favorecem uma quase institucionalizaçãode estatutos diferenciados dos participantes (membros dopúblico), que corresponde a uma verdadeira estrutura hie-rárquica do poder”27. Uma diferença que se verifica, logo àpartida, entre aqueles que têm acesso aosmediae os outros(grande maioria) que ficam limitados à condição de merosespectadores.

Relativamente aos profissionais dosmedia, Pissarra Es-teves é peremptório e cauteloso. Se, por um lado, consideraque “é indiscutível que o seu estatuto, só por si, é garantia deuma certa condição de poder. Cabe-lhes um amplo controloda comunicação pública produzida: gerem as redes centra-lizadas de informações, seleccionam as matérias tematiza-das, os conteúdos produzidos e, em última análise, adminis-tram o acesso aosmedia”28; por outro, afirma que nas actu-ais condições, em que a margem de manobra destes pro-

26 João Pissarra Esteves,Espaço Público e Democracia, Lisboa, Edi-ções Colibri, 2003, p.56

27 Ibidem28 Ibidem, p.57

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fissionais é bastante reduzida, parece muito discutível quesejam eles, verdadeiramente, os detentores do tal “quartopoder”. E destaca, como paradoxo, o facto de hoje ser acomunicação política (que é relegada para segundo plano,aligeirando-se, abreviando-se, espectacularizando-se) e aque-les que a produzem que procede e mais parece interessadana sua própria despolitização (basta recordar as campanhaseleitorais).

Assim, um campo social configurado deste modo “nãodispõe de condições favoráveis ao exercício de poder porparte dos seus profissionais, designadamente em termos deactividade “publicística”, isto é, dos jornalistas”29. Os jo-gos de poder neste tipo de informação política processam-sena esfera de acção de outros protagonistas: os profissionaisdo “negócio da opinião”, cuja actividade é a “manipulaçãoimpessoal do público, sob remuneração”30. Importa aindaesclarecer que por detrás destes profissionais encontram-se“sempre” outros actores sociais, os grandes beneficiáriosdesse grande “negócio de opinião”: actores posicionadosinstitucionalmente e perfeitamente enquadrados por interes-ses particulares. “Esta situação representa uma tão brutaldestituição de poder dos “publicistas” que se tornou paraeles, também, um sério motivo de preocupação, originandomesmo tentativas e um esforço de controlo, através da cha-mada “ideologia profissional””31. Daí, surgir cada vez maisforte a exigência de uma espécie de constitucionalização ju-rídica do dito “Quarto Poder”, por pressão da opinião pú-blica e dos próprios governos que se sentem cada vez maiscomo reais ou potenciais vítimas da actual situação.

29 Ibidem, p.5830 Wright Mills, A elite do poder, Rio de Janeiro, Zahar, 1981,apud

João Pissarra Esteves,op. cit., ibidem31 João Pissarra Esteves,ibidem, ibidem

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Jornalistas e fontes

Há dois conceitos base que estão no seio da relação entrejornalistas e fontes de informação na produção da notícia: anotícia como construção da realidade e a ideia de negócioentre partes para enquadramento noticioso. A notícia nãoé o que os jornalistas pensam, mas o que as fontes dizem,mediada pelas organizações noticiosas, rotinas jornalísticase convenções. O que é notícia depende das fontes das notí-cias que, por sua vez, dependem da forma como o jornalistaprocura as fontes das notícias. Até aqui o jornalismo so-fre pressões, já que os seus profissionais “estão constrangi-dos pela localização social, rotinas de busca noticiosa e pelaconvenção oficiosa na escolha das fontes. Raramente estãoem posição de testemunhar os acontecimentos em primeiramão”32. Herbert Gans (1979) representa um ponto de vira-gem no estudo da ligação entre fonte noticiosa e jornalistana construção da notícia ao eleger o projecto de trabalhosobre fontes noticiosas como um bom método na ligação daprática do jornalismo ao conjunto da sociedade. Depois devários estudos e análises sobre as relações entre o jornalistae as fontes, Gans33 conclui que elas “correspondem a umaluta: enquanto as fontes se esforçam em divulgar a informa-ção apresentando-se nos seus melhores dias, os jornalistasacedem às fontes a fim de lhes extorquir as informações quelhes interessam”. Da sua análise, enumeram-se um conjuntode factores que indiciam estas relações de poder e condu-zem à ideia de negociabilidade da construção da notícia: osincentivos; o poder da fonte; a capacidade de fornecer in-formações credíveis; a proximidade social e geográfica emrelação aos jornalistas (o factor determinante para Gans).

32 Rogério Santos,op. cit.,p.2633 Apud Rogério Santos,op. cit., p.34

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“O campo da notícia é um palco de lutas pelo poder”34.Além das pressões de foro económico, publicista e concor-rencial, o jornalista sofre constrangimentos económicos dasua organização, influência das fontes governamentais oufontes oficiais e ameaças dos jornalistas dos outros meiosde informação. Palco da concorrência e luta pela prioridade,pela “nova mais nova”, ao jornalista estabelecem-se dispo-sitivos de temporalidade que o obrigam a uma prática sobo signo da rapidez (ou precipitação) e da renovação perma-nente. O campo jornalístico é, deste modo, “o lugar de umalógica específica, cultural, imposta aos jornalistas através daconstrangimentos e controlos, muitas vezes designados pordeontologia, fundando a reputação e a honorabilidade pro-fissionais”35. No campo jornalístico assiste-se ao crescentedomínio da componente comercial, com reforço de agentesou empresas que mais se deixam seduzir pelos lucros “ex-ternos”. “A legitimidade democrática submete-se à lógicacomercial”36.

O poder doagenda-setting

Walter Lippmann, um dos mais brilhantes cronistas ameri-canos do século, levantou pela primeira vez, no seuPublicOpinion, a possibilidade de os meios de comunicação demassas estarem a reproduzir não a realidade mas represen-tações da realidade. E afirmou que “as notícias não são umespelho das condições sociais, mas o relato de um aspectodessa realidade que se impõe por si próprio (. . . ) o verda-deiro poder da imprensa radica na capacidade de enquadrara realidade, como virão a realçar investigações e modelos

34 Rogério Santos,ibidem, p.18335 Ibidem, p.6036 Ibidem

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posteriores como o “agenda-setting”ou a teoria do “fra-ming”: são os media que nos dão estes mapas do mundo.Pela sua selecção e mostra das notícias diárias, os jornalis-tas fornecem-nos as pistas sobre quais são os tópicos im-portantes do mundo. Isto, efectivamente, ajuda a construira própria realidade”37. Lippmann argumentou ainda que osmass mediasão a principal ligação entre os acontecimen-tos no mundo e as imagens desses acontecimentos na nossamente. Sem usar a expressãoagenda-setting, Lippmann es-creveu acerca daquilo a que hoje chamamos o processo deagenda-settingda agenda pública.

Um dos poderes dosmediaé, precisamente, a sua capa-cidade para agendar temas. O paradigma doagenda-settingsurge e desenvolve-se na década de 1970, sobretudo pelosteóricos americanos Malclm McCombs e Donald Shaw. Oconceito que o fundamenta determina que os meios de co-municação de massa produzem efeitos sobre as pessoas queos consomem, ou seja, a comunicação social é que diz aopúblico em geral quais são os temas importantes da actua-lidade. Para além de um efeito persuasivo, o que está emcausa é que oagenda-settingrepresenta a introdução detemas que osmass mediaconsideram importante debater.Como refere José Rodrigues dos Santos38, “a comunicaçãosocial não diz necessariamente ao público como deve pen-sar, mas quais as questões da actualidade sobre as quais éimportante ter uma opinião, qualquer que ela seja”.

O primeiro trabalho de investigação empírico ligado aoconceito deagenda-settingabordou a questão da influên-

37 Walter Lippmannapud Maria João Silveirinha,A conformaçãodas identidades nas democracias liberais, Lisboa, Universidade Novade Lisboa, Doutoramento em Ciências da Comunicação, 2001, p.106

38 José Rodrigues dos Santos,Comunicação, Lisboa, Difusão Cultu-ral, 1992, p.97

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cia dosmediano eleitorado durante campanhas políticas.A ideia básica do paradigma resume-se assim: “A capaci-dade dosmediaem influenciar a projecção dos aconteci-mentos na opinião pública confirma o seu importante pa-pel na figuração da nossa realidade, isto é, de um pseudo-ambiente, fabricado e montado quase completamente a par-tir dos mass media”39. Apesar do poder dosmediaestar aenfraquecer, são eles que ainda estabelecem a agenda dascampanhas, pelo que cada candidato adapta o seu discursoa temas que pensa poderem atrair mais a atenção da im-prensa, garantindo-lhe assim publicidade.

“A comunicação social transformou-se numa espécie deextensão cognitiva do homem”40, um pouco na linha do quehavida sido preconizado por McLuhan. A um primeiro ní-vel, o seu efeito deagenda-settingparece reflectir-se na de-finição do que constitui ou não um tema da actualidade. Aum segundo nível, oagenda-settingvai ainda mais longe,ao estabelecer a própria hierarquia e prioridade dos temas.Ou seja, são osmass mediaque determinam, por exemplo,que a pedofilia é um tema da actualidade, cuja importânciasó é ultrapassada pela guerra do Iraque. Embora a agendaestabelecida pelos meios de comunicação de massas sejadiferente da agenda do público, a generalidade dos estu-dos demonstra que os temas abordados pelos jornais são osmesmos que o público considera prioritários. Algo que sedeve ao seu poder de agendamento e à capacidade do jorna-lista perceber o que interessa ao seu público. Neste sentido,João Pissarra Esteves defende que “eficácia e legitimidadesão, pois, atributos indispensáveis e indissociáveis do pro-

39 McCombs e Shawapud Nelson Traquina, “O paradigma doagenda-setting– redescoberta do poder do jornalismo”in Mário Mes-quita (org.)Revista de Comunicação e Linguagens, op. cit., p.190

40 José Rodrigues dos Santos,ibidem, p.99

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cesso de agenda, na fórmula de uma combinatória criteriosae equilibrada de abertura e fechamento”41.

Mediae política

Nas sociedades contemporâneas, os cidadãos recebem in-formações e formam a sua própria opinião política essen-cialmente por intermédio dosmediae, principalmente, pelatelevisão. Como já referimos, os principais meios de comu-nicação são, numa sociedade democrática, representados,essencialmente, por grupos empresariais, cada vez mais con-centrados e globalmente interligados, embora tenham, aomesmo tempo, grande diversificação e se orientem para mer-cados segmentados. A principal fonte de rendimento do ne-gócio dosmediaé a publicidade e, por isso, eles precisamde estar suficientemente próximos da política e do Governopara terem acesso à informação, usufruir das regulamenta-ções para a imprensa e, como ocorre em vários países, gozarde subsídios consideráveis. Por outro lado, “devem tambémassumir uma posição suficientemente neutra e distante parapreservarem a sua credibilidade, actuando como interme-diários entre cidadãos e partidos na produção e consumode fluxos de informação e imagens, nas bases da formaçãoda opinião pública, das eleições e dos processos de decisãopolítica”42.

Deste modo, podemos constatar a relaçãomedia/políticacom o exemplo das campanhas eleitorais. “À excepção deactividades destinadas a angariação de fundos, o principalalvo da formas de política “corpo a corpo” é fazer com queas pessoas ou a sua mensagem apareçam nos meios de co-

41 João Pissarra Esteves,Espaço Público e Democracia, p.4942 Manuel Castells,O Poder da Identidade – A Era da Informação:

Economia, Sociedade e Cultura, op. cit., pp.384-385

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municação social, entrem no horário nobre em noticiáriosda TV, em programas de rádio ou em artigos de algum jornalinfluente”43. As campanhas políticas em diversos (se não to-dos) países mostram que osmediasão o palco por excelên-cia da política. Na Espanha, por exemplo, os principais can-didatos, ao falarem em público numa determinada ocasiãoou evento, são advertidos por uma luz vermelha nos seusmicrocomputadores do momento em que passam a estar emdirecto na televisão, a fim de poderem mudar de imediato oseu discurso para um tema antes preparado, independente-mente do que estiverem a dizer aos espectadores que se en-contrem no local. É que, sem a presença activa nosmedia,as propostas políticas ou os candidatos não têm qualquerhipótese de obter uma ampla base de apoio. “A política nosmedianão se aplica a todas as formas de fazer política, mastodas as formas de política têm necessariamente que passarpelos media para influenciar a tomada de decisões”44. Aofazê-lo, a política está essencialmente enquadrada, na suaessência, organização, processo e liderança, pela lógica ine-rente ao sistema dos meios de comunicação, em particularpelosmediaelectrónicos.

De um modo geral, os meios de comunicação consti-tuem a principal fonte de informação política e de opiniãopara o grande público. A televisão, os jornais e a rádio fun-cionam como um sistema integrado, em que os jornais re-latam o evento, elaboram as análises, a televisão digere-o edivulga-o ao grande público, e a rádio oferece a oportuni-dade de participar, além de abrir espaço a debates político-partidários direccionados para questões levantadas pela te-levisão. De realçar que a relação poder-comunicação pres-supõe ainda um modo de vida político que tem por funda-

43 Ibidem44 Ibidem, p.387

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mento a discussão pública. João Pissarra Esteves45 entendeque “o discurso político ao nível da vida social quotidianaé assim, também, um médium essencial de afirmação da in-dividualidade: o recurso pelo qual se constroem as identi-dades e que permite a cada indivíduo definir uma persona-lidade própria”.

De resto, importa ainda referir que os quadros de experi-ência política se encontram hoje cada vez mais condiciona-dos pela acção dosmedia, actuando estes como produtoresde notícias que operaram a transformação da realidade emacontecimentos e estes emnew story. Sob a aparente natu-ralidade das notícias esconde-se uma rede complexa de in-teracções e uma combinatória não menos complexa de ele-mentos simbólicos muito diversos, cujos resultados não sãofacilmente previsíveis ou racionalizáveis. Como vários au-tores defendem, entre eles Tuchmann46, “o acto de produzira notícia é o acto de construir a própria realidade e não tantoa imagem da realidade”.

Mas há quem defenda ainda que, perante estas altera-ções de comportamento da própria sociedade, tem havidoum declínio daquilo a que se tem chamado “esfera pública”.Porém, quando é que começou e porquê? As respostas va-riam muito. Alguns críticos culpam a diminuição de seri-edade dosmedia, particularmente encorajada pela televi-são. Já os críticos políticos culpam menos osmedia res-ponsabilizando sobretudo as mudanças nas instituições po-líticas, “especialmente o enfraquecimento dos partidos po-

45 João Pissarra Esteves, “O poder como médium. Que linguagem,que comunicação?”,in João Carlos Correia (org.),Comunicação e Po-der, Covilhã, Universidade da Beira Interior, col. “Estudos em Comu-nicação”, 2002, p.250

46 ApudJoão Pissarra Esteves,ibidem, in João Carlos Correia (org.),op. cit., p.259

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líticos enquanto principal agente mobilizador do interessedos cidadãos pela política”47. A política nas nossas socieda-des encontra-se estruturada fundamentalmente por proces-sos de comunicação, o que induz consequências essenciais,tanto na configuração da esfera pública como no estatutodosmass mediae no papel do jornalista.

É, pois, a partir deste conjunto de razões que interessacompreender osmediae o jornalismo “independente” nassociedades contemporâneas, fora da dicotomia abstractizante“palco onde o poder se exibe”versus“contrapoder comfunções de crítica dos poderes estabelecidos”. Na verdade,os mediaassumem-se hoje, no quadro de um permanenteprocesso de constituição e afirmação da sua autonomia en-quanto instâncias mediadoras, “quer como as instituiçõesque detêm o poder de confluência e reorganização do uni-verso de diferentes subsistemas, grupos de interesse e res-pectivos temas na busca da publicitação e da notoriedadepública com que pretendem conseguir o poder político, eco-nómico, cultural, desportivo ou outro, quer como instânciasde efectivação do controlo de diversas actividades, nomea-damente a actividade política no quadro das influências docontrolo parlamentar e dos processos plurais de legitimi-dade horizontal do poder do Estado”48.

Mediae poder

O conflito entre a imprensa e o poder é, de há um séculopara cá, uma questão sempre actual, mas adquire hoje umadimensão inédita, porque o poder já não se identifica unica-

47 Michael Schudson, “A “esfera pública” e os seus problemas”,inMário Mesquita (org.)op. cit., p.149

48 José Luís Garcia, “Legitimidade, poder e interpermutação”, in Má-rio Mesquita (org.),op. cit., p.368

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mente com o poder político (que vê também as suas prerro-gativas minadas pela ascensão do económico e financeiro)e porque a imprensa, osmedia, já não se encontram numarelação automática de dependência com o poder político. Oinverso acontece com frequência.

Quanto ao seu funcionamento, importa realçar que nãose pode dissociar os diferentesmedia: imprensa escrita, rá-dio e televisão. “Hoje em dia eles estão interligados, funcio-nando em círculo, osmediarepetindo osmedia, imitando osmedia”49. Relativamente ao poder, há que ter em considera-ção a crise que este atravessa. Estamos a passar de um podervertical, hierarquizado e autoritário para um poder horizon-tal, em rede e consensual. Crise, dissolução, dispersão dopoder. Dificilmente sabemos já onde ele se encontra. Mui-tos são os autores que defendem que osmediae o poder es-tão juntos numa crise de valores e de postura na sociedade,pelo que importa questionar, neste contexto, o que aconteceà imprensa e à informação, das quais se disse, durante muitotempo, que constituíam o “quarto poder”, por oposição aostrês poderes tradicionais – legislativo, executivo, judicial –definidos por Montesquieu?

Existe uma espécie de confusão entre osmediadomi-nantes e o poder político que leva os cidadãos a duvidaremque o funcionamento crítico do “quarto poder” ainda se re-alize. É que, “para se falar de “quarto poder”, seria neces-sário, antes de tudo, que os três primeiros existissem e quea hierarquia que os organizava, na classificação de Mon-tesquieu, continuasse a ser válida. De facto, o primeiro po-der é hoje claramente exercido pela economia. O segundo(cuja interligação com o primeiro é muito forte) é certa-mente mediático – instrumento de influência, de acção ede decisão incontestáveis -, de tal forma que o poder po-

49 Ignacio Ramonet,A Tirania da Comunicação, op. cit., p.39

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lítico já não aparece senão em terceiro lugar”50. As son-dagens e os inquéritos mostram o aparecimento, desde háalguns anos, de uma desconfiança, de um distanciamentocrítico dos cidadãos em relação a certosmediae, especial-mente, em relação a um certo tipo de jornalistas. Descon-fiança essa que advém do facto de osmediase proclama-rem como um contra-poder, dominados por um jornalismoreverente, por grupos industriais e financeiros, por um pen-samento de mercado, por redes de conivência. Um pequenogrupo de jornalistas, omnipresentes, impõe a sua definiçãode informação-mercadoria a uma profissão cada vez maisfragilizada pelo medo do desemprego. Serge Halimi é doscríticos mais audazes da “nova” comunicação social. O seulivro “Os novos cães de guarda” reflecte fielmente o pano-rama actual dosmediae, principalmente, dos seus profissio-nais, os jornalistas, ou melhor, os “encenadores da realidadesocial e política, interna e externa” que a deformam “conti-nuamente”. “Servem os interesses dos senhores do mundo.São os novos cães de guarda”51.

Jornalismo “quarto poder”?

Considerar e nomear o jornalismo como “quarto poder” éuma questão que ainda não está verdadeiramente assumida,apesar de, como já referimos, começar a emergir uma exi-gência cada vez mais forte de uma espécie de constituci-onalização jurídica, por pressão da opinião pública e coma simpatia dos próprios governos que se sentem cada vezmais como reais ou potenciais vítimas da actual situação.

São poucos os teóricos da comunicação que encarem ojornalismo como tal. A maior parte são críticos a esse res-

50 Ibidemp.4051 Serge Halimi,op. cit., p.1

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peito, sobretudo numa altura em que tanto se colocam emcausa osmediapela sua inércia em relação ao sistema. Má-rio Mesquita pertence ao grupo dos cépticos, daqueles quedefendem que a fórmula do jornalismo “quarto poder” “sópode ser encarada como uma hipérbole que visa colocar aimprensa ao nível das instituições do poder constituído”52.“O Quarto Equívoco” é o título da sua obra mais recente,dedicada integralmente ao poder dosmediana sociedadecontemporânea, a qual espelha claramente a posição queMesquita assume. Também William Safire53 sustenta que,actualmente, a fórmula “quarto poder” aplicada à imprensaencontra-se “desactualizada”, sendo apenas “usada com iro-nia”. E vai mais longe, referindo que “a expressão foi usadapara colocar a imprensa em pé de igualdade com os gran-des poderes de uma nação; no séc. XX foi adoptada pormuitos directores nas suas descrições da importância do jor-nalismo” mas, presentemente, “perdeu a sua natureza ape-lativa à medida que a teoria dos outros poderes se varreuda memória e possui uma conotação algo bolorenta e afec-tada”54.

André Fontaine tem uma perspectiva idêntica. Para esteautor “o poder da imprensa só mereceria ser considerado oquartose existisse, para o exercer, um órgão federador”, oque está fora de causa, quanto mais não fosse porque “os in-teresses e os objectivos daqueles que detêm partes desse po-der são muitas vezes contraditórios, senão incompatíveis”55.

52 Mário Mesquita,O Quarto Equívoco: O Poder dos Media na So-ciedade Contemporânea, p.71

53 William Safire,Political Dictionary, New York, Ballantine Books,1980, p.242,apud Mário Mesquita,op. cit., pp.71-72

54 Ibidem, p.7255 André Fontaine, na resposta ao inquérito “Quels contre-pouvoirs

au quatrième pouvoir?”,in Le Debat, no60, mai-août, p.129,apudMá-rio Mesquita,op. cit., p.73

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Para Fontaine, boa parte daquilo que por vezes se designa“quarto poder” deveria com maior exactidão ser classificadoprecisamente “na categoria do poder feudal”. É por isso quemuitos defendem que a expressão “quarto poder” carece derigor analítico. Em primeiro lugar, porque nem osmedia,nem o jornalismo correspondem às definições clássicas depoder constituído enquanto capacidade de acção e de meiosconcretos de coerção no quadro de uma política. Em se-gundo, porque o conjunto de órgãos da comunicação sociale das práticas jornalísticas não se articula num centro de-cisório unificado e coerente, análogo ao executivo, judiciale legislativo. Em terceiro, e último, porque quer se tenhapresente a estrutura das empresas mediáticas, quer se pensenas formas de produção jornalísticas, o grau de autonomiadosmediae do jornalismo é reduzido. “O poder dosmediaé condicionado e controlado por todos os outros, ou seja,pelos centros de decisão política, económica, tecnológica emilitar” 56.

Ou contra-poder?

A ideia de jornalismo “contra-poder” é invocada na actua-lidade mais frequentemente do que a fórmula “quarto po-der”, já que se revela dotada de maiores virtualidades en-quanto modo de afirmação dos profissionais de jornalismono espaço público. É que, como preconiza Mário Mesquita,“as instituições da imprensa são encaradas como parte inte-grante dosistema de pesose contrapesoscaracterístico dosregimes democráticos”57, basta lembrar a imagem da “im-prensawatchdog” - “cão de guarda” das instituições peranteos desvios, as prepotências e os abusos de poder.

56 Mário Mesquita,op. cit., p.7457 Ibidem

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A imagem da imprensa contra-poder corresponde às mi-tologias glorificantes da acção dos jornais e dos jornalistas.Relembrem-se alguns exemplos. Um deles ocorreu numafase ainda embrionária da profissão de jornalista, o “casoDreyfus” que teve o seu principal protagonista num escri-tor e intelectual, Émile Zola, que combateu o erro judiciárioe o preconceito racial instalado em corpos tradicionais doEstado. Neste caso, a imprensa exerceu uma função críticaatravés da opinião e da polémica. Pode incluir-se também ocasoWatergate, em que o papel heróico foi atribuído a umrepórter de informação geral. Todavia, a acção da imprensanão pode ser avaliada de forma desligada de outras insti-tuições sociais. Edward Jay Epstein58 e Michael Shudson59

analisaram certas ideias feitas acerca do papel do jornalismono Watergate, evidenciando que os jornalistas doWashing-ton Postnão actuaram sozinhos. Embora o relato dos jor-nalistas envolvidos – Woodward e Bernstein – nobest- sel-ler “Os Homens do Presidente”, secundarize as contribui-ções de instituições não-jornalísticas, o avanço das investi-gações não teria sido possível sem a contribuição relevantedos magistrados, das polícias, dos tribunais e das comissõesde inquérito do congresso. Recorde-se que o casoWatergatemostrou bem, nos anos 70, que dois simples jornalistas, BobWoodward e Carl Bernstein, de um jornal importante, masnão preponderante - oWashington Post-, podiam derrubaro presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon. Tratou-se

58 Edward Jay Epstein, “Journalism and Truth”, inBetween Fact andFiction: The Problem of Journalism, New York, Vintage Books, 1975,pp.3-18,apudMário Mesquita,O Quarto Equívoco: O Poder dos Mediana Sociedade Contemporânea, p.75

59 Michael Shudson,Watergate in Amercian Memory – How We Re-member, Forget and Reconstruct the Past, New York, Basic Books, 1992apudMário Mesquita,ibidem

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de um caso de abuso de poder sistemático que se manifes-tou por toda a parte. Um presidente dos EUA tinha usado assuas funções para distorcer o processo democrático, orde-nando escutas telefónicas, assaltos por arrombamento, in-cêndios e ainda mandado espancar manifestantes.

Todavia, às grandes sagas do jornalismo de investiga-ção dos anos 70 sucederam-se, na década seguinte, diversosepisódios lamentáveis no plano deontológico. A Guerra doGolfo (1991) é apenas um dos muitos casos de manipulaçãodo jornalismo televisivo e de sucessivas derrapagens infor-mativas. “A fragilidade dos processos de investigação jor-nalística, a ausência de escrúpulos e a procura do êxito pro-fissional sem olhar a meios, a pressão das audiências e dasvendas constituem algumas das motivações que contribuí-ram para acentuar, sobretudo nas últimas duas décadas, si-tuações lesivas da credibilidade dosmedia”60. Daniel Cornuidentificou seis áreas sensíveis relacionadas com o contextoem que os jornalistas trabalham, sendo algumas reflexos delimitações estruturais: “o declínio da autonomia dos jorna-listas perante diversas formas de poder; a fragilização dasoperações de verificação e cotejo das informações (. . . ); aforma como estabelecem a agenda (. . . ); a espectaculariza-ção das informações; os atentados à liberdade individual e àprotecção da intimidade da vida privada; e, por fim, a sub-missão dos “agentes dosmedia” às respectivas entidades pa-tronais e os conflitos que se geram entre a lógica intelectuale a lógica da rentabilidade empresarial”61. Uma descrição

60 Mário Mesquita,O Quarto Equívoco: O Poder dos Media na So-ciedade Contemporânea, p.75

61 Daniel Cornu, “De la deontologie du journalisme à l’éthique del’information”, conferência proferida na Faculdade de Letras da Univer-sidade de Coimbra (texto dactilografado), pp.13-14,apudMário Mes-quita,op. cit., p.76

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que, no nosso entender, espelha perfeitamente a actualidadedo jornalismo e dosmediaque, antes de ser contra-poder,eles foram e são, em tempos de normalidade, instrumentode poder. Ainda assim, Mesquita conclui que, “em certosmomentos, sob determinadas condições, o jornalismo e osmedia associados a outras instituições das sociedades de-mocráticas, desempenharam papéis que os aproximaram dafunção de contra-poder”62.

Lógica comercial da comunicação

No grande esquema industrial concebido por patrões de em-presas de tempos livres, cada um constata que a informaçãoé antes de mais considerada como uma mercadoria, e queesta característica prevalece, de longe, sobre a missão fun-damental dosmedia: esclarecer e enriquecer o debate de-mocrático.

Osmediaencontram-se sujeitos a uma concorrência cadavez mais feroz. As pressões comerciais intensificam-se. Hoje,muitos quadros dirigentes dosmediavêem do universo em-presarial e não do mundo do jornalismo. São menos sensí-veis à veracidade da informação. “Aos olhos deles, onewsbusiness, o mercado da informação, é, acima de tudo, ummeio de obter lucro”63. A pressão da concorrência é de talforma feroz que é indispensável que os órgãos de comunica-ção social não se deixem ultrapassar seja por que informa-ção for. É também esta pressão que leva osmediaa tentaratrair o público através de reportagens indecentes. Até a im-prensa mais tradicional não está imune à ideia de que o pú-blico pode encontrar um interesse – lúbrico, mas interesse,apesar de tudo – num caso como oMonicagate(recorde-se

62 Mário Mesquita,op. cit., p.7863 Ignacio Ramonet,A Tirania da Comunicação, p.15

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a ênfase que os meios de comunicação sobretudo britânicosderam ao escândalo que envolveu Bill Clinton e uma antigaestagiária da Casa Branca, Mónica Lewinsky, em Janeirode 1998). E é precisamente essa focalização da vida privadadas pessoas que leva a opinião pública a condenar osme-dia, que cada vez mais procuram o escândalo, a desgraça,as “casas pias”.

“Inscritos numa lógica essencialmente comercial, osme-dia e o jornalismo ganharam alguma autonomia perante asinstâncias políticas, ao aderirem a uma lógica essencialmentecomercial, mas, em simultâneo, a informação e o jornalismoforam-se transformando numgénero minoritário, cercado econtagiado pela restante produção mediática”64. A margemde autonomia do jornalista é diversa consoante as organiza-ções empresariais em causa e o compromisso estabelecidoentre os jornalistas e a empresa. “Não sendo um profissionalliberal, o jornalista possui uma área de autonomia e não élegítimo que se demita de exercê-la ou que faça de conta quenão a exerce”65. Porém, isso não acontece nesta sociedadedo “vale tudo”, onde “o cidadão dá lugar ao consumidor”66

e onde as corporações e as grandes empresas dosmediatêmde se preocupar apenas com o consumidor e maximizar asua escolha.

Jornalistas como “caixa de ressonância”

A lógica comercial a que osmediaestão sujeitos e vota-dos penetra os órgãos comunicativos, criando tipos híbridosonde “a informação se confunde com a publicidade e com o

64 Mário Mesquita,O Quarto Equívoco: O Poder dos Media na So-ciedade Contemporânea, p.85

65 Ibidem, p.8766 Carlos Camponez,Jornalismo de Proximidade, p.142

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entretenimento”67. Osmediadeixaram, nesta linha de pen-samento, de ser mediadores do espaço público para, cadavez mais, ocuparem o lugar de intermediários entre os in-teresses económicos e as audiências. “O interesse pelo pú-blico torna-se, nesta lógica, essencialmente instrumental68.Serge Halimi é jornalista e um dos mais críticos da sua pró-pria profissão. Em “Os Novos Cães de Guarda”, destaca ojornalismo de reverência, onde é difícil encontrar assuntotão abundantemente tratado, e em geral de maneira tão de-cepcionante, como as relações entre os órgãos de comuni-cação social e o poder. “Onde? Quem? Quando? Como? Oquê? Porquê? Estas perguntas, que segundo parece deve-riam estruturar toda e qualquer informação, quase nunca sãofeitas quando se trata de informar. . . sobre a informação”69.Escalpelizando o jornalismo exercido em França, Halimi re-vela que se trata de um país onde os jornalistas políticospretendem destacar-se aos olhos dos homens de poder, esta-belecer relações de amizade com eles a pretexto de obtereminformações, estando “frequentemente demasiado perto daspessoas sobre quem escrevem”, considerou, por exemplo, odiário britânicoThe Gardian, na sua edição de 10 de Maiode 199370.

Os profissionais de jornalismo são vistos como “caixade ressonância” dos outros poderes, pois, embora sejam obri-gados pelos cânones da profissão a distanciarem-se do quevêem e relatam, é praticamente impossível não se imiscuí-rem nas realidades mundanas. Desejável seria termos jor-nalistas com uma consciência mais crítica sobre os seuspróprios instrumentos profissionais e públicos mais parti-

67 Ibidem, p.14368 Ibidem69 Serge Halimi,Os Novos Cães de Guarda, p.870 Ibidem, p.9

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cipativos e interventivos relativamente ao monopólio dosmecanismos de produção simbólica – algo que começa atomar um novo fôlego com a exigência de educação paraos media, a criação de observatórios de imprensa e a mul-tiplicação de organizações que procuram reflectir sobre asconsequências do poder dosmediana liberdade dos cida-dãos. “A complexidade crescente das sociedades exige ou-tros saberes que permitam ultrapassar o digníssimo saber deexperiência feito”71. Os problemas inerentes à legitimidadeda profissão, as especializações crescentes, a mundializaçãoda indústria cultural, a complexidade cada vez maior dassociedades e as responsabilidades sociais que incumbem àimprensa fazem com que o jornalista não possa reduzir osseus saberes ao conhecimento do livro de estilo, à capaci-dade narrativa, ao uso do prontuário, ao domínio da línguaportuguesa.

Jornalismo de proximidade

Numa sociedade repleta de informações várias que nos che-gam de todos os cantos de mundo e de todas as formas, im-porta, ainda de que forma rápida e ligeira, averiguar em quepatamar se encontra o jornalismo regional. Será que ainda élegítimo falar de jornalismo de proximidade num altura emque a globalização parece ter-se imposto definitivamente?

São vários os autores que se debruçam sobre esta ques-tão, mas um dos que consideramos fundamentais é CarlosCamponez, que dedicou a sua tese de mestrado exclusiva-mente ao “Jornalismo de Proximidade”. Para ele, o estudoda informação local tem uma grande dificuldade resultante

71 João Correia, “O poder do jornalismo e a mediatização do espaçopúblico”, in Nelson Traquina (org.),Revista de Comunicação e Lingua-gens, no 27 (Jornalismo 2000), Lisboa, Relógio d’Água, 2000, p.208

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do facto de se encontrar numa área de cruzamento de váriasdisciplinas e saberes. Há muito que a comunicação regionalassumiu uma importância, um dinamismo e uma organiza-ção sem igual no nosso país. Sobretudo nas duas últimas dé-cadas, assistimos a uma “cada vez maior revalorização dopapel da imprensa regional e local”72, nomeadamente en-quanto instrumento privilegiado na manutenção ou na reac-tivação de formas comunitárias pré-industriais, alternativasaos modelos de comunicação massificados. Mas, importaquestionar que lugar reserva a globalização à imprensa lo-cal e regional? Será que osmediaregionais poderão ser umaalternativa aosmediade massa? Ou, pelo contrário, estarãomais dependentes dos poderes locais e regionais?

João Carlos Correia73, que também se tem debruçadosobre esta matéria, entende que a Comunicação Social Re-gional tem que mostrar a sua especificidade em relação àComunicação Social dita nacional e, por isso, destaca al-guns traços típicos do jornalismo pré-industrial que, no seuentender, ainda sobrevivem nosmediaregionais: “a cone-xão escassa com a publicidade; uma relação forte entre aselites locais e osmedia; uma ênfase no artigo de opinião ena colaboração externa; (. . . ) a tendência para estruturar odiscurso em torno de alguns assuntos recorrentes em tornodos quais se veiculam opiniões, debates e polémicas; (. . . )o reconhecimento recíproco e partilhado por produtores ereceptores quanto aos factos e realidades que servem de re-ferentes à mensagens jornalísticas”. Ao invés, continua Cor-reia, “na Comunicação Social nacional já se terá verificadotodo o ciclo de industrialização do jornalismo que coincide

72 Carlos Camponez,op. cit.,p.7473 João Carlos Correia,Jornalismo e Espaço Público, op. cit., pp.157-

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com a formação de um tipo de empresas especializadas notratamento da matéria-prima informativa”74.

Apologista de que osmediaregionais são um comple-mento aos nacionais e uma alternativa a um modelo massifi-cado de comunicação, João Carlos Correia chega a colocara imprensa regional e local portuguesa num limiar onde acomunicação de massa e a comunicação interpessoal quasese confundem, descortinando nela formas alternativas a umacomunicação social nacional, geralmente marcada pela vir-tualização dos públicos, pela massificação e pela cedênciacrescente às lógicas mercantis da informação-espectáculo.Todavia, a sua posição é posta em causa por vários autores,entre os quais Carlos Camponez, que entende que esta des-crição levar-nos-ia a aceitar que “esta imprensa está maispróxima das formas de interacção face a face ou mediada,do que de uma “quase-mediação que caracteriza a comuni-cação de massa”75. Uma tese também sustentada por SanfizRaposo, para quem osmedialocais destinam-se a preenchero espaço que existe entre a comunicação individual – bocaa boca, telefone, etc. – e osmediade âmbito nacional ouinternacional, que cobrem uma realidade diferente.

É certo que a imprensa regional escolhe o território comoo lugar de realização do seu empenhamento editorial, cultu-ral, discursivo, económico, resultando a sua especificidadedo “seu compromisso específico, do seu pacto comunica-cional com um território que não pode deixar de repensarum recorte parcial de um espaço mais vasto”76. Trata-se deum jornalismo de proximidade, fundamentalmente compro-metido com a sua região e as suas gentes. Camponez dá oexemplo prático do caso de Maceira, em que o jornal “Diá-

74 Ibidem75 Carlos Camponez,ibidem, pp.94-9576 Ibidem, p.273

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rio de Leiria” tomou publicamente partido das posições dopovo daquela localidade e não hesitou em assumir a causada co-incineração, transformando-a num acontecimento ex-cepcional que mereceu o destaque na sua primeira página,durante 14 edições consecutivas. É um exemplo do jorna-lismo ainda mais próximo do cidadão: o jornalismo das cau-sas, no qual o jornal se assumiu como um actor político in-contornável e se mostrou partidário, ainda que sem sigla de-finida.

Assim, se por um lado, o jornalismo regional tem a van-tagem da proximidade com os seus leitores ou ouvintes,tomando partido das suas causas, por outro isso tambémdeixa de lado os cânones do jornalismo, que dizem que ojornalista deve ser isento, objectivo e apartidário, não to-mando nunca posição sobre aquilo que transmite e descreve.Além disso, destacamos ainda, com base em D. Ignacio BelMallen77, pelos menos dois problemas comunicativos locaisinerentes à vida municipal: “El primero de ellos es la de-pendencia del poder político local”, para efeitos informati-vos e de opinião pública, dos meios informativos nacionaisou regionais. A evolução local da informação, ou seja, acriação de meios estritamente locais que configuram a opi-nião pública local, tem sido, e é em muitos casos, um fe-nómeno lento e trabalhoso. A consequência prática é a au-sência de uma informação clara e suficiente dos municípiosnesta classe de meios, pelo que a sua acção política temuma escassa transcendência nestes órgãos. O segundo pro-blema “es la propia dificultad en el nacimiento, desarrolloy consolidación de los médios estrictamente locales de in-

77 D. Ignacio Bel Mallen, “Opinion Publica y Gobierno Local”, inComunicação, Informação e Opinião Pública,Estudos de Homenagema Andrés Romero Rubio, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2001,p.245

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formación”, que são os que verdadeiramente configuram aopinião pública em cada um dos municípios. Neste caso,são cinco as causas principais desta dificuldade em relaçãoaos meios de informação locais:

1) a falta de verdadeiras estruturas organizativas ou em-presariais no campo da informação local. É que grande partedosmediasão produto de iniciativas carentes de umas boasbases estruturais e financeiras, levando a que nas primeirasdificuldades económicas os projectos decaiam por falta desustentabilidade;

2) a falta de profissionalização das pessoas dedicadas aesta classe de informação, muitas das quais desconhecendoo próprio local onde estão a formar e informar a opiniãopública. Isto é extensível aos própriosmedianacionais, quemuitas vezes colocam, por exemplo, a Covilhã no norte dopaís;

3) a falta de especialização informativa no campo local;

4) a falsa ideia de que a informação local é mais fácil nasua realização do que a de nível nacional ou internacional,o que é um erro crasso;

5) a imediatez do tratamento e conhecimento dos sujei-tos relacionados com esta classe de informação.

A estas cinco dificuldades ainda podemos acrescentar arelação de dependência essencialmente publicitária que osmediaregionais têm com as instituições, isto porque os ór-gãos de comunicação social que não possuam uma base eco-nómica forte, muitas vezes dependem da publicidade dasempresas para assegurarem a sua manutenção. E daí o factode frequentemente se ouvir nas redacções de jornais regio-nais: “Cuidado com o que se diz daquela casa, pois precisa-mos que nos façam uma página!”.

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Conclusão

O poder dosmediaestá condicionado aos outros poderes dasociedade. Esta é, na nossa opinião, a conclusão mais evi-dente que podemos extrair deste trabalho. Embora osmediatenham um papel absolutamente necessário e indispensávelnuma sociedade democrática e na organização do espaçopúblico, nas últimas décadas “pecaram” ao se deixarem in-fluenciar e manipular sobretudo pelo poder político e eco-nómico, condicionando-os a uma nova postura.

Tudo se perverteu. A aura que osmediapossuíam nadécada de 70, em que funcionavam como verdadeiro contra-poder (relembre-se o casoWatergate), desmoronou-se e hojeeles são vistos como um simples instrumento da sociedade.Na verdade, a ubiquidade e o poder que osmediaaindapossuem preocupam muita gente, sobretudo aqueles que sesentem lesados pelas notícias que, contra o seu desejo, sãoreveladas. Neste contexto, podemos elevar a sua posição,enquanto meio de informação, sem o qual muitas vezes nãosaberíamos o que acontece ao fundo da nossa rua. É porisso que o poder e o papel da comunicação social e, concre-tamente, do jornalismo pode ser analisado à luz de váriascorrentes de opinião, muito embora, como pudemos averi-guar ao longo deste trabalho, as mais recentes sejam essen-cialmente críticas.

Daí, o facto de a expressão “quarto poder” ainda estarpor conferir aosmedia. Eles foram-no durante um deter-minado tempo, mas hoje essa questão nem se coloca paraos teóricos, que os consideram cada vez mais um “quartoequívoco” (Mário Mesquita), uma “quarta fraqueza” (JaderJacobelli). A sua função de contra-poder desapareceu e hojeeles são apenas “um funcionário da humanidade e de umaindústria regida por um processo de produção, distribuição

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e consumo, respectivamente caracterizados por regras e pro-cedimentos industriais, em série e regulados pelo mercado”(José Luís Garcia). É a massificação da comunicação social,onde os jornalistas asfixiam e se tornam mórbidos e pregui-çosos, pois já não precisam de se preocupar, as informaçõeschegam-lhes por intermédio da própria industrialização.

Chegámos a um tempo em que os jornalistas tudo fazempara ganhar um “lugar ao sol” e em que a tão apregoada ob-jectividade jornalística não passa de um chavão oco, semqualquer legitimidade. Há cada vez mais informação, cadavez mais concorrência e a necessidade da melhor caixa éum imperativo, pelo que não importa como se consegue de-terminada notícia e se ela é completamente verdadeira ouse é mais um “jogo” de determinado assessor de imprensaou gabinete de Relações Públicas para desviar a atenção daopinião pública.

No que concerne ao jornalismo regional, concluímosque, apesar de ser um meio possivelmente mais eficaz noque diz respeito à adequação da informação à região e popu-lação que serve, ele também tem bastantes limites. Destacam-se a falta de verdadeiras estruturas organizativas ou empre-sariais, a falta de profissionalização e de especialização dosprofissionais e da informação, e, principalmente, a falta deuma base financeira forte para evitar a dependência sobre-tudo publicitária e económica dos vários agentes sociais,políticos e financeiros. Se, por um lado, o jornalismo regi-onal pode ser um complemento ao jornalismo nacional, poroutro, acaba por enveredar pelo mesmo caminho da depen-dência, apenas a um nível inferior.

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